Webtoon interativa sobre a mulher na cultura coreana
Juliana Pereira Machado Orientadora: ProfÂŞ Ana Lucia Reboledo Sanches Centro UniversitĂĄrio SENAC - Santo Amaro
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário SENAC - Santo Amaro, como exigência parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Design com linha de formação específica em Design Digital. 23 de Novembro de 2020
“Algumas pessoas perguntam: ‘Por que a palavra feminista? Por que não só dizer que você acredita nos direitos humanos ou algo assim?’ Porque isso seria um jeito de fingir que não são as mulheres que têm, por séculos, sido excluídas. Isso seria uma forma de negar que os problemas de gênero afetam as mulheres.” Chimamanda Ngozi Adichie, escritora nigeriana
RESUMO
ABSTRACT
Esse projeto visa explorar conceitos e definições do que é o
This project aims to explore concepts and definitions of what
feminismo ao longo da história mundial, tendo enfoque no Brasil e
feminism is throughout world history, focusing on Brazil and South
na Coreia do Sul. Esse recorte é feito para proporcionar uma análise
Korea. This cut is made to provide a critical analysis of the South
crítica da indústria de entretenimento sul-coreana, principalmente
Korean entertainment industry, especially on K- pop and the K-
sobre o K-pop e os K-dramas.
dramas.
Através do estudo acerca do material levantado, pretende-se
Through the study of the material surveyed, we intend to
compreender o reflexo do patriarcalismo nas narrativas e no
understand the reflex of patriarchalism in the narratives and in the
mercado musical sul-coreano, além de refletir sobre como o público
South Korean music market, in addition to reflecting on how the
brasileiro interpreta isso.
Brazilian public interprets this.
Como última fase, é proposta a elaboração de uma webtoon
As a last stage, it is proposed to develop an interactive webtoon
interativa destinada principalmente ao público feminino entre 15 e 29
aimed mainly at women between 15 and 29 years old, which was
anos que foi apontado pelas pesquisas e pelo questionário online
identified by surveys and the online questionnaire as the largest
como a maior parcela de consumidores desses produtos no Brasil.
portion of consumers of these products in Brazil.
Palavras-chave: 1.
K-dramas. 2. K-pop. 3. Feminismo. 4.
Coreia do Sul. 5. Fãs brasileiros. 6. Webtoon
Keywords: 1. K-dramas. 2. K-pop. 3. Feminism. 4. South Korea. 5. Brazilian fans. 6. Webtoon
1
OBJETIVOS
1)
compreender o feminismo tanto no contexto geral,
quanto no recorte da sociedade brasileira e coreana; 1.1.
Objetivo geral
Este presente trabalho visa problematizar as produções da indústria de entretenimento sul-coreana e como o público brasileiro as compreende a partir da ótica do feminismo, apontando situações que passam despercebidas e perpetuam os valores patriarcais presentes em nossa sociedade. Como produto final para intermediar essa discussão, a proposta é desenvolver uma série de webtoons interativas que fazem referências a cenas conhecidas pelo público-alvo, mas que não são analisadas criticamente.
1.2.
Objetivos específicos
Para alcançar o objetivo geral, os objetivos específicos serão conduzidos da seguinte forma:
2)
a partir dessa percepção, identificar situações em que o
poder está centralizado somente na figura masculina e que não estão evidentes para o público; 3)
e então apresentar uma análise crítica, exemplificando
com produções que já são de conhecimento da audiência.
2
JUSTIFICATIVA
Provavelmente, é nessa fase em que a desigualdade de gênero ficará mais evidente para a mulher, seja em frequentar um
De acordo com um levantamento realizado pela plataforma
curso considerado “masculino”, como Engenharia da Computação
Spotify1, entre janeiro de 2014 e janeiro de 2020, o streaming de
ou por receber um salário menor em comparação aos colegas
K-pop (“Korean pop” ou pop sul-coreano em tradução literal)
homens, mesmo exercendo as mesmas
aumentou mais de 1800%, sendo o Brasil o quinto país que mais
indica um levantamento realizado em 2018 pelo IBGE (Instituto
escutou o gênero no final do ano passado. A mesma pesquisa
Brasileiro de Geografia e Estatística)3.
atividades, conforme
revelou que 73% dos ouvintes são mulheres e 53% tem entre 18 e
A diferença em como os artistas do sexo masculino e feminino
24 anos. Em outra análise2, dessa vez realizada para fins
são tratados na indústria do entretenimento sul-coreano é
acadêmicos com enfoque no público que acompanha doramas
resultado de uma cultura patriarcal e reflete nos fãs que
(dramas asiáticos), apontou que das quase 2 mil pessoas
acompanham essas produções e é possível ver o resultado disso
entrevistadas, cerca de 98% eram mulheres e aproximadamente
em seus comentários e ações. Um exemplo recente é o escândalo
65% estavam entre 16 e 25 anos.
do Burning Sun4, em que o K-idol (“Korean idol” ou ídolo coreano
É evidente a prevalência do público feminino e quando feita
em tradução literal) Seungri do grupo Big Bang foi indiciado por
uma reflexão sobre a faixa etária preponderante, ela se concentra
diversos crimes, dentre eles por mediar prostituição. Apesar de
no momento em que se inicia no ensino médio, na faculdade ou
parte do público lamentar e condenar tal conduta, alguns fãs o
no mercado de trabalho.
apoiaram e não quiseram aceitar a acusação5.
1 Acesso
em: 21.abr.2020 2 Acesso em: 5.abr.2020 3 Acesso em: 30.abr.2020 4 Acesso em: 30.abr.2020 5 Todos os prints apresentados nesse capítulo (Justificativa) foram feitos em: 5.abr.2020
Esse episódio desencadeou uma investigação que condenou outros dois cantores, Jong Joon-Young da banda Drug Restaurant e Choi Jong-Hoon da banda FT Island, por filmar e compartilhar um estupro coletivo em um grupo de Kakao Talk (aplicativo semelhante ao Whatsapp).
Outro acontecimento conhecido dentro da comunidade de fãs de doramas foi a acusação de agressão do ator e cantor Kim Hyun Joong feita pela namorada que estaria supostamente grávida na época. Como o caso é antigo, há muitas informações desencontradas, veiculadas por fontes não confiáveis ou que são influenciadas por outros fatores.
Esse conjunto de comentários também revela que já há uma parcela de fãs conscientes com olhar crítico sob a situação. Mesmo diante do cenário atual, há diversos artistas sulcoreanos que apoiam a causa feminista, um exemplo deles é a Kidol Irene do girlgroup Red Velvet. Em uma ocasião, a cantora compartilhou com seus fãs sobre ter lido o livro “Kim Ji-young, nascida em 1982”, o que gerou repercussão negativa, principalmente entre os fãs masculinos. O livro citado discorre sobre a vida de uma mulher comum que se torna mãe aos 30 anos. Alguns trechos revelam o porquê de a obra ser creditada como uma referência na literatura feminista contemporânea. Por exemplo, ao ser questionada sobre como agiria diante de um assédio sexual no local de trabalho, a personagem revela que tentaria agir “naturalmente”. Em outro momento da trama, ela chega a ser insultada por supostamente esbanjar o dinheiro do marido, apenas por aproveitar um momento em que seu bebê descansa para tomar um café (CLAIRE LEE, 2018).
Na Coreia do Sul, ao contrário da K-idol, personalidades masculinas que apoiam o feminismo e até compartilham o livro em questão são vistos com bons olhos. De acordo com Ahn SangSoo, do Instituto de Desenvolvimento das Mulheres da Coreia, os ataques cibernéticos, como os que Irene sofreu, são indícios de que os homens coreanos estão preocupados e se sentem ameaçados com o movimento #MeToo. Para eles a imagem de mulher “ideal” é desfeita quando a expansão do feminismo dá voz para as mulheres expressarem seus pensamentos e sentimentos. (CLAIRE LEE, 2018).
3
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
3.1 Cultura como dispositivo para crescimento
Atualmente as Coreias estão em trégua, mas ainda há constante tensão. Após tantos conflitos, a Coreia do Sul sofreu com o pós-guerra
O mercado cultural sul-coreano se mostra em constante
e enfrentou golpes militares que resultaram em períodos
crescimento, de acordo com dados divulgados pela Yonhap News
ditatoriais. O estímulo ao ensino superior proporcionou aos jovens
Agency, em 2018 o aumento da indústria foi de 8,4% chegando a
uma visão mais crítica sobre o governo do país, o que provocou
alcançar US$ 9,55 bilhões de dólares, e desse total, somente o K-
mobilizações para reivindicação de direitos em diversos
pop rendeu mais de US$ 4,7 bilhões de dólares ao ano.
momentos da política sul-coreana no final do século XX. Nessa
Ao longo da história, a Coreia do Sul enfrentou diversos
época, o governo recebeu auxílio, principalmente dos Estados
obstáculos para atualmente ser reconhecida como uma potência.
Unidos, possibilitando a reconstrução do estado e gerando
Depois de sobreviver a Dinastia Chŏson (1392 – 1897), a Coreia
empregos nas cidades, o que consequentemente causou o êxodo
permaneceu sob ocupação e colonização do Japão de 1910 a
rural. Durante os anos seguintes, transformou-se em um país
1945. Após a rendição dos japoneses na 2ª Guerra Mundial, a
industrializado, que em meio a crises, recessões e crescimento,
Coreia foi dividida no conhecido Paralelo 38, sendo o Norte
dispôs de programas de desenvolvimento econômico que
domínio soviético e o Sul domínio americano. Pouco tempo
mudaram o cenário de sua economia (COLUMBIA, 1992).
depois, inserida no contexto da Guerra Fria, houve a Guerra da
Com a crise financeira que atingiu o continente asiático em
Coreia (1950 – 1953), quando Kim Il Sung – o primeiro líder da
1997, companhias de produção começaram a adquirir programas
Coreia do Norte – decidiu invadir o Sul para reunificar os países.
de televisão sul-coreanos, pois estes custavam de 75% a 90% a
menos do que obras do Japão ou de Hong Kong (CHUNG et al.,
através do forte enfoque ao respeito aos mais velhos, à hierarquia e
2011 apud FERNÁNDEZ, 2012). Com a difusão das telenovelas,
a importância da família” (MADUREIRA et al., 2014, p.7 apud
surge na China o termo “Hallyu” ou onda coreana, que atualmente
ALMEIDA, 2019).
abrange não somente os K-dramas, mas também o K-pop e a Kbeauty.
Que o confucionismo ainda atua sob os produtos culturais sulcoreanos não há dúvida, mas para o público desse fenômeno, há
A distribuição dos K-dramas na Ásia obteve tanto êxito que a
indícios dessa influência que podem passar despercebidos.
relação sócio-política entre Coreia do Sul e Japão, desestabilizada
Algumas dessas premissas ainda enraizadas no país, como a
em decorrência dos conflitos anteriores, foi amenizada
definição da “boa esposa” ou a “superioridade masculina” são
(MADUREIRA et al., 2014, p.7 apud ALMEIDA, 2019). Mas grande
abordadas a seguir.
parte desse sucesso também se deve à música sul-coreana, que
3.2 A mulher na Coreia do Sul
como fenômeno mundial teve papel importante para expandir
Para os simpatizantes internacionais da música popular sul-
ainda mais o mercado cultural do país como um todo (ALMEIDA,
coreana, o famoso K-pop, a figura da K-idol é provavelmente a única
2019).
referência que eles terão sobre a mulher sul-coreana. Alguns fãs
Segundo uma entrevista realizada com o diretor-presidente da
mais entusiasmados podem acompanhar seus ídolos em entrevistas
produtora de dramas Pan Entertainment, o sucesso das narrativas
no rádio, programas de variedades, entre outros, mas ao consumir
sul-coreanas é resultado da preservação do espírito confucionista (MARTEL, 2012, p.295 apud ALMEIDA, 2019), “[..] não mais com o teor religioso, mas como posicionamento moral e tradicional
esses materiais só é possível ter uma ligeira percepção de como a mulher é projetada nessa cultura, principalmente quando beleza é a pauta em questão.
Os doramas sul-coreanos compõem um formato de mídia que
divórcio. A maioria dos argumentos que hoje seriam considerados
permite uma abordagem mais profunda da figura da mulher no
irrelevantes constituíam o ch’ilgo chiak (as regras dos “sete
país, além da história da personagem feminina – que em alguns
males”). São eles:
casos acaba ficando em segundo plano, principalmente se ela não
• incapacidade de gerar um filho;
for a protagonista – há também o fator do contexto histórico em
• desobediência aos sogros;
que a história está inserida, pois revela como essa mulher é moldada por tal sociedade. Foi na transição da Dinastia Kŏryo (918 – 1392) para a Chŏson
• adultério; • demonstração de ciúmes;
que os papéis de gênero na sociedade coreana foram
• doenças crônicas;
determinados e têm impacto até os dias atuais. Conforme
• roubos;
Theodore Yoo (2014) aponta, durante o período Kŏryo as
• e falar muito.
mulheres desfrutavam de direitos e privilégios, como receber uma herança desde que ela se cassasse ou seus pais morressem. Mais tarde, isso se converteu em riqueza para o marido e descendentes dele, o que praticamente anulava qualquer possibilidade de divórcio sem a ruína financeira da esposa.
Com a instituição do sistema patrilinear – em que apenas a filiação do patriarca é considerada – figuras como a mudang (xamã) ou a “mãe sábia, boa esposa” eram vistas como ameaça, pois suas habilidades como mediadora do mundo espiritual, curadora ou influenciadora do marido e/ou filho representavam a
Em outra observação feita em seu livro, Yoo (2014) fala sobre a série de regras que um marido poderia usar como pretexto para
figura feminina em posição de liderança (YOO, 2014).
Assim como ideais confucionistas estabeleceram uma
presumiam que a estabilidade do reino estava diretamente ligada
hierarquia de classes sociais, a sociedade Chŏson também definiu
a organização familiar, onde o patriarca assumia a posição de
“graus de dignidade” por idade e gênero:
privilegiado e a mulher de subserviente com base no samjong chido (“As três regras da obediência”) que são as seguintes: • obediência ao pai antes do casamento; • obediência ao marido durante o casamento; • obediência ao filho após a morte do marido. A aplicação dessas regras foi suavizada pelo relacionamento de mãe e filho, pois além de influenciar, ela também administrava a família e cuidava dos filhos. Também sendo responsável por dar base moral aos filhos, preparar o menino para exame nacional e a menina para casar-se com uma família rica, o sucesso da ascensão da família, consequentemente recaía sob a mãe (YOO, 2014).
Em seu texto, Theodore (2014) relembra que para o pensador
Naquele período, uma das maiores preocupações era manter a
Chŏng To-Jŏng a ordem só era possível através da hierarquia
linhagem da família e como a descendência era patrilinear o
“natural”. Essa concepção aproxima-se aos líderes de Chŏson que
yangban (elite) adotava filhos para que as filhas não fossem
herdeiras, enquanto o sangmin ou yangmin (plebeu) casava suas filhas.
3.3
Representação da mulher
Algumas famílias recorriam a uma ssibaji (mãe de aluguel) ou uma
Nos últimos anos a presença de personagens femininas fortes e
concubina, que às vezes era adquirida através da compra da filha de
que não se comportam de forma submissa diante do cenário social
uma família pobre (YOO, 2014).
patriarcal vem aumentando gradualmente, porém a maioria ainda
Na hierarquia Chŏson, abaixo dos plebeus ainda havia os ch’omin
representa a moça ingênua que é protegida pelo rapaz que faz tudo por
(escravos) que se dividiam entre kongnobi (estatal) e sanobi (privado).
que a ama. É o caso de The Heirs, uma moça pobre, filha da
Além dessa separação, também eram classificados como solgŏ nobi
empregada, se apaixona pelo filho do patrão. Ele a disputa com o
(escravos residentes) e os oegŏ nobi (escravos residentes externos).
antagonista, um bad boy que supostamente gosta da jovem e que a
Para escravas solgŏ nobi, o destino cabia às vontades do proprietário, algumas até sofriam abusos sexuais e tinham que criar os filhos ilegítimos (YOO, 2014). Foi em 1919, com o conhecido Movimento Primeiro de Março, que o país enxergou uma possibilidade de igualdade entre gêneros através da luta em prol da independência da Coreia. Ao mesmo tempo, a fundação do YWCA (Associação Cristã das Jovens Mulheres Coreanas) se tornou uma importante fronte feminista, que desafiava regras de gênero e promovia a educação, independência financeira, apoio social e legal para as mulheres (CHOI, 1994, 2013 apud AZENHA, 2018).
provoca exatamente por esse motivo. A base da história já é conhecida, mas a forma como algumas situações são abordadas levanta a questão se é algo da cultura local, se faz parte do machismo enraizado na sociedade ou se é tudo isso junto. Outro K-drama clássico entre os fãs e com relacionamento polêmico é Playfull Kiss. Com temática colegial, o enredo gira em torno de uma jovem estudante que é apaixonada pelo aluno mais popular da escola. Mesmo ele sempre tendo um comportamento frio e arrogante com ela até o final da história, e algumas vezes até a humilhando, a personagem não desiste de conquistá-lo e os dois acabam juntos.
Cenas em que o homem proíbe que a mulher fale com seu “rival” ou
com conceito fofo são os ahjussi fans ou samchon fans (“tios-fãs” em
em que segura o pulso da mulher e a arrasta para fora de um ambiente
tradução literal) que são seguidores do sexo masculino acima de 30 anos.
que ele não considera “apropriado” são comuns e demonstram o
Segundo Kim (2011, apud RIBEIRO; SILVA; XIMENES; COVALESKI,
comportamento possessivo nos relacionamentos retratados nos
2017), através dessa designação, eles esperam que a sociedade assuma
doramas.
“que seu olhar sobre as garotas não passa de um amor familiar de um tio
No K-pop também é possível apontar situações a serem discutidas pelo feminismo, uma delas é a categorização de girlgroups entre cute e
em relação às suas sobrinhas, fazendo com que sua adoração por integrantes infantilizadas seja normalizada e ‘perdoada’”.
sexy, que acaba convergindo na hipersexualização da figura feminina. No clipe da música Ah Yeah, o grupo feminino EXID brinca com a
3.4 A mulher e o feminismo no mundo
censura nas cenas, provocando uma interpretação dúbia pelo
Ao contrário do que muitos pensam, o feminismo não é o contrário do
espectador, no final revelando-se totalmente equivocada. A utilização “de
machismo, mas sim, um movimento que busca a igualdade entre os
tarjas de censura nos leva a questionar se o conteúdo [..] é censurado
gêneros. Ele é constituído de ondas, que são períodos em que pautas
porque é de natureza sexual ou se é pelo fato de que é uma mulher o
específicas são levantadas para discussão.
fazendo” (RIBEIRO; SILVA; XIMENES; COVALESKI, 2017).
A primeira onda feminista ocorreu no final do século XIX e início do
Por outro lado, a abordagem fofa e muitas vezes infantilizada, mesmo
século XX, buscando o reconhecimento da mulher como cidadã e tendo o
que não se mostre explicitamente sexualizada, remete ao Efeito Lolita,
voto como principal reivindicação. Porém, o movimento era reduzido aos
onde essa sexualização das garotas, acompanha um imaginário do que
interesses das mulheres brancas e de classe média, visto que mulheres
é a “feminilidade envolvendo o exibicionismo e ao mesmo tempo a
negras, indígenas ou de países colonizados sofriam com o trabalho
submissão ao olhar masculino” (DURHAM, 2008 apud RIBEIRO; SILVA;
pesado, a discriminação racial e/ou de classe, além de enfrentar a
XIMENES; COVALESKI, 2017). Um dos maiores públicos dos girlgroups
objetificação de seus corpos, que as transformavam em vítimas comuns de crimes sexuais (GÊNEROS,…2016). Em 1960, a segunda onda feminista tem início exigindo as mesmas oportunidades no mercado de trabalho e o direito sob o próprio corpo. Nesse momento, o feminismo começa a descobrir sua interseccionalidade, dividindo-se em correntes: liberal, radical, negro e socialista (GÊNEROS...2016). Dentre as lutas de cada vertente está a defesa de que deveriam ser oferecidas as mesmas oportunidades para as mulheres desenvolverem suas habilidades. Também foi criada uma forte discussão sobre a distribuição desigual de salários entre os gêneros, sendo que grande parte das mulheres sofrem até hoje com a dupla jornada ao trabalharem em um emprego e cuidarem dos afazeres domésticos (JARAMILLO, 2000, p. 115 apud RAMOS, 2016).
Atualmente já se discute nos meios acadêmicos a existência da quarta onda do feminismo, sendo as redes sociais um dos principais canais de mobilização e propagação de seus ideais. Algumas das abordagens predominantes são referentes a cultura de estupro, a representação da mulher na mídia, entre outras (FRANCHINI, 2017). Na Coreia do Sul, o ciberfeminismo causou tanto impacto na sociedade que em 2017, a comunidade feminista Megalia forçou o governo a encerrar o site Soranet, responsável por propagar imagens de pornografia de vingança e infantil desde 1999 (KWON, 2019). Nos últimos anos, as sul-coreanas têm sofrido ainda mais com a violência, sendo que entre 2005 e 2014 os índices mais que dobraram (J.E. KIM, 2016 apud KWON, 2019). Mesmo diante de um dado tão alarmante, algumas mídias veiculam mensagens que incitam esse tipo de comportamento covarde. A edição de setembro de 2015 da revista Maxim
O pensamento de que o discurso feminista estaria excluindo diversas mulheres, pois sua perspectiva ocidental era branca e
trouxe em sua capa a imagem de um ator fazendo alusão a um estupro seguido de assassinato de uma mulher, acompanhado pela frase “Real
heterossexual, deu origem a terceira onda nos meados dos anos 1990
Bad Guy”. A publicação sofreu diversas críticas por romantizar a violência
(RABENHORST, 2009, p. 25 apud RAMOS, 2016). Novos coletivos
contra a mulher, deixando mais evidente a responsabilidade da mídia sob
começaram a ganhar visibilidade na luta feminista, sendo a sexualidade
a sua produção (KWON, 2019).
uma palavra-chave nas discussões político-sociais (GÊNEROS...2016).
A nova onda de feminismo na Coreia do Sul teve como um de seus estopins a morte de uma jovem em Gangnam, o assassino em defesa alegou “as mulheres sempre me ignoram”, isso demonstra que o feminicídio é real, uma mulher pode ser vítima de violência e até assassinato apenas por ser mulher (S. PARK et al., 2016 apud KWON, 2019). O primeiro ato de resistência feminista na Coreia ocorreu em 1922, com a KWCTU (União “Temperada” de Mulheres Coreanas Cristãs) que emergiu depois da instauração da YWCA, com o objetivo de combater a legalização da prostituição no país (LEE, 2007 apud AZENHA, 2018). Nos anos 2000, o patriarcalismo, nacionalismo e aversão a minorias fez com que mulheres, pessoas com deficiência e migrantes fossem marginalizados. Porém o neoliberalismo sul-coreano assistiu o número de mulheres educadas e consumidoras ativas aumentando, a partir disso, criou-se a ilusão de que a igualdade de gênero já era algo estabelecido e a luta não seria mais necessária (H. SON, 2015 apud KWON, 2019). A verdade é que, nos dias atuais, entre os países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento) a Coreia do Sul é o país com a maior diferença salarial entre os gêneros (KWON, 2019). 7 Site
Women You Should Know https://womenyoushouldknow.net/maxim-korea-september-cover-glorifies-violence-against-women/
A partir desses levantamentos, notou-se que vários dos comportamentos mostrados nos doramas, os quais são considerados machistas pela cultura ocidental, são mecanismos que reverberam ao longo da história da sociedade sul-coreana, principalmente como resultado dos ideais confucionistas. Com base nisso, foi realizada uma pesquisa para compreender mais sobre o público brasileiro que consume os K-dramas e quais as visões dele acerca do feminismo em relação às produções televisivas sul-coreanas.
4
RESULTADOS DE PESQUISA O estudo foi feito totalmente online, sendo um questionário
composto por 20 questões8, das quais 3 foram reservadas para solicitação de dados pessoais, caso o entrevistado concordasse em contribuir com o projeto futuramente. A enquete permaneceu recebendo respostas por 6 dias, entre os dias 22 e 27 de maio. As perguntas variaram entre múltipla escolha e dissertativa, e das 56 respostas, 3 precisaram ser descartadas por estarem duplicadas. A análise a seguir foi feita somente com as respostas válidas.
fantasia/ficção científica (40%), ação/policial (17,8%), épico/histórico (15,6%), médico (8,9%) e suspense (2,2%). Desses que são telespectadores, 53,3% afirmou que as relações são retratadas de forma saudável, contra 46,7%. %. Porém, ao serem questionados se já notaram representações de machismo nessas produções, 86,7% respondeu que sim, em várias cenas, 11,1% concordou, mas disse que essas representações estão presentes em poucas cenas e 2,2% afirmou que não existe representação de machismo nos doramas. Mesmo não sendo uma pergunta obrigatória, quando questionados sobre situações ou comportamentos machistas retratados nos K-dramas
A pesquisa mostrou que 81,1% das pessoas que responderam eram
que tenham chamado a atenção deles 71,7% dos entrevistados
mulheres, contra 18,9% constituído por homens. Perguntados sobre a
responderam. Dentre as situações apontadas, a maioria se concentrou
idade, 50,9% declararam ter entre 15 e 19 anos, seguidos por 18,9%
em falar sobre como a mulher é representada como frágil em todos os
com idades entre 25 e 29 anos. Uma parcela de 15,1% afirmou ter de
aspectos, retomando a ideia de submissão, principalmente diante de
20 a 24 anos, 7,5% disse ter de 30 a 34 anos, igualmente aqueles que
comportamentos abusivos, que diversas vezes é amenizado e
informam terem acima de 34 anos. Do total, 84,9% assiste doramas e
romantizado pelo roteiro. Os entrevistados também indicaram que o
os gêneros preferidos são comédia romântica com 80%, romance com
ciúmes e a possessividade são bastante presentes nos enredos. Há
68,9% e colegial/escolar com 44,4%. As outras categorias foram
uma superioridade construída em torno do personagem masculino, enquanto a mulher é diminuída e às vezes até humilhada.
Isso também remete ao fato de que as personagens femininas só são respeitadas quando casadas ou possuem uma carreira profissional.
De acordo com todas as respostas que foram validadas, 67,9% das pessoas se identificam com o feminismo, 15,1% também se identifica e é
Das 53 respostas válidas, 77,4% indicaram que as pessoas consomem
ativista, 9,4% não tem opinião sobre o tema, 5,7% não se identifica com
outro produto midiático sul-coreano, enquanto 22,6% é fã somente de
o movimento feminista e 1,9% não se identifica e nem concorda com a
doramas. Desse total, 87,8% consome K-pop, 53,6% assiste a programas de
causa. Para entender se essa relação entre feminismo e doramas faz
variedades, 43,9% é público de reality show, 41,6% lê webtoons e para os
sentido para a comunidade de fãs, foi perguntado se eles participam de
que acompanham a culinária, filmes, OST (Original Soundtrack, as trilhas sonoras dos doramas), behind the scenes ou artistas independentes são representados por 2,4% cada um. Da porcentagem consumidora de outras mídias sul-coreanas, 73,2% afirmaram terem notado situações ou comportamentos machistas nessas
algum grupo para discutir as ficções sul-coreanas, 49,1% respondeu que sim contra 50,9%. Segundo 73,1% dos participantes de comunidades de K-dramas, a discussão sobre o feminismo dentro desses grupos vem aumentando, para 11,5% continua da mesma forma e 15,4% não soube informar.
produções, enquanto 26,8% declinou. A partir dessas respostas, 56% frisou alguns comportamentos marcantes que se passaram nesses produtos. Dentre
Aproveitando a oportunidade, foram realizadas 2 questões acerca do
os mais comentados estão a sexualização das mulheres, a estereotipação da
produto que será resultado desse trabalho. Dentre escolher manter o
mulher como fraca, indefesa e incapaz, novamente a superioridade
final original de uma cena ou modificá-la com outros finais, 67,9%
masculina, acompanhada da submissão feminina, principalmente diante de
preferiu a segunda opção e 32,1% a primeira. Sobre apresentar isso
comportamentos agressivos romantizados. Também foi citada a pressão
como um jogo ou um webtoon interativo, 52,8% escolheu a segunda
estética que as K-idols sofrem, não só indiretamente, mas também através de
alternativa ao contrário de 47,2% que optou pela primeira opção. Em um
comentários em programas de variedades, no qual o foco da conversa é
segundo momento quando iniciarem os testes com usuários, 62,3% se
redirecionado à aparência, peso e até comportamento da mulher.
disponibilizou para continuar contribuindo com o projeto.
5
ESTUDOS DE CONCEPÇÃO Como objeto de estudo, os doramas serão utilizados como base
para releituras, sempre buscando ser o mais próximo possível aos enquadramentos e cores das cenas.
É comum webtoons serem adaptados para a TV e no K-drama W-Two Worlds é possível ver essa transição de um suporte para o outro, por esse motivo, a obra também será usada como referência.
Geralmente o estilo que compõem grande parte das webtoons é mais simples, porém para manter a referência do dorama citado acima e manter um aspecto um pouco mais sério, serão utilizados traços mais realistas acompanhados de hachuras. Para trazer esse aspecto mais dramático, a obra utilizada como inspiração será a webtoon Distant Sky.
Para estruturação da narrativa, o jogo Framed será utilizado
Como exemplo de aplicativos que possibilitam a leitura de
como modelo, pois ele simula uma história em quadrinhos na qual
webtoons, o trabalho irá tomar como base os seguintes: Webtoon,
o jogador pode alterar a ordem dos frames e consequentemente
WeComics e Chatty, principalmente o último, pois ele permite
mudar o rumo da trama.
interatividade do leitor.
9 Site
do jogo Framed http://www.framed-game.com
6
O APLICATIVO
6.1 Personas
Com base no público pesquisado foram criadas 3 personas, cada uma definida como:
•
Aprendiz - está conhecendo os produtos da indústria de entretenimento sul-coreana e aprendendo sobre o feminismo. Ainda não possui opinião totalmente estruturada, mas busca ter um olhar mais crítico.
•
Ativista - já conhece os produtos da indústria de entretenimento sul-coreana e se enxerga como apoiadora do feminismo. Suas observações são bem fundamentadas e analisa tudo que consome com um olhar crítico.
•
Explorador - não é um fã da indústria de entretenimento sulcoreana, porém, às vezes consome algum produto (k-pop, dorama ou programa de variedade sul-coreano). Não apoia o
K_Woman
feminismo, mas aceita discutir sobre o assunto e se dispõe a repensar algumas crenças.
6
O APLICATIVO
6.2 Mapa de empatia
Foi construído um mapa de empatia com o intuito de compreender um pouco mais sobre quem acessaria o aplicativo, o que ele pensava, quais seus hábitos, como a plataforma poderia ser útil para ele, entre outros.
Link para acessar o aplicativo: https:// xd.adobe.com/view/cd81f7df-59b3-4703a779-43247aa3d091-98d2/?fullscreen
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, é possível concluir que a discussão sobre o feminismo tem
grande importância na sociedade, visto que modelos de controle sob as mulheres é algo que atravessa séculos e ainda possui grande influência. Mesmo no contexto atual há muita desinformação e concepções erradas sobre o movimento feminista, o que impede que algumas pessoas possam conhecê-lo como um todo e sejam capazes de explorar suas vertentes. Através dos levantamentos realizados nota-se que em alguns momentos a relação entre fã e ídolo pode ameaçar uma análise crítica sobre as atitudes do artista, tanto como pessoa real ou personagem. Porém, a comunidade de fãs já se mobiliza para promover discussões sobre a submissão feminina, a romantização de comportamentos abusivos, a hipersexualização da mulher, entre outros. Desse modo, esse trabalho representa uma forma de buscar meios alternativos para dialogar com o público entusiasta dos produtos midiáticos sul-coreanos, como K-pop e K-drama, a fim de promover reflexões sobre o papel da mulher na sociedade brasileira e sul-coreana.
FRANCHINI, B. S. O que são as ondas do feminismo? in: Revista QG Feminista. 2017. Disponível em: https://
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REFERÊNCIAS
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