Raquel Takeshita Carbone
Raquel Takeshita Carbone 1
Elaborada pelo sistema de geração automática de ficha catalográfica do Centro Universitário Senac São Paulo com dados fornecidos pelo autor(a). Takeshita Carbone, Raquel Por trás da história: Bertolina, doentinha? / Raquel Takeshita Carbone - São Paulo (SP), 2019. 128 f.: il. color. Orientador(a): Maria Eduarda Guimarães Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Design Gráfico) Centro Universitário Senac, São Paulo, 2019. 1. Design Gráfico 2. Editorial 3. Gordo 4. Feminino 5. Doença I. Guimarães, Maria Eduarda (Orient.) II. Título
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Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau em Bacharelado em Design - Linha de Formação Específica em Design Gráfico Orientadora: Prof. Maria Eduarda Guimaraes
Raquel Takeshita Carbone São Paulo, 2019.
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Raquel Takeshita Carbone
Por trás da história: Bertolina, doentinha? Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau em Bacharelado em Design - Linha de Formação Específica em Design Gráfico Orientadora: Prof. Maria Eduarda Guimaraes
A banca examinadora dos Trabalhos de Conclusão, em sessão pública realizada em ______/______/______ , considerou o(a) candidato(a):
1) Examinador(a) 2) Examinador(a) 3) Presidente
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Viver com medo do nosso corpo e da nossa vida não é viver. As conseqüentes neuroses de medo da vida estão por toda parte. Naomi Wolf
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resumo Esta pesquisa foi feita para embasar a criação de um livro infantil que tem como foco principal o questionamento da patologização dos corpos gordos femininos, para isto, foi levantado alguns pontos sobre a influência da indústria da beleza e suas interferências no olhar médico e popular dos parâmetros de saúde. Além disso, foram estudados diversos depoimentos de mulheres gordas influenciadoras da internet sobre algumas experiências, traumas ou reflexos que estas construções sociais dos corpos gordos tiveram sobre suas vidas. Desta forma, foi realizado um debate sobre o que seja a real saúde e se ela se faz apenas pelos corpos das pessoas. A escolha do público infantil se deu pela falta de conteúdos sobre corpos gordos e pela abertura das crianças de questionarem o mundo, ainda mais por ser, na infância, os primeiros contatos com os preconceitos da sociedade e onde se inicia a formação subjetiva dos indivíduos. Palavras-chave: 1. Design Gráfico 4. Feminino
2. Editorial 5.Infantil
3. Gordo 6.Doença
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sumรกrio
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13 Introdução Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 5 Justificativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 6 Procedimentos metodológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 7 19 O que é beleza? Filósofos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 3 Cientistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 7 Padrão de beleza
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41 Beleza contra as mulheres Influências da mídia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 7 Mídia hoje . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 O que é saúde?
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Medicina Chinesa
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Consequências das pressões estéticas
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79 Mercado Editorial Análise da pesquisa de campo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2 87 Sobre o Projeto Design Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 1 Requisitos para o projeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 1 Estudos de Concepção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 2 Estudos de Tipografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 3 Desesnvolvendo o livro infantil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 4 Memorial Descritivo
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Documentação
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Considerações Finais
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Reffrências
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Lista de Imagens
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introdução
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OBJETIVOS Este projeto tem como objetivo principal o levantamento de questionamentos sobre o atual paradigma de patologização do corpo gordo feminino. Para isto, pretende-se contextualizar o tema, pesquisando a formação de alguns pré conceitos chaves para que nosso olhar a estes corpos nos faça vêlos como doentes. Desta forma, pretende-se estudar e compreender como as duas principais temáticas padrão de beleza e saúde - trabalham para a formação do nosso olhar. Estes conhecimentos foram aplicados na criação e embasamento do produto final do TCC, no qual objetivou-se produzir uma peça gráfica que tenha como principal atributo o incômodo do leitor com a história. Quanto aos objetivos específicos, podemos dividilos em duas categorias: História e Mercado. História: entender como o tema foi e é construído na cultura popular, atentando-se, principalmente, às influências do padrão de beleza e dos conceitos de saúde. Mercado: estudar como o mercado editorial infantil, de 5 à 7 anos, aborda o tema e como produzir um material que levante questionamentos sobre este paradigma neste mesmo público.
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JUSTIFICATIVA A obesidade não é um problema recente. Há anos ela é considerada uma doença muito preocupante a ser combatida. Na verdade, “A Organização Mundial de Saúde aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo” (ABESO, 2019) e apesar de a luta contra esta doença ter tido seu início já há várias décadas, o número de pessoas obesas não parece estar diminuindo, aliás, o extremo oposto aparenta estar ocorrendo. As projeções indicam que, por volta do ano de 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso e mais de 700 milhões obesos (ABESO, 2019). O questionamento que fica é: porque este problema não parece diminuir, mesmo com tanto alarde quanto à doença? Não menos importante, é preciso notar que apenas 4% das mulheres se considera bonita, segundo uma pesquisa intitulada A Verdade Sobre a Beleza, realizada pela marca Dove (EXAME, 2018). Muito da autoestima das mulheres está intimamente ligada ao seu corpo, principalmente ao seu peso. Em meio a uma sociedade que consideram belas e saudáveis somente as mulheres magras, o peso se torna um vilão e motivo para muita autodepreciação. Esta é uma problemática facilmente visível em notícias como esta: “Simone diz ter autoestima baixa e que vai tentar emagrecer: Cantora, que faz dupla com Simaria, disse não ter coragem de colocar biquíni por causa do corpo” (GAZETA, 2019). Nesta mesma matéria, a cantora diz que o excesso de peso a faz ter uma baixa auto-estima e que está decidida a emagrecer para melhorar sua saúde, apesar de nenhum 16
problema de saúde por conta do sobrepeso, além de “azia”, ter sido mencionado. Sendo assim, a justificativa deste projeto gira em torno da relevância de se questionar os paradigmas sobre gordura e saúde, na procura de métodos que realmente consigam trazer mudanças - diferente do que estamos vendo até então com as políticas antiobesidade que não parecem surtir efeito no peso mas recaem fortemente na auto estima das mulheres. Uma discussão ainda recente e que necessita de mais conteúdo para se fortalecer, principalmente no campo infantil, que é onde a cabeça da criança sobre o mundo e sobre si mesma está em intensa formação. O propósito aqui não é, necessariamente, apresentar verdades absolutas ou soluções permanentes aos problemas, o único propósito é fomentar uma discussão que disseque as inúmeras e complexas idéias que a frase “a gente não fala isso só por estética, mas pra ela ter saúde, a gente fica preocupada” (GAZETA, 2019) traz, uma frase muito ouvida por pessoas gordas e que as afeta profundamente.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A pesquisa deste trabalho foi realizada através de livros, artigos acadêmicos, sites e vídeos no Youtube. Para ajudar a nortear o projeto, foram feitos alguns rascunhos de potenciais personagens para o produto final. Para construir uma história em cima do tema “despatologização dos corpos gordos”, foi feita uma pesquisa sobre o assunto, abordando as construções sociais da indústria da beleza, seus reflexos nos padrões de saúde e as influências destas construções na vida de mulheres gordas. Analisar livros ilustrados sobre o tema foi crucial para desenvolver um olhar técnico e crítico quanto a estética e construção narrativa destes. Canais do YouTube que deram voz a estas minorias, tornando-se uma ferramenta crucial para o contato de diversos depoimentos e experiências destas mulheres, contribuíram fortemente para o entendimento do assunto. Os livros Corpo Território da Cultura (BUENO; CASTRO, 2005), Corpos de Passagem (BERNUZZI, 2001) e O Mito da beleza (WOLF, 1992) foram essenciais para a construção da base teórica da pesquisa, uma vez que trata dos corpos em uma perspectiva histórica, com riqueza de detalhes, e com olhares críticos sobre a construção deles em nossas sociedades. Para o desenvolvimento do livro infantil (produto), foi feito um design da personagem, utilizando como referência, de cores e formatos, livros infantis do estilo
do Ernesto, de Blandina Franco. Depois de definir a aparência, foram criados nome, personalidade e a história desta personagem, tendo como base vivências pessoais, depoimentos de mulheres gordas e os estudos feitos neste projeto. Quanto a história principal, foi feito o roteiro e em seguida o storyboard. Após o storyboard, foram feitas as artes finais e a montagem editorial.
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O QUE É
BELEZA?
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O termo beleza é muito utilizado na contemporaneidade e vem ganhando muito destaque com as recentes ondas de body positive e movimentos sobre a real beleza feminina. Contudo, este é um termo que nos custa muito a compreender ou definir. A definição da palavra beleza, segundo o dicionário etimológico online Michaelis, é: Característica do ser ou daquilo que apresenta harmonia de proporções e perfeição de formas; caráter do ser ou da coisa que desperta admiração ou sensações agradáveis; qualidade de um ser ou objeto que suscita sentimentos de elevação ou simpatia por seu valor moral ou intelectual. (MICHAELIS, 2019)
Esta definição é uma síntese de um conceito muito complexo e que nos faz desejar descrições mais profundas. Como a beleza é percebida? Como ela afeta nossos cérebros? Quais parâmetros utilizamos no momento de definir se algo é belo ou não? Estas são perguntas que filósofos e cientistas buscaram e continuam se esforçando para compreender.
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Sendo assim, é possível identificar que, para Platão, a Beleza apenas encontra-se no mundo ideal das formas, e, portanto, algo que não pertence ao mundo terreno, algo que transcende o mundo sensível em que vivemos. No Banquete, Platão nos dá uma descrição detalhada do belo:
Filósofos A concepção clássica, nascida na Grécia antiga, trata a beleza como uma questão de estabelecer proporções definidas ou relações entre partes, algumas vezes expressas em proporções matemáticas, por exemplo a ‘proporção áurea’. Contudo, a discussão básica da teoria da beleza no campo filosófico circunda-se na idéia de que a beleza seja uma característica subjetiva, dada pelos “olhos do observador”, ou objetiva, contida nas coisas belas. A questão, portanto, é “se as coisas são belas porque dão prazer, ou se dão prazer porque são betlas”1 (SARTWELL, 2017, tradução nossa). Até o século XVIII, a maioria dos pensadores a tratavam como uma qualidade objetiva, contida no objeto ou em suas qualidades. O primeiro filósofo a tratar do assunto foi Platão (427 a.C.-347 a.C.), que descreve a beleza de acordo com sua teoria das Formas, como explica A. Freire em As ideias estéticas de Platão, como segue abaixo: Platão compreendeu, logo de início, que a beleza era coisa demasiado inacessível. Fascinado pelo mundo ideal das Formas, que lhe tolheram despòticamente todo o atrativo para os múltiplos aspectos ônticos do cosmo material, o filósofo do Timeu fitou sempre com desdém os míseros mortais que obcecados pelas trevas do lôbrego cárcere em que vegetam, não conseguem despregar os olhos da matéria, para contemplar a beleza pura e autêntica no mundo sidério das Ideias. (FREIRE, 1954, pg 177)
O belo por excelência é eterno; não nasce nem morre, não cresce nem diminui, não é belo num ponto e feio noutro, nem belo agora e logo não, nem belo sob um aspecto e sob outro feio, nem belo e feio ali, nem belo para uns e feio para outros, não têm rosto nem mãos, nem nada que seja corpóreo; não é um discurso ou uma ciência, nem existe num sujeito distinto, como por exemplo num ser vivo da terra ou do céu, ou em qualquer outra coisa; mas existe em si mesmo, na eterna unidade da sua essência; e todas as outras coisas belas dele participam (FREIRE, 1954, pg 175)
Tendo isto em vista, Platão relaciona a aspiração à beleza como uma unidade perfeita que existe em si mesma, não atribui-se aos seres sensíveis e independe de julgamentos subjetivos. Ainda, acompanhando as idéias clássicas, o belo seria então sinônimo de harmonia e equilíbrio, presente em todas as coisas cujas partes trabalhassem para trazer harmonia ao conjunto. Além disso, Nickolas Pappas (2016) afirma que Platão também descreve a beleza como aquilo que é “nobre” e “admirável”; e não que Platão insinue que a beleza significa a mesma coisa como virtude ou bem, mas mais especificamente que a beleza facilita a descoberta do bem porque “as coisas belas atingem a todos e despertam a curiosidade de todos”2 (IBANGA, 2017, pg 250, tradução nossa). Vemos nascer, então, a ideia de beleza sendo relacionada a percepções de caráter. Outro filósofo importante que pensou o belo foi 23
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.). Ele “discordou de Platão sobre o que é a beleza - basicamente porque ele rejeitou a teoria das Formas de Platão, da qual a teoria da beleza de Platão está inserida”3 (IBANGA, 2017, pg 250, tradução nossa), pois, para ele, o único mundo que existe é o sensível. Contudo, Aristóteles concorda que a beleza seja objetiva e independente da subjetividade das experiências individuais. John Marshall (1953) observa que, para Aristóteles, a beleza é cósmica, ontológica - que “em sua forma mais elevada, é fixa e eterna [e] a mais alta beleza é encontrada nos céus ... [e] para ele [Aristóteles] os céus declaram uma glória eterna e a terra está cheia de uma beleza resplandecente”4 (IBANGA, 2017, pg 251, tradução nossa). Ou seja, Aristóteles identifica a beleza com a natureza; e define a natureza como um padrão do belo. Marshall (1953) diz: Aristóteles diz na Poética que ‘para ser bela, uma criatura viva, e todo o todo composto de partes, deve ... apresentar uma certa ordem em seu arranjo de partes’. E na Metafísica: ‘As principais formas de beleza são ordem e simetria e definição, que as ciências matemáticas demonstram em um grau especial’ (IBANGA, 2017, pg 251, tradução nossa) 5
Desta forma, Aristóteles afirma que “as maiores espécies do belo são a ordem, a simetria e a definição” 6 (IBANGA, 2017, pg 251, tradução nossa). em termos de adequação, simetria, exatidão e proporcionalidade. Na obra Tópicos, ele nos dá a seguinte definição “o belo é o apropriado”. Além disso, ele justapõe os conceitos de bom e de belo, dizendo que estes são o começo do conhecimento e do movimento das coisas. Isso não quer dizer que um equivalha o outro, mas que ambos possuam a mesma raiz. (IBANGA, 2017). A grande diferença entre estes dois filósofos é que, enquanto Platão via a beleza como algo apenas no mundo supra-sensível, Aristóteles a via como uma 24
forma que se expressa na natureza eterna aberta aos sentidos. Apesar disso, ambos defendem que a beleza seja objetiva. As teorias do gosto surgiram no século XVIII, quando os pensadores começaram a investigar mais suas próprias reações e preferências quanto o assunto. Destas investigações surgiram o gosto como parâmetro forte da discussão e, portanto, da subjetividade da beleza. David Hume (1711-1776) e Immanuel Kant (1724-1804) são os principais defensores desta teoria e colocam a beleza inteiramente nos olhos do observador, segundo eles, respectivamente: A beleza não é qualidade nas próprias coisas: existe apenas na mente que as contempla; e cada mente percebe uma beleza diferente. Uma pessoa pode até perceber deformidade, onde outra é sensível à beleza; e todo indivíduo deve concordar com seu próprio sentimento, sem pretender regular os dos outros (HUME apud STARWELL, 2017, tradução nossa) 7
O julgamento do gosto, portanto, não é um julgamento da cognição e, conseqüentemente, não é lógico, mas estético, pelo qual entendemos que o campo determinante não pode ser outro senão subjetivo. Toda referência de representações, mesmo de sensações, pode ser objetiva (e então significa o elemento real de uma representação empírica), exceto apenas a referência à sensação de prazer e dor, pela qual nada no objeto é significado, mas através do qual há um sentimento no sujeito como ele é afetado pela representação (KANT apud STARWELL, 2017, tradução nossa) 8
Kant apresenta sua filosofia do belo em Crítica do Juízo Estético onde define que “belo é o que, sem um conceito, é apreciado universalmente”9 (IBANGA, 2017, pg 252, tradução nossa). Esta visão está diretamente relacionada ao Imperativo Categórico de Kant, que
implica universalidade para todo julgamento. Contudo, é importante notar que em sua definição ele usa do termo sem um conceito pois o juízo de beleza não é objetivo como é para os raciocínios cognitivos - “Porque a beleza não é um conceito de objeto, e um julgamento de gosto não é um juízo cognitivo”10 (IBANGA, 2017, pg 252, tradução nossa). Ou seja, o julgamento de beleza não pode ser determinado científica ou matematicamente: Não pode haver regra objetiva do gosto, nenhuma regra do gosto que determine por conceitos o que é belo. ... Se buscarmos um princípio de gosto que declare o critério universal do belo por meio de conceitos determinados, então nos engajamos em um esforço infrutífero, porque buscamos algo impossível e intrinsecamente contraditório (KANT apud IBANGA, 2017, tradução nossa) 11
Isto posto, é notável que Kant vai totalmente contra a determinação científica de beleza de Aristóteles ao que diz respeito aos princípios geométricos por ele defendidos. Ademais, Kant ainda difere a beleza em dois tipos: as que são dependentes e as que são livres. As primeiras necessitam de certo referencial, algo que dê conceito e atribua certo sentido ao objeto. As últimas, no entanto, podem ser tidas como lindas sem necessariamente fazer sentido ou ter uma função. Um belo boi seria um cavalo feio, mas desenhos têxteis abstratos, por exemplo, podem ser belos em si mesmos sem um grupo de referência ou “conceito”, e flores agradam se os conectamos a seus propósitos práticos ou funções na reprodução de plantas (KANT apud STARWELL, 2017, tradução nossa)12
quanto os julgamentos de beleza de certas coisas, como obras de arte ou música, e que nestes debates podem surgir razões muito convincentes. Ainda, se a beleza fosse uma questão totalmente subjetiva, ela deixaria de ser um valor universal ou mesmo reconhecível em todas as pessoas ou sociedades. Tentando responder a estas questões, segundo Starwell (2017), surgem as obras Do Padrão do Gosto, de Hume, e Crítica do Juízo, de Kant, que fomentam o termo “antinomia do gosto”. Gosto é proverbialmente subjetivo: de gustibus non est disputandum (sobre gosto não se discute). Porém, ambos reconhecem que a razão influencia este juízo e que alguns gostos são melhores que outros (STARWELL, 2017). Sendo assim, o gosto seria algo que depende também de coisas objetivas, algo que se estabelece de forma intersubjetiva ou por uma pretensão intersubjetiva de validade. Ou seja, o gosto seria então algo subjetivo e, ao mesmo tempo, objetivo - esta é a antinomia. Percebe-se então que o conceito de beleza é uma constante metamorfose e, com o passar dos anos, a tendência para uma definição mais subjetiva ou até mesmo como uma antinomia começa a tomar força. Identificamos, pois, que o belo assume diversas explicações, relacionando-se a prazer, natureza, mundos além deste que vivemos, equilíbrio, harmonia, simetria, gostos, interesses externos intersubjetivos e até mesmo como indicativo de boas condutas ou algum tipo de elevação em direção ao bom. Existiria, então, alguma forma mais palpável de identificar e medir a beleza? Algo que atribuísse sentido a este termo como parâmetro universal. Como o nosso corpo interpreta e identifica beleza?
Apesar disso, Hume e Kant percebem que algo muito importante se perdia quando a beleza era tratada apenas como algo subjetivo. Eles perceberam, por exemplo, que muitas vezes surgem contradições 25
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Cientistas A beleza sempre foi uma incógnita pois nunca entendemos o que nos leva a julgar algo como belo e, muito menos, o que leva outras pessoas a identificar beleza em coisas tão diferentes das nossas. A única coisa que sempre há em comum é o sentimento de satisfação, prazer e agrado do observador. É por isto que Kant, afirma que a Beleza, ou melhor, a satisfação determinada pelo juízo de gosto - que é como ele preferia chamar a Beleza - é, em primeiro lugar e antes de mais nada, aquilo que agrada universalmente sem conceito (IBANGA, 2017). Anjan Chatterjee - professor de neurologia na Escola de Medicina Perelman da universidade da Pensilvânia, diretor do Centro Penn de Neuro Estatísticas e membro do Centro de Neurociência Cognitiva - em uma palestra no TEDmed 2016 intitulada How Your Brain Decides What Is Beautiful - Como o seu cérebro decide o que é bonito - tenta explicar os processos científicos que nos fazem julgar algo como belo. Ele afirma que três parâmetros básicos contribuem para tornar um rosto atraente, sendo estes: média, simetria e hormônios. Os rostos médios seriam aquelas pessoas com características misturadas, ou seja, pessoas de raça mista. Isto porque um maior número de características representam diferentes populações e, provavelmente, maior diversidade genética e adaptabilidade ao meio ambiente. Indivíduos mestiços mostram-se, ao nosso cérebro, como melhores preparados para a sobrevivência.
A simetria, parâmetro já discutido nos estudos de beleza, também se mostra como um fator de peso no julgamento de nossos cérebros pois é interpretado também como indicador de saúde. As anormalidades do desenvolvimento são frequentemente associadas a assimetrias. Por exemplo, em plantas, animais e seres humanos as assimetrias geralmente surgem de infecções parasitárias. Já os hormônios, estrogênio e testosterona, em relacionamentos heterossexuais, possuem papéis importantes na formação de características faciais consideradas atraentes. O estrogênio, por exemplo, é responsável por dar à mulher características que indiquem fertilidade. Os homens geralmente se sentem atraídos por mulheres com traços que indiquem juventude e maturidade - “os homens acham atraentes mulheres que têm olhos grandes, lábios grossos e queixos finos como indicadores de juventude e maçãs do rosto altas como indicadores de maturidade” (CHATTERJEE, 2017). Além disso, Chatterjee continua explicando que nossos cérebros reagem a rostos bonitos ativando partes do nosso córtex visual, na parte de trás do cérebro, “uma área chamada Giro Fusiforme, que é especialmente ajustada ao processamento de rostos, e uma área adjacente denominada Complexo Occipital Lateral, especialmente adaptada ao processamento de objetos. Além disso, a beleza ativa partes dos nossos centros de recompensa e prazer na frente e no fundo do cérebro, denominados Estriado Ventrial, Córtex Orbitofrontal e Córtex pré-frontal Ventromedial.” (CHATTERJEE, 2017) Sendo assim, o nosso cérebro visual, que processa rostos, interage com nossos centros de prazer para interpretar a experiência da beleza. Ou seja, esta experiência está, de fato, profundamente ligada ao prazer. Ademais, o professor comenta sobre a relação de beleza e bondade que nossos cérebros automaticamente fazem dentro do córtex orbitofrontal. Desta forma, o 27
julgamento de beleza como um indicativo de bondade não é uma associação feita racionalmente por nós. Isto indica que esta relação feita por filósofos como Platão tinha um fundamento científico das reações químicas e biológicas de nossos cérebros. Contudo, é importante ressaltar que este julgamento criado espontaneamente pode, na maioria das vezes, não condizer com a realidade. Uma relação direta como estas poderia resultar nos “gatilhos biológicos dos diversos efeitos sociais da beleza” como refere-se Anjan (2017), que enfatiza a importância de se compreender esses preconceitos implícitos para visar uma sociedade em que as pessoas são tratadas de forma justa, baseandonos em seus comportamentos e não nas casualidades de suas aparências. É comum que, na contemporaneidade, as pessoas associem beleza aos corpos magros em detrimento dos corpos considerados acima do peso. Contudo, há pessoas, por exemplo, que prefiram justamente o contrário. Portanto, qual a real relação do peso no nosso julgamento estético? Este é o tema do capítulo The influence of body weight and shape in determining female and male physical attractiveness do livro Body Image: new research (A influência do peso e forma do corpo na determinação da atratividade física feminina e masculina. Imagem Corporal: nova pesquisa) de Viren Swami, 2006. Neste texto, há a menção do estudo cross-cultural feito por Furnham e Alibhai (1983 apud SWAMI, 2006), onde foram comparados os julgamentos de participantes quenianos negros, britânicos quenianos e britânicos brancos de anoréxicos a obesos, este estudo mostrou que os participantes quenianos negros viam formas femininas obesas mais positivamente do que os dois outros tipos de participantes, ambos negativos em sua avaliação. Uma réplica do experimento em Uganda também apontou a preferência dos participantes africanos nativos por figuras femininas mais obesas do que um grupo de comparação britânico (SWAMI, 2006). 28
Além disso, os etnógrafos também notaram uma maior associação positiva entre gordura corporal e prestígio no Pacífico Sul, já que este seria um indicativo de acesso a recursos alimentares (SWAMI, 2006), testaram a hipótese de que participantes afro-americanos possuem menor tendência para a magreza e maior aceitação de proporções corporais maiores do que os caucasianos. Para tanto, eles manipularam a satisfação financeira ou a fome das pessoas (sendo ambas representações para recursos pessoais em sociedades industrializadas) e medindo suas preferências por potenciais parceiros românticos. Nestes estudos eles confirmaram que os homens financeiramente insatisfeitos e famintos preferiam companheiras mais pesadas do que homens financeiramente satisfeitos ou saciados. Marlowe e Wetsman (2001 apud SWAMI, 2006), também presentes no texto de Swami, retornaram à Tanzânia com um novo conjunto de desenhos de linhas nos quais apenas a RCQ (Relação Cintura-Quadril) foi variada. Nestes novos estudos eles percebem que quanto mais orientada para a subsistência for uma sociedade e quanto mais energicamente o trabalho das mulheres, mais os homens acharão mulheres mais pesadas atraentes. A agricultura facilitou muito o acesso aos alimentos e trouxe consigo o excesso deles também, tornando o risco de obesidade menor e fazendo com que os homens começassem a preferir índices mais baixos de massa corporal. Desta forma, Swami acaba por concluir que o peso corporal feminino tem mais influência do que sua forma na determinação de sua atratividade física e que as preferências baseadas no IMC (Índice de Massa Corporal) parecem variar consideravelmente dependendo do status socioeconômico dos observadores e de seus respectivos contextos culturais. Além disso, ela adiciona que os resultados das pesquisas dentro da esfera cultural euro-americana mostram um crescimento e permanência amplamente legal e culturalmente aprovadora do preconceito
contra pessoas pesadas (CRANDAL apud SWAMI, 2006). A maioria dos pesquisadores acredita que os meios de comunicação desempenham um papel mais significativo na influência das preferências femininas magras nas sociedades ocidentais, exibindo modelos femininos abaixo do peso. Tendo estas ideias postas, é possível observar que a ciência, apesar de encontrar razões biológicas para certos gostos, ainda custa em justificar e compreender os motivos de certos gostos subjetivos de beleza. Há ainda, questões que influenciam diretamente nossos julgamentos e que vão além de nossas percepções biológicas e hormonais. Talvez estas questões tenham relação com a “antinomia do gosto” de Kant e as relações intersubjetivas dos sujeitos, mas então, qual seria o limite entre as influências externas e o gosto puramente biológico como julgadores das coisas belas? Viren Swami chega à conclusão de que existe mais por trás dos juízos de beleza do que a ciência possa explicar estudando unicamente a biologia. Surpreendentemente, Anjan Chatterjee, apesar de apresentar uma palestra inteiramente científica, encerra sua fala com uma reflexão importante:
moderna e inovação tecnológica estão afetando profundamente a essência do que significa ser bonito. A natureza universal da beleza está mudando, mesmo quanto estamos mudando o universo (CHARTTERJEE, 2017)
Por final, fica aqui posta uma reflexão muito importante para a nossa discussão: se não conseguimos encontrar nenhum parâmetro fixo que desperte em todos os indivíduos a mesma sensação de beleza, se o gosto é tão subjetivo e tão diferente de indivíduo para indivíduo, como pode existir então um padrão de beleza?
A beleza é um trabalho em progresso. Os chamados atributos universais da beleza foram definidos durante os quase 2 milhões de anos do Pleistoceno. A vida era desagradável, bruta e foi há muito tempo atrás. Os critérios de seleção para o sucesso reprodutivo a partir desse momento não realmente se aplicam hoje. Por exemplo, parasitas não são uma das principais causas pelas quais as pessoas morrem, pelo menos não no mundo tecnologicamente desenvolvido. De antibióticos à cirurgia, do controle de natalidade à fertilização in vitro, os filtros para o sucesso reprodutivo estão sendo abrandados e, sob essas condições, abrandadas combinações de preferências e caracterìsticas são mais livres e se tornam mais variáveis. Mesmo que afetemos profundamente nosso meio ambiente, a medicina 29
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Whether things are beautiful because they give delight, or whether they give delight because they are beautiful 2
Beautiful things strikes everyone and arouse everyone’s curiosity
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He disagreed with Plato on what beauty is – basically because he rejected Plato’s theory of Forms of which Plato’s theory of beauty is embedded
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In its highest form, it is fixed and eternal [and] the highest beauty is to be found in the heavens... [and] for him [Aristotle] the heavens do declare an eternal glory, and the earth is full of a resplendent beauty
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Aristotle says in the Poetics that ‘to be beautiful, a living creature, and all the whole composed of parts, must ... present a certain order in its arrangement of parts’. And in Metaphysics: ‘The principal forms of beauty are order and symmetry and definition, which the mathematical sciences demonstrate to a special degree
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The greatest species of the beautiful are order, symmetry, and the definite
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Beauty is no quality in things themselves: It exists merely in the mind which contemplates them; and each mind perceives a different beauty. One person may even perceive deformity, where another is sensible of beauty; and every individual ought to acquiesce in his own sentiment, without pretending to regulate those of others.
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The judgment of taste is therefore not a judgment of cognition, and is consequently not logical but aesthetical, by which we understand that whose determining ground can be no other than subjective. Every reference of representations, even that of sensations, may be objective (and then it signifies the real [element] of an empirical representation), save only the reference to the feeling of pleasure and pain, by which nothing in the object is signified, but through which there is a feeling in the subject as it is affected by the representation.
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Beautiful is what, without a concept, is liked universally
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For beauty is not a concept of an object, and a judgment of taste is not a cognitive judgment
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There can be no objective rule of taste, no rule of taste that determines by concepts what is beautiful. ...If we search for a principle of taste that states the universal criterion of the beautiful by means of determinate concepts, then we engage in a fruitless endeavor, because we search for something that is impossible and intrinsically contradictory
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A beautiful ox would be an ugly horse, but abstract textile designs, for example, may be beautiful in themselves without a reference group or “concept,” and flowers please whether or not we connect them to their practical purposes or functions in plant reproduction 31
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padrões de
BELEZA
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34
Segundo Garabed Eknoyan (2006), nos tempos pré-históricos a seleção natural favoreceu aqueles cujo o genótipo era mais “econômico”. Em tempos como aqueles, corpos que conseguiam armazenar mais gordura ingerindo poucos alimentos eram os mais aptos a sobreviver a um ambiente hostil e repleto de pestilências e fome. A gordura era, por muitas vezes, o que faria a diferença entre a vida e a morte do indivíduo e da espécie. Esta importância pode ser notada em uma das primeiras figuras femininas descoberta em Willendorf, na Austrália, em 1908. Comumente conhecida como Vênus de Willendorf (Fig 1), acredita-se que esta estatueta possa representar a importância do sentido estético gordo feminino para as sociedades primitivas, ou a importância da fertilidade, representada por seus seios, barriga e vulva extremamente avantajados (HOWARD, 2018). Esta conotação do gordo como uma característica positiva e desejável se refletiu nas artes, literatura e política das épocas, começando a ser alterada apenas no século XVIII (EKNOYAN, 2006). As mulheres, até então, eram representadas com maiores porções de gordura no corpo e isto fazia parte, também, de um padrão estético ditado por condições socioeconômicas das épocas. O historiador Leandro Karnal, em uma palestra intitulada “A mulher na história” (2007) sobre a obra Vênus do espelho de Peter Paul Rubens (Fig 2), diz:
Fig 1. A Vênus de Willendorf
Nesse momento, a beleza feminina é definida pela abundância e pelo caráter branco. Uma mulher de elite come mais do que precisa e não pega sol. As pessoas simples são magras. As pessoas de elite estão acima do padrão que, hoje, nós chamaríamos de magra (KARNAL, 2007) Fig 2. Vênus do espelho - Peter Paul Rubens 35
Ainda, Eknoyan enfatiza a participação forte que o período renascentista teve na representação das características corpulentas, principalmente das mulheres de Michelangelo, muito presentes nas ilustrações da Capela Sistina (Fig 3), e as mulheres cheias de Rubens (Fig 4) que deram origem ao termo “rubenesco” - “significando gordo ou arredondado, como ele muitas vezes retratava mulheres com tipos de corpo curvilíneos” (EKNOYAN, 2006, tradução nossa)
Fig 3. Creation of Eve - Michelangelo
Fig 4. The three graces - Peter Paul Rubens 36
Desta forma, vemos que nem sempre os corpos gordos estiveram fora do padrão estético - muito pelo contrário, por muito tempo sendo o centro destes padrões - e, ao mesmo tempo, o corpo magro e saudável, que temos hoje como belo, nem sempre foi o padrão regente de beleza feminina. Ainda, o padrão de beleza pode mudar muito dependendo da cultura em que está inserido. Há pouco tempo, o jornal The Guardian fez uma matéria entitulada “The ethiopian tribe where a lip plate makes you more attractive” (A tribo etíope onde uma placa labial faz você mais atraente) de 2018. Nesta, o jornal aborda o padrão de beleza feminino entre os grupos étnicos Suri e Mursi, constituintes do povo Surma, no sul da Etiópia, que é proporcional ao tamanho da placa labial utilizada pelas mulheres. Placas de lábio são geralmente feitas de argila ou madeira e variam entre 4 e 25 centímetros. Para ser colocado no lábio, dois ou quatro dentes são removidos antes que o lábio inferior seja cortado para encaixar a placa labial. Este processo de placa labial geralmente é feito por sua mãe quando atingem a puberdade (...) Além de projetar a pele com incisões e padrões que às vezes são pintados, a placa labial é vista como um estímulo para a auto-estima. A tradição das placas labiais é valorizada por ambos os pais porque indiretamente significa que o número de vacas do pai aumentará quando ele receber seu dote. Qualquer homem que deve se casar com uma senhora Suri ou Mursi tem que ser rico porque seu dote geralmente cai entre 40 bovinos (para a pequena placa) e 60 (para a grande placa). (AGBO, 2018, tradução nossa)13
Uma antropóloga canadense, Shauna LaTosky, convive com este povo desde sua primeira visita à eles em 2004. Ela fez inúmeras pesquisas de pósdoutorado sobre estes povos que foram publicadas em diversas publicações científicas e assegura que a
principal razão para as mulheres usarem botoques é sublinhar a feminilidade e um estilo de beleza definido pelas tradições tribais. Além disso, afirma que as placas simbolizam a força da mulher, um símbolo de que ela é uma jovem madura (CASTRO, 2017).
Fig 5. Anciã da etnia Mursi, foto por Haroldo Castro/ÉPOCA
Sendo assim, é possível imaginar que, em um mesmo período de tempo, haja mais de um padrão de beleza ao redor do mundo, dependendo da localização no globo que ela esteja. Esther Honig, em uma palestra no TEDtalk de 2015, fala sobre um interessante experimento chamado “Before and After” (Antes e Depois) que fez. Em um emprego de marketing online que teve, ela entrou em contato com uma plataforma internacional de freelance, no qual é possível contratar pessoas do mundo todo para fazer trabalhos como animação, design gráfico e edição de vídeo. Neste site Honig acabou encontrando diversos editores de imagem do mundo todo que prometiam “tornar sua imagem perfeita” (HONIG, 2015). Desta forma, ela
decidiu enviar uma foto de si mesma, sem maquiagem ou efeitos, pedindo para que esses editores a deixassem “linda”. Honig não tinha intenção nenhuma com o projeto, ela apenas sabia que as imagens seriam diferentes dependendo do indivíduo e da cultura que foram criados. Os editores clarearam ou escureceram a cor de seu cabelo e pele, refizeram suas sobrancelhas, colocaramna em um hijab - vestimenta da cultura islâmica - e, em alguns casos, seu rosto foi completamente reconstruído. Em 24 de junho de 2014, o projeto se tornou viral e foi apresentado no Buzzfeed, TIME, The Atlantic, CNN Internacional, Good Morning America, The Today Show e muitas outras propriedades de mídia de destaque. Logo, seu rosto começou a ser utilizado por muitas pessoas e sem permissão, fazendo com que ela renunciasse a propriedade do projeto, tornando-o domínio público. Este projeto, como ela mesma diz, foi importante para “iniciar uma conversa global sobre algo que pensamos e vivemos todos os dias mas ainda não entendemos, a beleza” (HONIG, 2015). Em suma, é importante observarmos que a beleza assume diversas formas dependendo da época, região, cultura, condição socioeconômica e gosto. Todos estes parâmetros são extremamente instáveis, subjetivos e independentes do objeto de análise. Ainda assim, tem-se a ideia de um padrão a ser seguido por todas as mulheres do mundo. Como poderia um padrão englobar e satisfazer, ao mesmo tempo, todos estes parâmetros? Existir algum tipo de regra para padronizar a beleza, como supõe o termo padrão de beleza, poderia ser então algo totalmente construído por algo ou alguém, priorizando um só olhar e interesse. A pergunta que fica, então, é: por quais parâmetros o atual padrão de beleza foi construído?
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Original
Chile
Marrocos
Alemanha
Ucrânia
Reino Unido
Sérvia
Filipinas
Estados Unidos
Bangladesh
Índia
Fig 6. Antes e Depois,capturas de tela do vídeo ‘Beauty Standards Around The World’
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Lip plates are usually made of clay or wood and range between 4 and 25 centimeters. To be placed on the lip, two or four teeth are removed before the lower lip is cut to fit the lip plate. This lip plate process is usually done by their mother when they attain puberty. (...) Apart from designing their skin with incisions and patterns which are sometimes painted, the lip plate is seen as a boost of one’s self-esteem. The lip plate tradition is valued by both parents because it indirectly means that the father’s number of cows will increase when he is paid her dowry. Any man who must marry a Suri or Mursi lady has to be wealthy because her dowry usually falls between 40 cattle (for the small plate) and 60 (for the large plate). 39
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beleza contra
as mulheres
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42
Apesar de o mundo ocidental fingir que todos os ideais de beleza feminina se originem de uma Mulher Ideal Platônica, nem sempre os corpos gordos foram vistos como negativos. Na verdade, como veremos, o ódio a gordura é um fenômeno de origem não muito distante. O objetivo deste trecho, então, é tentar entender o que levou o mundo a olhar este tipo de corpo como algo extremamente negativo. De fato, o termo “obesidade” não aparece na língua inglesa até o século XVII, e somente como um termo literário descritivo para excesso de gordura ou corpulência. O impacto da obesidade na qualidade de vida começou a ser apreciado e registrado no século XVIII, mas só em meados do século XIX foi reconhecido como causa de problemas de saúde, e somente nas primeiras décadas do século XX suas complicações mórbidas e aumento da mortalidade documentada. O que tornou esta medicalização gradual da obesidade alarmante é o aumento exponencial de sua incidência nos últimos 60 anos, o que levou a Organização Mundial de Saúde a declarar uma epidemia global e uma crise mundial de saúde pública (EKNOYAN, 2006, pg 421, tradução nossa)14
Na sociedade patriarcal, gerada no período colonial, a mulher assumia papel de objeto frente ao homem, o que dava a eles o direito de controlar a vida da mulher, da sua propriedade, da forma que bem entendesse. As mulheres não tinham voz e suas funções restringiam-se a tarefas domésticas e criação de seus filhos. “Tratava-se
de um sistema em que a possibilidade de que a meninamoça-mulher viesse a transgredir e sentisse o ‘sabor’ da liberdade era muito restrita. Restava-lhe o prazer de agradar.” (DANIEL e MIRELLA, 2007). Por muito tempo, este foi o lugar da mulher, de obedecer e agradar. Ainda, esta ideia das mulheres foi muito enfatizada e mantida pela ajuda que a igreja dava aos discursos patriarcais, como diz Daniel e Mirella: Segundo Fischer (2001), a religião desempenhou um papel importante neste sistema, sobretudo para a manutenção dos valores vigentes, na medida em que acrescentou restrições e temores sobrenaturais ligados às conseqüências da desobediência: por exemplo, ela não apenas levaria ao inferno, mas transtornaria toda a vida do pecador e atrairia desastres e misérias contra ele como castigo divino. Ou seja, o discurso da religião (com predomínio da Igreja Católica), confirmava e enfatizava aquilo que era vigente na família: aquele que burlasse as normas vigentes da Igreja, como, por exemplo, romper as regras relativas à virgindade da mulher, deveria sofrer castigo. (DANIEL e MIRELLA, 2007)
Este quadro da situação das mulheres, e de seus corpos, sofre grandes mudanças com a entrada do período industrial. A Revolução Industrial trouxe uma nova sede pela agilidade, rapidez e produção em massa e isso se refletiu também na visão do mundo sobre os corpos. Neste período, tudo o que se pensava era em maximizar a produtividade, isso significa que não só as máquinas deveriam estar em pleno funcionamento, mas os corpos operantes também deveriam estar trabalhando em suas máximas potências. Ou seja, o sistema vigente necessitava de corpos produtivos e obedientes. É por esta lógica que Foucault tira a sua ideia de biopoder: 43
Michel Foucault analisou os mecanismos de poder e de saber que garantiam o desenvolvimento da sociedade industrial, observando que, naquele momento, as tecnologias disciplinares tinham no corpo o foco do poder. Nesse sentido, o biopoder se constituía como uma tecnologia disciplinadora que visava a economia política do corpo. O objetivo era adestrar e docilizar os indivíduos para extrair dos mesmos o tempo e as forças necessárias aos interesses econômicos e políticos do capitalismo industrial (...) O corpo deveria se manter produtivo e ao mesmo tempo disciplinado, pois à medida que visava extrair dos mesmos a força necessária para o êxito do processo produtivo, também deveria mantê-los sob dominação para que não se rebelassem e se mantivessem subjugados aos ditames do sistema. (BUENO; CASTRO, 2005)
Este é um ponto muito importante a ser notado, pois aqui os corpos passaram a ser vistos como algo a ser controlado, uma ferramenta para se atingir um objetivo - no caso, operadores dóceis - tornando-os algo submisso ao sistema vigente. Ainda, é importante observar que a velocidade do período criou novas lentidões e todo peso material tendeu a ser visto como um obstáculo a ser aniquilado, sendo o peso do corpo um deles (BERNUZZI, 2001). Talvez seja desta perspectiva que o corpo gordo tenha assumido uma equivalência a lentidão e improdutividade pois “em sociedades para quem o tempo não é somente dinheiro, o gordo não representa perda de velocidade e, portanto de riqueza e poder” (BERNUZZI, 2001, pg.22). Corpos longilíneos, capazes de mostrar agilidade e flexibilidade, especialmente no trabalho, pareciam fornecer um atestado de decência e elegância incontestável. Para majorar a saúde e acelerar a produtividade, médicos e conselheiros da imprensa logo se apropriaram do ideal do aerodinamismo: principalmente ao decretarem o fim das roupas pesadas, dos 44
espartilhos, chapéus e penteados complicados. Entre outras justificativas, constava o receio de dificultar a agilidade do corpo e sua velocidade de locomoção. (BERNUZZI, 2001, pg.43)
Além disso, Garabed Eknoyan (2006) ressalta a importância de se olhar também para a história da comida, uma vez que a deposição de gordura, um processo fisiológico adaptativo de armazenamento de energia, se tornou mal adaptada quando os avanços tecnológicos alteraram o equilíbrio entre a disponibilidade de alimentos e o gasto de energia do corpo, especialmente o gasto na obtenção de alimentos. Tendo isso em vista, é dedutível que com a industrialização - que gerou o crescimento dos alimentos altamente processados e com altos níveis de açúcar - tenha aumentado ainda mais a incidência de corpos gordos. A rápida industrialização e a urbanização significaram mudanças incomparáveis na condição das mulheres, no que diz respeito à educação, oportunidades de emprego, escolha de parceiros, controle de natalidade e direitos legais. Essas mudanças criaram demandas conflitantes em mulheres jovens para se esforçarem simultaneamente para a realização de carreira, mantendo sua atratividade física (Malson, 1998). Juntamente com a crescente afluência, também houve um aumento na prevalência da obesidade em todo o mundo, que legitima a busca da magreza e do medo da gordura. (SWAMI, 2006, pg 14, tradução nossa)15
Tendo isso em vista, salientemos então outro ponto importante que a industrialização trouxe consigo. Naomi Wolf, em seu livro intitulado “O Mito da Beleza” (1992), explica que este período tirou as mulheres do papel de donas de casa, atribuindo a elas, também, o papel de trabalhadoras, algo antes protagonizado apenas por figuras masculinas. A partir de então as
mulheres começam a não se conformar mais com seus antigos papéis na sociedade e a se movimentarem para ocupar mais espaços. Desta forma, surge a partir das últimas décadas do século XIX, a primeira onda do feminismo quando as mulheres, primeiro na Inglaterra, organizaram-se para lutar por seus direitos, sendo o primeiro, e mais conhecido, o direito ao voto, movimento conhecido como Movimento Sufragista. (JARDIM, 2010) Foi a partir das convulsões sociais da industrialização que o mito da beleza, em sua forma atual, ganha terreno. A ocupação com a beleza, trabalho inesgotável porém efêmero, assumiu o lugar das tarefas domésticas, também inesgotáveis e efêmeras (WOLF, 1992). A instalação do mito da beleza se deu por dois principais fatores: manutenção do poder patriarcal e sustento de vendas - que antes eram direcionadas a donas de casa. A medida que as mulheres foram se libertando do antigo sistema patriarcal se viu necessária uma nova atmosfera que mantivesse a mulher como menos potente que os homens, algo que fosse na contramão dos discursos feministas que estavam florescendo após a industrialização, discursos estes que empoderavam as mulheres, que as faziam questionar os sistemas de poder. O mito da beleza “é um sistema monetário semelhante ao padrão ouro. Como qualquer sistema, ele é determinado pela política e, na era moderna no mundo ocidental, consiste no último e melhor conjunto de crenças a manter intacto o domínio masculino.” (WOLF, 1992, pg.15) Ainda, assim como antigamente, a religião é uma fonte de poder para a manutenção dos interesses patriarcais. Quanto mais as mulheres lutam por um mundo mais moderno em seus ideais, mais elas são oprimidas por um poderoso sistema de crenças que tentam mantê-las presa a uma forma de pensar arcaica e primitiva. O cerne da consciência feminina precisa se manter primitivo e é por isso que a beleza feminina foi, por muito tempo, moldada como se fosse uma
determinação supra sensível, como se a determinação do belo viesse descrita por seres divinos. A religião sustenta o direito ao homem de julgar a beleza feminina, sem que o mesmo seja feito com ele, pois a figura masculina sempre foi retratada como divina. Sendo assim, os homens passam a exercê-lo diariamente e incessantemente para garantir que este último direito não lhes seja perdido, para garantir a existência deste último atestado de soberania sobre as mulheres. Tornou-se de tamanha importância que a cultura masculina o exerça porque ele é o último direito não contestado a permanecer intacto dentre a antiga lista dos privilégios masculinos: aqueles que se acreditava terem sido concedidos por Deus, pela natureza ou alguma outra autoridade absoluta para que todos os homens exercessem sobre todas as mulheres. (WOLF, 1992, pg.113)
Contudo, a idéia das crenças não para somente aí. Naomi Wolf (1992) descreve o fenômeno do mito como sendo uma forma de nova crença. Como se ele próprio funcionasse como uma religião para as mulheres, algo que lhes controle tão forte e inconscientemente quanto as religiões. Toda a atmosfera criada para este mito faz com que as mulheres vigiem não só a si mesmas, mas também umas às outras, como se fosse uma questão passível de opinião pública, pontos a serem vigiados a todo momento e sem questionamentos sobre pois sua validade já foi dada por alguma força maior e porque a existência do mito só é discutida “como se estivessem descrevendo uma alucinação que todas as mulheres podem ver, e não uma realidade concreta cuja existência ninguém reconhece” WOLF, 1992, pg.116) Muitos escritores perceberam as semelhanças metafísicas entre os rituais da beleza e os rituais religiosos. (...) O que ainda não 45
foi reconhecido é que essa comparação não deveria ser nenhuma metáfora. Os rituais da reação do sistema contra o feminismo não imitam simplesmente os cultos e religiões tradicionais, mas os suplantam sob o aspecto funcional. Eles estão literalmente reconstituindo uma nova fé a partir de antigas crenças, estão literalmente recorrendo a técnicas tradicionais de mistificação e controle do pensamento para transformar as mentes das mulheres de forma tão radical quanto qualquer onda evangélica do passado (WOLF, 1992, pg.113)
Desta forma, a beleza se torna uma alucinação tão enraizada que “as mulheres são levadas a achar que a agressão e a autodestruição vêm de dentro ou não são reais” (WOLF, 1992, pg.163), dando-lhes a sensação de vigilância constante - “Ao instilar nas mulheres uma força policial interior, a nova religião muitas vezes se sai melhor no controle das mulheres do que as religiões mais antigas” (WOLF, 1992, pg.117) - e a permissividade de deixar que outros digam a ela o que fazer com seus corpos e este é um importantíssimo estado de loucura que a mídia se empenhou em manter. Sendo assim, o mito faz mais do que uma vigilância constante, ele nos faz crer que se dá para julgar as mulheres por suas aparências, pelo o que seus corpos traduzem de sua personalidade e caráter, é assim que ele faz as mulheres se distanciarem. O mito não isola as mulheres segundo suas gerações, mas, pelo fato de incentivar a desconfiança entre todas as mulheres com base na aparência, ele as isola de todas as outras mulheres que elas não conheçam e apreciem pessoalmente (...) O mito gostaria que as mulheres acreditassem que a mulher desconhecida é inatingível; que ela está sob suspeita antes de abrir a boca por ser Uma Outra, e a lógica da beleza insiste que as mulheres considerem umas às outras como possíveis adversárias até descobrirem que são amigas (...) As mulheres podem apresentar uma tendência ao desagrado quando uma delas tem a aparência “boa” demais ou ao desprezo quando sua aparência é muito “ruim” (WOLF, 1992, pg.98)
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Influências da mídia Assim que a nova sensação de competência e confiança nas mulheres, geradas pelos desdobramentos da industrialização, as estimulavam a clamar por mais liberdades e cada vez mais se verem longe dos confinamentos de suas casas - uma pesquisa de 1944 revelou que entre 61 a 85% das mulheres “não queriam voltar para o trabalho doméstico depois da guerra”(WOLF, 1992, pg.83) - os anunciantes começaram a perceber que seu antigo mercado de donas de casa estava sendo extinto. Por conta disso, a mídia se viu obrigada a criar um novo público que preenchesse aquele que estava sendo perdido, é aí que elas apelaram para o mito da beleza, a única forma de manipulação das mulheres que lhes restaram, seus corpos. Diante de uma enorme revolução social que estava dando às mulheres responsabilidade, autonomia, creches públicas e pagamento compensador, os anunciantes precisavam se certificar de que ainda restaria um mercado para os seus produtos (...) Destituídas de sua antiga autoridade, objetivo e gancho publicitário, as revistas inventaram — de forma quase inteiramente artificial — uma nova atração. Numa jogada surpreendente, toda uma cultura de substituição foi criada pela indicação de um ‘problema’ que praticamente não existia até então, pela sua focalização no estado natural da mulher e pela sua elevação ao posto de o dilema
existencial feminino. De 1968 a 1972, o número de artigos relacionados a dietas aumentou em 70%. Artigos sobre dietas na imprensa popular aumentaram de 60 no ano de 1979 para 66 somente no mês de janeiro de 1980. Entre 1983 e 1984, o Reader’s Guide to Periodical Literature relacionava 103 artigos. Já em 1984 havia 300 livros sobre dietas à venda. A lucrativa “transferência de culpa” foi ressuscitada bem na hora. (WOLF, 1992, pg.82-88)
Importante, ressaltar a explosão publicitária após a segunda guerra que trouxe fortemente as preocupações com saúde e corpo. “As imagens de estrelas de cinema com sorriso branco e cabelos brilhantes vendendo creme dental e xampu anunciavam novas práticas, difundiam uma nova maneira de lidar com o corpo e um novo conceito de higiene” (BUENO; CASTRO, 2005, pg.139). É nessa década que surge o ideal de magreza e da prática das dietas como meios de perda de peso e auto-regulação da saúde (Anthony Giddens apud BUENO; CASTRO, 2005, pg.138). Aqui começa a ligação estreita entre saúde e forma física, enquanto o hábito de exposição do corpo se intensifica nos anos 50 com a “revolução de veraneio, que imporá um novo conceito de férias de verão, em que a exposição do corpo ocupa espaço central” (BUENO; CASTRO, pg.139) Além disso, é também nos anos 50 que as revistas femininas começam a proliferar a ideia de que só é feia quem quer. Naomi Wolf (1992) salienta que, por um lado, a promessa otimista de que as mulheres podem fazer tudo sozinhas é muito sedutora para pessoas que, até então, dependeram sempre de uma figura masculina para concluir algo. Neste ponto, são resgatados os sonhos pelo total controle do corpo e o poder de mudá-lo como bem entendermos. 47
Ele desestimula os que estão por baixo de fazerem uma análise política e econômica viável do sistema americano [substituir por: do mito da beleza], estimulando, sim, uma mentalidade de que a vítima seria culpada... uma crença de que se ao menos cada um trabalhasse mais, se esforçasse mais, ele [ou ela] teria sucesso (WOLF, 1992, pg.37)
Os discursos da época transferiam, então, a sensação de que cabia aos nossos esforços e, consequentemente, nossa competência atingir as belezas expostas por elas. Não ser bonita era culpa sua. Esta, provavelmente, é uma idéia que reforçou ainda mais o estereótipo de gordos serem preguiçosos pois a ligação entre força de vontade e beleza é colocada de maneira estreitíssima. “A obra feita pelo espartilho terá que ser feita, desde então, por cada um, na ginástica, de acordo com a força de vontade pessoal” (BERNUZZI, 2001, pg126). Naomi apresenta alguns exemplos de anúncios publicitários da época: “Mesmo as expressões mais inocentes — incluindo apertar os olhos, piscar e sorrir — têm seu preço” (Clarins). “Desde 1956, não há mais desculpas para a pele seca” (Revlon). “Você ri, chora, franze a testa, se preocupa, fala? (Clarins). “Não está óbvio o que você deveria fazer pela sua pele agora?” (Terme di Saturnia). “Pare de maltratar a sua pele” (Elizabeth Arden). “Um busto melhor depende de você” (Clarins). “Assuma o controle da sua silhueta” (Clarins). (WOLF, 1992, pg.126)
Esta época é, então, crucial para a reformulação dos paradigmas do corpo, sendo a mídia a principal propulsora destas mudanças a medida que propagava massivamente a preocupação com a proximidade dos corpos esbeltos divulgados em seus meios de comunicação. 48
A segunda década do século XX foi crucial na formulação de um novo ideal físico, tendo a imagem cinematográfica interferindo significamente nessa construção. No fim da década, mulheres, sob o impacto combinado das indústrias do cosmético, da moda, da publicidade e de Hollywood, incorporam o uso da maquiagem, principalmente o batom, e passam a valorizar o corpo esbelto, esguio. Como aponta Featherstone (1993), a combinação dessas quatro indústrias foi fundamental para a vitória do corpo magro sobre o gordo, no decorrer do século XX. (BUENO; CASTRO. 2005, pg.138)
Sendo assim, a mídia encarrega-se de adotar diversas ferramentas que consigam prender as mulheres em seu perverso esquema que, até pouquíssimo tempo atrás, basicamente resumia-se a atacar a auto estima das mulheres, apontando-lhes defeitos tão naturais quanto os da gordura ou da idade, e mantê-las infelizes para que possam buscar a felicidade em produtos ou procedimentos estéticos que lhes façam encaixar no padrão de beleza. De alguma forma, alguém em algum lugar deve ter imaginado que elas comprarão mais se forem mantidas no estado de ódio a si mesmas, de fracasso constante, de fome e insegurança sexual em que vivem como aspirantes à beleza. (...) Numa jogada surpreendente, toda uma cultura de substituição foi criada pela indicação de um “problema” que praticamente não existia até então, pela sua focalização no estado natural da mulher e pela sua elevação ao posto de o dilema existencial feminino. (...) Elas precisam, conscientemente ou não, promover o ódio das mulheres ao próprio corpo a um ponto tal que elas passem fome lucrativamente, já que o orçamento publicitário de um terço da conta de alimentos do país depende dos alimentos dietéticos. (WOLF, 1992, pg.86-88)
As mulheres são postas em um eterno ciclo de insatisfação. A publicidade difunde a idéia de que os produtos são os detentores das soluções para seus problemas, proporcionando-lhes a tão cobiçada felicidade e isso nos faz perceber que “as concepções de estética corporal estão extremamente relacionadas aos valores consumistas, atribuindo ao corpo feminino uma significação ideológica de mercadoria” (DANIEL; MIRELLA, 2007, pg.470). A frustração é tanta que, sem perceber, as mulheres acabam apelando, cada vez mais, a medidas mais extremas para “consertarem” seus corpos, achando sempre que o problema está nelas mesmas e não no padrão inatingível imposto a elas de fora para dentro. “As pessoas se reconhecem através de suas mercadorias e acreditam poder suprir suas carências e desejos subjetivos através da posse, sempre crescente, de bens de consumo” (Severiano apud DANIEL; MIRELLA, 2007, pg.464). A fuga do corpo gordo é incessante. Mesmo com tantos recursos, procedimentos estéticos, produtos e dietas milagrosas as mulheres continuam se frustrando e nunca estão satisfeitas com seus corpos. A verdade é que a indústria da dieta não quer realmente que consigamos atingir nosso objetivo e, muito menos, que consigamos mantê-lo. Sobre isso, Naomi comenta: A retórica “de apoio” da indústria da dieta encobre o óbvio: a última coisa que essa indústria almeja é que as mulheres emagreçam de uma vez por todas. Noventa e oito por cento das pessoas que fazem regimes recuperam o peso. “A indústria dos alimentos dietéticos é a alegria do empresário”, escreve Brumberg, “porque o mercado se cria sozinho e tem uma tendência intrínseca à expansão. Partindo-se da pressuposição do fracasso... o interesse em estratégias, técnicas e produtos dietéticos parece não ter limites. (WOLF, 1992, pg.133)
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Mídia hoje Mesmo esses problemas ainda sendo bem presentes e fortes na nossa cultura atual, estamos vendo, nos últimos anos, uma mudança gradual da postura das mídias com relação ao mito da beleza. O fortalecimento da internet e das mídias sociais trouxe um empoderamento e voz a grupos, como os das pessoas gordas, que antes eram reprimidos. Um grupo intitulado Suicide Girls começou um movimento em torno de 2001, lançando um novo tipo de beleza. Como elas mesmo descrevem em seu site “o que algumas pessoas acham que nos faz estranhas, ou esquisitas, ou fodidas, achamos que é o que nos faz bonitas”16 (GIRLS, 2001, tradução nossa). Para as pessoas, hoje, esse tipo de beleza pode não ser mais tão incômodo, mas na época em que elas surgiram este tipo de beleza não era comum. Ainda, as atuais influencers, geralmente presentes nas plataformas do YouTube ou Instagram, estão sendo grande força para as mudanças do Mito pois nestas plataformas o alcance de pessoas é muito ampliado. Há uma forte onda de influenciadoras que retratam assuntos sobre amor próprio, aceitação e, inclusive, body positive (positividade corporal, em tradução livre). Essa corrente deseja mostrar que todos os tipos corporais são bonitos e quebrar a imagem dos gordos como sedentários e sem saúde. Alexandra Gurgel, por exemplo, dona do canal Alexandrismos do YouTube, retrata diversos aspectos da vida de uma pessoa gorda, diversas formas de preconceito, exclusão, crises de baixa auto estima, como se aceitar e muito mais, como retrata em seu livro Pare de Se Odiar: Porque Amar o Próprio Corpo é Um Ato Revolucionário (2018). Recentemente - em abril de 2019 - fez participação de um documentário, feito por Helena
Wolfenson em parceria com o Instagram e o fotógrafo Bob Wolfenson, em uma exposição chamada Corpos Livres, realizada no Instituto Tomie Ohtake, de fotos e relatos de diversas outras mulheres influenciadoras de corpos grandes, contando suas histórias e mostrando que seus corpos são também belos. Corpos gordos ocupando um espaço de exposição, retratados desta forma, é uma grande mudança a ser notada. “A gente não quer mais ser visto como doente” (GURGEL apud LEMOS, 2017)
Fig 7. Foto da exposição “Corpos Livres”, por Bob Wolfenson/CLAUDIA (1)
Fig 8. Foto da exposição “Corpos Livres”, por Bob Wolfenson/CLAUDIA (2) 51
Um bom exemplo das mudanças da publicidade é a nova postura em sua nova campanha Dove Pela Auto Estima, em busca de Os Retratos da Real Beleza da Dove, onde as mulheres recebiam a tarefa de se descreverem a si mesmas e, escondida atrás de uma cortina, ficava Gil Zamora, um artista forense treinado pelo FBI, desenhando seus retratos segundo o que era dito por elas. Após isso, a mesma tarefa era dado a um desconhecido, descrevê-las, e novos retratos foram feitos. O resultado foi que dois retratos de uma mesma pessoa ficaram completamente diferentes por conta da diferença nas descrições. Este experimento tentou mostrar a estas mulheres eram mais bonitas do que elas imaginavam. “O problema é que somos tão bombardeadas por padrões de beleza inatingíveis – em revistas, na TV, em comerciais e nas redes sociais – que não valorizamos a real beleza em nós mesmas” (DOVE, 2019). Participante
Auto-descrição
Descrição do Desconhecido
Fig 9. Resultado de uma das participantes da campanha, capturas de tela do vídeo ‘Dove Retratos da Real Beleza’ 52
A posição mais representativa das marcas está cada vez mais presente, principalmente no meio dos cosméticos. Outro exemplo disso é a nova campanha Toda Beleza Pode Ser da Natura. A empresa lançou um comercial chamado A Primeira Vez, contendo a drag queen Penelopy Jean, onde o ponto principal é evidenciar o retrato do amor próprio das mulheres. O vídeo traz a narração da drag, descrevendo a primeira vez que viu a mulher de sua vida: no espelho. Neste comercial vemos então, não só a diversidade sendo abordada, ao colocar uma drag como foco, mas também do amor próprio.
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In fact, the term “obesity� does not appear in the English language until the seventeenth century, and then only as a descriptive literary term for excessive fatness or corpulence. The impact of obesity on quality of life began to be appreciated and recorded in the eighteenth century, but only in the middle of nineteenth century it was recognized as a cause of ill health, and then only in the first decades of the twentieth century were its morbid complications and increased mortality documented. What has made this gradual medicalization of obesity alarming is the exponential increase in its incidence over the past 60 years, which led the World Health Organization to declare it a global epidemic and worldwide publichealth crisis.
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Rapid industrialisation and urbanisation have meant unparalleled changes in women’s condition, with regards to education, employment opportunities, mate choice, birth control and legal rights. These changes have created conflicting demands on young women to strive simultaneously for career accomplishment while maintaining their physical attractiveness (Malson, 1998). Along with increasing affluence, there has also been an increase in the prevalence of worldwide obesity that legitimises the pursuit of thinness and a fear of fatness.
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What some people think makes us strange, or weird, or fucked up, we think is what makes us beautiful 53
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O QUE É
saúde?
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A questão da saúde sempre é trazida à tona quando o assunto são as pessoas gordas, mas o que é saúde? O que é um indivíduo saudável? A Organização Mundial da Saúde (OMS), define como: “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.” (USP apud OMS, 1946). No site da ABESO (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica) é possível calcular, rapidamente, se a pessoa está obesa, doente. Tomando como base seus dados para o cálculo do seu IMC, ele indica o seu grau de obesidade. Veja como exemplo a figura abaixo, o número do IMC classificou a pessoa como Obesidade Grau 1, e na descrição ele dá alertas do tipo “Chegou na hora de se cuidar, mesmo que seus exames sejam normais” (ABESO, 2019). Ou seja, é possível entender, então, que esta pessoa, até então, não se cuida e é doente, apesar de seus exames estarem normais. Para tratar esta doença, é indicado apenas nutricionista e endocrinologista, ou seja, cuidar da alimentação. Marco Segre em O Conceito de Saúde (1997), diz que os “indicadores” são necessários para a saúde pública, imprescindíveis, por exemplo, as estatísticas de mortalidade em uma sociedade, mas aponta os problemas em se definir saúde desta forma pois ao atribuir palavras como “completo” e “bem-estar” adere ao conceito parâmetros muito irreais e subjetivos. Segundo o ele: Fig 10. ‘Seu Peso está saudável?’, captura de tela do site da ABESO 57
Se se trabalhar com um referencial “objetivista”, isto é, com uma avaliação do grau de perfeição, bem-estar ou felicidade de um sujeito externa a ele próprio, estar-se-á automaticamente elevando os termos perfeição, bem-estar ou felicidade a categorias que existem por si mesmas e não estão sujeitas a uma descrição dentro de um contexto que lhes empreste sentido, a partir da linguagem e da experiência íntima do sujeito. Só poder-se-ia, assim falar de bem-estar, felicidade ou perfeição para um sujeito que, dentro de suas crenças e valores, desse sentido de tal uso semântico e, portanto, o legitimasse. (SEGRE,1997, pg.539)
O autor nos lembra das reflexões de Freud, que argumentava que “a perfeita felicidade de um indivíduo dentro da civilização constitui algo impossível” (SEGRE,1997, pg.539). Isto porque, segundo Freud, a civilização nasceu a partir de um pacto dos homens entre si, trocando uma parcela de sua liberdade pulsional por um pouco de segurança, renúncia tal que gera um constante sentimento de “mal-estar” dos indivíduos. Além disso, o autor acrescenta que “as injunções sociais atuam sobre este aparato complexo que é o sujeito”, alertando para as influências e condições que a vida moderna, de rítmo acelerado e frenético das metrópoles, “impedem o trabalhador de manter seu funcionamento mental pleno”. Desta forma, o autor tenta deixar claro que, se seguirmos “ao pé da letra” a definição da OMS, então haveriam pouquíssimas, ou nenhuma, pessoa realmente saudável. Além disso, o autor abre uma discussão sobre o que seria o “bem-estar” ou “qualidade de vida”. Para ele estas definições são tão subjetivas que só poderiam ser feitas pelos próprios indivíduos - “Dentro da Bioética, do conceito de autonomia, entende-se que ‘qualidade de vida’ seja algo instrínseco, só possível de ser avaliado pelo próprio sujeito. Prioriza-se a subjetividade, uma vez que, de acordo inclusive com o conceito de Bion (1967 apud SEGRE,1997), “a realidade é a de cada um”. Sendo assim, o autor incita uma reflexão sobre a importância 58
da visão do sujeito sobre sua própria situação e reforça que “o tratamento de uma doença, qualquer que seja, apenas será legítimo (e, consequentemente, ético), se o “doente” manifestar vontade de ser ajudado”. Resgatando tudo o que já nos foi dito sobre gordura, como poderia, então, Segre defender, por exemplo, que uma pessoa obesa é somente doente e passível de tratamento se, e somente se, ela mesma se considerar em tais condições? Aqui se faz muito importante pensarmos: o que é uma pessoa obesa? A OMS define a obesidade como “condição crônica caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura que traz repercussões à saúde” (ANJOS, 2017, pg.2). A forma de categorizar esse “acúmulo excessivo de gordura” é por meio dos cálculos de Índice de Massa Corporal (IMC) - “calculado como a razão da massa corporal pela estatura ao quadrado” (ANJOS, 2017, pg.2). Desta forma, a pessoa enquadrase no peso “normal” quando o resultado deste cálculo “está entre 18,5 e 24,9. Para ser considerado obeso, o IMC deve estar acima de 30.” (SBEM, 2010) A nutricionista comportamental, ou terapêuta nutricional, Paola Altheia em uma entrevista com a influenciadora Alexandra Gurgel (anteriormente mencionada), comenta sobre suas experiências de trabalho e dá vários argumentos que justificam sua postura de defesa aos corpos gordos. Primeiramente, Paola alerta sobre a escassez de informação que o cálculo do IMC deixa a desejar para se determinar o estado de saúde do sujeito. Considerando que este cálculo apenas considera o peso total do indivíduo e sua altura, a nutricionista enfatiza que este é um cálculo que mede, de forma grosseira, o tamanho do corpo da pessoa, um método interessante apenas para a coletividade, para “um balanço, ver se a população está engordando progressivamente”. O IMC é uma demonstração numérica do tamanho do corpo da pessoa, do volume que o seu corpo ocupa, digamos assim. Então o IMC não diz nada sobre composição corporal no sentido de: o quanto de massa magra essa pessoa tem, quanto
de massa gorda que essa pessoa tem, se ela está bem de saúde (...) Um fisiculturista, que é um cara que tem 5/4% de gordura corporal, ele pode ser considerado como obeso grau 2 ou grau 3 por ele ser grande e pesado e nada, nada, gordo. Ou uma pessoa bem gorda pode ser classificada também como obesa, mas o IMC como dado isolado não é parâmetro pra você avaliar a saúde de uma pessoa. (ALTHEIA, 2016)
É importante ressaltar que em nenhum momento a nutricionista incentiva as pessoas a serem gordas, porém, ela aponta um grande problema que ela observou nas faculdades de nutrição onde há “uma ênfase louca em cima da questão das doenças crônicas não transmissíveis e da obesidade que aumenta exponencialmente”. Paola enfatiza que doenças como diabetes, hipertensão, colesterol alto, cardiopatias são, sim, problemas importantes. Contudo, esta ênfase no combate da obesidade é tanta que “o outro lado da moeda ninguém está discutindo”. A sociedade está adoecendo por se preocupar tanto com o combate a obesidade, as pessoas “misturam combater a doença com atacar o obeso, a pessoa gorda”. Sendo assim, ela afirma que os nutricionistas são “doutrinados” a combater a obesidade, como se por serem nutricionistas, agentes promotores da saúde, eles não pudessem admitir um gordo em sua frente “sem ficar enchendo o saco porque ele tem que mudar”. Além disso, a nutricionista explica que não gosta do termo obeso pois ele se transforma na identidade do indivíduo, a pessoa se transforma em uma “doença ambulante” pois, em outras doenças, “a pessoa tem câncer, a pessoa tem gripe, a pessoa tem pancreatite”, mas quanto às pessoas gordas “a pessoa é obesa”. Além disso, é importante evidenciar que já existem provas de que obesidade não é sinal de doença. Na verdade, o real fator importante para a saúde física é a alimentação e a prática de exercícios físicos. Segundo a HCor, um hospital do coração:
Estar no peso considerado normal também não significa estar livre de doenças como hipertensão arterial, diabetes ou dislipidemia – apesar de esses males atingirem muito mais pessoas obesas. Tudo vai depender da história clínica e das características de cada um”, acrescenta Laura. Para a Dra. Elaine Ferraz, endocrinologista e nutróloga, pessoas que não se alimentam corretamente, não fazem exercícios físicos diários, fumam e bebem, estão mais expostas aos problemas de saúde. Segundo ela, existem pessoas acima do peso que levam uma vida regrada, com alimentação adequada, atividade física e não desenvolvem doença alguma. De acordo com a Dra. Elaine Ferraz, a maior parte dos fatores que levam um indivíduo a ter ou não uma boa saúde, está ligada aos hábitos adotados durante toda a vida. “Tudo está associado ao modo de vida de cada um. Ter pouco peso, mas se alimentar mal, ser sedentário, fumar, só irá piorar a herança genética. (HCOR, 2017)
Uma notícia no jornal O Globo, de 2011, apontou uma pesquisa da Universidade de York, no Canadá, publicado na revista “Applied Physiology, Nutrition and Metabolism” (Fisiologia Aplicada, Nutrição e Metabolismo), que mostra que “pessoas acima do peso podem ser saudáveis, viver tanto quanto as magras e ser menos propensas a desenvolverem problemas cardiovasculares (...) Segundo uma das autoras, Jennifer Kuk, o estudo ‘desafia a ideia de que todos os indivíduos obesos precisam perder peso’” (KUK apud G1, 2011). Além disso, o jornal cita a fala da professora de Cinesiologia e Ciência da Saúde, Jennifer: É possível que ficar tentando, e falhando, perder peso pode ser mais prejudicial do que simplesmente se manter num peso corporal acima do ideal, mas participando de programas que incluem estilo de vida saudável, prática regular de exercícios físicos e dieta balanceada, rica em frutas e verduras (JENNIFER apud G1, 2011)
Visto as incoerências nas definições de saúde, obesidade e, principalmente, de gordos doentes, é 59
importante evidenciar um último ponto que fez Marco Segre conferir ao paciente o poder de se considerar doente. Mesmo baseando-se nas definições da OMS de saúde, os quesitos mental e social parecem ser totalmente esquecidos pela medicina e pela cultura popular no momento de pensar um indivíduo saudável. A medicina ocidental tem suas origens no médico e filósofo grego Hipócrates, que seguia a ideia de que “o homem é uma parte integral do cosmo e só a natureza pode tratar seus males”. Ou seja, para ele, “as causas da doença eram naturais – e não punições divinas como se acreditava até então – e lembrar que o equilíbrio e a saúde do corpo estão diretamente ligados ao ambiente em que vivemos” (SUPER INTERESSANTE, 2003). Apesar disso, a partir do século XVII a medicina ocidental seguiu muito mais as ideias do filósofos René Descartes, onde “os tratamentos médicos passaram a ver o corpo humano como uma máquina em que cada parte tinha uma função específica e independente. Para Descartes, entendendo-se cada uma das partes, entende-se o todo” (SUPER INTERESSANTE, 2003). Apesar de a medicina não seguir mais ao pé da letra esta ideia, a percepção mais ampla da causalidade das doenças nos indivíduos foi bastante perdida e tendo toda a atenção se voltado apenas ao físico das pessoas. “A ciência mais que provou a intrínseca relação entre mente e corpo e suas conseqüências para a saúde humana” (SUPER INTERESSANTE, 2003). É nesta idéia que Marco Segre tenta resgatar em suas reflexões. Segundo ele a atuação da mente sobre o corpo é uma questão que não pode ser ignorada ao se pensar saúde. Uma boa prova do controle da mente sobre o corpo são estudos com placebo. Os testes com placebo são muito comuns para o teste de novos medicamentos, segundo a revista Super Interessante, estes testes são realizados da seguinte forma: Um médico arruma uma porção de voluntários. Essas cobaias são então divididas em dois grupos. Um dos grupos é tratado com o remédio ou o tratamento que se quer testar. O outro recebe apenas placebo. Placebo, como já foi dito, é um remédio “falso”, sem princípio ativo. (SUPER INTERESSANTE, 2003) 60
Contudo, foi percebido que, por muitas vezes, o placebo realmente funcionava. “ Não temos a menor dúvida de que placebo funciona, em média, em 30% dos casos’, escreve Herbert Benson em seu livro Medicina Espiritual. Benson é presidente do Mind/Body Institute, um centro de pesquisa americano focado nas relações entre o corpo e a mente” (SUPER INTERESSANTE, 2003). Segundo Segre, Freud já supunha que “entre as possibilidades de defesa disponíveis para o sujeito assolado pelo ‘mal-estar na civilização’, estava a fuga para a doença somática” (SEGRE, 1997, pg.540). Ou seja, a mente tem poder de exercer influências sobre o corpo tanto de maneira positiva ou negativa. “O fato é que uma série de doenças somáticas encontram sua etiologia na problemática afetiva que não pode ser vivenciada no plano propriamente psíquico” (SEGRE, 1997, pg.540). Por essas e outras razões, Segre diz “deve-se tratar o doente e não a doença” (SEGRE, 1997, pg.540) e Paola reitera “a gente tem que analisar a situação global do indivíduo” (ALTHEIA, 2016). Paola, sobre seu trabalho, diz que não se interessa no peso de seus paciente pois todas as vezes que alguém faz o atendimento com ela “o peso é o menor dos problemas, tem alguma coisa que a pessoa está sustentando na rotina dela, por um período considerável de tempo, que leva a um ganho crônico de peso” (ALTHEIA, 2016). Então, para ela, o objetivo de seus tratamentos é sempre identificar o que levou a pessoa a engordar, o que faz se manter gorda e o que elas podem fazer para modificar esses parâmetros para que, só então, haja um reflexo no peso. Além disso, a nutricionista fala que a chave para o sucesso do seu trabalho é fazer com que seu paciente se aceite, antes de mais nada. É necessário que a pessoa assimile o corpo dela exatamente como ele é para então poder trabalhar em cima deles. Tudo que a gente rechaça, tudo que a gente nega, tudo que a gente coloca no nebuloso a gente não traz pra consciência e não dá para trabalhar em cima do corpo que a pessoa não incorporou
(...) Você não cuida do que você não gosta, você não cuida do que não te encarece, você não cuida do que você acha porcaria, lixo. Se você é lixo a gente joga fora e não olha nunca mais. Lixo fica num canto qualquer lá. Lixo é uma coisa que não tem representatividade nenhuma pra gente. Se você não sai do lixo e se coloca num lugar de importância você não consegue fazer processos de modificação. (ALTHEIA, 2016)
Importante lembrar, também, que, como já dito, o acúmulo de gordura já foi uma característica genética de muita importância para a nossa sobrevivência. Portanto, é necessário levar em consideração de que esta configuração genética de acúmulo de gordura se mostra em muitos corpos. Estes são os casos dos diversos biotipos gordos, que, ainda assim, estão inseridos nas pressões estéticas magras e forçados a irem contra a sua composição corporal natural. Para estas pessoas, emagrecer e se manter “em forma” como manda os padrões estéticos e de saúde, são objetivos quase impossíveis de serem mantidos e que exigem um estilo de vida altamente cansativo. Forçar um corpo a assumir um biotipo ao qual ele não pertence pode ser muito frustrante. Diversos estudos demonstram de forma evidente a participação do componente genético na incidência da obesidade. Estima-se que entre 40% e 70% da variação no fenótipo associado à obesidade tem um caráter hereditário. A influência genética como causa de obesidade pode manifestar-se através de alterações no apetite ou no gasto energético. (MARTI, 2004)
Contudo, a nutricionista reforça a importância de diferenciar aceitação com conformismo. Paola é alvo de muitas críticas pela visão que aplica em seu trabalho, as pessoas ficam furiosos achando que ela estimula o conformismo, eles dizem que eu estou passando a mão na cabeça do obeso, ou seja, ele tem que ser punido, ‘como assim você está passando a mão na cabeça?’ ou ‘essas
pessoas tem que tomar vergonha na cara, você não pode tratar elas bem’, então já é toda uma questão gordofóbica aí (ALTHEIA, 2016). Em suma, é importante notar, então, que a constatação, na maioria das vezes visual, das pessoas de que a gordo é doente não tem embasamento algum. A relação entre gordura e doença não é direta, há muito mais coisas que envolvem aquele ser e que não temos como saber, mas que influenciam profundamente sua mente e, consequentemente, seu corpo. Importante notar que não negamos, aqui, a associação da obesidade com doenças cardiovasculares, por exemplo, assim como não negamos que dentes amarelados se associem ao câncer de pulmão, pois estas são tendências estatísticas da ciência. Contudo, a reflexão a ser pontuada aqui é que exterminar os dentes amarelados não fará o câncer de pulmão sumir, assim como exterminar os corpos gordos não exterminará as doenças cardiovasculares. Ou seja, propõe-se aqui que pensemos os reais motivos das ocorrências da obesidade, pois “correlação não implica causalidade” (RAGGIO; STRUCHINER, 2002). Talvez, a pressão da sociedade para que se tenha um corpo magro seja um fator muito mais significativo na causalidade da obesidade do que a comida. As pessoas não entendem o que eu estou falando porque é aquele pensamento simplista de “a você tem que ter força de vontade”, “é tudo uma questão de escolhas, tudo uma questão de disciplina”, “só é gordo quem quer”, “emagrecer é sacrifício” e é isso aí (...) As pessoas têm uma crença louca de que se você se odiar muito, se você se xingar muito, se você se maltratar muito, se você se rechaçar muito, um dia vai ter um coro angelical e tudo vai mudar para a melhor. Só que você se odiar não é o caminho pras coisas melhorarem, é simplesmente isso que eu falo. (ALTHEIA, 2016)
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medicina
chinesa
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Enquanto o mundo ocidental dizia que minha gordura fazia de mim um ser doente, a Medicina Chinesa sempre se mostrou como um forte contraponto sobre as causalidades das patologias. Por serem ideologias vigorosamente estudadas por meu avô, estas ideias acompanharam todo o meu crescimento, se tornando grande motivo do meu incômodo e questionamentos sobre o assunto obesidade. Por isso, usaremos o exemplo da medicina Chinesa para evidenciar uma ciência alternativa para os tratamentos médicos ocidentais, mostrando que outras abordagens sobre as patologias existem e possuem resultados positivos. A grande questão aqui é pensarmos os corpos gordos não só como meras doenças a serem combatidas. Os corpos gordos são apenas um biotipo que se confere em pessoas e, antes de qualquer discussão de doença, é preciso conhecer este indivíduo como um todo e todas as questões que o circundam e lhe influenciam. “É verdade que, com a verticalização do conhecimento, muitos médicos passaram a ver ‘a doença do paciente’ e não ‘uma pessoa com uma doença’”, reconhece o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRM-SP), Clóvis Constantino (SUPER INTERESSANTE, 2003). Segundo o reitor da Universidade de Medicina Tradicional Chinesa, Xiang Ping, sobre estas medicinas: As duas têm aspectos positivos e negativos. A ocidental baseia-se em análises e radiografias, mas não aborda o todo orgânico. Já a medicina tradicional chinesa é eficaz na regulação de todo o corpo. Penso que a combinação das duas medicinas seria perfeita e muito benéfica para as pessoas. (PING apud SUPER INTERESSANTE, 2003)
Esta medicina pode causar dúvidas quanto sua efetividade por serem estudos originados na China, por povos diferentes há milhares de anos, “é tão antiga quanto a humanidade. Pode-se dizer que ela existe desde quando o primeiro homem pressionou e massageou seu corpo instintivamente ao sentir dor” (RASPA, 2010). A questão é que esta medicina baseiase em fatores simples como clima, emoções e dieta. “Fúria, tristeza, dor, preocupação são sentimentos básicos encontrados em qualquer ser humano e que certamente ultrapassam as fronteiras culturais” (MACIOCIA, 1996, Introdução). A medicina Chinesa é tão potente que, mesmo originada milhares de anos atrás e amadurecida centenas de anos antes de Cristo, pode diagnosticar e tratar com sucesso os problemas de saúde gerados pelo estilo de vida do século XX, o qual se encontra anos-luz distante da sociedade em que viviam os antigos camponeses, na qual a Medicina Chinesa se originou. (MACIOCIA,1996, Introdução).
De forma resumida, pode-se dizer que a Medicina Chinesa baseia-se muito nas doenças como processos psicossomáticos. Ou seja, eles acreditam que as emoções, quando sentidas por um longo período de tempo, provocam um desequilíbrio nas energias do corpo e, se estendidas, acabam resultando em interferências nos órgãos físicos das pessoas. É desta forma que as doenças surgem. Alexander nos dá uma boa introdução das idéias dessa medicina: A Medicina Tradicional Chinesa se baseia em conceitos Taoístas e energéticos, os quais enfocam o indivíduo como um todo e como parte integrante do universo. Para ela, o indivíduo é constituído por um conjunto de energias, provenientes do céu e da terra, que fluem por todo do corpo, e que devem estar em constante equilíbrio; quando isso não ocorre, temos então 65
a manifestação de Patologias. A terapêutica objetiva restabelecer o fluxo da energia vital pelo organismo, e para isso, lança mão de vários recursos, tais como a acupuntura, a moxabustão, a farmacopéia, a dietética, o tai chi chuan, e o qi gong. (RASPA, 2010)
Para compreender esta medicina é necessário entender o conceito de Yin e Yang, que é provavelmente o mais importante e distintivo da Teoria da Medicina Chinesa. Para tanto, usaremos as explicações contidas no livro “Os Fundamentos da Medicina Chinesa”, de Giovanni Maciocia (1996). Nele, lê-se: “Pode-se dizer que toda fisiologia médica chinesa, patologia e tratamento podem, eventualmente, ser reduzidos ao Yin-Yang”. Este conceito é extremamente simples mas, ainda assim, profundo. Yin-Yang são duas formas de energia, onde Yin indica “escuridão, sombreado” e Yang indica “luminosidade, brilhante” segundo seus respectivos caracteres chineses, relacionando-os ao lado escuro e ensolarado de uma colina. Ou seja “o caractere Yin indica o lado ensombrado de uma colina, enquanto o caractere Yang indica o lado ensolarado. Neste livro há algumas relações de palavras que se relacionam aos termos, a partir delas é possível compreender a idéia que cada um destes carregam consigo e por isso algumas delas serão listadas aqui: Yang Yin Luminosidade Sol Brilho Atividade Imaterial Produz energia Energia Fogo Calor
Escuridão Lua Sombra Descanso Material Produz forma Matéria Água Frio
(MACIOCIA, 1996. pg.4-6) 66
Desta forma, é possível observar que Ying e Yang são dois opostos, porém, apesar disso, é importante notar que “são também interdependentes: “um não pode existir sem o outro. (...) O dia é oposto à noite, não pode haver atividade sem descanso, energia sem matéria ou contração sem expansão”. Ou seja, Yin e Yang são, ao mesmo tempo, opostos e complementares, um sistema que significa equilíbrio e harmonia. Portanto, nesta medicina, entende-se que estas são duas formas de energia que sempre estarão atuando em nossas vidas, e são elas as responsáveis por manter a saúde do nosso corpo. A Medicina Chinesa enfatiza o equilíbrio como uma questão chave da saúde pois “qualquer desarmonia contínua pode se tornar uma causa patológica” (MACIOCIA, 1996, pg.161) - e aqui chamamos a atenção para a semelhança desta idéia com a fala da nutricionista Paola Altheia, anteriormente mencionada. A energia Yin e Yang é um sistema em nosso corpo que tende a se manter em equilíbrio. Portanto “se o Yin é consumido, o Yang aumenta; se o Yang é consumido, o Yin aumenta; se o Yin aumenta, o Yang é consumido; se o Yang aumenta, o Yin é consumido” (MACIOCIA, 1996, pg.16). Desta forma, se torna extremamente importante identificar a causa da desarmonia do paciente e, mais importante ainda, não considerar o desequilíbrio em si como a causa da patologia. Por exemplo, se um paciente apresentar diarréia, cansaço e anorexia, a Deficiência do Qi do Baço não será a causa da patologia, mas simplesmente uma expressão da desarmonia presente. A causa da desarmonia pode ser localizada nos hábitos dietéticos, estilo de vida, prática de exercícios, etc. (MACIOCIA, 1996, pg.161)
Há no livro uma série de explicações de como o Yin e o se relacionam ao nosso físico, sendo cada um deles mais, porém não exclusivamente, responsável
por determinados sistemas e órgãos. Como o objetivo aqui é apenas entender o conceito desta medicina, me aterei a apenas citar algumas relações dadas pelo próprio autor: Yang Yin Costas Cabeça Exterior (pele-músculos) Acima da cintura Função dos órgãos
Frente(tórax-abdome) Corpo Interior (órgãos) Abaixo da cintura Estrutura dos órgãos
(MACIOCIA, 1996, pg.9-6) Identificar a causa das desarmonias é a chave do sucesso desta medicina. É aqui que a análise das emoções dos pacientes se torna muito importante. Apesar desta medicina considerar todos os fatores que englobam o paciente como fatores de possível desequilíbrio do Yin-Yang - como temperatura externa, alimentação e exercícios físicos - a saúde mental é uma peça de extrema importância a ser estudada para o tratamento e este é o grande diferencial entre a Medicina Chinesa e a ocidental. Uma vez que a medicina ocidental tende a considerar a influência das emoções sobre os órgãos como apresentando um papel secundário ou excitatório, em vez de ser um fator causativo primário da patologia, a Medicina Chinesa observa as emoções como uma parte inseparável e integral da esfera de ação dos Sistemas Internos. (MACIOCIA, 1996, pg.164)
Há sete emoções que são indicadoras amplas das quais podem ser incluídas muitas outras. São estas: fúria, alegria, tristeza, preocupação e abstração, medo e choque. Cada uma dessas emoções, se sentidas por um longo período de tempo, podem causar desequilíbrios
no Yin-Yang e afetar determinados órgãos ou sistemas. Por exemplo, o sentimento de fúria pode afetar o fígado, e “se persistir por muito tempo, pode causar a Estagnação do Qi do Fígado (Gan) ou do Sangue (Xue), aumentando o Yang do Fígado (Gan) ou atiçando o Fogo do Fígado (Gan)” (RASPA, Alexander. Fundamentos da Medicina Tradicional Chinesa. 1996. pg 165) Cristina Cairo, formada em Educação Física e em várias especializações da medicina chinesa, iniciou seus estudos sobre a filosofia oriental desde os treze anos e “continuou se atualizando em convenções médico-holísticas e buscando conhecimentos sobre física quântica, através da qual se comprovam, cientificamente, os assuntos abordados em seus livros” (CAIRO, 1999. pg 3). Em Linguagem do Corpo 2 há todo um tópico sobre simbologias da obesidade, nele Cristina diz: A gordura é considerada, sob o prisma metafísico, um casulo no qual a pessoa se esconde dos medos, aborrecimentos, perdas, raivas, mágoas e inseguranças. E quanto mais alguém procura fugir das emoções ou de situações mal resolvidas, tanto mais o casulo lhe envolve o corpo. É o mecanismo de defesas que o inconsciente cria para proteger-se daquilo com que o consciente não sabe lidar. (CAIRO, Cristina. 2001. pg 39)
Portanto, as causas da obesidade, para a Medicina Chinesa, simplificadamente, têm sua fonte nos pensamentos e no emocional da pessoa. Desta forma, apesar de citar o cuidado na alimentação e na prática de exercícios, o enfoque do tratamento é que a pessoa trabalhe muito sua cabeça para que, só então, hajam resultados em seu corpo. “Seu corpo é a projeção da sua mente” (CAIRO, Cristina. Linguagem do Corpo 2. 2001. Contracapa) Concluindo, talvez essa lógica da Medicina Chinesa fosse muito pertinente para repensarmos a patologização dos corpos gordos femininos. A gordura 67
em si não é a causa da doença, mas simplesmente uma expressão da desarmonia presente. A causa da desarmonia pode estar relacionada aos hábitos alimentares e com a prática de exercícios, mas para trazer mudanças significativas é necessário entender aquele corpo como um todo. É por isso que a nutricionista Paola Altheia diz que não é uma profissional do emagrecimento, que trabalha dentro da indústria do emagrecimento, e sim uma profissional da saúde - onde saúde não se limita ao físico, mas também ao mental, emocional, social e espiritual - um trabalho que vai muito além de ficar discutindo os alimentos que a pessoa leva a boca” (ALTHEIA, 2016). Tem muita coisa dentro da cabeça das mulheres gordas que não recebem a devida atenção e isto a medicina Chinesa já, há muito tempo atrás, começou a notar.
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consequências das
pressões estéticas
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Tudo o que foi exposto até então mostram fatores muito além do discurso simplista de doença e falta de força de vontade. Os corpos gordos femininos são constantemente pressionados pelos padrões estéticos de tal forma que os riscos de doença por desequilíbrio emocional possam ser mais significantes do que o excesso de peso em si, justamente por não receberem a devida atenção e tratamento. As complicações do rechaçamento dos corpos gordos femininos vão muito além do que a maioria das pessoas possam imaginar. A angústia e a luta para se sentir minimamente bem com o próprio corpo são incômodos diários, que perseguem essas mulheres em todos os mínimos detalhes do seu dia a dia. Tem muitas pessoas que enchem o olho de lágrimas de realmente verbalizar um ‘sou gorda’. Mesmo que a pessoa seja gorda vão muitas conversas pra pessoa realmente assimilar isso, sem querer esconder dos outros ou disfarçar, ou querer que as pessoas não digam, e isso é por causa da conotação negativa que a sociedade põe em cima de ser gorda. Se eu sou gorda então eu sou negligente, então eu sou preguiçosa, então eu sou gulosa, indisciplinada.(ALTHEIA, 2016)
De início darei dois exemplos simples de repercussões que a repulsa ao corpo gordo tem na vida das pessoas gordas. No livro Corpos de Passagem (2001), Denise Bernuzzi nos apresenta dois exemplos básicos das consequências que o corpo gordo sofre. Primeiro, ela fala sobre a necessidade dos gordos necessitarem de um papel social a mais, como se fosse para compensar a sua gordura - “foram chamados a dotar sua gordura
de alguma utilidade pública (...) Como se os gordos precisassem compensar o peso do próprio corpo, sendo fiéis produtores de alegria e de consolo” (BERNUZZI, 2001, pg.20). Além disso, ela aponta outro ponto muito forte no dia a dia dessas pessoas que é a sua exclusão espacial dos lugares públicos. Os ambientes sempre são medidos com base nos corpos magros, como se fosse uma mensagem subliminar a todos os corpos que não são magros de que eles são errados e não são bem vindos - “muitas vezes, os espaços citadinos e seus equipamentos são os primeiros a excluir a presença dos seres pesados e grandes: em escolas, cinemas, teatros e aviões as cadeiras e poltronas costumam ser mais confortáveis aos magros e pequenos” (BERNUZZI, 2001, pg.21). Assim, por mais que a ideia generalizada seja a de que “é só fechar a boca”, há muito mais a ser estudado e a ser notado nesta história. Todo o conteúdo resumido e pincelado neste trabalho aponta como aconteceu a estruturação da repulsa ao corpo gordo feminino. A situação atual da gordofobia é tão enraizada e naturalizada que afeta profundamente todas as mulheres, não só as gordas, e isso acontece desde a infância destas mulheres. Os reflexos do ódio ao corpo gordo feminino tocam o dia a dia das mulheres de uma forma tão profunda e plural que uma rápida análise visual do seu corpo não permite ao observador enxergar as questões profundas que estão escondidas na rasa discussão do peso e saúde. Seria impossível detalhar aqui todas as implicações que a pressão do corpo magro causa nas mulheres, nem tampouco seria possível lhes passar a profundidade com que estas feridas são sentidas. Por isso, nesta parte do trabalho, darei mais voz a depoimentos de influenciadoras e mulheres que detalharam algumas de suas batalhas contra o seu próprio corpo. Alexandra Gurgel, influenciadora citada anteriormente, em um vídeo intitulado Como eu Superei a Vontade de Morrer, resume brevemente a sua história: 73
Minha história, resumindo: desde pequena eu luto contra a balança, eu luto para ser magra, pra ser diferente do que eu sou, o que envolveu fazer dieta desde pequena, dietas restritivas, de laxantes, diuréticos, remédios pra emagrecer, entrar em insights de anemia, anorexia e bulimia. E tudo isso me gerou compulsão alimentar, ansiedade, depressão, fiz uma lipoescultura do meu corpo inteiro e depois disso eu tentei me matar. Desde a adolescência eu tenho uma tendência suicida, depressiva. Sempre acabei procurando alguma forma, algum meio que eu pudesse morrer. (GURGEL, 2017)
Como dito, anteriormente, a questão do corpo gordo não é somente percebido pelas mulheres gordas. As pressões contra o corpo gordo também são sentidas por mulheres magras, chegando a adquirir distúrbios como o transtorno alimentar e distorção de imagem, como é o caso da jornalista Daiana Garbin, que contou um pouco sobre a sua experiência: A primeira vez que eu chorei pra minha mãe porque eu me sentia gorda foi com 5 anos, na aula de balé. Eu sempre contei pras pessoas que eu fui uma criança gorda (...) quando eu comecei a fazer terapia a 2 anos a minha psicóloga me disse assim: Daiana, me traz para a próxima sessão todas as fotos que você tem da sua infância e da sua adolescência. Eu chorava durante aquela sessão, porque naquele dia eu descobri que eu nunca fui gorda. Eu sempre fui maiorzinha, eu não tenho uma estrutura óssea pequena, eu tenho ombro largo, quadril largo, eu era a maior de todas as amigas, sempre, eu era a mais alta da escola, mas eu nunca fui gorda. (GARBIN, 2017)
O discurso da magreza produz mulheres gordas, mesmo que elas não sejam, e mulheres que se vêem presas a todo momento dos seus dias, de suas vidas, às preocupações com seu peso. Helen Ramos, conhecida na internet como Hel Mother, fala um pouco sobre a 74
visão que ela tem de seu corpo e como a neurose da magreza a segue todos os dias de sua vida: Eu entendo você dizer que eu não sou nem gorda nem magra, mas na minha cabeça eu sou gorda. Eu fiz um vídeo no meu canal e nele eu falo sobre gordofobia e tal e muita gente nos comentários dizendo “Hell, desculpa mas você não é gorda”. E eu pensava: é eu não sou gorda mas se eu entro em uma loja a minha roupa é a XG, quando as XG’s servem, quando a XG não é 42 ou 40 e não fecha. Então assim, eu posso não ser gorda mas para a sociedade eu já estou gorda, e eu estando nesta sociedade desde sempre, passei a acreditar. Mesmo eu não sendo nem magra, nem gorda. É uma questão tão forte que ela permeia em tudo da minha vida, em todos os meus comportamentos. No trabalho, nos meus relacionamentos, com os amigos, no dia a dia … todos os dias eu penso nisso. Não teve um dia da minha vida que eu não pensei sobre o meu corpo, sobre querer emagrecer, sobre idealizar eu sendo mais magra ou idealizar eu não conseguir emagrecer e me sentindo frustrada ou comer e não me sentir culpada. (HELMOTHER, 2017)
As ideias aqui postas, como por exemplo o da nutricionista Paola Altheia, de que a real importância é entender a causa que leva o paciente aos descontroles alimentares, foi mencionada por Daiana ao contar como entender o lugar da comida na sua vida foi importante para a sua cura: A gente tem uma relação muito emocional com a comida e a partir do momento que todos os dias da sua vida alguém te diz que seu corpo está errado e inadequado, você busca na comida um conforto, e aí você come cada vez mais. Para gente que tem problema com a comida, ou tem transtorno alimentar ou compulsão ou um comer transtornado, o nosso gatilho pra tudo é a comida. Então se você está triste você come,
se você está feliz você come, se deu alguma coisa errada você come. O que que eu precisei entender no meu tratamento? Eu precisava entender qual era o lugar da comida na minha vida. Por que que eu estou me entupindo de comida? O que está acontecendo? O que que eu estou sentindo? São coisas que a gente não para pra pensar. A gente vai no piloto automático porque você se sente cheia e você sente aquele alívio. Só que assim, o que você está comendo? Você está comendo raiva? Você está comendo tristeza? Você tá comendo porque alguém te humilhou? Você tá comendo porque alguém te chamou de gorda? A gente come por muitos motivos e eu precisei encontrar qual era o lugar da comida na minha vida, pra poder encontrar paz na minha vida e no meu corpo. (GARBIN, 2017)
A saúde mental das mulheres começa a ser afetada logo em suas infâncias, muitas vezes por seus próprios pais ou familiares, desde que são crianças as pressões para se manterem no “peso ideal” são muito fortes e estas pressões afetam profundamente a confiança, aceitação, amor próprio e a auto imagem dessa criança quanto a si mesma. Isso pode ser observado não só no depoimento da Daiana Garbin, sobre sua própria experiência, como citado, mas ela também comenta sobre outras declarações que chegam até ela via seu canal no YouTube, chamado EuVejo, um canal destinado a discutir questões com o nosso corpo e com alimentação. Eu recebo diariamente mensagens de pessoas que dizem “foi a cobrança dos meus pais que me fez desenvolver um transtorno alimentar ou obesidade. Tanto que me faziam fazer regime desde criança … aquilo se transformou ou numa anorexia ou numa compulsão alimentar que levou a obesidade”. Então a raiz, muitas vezes, está dentro de casa. (GARBIN, 2017)
No mesmo vídeo que Helen Ramos fala sobre as suas experiências, chamado Nem Gorda, Nem Magra, estão presentes cinco mulheres, sendo apenas uma delas considerada gorda, as outras se enquadram na mesma posição de Helen, ou seja, nem gorda e nem magra. Todas as mulheres se identificaram profundamente com as declarações dadas por Helen. Nenhuma das mulheres se consideravam bonitas. Uma delas, Ana Luisa, levanta a problemática principal da dieta, a “despedida da dieta” - “eu acho que pra eu começar uma dieta, eu preciso me despedir de tudo o que eu gosto, mas eu gosto de muita coisa” - este é um problema apontado pela nutricionista Paola Altheia. Ela explica a principal problemática das dietas: Eu atendo pessoas que têm dietas de repetição, são pessoas que passaram a vida fazendo dieta, pessoas que têm muita insatisfação corporal, que têm muita vergonha do corpo e que têm uma alimentação muito desajustada - por ser muito restritiva, por ter compulsão, cometer exageros, por ter uma alimentação bem voltada para o emocional (que é uma pessoa que não come tanto direcionado pela fome, mas ela come direcionada pelas emoções). Então se a pessoa está adoecida no sentido emocional e ela está usando a comida para lidar com essas questões a gente tem que conversar sobre essas questões, ressignificar, ver todas as crenças que a pessoa tem acerca do alimento para a gente ir amenizando esse desconforto pra pessoa conseguir ter uma relação harmoniosa com a comida. Você estabelece na sua cabeça que comer chocolate é ruim só que você não consegue perceber a diferença de comer um Bis e uma caixa inteira de Bis, justamente por causa do pensamento extremista dicotômico. Se eu comi um Bis eu arruinei tudo, já que eu arruinei tudo eu vou comer a caixa inteira mesmo porque amanhã eu terei de começar tudo novamente e este é o último chocolate da face da Terra. Essa coisa de dieta faz a pessoa mergulhar nos alimentos que ela não poderia ou não queria comer. (ALTHEIA, 2016) 75
Em resumo, as mulheres gordas não se sentem bem vindas nos espaços, elas são excluídas e pressionadas a não gostarem de si mesmas. As mulheres gordas, além da pressão da gordura, carrega também a pressão da beleza, algo que ataca incisivamente as mulheres. Todos esses fatores culminam na solidão da mulher gorda. Alexandra Gurgel, em um vídeo intitulado A Solidão da Mulher Gorda é Real tenta nos explicar o que seria essa tal solidão: A solidão da mulher gorda está presente em todos os âmbitos da vida dela, não é só em relacionamentos amorosos, é em tudo, é na amizade, é no trabalho, é sair na rua, é comer, é tudo. A mulher vive presa, vive trancada dentro de si mesma. Ela não se dá o direito de desfrutar coisas simples da vida, como ir em algum lugar e comprar uma roupa, porque não tem roupa, ou ir comer sozinha um sorvete, feliz da vida, porque tem medo de ser julgada, tem que comer escondido, de se vestir, de se maquiar, porque “ah, tá maquiada porque tem que esconder”. Ela não tem o direito de aproveitar as coisas simples da vida, porque ela é julgada. isso tudo porque ser gorda na sociedade é mal visto, é uma ofensa aos olhos sociais que uma mulher gorda seja feliz, que ela se aceite, então tudo é voltado pra gerar insatisfação nessa mulher: é a moda, o jeito certo de comer, o jeito certo de se vestir, o jeito certo de ter um corpo, como ir à praia. É um padrão social. A mulher gorda acaba criando um relacionamento abusivo consigo mesma, se odiando, ela se odeia, e a solução que ela tem para a vida dela é emagrecer. Ser gorda na sociedade é ficar presa na frase “quando eu emagrecer, tudo vai dar certo”, “quando eu emagrecer aí eu vou ser feliz”, “quando eu emagrecer alguém vai me querer” e saber que quem está ao seu redor pensa dessa mesma forma. (GURGEL, 2016)
A influenciadora Alexandra Gurgel, postou em seu Instagram um rápido vídeo sobre o documentário da 76
exposição chamada Corpos Livres, realizada no Instituto Tomie Ohtake, comentado anteriormente, e nele há relatos das modelos gordas que participaram das fotos expostas na exposição. Todos os relatos a seguir foram retirados deste vídeo (ALEXANDRISMOS, 2019) e são de extrema relevância para se ter uma idéia de como a patologização e a gordofobia influenciou estas mulheres: Eu tweetei que eu queria sair com uma capa de invisibilidade, sabe? E eu, realmente, não queria ser vista. Eu achava que as pessoas estavam me olhando porque eu era gorda e porque eu estava fazendo algo de ruim (...) Eu vi meu vídeo da formatura e eu dançando horrores, sabe? Aí eu falei ‘meu deus que feio’. É feio ver gorda dançando não é? E depois disso eu nunca mais dancei. Eu parei de dançar (...) É muito louco quando você pára e pensa que você tá praticando um ódio com você mesma (Isabella Trad)
Primeiro eu comecei a ler sobre transição capilar e aí puxou muita coisa porque eu como mulher negra cabelo significa muita coisa pra mim, sabe? É minha história, minha resistência, é como eu me descobri. E aí veio estourando vários assuntos. Começou com o feminismo, com o movimento negro e daí eu fui entendendo quem eu era, a imagem que eu era na sociedade (...) Eu tô aqui pra representar um monte de mulheres que não conseguem se olhar no espelho, não conseguem se sentir capazes de alguma coisa (Luci)
Eu era meio que o patinho feio lá em casa. Ninguém me achava bonita pra ser modelo. Inclusive meu pai sempre foi uma pessoa que cortava os meus sonhos. Porque eu queria ser bailarina e ele falava que meu corpo não era adequado pra isso (Rita Carreira)
A minha adolescência foi o momento mais traumático de todos. Eu era uma criança muito, muito, muito confiante, que queria chamar a atenção, queria ser, sei lá, a atriz principal de todas as peças, e quando eu passei pelo processo da adolescência foi tanto, tanto, bullying que eu perdi completamente a identidade, sabe? (...) As redes sociais tem muito esse viés de encontrar pessoas que estão falando sobre as mesmas coisas que você e você vai conhecendo todos os tipos de minoria e vai entendendo e vai desconstruindo, porque nós estamos todas em um processo de desconstrução. É muito importante ter esse grupo de apoio porque depois vai chegar os haters (Mayara Efe)
A gordofobia fez eu me atrasar, eu não gostava de ir pra escola, mesmo eu gostando de estudar (Bia Gremion)
Porquê que uma pessoa magra do meu lado tá saudável e eu, a gorda, não tô saudável? Você viu o exame da magra? Ser gay até pouco tempo atrás era doença, ser trans até pouco tempo atrás era doença, então porque ser gorda é doença e porque ela não pode deixar de ser? Eu não sou doente cara! O meu sonho é que a gente consiga ir pra rua e militar porque, na real, despatologizar o corpo gordo é você ir contra muita coisa, é ir contra tudo que você aprendeu que era certo (Alexandra Gurgel)
de família, é ajudá-la a se amar e se aceitar. Nós precisamos começar a tomar mais cuidado com os danos na saúde mental que causamos nas pessoas. O amor próprio é um quesito primordial para quaisquer mudanças em nossas vidas. Como diz Paola, nós só cuidamos daquilo que damos valor. Ou seja, é necessário lembrarmos que nem tudo se resume ao físico. Creio que as palavras de Daiana resumem bem esta ideia: O que eu quero passar é que nós estamos passando por um momento de completa insatisfação corporal e de body shaming, as pessoas tem vergonha do próprio corpo e as outras pessoas fazem body shaming com as outras pessoas falando mal do corpo. (...) Porque que a gente não pode falar das pessoas, das realizações maravilhosas que as mulheres fazem na vida? Porque que o corpo tem que ser uma questão tão importante na vida de uma mulher? (...) tem tanta coisa mais em um ser humano do que a aparência e a beleza. (GARBIN, 2017)
Qual a real fonte do problema? A demonização dos corpos gordos parecem estar funcionando? Estamos mais saudáveis? “No decorrer dos séculos, os gordos precisaram fazer um esforço para emagrecer que lhes pareceu bem mais pesado do que o seu próprio peso” (BERNUZZI, 2001, pg.20).
Creio que, desta forma, tenhamos conseguido entender um pouco sobre como esta problemática do corpo gordo feminino tem repercussões profundas na vida das mulheres e, principalmente, das mulheres gordas. Precisamos reavaliar os nossos parâmetros de beleza e de saúde, perceber que muito mais importante do que comentar sobre o peso da pessoa, ou avaliar se ela engordou ou não nos encontros 77
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mercado
Editorial
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O tema diversidade ainda é novo nas discussões contemporâneas, apesar de ser um tema que vem crescendo com bastante força, ainda são poucos os livros que falam sobre isso, ainda mais para o público infantil. A seguir serão apresentadas as reflexões e conclusões obtidas com a pesquisa de campo feita na Livraria Cultura, da Paulista, que possuía como objetivo analisar livros infantis com o tema “empatia” e “diversidade”.
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análise da pesquisa de campo Após recolher os livros sobre empatia e diversidade disponíveis na livraria, foi feita uma breve leitura destes buscando entender o conteúdo e analisar o tipo de ilustração, terminologia, e elementos gráficos utilizados. Nenhum livro que retratasse corpos gordos foi encontrado. Dos livros analisados, pudemos classificá-los em duas categorias: livros de aprendizado e livros de histórias. Os livros de aprendizado são aqueles que tem como objetivo principal ensinar algo ao leitor. Nestes, os autores afirmam para as crianças que está tudo bem ser diferente, geralmente de forma mais geral, como em Coisa de Menino e Tudo Bem Ser Diferente. Não há enfoque em um personagem em específico, nestes casos é muito comum a citação de diversos exemplos.
Fig 11. Livro Coisa de Menino
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Fig 12. Livro Tudo Bem Ser Diferente
Já os livros de história contam com um enredo um pouco mais complexo, o principal enfoque é contar a história de uma criança, sob a perspectiva delas mesmas, que está enfrentando uma história diferente. Estes livros são voltados para crianças entre 8 à 11 anos. Nestes os textos são mais trabalhados, não muito extensos mas já sem o formato de frases. As ilustrações encontradas nos livros de história são mais detalhadas, não realistas, mas já com mais detalhes para trazer a subjetividade da história. Os livros de história trazem a empatia das crianças com base na demonstração da atitude de uma criança fictícia frente a situações diversas, como nos livros Meus dois Pais e O Cabelo de Cora. Importante notar que O Cabelo de Cora foi um dos pouquíssimos encontrados que tocava no assunto de aceitação e amor próprio.
Fig 13. Livro Meus Dois Pais
Fig 14. Livro O Cabelo de Cora
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Além disso, um livro que se destacou muito na pesquisa foi o Ernesto (2016), de Blandina Franco e José Carlos Lollo. Esta obra foi uma mistura dos dois tipos de histórias. Nela, as ilustrações são muito simples e com aspecto bem artesanal, e apesar de contar um pouco da história de Ernesto, ela é toda feita em formato de pequenas frases. O interessante é que a história não é contada por Ernesto, é como se o narrador nos contasse o que as pessoas falam sobre o Ernesto. Além disso, mais interessante ainda, é que, diferente da grande maioria das histórias infantis, este livro não possui final feliz ou conclusões. O livro termina no meio, afirmando apenas que o Ernesto é muito, muito triste. Depois disso, o autor fala sobre algumas reações que as pessoas têm com a história do Ernesto, como as pessoas lidam com esse final e, depois disso, pergunta à criança o que ela pensa sobre isto e se ela teria algo a dizer para o Ernesto. Desta forma, ele cria um choque na criança e a faz pensar sobre a situação do personagem. Este livro levanta perguntas para a criança, faz ela questionar. Segue abaixo a capa e um exemplo de página dupla do livro, consecutivamente:
Fig 15. Livro Ernesto (1) 84
Fig 16. Livro Ernesto (2)
Fig 17. Livro Ernesto (3)
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sobre o
projeto
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Partindo-se da análise de campo e de consultas realizadas com profissionais da área, foi escolhido produzir um livro infantil direcionado às crianças de 5 à 7 anos, com a temática do corpo gordo feminino. Esta foi uma escolha pensada por conta da falta de produtos para crianças sobre corpos gordos e, principalmente, pois é nesta faixa etária que muitos dos preconceitos absorvidos pelas crianças começam a serem perpetuados pelas mesmas, resultando na repercursão das posturas preconceituosas para com os demais colegas. Quanto ao enredo, pretende-se criar uma história que mostre para o leitor os resultados de todas as pressões externas que uma mulher gorda pode vir a ter. A intenção é de criar certa empatia por estes corpos e levantar questionamentos sobre o que é pensado sobre eles. A principal intenção é fazer a criança que está lendo o livro questionar. Para tanto, o livro seria leve em estética, sem muito texto ou imagens complexas, atentando-se principalmente para a produção manual das imagens, para melhor adequação à linguagem infantil. A principal referência utilizada será a do livro Ernesto, da Companhia das Letrinhas.
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Design social
requisitos para o projeto
A ideia para o produto, então, está ligada diretamente com os princípios do design social. Neste segmento do design há uma preocupação com o papel da profissão e a repercussão de seus trabalhos na sociedade. Sendo assim, este é um segmento que procura usar dos métodos de design para trazer soluções que impactem positivamente a sociedade, visando uma mudança social.
Para este projeto ser realizado, serão aplicados os conhecimentos adquiridos ao longo dos anos no curso de Design Gráfico, técnicas de ilustrações artesanal desenvolvidas com treino pessoal, técnicas de diagramação, ferramentas de roteiro e storytelling. A intenção é que o produto tenha maiores dimensões para chamar mais atenção dos elementos das páginas, porém com imagens não altamente complexas, muito pelo contrário, o objetivo é de deixar o mais simples possível para que a complexidade seja guardada para a profundidade do conteúdo e na reflexão da criança. Como deseja-se fazer um produto editorial, serão aplicados fundamentos deste segmento do Design Gráfico. Como principal inspiração foi escolhido o livro Ernesto (2016), justamente por sua simplicidade visual e sua profunda discussão, sempre com curtas frases e desenhos simplistas.
Design Social é entendido como uma ferramenta de inovação e de comunicação, capaz de transformar necessidades e desejos humanos em produtos e sistemas de modo criativo e eficaz, adequados não somente do ponto de vista econômico, mas também, sociais, culturais e ecologicamente responsáveis. O design para a sociedade consiste em desenvolver produtos que atendam às necessidades reais específicas de cidadãos menos favorecidos, social, cultural e economicamente; assim como, algumas populações como pessoas de baixa-renda ou com necessidades especiais devido à idade, saúde, ou inaptidão. (ALMEIDA, 2018, pg 3)
Desta forma, o livro infantil proposto como produto seria uma forma de utilizar das habilidades e métodos do design gráfico para propor mudanças na forma que os corpos gordos femininos são vistos na sociedade. Deseja-se incitar discussões que fomentem visões mais positivas destes corpos e, consequentemente, mais amor próprio por parte destas pessoas e, sendo assim, trabalhar novas formas de se alcançar saúde, tanto física quanto mental.
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Estudos de concepção Antes de começar quaisquer desenhos, montei uma pasta com diversas ilustrações de animais e elementos de cenário que pudessem me auxiliar na criação do personagem, bem como nas cores, estilo e técnicas de ilustração.
Fig 18. Painel de referências 92
Estudos de tipografia Para as falas da história foram testadas diversas tipografias manuais pois o intuito era dar o toque mais subjetivo e humano nos quais se baseiam os conteúdos das frases ditas à personagem. Sendo assim, a fonte Permanent Marker foi escolhida por trazer esse lado mais humano, mas ainda mostrando certo controle e precisão do traço, traduzindo a ideia de uma pessoa já dentro dos padrões da sociedade.
Permanent Marker
AaBbCcDdEeFfGgHhIiJjKkLl MmNnOoPpQqRrSsTtUuVvWwXxYy “ The quick brown fox jumps over the lazy dog” Já para os títulos e subtítulos, optou-se por utilizar uma fonte que ilustrasse diretamente o tema do trabalho, deixando marcada uma forte personalidade no peso da família. Além disso, a fonte não possui serifas ou caixas baixas para evidenciar também o lado mais infantil da proposta.
BORSOK
AbcdefghijklMNOPQRSTUVWXY “ The quick brown fox jumps over the lazy dog” 93
Desenvolvendo o livro infantil Escrever a história foi uma parte bem difícil. Desde o início a intenção era a de trazer algo real para as crianças, então utilizei muito da minha vivência como mulher gorda para mostrar esta realidade. Contudo, o balanço entre “impactante / bom” e “pesado demais” foi difícil de encontrar. Enfim, acabei por encontrar um roteiro que cumprisse com a minha proposta e, a partir daí, iniciei os estudos da personagem. Como não tenho meu traço bem treinado, fiz muitos rabiscos, muitas bolas de tinta e formatos diversos de ursos para tentar encontrar um formato que me agradasse. O objetivo foi sempre manter as ilustrações o mais simples possível, sem grandes cenários ou diversidade de cores pois a atenção tinha de ser toda para a personagem. Contudo, durante os rascunhos, fui tendo idéias de cenários para a história em si e acabei percebendo que, apesar de simples, eu teria que conseguir passar a expressividade da personagem pelas feições faciais, roupas, cabelo e quaisquer outros elementos que pudessem contribuir com a exteriorização dos seus sentimentos.
Fig 19. Estudos da personagem 94
Uma vez que encontrei o estilo e formato que eu desejava para a personagem, tracei um storyboard mapeando todas as ilustrações que teriam de ser feitas, já com um formato bem próximo do que seria a ilustração final para me poupar de pensar na composição da cena e focar em apenas, realmente, produzir a ideia já antes pensada, tornando a produção bem mais rápida e me guiando para montar um cronograma de produção mais eficiente. Quanto a estrutura editorial, optei por seguir o estilo simplista estudado em Ernesto, separando uma página para a fala e a outra para a ilustração.
Fig 20. Storyboard
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A partir daí, fiz as ilustrações em papel, utilizando aquarela e lápis de cor. Esta técnica foi escolhida por conta da sua linguagem mais comumente relacionada ao público infantil e por conta do seu aspecto mais manual, do qual eu, particulamente, aprecio muito. Uma vez prontas as imagens foram scaneadas e tratadas para uma melhor qualidade e retirada de ruídos.
Fig 21. Ilustracões em papel 96
Fig 22. Comparação das ilustrações em papel e editadas no computador 97
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memorial
descritivo
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Tipo de impresso: Livro.
Para a personagem: Tons variados de marrom, vermelho, amarelo, azul e preto.
Tema do projeto: Questionamentos sobre a despatologização do corpo gordo feminino.
Imagem: Desenhos autorais
Título do impresso: Bertolina, Doentinha? Características da editora: Independente e moderna, focada em histórias infantis Conceito editorial do projeto: Criação de personagem, storytelling, história infantil e simplicidade. Periodicidade: Anual. Tiragem (estimada): 500 exemplares Público-alvo/perfil demográfico: Crianças de 5 à 7 anos Perfil psicográfico: Crianças no início de suas formações morais, capazes de demonstrar muita empatia pelo próximo. Fontes utilizadas: Título: Borsok - corpo 57pt Espaço entre-linha: 44pt Espaço entre-letra: Optical Texto: Lato - corpo: 11pt Entrelinha: 13,2pt Espaço entre-letra: Optical Padrão cromático: Para o fundo do volume teórico: Vermelho e dois tons variados de: azul, marrom, amarelo e preto. Para os fundos da história: Preto e tons variados de azul.
Impressão da capa Formato: Aberto: 210mm x 480 mm Fechado: 210 x 240mm Suportes utilizados: Couché 300g com laminação BOPP brilhante Número de cores: 4 cores - CMYK (escala Europa) Processo de impressão indicado: Ofsete Acabamento utilizado: Refile, lombada canoa Impressão do miolo Formato: Aberto: 210mm x 480 mm Fechado: 210 x 240mm Suportes utilizados: Couché 115g brilhante Número de cores: 4 cores - CMYK (escala Europa) Processo de impressão indicado: Ofsete Acabamento utilizado: Refile, hot melt lombada quadrada Pré impressão: Softwares/Plataformas utilizada para editoração e manipulação de imagens/ilustrações: InDesign, Photoshop e Illustrator Resolução impressa a ser utilizada: 300dpi
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documentação
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Fig 23. Simulação da capa do produto final
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Fig 24. Simulação da frente e o verso do produto final
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Fig 25. Simulação do miolo do produto final (1)
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Fig 26. Simulação do miolo do produto final (2)
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consideraçþes
finais
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A temática do corpo gordo sempre foi imensamente presente na minha vida, é uma questão que reflete com peso no meu dia a dia e na minha forma de ser e de me relacionar com o mundo. A questão da doença do corpo gordo sempre me perseguiu e me incomodou profundamente. Estudar e entender um pouco mais sobre as inúmeras idéias e construções sociais que estão presentes nos discursos de saúde foi extremamente gratificante e importante também para o meu processo pessoal de aceitação e amor próprio. Apesar de estar longe de me libertar das consequências destas construções sociais sobre os corpos gordos femininos, este trabalho me ajudou a trabalhar o meu lado racional da questão, um passo fundamental para o processo de valorização e aceitação pessoal. Ler tantas coisas, escutar tantos depoimentos, ver que existem livros falando sobre questões de amor próprio ou diversidade me deram imensuráveis momentos de felicidade, esperança, confiança, segurança e tranquilidade. Pensar em contribuir, mesmo que minimamente, para a inquietude das crianças para com os paradigmas vigentes da atualidade é extremamente gratificante e empolgante. Em um mundo que aparenta cada vez mais nos querer acomodados e desinformados, criar conteúdos que gerem discussões, que coloquem a cabeça para funcionar, ainda mais com um público que ainda é tão inocente e plural como o infantil, é de uma satisfação indescritível. Discussões como amor próprio, aceitação e saúde mental sempre mexem muito comigo. É um assunto que dou muito valor e que ansejo muito que as pessoas
comecem a entender a importância e o poder que eles possuem em nossas vidas. Isto faz parte de um desconforto que sempre senti ao pensar o Design Gráfico como uma possível ferramenta de manutenção de conteúdos tóxicos à estes quesitos. Sendo assim, me dá muito alívio ver que essa profissão pode ser muito melhor utilizada para produzir conteúdos que edifiquem também o bem estar do consumidor e não só o das empresas e seus lucros. Produzir um produto como esse, sozinha, foi uma experiência bem cansativa, mas não cansativa no sentido de “uma trabalheira absurda” - apesar de ter dado bastante trabalho - mas no sentido de “não aguento mais duvidar da minha capacidade”. Foi muito difícil ter ideias, tomar decisões e trabalhar com propostas novas. A dúvida da minha qualificação como Designer Gráfica sempre me assombrou e deu uma leve atrasadinha nas produções, mas no final sempre acabei cumprindo com meus cronogramas e ficando feliz com meus trabalhos, então foi um processo de muito aprendizado. Por fim, foi muito gostoso fazer um produto que signifique tanto para mim, que fale tanto sobre uma questão tão presente na minha vida e ainda utilizando trabalhos manuais, que eu tanto amo. Eu encaro esse projeto como um grande desabafo, um lugar onde pude “gritar” muitos incômodos meus de uma forma funcional e educativa. Apesar de sempre me cobrar além da conta, gosto muito dos resultados deste projeto e espero que eu consiga ajudar algumas Bertolinas a serem mais vistas e mais compreendidas por suas famílias afora.
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referĂŠncias
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lista de
imagens
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FIGURA 1. A Vênus de Willendorf Disponível em:< https://www.capersbookstore.com.au/product/postcard-the-venus-of-willendorf/ >.
35
FIGURA 2. Vênus do espelho - Peter Paul Rubens Disponível em:< https://pt.wahooart.com/@@/8XYR43-Peter-Paul-Rubens-Toalete-da-manh%C3%A3-dosV%C3%AAnus >.
35
FIGURA 3. Creation of Eve - Michelangelo Disponível em:< https://www.portalviu.com.br/opiniao/cronica-dia-da-mulher >.
36
FIGURA 4. The Three Graces - Peter Paul Rubens Disponível em:< https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rubens,_Peter_Paul_-_The_Three_Graces.jpg >.
36
FIGURA 5. Anciã da etnia Mursi, foto por Haroldo Castro/ÉPOCA Disponível em:< https://epoca.globo.com/sociedade/viajologia/noticia/2017/08/o-disco-labial-e-umadecoracao-que-sublinha-beleza-feminina-ou-e-uma-mutilacao-do-corpo.html >.
37
FIGURA 6. Antes e Depois, frames do vídeo ‘Beauty Standards Around The World’ Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=RT9FmDBrewA >.
38
FIGURA 7. Foto da exposição “Corpos Livres”, por Bob Wolfenson/CLAUDIA (1) Disponível em:< https://claudia.abril.com.br/sua-vida/exposicao-de-fotos-de-bob-wolfenson-combate-agordofobia/ >.
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FIGURA 8. Foto da exposição “Corpos Livres”, por Bob Wolfenson/CLAUDIA (2) Disponível em:< https://claudia.abril.com.br/sua-vida/exposicao-de-fotos-de-bob-wolfenson-combate-agordofobia/ >.
51
FIGURA 9. Resultado de uma das participantes da campanha, capturas de tela do vídeo ‘Dove Retratos da Real Beleza’ Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=Il0nz0LHbcM >.
52
FIGURA 10. ‘Seu Peso está saudável?’, captura de tela do site da ABESO Disponível em:< http://www.abeso.org.br/atitude-saudavel/imc >.
57
FIGURA 11. Livro Coisa de Menino Disponível em:< https://www.saraiva.com.br/coisa-de-menino-9889134.html# >.
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FIGURA 12. Livro Tudo Bem Ser Diferente Disponível em:< https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/infantil/literatura/tudo-bem-serdiferente-3105655 >.
82
FIGURA 13. Livro Meus Dois Pais Disponível em:< https://www.saraiva.com.br/meus-dois-pais-9846267.html# >.
83
FIGURA 14. Livro O Cabelo de Cora Disponível em:< https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/infantil/tematicos/poesia/o-cabelo-decora-42090606 >.
83
FIGURA 15. Livro Ernesto (1) Disponível em:< https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=41181 >.
84
FIGURA 16. Livro Ernesto (2) Disponível em:< https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=41181 >.
85
FIGURA 17. Livro Ernesto (3) Disponível em:< https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=41181 >.
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FIGURA 18. Painel de referências
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FIGURA 19. Estudos da personagem
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FIGURA 20. Storyboard
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FIGURA 21. Ilustrações em Papel
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FIGURA 22. Comparação das ilustrações em papel e editadas no computador
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FIGURA 23. Simulação da capa do produto final
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FIGURA 24. Simulação da frente e o verso do produto final
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FIGURA 25. Simulação do miolo do produto final (1)
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FIGURA 26. Simulação do miolo do produto final (2)
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Esta obra foi composta pela designer Raquel Takeshita Carbone e impressa pela grĂĄfica NG em ofsete sobre papel couchĂŠ em Novembro de 2019
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