Querida Pirituba

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Mata Atlântica // Infância // Cultura Negra // Samba // RAP // Sarau.

Povos Guarani // Exploração de Ouro // Fazendas de Café // Fábricas

Pirituba // 133 anos

QUERIDA PIRITUBA


Agradecimentos Oxóssi, Iemanjá, Oxum e Marabô: Por me escutarem em meditação. Suporte emocional: Marlene, mulher mais importante da minha vida; Adenelson, homem mais importante da minha vida; Géssica, que além de inspiração de vida me ajudou muito com conselhos e correções; Nathany, pelas sessões que me ensinam o autocontrole mental e emocional; André e Rafael, por quatro anos de graduação cheios de risadas e conversas; Adriely, Caio, Camila, Felipe, Gabriela, Gustavo, Karina, Liminha e Stefano, simplesmente por estarem presentes em minha vida neste ano corrido e me trazerem alívio e alegria; Vitória, por me emprestar as perguntas “O que você traria? / O que levaria?” E tirar muitas dúvidas. Realização do projeto: Anderson, por me orientar ao longo do ano e ao invés de podar, incentivar as ideias megalomaníacas; Adenelson, Dinas, Guma, Joana, Michel, Neide, Paula e Tereza, por serem extremamente bondosos e carinhos comigo e me emprestarem o tempo, a atenção, a imagem e as memórias; Robson e Ana Lucia, por aceitarem compor a banca de julgamento do projeto; Todos os professores que tive ao longo da formação, por terem me dado régua e compasso para realizar o projeto final.


Resumo Querida Pirituba é o registro acadêmico e artístico de histórias que ajudam a entender o percurso do bairro de Pirituba, localizado no extremo oeste da capital de São Paulo. Se, junto com Pirituba, considerarmos os sub-bairros de Parque São Domingos e Jaraguá, a população estimada é de cerca de 437.592 habitantes – segundo o censo disponibilizado pela Prefeitura de São Paulo – portanto, pode-se afirmar que possui tamanho e densidade de cidade, mas com problemas de periferia devido a falta de atenção e investimento por parte da política. Este registro tem o objetivo de valorizar a história oral do bairro, para que não sejam esquecidas, e registrá-la através da escrita e da fotografia. Do ponto de vista metodológico, realizamos o levantamento de documentos oficiais e a coleta de narrativas através de entrevistas (gravadas em áudio e transcritas) com moradores de diversas partes do bairro, houve o levantamento das histórias sob a ótica de quem vive o bairro. Dos registros nasceram ilustrações que transformadas em cartazes possuem o intuito de mostrar visualmente que a história do bairro tem mais de uma forma de ser contada e cada um tem a sua própria Pirituba. Assim como a vida, cada história compõe um livro que pode ser visto como produto único ou como peça complementar de um conjunto de histórias que formam uma comunidade. Palavras Chave: Pirituba; Editorial; Ilustração; História Local; Registro.


O que procura? 1. Objetivos............................................................................................. 9 1. 1. Geral.................................................................................................. 9 1. 2. Específicos..................................................................................... 9 2. Justificativa....................................................................................... 9 3. Metodologia...................................................................................... 11 3. 1. Levantamento Histórico........................................................... 11 3. 2. Entrevistas...................................................................................12 3. 3. Fotografia......................................................................................14 3. 4. Ilustração......................................................................................15 3. 5. Cartazes.........................................................................................15 3. 6. Livros..............................................................................................15 4. Fundamentos Teóricos.................................................................16 4. 1. História Oral.................................................................................16 4. 2. Entrevistas...................................................................................19 4. 3. A história do bairro................................................................. 160 4. 4. Pontos Históricos.....................................................................165 4. 4. 1. Pico do Jaraguá.....................................................................165 4. 4. 2. Aldeias indígenas Guarani.............................................. 170 4. 4. 3. Estação de trem Pirituba.................................................. 176 4. 4. 4. Casarão Anastácio...............................................................178 4. 4. 5. Galeria Narciza.....................................................................178 4. 4. 6. Jaraguá Clube Campestre................................................ 179 4. 4. 7. Castelinho de Pirituba........................................................ 181 4. 4. 8. Campo dos engenheiros ...................................................183 4. 4. 9. Várzea e Pirituba FC.......................................................... 184 4. 4. 10. Fábrica de pianos Fritz Dobbert....................................188 4. 4. 11. CAISM Philippe Pinel....................................................... 190 4. 4. 12. Casa de Nassau.................................................................. 194 4. 4. 13. Biblioteca Brito Broca...................................................... 196 4. 4. 14. Lanifício Pirituba..............................................................200 4. 4. 15. Mercado de Pirituba.........................................................202


4. 4. 16. Cine São Luís, Paradise Club e Piritubão...................204 4. 4. 17. Terminal de Ônibus Pirituba.........................................206 4. 4. 18. Instituto Federal de Tecnologia....................................208 5. Resultados da Pesquisa............................................................. 210 6. Requisitos para o projeto.......................................................... 216 6. 1. Pesquisa...................................................................................... 216 6. 1. 1. Metodologia de Pesquisa: ................................................. 216 6. 1. 2. Entrevistas:............................................................................ 216 6. 1. 3. Transcrição: ...........................................................................217 6. 2. Fotografia....................................................................................217 6. 2. 1. Câmera: ...................................................................................217 6. 2. 2. Edição: ....................................................................................217 6. 3. Ilustração....................................................................................217 6. 3. 1. Noções de desenho e material: .......................................217 6. 3. 3. Teoria da cor: ........................................................................218 6. 4. Tipografia................................................................................... 219 6. 4. 1. Mancha de texto: ................................................................ 219 6. 4. 2. Família tipográfica: ........................................................... 219 6. 5. Editorial......................................................................................220 6. 5. 1. Diagramação: .......................................................................220 6. 5. 2. Formato: ................................................................................220 6. 5. 3. Impressão: ............................................................................220 6. 5. 4. Projeto e identidade visual: ............................................220 7. Documentação do Projeto..........................................................221 7.1. Ilustrações....................................................................................221 7. 2. Cartazes......................................................................................226 7. 3. Produto Final............................................................................230 8. Estudos de Concepção...............................................................244 8. 1. Rascunhos das Ilustrações...................................................244 Referência..........................................................................................246 Lista de Imagens..............................................................................249 Anexos.................................................................................................252

1. Objetivos 1. 1. Geral Documentar artística e academicamente histórias que moldam o bairro de Pirituba para reforçar estes registros. O intuito é a manutenção da história, para que ela não seja apagada como tantas outras foram, acidentalmente ou não.

1. 2. Específicos Manutenção e construção histórica do bairro de Pirituba; Constituição de fonte histórica oral através da entrevista; Registro escrito de histórias ; Apresentar visualmente as diferentes formas de contar a história através de cartazes ilustrados;

2. Justificativa Estamos em 2018, ano em que um incêndio destruiu quase que em sua totalidade a casa que abrigou Dom Pedro II e que abrigava um importante acervo sobre história da humanidade e da natureza, desde fósseis não identificados até línguas extintas, conhecido como Museu Nacional no Rio de Janeiro. “Além de fósseis como o do pequeno crocodilo pré-histórico, registros de culturas indígenas extintas no país e coleções inteiras de animais brasileiros podem ter se perdido. E, com eles, parte da ciência do país” (COSTA, 2018)

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O museu era considerado o maior da América Latina e mesmo assim a causa do incêndio foi a falta de verba para a manutenção do espaço. Com isso, podemos ter noção da forma como os governos tratam os registros históricos e culturais, essenciais para estudo e compreensão da vida, seja esta compreensão do campo da biologia, sociologia, filosofia, história ou de qualquer outro campo de estudo. A história analisada, problematizada e documentada sofre com este descaso e desatenção. Diante disso, surgem as reflexões da maneira como tratamos as histórias orais e “não oficiais”, aquelas que por muitas vezes são vistas como lendas ou mitos transmitidos de geração em geração. A questão não é se registros escritos ou audiovisuais são mais eficazes, mas sim a relevância de também existir estes formatos como sustentação para fortalecer as bases de estudos futuros. Para compreendermos o presente e construirmos o futuro, frequentemente refletimos sobre o passado. Imagine esse passado sem desenhos rupestres, sem a invenção da escrita na mesopotâmia, estas compreensões seriam ainda mais difíceis. É o que acontece com os povos oriundos do continente africano e americano, por conta dos processos colonizadores que exterminaram e diluíram aos muitos toda a cultura e história destes povos, tornou-se muito mais difícil datar ou estudar as origens e os processos que construíram as etnias e as civilizações “não dominantes”. Podemos conectar este raciocínio com a fala de um convidado, o grafiteiro Dinas que reside na comunidade do Jaraguá, “Quando a Europa inventa as letras, ela mata tudo que uma África construiu, porque era tudo na base da oralidade, na base que até hoje nas culturas indígenas e afros tem aquela coisa de sentar e conversar, ouvir os mais velhos, contar as histórias, fazer as prosas e hoje a gente não tem mais. E como a escrita marginaliza essas pessoas[...]”.

Por quantas vezes a história foi contada a partir da ótica de “quem vence”? A partir disso, esse projeto olha para as “histórias oficiais”, que nos conta a construção histórica do bairro, mas também valoriza para o olhar de moradores, que vivem e sentem a história do bairro diariamente e constroem disso sua própria história de Pirituba, relacionada ou não com o que os registros nos contam. São estas as histórias que constroem o bairro, pois sem seres vivos, um bairro é apenas uma demarcação geográfica e sem registros ficamos à mercê de suposições. Este projeto também carrega o objetivo de registrar em meio acadêmico as histórias do bairro de Pirituba, que até então se encontra apenas nas vivências dos moradores, sites, páginas de facebook e documentos velhos, rasgados e soltos na biblioteca Brito Broca. A documentação acadêmica pretende, além de registrar o atual estado do bairro, promover material futuras pesquisas relacionadas ao assunto.

3. Metodologia A pesquisa tem como finalidade construir e pesquisar relatos sobre a história do bairro a partir das vivências dos moradores e dos documentos oficiais. Deste modo, o projeto foi construído a partir de pesquisas de campo, sendo necessário a locomoção tanto para fotografar e entrevistar os participantes da pesquisa, quanto para fazer o levantamento documental de registros históricos.

3. 1. Levantamento Histórico O levantamento histórico foi a partir da busca de documentos, fotos e histórias já registradas. Esta busca infelizmente não foi bem-sucedida, após procurar na subprefeitura e na prefeitura regional, fui encaminhado para a biblioteca Brito

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Broca onde encontrei poucos documentos, estes poucos documentos que obtive acesso estavam em péssimo estado de conservação, rabiscados, rasgados e muitas vezes sem condições de leitura, aparentemente devido ao grande número de cópias tiradas. As fotos antigas da região de melhor qualidade, legenda e com maior facilidade de acesso foram encontradas na página de facebook “Pirituba web”. As histórias foram retiradas do site do projeto “Pirituba net” que, grosso modo, é a fonte mais completa de informação sobre a região.

3. 2. Entrevistas

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Os entrevistados foram escolhidos a partir de dois critérios, são eles, a parte do bairro que moram e seus aspectos físicos. Tentamos abranger a maior diversidade possível, entretanto, por uma questão de prazos e mudanças, não fomos capazes de coletar material junto ao grupo indígena, bastante importante para a constituição do bairro. O participante com quem havíamos combinado a entrevista, filho da cacique de uma das aldeias do Jaraguá, mudou-se para outra cidade de modo que inviabilizou a entrevista. Fica, no entanto, o apontamento para que futuras pesquisas busquem construir esse material, mas dentro da limitação de tempo as pessoas selecionadas foram: Homem, branco, comerciante, morador da Vila Zatt; Homem, negro, poeta, morador do Santa Mônica; Homem, branco, articulador cultural, morador da Vila Renato; Homem, negro, grafiteiro, morador do Jaraguá; Mulher, negra, cambista, moradora da Vila Zatt; Mulher, negra, poeta, moradora da Vila Zatt; Mulher, negra, professora, moradora da Chácara Inglesa;

Mulher, negra, empregada doméstica, moradora da Vila Mirante. Coube aos entrevistados determinarem o dia, a hora e o local da entrevista, para que o conforto dos colaboradores fosse prioridade devido ao tema de conversa pretendida. As entrevistas foram captadas com um celular Samsung Galaxy J2 que possui ótima captação de áudio. Ao longo da entrevista registrei/registramos com fotos espontâneas momentos que despertavam atenções especiais como, por exemplo, um garoto empinando pipa. Ao final da entrevista pedíamos para que o convidado me mostrasse coisas que ele gostaria de apresentar enquanto realizava o ensaio fotográfico, todo o processo visou ser o mais orgânico, natural e espontâneo possível. Foram definidas perguntas norteadoras, mas não foram necessariamente seguidas, pois o intuito da entrevista era que fosse uma conversa orgânica sobre a infância e as memórias do bairro, ao final da entrevista duas perguntas mais subjetivas e fantasiosas, a fim de causar uma reflexão do que poderia ter sido diferente e do que pode ser diferente. As perguntas norteadoras, assim como as perguntas finais são: Quanto tempo mora em Pirituba? Morou em mais de um lugar no bairro? Como foi sua infância no bairro? Como eram as ruas? O que você fazia? Quais histórias mais marcantes? Conhece alguma coisa da história do bairro? Teve algum contato com aldeias indígenas? Se pudesse trazer alguma coisa da sua infância para a vida adulta, o que seria? Se pudesse levar alguma coisa da sua vida adulta para sua infância, o que seria?

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Todas os convidados concederam a autorização do uso da imagem e das falas e assinaram o termo de consentimento para tal uso.

3. 3. Fotografia

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A máquina usada para as fotografias foi uma Canon 70D e as fotos foram editadas no programa Adobe Lightroom. A linguagem fotográfica escolhida foi a mais orgânica possível, sem muito posicionamento técnico ou pensamentos ligados a técnicas e métricas, o intuito da linguagem orgânica é trazer a sensação de que é uma pessoa andando pelo bairro observando os lugares e convidados. O olhar de quem anda descompromissadamente é diferente do olhar técnico de quem pensa na composição, por isso busquei me apegar a detalhes que chamaram a atenção ao caminhar pelo bairro, sem necessariamente retratar do melhor ângulo (em termos técnicos). Fotografei cada local relatado nos registros históricos para evidenciar como estão hoje, pois a limitação do acesso à fotos antigas se alinhou com o desejo de não enaltecer cegamente e romanticamente o bairro, mas mostrar como tratamos os monumentos e lugares históricos, como os deixamos esquecidos, apodrecidos e degradados, isto quando não os demolimos para dar espaço à especulação imobiliária com seus edifícios Por isso, o objetivo que, a princípio era resgatar as fotos antigas, pareceu-nos mais fértil e problematizador se fizéssemos novos registros, evidenciando o descaso do poder público perante à história. Também vale destacar que as fotos foram editadas para chegar em tons quentes, para remeter esta sensação nostálgica de todo o projeto, pois mesmo diante de tantos problemas, uma coisa comum entre todos os convidados é o carinho pelo bairro e as boas memórias que tiveram nele.

3. 4. Ilustração Alinhando um amor com outras formas de contar história, ilustrei cada entrevista destacando os pontos que considerei cruciais para a vida dos entrevistados, dando assim minha única interpretação pessoal sobre seus relatos. O método escolhido para realizar as ilustrações foram a utilização de ilustração digital impressa em papel Off-set 90g, as cores foram escolhidas a partir do tom que as histórias traziam, procurei imaginar o cenário de cada relato e sintetizar as cores que teriam aquelas recordações. Mostrar paleta de cores e ilustrações de cada convidado.

3. 5. Cartazes Os cartazes, além de representar uma forma visual e lúdica que convidam à imaginação e contato com a história de cada convidado, é também um “envelope” que protege os livros e seus conteúdos, assim como pode ser interpretado como capa de cada livro. Os cartazes também são fundamentais para a noção de unidade do projeto, pois as ilustrações seguem a mesma linguagem e evidenciam a identidade visual, assim os livros podem ser vistos como produtos individuais ou fragmentos do projeto. Cada convidado ganhou um cartaz especial e narrativo baseado em seus relatos pessoais, tal como o bairro ganhou seu cartaz baseado em sua história já anteriormente registrada.

3. 6. Livros São 10 livros, 9 com acabamento lombada canoa e dois grampos e 1 lobada quadrada, impressos em papel Off-set 90g envoltos por uma luva estampada para dar unidade ao projeto. Os livros fragmentados foram pensados para passar a ideia

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de que cada livro, assim como cada história é um produto completo, mas também fragmento de algo maior que, no caso, é o bairro (geográfico). A luva que envolve os livros é a representação do bairro, pois um bairro é um local geográfico que reúne histórias pessoais e individuais, por isso há tantas maneiras diferentes de contar a história de um local e devemos olhar de cada ângulo possível, em resumo o projeto “Querida Pirituba” é um projeto sobre o bairro e sobre as pessoas que moram nele, pois cada um possui a sua Pirituba querida.

4. Fundamentos Teóricos 4. 1. História Oral

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Não é possível datar com precisão quando o homem começou a se comunicar verbalmente com dialetos e línguas compreendidas por uma comunidade, mas acredita-se que foi por volta de 60 mil anos antes da era cristã que o homem começou a tentar falar. “Acredita-se que o homem tenha começado a falar – ou começado a tentar falar – cerca de 60 mil anos antes da Era Cristã. Essa possibilidade foi levantada após a descoberta de um osso hióide – situado na base da língua – em uma caverna do Monte Carmelo, em Israel.” (REBELO, 2007) Este anseio de comunicação verbal é uma das características do ser humano, nos encontramos com pessoas que nos sentimos confortáveis e contamos nossas histórias, o que vivemos, o que vimos, o que pensamos e outras vezes também contamos histórias inventadas, seja para entreter, enganar ou apenas preencher algum espaço. A forma oral de transmitir

histórias e conhecimentos é uma das mais prazerosas, desde histórias que ouvimos em conversas, passando por conhecimentos transmitidos por professores e chegando à músicas, séries, documentários, filmes e vídeos que também possuem esta intenção de comunicar, mas não pode ser a única forma existente, pois o quanto se perde neste trajeto entre gerações? O quanto a história se modifica? Por exemplo, em uma simples brincadeira como “telefone sem fio”, que consiste em juntar um coletivo de pessoas, enfileirar e falar uma frase no ouvido da primeira da fila, assim a primeira fala o que entendeu para a segunda e sucessivamente até chegar na última da fila, que deve falar o que entendeu em voz alta, muitas vezes a frase que a última pessoa falou é completamente diferente da frase que o primeiro transmitiu. Esta distorção pode ocorrer por diversos motivos, má compreensão do que foi dito ou simplesmente alguém mudou a frase propositalmente no meio do caminho, com isso, levanta-se a questão, se em uma brincadeira de no máximo dezenas de pessoas e durabilidade de alguns minutos há a possibilidade de distorção do que foi dito, como podemos afirmar com certeza que as histórias serão transmitidas de gerações em gerações sem que haja nenhuma modificação no meio do trajeto? Reafirmo o que já foi dito na justificativa deste presente projeto, a intenção não é encontrar a forma mais eficaz de transmitir histórias, mas não descartar as possibilidades existentes para que se diminua o risco de perdas. É difícil de dizer o quanto de história teríamos perdido ou simplesmente não conhecido se não houvessem registros escritos, audiovisuais ou artísticos como, por exemplo, artes rupestres que datam a existência da caça e de comunicação há mais de 60 mil anos, como nos conta MAES (2014). Acredita-se que a escrita do modo que conhecemos hoje, começou na Mesopotâmia em 4 mil anos a.C. segundo SOUSA (s/d), e

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se possuímos esta ferramenta, podemos utilizá-la para reforçar o que nos diz as histórias orais sem descartá-la. Estes registros são importantes para solidificar as bases e abrir caminhos para estudos mais aprofundados sobre todas as áreas, exatas, biológicas, humanas e artísticas. Os estudos sobre o passado podem nos dizer muito sobre nosso presente e o que esperar do futuro, no caso de Pirituba, quanto mais esta pesquisa poderia progredir e quanto mais saberíamos sobre a história do bairro se tivéssemos registros que contassem os pontos de vista das pessoas que passaram ao longo da história, seja esta pessoa um escravo da época da colonização e exploração do ouro e café, ou um indígena que estava na região antes da chegada de Afonso Sardinha. Talvez hoje pudéssemos afirmar a existência de quilombos e núcleos de resistência e luta contra os bandeirantes ao invés de supor e imaginar os caminhos trilhados, também poderíamos talvez determinar melhor as áreas geográficas dignas para que os indígenas de etnia Guarani presentes no Jaraguá possam cultivar e manter suas próprias culturas. Nestes casos também há a questão em torno da quantidade de material destruído propositalmente pelos povos colonizadores. A história de Pirituba ainda não está organizada e difundida entre os moradores, mas aos poucos os registros vêm aparecendo como, por exemplo, os grupos de RAP que registram as histórias em formas de músicas, os poetas que registram com escrita e os formandos moradores da região que estão se dedicando para registrar academicamente as histórias que permeiam o bairro, reafirmo que a oralidade não deve ser de forma alguma descartada, apenas sustentada com outros métodos e finalizo constatando a importância da existência da história oral para a construção e manutenção das culturas. “A história oral devolve a histórias às pessoas em suas pró-

prias palavras. E ao lhes dar um passado, ajuda-as também a construir um futuro por elas mesmas.” (THOMPSON, 1998, p.377 apud ALVES, 2016, p.01) .

4. 2. Entrevistas

“Toda pesquisa qualitativa deve implicar o desenvolvimento de um diálogo progressivo e organicamente constituído, como uma das fontes principais de informação. No diálogo se criam clima de segurança, tensão intelectual, interesse, confiança que favorecem níveis de conceituação da experiência que raramente aparecem de forma espontânea na vida cotidiana.” (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 56 apud ALVES, 2016, p.02) A forma mais efetiva que encontramos para registrar estas histórias pessoais foi por meio de entrevistas captadas por áudios e transcritas posteriormente, pois era necessária alguma forma que permitisse que o convidado pudesse dar sua perspectivas, suas visões e suas histórias com suas próprias entonações, gírias e modos de falar. O desafio maior era atingir o ponto esperado para captar as informações necessárias para o andamento do projeto, era necessário que os entrevistados se sentissem confortáveis para conversar sobre histórias relacionadas com suas infâncias. Thompson (1998) nos fala um pouco da postura que o entrevistador deve assumir para que o convidado se sinta acolhido. “Interesse e respeito pelos outros como pessoas e flexibilidade nas reações em relação a eles; capacidade de demonstrar compreensão e simpatia pela opinião deles; e, acima de tudo, disposição para ficar calado e escutar.” (THOMPSON, 1998, p.377 apud ALVES, 2016, p.5)

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Foram definidas algumas perguntas bases para atingir três campos, são eles, pessoal, geográfico e afetivo. O campo geográfico para compreender o desenvolvimento social geral, por exemplo, se havia comércio, se as ruas eram asfaltadas, se chegava transporte, saúde, educação e outros serviços básicos. O campo pessoal para compreender se o convidado possui vínculo emocional com o bairro, se gosta ou não e quais suas opiniões pessoais sobre o local que estão. O campo afetivo para provocar alguns pensamentos subjetivos, por exemplo, o que levariam para a infância e o que trariam da infância. As perguntas bases foram as seguintes:

Comerciante // Articulador Social

Estas perguntas foram utilizadas para nortear as entrevistas caso o convidado estivesse tímido, mas no caso dos entrevistados que seguiram suas próprias linhas de raciocínio sobre a narrativa, me mantive atento, em silêncio ou alimentando aquela narrativa com perguntas que surgiram no momento da entrevista. As entrevistas foram importantes para compreender melhor as divisões do bairro e como as coisas modificaram ao longo dos anos.

Futebol de Várzea // Luta Social // Infância

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Quanto tempo mora em Pirituba? Morou em mais de um lugar no bairro? Como foi sua infância no bairro? Como eram as ruas? O que você fazia? Quais histórias mais marcantes? Conhece alguma coisa da história do bairro? Teve algum contato com aldeias indígenas? Se pudesse trazer alguma coisa da sua infância para a vida adulta, o que seria? Se pudesse levar alguma coisa da sua vida adulta para sua infância, o que seria?

Adenelson Rozante // 56 anos

ADENELSON

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Desde quando você mora no bairro? Desde 1968 Quantos anos você tinha? Eu tinha 8 anos… desde 1968 eu tinha 6 anos. E do que você lembra dessa época?

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Dessa época eu lembro que meu pai morava na Vila Maria baixa, lá se alagava muito, ai meu pai trabalhava na Assis Ribeiro, numa fábrica de vidro e veio pra… Um tio dele indicou um salão para alugar, para montar um empório, uma venda na rua Fausto Lex que era fundo da Chácara do Brandão. Que do lado da Chácara do Brandão tinha uma indústria que era uma das maiores indústrias aqui de Pirituba, na área de papelão, que era a Fábrica de Papel Rio Verde, inclusive tinha um CDM, tinha um campo de futebol que tinham vários profissionais que representaram até times importantes na época, o Walter Preto que jogou na Bolívia, fazia tudo parte dessa fazenda do Brandão. E meu pai alugou essa venda com a moradia em cima, então veio eu e mais cinco irmãos... Né?! Aparecida, Antônio, Arildo, Aderene e Adenelson, aí nascido aqui foram Adinilson, Alcignei e Amerson, nascido aqui em Pirituba. Era uma rua de terra na época, o transporte sempre foi dificultoso, Vila Zatt… Essa região da Vila Zatt / Pirituba, sempre foi abandonado por qualquer regime da prefeitura de Pirituba, porque Pirituba eles travam muito da estação pra lá! É… Jardim Ricardo. É… Chácara Inglesa, tudo ali era um privilégio de Pirituba. Vila Clarice, Mutinga, Líbano, Cidoni, Mangalot. Você tem ideia, porque? Porque aqui sempre foi afastado politicamente, nunca que

teve um… Teve uma época, em 1978, que Vila Zatt começou a crescer um pouco mais, porque começou a fazer base do PT, na época era Enrico Pacheco, Zé Laurindo, Luisinho do PT. Aí começou a ter o que? Áreas invadidas, que aqui era tudo chácara, tudo terreno ilegalizado, não conseguia legalizar pra… Que nem o Libano, o Líbano era uma área que você conseguia comprar imóvel, porque o imóvel tinha certidões, tinha escritura, aqui não… Aqui sempre foi área invadida, tudo aqui era Chácara, invadida. E os mutirões do PT da época de Luísa Erundina e Hélio Bicudo, o que eles faziam? Eles faziam… até o final de 88, por aí era invasão, era ocupar, ocupar moradia, foi onde a Vila Zatt começou a ter um pouco mais de respeito político. O político começou a olhar um pouco mais para nós, porque nós não tínhamos, Vila Zatt terminava ali, dali pra cá era mato, pedreira, chácara… Era isso. // Mais uma vez o PT tendo muita influência nas lutas por moradia e outras lutas sociais na região // Aí quando começou a ter as invasões, da Chácara da Aerosa, do Eucalipto… Aí começou a crescer. Meu pai tinha uma venda, tive uma infância maravilhosa, nada de sofrível, porque não precisei, nada me faltou. Sempre me sobrou, do que eu tinha, oito irmãos, meu pai trabalhou pra caramba, prosperou, cada um irmão tem uma coisinha aqui, e é isso dai, Vila Zatt sempre foi isso daí. Pra você chegar na Lapa, até os meados de 88 para você ter uma ideia, você tinha que pegar o ônibus aqui… Até 90, você tinha que pegar o ônibus aqui ir até o Anastácio, do Anastácio descer a Galvão Peixoto, pra chegar na Lapa. Pra você ter uma ideia, como sempre foi sacrificado aqui, pegar um ônibus aqui nessa região. Depois em 80 lançaram a Edgar Facó //Avenida

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Edgar Facó//, facilitou, mas mesmo assim os ônibus nossos não rodavam na Edgar Facó, ninguém sabe o porquê de até hoje isso aí. Pô! Você tinha uma linha de ônibus daqui até a Edgar Facó? Não! Vila Miriam tinha, Freguesia do Ó tinha, mas Pirituba? Nunca a prefeitura se preocupou. Por que? Tinha que levar os moradores da Vila Zatt pra onde? Pra chegar na Anastácio? Passar no centro comercial de Pirituba. Centro comercial de Pirituba não era Edgar Facó, centro comercial de Pirituba era onde é o terminal de ônibus que era a prefeitura, tinha o cartório, tinha tudo, politicamente, o que os políticos fizeram com a gente? Fazia nós pegar o ônibus aqui, pegar a Raimundo Pereira de Magalhães inteira, pegar a Marginal, ir até a Anastácio, fazer o contorno, descer a Galvão Peixoto, pra ir na Lapa. Ou pra ir que nem eu trabalhava na Consolação. Magina?! Se fosse a nível de hoje? Mas o sofrimento era o mesmo, mesmo naquela época. E hoje com 56 anos eu entendi, “porque que o ônibus não vai pela Edgar Facó?” Fazia o que com a gente? Pegávamos nós, levava pra Lanifício que é onde é o Shopping Pirituba hoje era uma fábrica de tecido // Na parte de fotos e da história podemos ver de cima e por dentro o Lanifício //, que vendia tecido em frente, tinham várias lojas ali de roupa, que por isso chamava lanifício ali no shopping, na rua dos Boiadeiros, então nós tínhamos que ser conduzidos por ali. E quem tava envolvido nisso? O dono de transporte aqui de Pirituba, que era Viação Pirituba, que hoje ele é um dos proprietário de uma distribuidora Santo Fertin, que é dono daquele Shopping que tem aqui embaixo na… Área Verde aqui, é tudo deles ainda, tinha uma fundição de ferro, tinha tudo isso daí. Então o que acontece? A gente ficava na mão desses caras. E esses caras moravam onde? Na Avenida Mutinga, Anastácio, Mangalot, City América, morava tudo por ali, então Vila

Zatt nunca deixou de ser periferia, Brandão, Miguel de Castro, Mirante, super incriminada, sempre foi. Minha infância todinha foi falar que eu morava em bairro pobre que era Vila Zatt, Vila Mirante e Retiro, sempre foi bairro pobre, nunca saiu de bairro pobre. Especulação imobiliária, pode pesquisar até hoje se você tiver oportunidade, especulação imobiliária até Pereira Barreto é uma coisa. Jardim Cidade Pirituba, um bairro bem depois construído é outra coisa também. Uma parte, porque quando você cai pra favela da fumaça, da Praça da Fumaça também, periferia. Mas Vila Clarice tem lugar muito mais boca quente que a gente e não é considerado periferia. Jardim Vista Alegre, na rua do córrego do Barão Vermelho, é uma favela poderosa lá e não é considerado periferia, que é pra onde você vai sair lá pro lado dos índios na turística do Jaraguá. Não é considerado periferia, então não da pra entender isso aí, porque Vila Zatt, Retiro, Pirituba, Vila Mirante reafirmo de novo, sempre foi discriminada, nunca teve estrutura, uma avenida decente, iluminação decente, esgoto, nunca teve. Escola? Nunca! Cê vê, nós temos uma escola //Com escola ele está se referindo a universidades// que ta sendo feita aqui, mas não temos acesso. Fica na travessa da nossa aqui na Teixeira Leite, só que pertence à Freguesia do Ó. Não pertence a Pirituba. Que escola que nós temos pros meninos aqui? Nenhuma! Ta construindo uma onde? Lá na Avenida Mutinga. Não ta lá? Que linha de ônibus tem lá, que trem tem lá? E cadê as nossas aqui? Cê vê, até hoje a gente continua nessa situação aí, hoje a gente tem uma melhora de uma linha de ônibus da Edgar Facó, mais ou menos. E é isso daí. Que mais?

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Me fala como era sua infância.

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Minha infância? Minha infância, eu cheguei aqui, tinha o campo do Rio Verde, eu ia pra escola pro Alípio de Barros, era uma ótima escola, ótimos professores e eu péssimo aluno. Hahahaha. Vivi minha infância brincando, até os 14/15 anos, aí meu pai queria que eu estudasse e trabalhasse. Como ele vem de uma origem italiana, a gente tem que produzir pra residência, aí eu fui e precisava me profissionalizar. Fui expulso da escola e arrumei um meio pra entrar no Senai. Passei na prova, fui bem pra caramba, escolhi minha profissão, entrei como torneiro mecânico, depois fiz mecânica, me formei com 16/17 anos na igreja da Santa Cecilia, voltei pra casa da minha mãe, aí percebi que não queria trabalhar pros outros não, nem pra minha mãe nem pra ninguém, eu queria trabalhar pra mim. Aí fui trabalhar em Caraguatatuba, Ubatuba, aí voltei com o rabinho entre as pernas, fui morar com minha irmã porque não me dava muito bem com minha mãe por erro meu, porque minha casa era muito cheia, porque tinha nós os irmãos que éramos os solteiros, tinha os primos que passavam dificuldade no Paraná que morava tudo entocado na mesma casa. Aí fui morar com minha irmã na Chácara Inglesa, aí arrumei um trabalho na sapataria Izac na rua Maria Antônia, 103 no Mackenzie, trabalhei lá 4 anos, conheci a sua mãe, minha esposa a Marlene, comprei móveis 18x com juros pra pagar haha’ no Mappi. E ai foi assim, minha vida. E como eram as ruas que você andava? As ruas que eu andava era de terra. Já morou em mais de um lugar de Pirituba? Já morei na rua Fausto Lex, Leônidas Barreto, Barra dos Bu-

gres, São Joaquim e sempre fui migrando para cima, sempre uma casa melhor, meu pai foi fazendo, minha irmã foi fazendo, meu cunhado foi fazendo, aí eu comprei essa casa… Mas a minha infância foi pipa, bola, cavalo, pasto, tudo aqui em Pirituba. Ia nadar no Brandão, Armour, 2 Tubo, Espama, tudo represa aqui de Pirituba. E você acha que mudou muito o cenário? Cabou! Tem mais nada, do que eu vivi do que eu vi, não tem mais nada. Eu entrava na mata aí pra nadar, ou pra caçar um passarinho ou pra pegar fruta na região do Armour ali, era tranquilo. Hoje você tem medo até de encostar em uma cerca. E isso com quantos anos? Isso com 16/17 anos ainda. Até 1977/78. Era bem rural? Totalmente rural, totalmente rural. Pirituba pra você ter ideia, 77/78 não tinha a Aparecidinha, Jardim Cidade Pirituba começava a crescer. Não tinha onde é a delegacia da 87 onde é a escola ali. Não tinha nada ali, era um terreno, um pasto, ali tudo era pasto, onde é o Liderança ali. Tinha nada ali, onde é a estação, não tinha nada. A gente ia brincar para aquele lado de la. Ia assistir jogos da terceira divisão do Pirituba. Que era o que a gente mais gostava. No campo dos Engenheiros? No campo dos engenheiros // Na parte da história do bairro podemos ver fotos do Campo dos Engenheiros //. Então, nós da periferia o que tínhamos mais de lazer era o esporte, a bola o futebol. Só tínhamos acesso à isso, mais nada. Futebol. // O futebol e principalmente a Várzea, assim chamada, pois

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no começo os jogos eram realizados em campos de várzea nas margens do rio Tietê, tem grande importância no lazer e na vida social das periferias e isso não é diferente em Pirituba. Muitas vezes é uma das únicas formas de entretenimento acessível para os moradores que ostentam suas camisas como símbolo de pertencimento ao local em que moram. Um fato interessante é que não é possível achar camisas de times de várzea em lojas esportivas, a única forma de comprar ou ganhar é no próprio time, o que torna o rolê mais próprio das pessoas da comunidade que o time representa. //

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Violência mesmo aqui em Pirituba começou quando eu já era adulto. Na minha infância não era violento. Violência começou depois que teve as invasões tal, desemprego assolou muito aqui, apareceu mais morador aqui que oportunidade de serviço, nunca teve indústria, nunca teve empresa. Vila Zatt meu, geograficamente não mudou nada, as casas modificaram poucas coisas, mas se você for ver a região de Pirituba mudou muito, prédios? Nossa senhora. Mas Vila Zatt nada. Pra você ter ideia aqui ainda não tem nenhum prédio, não acha nada. Vila Mirante tem só um pouquinho de prédio, não mudou nada. Isso vai de encontro ao que eu te falo, de valorização imobiliária, fraco, transporte fraco, então não atrai investimento. Minha infância era essa daí ó! Ficava na venda com o pai, entrava na chácara do Aerosa pra comer fruta, nadava escondido da mãe, quebrando um braço aqui uma perna ali. Uma surra ali de cinta braba memo, e fio de ferro. Puta meu, muita arte! Pra você ter uma ideia, saíamos a pé daqui pra ir até o Jaraguá. E do Jaraguá? Você lembra alguma coisa? Do Jaraguá eu lembro tudo, nós saíamos daqui com um te-

nisinho batido ralando pelo meio do mato, aqui pelo Armour, cruzava a Philippe Pinel e ia até o Jaraguá a pé, demorava mais ou menos umas 2 horas mais ou menos pra chegar no Jaraguá, aí nós subíamos pela mata, íamos até lá em cima, voltava. Dá uns 8km até o Jaraguá, e nós íamos tranquilão pelo meio do mato aí a pé. E você tem lembrança de contato com aldeia. Sim, nós passávamos beirando duas tribos. Uma no fundo da Vila Clarice e a outra ali perto da fábrica de cal Itaú já na Phillipe Pinel, era as duas aldeias que tinham. Inclusive uma das aldeias continua lá até hoje refugiada no cantinho, só que não tinha a Bandeirantes ali né? Era um pasto, um sítio. Já estava sendo invadido ali pelos carroceiro, pelos criadores de porco, tinha muita cochera ali. E ali já estava sendo tomado dos índios. //É muito evidente a marginalização dos povos Guaranis presentes na região do Jaraguá, os investimentos não chegam da forma que deveriam chegar e as terras pouco a pouco vão sendo tomadas, desde o tempo dos bandeirantes. // Os índios vinham muito aqui, pela estrada do boiadeiro ali onde é a Paula Ferreira, era caminho de boi ali. Barrancão, nós íamos pelo barrancão que eram dois morros altos, aí íamos por dentro da Armour e passávamos pelo clube, acho que tem um clube ali. Clube Jaraguá. O importante da região, que cresceu foi a Fábrica de Papel Rio Verde, ela que desenvolveu. Todas as pessoas que conheci na infância que trabalharam na Fábrica de Papel Rio verde, todas elas compraram casa, compraram terreno com escritura, todos que trabalhavam lá. Foi uma empresa que muita gente sonhava em entrar, depois

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fechou, virou uma gráfica, mas se você perguntar para várias pessoas que moram por aqui. Era um exemplo de empresa. Pagava direitinho, pagava bem, dava benefício pra todo mundo, na época em?! O sonho dos pião aqui era trabalhar lá, nem que fosse de caldeireiro que era o pior serviço que tinha lá, colocar lenha no fogo lá. E quando a gente era moleque a gente entrava lá, a professora queria fazer trabalho de cartolina na escola, como tinha muita cartolina lá no Rio Verde, entrava eu e uns colega da escola pra pegar cartolina emprestada sem pagar. Isso com quantos anos?

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Isso eu tinha 13/12 anos. A gente saía com um monte de cartolina grossa nas costas pra vender pra molecada fazer trabalho de escola ‘hahahahaha’ nós éramos competidores direto dos bazares, até alguns bazarzinho chegava a comprar cartolina escondida da gente, era um monte de cartolina grossa que a Rio Verde fabricava. Uma vez foram no Alípio de Barros e acharam um monte de cartolina da fábrica de papel Rio Verde, aí um monte de aluno tomou suspensão. Adenelson, João Paulo, Vaguinho. Aí no fundo da fábrica Rio Verde tinha, no fundo tinha um aterro e uma empresa vinha jogar fundição, escondido de todos, não tinha meio ambiente nem nada e a gente entrava lá no terreno pra pegar borra de ferro e os guardas, que tinha até um senhor que frequentava a venda do meu pai, chamava Luisão e ele andava com uma espingarda de 12 tiros de sal, ele picava aquelas balas na gente, não podia atirar com revolver então ele picava sal na gente. E mesmo assim a gente ia lá. Eles tinham medo que a gente se acidentasse lá dentro do terreno, do caminhão vasculhar borra em cima da gente. Só que o lateiro pagava bem né?! Era ferro fundido, tinha uns cavacos grandes. Naquela época vendia ferro, vendia vidro, hoje não vende

mais vidro em lateiro, os lateiros eram tudo ali na Vigário de Godói, e quando chovia não alagava tanto a Vigário de Godói, porque tinha uma saída legal pro corgo, aí foram fazendo um trabalho lá na Edgar Facó, foram fazendo a galeria e quando chegaram aqui na Joaquim de Nazaré, em frente a fábrica de papel, parou a galeria, simplesmente parou. Esse processo, pra você ter ideia do abandono da Vila Zatt, essa galeria foi parada em 1984, até a data eu lembro. Faz pouco tempo que ta parada a galeria ali né? E ta até hoje parada a galeria. Uma vez, nós entramos nessa galeria e fomos sair lá na boca do Tietê, deve dar uns 6km de galeria. Tinha parte que era tubo redondo e tinha parte que era tubo quadrado. A água era mais limpa, não era esse esgoto porque era mais água do Rio Verde, isso era 75/76. Então foi uma infância bem diferente da de hoje. Olha, minha infância foi periférica e rural. Meu pai tinha carroça, existia muita carroça aqui, até 1980 ainda tinha muita carroça aqui. Tanto que era conhecido como Jardim Pastão, porque aqui criava muito cavalo, Brandão, Aparecidinha. Minha infância foi molecagem rural. E já se envolveu com mais alguma coisa no bairro? Área esportiva, ajudei muito. Participei, não total ativo, mas participei de um dos times mais fortes da Vila Zatt que era o Estrela da Vila Zatt. Aí o Estrela parou por briga, por tráfico que o tráfico já estava começando a chegar muito forte no bairro. Acabou o Estrela, aí eu já tava com meus 20/24 anos, juntamos uns amigos nossos e montamos o União da Vila Zatt que jogava de Sábado, aí nós ficamos com o União da Vila Zatt até os meados de 98/2000.

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Montamos o União da Vila Zatt, se envolvendo futebolisticamente, ajudando as escolas a fazer evento esportivo pra molecada, só que o tráfico ainda continuava a imperar no meio da gente, a gente tentava tirar um pouco do tráfico. Adenelson, Macalé, Gariba né?! Porque a gente tem que aprender a conviver com o tráfico e saber desviar do tráfico. Nunca me envolvi em falcatrua no bairro, tanto que to a 30/40 anos no bairro. E fundamos o União, aí depois o União teve outro problema, outra morte, mais morte, tivemos que parar com o União e fundamos o CAV (Clube Atlético Vitória) e o CAV tá até hoje com o time jogando futebol, só que eu me afastei um pouco agora e to agora aqui de boa. E o que você acha que teve de importância nisso? No geral, Tanto para sua vida quanto pro bairro. 32

Pro bairro a gente ajudou muita gente, teve gente que não alcançou o que quis, mas saiu muito rápido do convívio das coisas daqui. Politicamente a gente foi em várias reuniões, mas toda vez que íamos na reunião pela minha idade, pela minha inexperiência eu não percebia que a gente não era respeitado, a gente era temido. Então a gente achava que a gente saía de uma reunião, a gente saía bem. Mas as pessoas cediam campo pra gente, cediam final pra gente, cediam espaço de campo pra gente, mas não por nossas políticas e nossas conversas, e sim por nossas intima.. Porque a gente tava com bandeira de periferia quente “Morro da Pinga”, então, depois com o tempo que fui percebendo que a gente não conquistava aquilo por argumento, conquistava aquilo na mão grande, tomando “Porque vai ter que ser desse jeito!”. Colaborou porque hoje o bairro é um bairro tranquilo, era um bairro perigoso, mas essa fusão que a gente fez aí de gente boa, de trabalhador, de meninos bons que a gente dava lanche. Eu me considero um cara que tirei muita gente, posso perguntar aí

na rua, tirei muita gente do vício aí e do vício brabo. Empreguei bastante gente quando montei a fábrica de bloco, contratava bastante viciado pra trabalhar na fábrica, nunca me fizeram mal. Trabalho com depósito de construção, peguei agora esses dias mais um moleque que tava desandado aí, ta trabalhando comigo até agora. Então minha parte eu faço E nesse processo todo que você viu? O que acha que melhorou e piorou da sua infância até aqui? Ó, sem ser saudosista. Eu não vou falar que piorou, eu vou falar que as reivindicações aumentaram. O que era bom para mim, hoje não é bom pra ninguém, porque todo mundo quer ter sua janela para o sol, não para o fundo, para o paredão. Então isso que eu fico pensando “Ah! Mas eu vivia sem isso”, mas eu tinha espaço pra ser feliz, eu tinha tempo pra ser feliz. Hoje eu não tenho, hoje a sociedade me cobra que eu preciso ter capital para me movimentar, hoje eu não tenho nada para fazer aqui no meu bairro, o bairro hoje sufocou a gente, hoje se você perguntar para um garoto da Vila Zatt onde ele pode ter um lazer gratuito, eu convido você a me indicar onde tem esse lazer. Centro Educacional? Não tem! Liderança? Não tem! Satélite? Não tem! Onde que tem? Então só piorou! O pai tem que dar R$ 20,00/ R$ 30,00 para inscrever em uma escolinha de futebol, não tem uma escolinha de futebol gratuita. Montaram uma na Área Verde? Mentira! Tem que pagar, tem uma faixa bem grande lá. Como vai fazer com esses jovens? Fornecem umas quadras, mas não tem trave, não tem rede, não tem quadra pintada, não tem nada. Tem um asfalto, joga os meninos lá. Quebrou uma torneira? Repõe a porra da torneira. Não, quebrou a torneira põe um tampão. Como é que faz? Então só piorou, não é saudosismo, porque na minha infância, eu tinha quadra, eu tinha campo, eu tinha terreno vazio.

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Hoje se você pular num terreno você toma um tiro. Onde a criança vai se divertir? Aponta um dedo. Vai jogar bola na rua hoje o vizinho ta estressado porque chegou em casa e bateu a bola no portão, não é o caso daqui de casa, deixo a bola rolar aí. Então piorou, pra infância/juventude aqui na Vila Zatt? Não aconselho pra ninguém, não tem nada. A nível de Vila Zatt, porque o que que vai ter aqui? Só tem uma coisa que oferece de graça no começo que é o tráfico, depois você paga, também tem um custo, porque não tem nada. Você não acha uma agremiação, um trabalho comunitário da prefeitura. Libera a quadra aqui do Lacerda, libera a quadra, da a chave, põe um guarda lá porra, pra tomar conta. Não! Levanta muro, fecha lá e aquilo serve pra quem? Pra ninguém. E até um tempo atrás a gente com o União brigou lá e uma diretora liberou pra jogar, o portão era aberto, de Sábado e Domingo, abriu o portão, hoje é fechado. E a molecada vai jogar onde? Vai brincar onde? Tudo com dinheiro? E os pais desempregados? Simula o que isso aí? Grana! Vamos buscar dinheiro. Como? Não tem emprego… E aí? É uma corrente meu. Aí acontece o que ta acontecendo aí. Povo desanimado. As pessoas que conviveram comigo, todas conseguiram comprar alguma coisa, uma casinha, um terreninho, mas de uns 20 anos pra cá, não to conseguindo ver o pessoal fazer isso não, nem migrando para bairros mais pobres, tá muito difícil. Não é saudosismo não, as janelas estão cada vez mais de costas pro muro. Eu não vejo melhora, vejo piora. Nem árvore ta tendo mais e aqui era rural. Tinha a chácara aqui, derrubaram um monte de árvore e tão fazendo um monte de prédio (CDHU), vão jogar 500 famílias aí e nem uma quadra sequer dentro dos prédios tem. Onde vai jogar essas 500 pessoas? Nem uma rua pra sair as pessoas tem. Aqui no Mangue. Não tem nada, uma quadra de

tênis, basquete, futebol de salão, não tem quadra nenhuma, nada. Fizeram os apartamentos pequenininhos, vão colocar 500 famílias, não tem estrutura nenhuma, posto de saúde nenhum, tão jogando tudo aqui, eu acho que nem energia pra abastecer essas casas aí vai ter o suficiente, mas é de novo tacando pra baixo. E aí como é que faz? São mais 500 famílias, mais ou menos umas 1000 crianças sem uma quadra pra se divertir de novo. Vai fazer o que? Vai ficar ocioso, andando nas periferias, e aí não da certo. Pronto? Para finalizar. Se você pudesse trazer alguma coisa da sua infância para sua vida adulta, o que seria? Se eu pudesse trazer uma coisa da minha infância pra minha vida adulta eu traria um terreno baldio com duas traves e todo mundo descalço com shortinho jogando bola, era uma diversão que não custava nada, todo mundo se exercitava, dava uma fome danada e deixava as mães sossegadas. E era isso aí, só isso, terra batida! Pergunta pra qualquer velho o quão gostoso é terra batida. Você mesmo chegou a jogar no “Bucaranã” e viu como é gostoso. E se pudesse levar alguma coisa da vida adulta para a infância? Se eu pudesse levar uma coisa da minha vida adulta pra minha infância… Eu levaria o conhecimento que eu tenho como pai, para como filho, porque só assim para saber as dificuldades que minha mãe e meu pai teve pra educar 8 filhos em uma periferia perigosa e não sair nenhum “13” nenhum “zica”. Eu levaria o que meu pai me deu. Raça! Eu não sei eu levaria conhecimento, só isso. Minha infância foi tão boa que não faltou nada, não da pra

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completar com nada, vivi com pouco meu, e ainda tiro onda. Quer acrescentar alguma mais alguma coisa?

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O centro mesmo era ali na igreja da Vila Zatt, aqui não tinha final, final de ônibus era lá. Tinha que pegar o ônibus, tinha que ir a pé daqui até lá, tinha que ir pelo barro, então descia pelo barro, subia pelo barro e o asfalto começava ali onde é a casa do Macalé. Quando chovia a gente tirava os tênis, colocava uma bota, descia beirando pelo barro, quando chegava lá deixava as botas em umas casas lá e colocava o tênis pra ir embora, mas era uma bosta meu, finado Cosmo que faleceu faz pouco tempo, faz um ano e meio ele tinha problema na próstata e a gente pegava e ia ajudando ele a descer pela cerca de arame ali, era tudo cerca de arame isso aqui Lucas, tudo terreno invadido. Cê tinha que comprar o lote e invadir o lote, senão… perdia. Esse lote aqui quando eu comprei eu tinha 23 pra 24 anos, no peito, comprei no peito, acho que com uns 27 anos, comprei no peito isso aqui, tinha dinheiro, tinha porra nenhuma, vendi um carro e entrei pra cá. E é isso aí… A Vila Zatt ela caiu muito, o que ela subiu de 75/76. O que ela subiu quando teve a invasão aqui, que quem veio fazer a invasão aqui foi a (nome da empresa), mas os caras descobriram que a (nome da empresa) não tinha documento, tava grilando os documentos, aí nego caiu matando, caiu no peito. O que ela evoluiu de 75/76 até 95, o que ela deu de estrutura, casa.. Deu estrutura pra eu construir o depósito, que tinha venda por causa das construções, que é uma dificuldade que a gente ta tendo hoje, que hoje as construções não tem mais tanto material é mais acabamento, tinta, hoje não requer mais tanto isso aí. O que cresceu de 76 à 2000/2005 mais ou menos, ela ta regredindo nos últimos 13 anos, ta caindo, porque ela inchou

muito e não teve investimento. Nós ficamos um bairro com muito imóvel de aluguel. Muitas casas aqui são alugadas, não são de moradores, então quando o bairro tem muito aluguel, os proprietários das casas que já alugam, eles sub alugam as casas de aluguel, isso vai abaixando a qualidade de vida das pessoas, porque as pessoas já acordam, eu sempre tenho uma conta, as pessoas acordam devendo R$ 30,00, não tem jeito. Gente que mora de aluguel na periferia acorda devendo R$ 30,00, se não conseguir os R$ 30,00 hoje, vai virar R$ 60,00. Como ele acorda devendo R$ 30,00 e não trabalha os 4 domingos, então ele acorda devendo R$ 45,00. Então se ele não for bem num dia no outro dia ele deve R$ 90,00 e isso vira uma catraca, ele não consegue cobrir esse rombo. Porque ele deve no mínimo R$ 500,00 de aluguel, aluguel bem baixinho que quase não tem mais aqui, R$ 100,00 de luz da R$ 600,00, R$ 80,00 de água da R$ 700,00. Só o básico, sem alimento, sem gás, sem nada, da R$ 700,00. O cara já sai… e ele que tem um salário de quanto? R$ 1300,00/ R$ 1400,00 como é que pode? A conta não bate. Ce vê, já muda, onde as casas não são de aluguel, onde tem proprietário, pensam em quadra, playground. Agora porque não fazem aqui? Não, faz um caixote e que se foda aí. Como é que faz? Então você põe, se o cara ganha R$ 1800,00 um baita de um salário, que é difícil periferia ganhar R$ 1800,00, então você põe R$ 1600,00 reais, periferia, ele tem R$ 600,00 conto só de aluguel. Imagina. É foda meu. Você pega R$ 1200,00 e divide 30 da R$ 40,00 conto por dia, é foda por dia. O cara fala “Po! R$ 40,00 conto eu já tô estourado com R$ 45,00 meu?! Já acordo com R$ 45,00 de dívida”. É foda pra peão meu… Eu vejo dificuldade. E aí tem que assinar?

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Desde quando mora em Pirituba?

Ednei Miguel // 32 anos

Artista Plástico // Grafiteiro //Articulador Cultural

Graffiti // Cultura negra // Oralidade // Ancestralidade

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Nascido e criado em Pirituba, desde 1986. Meus avós são um dos primeiros moradores do Jaraguá, eles vieram de outras regiões, aliás minha família veio de outras regiões, mas eu nasci e cresci aqui E como era sua infância, como eram as suas que você andava? Ah! Era muito da hora, a gente jogava futebol, basquete, skate, era até altas horas lá nas matas também, empinando pipa, muita coisa, então tinha muita liberdade de estar na rua e fazer as coisas. Até em período de férias tinha muita liberdade de ficar até de madrugada, pintava as ruas, desenhava e tinha total liberdade de fazer todas essas coisas. Onde do Jaraguá você mora? Próximo da rua da feira de sexta-feira, uns 10 minutos da estação mais ou menos, entre a estação e a Cidade D’Abril, minha casa seria a última casa do Jaraguá pra cima, a casa seguinte, após esquina já seria Cidade D’Abril que é um bairro mais novo né?! Mais recente. E como eram as ruas? Já eram asfaltadas? No meu tempo de moleque minha rua era de terra, então a gente brincava na rua de terra e quando eu tinha uns 7 anos, por aqui, 8 anos que foi chegar o asfalto nas ruas de lá. Colocaram pedrisco durante um tempo e depois que virou asfalto, mas demorou um tempo. Então foi uma infância rural?

DINAS

Mesclado né?! Mas era bem livre comparado ao que a gente vive hoje dentro da metrópole, podemos dizer que sim. A gen-

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te ia nas matas pra comer goiaba e jabuticaba do pé, pegava mamona e fazia guerrinha de mamona, balanço, ameixa, tudo isso a gente pegava do próprio mato lá no entorno, nas casas dos vizinhos, até mesmo chá, às vezes você tava doente e ia na casa de um vizinho e tinha algum mato, alguma erva lá que fazia esse processo né?! E conta alguma história aí.

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Do período de infância? Difícil, tiveram muitas fases né? Na fase de moleque a gente jogava muito basquete, a gente fechava a rua e no final da rua a gente jogava basquete, a galera ouvia som, então cresci num lugar que não tinha muita maldade, às vezes tinha briga, mas era tudo entre a gente e daqui a pouco tava tudo muito ok, jogava bola na rua, é… Então era uma amizade assim dessa galera, tipo poucos usavam droga, era só esporte, tiração, zoeira, um zoando o outro e era essa a vibe. Depois me dediquei ao skate, era skate o dia inteiro, dormia, acordava, ia pra escola, voltava tarde aí já almoçava, assistia fitas de skate, aquelas em slow motion pra ver as manobras mais da horas e como fazia e a tarde andava de skate até escurecer e a noite jogava bola, então era muito da hora. E a cena de skate era forte? Tinha uma molecada que andava, a gente era mais vileiro né?! Andava mais na vila, montava os próprios obstáculos e andava na rua mesmo tal, fora o chão os buracos e os remendos no asfalto que virava obstáculo também. Lembra de ter contato com as aldeias do Jaraguá? Quando eu era moleque com um outro brother a gente acabou adentrando, mas não sabia como que era. Mas eu vim ter contato bem recente, foi até por conta do coletivo Salve Que-

brada que fizeram um documentário com personalidades do bairro, e aí no final da apresentação do projeto eles me convidaram pra ser uma das pessoas entrevistadas e tinha uma das lideranças indígenas que também estava lá e eu conheci nesse dia da apresentação do projeto final do documentário e disso a gente começou a trocar ideia e conversas e eu falei que tinha interesse de pintar lá e ela falou que queria muito também uma arte e já acompanhava os trampos e um dia fui lá conhecer a aldeia. Aí começaram os projetos e parcerias, e estamos aí até hoje com vários projetos, mas num curto espaço de tempo que comecei a ter contato com eles. // Por infelicidade do destino Dinas não pode pintar neste evento, então não consegui captar o grafiteiro em ação. Mas registrei outros grafiteiros de Pirituba. Borgo, Enoak e Venec // E você falou que foi pintar… Quem é você? Eu sou o Dinas Miguel, sou artista plástico, grafiteiro, professor/educador com formação em artes visuais e pós-graduação em educação ambiental e faço trabalhos com grafite, cultura e tal. E também faço trabalhos educacionais e sociais né?! Idealizador do projeto Cultura e Conceito que realiza projetos culturais com grafite, música, dança e várias vertentes culturais, é isso. Tem trabalhos sociais que fazemos em escola, fundação casa com grafite, palestra, workshop e troca de ideias, várias coisas. E como você vê a cena de grafite em Pirituba? Quando comecei há muitos anos atrás tinham poucos grafiteiros, bem poucos e hoje a gente vê que tem uma demanda bem grande, até pelos projetos e parcerias que a gente faz, várias ruas viram pontos referenciais, até semana passada mesmo uma escolas entrou em contato falando que queriam

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fazer um tour na rua onde a gente fez o projeto pras crianças verem os grafites, então são desenhos de vários artistas diferentes e acaba criando uma característica diferente pro bairro também, né?! Ter arte de artistas locais, mas também ter arte de artistas de várias regiões e de fora também. E da sua infância pra cá, o que mais percebe que mudou no bairro?

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Mudaram várias coisas, acho que o contingente populacional aumentou muito, com isso a demanda de estrutura não acompanhou isso né?! E a questão da liberdade também né? No período de infância a gente brincava na rua e ficava o dia inteiro jogando bola, mesmo tendo começado a trabalhar desde cedo com meu pai e estar nesse corre também, mas a gente sempre brincava na rua, hoje em dia malemá você vê alguém na rua né?! Por conta da violência, é… Questão das drogas e tal, essas coisas também faz com que muitos pais tenham medo de deixar as crianças ali pra brincarem, até adultos também têm muito medo, por conta da criminalidade, então a galera não ocupa mais o espaço público como antes, por mais que tenha várias ações culturais e muitas coisas muito boas, mas ainda não atinge essa demanda de contingente populacional. A gente tá num território imenso, grandioso, um dos maiores territórios aí periféricos da cidade de São Paulo e não tem uma estrutura adequada para essas pessoas que vivem aqui. // Por mais de uma vez esse tamanho territorial foi apontado como problema para o bairro, pois o tamanho é de cidade, mas os problemas são de periferia. As demandas não são atendidas, a população é muito grande para pouca verba destinada. // E da sua infância o que você acha que melhorou? Muita coisa melhorou, a gente pode falar de transporte co-

letivo e tal, melhorou muito, mas ainda assim não dá conta da demanda né?! Tipo, a gente não sente a mudança, porque muda, mas não acompanha a demanda populacional, mas muita coisa mudou, acho que coletivos estarem mais articulados, pessoas fomentando arte e cultura na região, mas ainda assim é um processo lento e contínuo, mas eu sou um cara extremamente otimista e acho que juntos a gente consegue chegar mais longe fortalecendo, hoje as oportunidades estão maiores também né?! De ir pra outros lugares, estar em conexão com diversa pessoas e receber pessoas também de fora, até de outros países e cidades vindo pra cá e a gente receber, não necessariamente no centro de São Paulo, e conseguir fazer um rolê aqui da hora de igual pra outros lugares, assim o empoderamento e o entendimento que o bairro e a região são nossas é algo grandioso. Você falou do tamanho do bairro, você acha que Jaraguá acaba sendo esquecido de alguma forma? Totalmente, porque já vi até e presenciei coisas tipo, de ir lá na prefeitura regional e ver coisas que eles não queriam em Pirituba tipo “Ah, tem coisa que ta ruim aqui no bairro, joga pro Jaraguá e tal, e deixa lá”. Acho que é ruim porque a prefeitura regional subdividida não da atenção adequada pra população né?! Até porque a gente tira bem claro Brasilândia e Freguesia do Ó né?! Todo mundo fala de Freguesia do Ó de bares e Brasilândia fica esquecida, porque a sede ta dentro da Freguesia, então dão um subsídio maior para a Freguesia, a mesma coisa acontece com Pirituba e Jaraguá, Pirituba precisa melhorar muito, mas a atenção ainda ta mais focada em Pirituba e Parque São Domingos, Jaraguá fica com o plano mais longo. Agora pra finalizar, se você pudesse trazer alguma coisa da

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sua infância pra sua vida adulta, o que traria?

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Puts, na verdade eu acho que já trouxe. Porque viver de arte foi uma coisa que eu nunca imaginei, né?! De viver de arte, trabalhar com arte e estar socializando isso, e ser uma referência pras pessoas assim, com tanta troca de ideia, eu nunca imaginaria estar trabalhando com arte, então é algo que eu vivia na infância de estar riscando e rabiscando, meus desenhos eram muito ruins assim, muito, mas muito mesmo, e é muito louco porque eu não esperava nunca estar vivendo disso né?! Mas foi algo que eu sempre quis e é algo que estou vivenciando hoje, e foi algo que aprendi muito com os Guaranis de viver o presente o momento, nesse sentido da alegria, essa coisa que já vem do meu contexto familiar, do otimismo, de estar bem e levar alegria pras pessoas, é muito isso, então acho que já trouxe essa bagagem, e só sou o que sou hoje pelas pessoas que já andaram até um ponto e deixaram o legado pra gente que vai dar continuidade e deixar pros outros andarem também, então sou grato aos ancestrais por isso. Fala um pouco do seu trabalho. Tem várias linhas de trampo, algumas que faço em ambiente interno que é uma coisa mais lúdica e solta, e ultimamente tenho me dedicado bastante a uma série chamada “Equidade” que significa direito de igualdade a todas as pessoas, independente de homens, mulheres, cor de pele e tal, e nele eu acabo retratando muitas mulheres pretas sobretudo, no sentido de que mulher preta é a base da sociedade hoje, hoje não, desde sempre se for falar de história brasil, e também para mostrar as nossas raízes e os povos originários, também representar os povos indígenas pra fazer o resgate histórico e mostrar que independente do que você acredite todos tem sua beleza, tipo “cabelo crespo é ruim”, não é ruim, é cabelo, então todos temos

nossas diferenças e belezas individuais, porque somos pessoas individuais e temos que entender nossos privilégios e nossas trocas de ideias dentro do planeta né?! E se pudesse levar alguma coisa da sua vida adulta pra infância? Acho que a bagagem das coisas que aprendi, porque aprendi muita coisa apanhando né?! Mas, eu não desejo isso a ninguém, de ter que sair da zona de conforto pra poder aprender algumas coisas, até porque, eu vim de uma família que malemá alguém tinha terminado o ensino médio, então é muito louco falar que eu fui a primeira pessoa a entrar numa universidade na minha família, sou o único que tem pós graduação, foi pra outros países e fala outros idiomas, é muito louco porque, o entendimento de oportunidades né?! Porque onde eu estava e onde pude chegar, então valorizo muito essas conquistas graças a família e todas essas pessoas que me dão apoio, então é pra gente entender que a gente ta longe dos ideais, porque o ideal seria todo mundo ter essa oportunidade e eu venho de uma família que nem todo mundo teve essa oportunidade e foi com muita batalha e muito sofrido, todas as conquistas de bagagem e entendimento de mundo, é algo que eu levaria, porque são coisas valiosíssimas, até a audiência do meu pai, quando ele faleceu, todos esses ensinamentos me serviram muito pra batalhar e cuidar da minha família com muita honra, então essas vivências que eu levaria, uma bagagem além do que você pode aprender numa universidade. A gente fala que tipo, a academia acha que está muito acima do conhecimento popular e ela não está, eles estão paralelos pra mim, acho que o conhecimento popular bate de pau a pau com a academia, ninguém é melhor que ninguém, são conhecimentos e formas de absorver distintas. Então, o conhecimento popular fica na base da oralidade quando você compartilha e troca e o conhecimento acadêmico acaba ten-

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do um registro, mas ambas são muito importantes, se andarem alinhados assim como infância e parte adulta. E no bairro ainda tem muito dessa realidade de pessoas que não concluem os estudos?

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Sim, sim. Tava até assistindo um documentário esses dias, não lembro se foi numa troca de ideia, é… De como a sociedade, matou algumas coisas, porque… Quando a Europa inventa as letras ela mata tudo que uma África construiu, porque era tudo na base da oralidade, na base que até hoje nas culturas indígenas e afros tem aquela coisa de sentar e conversar, ouvir os mais velhos, contar as histórias, fazer as prosas e hoje a gente não tem mais. E como a escrita marginaliza essas pessoas, como minha avó, ela não sabia nem escrever a primeira letra do nome dela, mas tinha um conhecimento fora do comum de vivência e aprendizado, história de vida incrível e eu não posso dizer que por ser analfabeta ela era menos que alguém muito pelo contrário ela tinha um conhecimento grandioso, um conhecimento que ela compartilhou, quem recebeu recebeu e quem não...Ela partiu e ficou só lembrança né?! Mas nos bairros periféricos eu vejo muitas pessoas vindas de outros estados, regiões e países que vem pra cá em busca de oportunidade e ainda estamos bem atrasados em relação a isso, hoje as pessoas da periferia estão tendo acesso a hospital e algumas coisas, mas ainda assim bem longa se comparado À elite brasileira né?! A elite de São Paulo sobretudo. E você vê muita influência das culturas Afros aqui no bairro? Acho que tem bastante, acho que muita influência nordestina também né?! Acho que o bairro carrega muito essa energia e ancestralidade indígena, mas sobretudo mais nordestina, vejo mito, tipo nos trejeitos, nas falas, na forma das pesso-

as, a gente percebe muito nas periferias, não só nessa região, mas nas periferias mais afastadas, a gente isso, a energia das pessoas de receber e tal, até de receber pessoas de outros países que ficam encantados com a forma de receber, tipo “Me recebeu na sua casa desse jeito, mó carinho, parecia que eu era da família” então de se sentir bem se sentir acolhido, isso eu acho que provém da nossa ancestralidade latina também né?! Quer falar mais alguma coisa? Só agradecer a todos que fortalecem, porque a gente não faz nada sozinho e não estamos no mundo como um competição como a gente aprende quando é criança né?! A gente não tem que querer ser mais que os outros e ficar nessa competição constante. Mas a competição tinha que ser com nós mesmos, de ser melhor que fui ontem, melhor que fui hoje, melhor que fui a cinco minutos atrás, superar minhas debilidades e alcançar coisas maiores, então buscar algo maior e grandioso, e contribuir de forma mais grandiosa pro mundo também. Acho que é isso, competir com nós mesmos.

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Desde quando você mora em Pirituba?

Thiago Miniquelli // 29 anos

Articulador Cultural // Rapper // Técnico de Som

RAP // Skate // Cultura Periférica // Música

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Bom, eu moro em Pirituba desde que eu nasci cara, são 29 anos de quebrada, no mesmo lugar, mesma casa, mesma rua… 29 anos. Como foi sua infância no bairro? O que você fazia? Como eram as ruas que você andava? Cara, foi uma infância muito bacana, eu vivi muitas paradas que hoje eu vejo que a molecada não vive, que é o lance de empinar pipa, de você correr atrás de um pipa mandado, chegar o final da temporada e você batizar a linha e estourar saca? Eu andava de skate, então essa praça aqui que a gente tá… O chão dela era um chão de cimento com pedra mano. Então não era assim, não dava pra andar aqui, aqui a gente descia e ela tinha um ‘playgroundzinho’ todo falido, lascado, um matão alto pra caramba e a gente… Na real o que a gente fazia pra andar de skate. A gente mesmo que fazia nossas rampa, a gente chegava a tirar uns postes da rua pra fazer de corrimão e essas coisas. E inventava cara… Foi uma infância muito boa, brinquei de esconde-esconde, queimada, nossa… Muita coisa mano, pega-pega, jogava bola na rua, jogava capoeira, andava de skate, de bicicleta... Muito bacana. Coisas que não vejo hoje a molecada fazendo. Mas foi uma infância que não tinha celular, não tinha computador, foi basicamente inteira na rua, era basicamente chegar da escola, ficar na rua, voltar pra casa e dormir. E você acha que aqui era muito diferente?

GUMA

Era! Era bastante diferente… Aqui onde a gente tá principalmente, essa praça não era assim arrumadinha, ela era meio largadona, meio abandonada. Aqui a feira acontecia… tsc’ //Pausa pensativa //

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Acho que era aqui na avenida ou nesse pedaço da praça, mas a praça era toda desajeitada. Mas como eu falei, ela só tinha um ‘playgroundzinho’ enferrujado, ele tava lá, mas ninguém usava porque não tinha nem condições, o mato era muito alto, o chão era impróprio, tinha um pedaço de cimento com pedra aqui onde dava para as pessoas passarem, mas não dava para fazer mais nada. A Facó // Avenida Edgar Facó // também não tinha essa pista de caminhada e bicicleta, mas mesmo assim as pessoas faziam a sua trilha no meio do mato, tinha um pedaço de mato amassado onde as pessoas passavam, mas era tudo largadão. Se eu não me engano deu uma arrumada no governo da Marta, deu um tapinha, uma ajeitada, o pessoal até falava que ela tava governando porque ela gostava de plantar árvore, saca?! E tipo, mano, o bagulho ta mó bonito, nem se compara com o que tava antes, mas era muito diferente a quebrada. Tinha um monte de casinha mais antiga e hoje tem um monte de casa germinada, tinha terreno vazio e hoje quase não tem, muita coisa diferente. E sua infância foi sempre aqui ao redor então? Foi! Sempre aqui nesse pedaço Vila Zatt, Vila Miriam, Jd. São José… // Só uma pausa para nos situarmos, na imagem ao lado temos nosso convidado Guma passeando e contando sobre coisas que mudaram na praça, mostrando onde era o pequeno pedaço que era possível andar de skate. Vale aproveitar a pausa para destacar também a presença do PT no bairro, durante as entrevistas alguns candidatos eleitos pelo partido foram citados e ligados a mudanças significativas. //

E as histórias mais marcantes? Consegue lembrar de algumas? Puts, tem várias… Mas eu sou meio ruim de memória, mas tem os personagens marcantes né? Tem o Cascão que todo mundo conhece. Cascão que mora ali perto do 15, // XV - E.M.E.F. General Liberato Bittencourt // todo mundo que passava em frente a casa dele, quando ele tava meio atacado, ou ele corria pelado atrás da pessoa ou ele tacava pedra hahaha “Vou dar tijolada, vou dar tijolada” hahaha “Vai seus boy”. Tem varias cara… Teve a época que era um pouco mais pesado por causa do pessoal que vendia droga. Chegou a ter tiroteio da esquina de casa, saca?! De passar atirando, mas foi uma fase, foi um período de 4/5 anos que deu essa degringolada, mas depois melhorou um pouco. É que de história assim pra lembrar eu sou ruim mano. Sei mais das minhas histórias mesmo de arrancar placa da rua memo, pra fazer corrimão de skate. Mas são essas histórias mesmo, pode contar. Tinha uma vizinha, que mora de frente da minha casa, ela tinha uns 30/40 gatos mano, e eu não to exagerando não, ela tinha uns 30/40. E pelo fato dela ter esses 30/40 gatos, toda vez que alguém que tinha gato, tinha cria, jogava la na portão dela e ela pegava, acho que até por isso ela tanto gato, porque ela ficava com dó e pegava. E aí, a casa dela é bem de esquina e tinha um terrenão grandão, então toda vez que a gente pegava alguma coisa, tipo placa da rua, a gente não ia guardar em casa né?! Pra fazer o corrimão de skate. Então o que a gente fazia? Jogava na casa dela e quando a gente ia andar, pulava lá e pegava. Até que um dia sumiu, sumiu o baguio, tal. A gente deu uma andada procurando e a gente descobriu que ela tinha achado e tinha botado la pra cima mano. E foi mó treta, que a gente foi tentar entrar lá pra

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pegar e foi mó treta, porque ela tem um irmão, ou sobrinho, sei lá, com problemas, e ele tinha um estilingue mano. Ele não sabia fazer nada, mas com aquele estilingue ele acertava qualquer um mano, a gente foi entrar lá pra pegar o baguio mano, e foram várias pedradas mano, porque ele ganhou de lá da casinha dele e ‘pá, pá’, foram várias pedradas. Aí acabou que a placa ficou lá, depois ela foi e contou pra mãe da gente que a gente ficava pulando na casa dela sem pedir autorização hahaha. Eu acho que de história tem essa daí, não lembro de muita história marcante, marcante. Só algumas picadas. E você sabe alguma história do bairro?

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Bom… eu sei que tinha a maior fábrica de pianos da américa latina // Fábrica de Pianos Fritz Dobbert // que a pouco tempo atrás foi… Não sei se mudou de lugar, se tiraram de lá, não sei qual foi, só sei que não está mais lá. Sei do Pinel // CAISM Phillipe Pinel // que também é um ponto turístico da quebrada e histórias da quebrada eu não sei de muita coisa, sei de algumas histórias pontuais. Sei da história do Parque da Área Verde // Parque Rodrigo de Gáspari // que era “Parque do Lago” a coisa de 30/40 anos atrás, porque tinha um lago lá que um menino morreu afogado, mas eu não lembro de histórias mesmo porque minha cabeça não ajuda muito. // Essa história do Parque da Área Verde, eu tive que ir pesquisar, pois não tinha ouvido em nenhum outro lugar, a história que encontrei está na parte em que falo do parque. // Fala um pouco de você, o que você faz no bairro? Bom, eu sou o Guma, articulador cultural e a minha atuação é com projetos culturais e sociais aqui na quebrada eu tenho

um projeto chamado ‘Reduto do RAP’ que desde a sua fundação em fevereiro de 2011 a gente realiza intervenções gratuitas aqui na quebrada, hoje estamos fazendo no Morro Grande, mas não deixa de estar localizado aqui nos arredores de Pirituba. E consiste em fazer, em promover atividades musicais voltadas ao RAP, mas não restritas ao rap, é só uma direção, a gente já colocou reggae, samba, rock, sarau, etc. E acredito que minha contribuição é mais na articulação, coletivos que precisam de alguma estrutura ou alguma informação para realizar suas atividades e fazer suas paradas e no que eu posso ajudar… Muitos vem me procurar para saber como faz um ofício, como faz um edital, enfim… Montagem e operação de sistema de som. Fiz parte do movimento de cultura, onde ocupamos um espaço anexo à Biblioteca Brito Broca, que hoje ainda está sendo gerido pelo movimento de cultura, do qual não faço mais parte, mas que acontecem oficinas, alguns eventos também, rolaram algumas palestras, etc. Com o movimento de cultura, também, enquanto eu fiz parte a gente conseguiu trazer a primeira virada cultural para Pirituba que acho que foi em 2014/2015, no espaço circo, localizado no Mercado Municipal de Pirituba, enfim… Minha atuação é essa cara, o lance de você se apropriar do espaço público e também de você trazer um pouco de valor para a quebrada. Essa praça que a gente está hoje, que é a praça Monsenhor Escrivá que hoje tem um ponto final de Ônibus é uma praça que do meu conhecimento, recebeu poucos eventos, todos da igreja, que são eventos que tem uma linguagem um pouco diferente, né?! Tem uma direção um pouco diferente, mas desde 2014 a gente ocupou com o Reduto do RAP e trouxe algumas atividades que acho que foram significativas tanto pro comércio formal, quanto informal, quanto pros moradores aqui da região. Tanto que vários moradores ainda me procuram no face me perguntando quando que vamos realizar mais atividades

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aqui, etc. Mas hoje não estamos realizando mais por falta de recursos, o equipamento é obsoleto então ele acaba se deteriorando com o tempo e o lance de ser independente é bom porque ninguém manda você fazer as coisas, mas é ruim pelo lance de ter que administrar esses probleminhas aí, e o lance do dinheiro é muito foda, então enquanto a gente não conseguir um patrocínio ou um edital fica difícil da gente continuar fazendo as atividades com a mesma qualidade que a gente julga ser importante, e se for pra fazer de qualquer jeito eu prefiro não fazer. E sobre a cena cultural e do RAP aqui re Pirituba? Como você vê esse panorama?

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Relacionado ao RAP, eu acho que Pirituba sempre foi muito forte, até porque um dos maiores grupos do Brasil são daqui da quebrada, fizeram história e ainda faz, que é o RZO, aqui na quebrada sempre teve muita gente boa, ainda tem! Fazendo música, fazendo RAP. É que acho que o problema da cena RAP, é que antigamente tinha um lance maior por conta do RZO mesmo, que tinha a família RZO e eles levavam muita gente da quebrada pra fazer show com eles, muita gente conseguiu ter uma visibilidade em meio a cena do RAP. Tiveram vários, o próprio Sabotage, DBS a Quadrilha entre vários outros, que os caras levavam pros shows pra participar, tinha uma banca muito forte mesmo. E hoje eu acho que por conta da direção que o movimento vem tomando, hoje o RAP é mais pra jovens, o tempo mudou e o que tem o apelo maior já não tem o mesmo conteúdo que tinha antigamente, então eu acho que o lance que… esse iato que o RAP teve de ficar… dos anos 2000 até os 2010/2011 ter ficado no ostracismo, fez com que muito grupo acabasse perdendo um pouco o time // Tempo em inglês // do que ta acontecendo, e que hoje ta tentando voltar e ta encontrando um

pouco de dificuldade com a linguagem. Ta tentando implantar um pouco da essência dos anos 90 com a linguagem de agora, mas essa linguagem de agora quase não tem nada da essência dos anos 90. Então fica um pouco difícil assim, ta encontrando um monte de barreira, eu vejo uma diferença muito grande na linguagem e também no público que é mais jovem e adolescente que ta curtindo várias outras coisas que não seja mensagem, que acredito que fosse a principal característica do RAP dos anos 90, mas eu acredito ainda que a cena ta muito forte, né?! Se a gente for falar, uma parada que é até um pouco polêmica, a gente teve o Polo aqui da quebrada, que não deixa de ser RAP, só que é mais moderninho, que teve música que tocou em novela. Ainda assim é um grupo de Pirituba, que querendo ou não, pra essa juventude, pra molecadinha acabou virando referência. Durou pouco tempo também, porque… Não sei porque, mas já não tem mais o mesmo sucesso que tinha a 4/5 anos atrás, mas que ainda assim foi um grupo de Pirituba que estourou, teve música na novela, na rádio foram em vários programas de televisão e tem o próprio RZO que ta fazendo um monte de coisa ainda. Tem o DJ CIA, monstro produzindo para um monte de gente, embora ele seja de Carapicuíba, mas ele é do RZO que é um grupo aqui da quebrada, o Hélião e o Sandrão produzindo bastante coisa ainda. E tem um monte de artistas da quebrada, tem o DiggitalFox, o Wagnovox. Tem muita gente boa cara, muita gente boa na quebrada. Tem o próprio Reduto do RAP que eu não posso deixar de falar também, que acabou se tornando uma referência de projetos culturais voltados ao RAP né?! Pelo fato de estar 7 anos na caminhada, fazendo intervenções todo mês, então eu não posso deixar de falar do Reduto do RAP também. Mas eu acredito que tem gente muito boa sim, mas ainda falta muita visibilidade.

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Certo. Fala aí do Reduto. Bom, Reduto do RAP, um projeto criado em 2011 por mim e Mamute Chokito, tínhamos um grupo chamado “Nos Corre”, ele nasce no Trindade Bar, que era o bar do Neto Trindade, onde eu já frequentava e me identificava com o espaço, que era um espaço voltado ao Reggae, Forró, RAP, Rock e não tinha esse apelo de ter músicas de apelo de massa né?! //Confesso que era um espaço sensacional! Pena que acabou//

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Não tocava o que chamam de ‘modinha’ lá né?! Então eu frequentava muito e todas as sextas que eu ia eu via o Neto tocando com a banda e chamando vários convidados pra participar. E eu falava com minha companheira da época “Poxa, o Neto tinha que descobrir que eu faço umas rimas pra participar disso aí meu”, porque eu era louco pra fazer uma participação com a banda. E aí um parceiro meu, que posterior ao Reduto do RAP se tornou DJ também, o DJ Kokay, ele fez um aniversário dele e comemorou no Trindade Bar e como ele gostava muito de RAP ele chamou o “Nos Corre” pra fazer uma apresentação, e aí na hora eu já topei, troquei ideia com os caras que já toparam também, expliquei do bar, o Mamute já conhecia. E comentei que a gente tinha que fazer um show muito da hora pra impressionar o Neto, pra ele saber que a gente faz a parada e me chamar pra participar lá na sexta, e falei, “meu por mais que, de repente ele nem goste muito de RAP, vamos meter uma quatro bases de freestyle aí no meio e aí a gente faz uns improvisos lá” e na minha cabeça eu já ia provocar uma batalha lá, porque todo mundo gosta da zoeira da batalha, pelo menos da batalha ele vai gostar. E aí a gente fez o show e tal, o pessoal tava da hora, tava gostando, e ele tava la no fundo do bar fazendo churrasco com a galera.

Aí veio a primeira base de freestyle e eu falei “já vou começar a provocar né?!” um monte de palmeirense no bar, porque o Kokay era da mancha, eu sou palmeirense também o Mamute corinthiano, o Choquito palmeirense, e um outro mano que tava com a gente o Tião corinthiano. Aí eu falei “meu, vou provocar um corinthians e palmeiras aí e o baguio vai ficar louco aqui mano...” e foi dito e feito, comecei a dar umas provocadas, os caras entraram na pilha, aí foi mó zoeira. Ai do palco eu vi o Neto lá do fundo apontando a cabecinha pra ver o que tava acontecendo, aí eu falei “Ah mano! Agora foi! Consegui né?!” Aí firmão, aí terminamos o show, fomos cumprimentar a galera e o Neto falou “O Guma, porque vocês não vem aqui mano? Vão fazer mais música?” Aí eu falei “Então o que a gente preparou a gente já fez, mas é o seguinte se você quiser tocar um violão aí a gente mete o louco e improvisa” aí ele “Não, demorou!” Aí ele pegou o violão e começou a tocar, ai o Lu que é um cara que frequenta lá também que faz uns trampos com o Ultraje A Rigor começou a tocar um Cajon e a gente começou a fazer vários improvisos e foram umas duas horas rimando sem parar, o Neto improvisava uns refrão, a gente improvisava as rimas o pessoal sugeria tema, enfim. Depois disso aí eu pensei “consegui, o Neto vai me chamar pra fazer uma paradinha de semana...” Aí acabou e ele me chamou de canto e falou “Guma, vem cá. Vocês não tão afim de pegar o Sábado pra fazer um projeto de RAP? Reduto do RAP - Nos Corre e convidados” aí eu já fiquei “Caraio mano!” Eu queria que ele me chamasse pra fazer uma parada de sexta-feira, ele já me deu um projeto, deu nome, aí eu falei “Porra mano, saiu melhor que eu tava esperando”. Aí o Reduto surgiu disso aí, aí depois de umas duas edições… A gente não tinha nem cabo na época, não sabia nem mexer na mesa de som. Hoje sou técnico, mas na época eu não sabia nem ligar. Aí na terceira edição tivemos um DJ que se iden-

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tificou com o projeto e com a gente, levou umas paradas, uns toca discos, sabia mexer no som, etc. Por conta do Clévinho também que o primeiro grupo de nome se apresentou lá que foi o Império Z/O, foram convidados do Clévinho que levou o DJ Pow e eu cara de pau pra caramba já convidei os caras do Império e foi foda! Era um grupo que eu já admirava muito, e depois do Reduto, depois de ver a humildade de todos eles eu passei a admirar ainda mais e até hoje a gente faz projeto juntos. Hoje a gente tem um documentário lançado, que é o “Reduto do RAP-Mixando Gerações” foi conquistado por intermédio do programa “VAI” que é um programa da Secretaria Municipal de Cultura, qual fomos contemplados nos anos de 2012/2014 e proporcionou várias coisas bacanas, conseguimos chamar grupos de nomes como Comando MC’s, Doctor MC’s o próprio Sandrão apareceu lá, KGB, Duck Jam, DMN, Z’Africa Brasil, MC Marechal, então vários grupos que trouxeram uma satisfação pessoal pra mim passaram por lá, Filosofia de Rua, Conexão do Morro. Vários Grupos da hora de nome. E se você pudesse trazer alguma coisa da sua infância pra sua vida adulta? Ah cara! São várias coisas, mas acho que traria a leveza que a gente vivia naquela época. Hoje é tudo muito corrido, muito agitado, pra você atravessar a rua precisa olhar várias vezes pros dois lados pra ver se não ta vindo carro a milhão pra te pegar. E naquela época, eu morava numa ladeira e a gente ficava descendo sentado em madeirite ta ligado? Então a gente atravessava a rua que ficava plana sem preocupação nenhuma de vir carro, corria atrás de pipa olhando pro alto sem a preocupação de ser atropelado, enfim… O lance da tecnologia também que aproxima as pessoas, mas afasta. Hoje em dia as pessoas nem se olham mais, estão olhando pros smartphones

e tablets, então eu traria a vivência e a leveza. O que você levaria da sua vida adulta para infância? Difícil em cara?! Porque a infância foi muito boa. Não sei, eu diria um pouco mais de consciência, mas eu acho que não aprontei tanto assim, então acho que não vai. Talvez um pouco mais da noção de aproveitar mais o que a gente tem nas mãos, embora eu tenha aproveitado muito, acho que levaria essa consciência de aproveitar melhor o que está nas mãos. Quer falar alguma coisa mais? Agradecer pelo convite, pela lembrança de novamente ter convidado pra participar de um projeto seu, e é isso! Pirituba precisa mesmo de mentes pensantes que fazem esse registro, que não seja só em palavras, porque de histórias em histórias se não estiver no papel ou audiovisual se perde com o tempo. Agora vamos, tirar umas fotos, deixa só eu pausar porque tenho tanto medo de apertar no lugar errado e perder a convers…

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Desde quando você mora no bairro? Faz… 57 anos.

59 anos Jogo do Bicho // Infância Rural // Medicina Natural

Cambista

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JO DO BICHO

Sempre morou no mesmo lugar ou em vários lugares de Pirituba? Mesmo lugar. E como era sua infância no bairro? Muita terra, muito mato, uma infância muito sofrida, não tinha água, não tinha luz, carregava água do poço da rua de baixo, lenha pro fogão de lenha, então estudei sempre molhada porque os guarda chuva arregaçava tudo e eu estava toda molhada, comprava da caderneta de inquilino, comprava de quilo todas essas coisas, arroz, feijão, açúcar, macarrão, tudo de quilo, tinha muita vaca, cabra. Era muita chuva e muito frio há 20 anos atrás. Onde você morava mesmo? Era outro nome, mas agora não lembro. Tinha muita pulga, e eu ficava toda picada de pulga, parecia que eu tava com sarampo e hoje meus filhos sabem nem o que é pulga, era isso, muitas dificuldades pra estudar, não tinha nada perto, tinha muito mato, pegava osso do açougue pra poder fazer sopa pra nois comer, porque não tinha comida e era um açougue, uma padaria, um barbeiro, uma farmácia. Foi uma vida muito difícil, com muita dificuldade mesmo, era muito difícil antigamente, hoje tá uma bença, hoje tem tudo na porta aqui na Vila Zatt, ônibus também era tudo longe, então era muito difícil. // A todo momento alguém passa e cumprimenta “Oi Jo!” //

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Era uma infância rural então? Justamente, mas praticamente não tive infância né? Ia pra escola, quando chegava tinha que puxar água do poço, carregar água, fazia lição de casa, descansava um pouco, ia buscar lenha, então a gente brincava o pouquinho que dava pra brincar de noite. Que mais? hahaha Vai me falando coisas que lembra, o que você fazia.

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Então… Andar sempre na sola mesmo, tinha vontade de ter brinquedo, tinha vontade de ter uma bicicleta e não tinha, tudo era a pé, a gente ia daqui até o Pico do Jaraguá a pé de final de semana, pra brincar com a bicicleta da minha prima, porque não tinha nada. Quando tinha dinheiro a gente ia lá na estação Pirituba pra pegar uns carro antigamente que tinha, era DKV, Gordini e a gente falava que isso era táxi, quando tinha dinheiro, quando não tinha a gente ia e voltava a pé, roupa também sempre dos outros, era assim, muito triste, às vezes também não tinha pão pra comer, aí minha mãe abria uma massa e fritava e nois falava que era pastel de vento, chá tinha no mato, a gente pegava chá de erva doce, cidreira, essas coisas e fazia chá, quando não tinha a gente torrava açúcar, colocava água e falava que era chá. // Fomos interrompidos, um cliente veio fazer um jogo // Aí teve uma época que tinha dado uma chuva muito grande de granizo e o pessoal achou que o barraco da minha mãe tinha caído, porque a gente morava em um barraco todo amarrado de corda, aí os vizinhos achou que nosso barraco tinha caído, mas não caiu, caiu foi a casa do seu Dito que morava lá em cima perto da igreja, aí a casa dele caiu por causa da chuva, mas não o barraco da minha mãe.

E nossas brincadeiras era assim de noite, tinha o alambique que a gente gostava muito do alambique, que a diversão da gente era de final de semana ir pro alambique catar coquinho, pegar cana, garapa né?! // “Jo, 7,3,14, 10 conto e depois eu pego aí” disse um cliente da porta. // Então eram essas brincadeira e era isso né? As vezes quando não tinha comida a gente dava graças a deus quando ia pra escola, porque aí tomava sopa né? Tomava sopa, tomava café, aquelas sopa de aveia, tanto que hoje não posso nem ver aveia na minha frente. Isso era que ano? Isso na terceira série, segunda série. Não, mas o ano, tipo anos 90, 80. Agora você me pegou… Pera, preciso fazer a matemática. Em 65 eu tinha 7 anos, então era 65, é que eu nasci em 59, então era 1965, por aí. Era toda essa dificuldade, muita dificuldade. Que mais posso falar? Vai me contando da sua vida, o que acha que melhorou? Se melhorou também. // Nesse momento houve uma pausa grande, de quase um minuto, ela estava na memória. // 1987 foi quando começou a dar uma melhorada na minha vida, assim né, não tá bom, mas não ta ruim, ta dando pra levar, trabalhando entendeu? Apesar do outro que só dá traba-

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lho que já foi preso duas vezes, mas falou que não volta mais senão vai perder a família, que eu não vou ficar doida indo pra cadeia não. Quer dinheiro fácil. Toda minha vida eu trabalhei, trabalhei, trabalhei, desde meus 12 anos eu trabalho, ajudava a pegar água, estudar, pegar lenha no mato, não tinha brincadeira, tava sempre trabalhando ajudando a minha mãe fazendo faxina, passando uma roupa que na minha época era ferro de carvão, era um ferro de carvão sabe? A gente enchia o ferro de carvão e aí passava roupa, então eu ajudava assim, agora os outros quer ter vida fácil, quer vida fácil e tá lá na cadeia. Quem ta na cadeia?

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O Cris que é meu filho, tá pra sair. Parece que vai sair, vai embora daqui, vai cuidar uns bichos em um sítio lá pra Araçatuba, deus ajude né? Pra dar mais juízo, mais de 30 anos, se não tomar juízo agora não toma nunca mais. Que mais? Vai me falando histórias marcantes da sua vida. Era muito namoradeira, muito danada, aprontava muito, eu e seu pai também, aprontava muito, demais quando ia pro alambique. Tinha esses carros de polícia civil, a gente chamava de veraneio a gente chamava de tático móvel, aí quando a gente tava lá no pé do morro gritava “A tatíco tá vindo, a tatíco tá vindo” hahahahaha aí os que eram mais danadinhos saiam correndo. Não existia essas drogaiadas, era só maconha que se usava na época. Quando era aqueles carros pequenos a gente falava que era a baratinha né? Tem o micão que era um menino muito feio, aí ia pros bailes e as meninas não queria dançar com ele, porque ele era muito feio, aí acontecia que nem aquele caso do filme Cidade de Deus, não queria dançar ele batia nas menina, entendeu? Por causa disso.

// Entra um conhecido nosso na loja: “Oi Jo! E aí virou fotógrafo meu?” “To fazendo uma entrevista aqui. Da hora?” Neste momento Jo estava concentrada no trabalho enquanto eu fotografava. // Oxente, tá fotografando eu trabalhando é? Hahahaha É bom que já vou pegando os processos. Deu cachorro, enfim. Na época que eu comecei a trabalhar na cidade, aí tinha uns amigos que a gente pegava o ônibus de 6h30 no ponto final e todo mundo trabalhava no Paissandu, aí a gente pegava o ônibus aqui de 6h30, chegava no Paissandu, já tinha barzinho que todo mundo tomava café lá nesse barzinho, aí chegava lá e os caras já preparavam a chapa, todo mundo ia tomar café ali, na hora do almoço e final de expediente todo mundo se encontrava 18h30 em outro barzinho, tomava a cervejinha de final de semana, aí voltava no ônibus que tinha aqueles motorzão atrás hahaha de sexta era até engraçado, porque a gente já levava limão, açúcar, caneco, soquete, cachaça aí todo mundo do bairro já bebia e pegava quase o último busão, aí a gente ficava na fila ao contrário, abria a porta de trás e era só nóis, aí a gente fazia pagode e era mó barato e o pessoal quando passava no ponto via que era bagunça e não entrava, isso era toda sexta-feira. O pessoal olhava aquela bagunça e não entrava, naquela época era uma bagunça né? O pessoal andava sem camisa e da catraca pra trás só dava nois, os maloqueiro da Vila Zatt hahahaha só dava nois, aí o pessoal não entrava. Aí toda sexta-feira aquilo, o pessoal começou a acostumar, todo mundo entrava no ônibus, o motorista batucava no volante, o cobrador na caixa de dinheiro e assim ia. Aí chegava aqui era a mesma coisa, tinha o bar do seu João e da dona

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Iraci, ficava até umas horas, se acostumaram e quando chegava final de ano a gente fazia uma vaquinha e dava caixinha pro motorista e pro cobrador que eram sempre os mesmos, o barzinho do café era o mesmo, o da bagunça era o mesmo, o ônibus de vir embora era o mesmo, então aquela farra, enfim. Muitos morreram, outros se entregaram na droga, endoidou e ficou tudo doido, muitos mudaram, outros viraram mendigo, outros viraram evangélicos e eu com todas as minhas doideiras, em 2003 eu enfartei, tive duas paradas cardíacas, mas eu fui e vortei, deus não quis não, deus não quis e o diabo também não, falaram “Vorta que não tem nada pra fazer aqui não”, aí depois disso muitos amigos se foram, muita gente se foi e eu continuo aqui. Minha família foi tudo, meu pai, minha mãe, meus irmão, foi filho, foi minha cunhada, enfim. Morreu todo mundo e ficou só eu, o filho do seu Zé, o Ado depois que tive infarto, passou com a mulher dele e com a menininha eu tava sentada embaixo do pé de árvore, bateu nas minhas costas e falou assim “Eita coração de ferro em, ó, cuidado com a cervejinha e o cigarro em, senão vai morrer”, passou três dias e quem morreu foi ele, acredita numa coisa dessas? Eu falei “Puta merda!”, Quem morreu foi ele. Dubal irmão do Marcão. Eu trabalhava numa sapataria fazendo jogo do bicho lá em Santana, na avenida Santa Terezinha e ele tinha uma sociedade com meu patrão na serralheria na Casa Verde, aí quando eu saía do meu serviço encontrava o Dubal, a gente ia na Casa Verde, na serralheria numa lanchonete que tinha lá do lado fazer sempre bagunça, sempre fui bagunceira, atrapalhada, doidona, gosto da minha cerveja, droga não graças a deus, já andei com muita gente que usava droga, mas sempre… Aí tava todo mundo no samba, no pagode, aí o pessoal usava as maconhas deles e eu saía, quando eles parava eu voltava, mas é essa minha vida, continuo com minha cervejinha

e não paro, se fosse pra morrer eu já tinha ido, eu fumo, tomo minha cerveja eu fui e voltei e consumo minhas coisas com tudo que tenho direito, se eu morrer pelo menos morro satisfeita, vou passar vontade? Passar fome? Então é isso meu filho, minha vida é um livro aberto mesmo. Acho que é isso né? Que mais quer saber? Quero saber o que você quer contar. Você ia a pé pro Jaraguá, como era o caminho? Teve contato com aldeia? Nessa época ainda não tinham aquelas aldeias não, a gente subia tudo aqui no Jardim Mutinga tudinho, aí chegava lá na frente e descia pra estação do trem e pegava a estrada turística sabe? Onde é a Voith agora, antigamente era só um aterro, aí fizeram a Voith, hoje também já morreu tudo meus tios, já morreu minha prima, como eu não tinha roupa e ela sempre foi mimada, o vô dela sempre dava coisa boa pra ela, então qualquer coisinha, se tinha uma manchinha na roupa “Dá pra Jo”, se tinha um furinho no sapato “Dá pra Jo”, como meu pai´não tinha condições né? Então eu pegava me achando rica, roupa boa, tudo bom “Agora tô rica, tô bem”. Quando era muito calor, meu pai saía vendendo sorvete, ele vendia muito sorvete, dava sorvete pra gente, aí ele pegava Tubaína que hoje é difícil de ver aquelas de garrafa de cerveja sabe? Ele pegava, furava a tampinha e a gente ficava tomando tubaína, soda, laranjada que hoje é fanta, mas era laranjada, e ele pegava pra gente tomar. Que mais posso lembrar? Lembro de uma vez também que meu pai tava vendendo sorvete e passou na rua e uma menininha pediu sorvete, aí a mãe dela falou que não tinha dinheiro, aí meu pai foi dar o sorvete, foi dar pra menininha, pegou o sorvete pra dar pra menininha e a mãe dela não deixou ela pegar o sorvete, aí passado uns três dias meu pai foi vender sorvete e viu um

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velório e era nessa casa aí, quando foi procurar saber a menininha tinha morrido, morreu de vontade, vontade do sorvete, hoje as pessoas falam “Tá com verme.” Antes muita gente falava “Tá com bicha, lombriga aguada”, hoje se você vai falar isso ninguém acredita, hoje é desnutrido, verme, antigamente era bicha, lombriga aguada tendeu? Fazia um remédio e passava. Meu pai ficou muito triste, chegou em cassa contando pra gente, chorou muito. Uma vez eu quase perdi meu filho, Alexandre, hoje ele já é falecido, mas quase perdi ele por causa disso, ele era pequenininho e viu umas bananas grande, né? Aí eu comprei a banana e ele comeu duas bananas e era muito grande e queria mais, aí eu não dei a banana, quando no foi no outro dia ele amanheceu com febre, vomitando, diarreia e eu falei “Puta! Ele ficou aguado”, eu já sabia, porque como minha mãe fazia pra mim e pros meus irmãos, mesmo assim levei pro hospital, aí fui pegar o ônibus lá no Morro Grande, quando chegou no Sábado tinha a feira, a primeira coisa que ele pediu foi banana e eu pedi pro moço “Moço, dá uma banana pra ele?” Aí o moço falou “Pode pegar” aí dei pra ele e ele deu uma mordida só, não quis mais aí eu falei “É lombriga aguada”, mas como já tava indo pro hospital continuei levando, era na Santa Cecília isso. Chegou lá, olharam, tá… Ele tá desnutrido e eu falei “Tá, tá bom.”, Vai ter que internar “Pode internar”, eu era de menor naquela época, aí ficou lá uma semana. Aí quando cheguei lá falaram “Ó, ele colocou pra fora uma lombriga bem grandona” aí falei “É mesmo? Pode dar alta pra ele que vou levar ele embora”, “Não, mas não pode!” Aí eu falei “Mas vou levar” aí me perguntaram “O que você é dele?”, Aí eu falei “Sou mãe dele” aí ela ficou olhando pra mim, aquela menininha né?! “Sou mãe dele, vou levar ele embora”, “Mas não pode!”, “Posso, sou mãe dele, vou levar ele embora.”, “Olha, a partir do momento que levar ele embora a responsabilidade é toda sua, não á

mais do hospital”, “Tá bom, eu vou levar”. Chegou em casa, sabe chifre de boi? Minha mãe sempre tinha, fui, peguei o chifre, torra a ponta do chifre e ele fica bem preto assim, aí você tira aquele preto lá e fica dessa corzinha, que nem canela, aí você raspa aquele pozinho, pega, hoje eu acho que o pessoal nem sabe mais o que é isso, você sabe o que é hortelã? Poejo? Levante? Levante é igual hortelã, só que hortelã é mais crespinha. Aí você pega levante, poejo, hortelã, um pedacinho de alho, ferve, põe o pozinho, põe açúcar e da pra tomar, aí não da mamadeira, não da nada, só o chazinho o dia inteiro. Aí dói a barriga, aí coloquei ele no peniquinho e fiquei na frente dele esperando, e ele se torcendo, se torcendo e colocou pra fora um monte de lombriga, porque se tivesse deixado no hospital iam falar que morreu desnutrido, porque eles não acreditam né? Esses médicos, tem muitos que não acredita em benzimento, reza, simpatia, remédio caseiro. Meus filhos mesmo, eles não vai no médico, tudo é caseiro. Dor de ouvido? Torra o alho no azeite e pinga no ouvido. Antigamente tinha aquela flor das almas que parece margarida né? É uma ervinha com folhinha verde, umas florzinha bem pequenininha amarelinha e parece margarida, aí você pega, amaceta, deixa bem branquinho e pinga no ouvido. Tá com dor de garganta? Ferve casca de Romã, toma a casca que sara a garganta. Ou então pega um pano, soca de álcool e põe aqui // No pescoço //. Tá com dor de barriga? Que nem, tem gente que chupa jabuticaba e joga a casca fora, come jatobá e joga a casca fora, come romã e joga a casca fora, não tem remédio melhor pra disenteria que você pegar a casca da jabuticaba lavar e deixar no sol pra secar, jatobá a mesma coisa, romã a mesma coisa, deixa secar tudo, põe cada um num saquinho e deixa guardado. Tá com dor de barriga, pega um pouquinho de casca de jabuticaba, casca de romã, casca de jatobá, pega um broto

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de goiaba, ferve tudo e vai tomando como se fosse água, é o mesmo que tirar com a mão. To anotando todas as receitas já hahahaha

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Hahahahaah entendeu? Então tem todas essas coisas, pra garganta, pra gripe. Gripe é chá de alho com limão, só que você tem que descascar a laranja inteirinha sem quebrar a casca, esse é o segredo, aí você põe em uma panela ou caneco, aí põe o limão cortado em quatro, canela, cravo, alho, queima com açúcar, deixa virar creme e toma com qualquer comprimido pra dor e pronto, sara gripe, sinusite, sara tudo entendeu? Então é isso, é tudo caseiro né? E sempre trabalhando, sempre bebendo, sempre doida, sempre brigando, sempre estressada. Chegava em casa e pegava água lá do poço, lá embaixo. Então hoje se eu vejo um copo em cima da pia eu já grito “VAAAAAAAA...” Eita, eu já ia falar palavrão hahahahaha. Hahahahaaha pode falar! Fica a vontade. Hahahahaha então se eu chego em casa, vejo um copo em cima da pia, pia molhada ou o chão molhado eu já grito “CARAAALHO! Porra meu a torneira tá bem aqui na cara, custa pegar, lavar e pôr o copo lá? E se tivesse que fazer que nem eu? Pegar água do poço”, hoje eu tenho até problemas na coluna e nas pernas por causa do poço, eu era pequenininha, e o poço era bem fundo, sabe o que é sarilho né? Não sei o que é sarilho, o que é? Sarilho de poço é um negócio de pote, que tem um carretel enrolado em uma corda e em uma alavanca, aí você solta aquele balde todinho e vai lá embaixão no fundo do poço, aí o balde enche e você pega o sarilho assim e vai forçar aqui, cê

tá forçando e vai puxando a água, vai puxando, vai puxando, aí quando chega lá em cima você tem que segurar na alavanca aqui, colocar o balde aqui na boca do poço, jogar a água em outro balde e isso até encher pra levar pra casa, isso várias e várias vezes, entendeu? Então é por isso que quando eu vejo um copo sujo, pia molhada, meu… É tão fácil, agora já pensou passar o que eu passei, ia pra escola o guarda-chuva arregaçava todo, ia pra escola e ficava toda molhada, não via a hora de chegar na merenda pra comer sopa de aveia pra ficar quentinha ali, ô. Pra chegar aqui que eu estudava no Silvado // E.E. Joaquim Silvado //, tinha que passar por uma trilha aqui que tinha um riozinho assim, aí escorregava e tinha uns pés de amora, aquelas que dá no mato e parece moranguinho, e tinha que descer escorregando, então descia aquele negócio correndo e pegava nesse pé de amora e enchia a mão de espinho, “Ê meu pai!”, Isso pra chegar lá embaixo ali onde é pra subir pro posto onde é o Silvado, era um barranco que tinha que descer num embalo só, devagar você escorregava, aí pegava assim, correndo, senão devagar você caía, isso tudo pra chegar na escola. Essas crianças, hoje em dia, elas não sabem o que que é brincar de roda, de piques, mãe da rua, pega-pega, pêra, maçã e limão. Na escola a gente brincava de corrida do saco, eu falo isso e as crianças não sabe o que é corrida do saco, correr com o ovo na colher sem deixar cair, encher bexiga e quem estourava antes ganhava, enfiar linha na agulha e eram essas as brincadeiras da escola, basquete, vôlei até hoje existe, mas tem muitas brincadeiras que não sabe, porque hoje em dia é só celular, computador, celular, computador, gente até hoje não sabe o que é brincadeira, tanto que nem sabe falar português, têm uma ex cunhada minha foi viajar comigo pra ver o Biro e “Quando nóis foi, quando nois veio”, até hoje não aprendeu a falar meu, caramba meu, isso a gente aprende na se-

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gunda série, isso se chama pronomes pessoais, “Nós fomos, nós vamos, nós fomos...” ô “Nóis foi? Nóis vai?”, “Nós vamos!” ó o agudo “nÓs” já tá no agudo, “NÓS vamos, nÓs voltamos, nÓs voltamos, eu, tu, nós, vós, eles” isso a gente aprende na segunda série meu. Tá vendo como não sabe português, “Até que ano você estudou?”, “Até a sétima série.”, “Até a sétima série com esse português? Estudou nada!”, Isso se estudou, porque o pai e a mãe bebia muita pinga, muita cachaça, mandava pedir esmola e quando não trazia dinheiro apanhava, olha a família que foi parar, apanhava ainda se não trouxesse dinheiro, era 24horas, pinga, pinga, pinga, ia estudar o que? Estudava nada, magina. Tenho 60 anos e não esqueço as coisas, vocês com essa idade “Fez tal coisa que te pedi?”, “Ah! Esqueci”, ó eu com essa minha idade que tenho, depois de ter tanto filho que tive, passo problema e não esqueço as coisas, vocês com 20 anos, 30 anos esquece de tudo, já pensou quando chegar com 60 anos? Vai ficar tudo velho gágá, eu sim tenho motivos pra esquecer, porque quando a gente vai ficando velho, os ossos vai ficando fraco, o neurônio vai enfraquecendo, porque a gente já trabalhou muito, já se preocupou muito então vai ficando fraco, a voz vai ficando rouca, a visão vai ficando fraca, porque óculos eu tenho que usar por causa da visão que ta ficando fraca, será que vocês vão chegar nessa idade? Olha só, eu sempre paro e penso no tanto de amigo que morreu e eu ainda tô aqui. Ainda vou dar muito trabalho ainda entendeu? Gosto de pagode, sou pagodeira, gosto de um padeiro, matimba, e eu acho que acabou, porque se eu for ficar lembrando vamos ficar até amanhã, porque vai lembrando e vindo na cabeça, com o tempo que vem vindo, vem vindo. Pode ir falando Tem um namorado também, um inesquecível, que todos ma-

ridos que eu tive foram traídos que foi o Gustão, que deu muita briga, que todos os maridos que eu tive foi traído. Aí quando eu arrumei esse véio que eu arrumei ficava puto falando “Que que esse cara tem que eu não tenho?”, Aí eu dizia, “Tem caráter, é trabalhador, e você é um mulherengo”, aí ele dizia “Pois eu posso ser mais que ele” e comigo tá até hoje, faz 32 anos e o Gustão já morreu, mas gosto dele até hoje, mas nunca tive nada com ele, porque ele era muito mulherengo, muito bonito, todo mundo ficava disputando ele, depois a Maria foi e pegou ele de mim, hoje a gente se cumprimenta e tudo. E você vai escrever tudo isso no relatório? Vai ter que escrever tudo que eu to falando? Vai ficar é doido. Ahahahah vou, mas é bom ir falando mais pra ficar mais rico. E o que você faz hoje? Cambista! Jogo do bicho. Trabalhei com uns meninos na Marechal, trabalhei em Santana, depois na Casa Verde no Chico da Ronda e agora to aqui no J.H. Aqui nesse pedacinho e eu sempre quis trabalhar aqui, mas como eu trabalhava lá na cidade, toda vez que vagava lugar aqui, quando eu chegava já tinha gente no lugar, toda vez, aí o Vi arrumou um barzinho aqui embaixo e já fazia uns 3 meses que eu tava desempregada e o Vi chegou pra mim e falou “Ô Jo quer ganhar um dinheirinho?”, Aí eu falei “Como assim?”, “Montei um barzinho, quer montar uma mesinha de jogo do bicho lá?” Aí eu coloquei uma mesinha pequenininha e comecei a trabalhar lá e tinha uma Ana que trabalhava aqui. Aí não deu certo com o Vi, e a Ana acabou desistindo, me chamaram pra ficar no lugar lá em cima, aí eu fiquei “Puta, era o que eu mais queria, pertinho de casa, não precisa ir lá pra cidade”, aí foi um prato cheio, aí faz 14 anos que tô aqui.

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E o que mudou no bairro de lá pra cá?

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Ah! Muita coisa mudou, principalmente a quantidade de casa que tinha aqui, eram poucas casas, casas não né?! Barraco! Inclusive começou a chamar “Morro da Pinga” porque cada casinha vendia pinga, ali era um, ali era outro e cada canto era um, tinha o Gaivota, Aloísio, bar do Topeira, era tudo barraquinha, aí quando começou a evoluir, começou a subir o asfalto o ônibus vinha “Vila Zatt/ Morro da Pinga/ Jd. Pastão” aí foi evoluindo, porque era tudo mato né? Foram chegando pessoas, foram construindo, muitos foram invadidos, teve confusão, cavalaria, foram lá pro Ibirapuera, aí foi uma confusão danada os polícia jogando cavalo em cima do povo, no fim cada um ficou com seu barraco que hoje são sobrados bonitos e não deu em nada. Hoje evoluiu bastante, tem asfalto, casas, hoje é uma comunidade que é grande, tem farmácia, padaria, açougue, cabeleireiro, barbeiro, manicure, lojinhas, então evolui muito, jamais eu ia imaginar que ia ver tudo isso aqui, porque era tudo longe né? Hoje nós temos tudo, pra falar a verdade estamos no céu. // Desde criança quis saber o motivo de o lugar onde moro chamar “Morro da Pinga“. E mais uma vez vemos repressão policial na história envolvendo periferia // Tem tudo e o povo reclama pra pegar o ônibus porque está chovendo. O ponto tá alí, tem asfalto e reclama, e antigamente que não tinha ônibus, não tinha água, luz, era tudo barro, não subia carro, não subia nada. O caminhão de gás antes de abrir a rua, antes do asfalto os caminhão de gás tinha que subir aqui com corrente no pneu senão atolou no barro. O vizinho que morreu ali, o carro da funerária teve que subir com corrente e quebrou ali na encruzilhada, depois os parentes do defunto foram buscar com um Toyota, é triste e engra-

çado pra nós, quebrou e tem que levar num Toyota? Não tinha hospital nem delegacia, antigamente tinha a 28 e a 33, hoje tem a 87, 45, 28, 33, 46, 74 hoje tem o 91 lá embaixo no Ceasa, hospital também não tinha, o mais perto era o Sorocabana na Lapa, depois com muito tempo teve o da Cachoeirinha, hoje tem o Penteado, Taipas, só tinha lá pro lado da cidade, por aqui não tinha. Uma vez que eu tava pegando… A gente brincava de casinha e eu fui pegar saco de bode, aí tinha uma cobra bem perto do meu pé assim pra me morder, aí alguém gritou “Ó a cobra!”, Aí eu joguei a marmita e saí na carreira e antigamente tinha muita encruzilhada, não era rua era tudo feito em foice e enxada, então tinha muita macumba e o que eu fazia de terça e sábado, eu e meu irmão acordava bem de manhãzinha pra pegar a garrafa da macumba pra vender, porque antigamente vendia né?! Compravam garrafa, papelão, lata de óleo, até isso! Tinha que pegar garrafa da macumba pra vender e comprar pão. Aí eu tava pegando uma frutinha, saco de bode, que parece jurubeba, e tinha uma cobra. Aí eu saí correndo, correndo, correndo e tinha uma garrafa, com uns cacos de vidro e enfiou no meu pé e eu correndo com medo nem senti pensando que a cobra tava atrás de mim e pra chegar na casa da minha mãe tinha uma cerquinha e eu voei por cima da cerquinha “Vupt!”. Fui parar dentro da cozinha e o sangue correndo, e o vidro entrou e não tinha condução, aí meu pai colocou um monte de pó de café com um pano, chamou o vizinho, aí o vizinho preparou a égua e a gente foi de charrete até o hospital cachoeirinha, de charrete, pra poder arrumar meu pé, olha o que eu passei na vida, não foi fácil não. E foi isso!

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Se você pudesse trazer alguma coisa da sua infância pra vida adulta?

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Da minha infância… Eu trazia o meu bebeco, meu bebeco, eu nunca tive brinquedo, era sabugo de milho e esses brinquedos, é o bebeco, porque uma vez eu vi um boneco de plástico e eu gostei dele e coloquei o nome de bebeco, aí roubaram meu bebeco, mas eu chorei tanto, tanto, depois arrumei outro e dei pro meu neto hahaha Teve uma vez que fui tomar cerveja com um amigo meu e falei “A meu bebeco, meu bebeco” aí ele ficou “Que bebeco? Tá falando o que?” Aí falei que era o boneco que tinha visto e fiquei “compra pra mim! Compra pra mim”, pois ele foi lá e comprou, isso depois de velha, eu falo que até depois de velha ele vai continuar lá do lado da minha cama, minha infância é meu bebeco, gosto dele desde infância até hoje com 60 anos. Minha professora Darci, que me ajudou muito, porque eu era muito pobrezinha, as vezes eu escrevia em papel de pão com um toquinho de lápis, como eu tinha bastante gente pobrezinha na escola, mas ela ajudava mais eu. Um dia eles fizeram uma reunião lá na escola e conseguiram colocar um armário na sala cheio de material e quando a gente não tinha eles davam pra gente, então eu gostaria muito de ver essa professora de novo, porque acho que não vou encontrar mais nunca e o seu Roberto que tinha raiva de mim, porque eu era muito danada. Teve uma vez que ele me pegou arrumando confusão com as meninas na porta da escola e me bateu com a palmatória, aí eu disse “Á é? Então cê vai ver!”, Aí no outro dia levei meu estilingue e um monte de caroço de milho e toda vez que ele virava pra escrever na lousa eu “Pá!” Dava uma milhada na lousa e fazia um barulhão, aí ele virava pra ver quem era eu escondia o estilingue, e ele falou “Se ninguém contar vocês vão ver!” E ninguém contava, até que um dia ele virou e me pegou no pulo aí eu já pensei “Eita! Agora lascou-se!” Aí ele já saiu correndo atrás de mim e eu pulando todas as carteiras,

e eu ficava fugindo dele nesse dia e no outro e ele doido pra me pegar, quando a gente ia entrar tinha que ficar em fila aí eu via que ele tava chegando eu ia lá pro final, ele ia atrás de mim eu ia pro começo hahahahaha quando ia conferir se fez lição de casa, ele passava de mesa em mesa olhando, quando faltava uma três carteiras pra chegar em mim eu saía e falava “Meu caderno tá aí, pode conferir” e ele dizia “Um dia eu te cato!”, Depois de uns 40 anos que eu vi ele falei “Ô seu Roberto, lembra de mim?” Aí ele dizia “Nunca vou esquecer!”, Aí eu dizia “Poxa seu Roberto, depois de 40 anos ainda ta com raiva? Sinal que me ama mesmo em?” Hahahaaha. Então dona Darci, seu Roberto pra fazer raiva nele de novo e meu Bebeco. // Carro de som vendendo ovos atrapalha o áudio. // E da vida adulta para infância? // Depois de uns 2 minutos pensando // Velha pra infância? Inteligência, que eu me acho inteligente, então inteligencia, sou guerreira, batalhadera, observação, acho que isso.

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Desde quando mora no bairro?

Michel Yakini // 37 anos Sarau // Várzea // Cultura Periférica // Rádio // Punk // Cultura Afro

Articulador Cultural // Escritor

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MICHEL YAKINI

Moro aqui desde que nasci, eu nasci em 1981 e eu sempre morei em Pirituba, só fiquei fora durante uns anos, isso nos anos 2000 eu fiquei 4 anos fora, mas fora isso sempre morei no bairro e nasci no bairro também. E sempre onde você mora agora? Exatamente, ali naquela região do Jardim Monte Alegre, Santa Mônica, já quase na beira com o Jaraguá, já estamos na divisa com o Jaraguá, ali rua Jurubim. E como foi sua infância? Como eram as ruas? Então, na época que já tenho as memórias que acho que é de 85 pra frente, 86/85 eu me lembro que era bem mais rural até, o bairro, tinha espaços que hoje, por exemplo são condomínios na região, que eram grandes espaços descampados de mato, muito porque a gente se ligava que estava integrado com o Pico do Jaraguá, e aí então as possibilidades de brincar nas ruas que não eram asfaltadas, eram de terra, a que eu moro era asfaltada desde que me lembro, mas seguindo em frente já era de terra e rua de outros lugares era de terra. Então tinha muito espaço que eram esses campos de terra, lugares de terra que a galera chamava de pasto, o nome já dava evidência de que era rural, tinha o nome de pasto, muito porque você chegava e tinha cavalo toda hora comendo, a galera tinha a cultura de caçar passarinho, também tinha essa ideia. A gente fazia uns lance, que eu andava com uma trupe de moleque que toda semana a gente ia em um campinho diferente jogar bola no bairro, então ‘hoje a gente vai naquele campinho’, ‘hoje a gente vai em outro’, então tinham vários campinhos e eu ia descobrindo também como era o bairro por causa dos campinhos, com os moleques mais velhos né?!

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Me lembro de ser assim, de ver cavalo ali também andando, hoje tá bem menos né?! Quase não vejo mais, e… Então tenho essa memória, e ao mesmo tempo eu me lembro de ficar conectando com histórias que eu não vi, mas que meus pais, meus tios e meus avós alimentavam de dizer que tinha um rio, porque eu moro na beira de um rio, e que o rio era limpo, que ali não tinha como vir carro depois da ponte, porque não existia a ponte. Tinham várias coisas que eu ficava desenhando na minha cabeça, ‘nossa, então aqui era realmente bem mais natureza’ e eu peguei uma entre fase e agora está muito mais urbano né?! Agora a natureza está bem mais degradada né?! Nesse sentido. E acho que foi o que me ajudou a conhecer o bairro também,esses trajetos, eu acho que se eu fosse criança hoje eu ia ter muito menos trajeto pra ir, que não fosse clube, escola, centro esportivo, parque, hoje tem mais essas possibilidades, antes a gente transitava por terrenos, terrenos que eu nem sabia de quem era, enfim, hoje eu sei que são condomínios ou tão cercados. E as principais coisas que você viu mudando? Eu percebi que ali no bairro mudou muito a questão estrutural, então chegaram muitas coisas que são vistas como comodidade, então, por exemplo, a gente não tinha banco perto, a gente não tinha muitos mercados, não tinha hipermercados dentro do bairro ali nessa região, a gente não tinha condomínios, por exemplo… Ala, ela vai vir aqui falar do cachorro mano, ‘seu cachorro tá lá, tem que prender’ você vai ver que ela vai falar isso, quer apostar quando? ‘Porque ele tá bagunçando’ é… enfim é uma aposta, pode ser até que eu pensei e ela vai falar só porque eu pensei. // A guarda do parque Jaraguá vinha em nossa direção. // Só que aí eu vi que então aumentou muito o número da popu-

lação, só que ao mesmo tempo hoje a gente tem menos interação comunitária. // Guarda do parque: “Oi gente, boa tarde? Aquele cachorrinho é de vocês?” Michel: “Sim!” Guarda do parque: “Super fofo! Mas precisa manter ele na guia tá?” Michel: “Ta bom, já vou lá. Pausa aí mano, rapidinho” Guarda do parque: “Obrigada!” // Então, você estava falando do que mudou. É então, tem as questões estruturais e tal, e automaticamente está alinhado ao crescimento populacional, porque a gente viu que chegou uma gama de pessoas, mas ao cada vez mais a gente passa a conhecer menos gente, o reflexo é que tem mais gente morando, mas menos relação com o bairro, porque aí vai tendo um pouco de um processo que acho que vai passar em todos lugares, que as pessoas vão morando em casas mais fechadas porque passa a ter esse medo da violência e ela vai se tornando mais presente, enfim, tem mais pessoas e vem trazendo mais contradições e outras coisas vem surgindo com mais força, então tanto os condomínios quanto as casas vem se fechando mais e aí as gerações que vão nascendo se interagem menos, assim, então é interessante ver que eu nasci e tenho vários amigos no bairro que são de infância e já a geração da minha filha ou mesmo o caso de um primo dela que é menino também, que normalmente acaba estando mais na rua, mesmo assim ele tem bem menos interação com outras crianças do que eu tive e isso é visível assim. Outra coisa que mudou muito, foi é… quando eu era criança a presença religiosa na região era muito ligada a terreiros também, de umbanda, candomblé, cê tinha muito a presença de benzedeiras, de casa espíritas, essas expressões religiosas. A

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partir de quando eu tinha uns 10/12 anos pra frente, no início dos anos 90, vem aquele crescimento enorme no bairro de igrejas evangélicas também, inclusive começa a trazer uma narrativa que eu nem precisei estar presente na igreja pra saber que os próprios moradores começaram a falar que é o tom pejorativo para as outras religiões, começa então a ter um crescimento enorme de pessoas para irem nessas igrejas e você vê que a narrativa que trazem de lá sempre falando que o outro é ruim e demonizado, enfim… vem trazendo um monte de nomes, isso também ficou muito forte pra mim porque eu era muito ligado a essas práticas, que não do catolicismo e do cristianismo, porque minha família também tinha a diligência de um terreiro la em casa, a gente sabia todos o terreiros que tinham porque a gente visitava, a gente sabia, tinha o roteiro dos dias, assim dos terreiros, das festas que tinham que as crianças todas iam e tal, isso eu vejo que talvez se não a instinto quase a gente não vê mais assim, antigamente você não precisava se esforçar pra ver e agora, pouco a gente enxerga essas manifestações, mais nesse sentido assim. E sobre sua infância, você lembra de algumas histórias? As mentiras? Hahahaha tem várias né? Tem várias! Eu me lembro, por exemplo, que tinham algumas histórias que eram as seguintes, nesses espaços descampados, por exemplo, o pessoal falava sobre a presença de seres espirituais assim, tipo que a galera travava como se fosse um fantasma então lá onde tem agora que é o Vista Verde que é um condomínio e tal, que até tá mais aberto agora lá, lá antigamente era só mato e descampado, ai eu me lembro que o pessoal falava que lá, que chamava pastão na época, dependendo da hora que você fosse lá você poderia ver fantasma, tinha essas coisas, então isso sempre movimentava o imaginário né?! Você sempre ficava pensando, “puta eu não vou la em determinado

horário” e quando você ia, você ficava meio temeroso né?! Tinham essa coisas assim… Ao mesmo tempo, tinha sempre uma curiosidade, porque em relação a esse lugar que a gente tá aqui que é o Pico do Jaraguá, tem várias matas que ligam com aqui que tão fora do parque e que uma das brincadeiras nossas era desmembrar assim, tipo na beira da Anhanguera você entra e você não ta mais no parque, mas se você entrar você consegue sair na mata ai, e a gente conseguiu fazer várias trilhas, que às vezes fazia ou de bicicleta ou a pé, e você saía em bica d’água principalmente também, ou em lugares que tinha muita pedra ou terreno argiloso tendeu? Então tinha muito dessa ideia, e tinha um pouco desse desafio de ficar até escurecer, pra ver qual que era e depois saia a milhão, tinha muito isso né? Hahahaha’ Depois eu lembro também que quando todo mundo tinha uma condição de ter uma bicicleta velha, a gente fazia muito o rolê de bike também, porque no princípio era muito com a bola, então ia muito com a bola para todos os lugares, porque com a bola era mais simples, um tinha a bola e já eras né? Aí o resto ia junto. Aí chegou num momento, que como as molecadas começam a se virar, então vai fazer carreto na feira, guardar carro, não sei o que… a nossa região tem feira né? Então é muito simples de ganhar um dinheirinho assim, ou então os moleques começam a trabalhar em mercado, tudo coisa que eu também já fiz uma vez ou outra, e você consegue também às vezes comprar uma bike velha, e nessa ideia da bike a gente fazia uns tours mesmo, de pegar na noite depois que todo mundo chegava da escola, e aí do nada ta reunida toda aquela gama de bike, esses dias eu até vi uns moleques fazendo isso, e a gente fazia, eu fiquei ‘nossa a gente fazia isso também’. E aí você vai saindo pelo bairro, conhecer outras ruas, pegar umas descidas, porque a gente tem muita ladeira, então pra bike tem isso, você sobe, mas também depois que você des-

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ce também da muito capote, você se arrebenta pra caramba, assim, mas eram coisas que a gente fazia com frequência assim, então essas são minhas memórias. Também tenho muita memória da ideia do pipa, só que eu nunca curti, só que como a molecada ta no contexto de empinar bastante pipa, então a gente também tem essa coisa de pipa, de colecionar pipa um com o outro e tal, eu nunca fui um fissurado, mas enfim, hoje em dia eu encontro mais magia no pipa que antes, eu era muito mais de jogar bola e querer andar, eu tenho essa pira de andarilho assim, de querer andar. E outro espaço que sempre foi interessante pra mim, e que eu vi uma mudança drástica nas estruturas também é nas escolas né? Eu estudei em pelo menos três escolas aqui do bairro?! Foi! É… Não, estudei em duas escolas basicamente, ali no Henrique Geisel // EMEF Henrique Geisel // e no Zenaide // EE Zenaide Vilalva de Araújo //, e eu lembro que as escolas eram espaços que permitiam que a gente tivesse outra vivência com o próprio espaço, não era assim cheio de grade, entendeu? Eram escolas que quando a gente tava em aula vaga, você podia estar em cima do muro, subia em cima da escola, tinham umas coisas que eram absurdas que a gente fazia, que eram até perigosas né?! Pensando hoje. Eu olhava assim e pensava “Porra mano, a gente subia em cima da escola, no telhado, os moleques que tinha uma gana mais louca iam nadar na caixa d’água da escola”, umas coisas assim que você fala “Caraca!”. Ou se reunia, naquele momento a gente se reunia pra ir pra uma quadra ou campinho também, porque naquele momento tinha escola que tinha horário de educação física diferente do horário da aula, ta ligado né? Então coisa que hoje praticamente ta extinto, então você ia de manhã pra educação física e a tarde pra escola ou vice versa né?! Eu me lembro disso. Então a gente ia de manhã pra educação física e depois ficava “Ah! Pra onde a gente vai? Vamos brincar de pega-pega na esco-

la” então a gente ficava subindo nos muros, quem que vai pegar o outro lá em cima, aí o outro ta lá em cima, ou ia pra alguma quadra ou campinho, porque nessa época começaram a surgir quadras também e isso me ajudou bastante a conhecer o bairro e criar também convívio né? E não só na minha rua, porque minha rua é uma rua movimentada, é uma rua que passa os ônibus e tal, eu não tenho muitos vizinhos ali que são além de comerciantes, mas aí eu sempre tava na rua de cima, na rua de baixo, nas ruas das escolas que eu estudava, então você vai ampliando e acho que isso ajudou a conhecer né? E outro espaço que eu também, praticamente acredito que foi mais potência na minha educação que a própria escola em si, eram os espaços do futebol mesmo, mas não esses das brincadeiras com a molecada, espaço de futebol, que treinava mesmo, o Centro Esportivo e o Jardim Regina eram os principais assim. E era tudo gratuito? Tudo gratuito! Eu cheguei a treinar em outros lugares também, ali no Sajaz ali no Malgalot, também no Taipas, no Jaraguá. Mas os dois que eu acho que fiquei mais marcado, assim de ficar mais tempo de conhecer gente que até hoje eu passo na rua, eu comprimento de ficar abraçando assim, era ali no Jardim Regina e no Centro Esportivo. Centro Esportivo público, porque era espaço da prefeitura, é ainda né?! Clube Escola. Então eu lembro que treinava ali, eu treinava de manhã e ia pra escola a tarde e lá eu comecei a meio que desenhar essa ideia de projetar essa carreira com futebol né?! E no Jardim Regina também né? Porque muita molecada que ia pro Centro Esportivo ia pro Jardim Regina. Lembro na época que era um campo de terra, que hoje é um campo de grama sintética, então a gente levantava poeira ali e era isso. Treinava de semana e todo sábado ou domingo era jogo, e depois eu tinha o costume de ir a tarde, quando não jogava, assistir a várzea,

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então eu era muito pirado na várzea ia assistir jogo de várzea, eu sabia os times que ia jogar a escalação dos caras e me alimentava muito dessa ideia, tinha uns amigos que a gente se acompanhava e ia ver os festivais que é quando os times se reúnem pra disputar troféu e fica a tarde inteira com um monte de troféu né?! Até hoje tem essa ligação com a várzea?

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Hoje a minha ligação com a várzea é só literária, eu não vou muito mais em várzea e eu jogo as vezes, que nem, sábado agora eu joguei, porque a gente fez um time lá do Arte em Campo, mas é uma galera que junta do RAP e do Samba e faz um time, mas não jogo que nem antes que era toda semana. E eu também não acompanhei mais, porque eu deixei de jogar e não tive mais essa gana de jogar, e também porque a várzea mudou muito, eu não conheço mais os caras, eu vou lá e não vejo mais os moradores jogando a várzea se profissionalizou em muitos pontos também. Então hoje os times são compostos, os times que jogam, que disputam os campeonatos e os caramba, eles são compostos por jogador profissional que às vezes tá parado, o cara que desistiu da carreira, entende? É muito mais essa estrutura. Os times de comunidade estão aí e tal, só que eu não acompanho mais, só que eu escrevo muito sobre a várzea hoje, essa que é a ideia, eu sou chamado pra fazer muita coisa sobre a várzea no sentido literário né? Agora mesmo vou estrear uma série numa tv, que tem a ver com a várzea e eu sou como se fosse um comentarista da várzea no programa, essa é a ideia, os caras me chamaram por isso. Então eu tô antenado à várias coisas, mas não sou mais um frequentador ativo. Sabe de cabeça algum poema sobre a Várzea?

Sobre a várzea? // O futebol e principalmente a Várzea, assim chamada, pois no começo os jogos eram realizados em campos de várzea nas margens do rio Tietê, tem grande importância no lazer e na vida social das periferias e isso não é diferente em Pirituba. Muitas vezes é uma das únicas formas de entretenimento acessível para os moradores que ostentam suas camisas como símbolo de pertencimento ao local em que moram. Um fato interessante é que não é possível achar camisas de times de várzea em lojas esportivas, a única forma de comprar ou ganhar é no próprio time, o que torna o rolê mais próprio das pessoas da comunidade que o time representa. // Ou sobre qualquer coisa que você queira falar. Do futebol, por exemplo? Eu tenho uma crônica curtinha que falo sobre futebol, não é sobre a várzea mesmo, mas é sobre o futebol industrial que a gente conhece. O título é “Coração Feito à Mão” e fala sobre um grande artilheiro, então a crônica é assim ó: Coração Feito à Mão Vai ser um rebuliço tremendo o dia que ele, o craque maior, o ídolo da geral, o intocável, tomar as rédeas da situação e falar pra todo mundo ouvir o que se deve. Tomara que seja num domingo, no jogo ao vivo, e que ele faça três gols, nada mais, nada menos. Um de cabeça, um de pênalti e um de voleio. Que ele seja aplaudido em pé, até pela torcida adversária. Aí sim, como unanimidade, ele poderá dizer, sem erro! Será um dia daqueles, em que os repórteres farão fila ombro-a-ombro pra ter sua palavrinha, pra dizer da atuação, perguntar se ele quer ir pra Europa, pra dar o prêmio de melhor da partida, nesse dia ele vai sacudir as estruturas, soltar a voz.

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Não terá juiz, nem bandeirinha que anulará sua legitimidade, não terá técnico, nem capitão com conselhos morais, nem assessor de imprensa, nem empresário pra amenizar. Poderoso como o quê, ele dirá o que quer com todas as letras. Fará questão de ficar de frente pra câmera da emissora de maior audiência, no link ao vivo com o estúdio, pois ele sabe que depois dos gols e das comemorações carinhosas, os microfones serão como urubu cercando carniça da notícia. Nesse dia, depois de três gols, do baile em cima do maior rival, da comemoração com coração feito a mão, ele vai caminhar lentamente, sem camisa e atenderá a todos, numa roda iluminada no meio campo e vai esperar a inocente pergunta: — E aí, depois de ser o cara do jogo, fala pra gente: Pra quem foi tanto beijo e tanto coração nas comemorações. Quem é a inspiração dessa bela atuação? E ele vai dizer de cabeça erguida e olhos na retina do país: — Meus gols são dedicados ao meu NAMORADO, o Apolo. Te amo, meu bem, esse jogo é seu! - Essa eu já tinha ouvido Hahaha. Já tinha né? Essa não fala da várzea, mas fala de uma ideia da inversão do futebol que aí também tem essa ideia de pensar o dia que um futebol vai propiciar também de um dia um jogador chegar lá e fazer essa declaração né?! Isso vai ajudar muito na discussão, enfim. Sobre a várzea eu tenho textos que falam sobre os times, Jardim Regina, Classe A da Barra Funda, outros são memórias minhas também que eu conto alguns jogos e falo coisas sobre como “Ah! Putz, eu era especialista em perder pênalti” e umas coisas assim. Falo um pouco dessas coisas da vibração da várzea de ir de um campo ao outro e eu lembro que os times saiam aqui de Pirituba em um caminhão e hoje são coisas que são proibidas, se pegar o cara vai preso, da multa, não pode tran-

sitar um monte de gente em um caminhão, um caminhão baú ainda, fechado. E na época os caras faziam isso, se reuniam em um boteco, e eu sabia do jogo porque eu passava no boteco da rua de casa lá, do Zé Pretinho, e lá você sabia que o Ajax ia jogar tal dia, tava na lousa e o cara falava “Tal dia, tal hora” e eu falava “Ah eu vou junto, vou ficar aqui e na hora que os caras entrarem no caminhão eu vou junto” era criança né?! Aí já eras. E era o que eu fazia pra se aproximar mais. - E quais times você lembra que tinha nessa época? Ali tinha, na rua que eu morava era a sede do Ajax FC e os times que até hoje existem que são mais conhecidos é o Escudo Negro do Santa Mônica, o Praça de Pirituba que é o mesmo time só que de sábado jogava com o nome de Escudo Negro e domingo jogava com o nome Praça, e eu gostava muito de ver porque os caras tinham essa ideia da batucada, era os caras que reuniam os melhores jogadores da região ali, o Regina tinha um time muito bom também, ali pro lado da Vila Zatt lembro muito do Comercial, o galo de Pirituba que a gente via de longe e ficava “Caraca!”, Que o bairro também é dividido ali né, tem aquela ideia da Bandeirantes (Rodovia), então uma parte tá mais pro Jaraguá e outra parte mais ligada pra Freguesia, e o Comercial tá mais ligado para aquela parte, mas é um time que eu lembro que jogava ali no Satélite, ainda existe também né? E era bem temido também. Ali no Jardim Maristela tem o Unido do Maristela que eu conheço uma parte dos caras e sempre tava próximo vendo. São times assim, depois na rua que eu morava foi a sede do Real de Pirituba que é um time que não existe mais também, o Ajax e o Real também já não tem mais a sede, é um time extinto. São esses times que eu lembro que eu mais acompanhava assim, depois passei até a jogar em alguns, que nem, depois que surgiu o Saloah, que até hoje é um dos mais fortes

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dali, então eu joguei um pouco nesse time também, então eu corri um pouco nesse time do Saloah. Ali na região também tem uma cultura muito forte do salão, e eu joguei muito mais no futebol de salão depois de moleque, então minha ideia foi ir menos até o campo, eu gostava mais de assistir, mas no salão eu corria. Então eu joguei muito tempo também no Pivetes que é um time que também não existe mais, depois em time que chamava Bad Boys também, e aí depois eu fui andar por outros bairros, joguei no Jardim Peri lá no Agregados, em Osasco eu fui jogar com o Líder de Osasco no campo, aí você vai andando, porque uma coisa vai levando a outra né?! E de alguma forma são bairros próximos também, Osasco, Jardim Peri, me lembro desses times assim, de correr por esses times.

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- E sobre culturas de matrizes africanas, como era antes e como é hoje? Acha que de alguma forma ajudou a moldar alguma coisa no bairro? Sim, sim. Eu vejo, porque eu acredito que o nosso bairro Pirituba, muito dentro disso que você falou que as histórias que são contadas não dão conta da história oral né? As que são contadas oficialmente. Se você vai fazer a pesquisa rápida, vai ver os negócios da fazenda que teve história de imigração e tal, mas uma das histórias que não se fala muito aqui é dessa presença negra que principalmente por conta da abolição da escravatura, os bairros que começaram a ser ocupados, eram esses da margem do tietê né? Primeiro o pessoal vai saindo de umas senzalas que tinham ali no centro e vai começando a ocupar uns bairros que tinham na beira do rio, e Pirituba sendo também da margem do Tietê, começa a ter muita gente vindo do centro, mas também tem uma gama muito grande de gente que vem do interior, que do mesmo jeito que teve a abolição, começou

a ter uma galera que começou a buscar outras cidades pra morar, então Pirituba vira um celeiro de comunidade negra, não é a toa que a gente tem escola de samba no bairro, e na real tinha até mais, porque você tinha os blocos também. Hoje em dia você tem ali os blocos do Vovó Bolão e o grupo do Bola de Fogo, mas antes também tinha o do Barroca que é um bloco do Santa Mônica que também não existe mais, é... Você vê muito essa presença dos grupos de capoeira também, isso é uma evidência forte da presença negra, tem essas questões dos times do futebol também, porque a várzea vai surgir também em oposição ao futebol, que é esse futebol profissional, e aí muitas vezes é essa comunidade se reunindo, e no cerne é muitas vezes essa comunidade negra se reunindo, porque tava fora né? Não podia participar no início do século XX os clubes não tinham atletas profissionais negros, começaram a ter depois, e nosso bairro tem essas marcas aí, futebol de várzea, capoeira, samba, outra história forte é pensar essa presença, como aqui ta marcado o colonialismo desde 1580, já tem marcas aqui, que você vem aqui no Pico e vê a casa de Afonso Sardinha, isso é sinal que já tinha bandeirante e já tinha indígena, aliás, já tinha indígena primeiro né? Então não é a toa que a gente vai tendo uma série de histórias orais que deixam marca pro bairro, que hoje eu posso até olhar de longe e falar “Não vejo concretamente isso”, mas quando a gente vê grupos atuando culturalmente né? Por exemplo, eu participo de um grupo que tem uma verve oral, sarau de poesia oral e o contexto é porque a gente tem essa matriz se a gente não fosse um grupo que tivesse a oportunidade de presenciar a oralidade, dentro da própria comunidade, no seio de sua família, a gente não ia conseguir fazer sarau, a gente ia travar, né?! E antes disso vai ter o que pra banhar isso? O que vai bebendo dessas origens aí? O Hip-Hop, o clima dos bailes, porque essa região tinha muito baile negro, baile soul, que até quando fui

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criança cheguei a pegar uma parte de ver esses bailes assim, porque ele chegou a ser segurança de baile, até uma época ele trabalhou como bombeiro então ele montava a parte da estrutura dos extintores dos bailes, depois teve um tempo que ele começou a dar som nos bailes, mas ele conta que quando ele era mais jovem ele frequentava os bailes também. Então sempre teve seio de baile black ali, eu sei que tem um que eles falam que é muito emblemático que a geração anterior do meu pai fala é de uma casa chamada Babilônia que é onde hoje é a Bifarma em frente a padaria Michelle, lá era um salão de baile e ali onde hoje é uma igreja evangélica em frente ao Centro Esportivo também, ali do lado onde tem uma pizzaria e é a igreja Universal também, era o Aquarios Dança, já nos anos 90, ali na rua da minha casa um pouco mais pra cima na rua Jurubim, tinha um outro grêmio que não lembro o nome do lugar, mas também tinha baile. E isso já é evidência do que? Da cultura negra presente, porque era o que? Baile Soul, baile que tocava música do soul e do funk americano e que depois abrigou também o RAP, então a gente teve um cenário forte de RAP, tinha um monte de grupo de rap no bairro, vários, tudo menino versador e que às vezes nem tá pensando que a cultura dele é da matriz negra, mas que na verdade tá ali exercitando né? Ele faz, a gente não fica pensando se faz ou não, a gente vivência né? Cê faz porque pertence à você, então isso deixou marcas porque essas histórias hoje é o que faz a gente ter rádio comunitária, sarau de poesia, grupos culturais que fazem outras coisas, ter grupo de RAP, essa molecada que também faz o funk não vejo longe disso, mesmo que a galera olhe e fale do conteúdo que a galera que acha que é desmoralizante ou também o jeito de praticar o baile que é na rua e a galera não tá acostumada com esse jeito de ocupar a rua então também tá tendo muita resistência, mas o jeito que é feito é versação também, ou

seja, é a tradição oral que é muito ligada às histórias de griot que vai e faz verso na oralidade, é uma possibilidade do griot e uma outra coisa que é a batida mano, a batida é de terreiro, né?! O “Tchu tcha tcha tchu tchu tcha” é um toque de tambor. O Barravento? É o Barravento! Que é um toque de tambor de terreiro, que no Rio inclusive é chamado de tamborzão, então é isso assim, a gente sabe que isso tem marcas no bairro, só não tá estruturado, a gente não criou um museu da cultura negra em Pirituba, mas a gente tem essas evidências né?! E ai a gente pode pensar em qualquer bairro que tem também, os bairros mais afastados e tal. E é por aí que eu consigo ter essa dimensão, se eu talvez não pesquisasse também a cultura negra e nossas vertentes orais e essa aproximação com a cultura indígena eu acho que ia ter mais dificuldades de olhar assim, mas agora eu não tenho dúvidas que mesmo que não tenha essa presença de uma forma oficial e datada a gente sabe que existe, porque a gente vê. Ainda assim, teve um tempo que o instituto de terras aqui de São Paulo, que é o órgão oficial do estado, pesquisou a existência de um Quilombo Urbano aqui em Pirituba, só que não conseguiram os registros que dessem mesmo a evidência, mas a partir da escola de samba do Prova de Fogo eles identificaram que tinha uma comunidade negra ali no Mangalot, que provavelmente foi ali se refugiar no fim do processo da escravidão e que eles poderiam intitular ali como um quilombo urbano. Isso poderia gerar demarcação de terra para alguma família e tal, mas acabou não indo a frente, mas se a pesquisa surgiu é porque tem evidências né?! É que fragmentou, ali virou um lugar muito urbanizado né? É uma avenida com um monte de bares, um monte de outros interesses de outros poderes. E a outra coisa que é um trabalho interessante também que

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não é uma galera de Pirituba, mas uma galera do bairro aqui do lado de Perus que é a galera do Quilombaque que ta fazendo esse mapeamento do memorial do bairro, que eles tão pegando Perus, Pirituba, Jaraguá e Brasilândia que eles falam disso, falam que se você olhar pro Pico do Jaraguá, aqui era um ponto que a colonização, antes os povos indígenas e depois os colonizadores olhavam para cá para se referenciar nos caminhos. Então tinha uma ocupação dos povos indígenas e depois dos bandeirantes que já vieram de uma forma mais violenta, e que você vai pensar que vem também o povo escravizado que vai ficar aqui depois né? São histórias que você vai olhando e vê que constituem o bairro, só não estão estruturadas em livro, pode ser que tenha, mas a gente não tem o acesso tão forte e fácil de achar. E você tá falando tanto de oralidade, de projetos. Quem é você? 94

Pode crer! Hahahah Então eu ou o Michel Yakini, agora nesse ramo de escrita literária me chamam de Michel Yakini, mas eu sou morador do bairro desde 81 que foi o ano que nasci e eu agora depois de ter passado por várias coisas e passado minha infância no bairro, e enfim… fiz várias coisas ali, trabalhei carregando sacola na feira, olhando carro na rua, empacotando no mercado, é… São coisas que eu fiz, estudando, chegou o momento que eu comecei a me aproximar mais dessa parte artística e comunicativa do bairro, então a primeira coisa que me fez desvincular dessa ideia de emprego formal foi a rádio comunitária, porque nos anos 90, nos bairros a gente tinha muita rádio. Só em Pirituba tinha umas 4 ou 5. E você participou de uma delas? Eu participei de duas inclusive, uma delas ainda existe que é uma rádio que chamava Elite FM, que agora existe só o ter-

reno, mas antes tinha um prédio lá, a sede era muito movimentada porque aconteciam os velórios, porque nos anos 90 morria muita gente assassinada, então tinha muito velório. Depois disso virou a sede da rádio comunitária e parou de ter velório lá por um tempo, eu nunca mais fui em velório lá, o prédio até caiu e degradou com o tempo. E aí lá eu comecei a participar de rádio, porque? Porque aí as rádios começaram a bombar assim, tinha uma rádio que chamava Nova Fila, tinha essa que era a Elite, tinha essa que era a Urbanus que tem lá e minha família é envolvida e aí eu lembro que a galera na escola ouvia a rádio e um amigo meu, quando a gente tava na 8ª série, eu acho, ele falou “Tô ligado que tem um programa na rádio lá e que seu pai e seu tio faz programa lá, queria fazer um programa lá e tal.” E era um amigo mais velho, eu tinha 14 e ele 17, e ele falou “Ó eu queria fazer um programa.” Aí eu falei “Qual o programa?” Aí ele “Sei lá.”, Ele era skatista, esse meu amigo, até começou a cantar RAP depois, e falou “Queria começar a tocar RAP ou tocar um Hardcore, um Punk rock, misturar as ideias” aí eu falei “Da hora! Vou falar com o pessoal se eles acharem de boa”, e aí aproximou e ele começou a fazer o programa lá, só que aí ele me chamou e aí que eu falei “Caraca mano! Eu nunca tinha pensado, eu queria ser jogador de bola só.”, Mas como eu andava muito com o pessoal e tinha também um acervo de CD e umas paradas assim. Aí ele falou “Bora fazer junto!” Aí eu falei “Beleza” e a gente começou a fazer junto, e foi a hora que foi a virada e eu comecei a me interessar por comunicação primeiramente e depois por informação e conhecimento né?! Porque eu vi que pra fazer a rádio você tinha que ter conteúdo né?! Além da música tem que ter conteúdo, então você começa a pesquisar além da música, o que você vai falar na rádio, e passei a me interessar primeiramente pelo que era dito nesses movimentos Punk que era mais próximo dos moleques, e também meu pai

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já tinha sido Punk na época que eu era mais criança, então me lembro dessa fase de ficar olhando Zine e esses baratos, depois fui me ligar mais com o HIP-HOP também, só que o HIP-HOP me levou mais pra uma parada com a literatura e poesia do que necessariamente com a música né?! E aí então eu desenvolvi um lance de começar pelo hip-hop a conhecer mais a cidade também, e aí é onde eu encontro mais pra frente esse movimento de saraus ambé, e hoje sou organizador de um sarau há 11 anos (Sarau Elo da Corrente), que é da poesia falada, que passo a escrever livros, a incentivar o pessoal a escrever né? Porque são várias pessoas no bairro fazendo nessa linha de poesia falada e livros, e aí eu tô nessa. Eu trampo como escritor, escrevo meus livros, vendo eles por aí, faço palestra, ações culturais de várias formas, oficinas, cursos, formação com professor e essas paradas, e além disso a gente tem o sarau mensalmente que é no bar do Santista // Rua Jurubim, 788 // que é o bar da região que é também a sede da rádio comunitária e que a gente também se encontra pra fazer um encontro de poesia falada, essa é a ideia, então agora eu to mais integrado nisso. E acompanhando outros movimentos, tô integrado na cidade toda com esse movimento, que agora também reverbera pra Slam que é batalha de poesia e outros grupos que fazem outros encontros, a gente também tá em bairros perto, Perus, Brasilândia então o pessoal faz encontros de RAP, Samba, Sarau e a gente sempre tá junto. E acompanho até aquilo que não to ligado, agora eu vejo a molecada fazendo batalha de rima de terça-feira na estação de trem e as vezes eu paro lá pra ver também, já não tô mais na geração deles, mas eu paro pra olhar, acho da hora, mas é outra vertente de oralidade do bairro, e eu falo “Porra, tá aí ó” a geração mais nova já tá fazendo. E não é nada novo, é uma coisa de milianos batalha de rima, mas é essa garotada mais nova, fazendo uso de lingua-

gem ancestral e que eles só vão fazendo ali e pronto, vai saber o que vai ali reverberar. O importante é a gente ver que tá acontecendo. Então eu sou essa pessoa e trampo exclusivamente com isso, com meu trampo artístico, depois de ter feito mil coisas eu… Eu já trampei como técnico em eletrônica, técnico em telecomunicações, ajudante de construção civil, essas fitas. E do movimento Punk você falou, sabe se tinha alguma coisa? Sim! Muita coisa, o movimento Punk é muito forte nas quebradas, hoje deu uma diminuída nos movimentos punks organizados nas quebradas, naquela época o RAP tava fervendo, as rádios comunitárias tavam fervendo e tinham muitos grupos Punk também né? Então a gente tinha aqui no bairro uns moleques que tinham bandas, tinha um circuito de bandas interessante que sempre tocavam em umas garagens de um pessoal do próprio bairro, tinha então o Esquizofrenia que era um deles, Desastre que era do Líbano se não me engano, Esquizofrenia era ali da Saloah. Tinha outros também que não me recordo o nome que era um circuito de banda, mas também era um circuito de movimento, que eles criaram um coletivo que chamava As Casas que eu me lembro que se reunia em uma sede ali perto da escola Zenaide que tinha a ver com esse grupo Esquizofrenia, mas também tinha a ver com um outro amigo que mora até na Itália esse mano, que chama Alex, é um professor de histórias, só que naquela época ele era um militante Anarquista assim e ele se aproximou dos moleques e eles criaram um coletivo que lá todo final de semana tinha uma ação e lá todo final de semana tinha uma ação, ou uma discussão, ou um eventos, eles lançavam zine, depois teve um tempo que eles ficavam fazendo livros até, a galera fez livros deles e desse momento que eu tava ali na adolescência eu lembro disso.

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Foi assim que eu conheci essa ideia do movimento Anarcopunk que tem esse nome MAP que é de São Paulo, mas é meio Brasil e tal, e eles se reunião num parque, sei lá, num parque ali da Paulista que me esqueci o nome agora. Parque Trianon?

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O Trianon! Cheguei até a ir em uns encontros lá por conta deles, trocar zines, comecei a escrever zines por conta deles, porque eu não era assim punk nessa ideia de falar que era anarcopunk, mas eu escrevia zine e por isso eu ia lá. E conheci muita gente que se comunicava naquela época por carta o movimento anarcopunk se comunicava por carta, dava zine um pro outro por carta, a ideia do selo de 1 centavo, eu lembro que tinha isso. E quando eu comecei a trampar na rádio eu junto com uns amigos de fazer uns eventos que misturava essas linguagens do RAP e do Punk, do Hardcore e tal, ali no bairro, show de rua mesmo e essa galera do movimento anarcopunk vinha junto, trazia banda, colava em casa, conhecia também essa rapaziada que já tinha um outro movimento né? Isso foi o que mais eu tive conhecimento, e partir daquilo eu também passei a ter muitas outras informações que não chegavam, coisas que eu via que o movimento anarcopunk sempre tem umas lutas que tem a ver com interior, então agora, por exemplo, eu to lendo aquele livro lá do Múmia Abu Jamal que eu to lendo pra escrever uma peça de teatro né, que chama “Ao Vivo no Corredor da Morte” que é a história de um cara que é preso por assassinato e vários movimentos no mundo defendem que ele não cometeu esse assassinato, defendem que foi uma perseguição política e ele ta condenado à cadeira elétrica e só não morreu dos anos 80 até agora, porque tem uma pressão mundial para esse cara não morrer. E eu me lembro que desde essa época que eu era moleque,

que vai fazer mais de 20 anos já, esse cara já era falado nesse movimento anarcopunk, eu falo “Caraco! Ó que história louca!”. Eles já se ligavam com histórias que é de luta mundial, assim, tem altas contradições, às vezes os caras brigavam entre eles, várias histórias loucas, mas tem uma importância aí né?! E acho o que me ligou é que meu pai já frequentava o movimento Punk. Ele frequentava mais nessa de frequentar os bailes né? Eles não chamam de baile né? Chamam de som, diferente da ideia do baile negro, é o som “Vai ter um som ali”, então eu sei que ele já frequentava esses lugares, e o que eu me lembro bem é que ele me pedia pra pintar as jaquetas dele, então como eu sabia fazer umas letras de pixo ele me pedia pra escrever com branquinho na jaqueta dele, aí ele ia pra rua fazer as paradas dele com a galera. E eu não me aprofundei também, não cheguei a ser um punk de falar “pode pa!”, mas lembro que me ajudaram muito nesse lance da escrita, comecei a escrever e oferecer meus textos com as pessoas através do zine né? // O movimento Punk da região Oeste da capital de São Paulo é muito famoso, também por conta da música “Punk da Periferia “ de Gilberto Gil que fala sobre a Freguesia do Ó, bairro vizinho de Pirituba // Se você pudesse apontar o que melhorou e o que piorou no bairro? Quais seriam esses aspectos? Caraca! Difícil falar isso. O que acho que não avançou é que acho que não conseguimos recuperar nossa natureza, o Pico ainda mantém isso, mas a gente vê que ficou menor, o espaço da mata era maior e agora virou outros bairros, tá muito poluído, tanto visualmente quanto de fumaça, muito carro, muito ônibus, então estamos ficando cada vez mais doentes mesmo estando longe do centro. Isso também

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foi algo que vejo como pior, ta cada vez menos saudável morar em São Paulo, mesmo em um bairro na beira da Mata Atlântica. E a nossa incapacidade de poder ter um rio limpo mano, puta é foda não conseguir vislumbrar um rio limpo mesmo tendo nascente de água no bairro. Essas coisas eu vejo que piorou muito. Outra coisa que aponto como pior é que a gente, assim como outros bairros virou um polo de um mundo paralelo que a droga provoca também, as quebradas num geral e onde a gente mora também virou grande cracolândia, por conta de todos os desacertos que tem nessas paradas econômicas o que pega também é essa parada da droga né? Não é julgando nem culpando quem vende a droga, mas essa realidade ela tá trazendo pra gente um mundo paralelo que tem muitas pessoas que a gente nem percebe, mas se começar a frequentar a noite vai ter mais essa percepção que é de uma galera que ta adoentada, que ta transformada em vícios que eu lembro que quando eu era criança não tinha tanta força. Você vê as pessoas viciadas em coisas que sei lá mano, a galera perde a humanidade mesmo. Ao mesmo tempo que naquela coisa dos anos 90 ali, você não via tanto essa coisa do viciado em massa, degradado no bairro, mas via muitas mortes, tinha muito assassinato visível, não é que as pessoas não estão mais morrendo, as pessoas ainda estão morrendo, talvez até cresceu, mas naquele tempo era muito mais gratuito mesmo, era visualmente mais impactante você toda hora ter que ver sangue, ver gente estirada no chão ou correr por isso, ou ter medo, você não tinha uma perspectiva de vida muito grande, era muito louco você sempre achava que ia morrer a qualquer instante. E agora existe também esse clima de morte, mas em outro clima, as pessoas somem, morrem tudo de uma vez em chacina, a gente até meio que banalizou essa parada, não choca mais ninguém, mas parece que tem um clima mais leve de olhar o dia a dia, não tem mais aquela coisa de acordar e

pensar “será que tem alguém ensanguentado na minha porta?”, Quando você não via, ficava sabendo ou ia no velório, era meio chato. Eu pego minha filha ali num ponto onde a perua da escola deixa ela ali no bairro e toda vez que vou pegar ela fico lembrando das pessoas que morreram naquela padaria assassinada, toda vez, eu falo “cara, não quero lembrar disso!”, Mas não tem como, porque é aquela coisa de você saber que naquela padaria não dá pra ficar parado ali que podia acontecer alguma coisa, porque já teve gente morta, inclusive confundida ali né? Então se você se parece com alguém, e no geral a gente sempre se parece… Lascou! Mas não tá mais acontecendo desse jeito, mas é um trauma, minha filha não tá mais vendo isso acontecer, ela até sabe de algumas coisas por notícias, mas não está mais vendo, talvez a gente tenha escolhido não fazer mais isso com tanta crueldade, mas ainda é muito cruel o jeito que a gente recebe tudo, as estruturas são muito ruins para a gente. E no mais, tem mais do mesmo… Coisa que não muda, você vai pra escola e as estruturas tão cada vez mais no cárcere, as pessoas não tem atendimento digno da saúde, a gente tem muito hospital e posto de saúde, mas quando você vai não tem atendimento digno. O que eu acho muito forte no bairro são os parques, é uma região que tem parque pra caramba e é da hora isso, dentro de uma estrutura que tem muita casa, o parque é uma saída, então se cada semana você quiser ir em um parque, pode ir que tem, então isso é uma coisa positiva pra caramba né? Eu to feliz de ter visto o “recrescimento”, se pode dizer assim, do movimento cultural, porque depois do fenômeno do RAP a gente ficou meio que sem quase nada, tanto que quando comecei a fazer o sarau, 11 anos atrás éramos um dos únicos grupos que faziam ações contínuas assim, sem ter nenhuma ligação política, de fazer porque quer fazer assim, só pela

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questão de querer encontrar e querer fazer. E com os anos a gente vê que tem muita coisa voltando, o bairro tem até movimento cultura, e isso é sinal de que a coisa mudou pra melhor né?! E não é só de um jeito, não é só gente fazendo RAP, só poesia, são várias coisas, e isso eu vejo como positivo. Tem coisa que também é contraditória, que cresceu a urbanidade, causa efeito negativo, mas agora tem pólo universitário, que pode ser bom por um ponto também né? Eu agora faço pedagogia numa faculdade que é perto da minha casa, que é no CÉU Anhanguera, e pra mim é da hora, poder não ter que ir até o centro pra estudar, poder ir ali no CÉU que não tem a estrutura de uma universidade, não tem biblioteca e várias coisas, mas vai de cada pessoa, porque é o que tem né? Não é o ideal, a gente não recebe o ideal. Então pode ser interessante esse acesso a pólos educacionais né? Então a molecada poder olhar e ver uma piscina, uma quadra digna, isso ajuda. Ainda não é o ideal, porque quantos habitantes a gente tem no bairro? Deve beirar uns 400 mil, você deve ter essa pesquisa melhor que eu, não sei. E aí imagina, um centro cultural pra 400 mil é muito pouco, um pólo educacional pra 400 mil é muito pouco. E pra finalizar, duas perguntas mais subjetivas. Se você pudesse trazer alguma coisa da sua infância pra vida adulta, o que traria? Acho que o convívio da rua, eu olho de forma saudosa, ainda que tem o misto de perigoso e que eu falo que via os corpos, mas eu sinto falta da gente poder ver a molecada caminhando tranquilamente na rua, a rua eu acho que trás muita coisa frutífera na vida de uma pessoa que é essa coisa de estar em movimento e em encontro, e que hoje é mega importante, porque a gente tem mais convite pra ficar dentro de casa, ou

por medo ou porque você se força a ficar ali pra assistir TV ou Netflix. E não é negativo, é só um jeito, a galera tem muito mais convite de ficar em casa sozinho do que ir de encontro, mesmo porque tem muito mais condição de combinar encontro por causa das redes sociais, ela ajuda, mas lembro que na minha época a gente saía de casa e ia pra algum ponto do bairro esperar alguém, então eu sabia, sete horas eu vou ficar ali na frente do Takara e esperava o pessoal chegar, então isso provocava a ir encontrar as pessoas, não tem essa de vou ligar, não! Cê fica ali, se chegou alguém cê fica, se não chegou cê vai embora depois. Isso a gente perdeu e eu tenho saudade desse tempo da rua se um processo natural na sua vida. E o contrário, da vida adulta pra infância? Difícil em? Hoje eu penso que poderia ser essa coisa da experiência, mas eu ia ser uma criança chata do caramba, hoje eu penso, “não, eu tenho um conhecimento x”, a que criança chata do caramba né?! Acredito que talvez essa vitalidade de estar encontrando de valorizar mais o ancestral, acho que naquele momento ali a gente tinha bastante, mas nem ligava e eu sinto até falta. Hoje to praticando e tudo, mas eu sinto falta, podia ter tido mais essa querência e valorizar, mas ainda assim foi momento, então né?! Me sinto mais chato hoje, tenho menos vontade de levar alguma coisa da vida adulta pra infância. // Pitoco, o cachorro, avista um sagui e encerra a entrevista. //

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Desde quando mora no bairro? Desde 88

Neide Kazan // 56 anos

Professora // Articuladora Cultural

Educação // Cultura // Escola // Ambiente

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NEIDE

E morou mais lugares aqui? São Paulo? Pirituba! Eu sou do Rio né?! Vim direto pra Pirituba, porque eu casei e aqui era assim, não tinha nada. Engraçado que ninguém conhecia Pirituba, só Freguesia do Ó, o referencial sempre foi Freguesia. E no rio, tinha aquela música “...sou da Freguesia do Ó” // Punk da periferia - Gilberto Gil //, então era assim, pelo que a gente ouvia na música Freguesia do Ó era o pior bairro, e quando cheguei aqui Pirituba era assim, bem interior, não tinha nada, correios e qualquer coisa que a gente fosse precisar, Lapa né?! Lapa era o grande centro de referência e um pouco ali no centro de Pirituba né?! Mas era um bairro bem assim, lembrava interior e ainda lembra né? Hoje cresceu e tem tudo, se for pensar, até pra diversão, paulista adora shopping né? // Shopping Tietê Plaza // E tem os parques, e esse parque aqui o Jardim Felicidade não tinha, inaugurou depois, então não tinha quase nada, mas era um bairro bacana. E as crianças ficavam brincando pelas ruas, se for reparar isso eu sinto, hoje poucas crianças brincam na rua né? E as minhas filhas brincavam aqui na rua, foram criadas na rua brincando de esconde-esconde, a gente colocava cadeira na porta e ficava vendo os filhos brincarem, hoje já não tem mais isso, ontem ou anteontem eu vi duas crianças brincando na rua e pensei “Olha! Acho que vai voltar” porque? As crianças cresceram e tão naquela fase de não ter filho ainda, e pode ser que estejam retornando né? Os filhos, os netos, porque eu já vi algumas crianças brincar, mas eu conversando com os senhores que moravam antes de eu morar aqui, eles falavam que é… Quando eles vieram aqui essa rua que é Jardim Feli-

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cidade era loteado né? Então não tinha nada, era tudo terra e tinha uma cassa aqui outra lá, muitos campos de futebol, mas imagina aqui nesse bairro ter vários campos de futebol né? E muitos, é… que vieram nessa época estão morando ainda aqui em Pirituba, não saem, se eu tenho aqui mais de 30, tem gente com mais de 50/60 anos morando neste bairro Jardim Felicidade e adoram. Então assim, Pirituba traz lembranças muito boas, mas até hoje se a gente tá fora de Pirituba, porque o pessoal aqui de São Paulo acaba sendo meio bairrista, se a gente tá fora de Pirituba, o pessoal não conhece, é periferia, mas a gente gosta e eu não sairia de Pirituba mais, e meu marido não era daqui de Pirituba, ele morava lá pra Vila Mariana, e quando ele veio pra cá a impressão era assim, um pouco pejorativo né? Porque tinha aqueles prédios atrás do antigo Banespa, perto da estação // Piqueri //, aqueles mais antigos. Meu marido falava daqueles prédios como se fosse mal visto né? As pessoas que moravam lá, e a gente foi morar onde no começo? Naqueles predinhos! hahahah hoje ele acostumou e Pirituba é o bairro dele, acho que ele não sai daqui por nada, e ele morava por lá Via Mariana, Vila Madalena e atualmente ele se tornou bairrista de Pirituba hahahaha. Mas Pirituba, cê vê que hoje cresceu muito né? Acho que daqui uns cinco anos ninguém reconhece mais Pirituba com esse prédios todos que estão sendo construídos, vai ter uma nova característica, não sei se vai ser essa característica de bairro do interior que ainda se mantém, porque quando a gente tá fora e dizem “Cê mora onde?” A gente fala “Perto da Lapa”, porque se falar “Pirituba.” O pessoal pergunta “É em São Paulo?” hahaha. Ainda tem isso, tinha um rapaz que era de Itapevi tava no carro, aí meu marido falou “Tô em Pirituba” aí ele “Ah! Você não tá em São Paulo.”, Gente se for pensar em localização, Itapevi

é bem mais longe, longe de onde? Não sei! Mas não conhece, Guarulhos é mais São Paulo que Pirituba, eles acham né? Mas traz pra quase todos os moradores essa lembrança bacana, boa, todo mundo se conhece né?! Hoje tá mudando, a gente sabe que é gente nova, a gente vai na padaria e todo mundo se conhece e fala “É gente nova”, mas cê conhece açougueiro, padeiro, pessoal do mercado e isso é coisa de interior né? E talvez perca essa característica, porque acho que a população aqui vai aumentar muito quando ficar tudo pronto, daqui uns cinco anos, mas por enquanto, apesar de ter muita gente nova com essas construções a característica ainda é carinhosa né?! De conhecer as pessoas, depois eu não sei. Que que cê queria mais? // Isso é algo que acontece recorrentemente, Pirituba ainda preserva um jeito de vida muito diferente do que vemos no centro de São Paulo, até pela quantidade de área verde que ainda resiste. O bairro ainda é muito confundido com interior por vários motivos, modo de vida, sotaque e por estar bastante afastado do centro comercial da capital. // Vamos falando aí, veio pra cá em 88, cê tinha quantos anos? Trinta e poucos anos. Você acha que melhorou? Piorou? Quais as principais mudanças que aconteceram assim? O que melhorou, se a gente for pensar em termos de mobilidade melhorou bem, porque antigamente só tinha um circular daqui, só tinha um que ia pra Lapa e esse que ainda mantém que vai pra Praça Ramos, em termos de ônibus, era muito mais difícil, você ficava horas, quem dependia de condução. Hoje não mudou muito, mas tem mais ônibus circulando, isso

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eu acho que melhorou um pouco, mas ainda tem muito o que melhorar. A questão da saída de Pirituba né? Era um pouco melhor, mas agora com grande quantidade de veículo a saída tá mais difícil. O que melhorou também é a questão que já tinha falado, comercial né?! Não precisa sair de Pirituba pra comprar as coisas, as pessoas não tão mais saindo muito. Agora o que vem piorando é a questão da violência, que nem aqui no meu bairro ainda não, graças a deus, quer dizer, não vou falar muito que é pra não… hahaha quer dizer, eu falo meu bairro, é que Pirituba é tão grande que tem sub bairros, então aqui onde eu moro é Pirituba, mas é Jardim Felicidade e não tem muito problema de violência, Chácara Inglesa que é do lado tem problemas sérios, andou um pouquinho tá na Chácara inglesa, é vizinho encostado e já tem problemas sérios de assalto, roubo, e… Por exemplo, onde estou não tem esse problema, mas Pirituba tá bem violento por conta do crescimento, então isso é uma coisa ruim, aqui quando nós chegamos, podia deixar a porta aberta que não tinha problema, coisa de interior, ainda tem gente de Pirituba que tem esse hábito, porque o vizinho ta do lado e fica de olho né? Cê tem um monte de vizinhos que são mais velhos e não trabalham ou é dono do bar que tá do lado, e todo mundo sabe quem é e quem entrou, então isso era uma parte boa, esse pedacinho de Pirituba ainda mantém, mas no sub bairro do lado já não da pra fazer isso, tem gente que fala “Fui assaltada tantas vezes na porta de casa!” E isso aqui do lado, ou então “O carro sumiu”, então isso é uma coisa ruim e com a questão da violência, quando se chega em Pirituba não tem mais as crianças brincando, porque era assim, férias? Pode deixar que a brincadeira é na rua, hoje não tem, são poucas crianças que ainda mantém esse hábito, porque hoje também tem os prédios que tem tudo e que oferecem tudo como estivesse cer-

cado de segurança e as crianças que moram em casa ficam dentro de casa. Isso é uma pena nessa questão de Pirituba, mas de resto… // Essa questão do tamanho geográfico do bairro é algo que dificulta em vários pontos, tive que me deslocar até 40 minutos para entrevistar alguns convidados e nem saí do bairro, este fato contribui para o déficit financeiro que não atende devidamente quase nenhum sistema público do bairro, com esse projeto considero que Pirituba é um bairro com tamanho de cidade e problemas de periferia // A questão cultural também que tem pouco né? Tem pouco movimento, tem alguns movimentos que tentam articular a questão cultural, mas falta muita coisa ainda, cê tem a Biblioteca Brito Broca que mantém esse espaço bacana, mas poucas pessoas… Parece que falta, não sei se incentivo ou vontade, ou as pessoas não estão acostumadas e tem que incentivar a plateia o público, porque às vezes oferece algumas atividades culturais e poucos aparecem, ou não tem dinheiro, também tem isso, porque vai gastar dinheiro de condução… Tem o clube escola, mas Pirituba é muito grande, então essas coisas estão perto de quem? Vejo pelo meus alunos, às vezes eu falo assim “Tem atividade na Biblioteca, vamos participar”, mas eles moram em que pedaço? Às vezes naquele outro pedaço que tem que pegar ônibus né?! Alguns ganham aquele bilhete, mas utilizam para outras atividades e outros que não tem esse bilhete já não tem essa locomoção, porque se tivesse mais próximo da casa deles, talvez pudesse participar mais e falta incentivo cultural em Pirituba, a gente vê em alguns pontos pessoas lutando, mas falta colocar grana em cima, Pirituba precisa de atividade cultural pra muitos jovens. Tem o CÉU, mas nem todo mundo participa, porque também

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está localizado em um espaço específico, às vezes tem questão da vulnerabilidade que muitos jovens não conseguem ir ali, porque os pais não permitem, porque tem os CÉUs maravilhosos, em Pirituba, no Jaraguá. Aí você fala “Tá tudo na periferia vai pra qualquer lugar”, não é bem assim, porque depende de onde a pessoa mora, se o pai e a mãe vão permitir o filho se deslocar para aquele outro espaço, porque tem aquele outro espaço, porque tem aquela questão de violência, insegurança, não sei… Então falta mais espaço, as escolas antigamente… Ainda tem né? As escolas abrem aquele “Escola da Família”, algumas escolas funcionam, mas dependendo do local não funciona e não é um espaço que o jovem vai, porque ele já estudou a semana inteira naquele espaço, talvez ele não queira o mesmo espaço para esse tipo de atividade cultura, a não ser que a escola oferecesse uma infraestrutura diferenciada para fornecer outras atividades para eles, porque às vezes as escolas oferecem as mesmas coisas, fica muito parecido e eles não vão, preferem ficar em casa, mexendo no celular, ou tá ajudando a mãe em alguma coisa, ou o pai em alguma coisa, mas falta… Acho que em Pirituba o que ta faltando é uma identidade cultural, algo que…. O que o Piritubano gosta? E buscar isso, tem tanta coisa bacana, porque eu tava vendo em Carapicuíba, porque dou aula lá, e tem um circuito de bicicleta e eu não sabia, mas como fui trabalhar lá… Tem umas provas maravilhosas, então é quase a identidade de Carapicuíba, e nós aqui? Qual a nossa identidade cultura? Oficina de teatro? Skate? É o que? Colocar alguns esportes, cultura, eu não sei. Os jovens vão buscar às vezes mais distante ou vai ter que buscar uma coisa que… Por exemplo, uma coisa que eu gostaria na minha escola seria Capoeira, algumas escolas tem, mas como vai contratar? Por uma questão de ética você não vai chamar o cara de graça né? Ele é um profissional, e tem

essa vertente, porque a gente pensa assim “Tudo é voluntário”, mas a cultura e o esporte não pode ser tudo voluntário, pode até uma parte sua ser voluntária, ceder um dia, uma hora por semana, mas sua vida não pode ser voluntária, então se a gente pensar que a questão cultural vai ser sempre voluntária, não cresce. Porque vai ter gente ganhando em cima disso, você está sendo voluntário, mas tem gente ganhando em cima disso e não cresce, então precisa de profissionais, precisa de uma estrutura. Na escola eu gostaria de colocar Capoeira, até pra trabalhar essa questão da identidade, porque tem muitos negros em Pirituba e o que faz com esses negros? Tem quilombola ali, eu não sei onde tem, mas descobri que tem, mas tem um lá, outro lá. A gente faz um projeto de africanidade, mas não tem recursos, porque uma é uma preocupação nossa trabalhar com a beleza negra e dar essa autoestima pros meninos e pras meninas, faz uns quatro anos que estamos trabalhando nisso e isso melhora bem. E você vê que as meninas se sentem pessoas tão belas quanto as brancas, quanto as chinesas né? Se sentem bonitas com seus cabelos crespos, com seus cabelos claros, mas crespos. Então como a gente vai fazer isso, porque tem que fazer uma coisa bela como eles merecem, aí tem que pôr uma passarela, um banner, trazer maquiadores e como a gente faz isso? Com que recurso? E aí fica muito difícil pra sair uma coisa bonita. Tem que tirar foto, mas não é qualquer foto, tem que ser uma foto bonita, colocar luzes em cima deles. E o que acontece? Falta dinheiro, não pode ser tudo voluntário, a gente consegue uns voluntários, mas não pode ser tudo voluntário. Aí você me fala “Patrocinadores”, mas como a gente consegue isso? Algumas pessoas conseguem fácil e outras não e pra trabalhar essa questão da beleza, porque por trás tem toda a questão do preconceito e você vai trabalhando o empodera-

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mento, a discriminação, a questão da própria história, quem é você? Você tá aqui, mas quem foi seu antepassado? Não esqueçam de quem são vocês, mesmo brancos! Eu tenho uma descendência Africana, meu avô era negro e minha filha se coloca como negra, as duas, mas a pele é clara, aí no desfile se você tem uma pessoa branca, a pele branca né?! Ai cê fala “Não é negra!” Então tivemos esse problema na escola de menina negra não querer que a outra menina não desfilasse, porque tem a pele clara, aí você coloca “Quem é branco no Brasil?” Né? Aí vai levantar toda essa discussão. Então a pessoa tem a pele clara, mas tem a história que não tá negando, eu não posso negar minha história africana, mas não posso negar minha outra história, então você tem que discutir isso na escola, então quem é Pirituba? Quem são essas pessoas de Pirituba? Quem são essas pessoas que vieram pra Pirituba? Temos aqui um senhor que tem uns 96 anos, você poderia até entrevistá-lo, ta aqui forte e acho que foi um dos primeiros desse lote aqui e ele ama Pirituba de uma forma. E ele traz alguns esportes antigos né? Como a Bocha que sempre tem aqui, e no tempo dele, ele tem um grupo só de senhores que jogam todo final de semana, isso há muitos e muitos anos, então Pirituba tem esse lado assim bem interior, muito bacana e nostálgico, mas tá mudando né? Então temos que dizer “Quem são essas pessoas de Pirituba hoje?” E quem são essas pessoas que vieram, precisa ser trabalhado pra entender qual a vocação de Pirituba, porque o bairro tá crescendo muito e quando fizeram esse shopping fizeram um monte de perguntas pras escolas do entorno, pra fazer a contraproposta, porque tem que trazer alguma coisa de benefício pro bairro, e nós colocamos que poderia ter um teatro, porque poderia ter um teatro ou uma casa de espetáculo que desse mais valor cultural e eles fizeram uma enquete imensa e depois colocaram o cinema né? Tem o cinema, mas poderia ter também o teatro, mas talvez

não era a vocação de Pirituba, porque quem vai ao teatro e eu tô falando porque levei alguns alunos ao teatro ontem, e você vê, São Paulo e tem gente que nunca foi ao Cinema, acredita? Aqui em Pirituba e Jardim Felicidade que virou e tá na Lapa, e nunca foi ao Cinema. Ontem nós levamos a faculdade Anhanguera ao teatro e vamos levar ao Sesi em setembro para uma peça e por questão monetária trouxemos uma peça para ser apresentada na Anhanguera, porque diminui a questão de ônibus, fretar ônibus e na Anhanguera eles vão todos andando. E tivemos que explicar como funciona o teatro, não pode comer, tem que guardar o celular, então tivemos até que ensinar como se portar num teatro. A peça ontem o diretor falou “Não pode comer, conversar, tem que prestar atenção”, achei até que eles não fossem se interessar, e a peça é sobre Auschwitz, ”Um canto para Auschwitz” então uma peça densa, mas poética, traz uma leveza, porque era pra adolescente. Eu pensei que não iam prestar atenção, porque não estão acostumados e nunca foram para o teatro e eu to falando de que? Não to falando de criança, tô falando de adolescente entre 16 e 17 anos e ele me surpreenderam tá? Assistiram a peça, começaram a se agitar, porque o que você faz sem celular durante 50 minutos, parece que vai morrer né? Mas eles ficaram e terminaram, aplaudiram quando terminou, gostaram bastante e hoje vou até elogiá-los e cê fala “Estamos no século XXI, morando em São Paulo, porque Pirituba é São Paulo” e tem gente que nunca foi ao teatro, porque a gente acha que pessoas do interior que não tem teatro perto e você volta, Pirituba, muitos nunca foram ao cinema e o cinema tá ali, agora. Alguns já têm oportunidade de ir ao cinema, só falta a questão financeira, mas antes nem cinema, a gente levava aluno pra assistir, isso não faz muito tempo, antes do shopping que tem uns anos, mais que isso não tem e eu levei alunos ao cinema, primeira vez que iam ao cinema, sabe onde? Lapa, aqui

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do lado e era a primeira vez que iam ao cinema e até hoje tem alguns que não foram ao cinema, apesar de agora estar perto. Mas hoje não levamos mais ao cinema, porque a gente acredita que tá muito perto, porque se não tiver aqui tem no outro né no Cantareira, mas muitos não vão, porque muito do acesso de cultura para os alunos de Pirituba está na mão das escolas, se a escola levar e muitos se não tiver depois uma educação, termina por aqui, a última vez que foi ao cinema ou teatro. Muitos não irão mais ao cinema, teatro, espetáculo de dança, museu, então toda essa parte cultural está relacionada à escola, então isso é uma coisa que eu ainda vejo muito negativa em Pirituba, não sei se só de Pirituba, talvez por essa questão de se quiser um Museu está longe e longe também nessa questão financeira por falta de patrocínio. Parece que agora o estado vai fazer um projeto de priorizar as saídas culturais, agora basta acreditar que as saídas culturais vão fazer parte do currículo né? Acho que agora está mais com essa visão, parece! Porque se fizer esse projeto vai ter verba né? De levar esses alunos para expandir conhecimento, então em Pirituba a questão que pesa é a cultural, tem que ter espaço, mas muitos espaços mesmo pro jovem ter acesso mesmo à cultura, participar produzindo também, produzir e ter a oportunidade de assistir, de ter é… perceber a cultura é isso que nos faz crescer e em Pirituba falta bastante. Cê vê, quando a gente faz alguns eventos, falta tanto esse hábito, essa tradição que um evento cultural, o que tem que fazer? Espalhar, falar, mandar em tudo quanto é rede, chamar as vezes no privado falando que vai ter, abrir evento, convidar amigos e se não expandir isso e divulgar bastante não vem ninguém no evento, aí vem aquela coisa que eu não sei também o que pode ser. Falta o espaço e saber a vocação cultural, porque todo mundo que trabalha com cultura tem… A não ser aqueles grupos fechados e específicos de só Samba, só RAP

que já tem um público que leva amigo, leva o outro, mas quando abre um espaço maior com outras atividades falta isso, até do próprio povo procurar mais espaços pra se divertir né? Porque não tem. Talvez seja isso, mas não sei. Quem trabalha com educação sente muita falta disso, a gente quer levar os alunos, mas leva pra onde? Aqui em Pirituba não tem. Então tem que levar quando? Sábado e Domingo né? Mas Sábado e Domingo não é dia, professor tá dando aula e quem tem que levar é quem? A família, mas a família não leva, poucas famílias levam igual eu fazia. “Vou passear com minhas filhas onde? Vou pro museu, teatro, Sesc, Senac” onde tiver exposição leva né? Mas os pais não levam, porque os pais estão preocupados com a questão econômica, com manter a família a questão de prover a família, vai ter que arrumar a casa no final de semana, tem um monte de coisa pra fazer. Então temos que trabalhar mais com essas pessoas e aí vem essa questão da própria escola, porque tem tanta dificuldade com a educação? Não tem os pais juntos! Tem até um movimento que tem acontecido que tô gostando bastante, tô falando em Pirituba, porque é onde trabalho, não sei em outros lugares, de os pais estarem tão carentes e com tantas dificuldades com os filhos em casa que jogam responsabilidade pra escola né? “Eu não to dando conta, se eu não to dando conta a escola é responsável pra dar conta”, mas agora estão vendo que não é por esse caminho e estão indo mais de encontro a escola, então acho que essa seria a época de Pirituba, talvez se esses pais agora vão buscar cultura, porque estão buscando a escola e por incrível que pareça está tendo uma mudança em Pirituba. Estão buscando a escola pra saber como estão seus filhos, coisa que não acontecia, saber se tem reunião, era difícil ter essa comunicação com os pais e está tendo esse retorno e é a mudança que está tendo em Pirituba, pela dificuldade que

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estão tendo com os filhos e estão indo de encontro a escola, e quando fala em escola pensa em cultura, então talvez eles venham buscar mais essa questão cultural aqui em Pirituba, porque você pensa “Pirituba é longe”, não é que é longe, é que a questão de sair de Pirituba que a gente pensa, perde muito tempo nessa saída, porque a avenida Paulista é ali né? Perto pra gente que mora em cidade grande, perto assim 2 horas, mas dependendo do horário você chega em 30 minutos, dependendo do trânsito, mas se tivéssemos aqui? Aí você tem um bairro com identidade que a gente não tem, são coisas voluntárias, tem alguns pontos de cultura, algumas pessoas que trabalham voluntário, às vezes ganham uma coisa de um projeto VAI, tem uns projetos que recebem ajuda e você vai mantendo aquilo ali, mas não tem realmente algo que a gente fale “Isso vai ser permanente e acontecer sempre, porque tem” é realmente algo que… Centro de Cultura mesmo não tem, às vezes você está num curso hoje e no outro semestre é outra coisa, muitas possibilidades e você não focar num público, vai ter sempre público diferente, porque não gostou, gostou, apareceu outro e só circulam, mas não aumenta esse público, porque não aparece mais e tem alguns que são as mesmas pessoas que já conhecem aquele ponto, sabe o que acontece, mas a gente tem essa dificuldade em Pirituba. // A cultura talvez seja o setor que mais sofre em termos de crise, pois é o primeiro a ser cortado tanto pelo governo quanto por cidadãos. Não temos ainda uma consciência da importância cultural quando o cenário é São Paulo e em bairros periféricos é visto como um objeto de luxo. As verbas destinadas a editais que já eram poucas foram cortadas em 40% pelo governo Dória, por exemplo. //

Você está falando tanto de educação, quem é você? Eu sou coordenadora da E.E. Ermano Marchetti há mais de 20 anos, fui professora lá e agora sou coordenadora, fui professora em uma faculdade particular, já fui professora da fundação Bradesco, já fui professora no Paraná na faculdade estadual, por isso que eu acho assim, a gente vê a diferença quando está no lugar, eu já morei em outro estado e quando você tem identidade cultural, as pessoas tem mais firmeza no que faz, mesmo assim, morei no Paraná e as pessoas que eu trabalhei em Foz e muita gente sai das cidades pequenas pra estudar em Foz, mas voltavam para sua cidade por conta da identidade cultural, então as pessoas que saíam de seu local de origem, estudavam lá em determinado lugar, fizeram a faculdade e só saiu porque não tinha mercado de trabalho, mas fez toda a formação ali. No Paraná tem um movimento diferente, gente que não tem local pra estudar então sai, mas depois volta e gente que sai após ter terminado, tem a formação, mas não tem área pra atuar, mas tem uma identidade cultural muito forte, sabem o que querem, prezam a questão cultura, pelo menos com os professores que eu trabalhei e com as turmas que eu trabalhei. Aí você vê que Pirituba é um bairro que está nascendo, ainda está nascendo, mas já tem a muito tempo, tem cento e poucos anos, mas ainda está nascendo, porque falta essa questão cultural que está sendo deixada de lado. Tem muita gente, Pirituba é grande, cê fala “o shopping tá aqui”, aqui perto de quem? Das pessoas que moram aqui, mas pra outra ponta de Pirituba não tem nada, continua aquela coisa que não tem cinema, e tá muito longe, muito longe, então tem alguns pontos de Pirituba, Pirituba é muito grande então tem que tem Centros Culturais grandes e falaram que ia ter um Sesc e isso seria uma coisa boa, já aumentaria, até tem CÉUs em alguns pontos, mas quem participa? A comunidade que tá no en-

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torno, Pirituba é muito grande, então precisa muito espaço cultural pra ter a identidade, porque a gente tá sempre buscando fora. Se a gente pegar uma cidade pequena de São Paulo, dessas de interior, Pirituba é maior em termo de tamanho territorial, população e Pirituba é um bairro, só que a gente não tem esses recursos né? Recurso e vontade de trabalhar aqui, talvez agora crescendo dessa forma as pessoas que estão aqui vão pedir mais, vão querer mais, porque nem sempre dá pra gente sair e se deslocar, principalmente quando se tem jovens, não da pra se deslocara pra fazer atividades, tem que estar próximo da sua casa, a cultura tem que ser o quintal da sua casa. A gente só tem identidade cultural quando a cultura está no quintal da sua casa, você não vai buscar lá longe, ela tem que estar ali. Pra ser a escola tem que dar infraestrutura, porque senão fica só na questão acadêmica, que fica mais difícil. Tem que unir o prazer, a vontade, a cultura e a parte científica, tem que ser tudo em um envelope só. E quando tem ponto cultural, pode marcar, são poucos, a escola pode ser um polo, mas como se não tem recurso? A escola tem uma parte, mas tem que abrir mais espaço de cultura, esporte, aí tem um bairro menos periférico, somos periféricos por estarmos a margem de outros bairros, então quer alguma coisa na parte cultural? Recorre a outros bairros, vai buscar em outros lugares, porque aqui tem pouquíssimo, cresceu muito, só que à margem. Mas gosto de Pirituba, não saíria, também pela questão ambiental né? Você vê que é um lugar ainda onde se pode respirar bem né?! Muitas árvores , mas tá faltando trabalho na questão ambiental, por exemplo, essa parte do bairro era toda arborizada, mas cortaram porque sujava as ruas, então falta essa parte de trabalhar, tem algumas ruas que ainda tem, pode fazer isso? Não, mas eles fazem, saem cortando as árvores, vai cortando aos poucos e quando você perceber não tem

mais a árvore, aí você vê, estamos fazendo caminho contrário, enquanto as pessoas estão colocando árvores, essa rua que era toda arborizada eles tiraram as árvores, agora tão colocando vasos, porque viu que sentiu falta, mas não querem colocar árvore, porque suja, então estamos correndo contra o que deveria ser, que é ter árvore, então essa questão ambiental… Muitos lugares estão tirando as árvores, é uma coisa que eu sempre reparo, então eles vão cortando, vão lapidando porque tá sujando a calçada e tem alguma fiscalização? Tem que pedir autorização pra prefeitura, e cortaram muito, e muitos bairros estão ficando sem árvore por conta da sujeira, e tem gente que lava a calçada, mas ta ficando feio. Até noventa e poucos era linda, toda arborizada, aí um vizinho foi cortando, outro vizinho foi cortando agora não tem quase nenhuma e provavelmente em outros sub bairros de Pirituba deve estar acontecendo a mesma coisa, e nos bairros mais nobres estão colocando árvores, aqui a gente ta tirando, tamo no movimento contrário. O que você traria da infância? Brincar na rua. Eu ainda fico, mas as vezes dá saudade de colocar a cadeira e brincar na rua, não aqui em Pirituba, mas na minha infância eu brincava, mas com minhas filhas a gente fazia isso. Mas isso não está mais sendo possível porque Pirituba tá crescendo né?! E não dá mais pra brincar na rua, porque eu hoje teria medo delas estarem brincando na rua, porque anos atrás era só pôr a cadeirinha e ficar olhando né? Se alguma coisa acontecia, o medo era de um carro e só tinha que prestar a atenção se vinha algum carro, mas hoje a gente tem receio da violência, então hoje é uma coisa que eu traria, essa liberdade de brincar na rua. As meninas brincavam de esconde-esconde, descia esse calçadão, hoje não dá, a noite pra se esconder atrás das árvores,

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talvez tenham tirado as árvores por conta de medo né? Eram árvores antigas, então a gente se escondia atrás das árvores, hoje se esconder atrás das árvores pode não achar mais. E o contrário? Se pudesse levar alguma coisa da vida adulta pra infância?

e algum momento a gente perde isso. E você levaria o que? Porque você tá com 22 né? Levaria o que? // Hahaha não tenho resposta pra isso. //

Vida adulta pra infância? Conhecimento, uma coisa concreta? Qualquer coisa, cheiro, sentimento, lembrança.

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Acho que não levaria não. Da vida adulta pra infância? Não levaria nada, só se fosse o conhecimento, mas do adulto pra criança nada, só o contrário, porque acho que a criança é muito mais inteligente que o adulto, porque o adulto tem muita crítica, sempre se criticando e criticando os outros e a criança não, ela está sempre ali pura e apta a aprender tudo né? Ela está sempre aberta, por isso eu não levaria nada, talvez se eu pudesse levar seriam expectativas, porque criança não tem expectativa a gente vive e experimenta e na vida adulta tem algumas expectativas assim que você já delimitou então sabe o que pode ou não acontecer que talvez eu levaria pra criança, porque criança é sempre na experimentação, mas de resto não levaria nada. A criança ela traz em si o dom de estar no mundo pra aprender e isso é uma coisa muito bacana e mais feliz da criança e no mundo adulto a gente perde isso e infelizmente a escola faz isso também. Pega uma criança pequena, ela quer aprender tudo, quer ler, estudar e a gente até cansa e fala “Vai dormir menino” e quando chega na sexta, sétima série não quer mais nada, não quer ler, não quer nada, então alguma coisa se perdeu nesses jovens e adultos que faz não querer aprender mais, porque o querer aprender tá na gente, ta no ser humano, você quer sempre aprender, a criança tá no mundo e quer aprender

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Desde quando você mora aqui em Pirituba? Vish. Moro desde que nasci.

Ana Paula Barbosa // 37 anos

Professora // Poeta // Articuladora Cultural

Quilombo // Consciência Negra // Sarau

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E quando foi? Ah! Vou ter que revelar minha idade? Hahaha’ moro desde 1981, façam as contas aí. Eu nasci aqui na Vila Zatt mesmo e quando eu tinha 6 anos mudei pro Santa Mônica, então eu fiquei aqui desde que eu nasci até os 6 que eu me lembre e depois eu fui morar no Santa Mônica, fiquei lá até os 15 anos, voltei para cá e tô aqui até hoje. E como era sua infância? Como eram as ruas? O que fazia? Eu lembro que, por exemplo, aqui não tinha essas casas que tem hoje sabe? Tipo Sobrado. As casas eram mais antigas. Até a minha já passou por reforma, mas eram casas bem antigas. A gente brincava muito na rua, então aqui essa rua onde moro era cheia de criança e todo lugar que vou, não sei o porque até hoje, é uma sina, é sempre mais menino que menina. Tinham muitos meninos e 3 ou 4 meninas. O bairro em si não mudou muito com exceção do formato das casas e comércio e prédio que tem mais. Então que me lembro, foi basicamente isso. Mas nem a vendinha da Dona Shirley mudou, tá lá até hoje. Mas o que você lembra que fazia quando era criança?

PAULA D’OYA

Ah tem várias. Sempre tem eu e o Vanderlei, ele ta sempre no meio, apesar dos pais dele não deixarem ele sair muito de casa, e toda vez que ele saia ele se machucava, então tenho bastante história dele. Teve uma vez que parece que eu fugi de casa, eu não fugi, eu fui ali na venda com duas meninas aqui da rua, aí quando estávamos chegando no final da rua começou a chover, aí ao invés de a gente voltar a gente foi

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até lá e ficou presa aí as horas foram passando, minha vó me procurando, todo mundo procurando a gente. Aí quando eu voltei minha vó me deu um coro e me botou de castigo atrás da porta, e isso meio que ficou marcado porque ela colocou um penico e falou, você não sai daí nem pra ir no banheiro e quando a gente é criança a gente tem pouca noção de tempo né?! Então parece que foram horas. Aí tinham essas histórias de a gente sair pra brincar muito na rua, lembro que aqui tinha um pé de manga, e quando caia na casa da moça aqui da frente, e quando caia a manga todo mundo corria atrás. E era tranquilo?

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Nossa! Muito sossegado, acho que a rua ta mais agitada de uns 3 anos pra cá, aqui sempre foi uma rua onde todos os vizinhos são antigos e se conhecem, só tem uma casa ou outra que tem vizinho novo. As crianças sempre brincavam na rua aqui e até hoje ficam uns meninos ali no boeirão ou escadão que ficam jogando. E a gente sempre fez muita festa aqui na rua, sempre tinha festa na casa de um ou de outro entre os mais jovens da rua. Quando eu fui pro Santa Mônica, fui com 6 anos, mas eu vinha passar as férias aqui, porque meu tio ficou morando aqui na casa né?! Então eu vinha passar as férias aqui, por isso nunca perdi contato com o pessoal daqui e quando fiz 15 anos voltei pra cá e encontrei todo mundo né? Os meninos aqui da rua, e a gente continuou fazendo festa. Já com vinte e poucos anos a gente ainda jogava vôlei igual criança, a gente colocava rede aqui na rua. Era rede e duas travinhas dividindo a rua. Uma parte da rua era rede e a outra eram as travihas, e dividia quem queria jogar vôlei e quem queria jogar futebol. Sempre crianças, adolescentes e adultos todos misturados,

não tinha problema com os vizinhos, só tem um vizinho que é chato até hoje, que a bola não podia bater no portão dele que ele fazia um escândalo, mas de resto não tinha problema não. Já lá no Santa Mônica, o negócio era mais, o negócio era mais livre, porque eu morei num quintal que hoje deve ter umas 15 casas no quintal, mas tinha mais. E quando falo de lá, costumo falar que é um dos quilombos de Pirituba, porque a família toda é negra, tinha dois avôs lá que são dois descendentes diretos de escravos que tinham sobrevivido, tinham sido libertos né?! Nasceram na parte do ventre livre. Uma morreu com 103 anos se não me engano e a outra morreu também morreu por aí. Eufrusina e Maria, bem nome de escravas. E elas morreram bem velhinhas já, minha vó Eufrusina morreu até cega assim, bem idosa mesmo. Então esse quintal a gente falava que era tipo um quilombo, toda a família preta, molecada na rua, no quintal, criança andando sem fralda, não tinha desfralde, as crianças já nasciam livres né? Só que um problema de lá, não sei se é comum, mas o pessoal é muito maloqueiro, o pessoal falava muito palavrão, a gente falava que a primeira palavra que aprendia era palavrão, tanto que aprendi a falar palavrão lá, quando cheguei lá o pessoal falava “chegou a da elite”, porque aqui era mais tranquilo, era mais sossegado. O quintal tinham dois portões, você entrava em um, dava a volta no quintal todo e saia por outro. Lá também tinha muita árvore de fruta, limão, pitanga, manga, jabuticaba, banana, tinha pé de chuchu, meu tio plantava couve. Então a gente brincava de casinha com comida de verdade, isso era bacana, até hoje falo pras crianças,”acho que vocês nunca vão viver isso”. Imagina brincar de casinha com comida de verdade, então a gente cortava couve, cortava chuchu, pegava limão e temperava, fazia cabaninha e era aquela coisa que a gente aprende quando criança. Homens faziam uma coisa e

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mulheres outra, então quando brincávamos de casinha eram as meninas cozinhando e brincando de boneca e os meninos os chefes de família. Então a gente reproduzia isso né?! As meninas professoras e os meninos eram os que tinham que trabalhar pra cuidar da família. Então reproduzimos isso de uma forma natural. E a gente brincava muito, tinha ‘bica’ no quintal, então tomávamos banho de ‘bica’, a gente brincava na terra, com barro. Aqui não, aqui era comidinha de plástico, tinha um brinquedo que chamava ‘kit frit’ que vinha com salsicha de plástico, ovo, e eu sempre fritava o ovo e dava pro Vanderlei comer e ele sempre caia, ele sempre mordia o negócio de plástico. Lá (Santa Mônica) não, lá era comida de verdade. Então eu tive uma infância bem diferente nos dois lugares. Lá meus tios juntavam as crianças na rua e ensinavam várias brincadeiras, pega-pega, duro ou mole, rouba bandeira, cada macaco no seu galho, elefantinho colorido, só que lá eram muito mais pessoas que aqui. Cada tio cuidava de uma brincadeira, e revezava. E quando eles falavam “Todo mundo pra dentro de casa, era todo mundo pra dentro de casa” então não importa se era 22h00 ou 01h00 sempre tinha adulto na rua, mas quando falava acabou, acabou. E a gente aprontava muito, meu aprontava muito! Quando eu era pequena até uns 11/12 anos a gente aprontava muito, tinha um primo que era todo estressado e era mais novo que a gente, só que ele pegava a peixeira. E um dia ele correu atrás de mim e de uma amiga minha com um facão e falava que ia matar a gente, porque estávamos zoando ele, e a gente se escondeu no banheiro. Os banheiros lá eram meio que comunitários, então todas as casas tinham o banheiro do lado de fora. Aí ele ficou batendo com o facão na porta, até minha avó chegar e brigar com ele. Então de infância tem várias histórias, várias cicatrizes na

perna, queimadura de moto, rasgo de arame, eu sempre fui muito briguenta, então eu batia muito nos meninos, principalmente nos meninos. Vira e mexe eu saía na mão com um menino. Na rua tinha uma adega e uma vez me peguei com um menino no meio das garrafas de cerveja e refrigerante, e a mãe dele e a minha eram bem amigas, e elas falaram “não pode brigar, vocês são tipo irmãos”, mas não adiantava, pelo menos uma vez por semana a gente brigava. Aí tem essas coisas, mas o mais legal pra mim era brincar no meio do mato, já fiquei presa no pé de jabuticaba, porque veio um cachorro e eu não conseguia descer, porque as casas no Santa Mônica tinham meio que uma ligação, não tinha muro no fundo, então a gente passava de quintal para quintal de todas as casas da rua inteira, não tinha muro separando. Então a gente passava. E tinha um vizinho que tinha muito mais pé de jabuticaba que a nossa, então na época de jabuticaba as crianças invadiam pra comer, e a gente comia do pé, não tinha essa de lavar a gente subia e comia direto. E eu sempre fui a mais baixinha, mais gordinha e mais mole né?! Então não subia muito, ficava sempre no galho mais baixo, aí veio um cachorro enorme preto, aí a gente só escutou um latido, aí ele veio e todo mundo tava no alto e eu no baixo, a única coisa que eu fiz foi cruzar as pernas pro alto, fiquei segurando com a mão e com a perna e o cachorro quase pegando minha saia. E essas casas eram de parentes? Todo mundo parente, se não era filho do filho da prima, era tia, era até engraçado. Lá também tem muito da raiz do Samba né?! Lembro que lá embaixo no Santa Mônica tem o Bloco da Vovó Bolão. E a vovó Bolão, eu falo pra todo mundo, era minha avó, porque morava no nosso quintal, era a avó Jacira, e ela que fundou esse blo-

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co. É um bloco carnavalesco que foi fundado pela vovó Jacira em fevereiro de… Não vou lembrar o ano, mas tem mais de 30 anos e existe até hoje, só que o bloco funcionava lá no quintal, então eram os primos, as crianças e os tios mais velhos que tocavam, as alegorias eram feitas lá no quintal. Minha mãe chegou a se presidente da ala das baianas, e era uma loucura quando chegava, porque era ritmo de uma escola de samba mesmo, só que em formato menor. Teve um ano que minha mãe até esqueceu que era meu aniversário, minha mãe fazendo fantasia e esqueceu, aí eu fui ficando triste, ficando triste e no final do dia uma vizinha falou “Hoje é aniversário da Paulinha!” Aí minha mãe chorou, de remorso, porque na correria tinha esquecido meu aniversário. De tempos em tempos, não sei se de 20 ou 10 anos meu aniversário cai no carnaval, porque eu nasci no carnaval e eu sei que de tempos em tempos o aniversário sempre se repete no dia em que a gente nasceu. E esse ano minha mãe esqueceu, e a minha avó, qual era a ideia, ela juntava todo mundo na rua, fazia o samba os ensaios e aí a gente aprendia a bordar, as meninas bordavam biquíni, porque naquela época não tinha esses biquínis estilizados, a gente tinha que fazer na mão, então pegávamos agulha, linha e lantejoula, sentávamos e uma bordava o biquíni da outra, uma ajudava a bordar a fantasia da outra e ajudava os mais velhos a fazer as fantasias e os meninos aprendiam instrumento. Era também aquela coisa né?! Meninas de um lado, meninos do outro. Os meninos sempre na bateria, só quem não queria tocar saia com fantasia e desfilava pela rua, e a coisa começou a crescer e começamos a fazer ensaio mesmo, tipo de escola de samba, sei lá, quinta, sexta sábado e domingo tinha ensaio do bloco durante, sei lá, 3 meses, de dezembro até fevereiro. E a as meninas tinham que aprender a sambar, os meninos aprendiam a tocar alguma coisa, durante o ano rolava festi-

nhas, mas o foco era o carnaval. Então a gente era bem unido por conta do carnaval e do samba, tanto que sempre gostei de rock e sofria até um certo preconceito, porque onde já se viu uma negra gostar de rock. Então sempre estávamos juntos por conta do carnaval, e um dia um amigo da minha avó foi trabalhar na subprefeitura de Pirituba e ofereceu um terreno, “vamos legalizar um terreno”. Até então era só da comunidade ou tinha alguém de fora ajudando? Não, tinha. É que não vou ter muita noção, porque era muito pequena, mas tinha muita gente, tanto que desfilamos no desfile oficial de São Paulo de blocos carnavalescos, se não me engano acontece na São João. Que são os blocos do grupo 1, grupo 2, aí passa pro grupo especial dos blocos, aí passa pro grupo de acesso, aí tem acesso 1, acesso 2 até virar uma escola de samba, e o nosso bloco nunca saiu da parte dos blocos. E aí esse amigo ofereceu esse terreno e todos ficaram felizes, porque ia ter uma quadra e as coisas iam melhorar e crescer, e por um tempo a gente teve mesmo, a gente até chegou a ficar em terceiro, quarto, porque deu uma melhorada nas coisas, entrou uma grana a mais, tinha quadra. Só que aí minha avó faleceu e as coisas foram tomando outros rumos né?! As famílias foram se afastando, foram chegando pessoas novas, outros tipos de poderes tomando conta da quadra, das coisas, do bloco. O nome do bloco é o mesmo até hoje, só não sei se com a mesma essência, porque depois que vim pra cá com 15 anos, eu voltei poucas vezes lá, fui me afastando, pelas fotos que tenho visto pelo facebook que aproxima as pessoas, teoricamente, não vai mais muita família lá no bloco, não vejo mais aquele ritmo. Sei que ainda desfila na São João, ou na Zona Sul, não sei mais onde tá o desfile dos blocos oficiais. A gente também tinha a escola Prova de Fogo // Vila Mangalot //, que dividia

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bateria e desfile com o bloco, o que diferencia é que um era uma escola e outro era um bloco, uma era mais antiga, tinha mais tempo, já tinha entrado pro grupo de acesso, mas sempre nos encontrávamos, pois quem tava em um ensaio tava em outro, as datas eram marcadas até em dias diferentes, pra rolar essa comunhão, o Prova ficava na Avenida 1 e dali pro Santa Monica era um pulo né? A gente andava bastante, hoje em dia eu passo de ônibus e penso “como eu andava!” A gente andava de ficar o dia todo fora de casa e a maior parte que eu lembro é de lá, porque vivi o começo da minha memória lá né?! Então lembro muito de lá, então pra mim minha infância foi lá. Porque lá que brinquei, cai, me rasguei, briguei. Mas o bloco deu essa caída quando foi pra quadra eu acho, quando eu falo que vieram outros tipos de poderes, é o poder da quebrada, que a gente sabe qual é né?! O tráfico, os caras que mandam mais, então começou meio que tomar conta mesmo, não vou lembrar, mas acho que quando minha avó era viva, nomeamos um presidente pra quadra que acho que era o David que por um bom tempo fez um bom trabalho. Eu sei que ainda ta lá e que desfila, mas hoje já não sei se ainda rola a união ou virou um oba-oba. Ná época do dia das crianças, fazia festa de dia das crianças, na época de páscoa fazia festa de páscoa, davam brinquedo, ovo e a comunidade se satisfaz né?! Porque o que não vem do poder público, alguém faz, isso em qualquer lugar. Lembro quando comecei a sair pra ir pra bailinho, minha mãe falava 22h00 em casa e no começo eu chegava 21h30, porque eu tinha medo de perder a confiança, mas também depois que ganhei a confiança… Ficou meio complicado, eu saia bastante, eu ia pro clube da cidade com identidade falsa, porque na época tinha identidade e tinha o SIC que hoje é o CPF né?! E não tinha foto, tinha assinatura, então quando ia com o CPF tinha que assinar um papel igualzinho a assinatu-

ra tava no CPF e a minha letra com a letra da Rosemeire que é uma amiga minha, era muito parecida, só que hoje eu tenho 37 e a Rosemeire tem uns 45, ela é quase dez anos mais velha que eu, só que a gente dava uma produzida né? Colocava uma roupa, uma maquiagem, fazia um cabelo. Aí chegava no clube e assinava igualzinho a Meire. Aí eu entrava primeiro, ficava quase uma hora dava o documento pra ela e ela passava, a gente entrava com o mesmo documento, não sei se os caras esqueciam ou fingiam que esqueciam. Eu fui precoce, comecei a sair pras baladas com 12/13 anos, em compensação fui mãe nova também né?! Aí ia com o documento dela pra todo lugar, lembro que a gente colocava umas calças que não servia, bem apertada, umas blusas com decote pra parecer mais velha né?! Isso se quisesse curtir a balada. Lembro que a gente saía de manhã e ia lá pro Nardini que era outra comunidade, a gente andava do Santa Mônica até o Nardini. E como era esse caminho? Puts. Eu morava na rua da feira, que até hoje é conhecida como rua da feira, tinha uma feira na porta da nossa casa. Então eu descia toda a rua, passava pelo Santa Mônica, aí eu lembro que a gente pegava a uma outra rua lá que também é conhecida que é a Mantiqueira, que é onde tem o córrego e tem os predinhos do Santa, aí a gente passava o Alta da Mantiqueira todinha, saía na rua onde tem o Bar do Santista no Monte Alegre, saía na Turística, subia mais uma ladeira pra sair lá na comunidade do Nardini e sempre um monte de menina indo atrás de um monte de menino, aí tinha um amigo nosso que tinha um bar, quer dizer, um boteco, desses botecos mesmo de favela e a gente chegava lá pra jogar sinuca, ninguém tinha nada com ninguém, porque a sempre sempre andou em bando até uns 17 anos a gente sempre andou em bando, a gente crescia mais devagar também né? Hoje uma

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menina de 16/17 anos já é praticamente uma adulta, na nossa época a gente era meio… A gente tinha malícia, mas ainda era meio besta, então a gente andava em bando e ia lá pra ver os meninos e eu sempre tive muita amizade com homem, apesar de ter as amigas eu sempre tive muita amizade com homem e seu sempre gostei disse, inclusive eu falo que eles até esquecem que eu sou mulher, porque meu lado masculino sempre falou mais alto, eu era muito maloqueira. Aí a gente ia lá e jogava sinuca, então a gente ia até lá só pra jogar sinuca, entrava na comunidade do Nardini e aí sempre fazia esse caminho, ou senão a gente vinha pro Paulistano, e a gente saía lá do Santa Mônica, tudo a pé. Então tinha dia que a gente descia a mutinga, passava a Raimundo, subia a Cecília Calovini, passava por trás e chegava lá no Céu Paulistano, tudo andando. Hoje em dia eu penso “Como fazia isso?” Eu dizia ter uns 13/14 anos, era anos 90. 132

E era asfaltado? O Paulistano não, na verdade não sei como tá agora, antes de chegar na rua das Pedras. Na época eu lembro que não era asfaltado, a Professor José Lourenço mesmo não era asfaltada, e o Paulistano também não, o Nardini também não. O Santa Mônica já era, o Alta Mantiqueira era rua de terra ainda, pedrinha, cascalho. Santa Mônica era asfaltada e Alta Mantiqueira não, Monte Alegre era parte sim, parte não e a Turística era. Aí quando entrava no Nardini tinha uma rua que era asfaltada e as outras ruas eram de quebrada e tinha um córrego no meio, com rua de terra e bastante árvore. Lembra alguma coisa do Jaraguá? Contato com aldeia? Não lembro, mas íamos pro Pico a pé também, porque saindo da rua da minha casa já dá quase na avenida Santa Mônica

né? Então subindo a Santa Mônica a gente tinha uns cortes de caminho que só a gente sabia, então entrava na favelinha e já saía na Bandeirantes e ia por trás, passava tudo por trás, Jardim Regina, Vila Clarice e saía no Pico do Jaraguá. Acho que já tinha aldeia formada, aquela do lado direito, não vou lembrar o nome, mas se não me engano já tinha, bom sempre teve na verdade, mas a gente que não se ligava. Quando a gente cabulava aula a gente ia pro Pico, teve uma vez que cabulei junto com uma amiga minha, e eu estudava a tarde, saí de casa sem almoçar, aí subimos tudo a rua quando estávamos quase lá em cima vimos uma mulher com uma criança e essa mulher falou alguma coisa pra criança e eu falei pra minha prima “Nossa to com fome!”. Aí não sei o que a mulher entendeu, mas ela começou a xingar muito e a gente respondeu né?! Aí ela tirou a bolsa, pendurou no pescoço da criança e saiu correndo atrás de nós e a gente desceu correndo o Pico todo, a gente já tava quase lá em cima, e eu chorando já morrendo de fome falando “A gente não devia ter cabulado” e a mulher atrás de nós gritando “volta aqui, vocês ficam na rua mexendo com os outros, era pra ta na escola.” Aí a gente resolveu ir embora, não ia subir de novo né? Até porque corria o risco de encontrar a mulher de novo, e nessa fase eu tava bundona né?! Tinha cansado de briga. Aí a fome apertando, apertando, aí voltamos do Vila Clarice até aqui batendo de porta em porta pedindo comida, só quando chegamos na rua de casa, perto de casa já o cara falou “Só temos umas bolachas”, aí o cara trouxe três bolachas de água e sal e falou “Ah só tenho isso” aí minha prima falou “uma pra mim, uma pra você a outra a gente divide né?!”. Aí quando cheguei em casa comi igual um dragão e chorando pensando “devia ter ido pra escola!”

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E hoje o que você faz da vida? Hoje eu faço um pouco de tudo. Vou roubar um pouco, mas fala do Sarau.

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Então, eu voltei pra cá com 15 anos e conheci o Vanderlei e a gente já tinha essa pegada de ficar na rua e fazer coisa na rua, então a gente brincava de mímica, teatro. E eu fiquei grávida com 17 anos, fiquei grávida no mês de janeiro e em março eu ia fazer 18, e eu tava ainda nessa pegada de fazer rolê, apesar de dar uma sossegada eu ainda tava nessa pegada e sempre fazia muita festa aqui em casa, se deixasse era todo final de semana. Aí eu engravidei e precisava trabalhar e como eu ia trabalhar com uma criança? Era uma criança cuidando de outra. Aí quando o Eduardo fez um ano eu falei pra minha mãe “Preciso trabalhar!”. Aí fui procurar trampo e quando fui fazer uma entrevista o cara, um advogado me assediou, isso é uma parte bem triste assim, e eu não sabia o que fazer e o cara quase me violentou lá dentro do escritório dele e eu sair de lá… Deixei, deixei ele passar a mão em mim, deixei, porque eu precisava sair de lá, e falei pra ele que no outro dia eu voltava, ele perguntou “vai voltar mesmo?” Aí eu falei “vou! Vou voltar!” Aí ele me pediu pra confirmar o endereço e eu dei tudo errado, o endereço o telefone e tive que pensar rápido nessa hora né?! Aí eu saí de lá e até hoje eu não lembro onde eu tava, não lembro, meio que deletei isso da minha memória, até um primo meu que era policial me perguntou e eu não sabia onde era, quando passo pelo centro tenho a impressão que era por ali na rua direita. E falei pra minha mãe que não queria mais passar por aquilo e fiquei pensando “então como vou trabalhar?!”. E eu precisava trabalhar. Aí alguém falou pra mim que ia ter prova do CEFAM do magistério, que era ali no Alípio, aí eu fui e fiz a inscrição no dia e

a mulher falou “tem certeza?” A prova era no dia seguinte e eu falei “tenho!”. E pelo CEFAM, quando eu passei na prova que eu comecei a me engajar mais e ter mais consciência, porque estavam formando professores né?! E aqui na rua a gente já tinha essa essas coisas de teatro e clubinho. //Mãe da Paula abre a porta pra falar que a Suzete chegou. Retomando a entrevista. // E o que era esse CEFAM? Era uma prova tipo vestibular só que era pra fazer o magistério né?! Era Centro Específico de Formação ao Magistério, era um curso do estado para formação de professores, então lá eles pagavam uma bolsa de estudos e eu falei pra minha mãe, já que não vou trabalhar eu vou estudar e ganhar dinheiro ao mesmo tempo, porque eles pagavam uma bolsa equivalente a um salário mínimo que na época era R$ 80,00. E lá no CEFAM começou essa história de me formar professora e vinham várias ideias políticas, porque quando a escola permite a gente começa a criar mais consciência né?! Uma consciência política e social maior. Aí na frente do Alípio apareceu um dia uma companhia de teatro que era a CAI Companhia de Arte Interativa e lá eles ofereciam curso de capoeira, teatro, hip-hop, mas a base era teatro, os professores eram o Luciano Matos que é um puta diretor que tá atuando até hoje e o Eduardo Guimarães que é um ator excelente, são atores de teatro né?! Então se a gente procurar na mídia talvez não encontre, e eles tinham idéias muito bacanas. E a gente se empolgou né?! Eu já fazia letra de rock, eu e o Vanderlei a gente sentava aqui na varanda com o violão, levava caderno e fazia letra de música mesmo. Aí quando fomos pra CAI, começamos só o teatro né?! Então

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nossa vida era o teatro, só que percebemos que sabíamos escrever, de tudo que a gente escrevia, tipo letra de música, poemas, versos, na verdade nem gosto muito de falar poesia ou poema, pra mim essas coisas pra mim são escrituras né? Eu gosto de falar que escrevo pensamentos, e eu gosto de escrever desde que eu tava na quinta série, já copiava versinhos em papéis enfeitados, essas coisas. Só que na CAI a gente criou mais consciência sobre o que é escrever, fazer poesia, poema e o teatro e lá a gente trabalhava o corpo, tirava a gente da rua e a gente tava junto. Então de segunda, quarta e sexta saia daqui da rua umas 10/15 pessoas, e tinha a Renata que ia com a gente, mas era menor de idade e lá tinha as divisões de idade então a gente já fazia de jovens/adultos e ela fazia das crianças, então só ela não ia com a gente, mas quando tinha festa a gente se juntava pra fazer intervenção na praça que queria que a gente fizesse a entrevista, mas infelizmente o tempo não permitiu. Teve até uma vez que brigamos politicamente pra que a praça fosse arrumada, se não me engano foi até no governo Marta, que a praça foi toda arrumada e foi onde fizeram o negócio de skate, colocaram mesinha de cimento e a gente fazia intervenções lá na praça, aí tinha teatro, roda de capoeira, hip-hop e várias apresentações. Isso foi quando? Essa foi por 2002/2003 ou 2004, acho que já tinha me formado no CEFAM. A gente tinha um professor de hip-hop que vinha lá de Barueri que era o Nitiren que se procurarmos, o nome dele é bem conhecido no meio. E acabou que nos envolvemos em tudo na CAI, nas aulas de teatro, no hip-hop, nas aulas de reforço, na administração, porque o Luciano chamou o Vanderlei pra trampar com ele e fazer esse lance da administração e divulgação, tanto que nosso sonho é que a sede

do Cravo fosse lá mesmo, e aí o Vanderlei e o Douglas foram um dia pra Pernambuco fazer uma orientação técnica com os mestres de Maracatu e nasceu o Cravo Branco, então o Cravo nasceu assim de uma necessidade de passar um conhecimento pro próximo, porque como o Vanderlei fala, os mestres de Maracatu eram muito usados pelos agentes. São aqueles que escrevem os projetos e passam, repassam 30% do valor pros mestres e ficam com 70%. Então ele foi pra lá fazer formação com esses caras e aprenderam a lidar com projetos e escrever os próprios projetos para não depender com os outros. E voltaram com essa de Cravo Branco e fazer Sarau. // Vou pausar aqui rapidinho, pra não correr o risco de perder tudo, então vou salvar e já retomo tá? hahaha’ ok! Fiz o favor de perder 5 minutos de áudio, então aqui embaixo começa meio confuso, mas se ajeita, prometo! // E como foi sua entrada no Cravo? Então, foi uma vez que fui em um Sarau e o Douglas me batizou, pegou um livro e falou “te batizo em nome de Machado de Assis” aí eu pensei “logo de Machado de Assis? Então é para eu recitar mesmo, porque ele é um dos caras que eu mais gosto assim.”. Aí eu fui recitar, depois de seis meses eu fui recitar de novo, porque eu ficava muito tempo sem recitar. O Cravo começou? Com o Vanderlei e o Douglas lá em Pernambuco, voltaram com essa ideia, depois foi pro Liceu lá no Bom Retiro, onde o Vanderlei faziam o Sarau do Otelo, em homenagem ao Grande Otelo e aí começamos a fazer o Sarau do Cravo porque

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mudamos o nome, antes era Sarau do Cravo Branco fazendo Grande Otelo, aí pensamos “Não! Sarau tem que ter nosso nome!”, Chega de homenagear outros, vamos meter as caras e fazer nosso nome, e dapi que nasceu o Sarau do Cravo. E porque Cravo?

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Então, essa história eu vou contar, mas quem conta são eles né?! Sarau do Cravo, porque quando eles foram para Pernambuco com os mestres de Maracatu, quando sai o bloco de Maracatu, o caboclo que é de confiança de honra, ele usa um cravo branco, e só homem que usa né? Então o Cravo no começo era só homem e eu cheguei de intrometida, então é esse lance de o caboclo de confiança e eles gostaram dessa ideia e falaram “bom, nome em homenagem a Pernambuco e ao mestre Manuelzinho”, então é esse lance do Maracatu, da formação, da informação, então ficou Cravo Branco. Quando eu entrei pro Cravo eles falavam que era uma rosa em meio aos cravos, porque só tinha eu de mulher, porque era composto mesmo por homens. E do Valden a gente começou a circular mais em escolas, faculdades, bibliotecas e sempre com essa pegada de Sarau. Um Sarau informativo que a gente fala, porque sempre fazemos uma oficina de poesia de poesia, de rima ou de formação de escrita de projeto que o Vanderlei mana muito e depois fazia o Sarau e dessa pegada saiu a ideia do VAI 2015 que foi o projeto de Informação Poética que era a ideia de misturar a tecnlogia da mídia com a escrita de livro, e fomos contemplados com o VAI 2015 e fizemos a ação na escola Silvio Xavier que era a escola que eu trabalhava na época. E você trabalhava lá com o que? Como professora de biologia, mas sempre me intrometendo

na arte, tanto que eles querem que eu volte lá, porque agora não estou mais lá, estou como coordenadora pedagógica no Gomide, mas eles querem que eu volte pra ser professora da sala de leitura, nada a ver né?! Professora de biologia na sala de leitura, porque isso é para professor de português, mas eles querem que eu volte justamente por conta dessa pegada de sarau e literatura, então to sempre me intrometendo nas artes. Quando a gente fez o Informação Poética em 2015 trouxemos o mestre Manuelzinho que é filho do mestre Salustiano de Pernambuco, a gente trouxe o Jefferson também de Pernambuco, Andrio Cândido, o Pique, Fino de Flow, Formiga MC, Fox, Raquel Almeida, Lica Rosa, Dugueto, todo mundo pra fazer essa formação com a molecada da escola. Só que no mês de Outubro chegou a bomba de que o Governo ia fechar a escola, então a própria molecada pegou esse lance de escrever sobre o que isso ia significar para eles, então muitos dos versos do produto final que foi um livro só com a escrita da molecada da escola, que inclusive é uma pena que a gente teve que limitar, e só sobrou uma sala pra fazer o projeto. A gente deixou aberto pra quem quisesse se inscrever, então no começo a gente ia de manhã, a tarde e a noite pra escola, só que o pessoal da manhã começou a desanimar, o pessoal da noite que era mais do EJA achava que era perder aula e no final fechamos só com uma sala de oitava série, só tinha um aluno do noturno e uma menina da manhã, um do primeiro ano e a outra do segundo ano, então tudo que você vê escrito no produto do livro é a molecada falando da escola, mas isso por conta do que aconteceu em 2015. E em Novembro teve o estouro das ocupações das escolas, e fizemos alguns saraus na porta da escola para ajudar a molecada. Em 2016 com o Cravo não fiz praticamente nada, só que comecei ir pras quebradas, Sarau do Elo da Corrente, Samba do Congo, Movimento de Cultura que tivemos mais tempo

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para focar, que até então era Movimento de Cultura Pirituba e Jaraguá e hoje virou o MOCUPIJA graças ao Lucas hahaha’ que também existe desde 2013 e em 2016 foi o ano que a gente ficou mais focado fazendo intervenções no terminal, em portas de escola, no pico e a gente sempre tava indo pra todo canto, fazer sarau junto com o Movimento Cultural Pirituba Jaraguá. Então ficamos focados nisso e pro Cravo não fizemos muita coisa, só mais em parceria junto com Movimento Cultural e com o Reduto do RAP. Só que nessa de ir pros saraus eu comecei a praticar mais essa leitura de sarau, mas eu não consigo decorar nada, quer dizer decorei uma parte que fiz pra uma música do Zóio, então já é alguma coisa. Consegue recitar?

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Consigo, eu acho. É de uma música que cama “Meu Canto” do CD “Ensurdecedor é o Silêncio” vai lançar dia 1º, essa entrevista vai sair depois do dia 1º? Porque é em primeira mão. Então o Zóio me ligou e falou “Paulinha quero uma coisa sua para por em uma música” aí eu perguntei se podia ser alguma coisa que eu já tinha e ele disse que queria uma coisa nova e tinha que ter a ver com meu canto, aí eu perguntei se era meu canto de cantar ou meu canto de lugar, aí ele disse “Não sei, o que você quiser vai ser” aí eu peguei uma parte do hino Yoruba da nação Ketu, que eu sou do Candomblé e ficou assim: Canto de fé, Zóio Mc “Awa o s’oro ilé Wa o Esin kan o pè, o ye Esin kan o pè kawa Mia s’oro Awa o s’oro ilê wa o. O lugar onde o coração escolhe para refúgio

O corpo e a mente se colocam a refletir onde é possível ver o sol e a chuva cair Onde mesmo em meio ao caos se encontra a paz, E no meio da confusão se faz solução. Meu canto de fé é onde inimigo algum ode entrar É meu alcatraz particular Tem a proteção da força de um gigante Das ar,ar de guerreiros Do vento que sopra ligeira E das águas Yabás.” Aí eu fiz isso e mandei pro Zóio, gravei aqui no áudio rapidão, fiz em um dia ou dois dias, e eu não entendia o que ele queria com “meu canto” então pensei nesse negócio da fé com meu canto, porque dá pra cantar a fé e ficar no seu canto na fé. Aí mandei pro Zóio e ele colocou nessa música do CD que vai ser lançado dia 1º. Aí eu decorei porque ele queria tocar ela no aniversário do Sarau da Brasa e ele disse “Você faz o favor de decorar”, porque quando eu fui gravar eu tive que gravar umas dez vezes e não ficava bom porque ficava travado, e ele me falava “Paulinha, decora pra ficar mais natural”. E aí eu fui chamada pra fazer essa participação no Sarau da Brasa e pensei “Vou ter que decorar, ele vai cantar” e foi onde comecei. No Sarau do Cravo foi que comecei a exercitar esse lance de falar, porque apesar de ser professora eu sou tímida pra caramba, então às vezes é difícil falar em Sarau porque eu tremo muito, mas sempre ando com meu caderno porque é uma coisa meio que estética, acho legal ter as coisas escritas em caderno do que ficar pegando no celular, mais uma coisa estética mesmo e interessante, então to sempre com meu caderno. Aí comecei a me envolver com Sarau da Brasa, Sarau do Elo, e pra minha surpresa no ano passado o Andreo me chamou pra fazer uma participação do Arte e Cultura na Quebrada que é

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um evento muito grande lá na Leste, e pra minha surpresa só tinha eu de mulher na lista do Andreo, tinha Renato Cola, Daniel Lobo, Lews Barbosa, eu e o Clamante, só os pesadão do Slam e eu com meu caderninho, aí chegando lá o Andreo falou que tinha 20 minutos pra cada um e eu falei “20 minutos é tempo pra caramba, reduz isso aí” aí ele foi vendo a pegada do rolê e falou “junta o tempo de todo mundo só que a gente faz em blocos e intercala entre vocês” aí fizemos uns 5 ou 6 blocos de poesia e ficou bacana, foi a primeira vez que meu nome saiu em flyer, não, antes disso teve um trampo com o Dinas, que o Dinas mandou uma obra pra uns amigos e falou que queria uma coisa baseada na obra e falou que achava bacana expor a arte com uma escrita, então eu escrevi o Guma escreveu, o Andreo escreveu e eles sempre estão em todos os projetos que eu faço, são parceiros bacanas, aí acabaram saindo duas poesias e essa sim foi a primeira vez que meu nome saiu sozinho sem nenhum outro coletivo envolvido. Hoje eu faço parte do samba do Congo, faço mais a parte da mídia, fotografia, Fernando gosta de falar que faço assessoria de imprensa, às vezes faço contato para entrevistas e shows marcados, faço a administração da página para lançar evento, por foto, vídeo, algumas transmissões ao vivo e também tem a parte coletiva pra ficar na cozinha com festas, porque não é só ir de vez em quando tem que fazer parte né?! E o Cravo por sua vez esse ano, deu uma morridinha esse ano, no ano de 2017 a gente foi contemplado com o VAI, era um projeto do Cravo só que pro MOCUPIJA que foi onde a gente conseguiu, depois de ter entrado no espaço da biblioteca a gente conseguiu dar uma reformulada, uma renovada, conseguiu abrir um estúdio comunitário, comprou alguns materiais tipo tatame pras crianças e pra aula de capoeira, pagar umas pessoas pra ficar lá e gerir espaço, e foi o que a gente fez de 2017 para cá, mas o Cravo mesmo ficou meio parado e

eu to fazendo os rolês sozinha mesmo. E pra finalizar. Se você pudesse trazer alguma coisa da sua infância pra vida adulta? O que seria? Puts Lucas, que pergunta difícil. Acho que eu traria minha infância em si, adaptada pra vida adulta sabe? Mas as coisas que eu vivi lá na minha infância, mas pra hoje. Seria diferente lógico, por conta da idade, mas eu traria minha infância mesmo. E se pudesse levar alguma coisa da vida adulta pra infância? Aí fica mais difícil, porque acho que nem cresci ainda, sou muito criança, muito besta, acho que nunca vou crescer, haja visto meu quarto. Mas o que eu levaria daqui pra lá? Acho que a consciência de ser negra eu levaria, porque hoje essa consciência do negro na sociedade ta muito mais aflorada, eu levaria meu black que hoje assumo com mais firmeza, hoje em dia eu aliso se eu quiser, então levaria a questão da negritude, da mulher negra, porque hoje temos muitas crianças que graças a deus já crescem com essa consciência, apesar de eu ter morado num quintal negro, com cultura negra com pessoas negras, não tinha essa consciência da importância de ter consciência, então a gente vivia aquilo naturalmente. Se alguém discriminasse a gente era normal, tipo “Ah a gente é preto mesmo, fazer o que?” Hoje em dia não, se me discrimina eu vou pra cima. E eu to achando super bacana o momento que a gente ta vivendo das crianças crescerem já com a consciência sabe? Hoje em dia um pai e uma mãe preta levanta muito mais a autoestima do seu filho do que antes, antigamente os pais alisavam o cabelo e hoje em dia incentivam pra que a criança meta um black mesmo, umas tranças então eu levaria essa consciência de ser mulher negra da periferia.

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Sou a única professora negra que trabalha numa escola de periferia onde a maioria dos alunos são negros, eu sou a única professora negra, então ainda é complicado falar dessas coisas da negritude. Levaria toda essa consciência pra lá, ia ser muito bacana crescer com uma mente voltada pra essas fitas aí. Se eu tivesse essa consciência que eu tenho hoje, por exemplo, eu não teria sido abusada tantas vezes, não estupro literalmente, mas abusada mesmo, tipo de ficar com um carinha que não gosta de você e só quer te usar, de passar humilhação e ser discriminada em uma brincadeira e achar que é normal, de ter ido procurar emprego e o cara ter feito o que fez e eu apaguei da memória, se fosse hoje eu teria ou arrebentado ele ou ido na polícia, então eu levaria isso que seria importante pra mim, seria bacana.

Tereza Nunes // 50 anos Luta Social // Infância // Resistência

Autônoma // Articuladora Social

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TEREZA

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Desde quando você mora aqui no bairro? Desde quando eu cheguei em São Paulo, em 84, então faz 34 anos. É vai fazer 35 em Janeiro. E de onde você veio? Paraíba. João Pessoa. E já morou em algum outro lugar de São Paulo, além de Pirituba? Fora de Pirituba não, mas morei na av. Paula Ferreira e depois vim pra cá. Onde? Perto do Mariano // E.E. Professor Mariano de Oliveira // Quantos anos você tinha? 146

Tinha 16 anos e fiquei lá até os 19 anos. Depois eu vim pra cá. E como foi sua infância? O que fazia? Bom, lá no Nordeste meus pais moravam em uma cidadezinha né?! Meu pai tinha uma fazenda, meu tinha tinha fazenda, plantação, gado, e criação de animais né? Aí depois a gente, acho que com uns 10, eu ainda era pequena, meu pai resolveu vender a fazenda e a gente foi morar na cidade. Aí fomos para uma cidadezinha, perto de João Pessoa e lá me criei até os 16 anos. Aí vim para cá. Por que vieram para São Paulo? Eu vim morar com uma tia minha, porque ela precisava de uma pessoa na verdade, ela tinha duas crianças e tinha que trabalhar e precisava de uma pessoa pra ajudar. Aí eu já queria vir pra São Paulo, e ela me chamou pra vir. Aí vim mo-

rar com eles, fiquei com eles esses 4 anos e depois me casei. Entendeu? Mas lá era uma cidade pequena, as ruas lá eram iguais aqui, ruas de pedra, como chama? Paralelepído, né?! Aquelas ruas de pedra, mas sempre foi assim, cidade pequena e lá é muito quente, mas é gostosinho pra passear e ir pra lá e assim foi minha infância, num sítio trabalhando, meus pais trabalhando na roça, eu nunca trabalhei na roça, mas a gente sabe muita coisa porque convivemos ali naquele lugar, era gostoso. É gostoso até hoje né? Tem os rios pra tomar banho. Da pra passear de canoa, hoje a gente vê o pessoal andando de Stand up, mas naquela época era canoa, a gente ficava de pé remando e era gostoso, foi assim, minha infância foi isso, brincar, cachoeiras, lagos, rios, açudes, tinha muito. Então era legal, foi legal naquela época, não posso falar que foi uma infância ruim, a gente tinha de tudo, meus pais não tinham fartura, eles sacavam algodão, arroz, aí a gente mesmo tirava o arroz e descascava o arroz, café e tudo quanto é coisa de… Pé de manga, a gente sabia todo tipo de manga, naquela época meu pai tinha. E assim foi nossa infância, até a gente sair do sítio e morar na cidade. E pra Pirituba, eu conheci aos 18 anos com meu ex-marido né… Aí a gente foi morar de aluguel ali perto da Cidade Pirituba // Jardim Cidade Pirituba //, a gente foi morar ali perto do Imperatriz // E.M.E.F. Imperatriz Leopoldina //, morei ali acho que um ano e pouco e como eu engravidei e a gente foi morar junto, só que o aluguel lá era complicado, era assim, se nascesse uma criança eles cobravam pela criança que nasceu, era por cabeça, aí ele descobriu na época aqui e um amigo dele falou que tinha terreno, na época aqui era um lugar feio, aí eu falei que não vinha né?! Nunca tinha entrado num lugar desse, era tudo feio e estranho, mas aí ele tinha comprado o terreno e a gente acabou vindo pra cá, eu tinha a Débora, ela tinha 1 ano quando a gente veio pra cá, tanto que faz 30 anos

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que a gente veio pra cá. Não dava pra ficar pagando aluguel né? Ele estava trabalhando e eu estava desempregada e com uma criança, aí ele falou “consegui um terreno lá, vamos pra lá” aí eu dizia que não vinha ele falava “Ah! Não vai? Tem problema não, fica aí então você, porque não vou ficar pagando aluguel” aí vim parar aqui, na época era muito, muito estranho, mas tinha que acompanhar o marido né?! Mas foi muito difícil pra conseguir chegar aqui hoje né?! Porque onde a gente morava era, ali perto daquela viela. A família mora lá, então tem cinco famílias que moram naquele terreno lá e a gente construiu casa lá também e foi vindo um e outro. Aí a gente conseguiu esse terreno aqui. E como era aqui? Você disse que era estranho.

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Nossa, quando a gente chegou aqui isso era uma favela, favela mesmo. Hoje em dia é um bairro tranquilo, hoje tem umas casas, mas na época era só barraco, aqui era terra, aqui nesse meio era tipo um campo de futebol, era tudo barro, muita bagunça, uma favela só de barraco, tinha muita coisa de droga e essas coisas. Mas com o tempo foi melhorando, o povo foi construindo, foi fazendo casa, na verdade o pessoal invadiu né?! Era um terreno particular, mas aí o pessoal chegou aqui, entraram né?! Invadiram o terreno, mas era um terreno particular, não era abandonado da prefeitura, era particular, aí invadiram e cada um pegou seu terrreno, alguns revenderam, outros construíram e aos poucos foi moldando entendeu? Foi quando na época a Erundina era prefeita, e ela quem negociou o terreno, então esse terreno foi negociado pela prefeitura da Erundina, e não sei se ela conseguiu terminar, sei que ela tinha pagado metade do terreno e foi desapropriado pelo dono e passado pros moradores, tanto é que até hoje estamos esperando o documento pra sair, chegar a planta e tudo, então falaram assim que era pra gente tar preparado que assim que os

documentos chegassem a gente ia começar a pagar o terreno. E foi, cada um fazendo sua casa, foram saindo uns, chegando outros e foi se construindo esse bairro, até na época o pessoal queria pagar água e luz como taxa mínima o Maluf falou que não, que não era favela, que era um terreno da prefeitura, então a gente pagava comum, como qualquer outro lugar. E aí ficou como um bairro, mas como ainda não tem o cadastramento é só um miolo, quando alguém entra com o GPS aqui ta cadastrado como Favela Chique, isso foi o moço do Uber que falou. // Invasão de terra e a presença do PT sempre muito forte, podemos ver isso em mais de um relato, resistência e luta por espaço de terra e moradia. // Favela o que? Favela Chique, porque quando um moço veio entregar umas bolachas pra Débora a Débora falou, “Ó! Aqui ainda não tem GPS porque não ta cadastrado” aí ele falou “Aqui ta aparecendo como Favela Chique” aí eu falei “Que chique, nem eu sabia hahahaha”. Aí foi isso entendeu? Ná época aqui onde a gente morava era tudo diferente, mas aí foi montando tudo perto, mercado, padaria, farmácia, lojas então aqui é maravilhoso né? Porque daqui 5 minutos tem um mercado, então qualquer lugar é perto, é bom pra morar porque tem de tudo, então sai caro pra morar aqui quando o pessoal quer comprar por causa disso, porque ta tudo certinho e legalizado. As vielas antes era tudo morro, tanto que quando foi desapropriado, foi porque era área de risco né? Aí as casas desapropriadas foram invadidas por outras pessoas, foram entrando nas casas vazias que tinham sido deixadas pra trás né?! Então assim só tinha morro e barraco feito, foram arrumando e fazendo viela, e ficou legal, cada um fez sua casa e ficou

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tranquilo, então não é beco como favela, são vielas largas, então tá tranquilo.. E como era morar aqui?

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Ah! Então, morar aqui foi difícil viu Lucas? Hoje eu digo que dou graças a Deus porque tenho minha casa pra morar e ter o lugar que os meninos estão construindo, então só tenho que agradecer a deus por ter meu lugar, porque no começo foi terrível, não tinha água, não tinha gás, não tinha luz, enfrentou uma coisa pra sair do aluguel, então é assim, quer alguma coisa na vida? Tem que ir pra luta, então a gente não tinha água, a gente tinha que ir buscar água, porque demorou até chegar o cano de água, tinha uma amiga minha que morava na outra rua, então a gente pegava água lá, muitas vezes eu trazia de balde, as vezes pegava do vizinho, mas pra beber tinha que ir buscar longe, então a gente tinha que subir barranco, improvisar banheiro, então tudo isso a gente enfrentou entendeu? Mas assim, foi muito difícil pra mim, assim né, pra viver minha vida, continuar minha vida, se eu quisesse me separar e deixar meu casamento eu tinha largado e ido embora, mas tinha uma filha marido e tinha que enfrentar, e assim sair do aluguel era muito difícil, sustentar uma família e pagar aluguel, mas o lugar era muito difícil, complicado mesmo. Aí fomos um dos primeiros, ai depois de a gente construir, até a gente improvisou um banheiro que não tinha, aí ficou o barraco e aos poucos fomos tendo as coisas, e aí foi construindo entendeu? Foi construindo, construindo e fomos dos primeiros a construir, fizemos um cômodo grande, um quarto e cozinha e a gente foi levantando, aí aos poucos o pessoal foi pedindo água, luz e era tudo improvisado, então fomos puxando bico de luz, de água e a gente foi ficando até terminar. Foi na época que tinha que cavar os barrancos e colocar plástico pra não entrar muita humildade.

Aí foi na época que eu comecei a trabalhar, e pouco tempo depois foi a época que fomos assaltados. Levaram um monte de coisas lá de casa, levaram botijão de gás, liquidificador, uma pá de coisas eles levaram. Aí falei “pronto to num belo lugar.”, Mas aí tinha que continuar, até que o bairro foi melhorando, alguns que eram mais do crime saíram, foi indo embora e foi vindo família e aos poucos foi virando bairro, aí fomos a luta pra vir asfalto, fomos atrás de água, luz, e foi na época da Erundina que colocou guia, calçada e asfalto, acho que foi por 99/2000. Porque acho que quando o Johnny nasceu ainda não tinha asfalto. Fizeram mais ou menos, depois veio o asfalto mesmo. E aí veio asfalto, luz, e veio água, isso já no tempo do Maluf quando veio, e ele falou que já não íamos mais pagar taxa mínima, porque não era mais favela, e foi isso, e hoje graças a deus estou aqui bonitinha, consegui fazer minha casa. Aos poucos a gente chega lá. E me fala uma história marcante sua aqui no bairro. Então, assim… Marcante aqui no bairro foi só uma vez… Marcante mesmo que a gente nunca esquece, foi só… Marcante de bom? O que vier na cabeça Não Lucas, de marcante, que eu nunca esqueço foi a parte que a gente morava aqui e fomos invadidos pela polícia, isso foi uma coisa que não esqueço, eles entraram, invadiram as casas, porque na época, não lembro bem o que aconteceu, acho que tinha muito traficante, hoje é tranquilo graças a deus, mas na época tinha. A gente estava aqui quando foi invadido pela polícia, quando a gente olhou eles entraram aqui em casa, tinha um salão aqui, e tinha um pessoal e eles entraram vieram todos, invadiram pela viela, lá por cima, e foram duas vezes que isso aconteceu.

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Aí invadiram aqui como loucos, o pessoal tinha feito alguma coisa, fecharam a rua e vieram todos armados e foram pondo a arma em todo mundo, a gente tava na viela e eles começaram a pôr a arma no pessoal e mandando entrar pra dentro, depois que a gente já tava aqui eles vieram também e chegaram a entrar tentou subir e eu falei que a gente era família e não tinha nada de errado aqui e foi aí que estavam todos armados, então assim, eles gritando pra entrar pra dentro colocando a arma nas pessoas e falando que iam atirar. Vai passando o tempo e a gente vai esquecendo né, mas isso foi uma coisa tão assim, que a gente nem podia colocar a cabeça pra fora porque chovia de polícia, era tanta polícia que parecia uma guerra e foi aquele desespero por causa das crianças né? Escondendo embaixo da cama, preocupados com as crianças, faz alguma coisa, esconde as crianças, pelo jeito que eles vieram né? Talvez nada pudesse acontecer, mas foi tipo, quase um terror. Isso foi quando? Isso foi em 2000 e pouco, não, é… 99 pra 2000. Eu lembro até hoje assim. E foi uma coisa terrível o jeito que eles chegaram e se colocaram, nem criança eles respeitaram, a gente ouvia tanto falar em tiroteio, tiroteio, então assim, a gente tinha que esconder as crianças, porque do jeito que eles chegaram, a gente achou que eles iam… Porque eles vinham, invadiam. Isso foi uma coisa que a gente nunca esqueceu, eles vieram e enfrentaram todos os moradores de qualquer jeito, e foi um desespero muito grande, então assim, eles vinham, mas como aquele dia foi a noite a gente tinha e=que entrar e apagar a luz e o desespero foi muito grande, o medo de matar as crianças, mas fora esse desespero o resto foi tranquilo, sempre vinham antigamente, mas hoje até que parou graças a deus. E de marcante mesmo foi essa.

E você já teve contato com o bairro do Jaraguá? Eu sempre tive no bairro do Jaraguá, minha tia que morava com ela, os que moravam na Paula Ferreira, Rio Verde na verdade, ela mudou pro Jaraguá e eu sempre fui ali, depois da estação, eu vivia ali na casa dela, e o Pico do Jaraguá. E o que lembra de lá? Como era? Teve algum contato com as aldeias? Não, no Jaraguá assim ela morava depois da estação e quando fui no Pico do Jaraguá, que quando eu participava de umas reuniões de um pessoal sem terra, que era pra lutar por outro terreno, já foi no Jaraguá. Lá a gente já chegou a ficar, não bem na aldeia, mas junto com os índios, eles também vinham onde a gente tava e só. E como foi? Ah, eles ficavam junto com o pessoal sem terra junto a gente também, e junto com o pessoal da política também, que era o Henrique Pacheco, que participou também do sem terra. E na época que o Henrique Pacheco foi com a gente lá, eu lembro que um dos chefes dos índios também tava junto com a gente também E como eram as reuniões? Eram sobre ocupamento das terras, sobre também o Pico do Jaraguá que seria desapropriado da época, então sobre os benefícios de lá também, que eles queriam desapropriar o parque na época e a gente tava lutando pra não acontecer isso, então foi as passeatas que a gente fez também, pra não desapropriar o pico do Jaraguá e pra fazer também outra coisa, não lembro o que queriam fazer, mas queriam desapropriar o Pico pra fazer outra coisa, mas com o processo que foi feito não tirou e foi quando também o pessoal da aldeia tava lá,

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como eles queriam mexer com o pessoal. E depois das reuniões que a gente fez acredito que o terreno não foi tirado, porque nas últimas vezes não deu pra eu ir nas passeatas, mas as vezes que fui foi sobre isso, sobre mudança no parque e a gente lutava pra não mexer. E o MST era forte aqui?

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O pessoal que mexia com negócio sem terra era forte sim, isso muitas vezes foram eles que lutaram também, tinha a Marinalva que era da política tinha o Esperidian que era da época do Lula também, que a Erundina vinha aqui a gente chegou a ir no gabinete dela la no centro também, muitas vezes a gente foi e ela vinha pra cá, quando entrou o Lula também o pessoal que era dos sem terra aqui, chegou a ir no gabinete no tempo do Lula. Mas era uma coisa junta assim também, entendeu?! A gente teve força na época do Lula também, e eles vinham aqui também, vinha vereador, Erundina, Eliseu Gabriel e outro que não lembro o nome dele. Foi a época que a gente que a gente falou pra eles que precisava de asfalto o mais rápido possível. Depois tiveram outros que eu não lembro direito não, porque eu comecei a me afastar, comecei a trabalhar e não tive mais tempo de estar sempre no MST, mas já fui em várias passeatas, já fui lá quando a gente lutou por um terreno grande, nós falamos com o prefeito também, antes desse que tá hoje. Haddad? O Haddad, a gente teve com o Haddad também, voltei a participar no tempo do Haddad, a gente foi até o gabinete da prefeitura e ele saiu pra falar com o povo.

E pra finalizar, se você pudesse trazer alguma coisa da infância pra vida adulta? Minha infância foi muito boa, não posso falar que foi ruim não, então o que traria pra cá? Acho que tranquilidade, entendeu? A tranquilidade assim, de como a gente era, é… Aquela época lá. Na verdade eu sempre quis passar aquela época pros meus filhos, só que hoje é diferente, não é mais como antigamente, antigamente era inocente, era uma coisa inocente, hoje quando nasce uma criança, já pra uma criança de cinco anos, ela já ta no celular, já sabe ligar e desligar. Então uma coisa que eu traria, seria hoje a tranquilidade que a gente tinha e a paz. Na verdade se eu fosse trazer alguma coisa da minha infância, eu traria minha mãe, eu traria dentro de mim a minha mãe, porque minha mãe é… nossa, ela… ela é exemplo de tudo, então eu traria ela dentro de mim. E se você pudesse levar alguma coisa da vida adulta pra infância? Vish… é difícil em? A eu levaria paz também, tranquilidade, se fosse pra eu adulto pra criança hahahahaha eu não sei hahahaha // Mais de dois minutos pensando na resposta. // Eu levaria um brinquedo, mais amor na verdade e, é. Meu pai era uma pessoa que não tinha muito esse tipo de coisa, mas eu levaria mais amor e brinquedos. Era tranquilo, a gente era livre era todo mundo por si mesmo, mas nossa convivência com meu pai, a gente não tinha aquela coisa de amor e carinho pelo meu pai, ele era uma pessoa muito grossa, antiga, quadrada né?! Era o jeito dele de ser, mas ele não tinha essa coisa de dar amor, não nos faltava nada, a gente tinha de tudo

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porque tínhamos fazenda, mas faltava aquela coisa do amor e do carinho, talvez até por isso aos 16 anos eu vim entendeu? Então é isso, eu levaria mais amor. A luta foi essa, trabalhar pra ter minha família e é isso.

Povos Guarani // Exploração de Ouro // Fazendas de Café // Fábricas

Mata Atlântica // Infância // Cultura Negra // Samba // RAP // Sarau.

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Pirituba // 133 anos

QUERIDA PIRITUBA

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Jaraguá Maior Território 27,6 km² 6 696 Habitantes por km²

Pirituba Mais Populoso 17, 1 km² 9 821 Habitantes por km²

Parque São Domingos Mais Recente 10 km² 8 484 Habitantes por km²

Cidade de São Paulo


4. 3. A história do bairro

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Pirituba passou a ser reconhecida como bairro em 1885, depois da criação da estação de trem de mesmo nome e hoje é o bairro mais populoso da zona norte da capital, levando em consideração o perímetro administrado pela subprefeitura Pirituba/Jaraguá que agrega Pirituba, Jaraguá e São Domingos, estimasse uma população de 390 mil habitantes. (ALENCAR, 2016) Segundo o site da Prefeitura Regional Pirituba/Jaraguá o nome Pirituba é a junção de dois nomes indígenas que descrevem características físicas da região. “Piri” é o nome dado a Taboa, vegetação típica de brejo, segundo registros, a região em que hoje se encontra a estação de trem tinha muita vegetação deste tipo. “Tuba” significa “muito” e então surge o nome “Muita Taboa” ou como conhecemos “Pirituba”. (PIRITUBA/JARAGUÁ, 2009). Este nome só foi dado à região com a construção da estação que pertence a antiga E.F.S.J (Estrada de Ferro Santos/ Jundiaí) hoje conhecida como linha 7-Rubi que vai da Luz até Jundiaí. Antes do nome e reconhecimento como bairro de São Paulo, Pirituba era constituída por grandes fazendas de proprietários influentes e importantes na política, sendo a principal delas, em relação à extensão, pertencente ao Dr. Luiz Pereira Barreto, um médico e político, fazenda esta conhecida como fazenda Barreto (ROCHA, s/d). A fazenda ia desde a linha férrea, dividindo terreno com a Companhia Armour e se estendendo até as regiões que hoje estão situados Vila Zatt, Estrada do Rio Verde e Maria Trindade, com uma área de 80 Alqueires¹, segundo João Ortiz Rocha, em texto escrito para o portal Pirituba net, site que resgata e registra histórias do bairro. Também existiam as fazendas do Brigadeiro Tobias Barreto

que hoje pertencem à Cia. Armour (Frigorífico) e foi dividida em partes para os loteamentos e construções das novas vilas Chácara Inglesa, Jardim Felicidade e Vila Comercial, e a Fazenda Jaraguá que ainda hoje se encontra em grande estado de conservação, graças ao tombamento do Parque Estadual do Jaraguá realizado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico (Condephaat) em 1983 e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 1994. O parque é considerado parte do cinturão verde de São Paulo, área de extrema importância para a preservação da mata Atlântica (MIOTO, 2017). Esta área está em posse do Governo do Estado de São Paulo e algumas partes que foram desmembradas em sítios deram origem à Vila Clarice, Jardim Regina, Vila Boaçava e outras vilas da região. (ROCHA, s/d) Ainda segundo Rocha, havia alguns caminhos que ligavam as fazendas e serviam como trânsito de pessoas e transporte de madeiras, cereais para a estação de trem e bois de abate para o frigorífico Armour. Estes caminhos ligavam Pirituba à Freguesia do Ó, Osasco e Taipas. A construção da estação de Pirituba e a grande influência política da região, também se deve à grande quantidade de café produzido nas fazendas da região no surto cafeeiro do final do século XIX. Após a construção, houve um grande crescimento de imigração dos povos Italianos e Portugueses. “São exemplos disso a família Andrade, a Magalhães, a Teixeira, a Petraco, a Pradela, a Batista Rodrigues, a Campestrin, etc. Que foram os primeiros elos da formação do atual povoado piritubano e que se encontram por seus descendentes bastante ramificados na sociedade piritubana. As fazendas acima citadas segundo informações que pudemos obter eram todas (Barreto e Brig. Tobias Barreto) de plan-

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tação de café. Com o deslocamento do café para Zona da Paulista e devido ao cansaço das terras, essas fazendas se transformaram em pastos abandonados e posteriormente foram repartidas por seus proprietários em pequenos sítios dos quais destacam-se o sítio dos Teixeiras e o sítio dos Campestrin, na atual Chácara do Sanatório Pinel, o sítio dos Guedes, que posteriormente deu lugar a atual Vila Boaçava, isto ao lado oeste do Bairro; a leste do Bairro tivemos a chácara da Família Agú, adquirida à Fazenda Barreto, a Chácara da Família Petracco, etc.” (ROCHA, s/d)

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Rocha também nos conta que parte considerável de Pirituba, antes pasto destinado à engorda de gado da Cia. Armour, foi posteriormente dividida em pequenas chácaras e arrendadas para famílias Japonesas para plantação de Eucalipto que alimentaria a caldeira do Frigorífico. A maioria das terras que pertencem a Armour está situada ao redor da estação de trem, e loteada para a formação de novas Vilas. Após a morte do Dr. Luiz Pereira Barreto em 1922, suas terras passaram a ser repartidas e vendidas pelos seus herdeiros, formando a Vila Pereira Barreto, fase de extrema importância para o início do povoamento do bairro. Ainda na década de 20, três fatos importantes modificaram a história do bairro, são eles, Fábrica de Tecidos, Sanatório Pinel e Capela São Luis de Gonzaga. No próximo capítulo aprofundaremos em histórias individuais dos locais, por enquanto, nos aprofundaremos na visão geral sobre o bairro. Vale apontar aqui que a chegada de energia elétrica foi responsabilidade da Fábrica de Tecidos, isso em 1927. (ROCHA, s/d) A década de 1920 talvez tenha sido a mais movimentada e importante para a transformação do bairro, foi nela que hou-

ve a construção da estrada velha para Campinas, o que fez com que o acesso da capital para o interior passasse por dentro do bairro, trazendo junto mais movimentação e visibilidade, estrada antes era situada na Freguesia do Ó. (ROCHA, s/d) Do texto de João Ortiz Rocha também podemos destacar que foi na década de 1930 com a chegada da Fábrica de Borracha que Pirituba começou a se dividir em Vilas e ter as demarcações espaciais que conhecemos hoje, a fábrica foi responsável pelo início do crescimento populacional do bairro, pois, foi a partir de sua chegada que houve movimentação de famílias se mudando para os arredores em busca de trabalho. Foi também nesta década que se deu início à uma série de movimentações pedindo a emancipação de Pirituba em relação ao bairro da Freguesia do Ó. Esta ligação, segundo aos reivindicadores, dificultava o atendimento das necessidades básicas da crescente população piritubana. Foi em 1936 que Pirituba passou a ser considerada como o 32º Subdistrito da capital. A partir deste ponto os habitantes de Pirituba passaram a registrar seus Nascimentos, Casamentos, Óbitos, etc. Em um cartório próprio do bairro, juntamente com a construção da subdelegacia do bairro. (ROCHA, s/d) “Novas fábricas foram criadas, novas Vilas foram fundadas, de maneira a duplicar ou triplicar a população e as condições econômicas do Bairro. Tivemos a fundação da Fábrica de Papel Rio Verde, a Fábrica de Preparo de Algodão “Norbo”, a Pianofatura Paulista, Fábrica de Lajes Volterrana, ampliação considerável do Lanifício Pirituba, etc. e todos esses empreendimentos somando-se aos já existentes proporcionaram, um grande progresso para a economia do Bairro. No setor educacional, evoluindo da antiga escolinha mista de Dona Leopoldina a posteriormente do Grupo Escolar Mariano de Oliveira tivemos a construção de um grande grupo

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escolar Municipal em Vila Pereira Barreto, a constituição de um Ginásio Estadual e vários galpões escolares, para atender ao aumento sempre maior de crianças em idade escolar.” (ROCHA, s/d) Rocha nos conta em seu texto que devido a esta crescente demanda de emprego, foi inevitável o crescimento territorial e populacional na década de 1950, dando início a novas vilas como, por exemplo, Vila Mirante, Zatt, Sto. Antônio, São José, Maria Trindade, Chácara Inglesa e Jardim Regina. Pirituba ainda mantém o aspecto de cidade do interior, com grande alcance de visão para o horizonte, casas térreas e ampla área verde com muitos parques e praças, mas estes são aspectos prestes a mudar devido ao aumento da especulação imobiliária e avanço da verticalização da cidade que vem do centro para as periferias. As imobiliárias de São Paulo estão vendo Pirituba como local de grande potencial em crescimento e investindo cada vez mais em loteamento dos espaços, é o que nos conta Marsílea Gombata, em um artigo escrito para a revista Carta Capital: “Estima-se que a região do Pico do Jaraguá terá um crescimento demográfico de mais de 50% nos próximos 25 anos, passando dos atuais 208.054 para 317.439 habitantes.” (GOMBATA, 2016). Ainda podemos comprovar esta especulação com o recorte do artigo escrito por Renata Helena Rodrigues para o site do jornal Folha de São Paulo, nele ela nos conta que Vila Madalena e Pirituba podem ser os alvos para o futuro das imobiliárias, e diz: “Separadas por 10 quilômetros de distância, Pirituba, na zona norte, e Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo, têm

algo em comum: nos próximos anos, a paisagem das duas regiões vai mudar.” (RODRIGUES, 2017).

4. 4. Pontos Históricos 4. 4. 1. Pico do Jaraguá O Pico do Jaraguá localiza-se na Serra da Cantareira e possui 1 135 metros de altitude em relação ao nível do mar, está em estado de preservação ambiental e protegido pelo parque Estadual do Jaraguá e é considerado o ponto mais alto da cidade de São Paulo. Em um dia limpo o alcance de visão chega até 55 quilômetros de distância, seu nome vem do Tupi e significa “Senhor do vale” (PIMENTA, s/d). Sua história registrada começou por volta de 1580, com a chegada do caçador e traficante de índios Afonso Sardinha que se estabeleceu no local após encontrar vestígios de ouro. Nesta região, houve muito conflito entre portugueses e indígenas que já estavam estabelecidos e protegiam seus bens e terras. (PIMENTA, s/d). “O historiador Afonso de Taunay nos dá uma interessante descrição das atividades do famoso Afonso Sardinha: “Grande comerciante e capitalista, grande proprietário e lavrador, minerava no Jaraguá, fabricava e exportava muita marmelada, a ponto de poder fornecer, de uma remessa, cem caixotes, e negociava grandes partidas de farinha, sal e açúcar. De Buenos Aires recebia lãs e peles remetidas pelo correspondente Antônio Rodrigues de Barros. Oito peles vendera em São Paulo por 26 cruzados: 10$000. Traficava escravos, vendendo índios moços a $3000 por cabeça, até para o Rio da Prata. De lá encomendava diversos gêneros, como rendas, papel, medicamentos, facas fabricadas na Alemanha. Como


capitalista, emprestava a pessoas de São Paulo e Santos, São Vicente e Rio de Janeiro.” (PIMENTA, s/d) A mineração de ouro no pico se encerrou após os seus esgotamentos no século XIX. Por muito tempo foi dito que o pico do Jaraguá era um vulcão adormecido, mas Lucélia Aparecida Letta, moradora do bairro nos mostrou em sua monografia “Relevância da diversidade geológica do Parque Estadual do Jaraguá para as atividades de ensino e divulgação das Ciências da Terra” que são elevados são compostos por quartzo intemperizado e mica.

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“O quartzo é um dos vários minerais encontrados na constituição rochosa do nosso planeta. Além dos quartzitos há grande presença de mica. Estes dois minerais constituem os micaxistos, apresentando típica textura lepidoblástica e xistosidade acentuada.” (LETTA, 2017. apud PEDROSA, 2017)

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Em 1946 a prefeitura transformou o Pico Jaraguá em ponto turístico e em 1961 foi criado o Parque Estadual do Jaraguá, possibilitando aos visitantes a experiência de ver os pontos de extração de Ouro e a casa de Afonso Sardinha. (PIMENTA,s/d). O Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico) tombou o parque como patrimônio histórico e em 1994 passou a integrar a Zona Núcleo do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo, Reserva da Biosfera, a partir do tombamento como patrimônio da humanidade realizado pela UNESCO (PIMENTA, s/d).

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4. 4. 2. Aldeias indígenas Guarani

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É difícil datar o início das aldeias, visto que o povo indígena sempre esteve presente no Brasil, o que podemos levantar são dados de demarcação territorial e reconhecimento político/social dessas terras, sendo assim, os recortes aqui presentes não contam a história das aldeias localizadas ao redor do Pico do Jaraguá, mas sim processos históricos de luta. A Funai (Fundação Nacional do Índio), reconhece quatro aldeias, ou Tekoas na língua Guarani, são elas Tekoa Pyau, Itakupé, Itawerá e Ytu, mas apenas uma possui território de terra demarcado pelo estado, a Tekoa Ytu com uma área de 1,7 Hectares (GOMBATA, 2016). Estas aldeias Guaranis se encontram em constante estado de luta por melhorias, e esta luta de conservação da cultura Guarani conta com a Ceci (Centro de Educação de Cultura Indígena) que procura ensinar a história do povo Guarani no Brasil. O centro de educação atende aproximadamente 170 crianças de zero a seis anos e conta com a “Escola Estadual Djekupe Amba Arandy, que tem ensino fundamental, médio e educação de jovens e adultos, recebe 250 crianças e jovens” (GOMBATA, 2016) para a continuidade da manutenção da cultura entre jovens e adultos. Porém, Pedro Karai Yrapuá, auxiliar de coordenação de cultura na aldeia Ytu, ainda na entrevista realizada por Gombata para a revista Carta Capital, ressalta que: “Ser guarani é ter um modo de vida em torno do observar e aprender com o universo. Enquanto o jurua (homem branco) só olha o mundo como um objeto de valor em termos de riqueza e sabedoria desde que traga algo para ele, para o guarani o valor está em aprender com a natureza”, explica. “Não existe a preocupação em se beneficiar e ganhar com o

território. É mais sobre o que a terra ensina, a importância de apreender e conservá-la.” (GOMBATA, 2016) Estas aldeias hoje se encontram-se encurraladas pelo crescimento e avanço da cidade, o que torna cada vez mais difícil sustentar a cultura Guarani. As lutas pela demarcação de terra são necessárias e indispensáveis para que seja possível o cultivo de alimentos mínimos para autos sustento das aldeias e plantas medicinais, além de garantir judicialmente a existência das aldeias. “Esse é o maior desafio da comunidade hoje e a causa de muitos outros problemas. Com essa área, não é possível levar adiante um programa habitacional por falta de espaço para as casas. O crescimento da metrópole de São Paulo asfixia a aldeia, que persiste em manter vivos o idioma e a religiosidade, além de buscar recriar pequenos nichos de cultivos tradicionais”, observa a Funai, ao culpar a restrição de espaço físico e a aproximação da cidade a cada dia por situações de vulnerabilidade das famílias locais. “Elas convivem com escassez de alimentos, más condições de habitação e de saneamento, além da entrada do alcoolismo. A suspensão da Portaria Declaratória do Ministério da Justiça aumenta a insegurança delas”, afirma a Funai, ao alertar que sua Coordenação Regional Litoral Sudeste identifica cerca de 30 aldeias sobrepostas a Unidades de Conservação e vem trabalhando em Planos de Gestão Territorial e Ambiental como meio de uma gestão compartilhada juntamente com os parques. Membro da Comissão Guarani, Sônia Barbosa, de 42 anos, explica que a perda de espaço implica perda de referência para os guarani. “Sem a terra não há lugar para o cultivo,

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para brincadeiras tradicionais, para a vivência dos mais velhos”, afirma. “O governo do estado toma toda a área de preservação como se fosse dele e esquece que aqui há pessoas, nascentes, animais silvestres, árvores frutíferas. Olham a mata apenas com o propósito financeiro.” (GOMBATA, 2016) Esta luta se acirrou recentemente, pois foi aprovada sob a gestão do então governador Geraldo Alckimin, a PEC 215 que transfere a decisão final sobre as demarcações indígenas do Executivo para o Legislativo, e isso beneficia a bancada ruralista e abre concessões para a exploração de terras legitimamente indígenas, além de indenizar aos “proprietários” das terras cedidas para as demarcações. (PELLEGRINI, 2015).

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4. 4. 3. Estação de trem Pirituba

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Segundo o artigo “Estação Pirituba” escrito por Alexandre Pimenta, a estação foi responsável por nomear o bairro, ele ainda nos conta que ela fazia parte da antiga São Paulo Railway - SPR ou como era chamada “Ingleza”, tinha como um dos principais acionistas o Barão de Mauá e foi construída por investidores ingleses para o transporte de café, trabalhadores do porto e carga de Jundiaí até Santos. Em 1946 foi com o final da concessão governamental, virou a Estrada de Ferro Santos Jundiaí (EFSJ). Nos anos 70 foi controlada pela REFESA e em 1997 concedida à MRS que permanece no controle da linha. As viagens que atravessavam São Paulo do interior ao Litoral não são mais possíveis, hoje a estrada férrea é dividida em duas linhas, são elas a 7-Rubi (Jundiaí/Luz) e 11-Coral (Luz/Estudantes), mas ainda há TUEs (Trens-Unidade Elétricos, de Subúrbio) entre Paranapiacaba e Jundiaí e quinzenalmente há expressos turísticos que ligam Luz/Jundiaí, Luz/Mogi das Cruzes e Luz/ Paranapiacaba (PIMENTA,s/d). O território sob supervisão da Subprefeitura Regional de Pirituba administra cinco estações, são elas: Piqueri, Pirituba, Vila Clarice, Jaraguá e Vila Aurora.

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4. 4. 4. Casarão Anastácio Casarão estilo hispânico que foi construído em 1922 para abrigar trabalhadores do frigorífico Armour, é uma área de 1 500 m² localizado no acesso à Anhanguera pela Marginal Tietê. É um imóvel bem chamativo para quem passa de carro em frente, devido a sua estrutura antiga e seu tamanho. Alexandre Pimenta, administrador e responsável pelo site Pirituba Net que registra histórias do bairro, nos conta em sua publicação que o imóvel foi tombado pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio (Conpresp) em 19/03/2013 após 21 anos de luta liderada pelo antropólogo Edson Domingues. Este casarão que hoje pertence a construtora estadunidense Tishman Speyer, ainda é alvo de luta para que o mesmo se torne um centro cultural. Este Casarão pertenceu à Marquesa de Santos. 178

“Nascida Maria Domitila de Castro Canto e Melo, virou marquesa após se tornar amante de Dom Pedro 1, a quem conheceu poucos dias antes da declaração da Independência do Brasil, em 1822. Anos depois, ela foi mulher do coronel Anastácio de Freitas Trancoso, que se destacou na vida social e política de São Paulo no século 19. Herdou a propriedade do brigadeiro Tobias de Aguiar, com quem também manteve relacionamento. Ela morreu em 1867, aos 70 anos.” (PIMENTA, s/d) // Não é possível fotografar o Casarão da Anastácio, pois por questões de abandono não é permitida a entrada. //

4. 4. 5. Galeria Narciza Inaugurada em 1963 no bairro do Jaraguá, a galeria abriga todo o acervo artístico de aproximadamente 150 obras de

Henrique Manzo, importante pintor do século XX e antigo proprietário da casa onde hoje se encontra a Galeria Narciza. Infelizmente este museu e importante local para o registro histórico, se encontra fechado há 15 anos segundo o portal de notícias online G1. Este local está fechado devido a falta de reparos, apesar de toda a luta da família em manter o acervo em pé e toda essa memória viva e ativa, os custos são altos e necessitam de auxílio de empresas ou órgãos públicos (G1, 2014). // Não é possível fotografar a Galeria Narciza pois por questões de abandono não é permitida a entrada //

4. 4. 6. Jaraguá Clube Campestre Segundo Alexandre Pimenta, administrador do acervo histórico online do bairro de Pirituba, Pirituba Net, em 05 de outubro de 1959, graças a 22 membros a fim de criar um grandioso clube em São Paulo, as terras da antiga fazenda Capuava antes pertencentes ao Frigorífico Armour passou a ser o Jaraguá Clube Campestre. Ocupando uma área de 556 000 m² ou 23 alqueires e dois terços de preservação ambiental. Em 1961 o clube foi ampliado para 200 sócios, porém teve uma baixa na área, 6.500 m² foram desapropriados para a construção de redes de transmissão pela Cia Light. Em 1962 com a participação de Inezita Barroso, o clube realizava sua primeira festa Junina, em 1º de outubro 1963 teve sua bandeira oficializada após um concurso vencido por Clarice Abdalla. Em 1964 foi inaugurado o campo de Bocha, e realizado o primeiro campeonato que contou com a presença de equipes como sociedade Esportiva Palmeiras e Sociedade Esportiva Piqueri. Foi em 1964 também que em comemoração ao recebimento oficial da escritura de clube que um torneio de fute-

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bol foi realizado, junto com a primeira olimpíada Jaguarense. Em 1968 as mulheres ganharam direito de participar do clube de Bocha, após a chegada dos argentinos Clube de La Municipalidad de Buenos Aires que tinham mulheres em sua equipe oficial, assim o Jaraguá Clube Campestre (JCC) se tornou a primeira equipe de Bocha de São Paulo a ter mulheres em sua equipe. Em 1974 após um concurso, surgiu o hino do clube, criado por Tito Cassione e tocado pela primeira vez oficialmente na cerimônia de premiação, acompanhado por Piano e o Coral de São Paulo. Em 1977, houve o 1º Salão de Artes Plásticas Jaraguense, com a presença de Aldemir Martins, Darcy Penteado, Yoshia Takaoka e Sakai do Embu. Em 1978 após uma tempestade que levou terra da obra que estava sendo realizada na estrada do Turística, as quadras de tênis e futebol ficaram submersas em lama, foram necessárias 68 viagens de carreta para retirar toda a lama. “1988 - Em 16 de maio, a Folha de São Paulo publicou um artigo intitulado “Roteiro Aromático de São Paulo”, onde cita o privilégio dos associados do Jaraguá que podem contar com o “luxo” de respirar ar puro.” (PIMENTA, s/d). Fundadores: Arthur Costa Filho, Antonio de Pádua Rocha Diniz, Arthur Pinheiro Martins, Ernesto Luiz Ostorero, Elcio Salvador Brossi, Fausto Penna Moreira, Rafib Curi, Walter Carneiro de Carvalho, Plínio Francisco Marques, Roberto Carlos Gonçalves Calnet, Sebastião Brandão Borges, Afonso Missa, Murilo Macedo, Jonathas Durães, Jofre Alves de Carvalho, Mário Goeta, Jamil Demétrio, Jose Edmundo Falconi, José Pereira Fernandes, Raymundo Nonato Diniz, Hugo Carreras e Marcelo Ribeiro de Olivera Resende.

// Não é possível fotografar o Jaraguá Clube Campestre, pois não é permitida a entrada. de não sócios //

4. 4. 7. Castelinho de Pirituba Segundo Alexandre Pimenta em seu texto “Castelinho de Pirituba” para o site Pirituba Net, esta casa era a residência do inglês Charles Thomas Chapman, funcionário da Companhia São Paulo Railway e responsável pela implantação da rede ferroviária a partir de 1867. “O Castelo com 900 metros quadrados tem 21 cômodos e o seu desenho e material empregado na construção, são oriundos da Escócia. Os tijolos são de barro e madeira, nos moldes da arquitetura inglesa, as telhas são de “marsella” francesas e os vidros de puro cristal, aumentam ainda mais o valor do palacete.” (PIMENTA, 2013) Atualmente o terreno pertence a construtora Cozsman que pretendia derrubar o castelinho, mas em 2000 a Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico) atendendo a pedidos de moradores, deu início ao processo de tombamento histórico e agora o castelinho divide terreno com dois prédios.

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4. 4. 8. Campo dos engenheiros Integrantes da AEEFSJ (Associação dos Engenheiros da Estrada de Ferro Santos à Jundiaí) fundaram, em 1983 a escolinha de futebol denominada “Futebol Dente de Leite da A.E.E. F.S.J.” (PIMENTA, s/d). Esta escola foi fundada como meio de lazer aos filhos dos operários da linha férrea. O campo foi aberto para toda a comunidade poder usufruir anos após, porém hoje se encontra fechado.

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4. 4. 9. Várzea e Pirituba FC Fundado em 1920 o clube nasceu na Chácara da família Campestrini e hoje se localiza próximo à Estação de Trem no endereço, Av. Cristo Rei, 44 - Vila Pereira Barreto.

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vezes é um dos poucos caminhos acessíveis que a juventude encontra de se manter afastado da criminalidade e se sentir incluso e pertencente a um grupo.

“Sempre lutando com dificuldades o Pirituba FC teve dias de grandes glórias, chegando a despontar como um dos melhores conjuntos do futebol Varzeano Paulista. Teve um período de evidência, quando teve em sua presidência por vários anos o Dr. João Toniolo, hoje não mais residente no Bairro. Com a saída do Dr. João Toniolo, entrou em fase de relativo declínio, vindo a se fortalecer a partir de 1947, quando, então, sagrou-se campeão Lapeano, isto pelos idos de 1948, tendo em sua presidência o Sr. Agostinho Ferrarese. Outras glórias surgiram entre elas a conquista do Campeonato Amador do Interior - Setor 8 em 1956. Era, então presidente o Sr. Ernesto Spínola. Conta atualmente com 350 sócios, entretanto além da prática de futebol de campo, pode hoje proporcionar outras regalias aos seus associados e simpatizantes; convescotes, Bailes e festas de caráter social.” (PIMENTA, s/d) Pimenta ainda nos conta que o time de várzea Comercial FC foi fundado em 1941, como uma resposta de demissionários do Pirituba FC. Isso acirrou uma rivalidade que se prolongou por muitos anos dentro e fora de campo para ser a grande força esportiva do bairro, hoje podemos encontrar muitos outros times de várzea em Pirituba como, por exemplo, XV de Novembro FC, Satélite FC e Estrela FC, todos do Jardim São José; Rio Verde FC, Vila Mirante FC, Unidos FC. O futebol de várzea é extremamente importante para região, tanto para lazer quanto como projeto social, pois por muitas

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4. 4. 10. Fábrica de pianos Fritz Dobbert Há quem diga que a fábrica de pianos Fritz Dobbert era a maior da américa latina, mas não há registros que comprovem esta informação, o que se sabe é que Pirituba abrigou por muitos uma das referências em piano e instrumentos, infelizmente hoje esta fábrica de pianos já não existe mais, foi demolida em Abril de 2015, segundo o portal de notícias Folha Noroeste e sua estrutura foi demolida para dar lugar para construção de prédios. Durante a sua estadia em Pirituba, a fábrica empregou mais de 480 pessoas, segundo dados da mesma Folha Noroeste. (NOROESTE, 2015).

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“Fundada em 1950, na Rua Coronel Xavier de Toledo, no centro, a indústria de pianos Fritz Dobbert começou com 25 funcionários e uma produção de pouco mais de cinqüenta instrumentos por ano. Quando a foto acima foi tirada, em 1965, a fábrica comemorava resultados bem melhores: seus 300 empregados faziam, anualmente, 1 680 instrumentos. Em 1969, a sede da empresa mudou-se para o bairro de Pirituba, onde funciona até hoje em uma área de 27 500 metros quadrados.” (VEIGA, 2009)

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4. 4. 11. CAISM Philippe Pinel Segundo o site da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, o CAISM (Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental) Philippe Pinel foi construído em 1929 por Dr. Pacheco e Silva com o nome de Sanatório Pinel, a finalidade era atender famílias de alto poder aquisitivo. Em 29 de Agosto de 1944, o Sanatório foi adquirido pelo Governo do Estado e passou a se chamar Hospital Psiquiátrico Pinel, e voltou seu atendimento a pessoas de baixa renda, principalmente as com o estado crônicos e voltados ao sexo feminino.

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“...Já existia a Chácara Paraíso que era uma extensão do Hospital Psiquiátrico Pinel, localizada na Vila Clarice a minutos do hospital. O Pinel era formado por 06 pavilhões femininos, já a Chácara Paraíso continha 03 pavilhões, sendo 02 femininos e 01 masculino, além de promover atividades ligadas à pesca e pecuária desenvolvida pelos próprios pacientes internos.” (SAÚDE, s/d) A partir de 1984, passou a atender clientes do sexo masculino e em 1998 a Secretaria de Administração mudou o modelo organizacional, passando a ser um complexo hospitalar. Em 16 de maio de 2008, com o decreto 53.004, o novo organograma hospitalar recebeu a aprovação do governo do Estado de São Paulo e o hospital tornou-se um Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental (CAISM). (SAÚDE,2017) Ainda segundo o site da Secretaria de Estado da Saúde, o CAISM exerce as seguintes funções: “Atualmente, o CAISM Philippe Pinel é um estabelecimento de saúde vinculado a Coordenadoria de Serviços de Saúde, da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, tem por finalidade:

1. Oferecer atenção multiprofissional em saúde mental a pacientes graves e em situação de crise, provenientes da regulação de vagas do Departamento Regional de Saúde (DRS-I) e do CRATOD, no caso da dependência química, que, por serem portadores de transtornos severos ou moderados, agudos ou crônicos, necessitem de tratamento especializado, seja: - Na clínica de dependência química em regime de internação breve; - No centro de referência em transtorno do espectro autista em regime de internação e ambulatorial; - Na enfermaria feminina de curta permanência para transtornos mentais graves; - Na enfermaria da infância e adolescência para portadores de transtornos psicóticos agudos do sexo masculino; - Na clínica de reinserção social de pacientes crônicos em processo de reabilitação psicossocial. 2. Prestar assistência em saúde mental em: - Regime de internação breve e de atenção ambulatorial; - Programa de reabilitação psicossocial e reinserção social aos pacientes crônicos; 3. Oferecer aos usuários serviços de clínica médica, pediatria, odontologia, psicologia, fisioterapia, bem como de oficinas terapêuticas; 4. Integrar-se ao Sistema Único de Saúde - SUS como parte do sistema de referência e contrarreferência; 5. Ser instrumento de referência terciária para a área de sua abrangência;

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6. Promover a qualidade da assistência, aperfeiçoando e desenvolvendo recursos humanos; 7. Participar do processo de transformação da assistência em saúde mental na seguinte conformidade: - Implementando o modelo assistencial humanizado, garantindo a proteção e direitos dos cidadãos de acordo com a Lei 10.216/2001; - Evitando a cronificação e o hospitalismo nos casos agudos; - Promovendo a desinstitucionalização de acordo com a Portaria n. 2840 de 29 de dezembro de 2014, que cria o Programa de Desinstitucionalização, integrante da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).” (SAÚDE, s/d) // Não é permitido fotografar dentro do hospital // 192

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4. 4. 12. Casa de Nassau Segundo artigo escrito por Lucas Wrigg para o site Pirituba Net, em 23 de fevereiro de 1927, imigrantes holandeses passaram a se reunir para celebrar sua cultura e amenizar a saudade de sua terra natal. Começaram a reproduzir peças teatrais e fomentar bailes, formando assim a Sociedade Holandesa. A casa de Nassau foi fundada a partir da compra do imóvel em 21 de março de 1957. Este imóvel foi construído e pertenceu ao inglês Sr. Aleck Martin Wellington, superintendente da São Paulo Railway, primeira ferrovia do Brasil. (WRIGG, s/d) // Não é permitido fotografar dentro do clube //

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4. 4. 13. Biblioteca Brito Broca

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Segundo o site da Cultura da Prefeitura de São Paulo, a construção da biblioteca foi finalizada em 19 de março de 1965, e era chamada de Biblioteca Infantil de Pirituba, mas não pode inaugurar por falta de funcionários. O espaço foi usado como sede administrativa da então subprefeitura regional Pirituba/Perus (Anos depois Perus conseguiu se emancipar e hoje temos a Regional de Pirituba/Jaraguá). (CULTURA, 2008) Foi no dia 1º de março de 1971, que as atividades da biblioteca finalmente deram início, mas trazia o nome do jornalista e romancista Orígenes Lessa, o prédio ainda era dividido com a subprefeitura regional que funcionava no andar de cima. (CULTURA, 2008) A Secretaria de Cultura também nos conta que houve um grande crescimento populacional em Pirituba nas décadas que se decorreram, com isso começaram muitas construções de escolas públicas e privadas, isso foi fundamental para o aumento de frequentadores da Biblioteca. Em 2005 com o surgimento do Sistema Municipal de Bibliotecas a Orígenes Lessa passou a se chamar Biblioteca Municipal Brito Broca nome dado em homenagem à um importante Jornalista e Crítico Literário. (CULTURA, 2008) A Secretaria da Cultura finaliza nos dizendo que hoje a Biblioteca recebe muitas visitas monitoradas de escolas infantis do bairro e com isso muitas atrações teatrais, circenses, literárias e musicais durante a semana e todo o acervo da biblioteca conta com mais de 38 mil exemplares multimídias e computadores com acesso à Internet, além de hoje dividir prédio com um Espaço Cultural.

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4. 4. 14. Lanifício Pirituba Fábrica de tecidos fundada por Mr. North, um empresário inglês que adquiriu o terreno da fazenda Barreto. Foi devido a esta fábrica que a energia elétrica também chegou ao bairro, em 1927, ligação feita da rede do Piqueri. (PIMENTA, s/d.) Este trecho retirado do portal de notícias Pirituba Net relata muito bem o processo histórico da fábrica de tecidos.

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“Trabalhei em uma das fases da Indústria de Móveis Bandeirantes, que no início fundada pelo Comendador José de Mattos como uma pequena madeireira, até entrar no ramo de móveis. Após a sua morte foi assumida pelos Herdeiros e passou por várias transformações, mudando o nome para J.Mattos com móveis padrão, e depois para Composit móveis planejados onde, quase entrando em falência, foi vendida ao grupo Italma e passou a produzir ali naquele local vários tipos de móveis do mesmo grupo, produzindo cadeiras de cinemas teatros com o nome de Ideal. A Italma produzia divisórias para escritórios, cadeiras, armários e gaveteiros, dentre outras que acabaram não dando certo, até que o grupo faliu e pediu que seus funcionários procurassem seus direitos, e eu fui uma delas na época. Hoje o local tem um centro comercial de boxes alugados, mas deixou muitas saudades a todos da região, pois muitos passaram por ali em seus primeiros empregos, já que foram dadas muitas oportunidades a jovens de 14 anos em diante. Acho interessante compartilhar com vocês do Pirituba Net, já que o Comendador José de Mattos foi um dos fundadores da Vila Clarice. Envio uma foto muito antiga que tenho do local e guardo de lembrança. Espero ter contribuído, grata.” (FREDERICO, s/d. apud PIMENTA, s/d.)

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4. 4. 15. Mercado de Pirituba Segundo o site da Prefeitura o mercado municipal de Pirituba foi inaugurado em 12 de outubro de 1972 ocupa uma área de 10 118 m², idealizado e projetado por Abelardo Riedy de Souza, a cobertura do mercado, por suas características incomuns, fez desta obra uma das mais importantes realizações no setor de construção de edificações. “O projeto ganhou, na década de 70, dois prêmios internacionais de estrutura, no México e no Japão.” (PREFEITURA, 2013)

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4. 4. 16. Cine São Luís, Paradise Club e Piritubão O prédio foi construído na década de 40 junto com a igreja que carrega o mesmo nome, por muito tempo foi um cinema, mas com o tempo perdeu força e se transformou no Paradise Club, como nos conta PIMENTA (s/d). Felizmente a estrutura sofreu poucas modificações e ainda está em pé, não foi demolido como tantas outras estruturas importantes para o bairro de Pirituba. Durante muito tempo o Paradise Club foi concorrência para o Piritubão, local onde aconteciam os bailes de Pirituba. Os bailes aconteciam na quadra do clube Pirituba FC.

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4. 4. 17. Terminal de Ônibus Pirituba

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De acordo com o site da Viação Santa Brígida, responsável pelo controle das linhas que atendem a região de Pirituba o terminal de ônibus foi inaugurado em 14 de dezembro de 2003 durante a gestão da Marta Suplicy (2001-2004). Foi parte de um projeto que criou os “passa rápido” que hoje é conhecido como “corredor de ônibus”. Nesta mesma data de inauguração do primeiro terminal de ônibus da zona noroeste, também foi inaugurado o primeiro corredor de ônibus da região, denominado inicialmente como “Pirituba / Lapa / Centro” (SILVA, 2012). O corredor sai do terminal Pirituba e passa pela Av. Miguel de Castro depois pela Av. Cabo Adão Pereira seguindo até a Av. Edgar Facó passando pela Ponte do Piqueri e Av. Ermano Marchetti já no bairro da Lapa onde na mesma data foi inaugurado o terminal de ônibus de mesmo nome do bairro. O corredor segue pelas ruas Monteiro de Melo, Clélia, Carlos Viccari e Guaicurus, caindo na Av. Matarazzo, nos bairros da Água Branca e Barra funda seguindo até o centro pelas avenidas Gal. Olímpio da Silveira, São João e Amaral Gurgel. (SILVA, 2012). Hoje este corredor é conhecido como “Corredor Pirituba-Centro”. O terminal de Ônibus funciona vinte e quatro horas e conta com 26 linhas diurnas e 9 noturnas, atendendo quase toda a Zona Norte e Oeste.

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4. 4. 18. Instituto Federal de Tecnologia Inaugurado com a primeira audiência pública que orientou como funcionaria a instituição e como deveriam ser feitas as inscrições realizadas em 24/07/2016 (IFSP, 2015), o Instituto Federal de Tecnologia (IF) é a primeira instituição de ensino superior localizada no bairro, além de de oferecer cursos tecnólogos e livres gratuitamente para a população. // Não é permitido fotografar dentro do instituto //

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5. Resultados da Pesquisa

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Com base nas entrevistas, podemos concluir que as culturas de matrizes africanas estão presentes na construção social do bairro de Pirituba. Podemos conectar esta presença cultural e social com os períodos de exploração de ouro e produção de café que trouxe para o bairro o trabalho escravo, majoritariamente destinados aos escravos africanos. Esta presença ancestral está mais evidente nas falas dos convidados, Paula D’Oya e Michel Yakini que viveram boa parte de sua infância no Santa Mônica, região mais próxima do Pico do Jaraguá e da rodovia Anhanguera. O Santa Mônica, segundo os entrevistados, possui evidências de resistência cultural por parte do que podemos chamar de “Quilombo” não oficial e esta localização geográfica, próximo ao interior de São Paulo e marginal Tietê, próximo a antigas fazendas, ao pé do Pico do Jaraguá onde se explorou ouro por certo tempo e ainda há a estrutura da residência do bandeirante Afonso Sardinha, nos dá margem para imaginar que dentro daquela zona de mata atlântica existiu algum quilombo, ainda não documentado, mas com fortes indícios e evidências. Das evidências mais contundentes, podemos levantar a presença de grupos de samba como, por exemplo, o “Bloco da Vovó Bolão” e o “Prova de Fogo” que foram criados e fomentados por uma comunidade majoritariamente negra, como forma de transmitir conhecimentos em costura, instrumentos musicais, alegorias e todos os elementos que permeiam o carnaval. Também devemos levar em consideração a presença das benzedeiras e dos terreiros de candomblé e umbanda que vem sendo sufocados pelo crescimento veloz das igrejas evangélicas. Uma das grandes dificuldades em afirmar estes quilombos está na falta de documentação e registros escritos como foi dito por Michel, as pessoas vivem a cultura e o momento, mas

não possuem instrumentos adequados ou não veem a necessidade de registrar e documentar o que está sendo vivenciado, pois é algo natural viver aquilo e nosso cotidiano, por muitas vezes não nos parece digno de registros, pois não há novidade. Isso faz com que as histórias fiquem no campo oral, dos mais velhos contando para os mais novos e assim sucessivamente. A transmissão de história por meio da oralidade pode ser considerada frágil, pois fica na responsabilidade de quem conta a veracidade e a quantidade de detalhes que esta história terá. Quando não há registro escrito, essas histórias podem ser distorcidas a favor de alguém ou de algum ideal ou simplesmente esquecidas. Hoje muitas culturas se sustentam ainda na oralidade como meio principal de transmissão, mas não abrem mão do conteúdo documentado em escrita e/ou em audiovisual, como é o caso de duas culturas negras muito presentes na região, o Hip-Hop e o Sarau. O bairro de Pirituba ficou muito conhecido no cenário nacional do RAP, como nos lembra o entrevistado Guma, por conta de um grupo chamado RZO (Rapaziada da Zona Oeste) composto por Helião, Sandrão, DJ Cia e por um tempo a presença de Negra Li. O grupo RZO é considerado um dos maiores grupos de RAP do Brasil, e o RAP principalmente nos anos 90 foi responsável pela documentação histórica do cotidiano e dos problemas vividos nas periferias, essa presença de um grupo de proporção nacional fez crescer em muitos jovens do bairro a vontade de registrar e relatar os problemas e a história do que viviam e esse passo foi muito importante para o começo de uma consciência e vontade de mudança no que estava sendo narrado. Hoje podemos ver esses resultados do RAP dos anos 90 na quantidade de grupos de RAP na região, na batalha de rimas improvisadas de Pirituba que acontece na saída da estação de trem embaixo do viaduto todas as terças-feiras das 20h00 até


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as 22h00. Essa batalha é um dos braços da manutenção da cultura, pois é organizada e realizadas por jovens que lutam para manter viva a tradição e passar adiante o que foi aprendido, felizmente tudo está sendo documentado em vídeos postados em um canal do youtube e no facebook. A vertente da poesia falada também pode ser encontrada em bares, como é o caso dos saraus de poesia que também tiveram sua grande ascensão nos anos 90. Os saraus podem ser vistos como uma luta por espaço para arte e também uma evidência da falta de espaço para a arte nas periferias, pois contrariando as expectativas, foi em bares, “escadões” e outros lugares “inapropriados” que essa cultura encontrou seu espaço, por exemplo, o sarau “Elo da Corrente” organizado por Michel Yakini que acontece todas as quintas-feiras no “Bar do Santista” há mais de dez anos ou “Cravo Branco” organizado por Paula D’Oya. Os saraus, assim como o RAP, são formas democráticas e acessíveis de transmitir a arte presente na periferia, pois não é preciso mais que caneta, papel e espaço para que estes eventos ocorram, assim como o RAP, as documentações históricas dos saraus também vem sendo feitas por vídeos postados na internet e trabalhos acadêmicos. Outro braço da cultura Hip-Hop que cresceu em Pirituba foi o Graffiti que hoje é responsável por muitos eventos culturais, oficinas e articulações para manutenção, cuidado e revitalização do espaço público do bairro, como nos diz o convidado Dinas. Os muros se tornam até ponto de referência e os eventos fazem com que grafiteiros e moradores de outros bairros se desloquem para conhecer os espaços e essa troca de ideias e vivências é algo que traz a união necessária para que a vontade de transmitir a cultura pra frente permaneça viva. Através do graffiti, Dinas e outros grafiteiros transmitem as ideias do resgate ancestral e pode ser encaixado também como meio registro histórico, não precisa ser com palavras, pode ser com imagem, tinta e

foto, mas precisa ser documentado. Outra evidência da cultura negra e da escassez de equipamentos públicos adequados para as práticas culturais é a presença forte do futebol de várzea, que nasceu com a proposta de operários sem muitas condições financeiras se divertirem às margens do rio Tietê em campos de várzea, que eram terrenos planos e cultiváveis em beiras de rios (SIGNIFICADOS, 2014). Hoje os campos de várzea já não estão mais ligados às margens de rios e possuem outros patamares de importância social, estes times disputam campeonatos amadores estaduais patrocinados por empresas como, por exemplo a “Copa Danone”, antiga “Copa Kaiser”, levando o nome de seu bairro estampado no uniforme como forma de orgulho. Em Pirituba há muitos times de prática amadora, e com muitas finalidades sociais de evitar o contato direto da garotada com o tráfico de drogas, como nos lembra Adenelson. É na várzea que muitos jovens encontram seu local de pertencimento e seus meios de entretenimento e diversão, alguns recebem até ajuda de custo para permanecerem disputando os campeonatos. A falta de incentivo e verba destinada à cultura é algo evidente, não há, por exemplo, uma “Casa/Fábrica de Cultura Pirituba” ou qualquer outro equipamento financiado pelo órgão público, as iniciativas de espaço de compartilhamento de cultura existentes são agitadas pelos próprios moradores através de coletivos, como é o caso do anexo cultural, que era um espaço abandonado e divide terreno com a biblioteca Brito Broca, como lembra Guma. Locais abandonados e estruturas históricas fechadas, comprometidas ou demolidas também é algo comum no bairro de Pirituba, hoje temos o Castelinho de Pirituba que é fechado ao público e divide terreno com duas torres residenciais, o Casarão da Anastácio que é fechado ao público e está caindo aos pedaços, este espaço já recebeu propostas de revitalização para transformá-

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-lo em centro cultural ou algum espaço útil, mas ninguém obteve sucesso e me arrisco a dizer que ele só está “em pé” porque é tombado pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio (Conpresp), coloco nesta conta a Fábrica de Pianos Fritz Dobbert que foi demolida para dar espaço à mais torres residenciais, Galeria Narciza que está fechada há mais de 15 anos e aprisiona longe do público mais de 150 obras do pintor Henrique Manzo. Podemos ligar estes espaços sem visibilidade com o descaso que temos com a nossa história e passado e à falta de verba pública destinada para o bairro, mas a dúvida que fica é em torno do motivo que faz com que as prefeituras regionais não cedem os espaços à coletivos que se propõem a cuidar dos locais com dinheiro de editais. As ações culturais também ficam por conta das escolas, como nos conta Neide, que não recebe a quantidade de verba necessária para que sejam realizadas de maneira adequada, os grupos precisam se manter a base de editais de fomento à cultura como, por exemplo, VAI, Proac e Lei de Fomento à Periferia, o problema é que não é garantia e a falta de segurança na continuidade da verba para a manutenção do projeto desanima e deixa os equipamentos obsoletos, como nos lembra Guma e Neide em suas entrevistas. A falta de verba atinge outros setores de serviço público também, mas Joana, Michel, Neide e Adenelson nos lembram das melhorias que vieram com o tempo, se compararmos as condições atuais aos relatos coletados nas entrevistas, onde não havia asfalto ou saneamento básico em muitos lugares do bairro em plenos anos 80, de lá para cá chegou asfalto, saneamento, hospitais, delegacias e comércios como, por exemplo, muitas lojas de roupa, padaria, farmácia, cabeleireiros, agências bancárias, supermercados e outros tipos de serviços que aumentaram no bairro, mas ainda não atinge as demandas do contingente populacional inflado.

Quando olhamos para o tamanho geográfico que está sob supervisão da subprefeitura de Pirituba, com informações retiradas do site da Prefeitura de São Paulo nos apontam dados como: Jaraguá: 27,6 km² e 6 696 habitantes por km²; Parque São Domingos: 10 km² e 8 484 habitantes por km²; Pirituba: 17,1 km² e 9 821 habitantes por km²; Somados: 54,7 km² e média de 25 000 habitantes por km². Vemos proporções tanto geográficas quanto habitacionais maiores que muitas cidades do estado de São Paulo, porém as verbas destinadas a este território são verbas que se destinam a bairros. O tamanho talvez seja um dos fatores mais problemáticos para quem mora em Pirituba, pois muitas vezes você demora 30 minutos apenas para sair do bairro, talvez uma solução eficaz seja o desmembramento desses sub bairros como diz Neide, formando três bairros com suas próprias subprefeituras atendendo suas próprias demandas, isso não seria novidade, pois em 1930 Pirituba pediu emancipação do bairro da Freguesia do Ó pelo mesmo motivo, a falta de atendimento quando o assunto são as necessidades básicas (Este pedido foi atendido em 1936 e Pirituba se tornou o 32ºSubdistrito da capital). Este inchaço vai ficar maior com o tempo, devido ao interesse crescente das empreiteiras para as construções de prédios na região, é comum passar na rua e ver locais que eram galpões com placas de futuros lançamentos de imóveis. As dúvidas que ficam são ao redor de planejamento e respeito com as áreas verdes ainda preservadas no bairro. Por conta dessas faltas, as lutas sociais também são marcas presentes no bairro como, por exemplo, nos relata Tereza e Adenelson. As lutas vão desde invasão de terras para obter direitos por moradia até demarcação de terra dos indígenas de etnia Guarani que resistem em suas aldeias no Pico do Jaraguá, hoje temos registradas quatro aldeias, Tekoa Pyau,

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Itakupé, Itawerá e Ytu que precisam ainda hoje lutar pelos seus direitos de permanecerem no pouco espaço de terra destinado a eles e recentemente houve mais uma ameaça de diminuição destes espaços com o governo de Geraldo Alckimin e sua PEC 215 que previa a diminuição da área demarcada e destinada aos povos Guaranis do Jaraguá. Pouco sabemos e encontramos sobre a história indígena na região, ou seja, sobre lutas, perdas, conquistas, guerras, etc. Pois não é algo transmitido nas escolas, aprendemos sob a óptica dos colonizadores e pouco damos recebemos da versão dos colonizados, assim como acontece com os povos de origem africana, mas sobre esse tema é com muito pesar que eu encerro este projeto sem ter conseguido entrevistar nenhuma liderança. Sobre um dos aspectos mais positivos do bairro, podemos destacar a quantidade de área verde ainda presente na região por conta dos parques e do Cinturão Verde, uma área de mata Atlântica preservada ao redor do Pico do Jaraguá.

6. 1. 3. Transcrição:

6. Requisitos para o projeto

Noções de software de edição de fotos para a correção de resultados indesejados e ajustes para o refinamento das imagens obtidas.

6. 1. Pesquisa 6. 1. 1. Metodologia de Pesquisa:

Estudos sobre história oral para transcrever as entrevistas de maneira ética e sem distorção do que foi dito.

6. 2. Fotografia O Projeto final tem ao todo 220 fotos, 199 delas fotografadas pelo pesquisador e 21 fotos antigas, resgatadas.

6. 2. 1. Câmera: As aulas de fotografia somadas a prática externa ao longo do período de graduação deram a noção necessária para manusear a câmera, ou seja, como ajustar o enquadramento, diafragma, iso e obturador, assim pude obter os resultados que melhor atendeu a linguagem estética prevista.

6. 2. 2. Edição:

Por conta das aulas de metodologia de pesquisa e das orientações individuais, pude ter a noção de onde e como procurar as informações que precisava para sustentar e argumentar meu projeto de maneira sólida e consistente.

6. 3. Ilustração

6. 1. 2. Entrevistas:

Para criar a narrativa e a estética desejada, foi necessário noção básica para escolher o material utilizado para o processo de ilustração, pensando no resultado final. Muitos rascunhos foram realizados e ao final a seleção dos que mais se encaixavam na proposta narrativa.

Estudos sobre história oral como metodologia e formas eficazes de conquistar a confiança dos entrevistados para coletar informações necessárias para o andamento do projeto.

O Projeto final tem ao todo 65 Ilustrações

6. 3. 1. Noções de desenho e material:

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6. 3. 2. Finalização de arte e montagem dos cartazes: Noções de software para realizar a arte e a edição das artes digitais para montar os cartazes.

6. 3. 3. Teoria da cor: Dividi o círculo cromático por 9 e defini as cores dos cartazes pela ordem dos livros que começa com as fotos antigas, em seguida a história do bairro e as entrevistas em ordem alfabética até fechar o círculo cromático.

6. 4. Tipografia 6. 4. 1. Mancha de texto: Noções tipográficas para escolher a fonte que melhor se encaixa na proposta do projeto, levando em consideração a linguagem estética de remeter ao passado, ou seja, fonte serifada e a grande quantidade de conteúdo textual que para baratear o custo do projeto precisava funcionar em tamanho 8 ou 9 pontos (3 milímetros) diminuindo o volume de material impresso sem prejudicar a qualidade de leitura do usuário. A serifa foi requisito básico para a escolha da fonte, pois ela proporciona a sensação de linha e facilita as leituras corridas e longas.

6. 4. 2. Família tipográfica: 218

A família tipográfica escolhida foi a Roboto Slab que proporciona boa leitura em tamanhos menores por conta da serifa e do volume da fonte, além de possuir grande variedade de estilos (Thin, Light, Regular e Bold) o que possibilita diferenciar texto, legenda, título e subtítulo sem precisar mudar de fonte.

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margem superior: 2,3 cm margem externa: 1,8 cm

6. 5. Editorial

7. Documentação do Projeto

6. 5. 1. Diagramação:

7.1. Ilustrações

Pensadas para o conforto do leitor, as margens respeitam os espaços necessários para segurar os livretos sem que o dedo fique na frente do texto. Parágrafos justificados (alinhado em ambas as margens), para que a mancha textual fique mais linear, contínua e confortável aos olhos. A grande quantidade de textos fez com que essa escolha fosse por parágrafos justificados, pois assim pude ajustar mais conteúdo em uma só página.

6. 5. 2. Formato: Os livros tiveram seu formato 12,3 cm x 17,7 cm pensando na facilidade de carregar dentro de bolsas, mochilas e sacolas. 220

6. 5. 3. Impressão: O tipo de papel e tipo de impressão influenciam muito no resultado final. O projeto foi pensado para conversar com tipo de papel mais poroso e impressão opaca, para ativar tanto o tato quanto às noções de passado, onde não havia impressão a laser e sim a base de tinta.

6. 5. 4. Projeto e identidade visual: O projeto foi pensado para funcionar em fragmentos ou completo. Cada livreto é um produto que fala por si só, mas também é fragmento do produto final, um box representando o espaço geográfico que é o bairro que reúne todas as histórias coletadas e unifica dentro da identidade visual do projeto. margem interna: 2,4 cm 4 colunas com espaçamento de 0, 42 cm entre elas.

margem inferior: 2,4 cm




7. 2. Cartazes



7. 3. Produto Final

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8. Estudos de Concepção 8. 1. Rascunhos das Ilustrações Alguns esboços feitos com caneta nanquim, escaneados e tratados para melhorar a visibilidade.

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Lista de Imagens fig 1. Pico do Jaraguá visto de cima do viaduto da Av. Raimundo Pereira de Magalhães. Também podemos ver a linha de trem da linha 7-Rubi, linha Santos/Jundiaí. fig 2. Casa que pertenceu ao bandeirante Afonso Sardinha, dentro do Parque Estadual do Jaraguá. A casa é fechada para o público. fig 3. Tanque usado para lavar terra em busca de ouro na épo-


ca da exploração no Pico do Jaraguá. fig 4. Trilha do Pai Zé, por ela é possível subir até o topo do Pico do Jaraguá. fig 5. Ao final da Trilha do Pai Zé é possível subir a escadaria para chegar até a antena e ponto mais alto do Pico. fig 6. Do meio da escadaria já é possível ver o bairro de Perus. fig 7. Banheiro e varal da aldeia Tekoa Itakupé. fig 8. Casa de reza da aldeia Tekoa Itakupé. fig 9. Mulher Guarani pinta visitante. fig 10. Jovens Guaranis dentro da casa de reza. fig 11. Mulher Guarani vende artesanatos com criança no colo. fig 12. Homem Guarani leva lenha para cozinha. fig 13. Estação de trem vista da Av. Raimundo Pereira de Magalhães fig 14. Linha férrea vista da Av. Raimundo Pereira de Magalhães. 15 e 16. Castelinho de Pirituba visto da Av. Raimundo Pereira de Magalhães.. fig 17. Campo dos Engenheiros visto da Av. Raimundo Pereira de Magalhães. fig 18. Jogo entre Comercial na arquibancada. fig 19. Preparado para bater a falta. fig 20. Torcida do Comercial de Pirituba chega para o jogo no Centro Esportivo Pirituba. fig 21. Após o jogo, saindo de campo. fig 22. Quadra do Pirituba F.C. fig 23 e 24. Terreno vazio onde era a fábrica de Piano Fritz Dobbert. fig 25 e 26. Entrada do CAISM Phillipe Pinel. fig 27. Salão dentro da Casa de Nassau. fig 28 e 29. Moinho da Casa de Nassau. fig 30 e 31. Entrada da Biblioteca Brito Broca. fig 32. Elevador que daria acesso a cadeirantes fora de serviço. fig 33. Entrada da Biblioteca Brito Broca. fig 34. Interior da Biblioteca. fig 35. Vista da Biblioteca para o Pico do Jaraguá.

fig 36. Shopping Pirituba, antigo Lanifício Pirituba, visto do estacionamento fig 37. Shopping Pirituba, antigo Lanifício Pirituba, visto de sua entrada printipal fig 38 e 39. Mercado de Pirituba visto de seu estacionamento. fig 40 e 41. Fachada do antigo Cine São Luiz fig 42. Entrada do clube Pirituba F.C. ou Piritubão. fig 43. Vista da Av. Raimundo Pereira de Magalhães para o Terminal de Ônibus Pirituba. fig 44. Vista da Av. Raimundo Pereira de Magalhães para o Terminal de Ônibus Pirituba e para um trecho da Av. Dr. Felipe Pinel que da acesso à Estrada Turística do Jaraguá. fig 45. Ao fundo, atrás das grades o prédio do Instituto Federal de Tecnologia. fig 46 e 47. Fachada do Instituto Federal de Tecnologia.


Anexos Termos de autorização assinados e escaneados.


Elaborada pelo sistema de geração automática de ficha catalográfica do Centro Universitário Senac São Paulo com dados fornecidos pelo autor(a). Rozante, Lucas Torres Querida Pirituba - Design Editorial / Lucas Torres Rozante - São Paulo (SP), 2018. 256 f.: il. color. Orientador(a): Anderson Luís da Silva Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Bacharelado em Design Gráfico) - Centro Universitário Senac, São Paulo, 2018. Pirituba Editorial Ilustração História Local Registro I. Silva, Anderson Luís da (Orient.) II. Título


Mata Atlântica // Infância // Cultura Negra // Samba // RAP // Sarau.

Povos Guarani // Exploração de Ouro // Fazendas de Café // Fábricas

Pirituba // 133 anos

QUERIDA PIRITUBA


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