Memória e Identidade Através de Recordações

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Memória e Identidade através de recordações Volume Teórico


Memória e Identidade através de Recordações

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Design com linha específica em Design Gráfico.

São Paulo 2019

Yasmin Sant’Anna Antunes


Elaborada pelo sistema de geração automática de ficha catalográfica do Centro Universitário Senac São Paulo com dados fornecidos pelo autor(a). Antunes, Yasmin Memória e Identidade atravéz de Recordações/ Yasmin Antunes São Paulo (SP), 2019. 44 f:. il. color. Orientador(a): Denize Roma Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Design Gráfico) Centro Universitário Senac, São Paulo, 2019. Design Gráfico, Recordação, Fetichismo do objeto, Cultura Material, Memória e identidade I. Roma, Denize (Orient.) II. Guimarães, Maria Eduarda (Orient.) III. Yamamoto, João (Orient.) IV. Título



Agradecimento Agradeço aos meus pais, por darem condições para que eu chegasse até aqui e terem sempre apoiado meus estudos. Agradeço aos professores que me auxiliaram nesse trajeto acadêmico, em especial à minha orientadora, Denize Roma, que me guiou em vários aspectos desse projeto e me apoiou emocionalmente, ao João Yamamoto, por suas aulas de Cultura Material, que me inspiraram durante o processo de pesquisa e à Maria Eduarda Araújo Guimarães, que me deu dicas valiosas para enriquecer minha pesquisa. Por fim, gostaria de agradecer à Marilene Carone Garcia, por me permitir que escrevesse sobre sua história e ao seu neto, Rodrigo Parreira Garcia, por ter me auxiliado imensamente durante esse projeto.


Resumo Esse projeto tem como objetivo a criação de um livro de memórias de uma pessoa entrevistada a partir de seus objetos de recordação. Para isso, foram feitas pesquisas para entender sobre a cultura material e o fetichismo do objeto, relacionando o desejo de possuir objetos com as recordações trazidas por eles. Também buscou entender a importância da memória individual e coletiva, assim como a construção da identidade do ser humano e com isso, entender o papel do objeto como legado para o indivíduo. Palavras-Chaves: Design Gráfico, Recordação, Fetichismo do objeto, Cultura Material, Memória e identidade.

Abstract This project aims to create a book of memories of a person interviewed from his/her objects of remembrance. For this, a research was done to understand material culture and fetishism of the object, relating the desire to possess objects with the memories brought by them. It also sought to understand the importance of individual and collective memory, as well as the construction of the identity of the human being and with that, to understand the role of the object as a legacy for the individual. Keywords: Graphic Design, Remembrance, Fetichism of Objects, Material Culture, Memory and Identity.



Sumário Resumo..........................................................................................................................5 Abstract..........................................................................................................................5 Objetivo.........................................................................................................................8 Justificativa ...................................................................................................................8 Processos Metodológicos..............................................................................................8 1 - Cultura Material ....................................................................................................11 1.1 - Fetichismo do Objeto..................................................................................... 12 1.2 - Consumo.........................................................................................................13 2 - Memória e Identidade .......................................................................................... 17 3 - As casas, os objetos e as recordações...................................................................... 21 3.1 - Casas são como museus ................................................................................. 21 3.2 - Objetos que contam histórias........................................................................26 4 - Livro de Recordações............................................................................................33 4.1 Tipo de Impresso..............................................................................................33 4.2 Conceito Editorial do Impresso......................................................................33 4.3 Conceito das Colagens......................................................................................33 4.4 Padronização Gráfica..................................................................................... 34 4.5 Fontes Utilizadas............................................................................................. 35 4.6 Impressão da Capa......................................................................................... 36 4.7 Impressão do Miolo ....................................................................................... 37 Considerações Finais................................................................................................... 38 Lista de Imagens........................................................................................................ 40 Referências.................................................................................................................. 41


Objetivo Os objetos possuem importância fundamental na vida do ser humano, pois além de terem sua função específica, fazem parte da construção da identidade de cada um. O objeto faz com que o indivíduo se encaixe em determinada classe, tribo ou contexto social, além de trazer recordações de momentos, pessoas e lugares importantes. Esse projeto propõe um resgate dessas lembranças pessoais em forma de objeto para a criação de um álbum de recordação expondo sua importância na relação com o indivíduo. Também busca entender a construção da memória e identidade do indivíduo através de objetos de recordação e determinar como a cultura material e fetichismo influenciam nesse processo.

Justificativa É de extrema importância para o indivíduo reafirmar a sua individualidade perante os outros e trazer o sentimento de pertencimento a um grupo de pessoas, seja ele sua família, amigos, pessoas que convive ou a sociedade que está inserido. Os objetos ajudam a construir a identidade e memória do indivíduo e alteram seu valor de acordo com a sua experiência e por isso os objetos de recordação são importantes para a sua história. A relevância desse projeto é valorizar o objeto de recordação e evidenciar que muitas vezes o desejo de possuir acaba sendo superior ao valor sentimental.

Processos Metodológicos Primeiramente foi feita uma análise bibliográfica de livros e artigos acadêmicos junto de uma pesquisa de campo a fim de levantar conhecimentos a cerca de memória e identidade, objetos de recordação, cultura material e fetichismo do objeto. Com as informações levantadas foram classificados os atributos necessários para a criação do livro de recordações que valoriza a memória e a identidade trazida por um objeto.




1 - Cultura Material O conceito de cultura material é “uma maneira de entender melhor os artefatos que produzimos e consumimos, bem como a maneira em que estes se encaixam em sistemas simbólicos e ideológicos mais amplos” (CARDOSO, 1998). Sendo assim, além de objetos de desejo, tais artefatos servem de estudos para entender o funcionamento da sociedade, além da simbologia que damos para cada objeto. Para (CARDOSO, 1998), “o design constitui, grosso modo, a fonte mais importante da maior parte da cultura material de uma sociedade que, mais do que qualquer outra sociedade que já existiu, pauta a sua identidade cultural na abundância material que tem conseguido gerar”. Isso demonstra a importância de designers estudarem e se conscientizarem sobre aquilo que produzem, levando em conta o seu papel tão central para a memória e identidade de uma sociedade. Um objeto possui sua função específica e foi fabricado para atender alguma necessidade da população. Alguns desses itens geram mais interesse de consumo do que outros, além de, com o tempo, poderem se tornar relíquias ou objetos de recordações. A cada dia mais somos bombardeados de novos produtos para compra, em um cenário onde tudo parece ser extremamente sedutor e chamativo, acabamos por nos afogar em um mar de objetos que não precisamos, nos tornando uma geração consumista, como dito por SUDJIC (2008, pg. 6) “Como gansos alimentados à força até seus fígados explodirem para virar foie gras, somos uma geração nascida para consumir”. “As complexidades de séries, procedência e linhagem dos modelos sustentam uma pornografia extasiada que transforma em fetiche óculos de sol e canetas-tinteiro, sapatos e bicicletas e quase tudo o que possa ser trocado, colecionado, categorizado, organizado e, em última análise, possuído” (SUDJIC, 2008, pg. 6). Cultura Material | 11


Observa-se na citação de Sudjic que nesse ciclo vicioso de compra, troca e descarte, nos vemos em uma busca incessante de encontrar itens em lojas que nos prometem atingir a felicidade e plenitude através da compra de determinado objeto, seja por sua inovação, estética ou por simplesmente estar na moda. Baseado nessas informações percebe-se a importância do registro de objetos que agem como elementos de afetividade. Percebendo a importância do estudo dos objetos, a pergunta é de onde vem nossa atração por determinados objetos, mesmo que não sejam úteis para nós? Isso se dá pelo fetichismo.

1.1 - Fetichismo do Objeto “Para encontrar algo de análogo a este fenômeno, é necessário procurá-lo na região nebulosa do mundo religioso. Aí os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, entidades autônomas que mantêm relações entre si e com os homens. O mesmo se passa no mundo mercantil com os produtos da mão do homem. É o que se pode chamar o fetichismo que se aferra aos produtos do trabalho logo que se apresentam como mercadorias, sendo, portanto, inseparável deste modo-de-produção” (MARX, 1867, pg. 20)

Fetiche é uma palavra portuguesa utilizada na antropologia para falar de religiões africanas tribais, são objetos de adoração aos quais se atribuíam qualidades humanas. É interessante ressaltar a maneira que criamos significados para as coisas, chegando ao ponto de darmos poderes sobrenaturais a um objeto ou até cultuá-los. Objetos que trazem memórias são guardados como tesouros e visitados em momentos importantes, ao atribuirmos memória a eles transcendemos suas funções, tornando-os mágicos. 12 | Memória e Identidade através de Recordações


“O fetichismo consiste, precisamente, no deslocamento de sentidos das relações sociais -- onde eles são efetivamente gerados -- para os artefatos, criando-se a ilusão de sua autonomia e naturalidade. Por certo, tais atributos são historicamente selecionados e mobilizados pelas sociedades e grupos nas operações de produção, circulação e consumo de sentido. Por isso, seria vão buscar nos objetos o sentido dos objetos. (MENESES, 1998, pg. 91) Os artefatos por si só não possuem um sentido maior do que sua função designada, porém, por conta da sua interação com o ser humano, o objeto passa a ganhar maior importância, se tornando um espectador em meio a um tempo que não volta mais. Esse artefato se torna uma prova daquele tempo, como se fosse um espectador silencioso. Quando Bezerra de Meneses diz que “seria em vão buscar nos objetos o sentido dos objetos” é porque são as pessoas que adicionam profundidade de sentido a eles e não o objeto em si. Sendo assim, é possível concluir que para estudar o sentimento causado por um objeto e o valor dado a ele é preciso voltar a atenção ao indivíduo. Cada pessoa possui sua história e, dependendo de sua interação com determinado objeto, poderá definir a importância que esse item possui através da experiência causada por ele.

1.2 - Consumo Grant McCracken (2006), em seu artigo sobre cultura e consumo, analisa a relação “pessoa-objeto”, trazendo importantes reflexões sobre o significado cultural dos bens de consumo. Para MCCRACKEN (2006), “o significado cultural se localiza em três lugares: no mundo culturalmente constituído, no bem de consumo e no consumidor individual, movendo-se numa trajetória com dois pontos de transferência: do mundo para o bem e do bem para o indivíduo”. Sendo assim, podemos perceber que o mundo traz significado, imporCultura Material | 13


tância e função para o objeto e esse passa esses valores para o indivíduo. “O ritual é uma espécie de ação social dedicada à manipulação do significado cultural para fins de comunicação e categorização coletiva e individual. O ritual é uma oportunidade de afirmar, evocar, atribuir ou rever os símbolos e significados convencionais da ordem cultural. Nesse sentido, ele é uma ferramenta poderosa e versátil de manipulação do significado cultural.” (MCCRACKEN, 2006, pg. 108). McCracken também analisa os rituais relacionados aos bens de consumo, os Rituais de Troca, os Rituais de Posse, os Rituais de Cuidados Pessoais e os Rituais de Desapropriação. Os rituais de troca permite àqueles que entregam o bem que “insinuem determinadas propriedades simbólicas na vida do recebedor e iniciem uma possível transferência de significado”. Os rituais de posse permitem, além de uma afirmação de território, que haja uma “tentativa de extrair do objeto as qualidades que lhe foram conferidas pelas forças de mercado do mundo dos bens”, sendo assim, os bens passam a ser a representação da identidade do próprio indivíduo. Os rituais de cuidados pessoais se trata de objetos que aprimoram o indivíduo e transfere assim as propriedades do objeto para ele, o indivíduo acrescenta a ele as propriedades que gostaria de mostrar ao mundo. Por fim, o ritual de desapropriação acontece quando se obtém um bem de uma outra pessoa e apaga os significados associados a ele para que possa inserir seus próprios significados. Também buscando significados ao ato de consumir, Daniel Miller (2002) traz em seu livro “Teoria das Compras” o consumo como um ato de amor. No primeiro capítulo, intitulado como “Atos de amor num supermercado”, são trazidas entrevistas com mulheres da periferia operária de Londres, onde são acompanhadas no supermercado. Nessas entrevistas é possível ver como elas abrem mão de um item e se desdobram com pouco dinheiro, a fim de beneficiar sua família. Podemos ver assim a materialização do amor no ato de consumo dessas mulheres. 14 | Memória e Identidade através de Recordações


“As compras que ela faz se baseiam nas preferências da casa. Quando compra cordeiro com hortelã na casa das carnes ela comenta de passagem que ele foi bem recebido na semana anterior e que lhe pediram que repetisse a dose. Da mesma forma, algumas tortas de geleia compradas anteriormente por estar em oferta (barata) foram bem recebidas” (MILLER, 2002, pg. 31)

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2 - Memória e Identidade A memória é de extrema importância para o ser humano, essencial para saber quem é, onde está e o que quer ou precisa fazer. Sem memória, o indivíduo dificilmente consegue viver sem ajuda de outras pessoas e acaba ficando alheio ao que acontece na sociedade onde vive, além disso a memória nos permite ter a ferramenta de edição, podendo adicionar ou retirar as partes que não nos convém. Myriam Barros (1989) analisa o funcionamento da memória e a partir do estudos do livro de Maurice Halbwachs discute sobre memória individual e coletiva. A memória é vista como algo que acontece de forma coletiva e não apenas individualmente. “Partindo de uma reflexão durkheimiana, destaca a participação determinante do grupo social na reconstrução das lembranças, rompendo, assim, a limitação do conceito ao plano individual: a memória é um fenômeno social.” (BARROS, 1989, pg. 30). Porém, a memória individual possui um papel muito importante para o entendimento da memória coletiva, assim citado por Halbwachs (1925). “Cada memória individual é um ponto de vista da memória coletiva, e esse ponto de vista varia de acordo com o lugar social que é ocupado; este lugar, por sua vez, muda em função das relações que se tem com outros meios sociais.” (HALBWACHS 1989, pg. 31 apud BARROS) Podemos então pensar na memória como uma grande história, com diversos personagens e a partir de cada personagem, temos acesso a uma pequena parte dessa história. Por isso, conhecer a história individual de alguém é sempre animador e traz aspectos totalmente Memória e Identidade | 17


novos sobre como significamos as pessoas, as coisas e os momentos em que vivemos. “Em tempos passados os homens já identificavam a importância da memória como suporte construtor de identidades e solidificador das consciências.” (DELGADO, 2003, pg. 16) Nessa frase de Lucília Delgado (2003), percebemos o quanto a memória tem papel fundamental para a construção da identidade do indivíduo. A identidade é moldada a partir de experiências e aprendizados, o que nos torna únicos e plurais. O ponto de vista e a bagagem que cada um traz consigo é fundamental para entendermos a história do ser humano e seu meio social. Lucília finaliza seu artigo de forma poética, mostrando a grandeza da história da humanidade através de “narrativa, sujeitos, memórias e identidades”, de acordo com ela, “São a humanidade em movimento. São olhares que permeiam tempos heterogêneos. São a História em construção. São memórias que falam.” (DELGADO, 2003, pg. 23) Objetos podem ser receptáculos de memórias, guardamos objetos não só para nos lembrarmos de algo, mas também para mostrar aos outros quem somos e o que já realizamos. Através deles podemos reafirmar nossa memória e identidade, além de expressar nossa própria personalidade. Ao morrermos, os objetos que guardamos ainda estarão lá, mantendo viva uma parte de nós.

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3 - As casas, os objetos e as recordações

As casas são excelentes locais para entendermos mais sobre a vida de uma pessoa, lá encontramos objetos que remontam seu passado, sua rotina e identidade. Ao tratar casas como museus e objetos pessoais como relíquias, abrimos portas para uma nova visão sobre a recordação.

3.1 - Casas são como museus As casas são repletas de objetos diversos, cada um com sua função e importância, além de darem um propósito a determinado local. Ou seja, o local onde se encontra um sofá passa a ser chamado de sala, por determinação daquele objeto. O projeto fotográfico Minha Casa Minha Cara Minha Vida (2014), coordenado pelo Museu da Pessoa, teve como objetivo mostrar como a aquisição da casa própria pode mudar a vida de alguém. Porém, ao olhar as fotos do projeto (Figura 01), podemos perceber a singularidade do indivíduo e como cada um, com a mesma distribuição de espaço, tem a capacidade de transformar o local de acordo com sua identidade e memória.

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Fig. 01 - Painel de fotos de casas do Minha Casa Minha Vida mostrando as diferentes formas de decorar o mesmo espaço. (Fotos de Carol Quintanilha, 2014, Fonte: museudapessoa.net/; Acessado 11/05/2019) Outro exemplo, dentro desse mesmo assunto, é um projeto realizado pelo fotógrafo romeno Bogdan Gîrbovan chamado “10/1” (2008). O projeto consistia em fotografar todos os andares de seu prédio a fim de ver como as pessoas de diferentes classes sociais preenchem o espaço dado a elas. Abaixo serão apresentados alguns exemplos de fotos tiradas durante o projeto.

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1º andar, apartamento de número 7 (Figura 02). Uma mulher vivendo sozinha, aposentada, trabalhou como designer de notas antes de 1989. Vive no apartamento a 10 anos. Proprietária.

Fig. 02 - Moradora do primeiro andar em seu apartamento, observa-se que o fotógrafo está na entrada do apartamento, essa é primeira visão de quem chega no local. (Fonte: girbovan.ro/10pe1-2008/; Acessado: 14/05/2019)

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4º andar, apartamento de número 22 (Figura 03). Don Lukas (apelido), recentemente retornou da Espanha, mora junto com sua namorada.

Fig. 03 - Morador do quarto andar em seu apartamento, observa-se que o fotógrafo está na entrada do apartamento, essa é primeira visão de quem chega no local. (Fonte: girbovan. ro/10pe1-2008/; Acessado: 14/05/2019)

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9º andar, apartamento de número 47 (Figura 04). Sra. Bita, aposentada, vive no prédio desde 1967, mora sozinha desde 1996. Proprietária.

Fig. 04 - Moradora do nono andar em seu apartamento, observa-se que o fotógrafo está na entrada do apartamento, essa é primeira visão de quem chega no local. (Fonte: girbovan. ro/10pe1-2008/; Acessado: 14/05/2019) Nos exemplos citados anteriormente (Figuras 2, 3 e 4) podemos observar como cada casa é um território inexplorado e serve como um receptáculo para a identidade e memória daqueles As casas, os objetos e as recordações | 25


que vivem lá. O estudo de objetos e ambientes se torna essencial para desvendar hábitos e costumes do ser humano, compreendendo a identidade e preservando a memória de cada indivíduo. Levando em consideração a importância de nossa casa, nossos objetos e como significamos eles, é importante pensarmos no valor que damos para cada item que possuímos. Em nossa sociedade, é comum o pensamento de que se deve comprar tudo aquilo que for novo, que se deve trocar o que comprou, antes que se torne obsoleto. Num tempo onde não permitimos que nada envelheça, acabamos por não permitir que as coisas se tornem preciosas.

3.2 - Objetos que contam histórias Alguns museus brasileiros trazem um grande acervo de objetos utilizados desde o início da história do país, como o Museu da Casa Brasileira e o Museu do Objeto Brasileiro. Objetos do cotidiano podem se tornar relíquias ou peças fundamentais para entendermos o funcionamento da nossa sociedade e as mudanças que ocorreram durante os anos. Nossos objetos pessoais podem parecer corriqueiros mas contam uma história desde sua fabricação até chegarem em nossas mãos. A escritora, cineasta e atriz Miranda July (2013) ao passar por um bloqueio criativo resolveu desvendar a história por trás de objetos que eram anunciados em um folheto local através de entrevistas com os anunciantes. Suas entrevistas consistiam em perguntas pré-elaboradas que iam se modificando de acordo com as descobertas que ela fazia. Uma jaqueta de couro revelou uma história de transexualidade na terceira idade (Figura 5 e 6), trajes indianos deram a oportunidade de salvar uma aldeia na Índia (Figura 7 e 8), uma mala mostrou a vida de uma senhora que vive com seu neto (Figura 9 e 10), que fabrica manequins além de outras histórias tão fascinantes como as mencionadas. 26 | Memória e Identidade através de Recordações


Michael e sua jaqueta de couro A primeira entrevista feita por Miranda foi a de Michael (Figura 05), de 60 anos, que passava pelo processo de transição de gênero. Essa conversa foi a porta de entrada para contar histórias muito além da jaqueta de couro anunciada no jornal (Figura 06). Ao chegar para a entrevista, viu que havia muito mais para desvendar além daquele objeto, como se revelasse um baú de tesouros e histórias escondidas. A jaqueta de couro fazia parte de uma vida antiga e não fazia mais sentido para o que Michael estava passando. O objeto marca essa mudança como forma de desapego para a chegada de uma nova vida.

Fig. 05 - Michael sentado em sua cadeira (Fonte: O escolhido foi você, pg. 10)

Fig. 06 - Jaqueta de couro ofertada por Michael (Fonte: O escolhido foi você, pg. 11) As casas, os objetos e as recordações | 27


Primila e seus trajes indianos Nessa próxima entrevista, as coisas foram um pouco diferentes. Primila (Figura 07) não precisava do dinheiro para si, mas resolveu vender os trajes que não usava mais para ajudar uma aldeia em Walespur, na Índia (Figura 08). O dinheiro ajudou a implantar um sistema de irrigação motorizado e expandir seus campos. Dessa forma, ela e seu marido puderam se reconectar com seu país de origem utilizando objetos de sua cultura. Além disso, Primila contou outras histórias de sua casa e de sua vida, como quando salvou gatos que estavam dentro de sua parede ou quando arrombou sua porta para pegar a chave do carro e não perder um dia de trabalho.

Fig. 07 - Primila segurando um traje indiano. (Fonte: O escolhido foi você, pg. 31)

Fig. 08 - Composição de fotos da aldeia que Primila e seu marido auxiliam. (Fonte: O escolhido foi você, pg. 25)

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Pauline e Raymond e a mala amarela Pauline (Figura 9) tinha por volta de setenta anos, ela resolveu vender itens de sua casa, incluindo a mala amarela (Figura 10), para ter mais espaço para acomodar sua filha e seu neto, que já moram com ela a sete anos. Pauline contou algumas histórias de sua vida mas o grande foco foi em seu neto, Raymond, que transportava manequins. Ele possuía um manequim em tamanho real inspirado na Elisabeth Hendrickson, que mantia no seu quarto. Nessa entrevista Miranda percebeu o quão afastava estava da realidade daquelas pessoas e que se não fosse aquela entrevista, provavelmente nunca os conheceria.

Fig. 9 - Pauline, a anunciante. (Fonte: O escolhido foi você, pg. 34)

Fig. 10 - A mala amarela de Pauline. (Fonte: O escolhido foi você, pg. 35) As casas, os objetos e as recordações | 29


Entre objetos que deixamos ou guardamos, o essencial é a memória que eles nos trazem. O ser humano tem a necessidade de deixar rastros por onde passou, assim, criar um legado de sua existência. A expressão memento mori explica isso de forma profunda. Memento mori, de acordo com Oxford English Dictionary, é uma expressão em Latim que significa literalmente “lembre-se de morrer”, é uma forma de lembrar o ser humano de sua existência efêmera. Memento, em inglês, significa coisa que deve ser lembrada, muitas vezes associadas a souvenirs ou objetos de recordação. O ser humano tem um tempo curto de vida comparado a um objeto, por isso é tão importante utilizar esses itens como uma forma de estender a existência de cada um, podendo assim “significar o tempo”. “Porque o mundo material perdura, porque pode sobreviver mais que seus criadores, pode servir como um monumento aos seus esforços ... mesma razão, os artefatos sobrevivem de maneiras não intencionais feitas por fabricantes e proprietários para se tornarem evidências sobre as quais outras interpretações do passado podem ser reconstruídas. Essa propriedade das coisas - compartilhada até certo ponto com textos escritos - deu a alguns artefatos um lugar especial como símbolos do passado. As culturas diferem em grau em que os artefatos são usados ​​dessa maneira. ”(RADLEY, 1998, pg.90 apud MENESES) Se a humanidade desaparecesse, sobraria um mundo material vasto, que pode contar a história das pessoas que viveram ali. A partir de moradias, meios de transporte, formas de comunicação e tantos outros feitos humanos, podemos reconstruir a memória e identidade humana, tornando esses objetos “símbolos do passado”. Valorizar os bens materiais que trazem memórias é fundamental para deixarmos um legado de nossa identidade.

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4 - Livro de Recordações A continuação desse projeto constitui na elaboração de um livro de recordações, me utilizando dos conhecimentos adquiridos. A partir dessa pesquisa, será feita uma entrevista com Marilene Carone Garcia, a fim de descobrir um pouco mais sobre sua vida, memória e quais são os objetos de maior importância para ela, assim como a história de cada um. A identidade visual do livro se moldará de acordo com o que for contato pela entrevistada, usando como inspiração álbuns de fotos e objetos gráficos antigos a fim de remontar a vida da personagem do livro através de textos, fotos e ilustrações. A fotografia será a linguagem utilizada em grande parte do projeto, buscando dar mais profundidade ao produto.

4.1 Tipo de Impresso O impresso criado neste trabalho de conclusão de curso foi um livro com o título de “Memória e identidade através de recordações”.

4.2 Conceito Editorial do Impresso O conceito do impresso é lembrar de um álbum de recordação, tanto por seu formato quanto por sua diagramação. Os grafismos e ilustrações são colagens, onde foram utilizadas as fotos pessoais de recordação da Marilene, além de fotos utilizadas da casa dela.

4.3 Conceito das Colagens Para as colagens me inspirei no artista Kensuke Koike, por conta da forma que ele utiliza as fotografia e busca ressignificá-las. Busquei deixar a colagem mais divertida e desAs casas, os objetos e as recordações | 33


contraída, tentando resumir em uma imagem os diversos momentos que a Marilene viveu, como indicado nas figuras 11 e 12.

Fig. 11 - Colagem usada na abertura de capítulo Fig. 12 - Colagem usada na abertura de capítulo

4.4 Padronização Gráfica O grid do livro foi composto utilizando 6 colunas com 3 mm de espaçamento com uma grade de linha base de 17 pontos. A margem possui o seguinte espaçamento das borda da página: Superior: 14mm; Inferior: 19mm; Interno: 26mm; Externo: 12,7mm; As imagens utilizadas estão alinhadas as colunas e margens da página estipuladas no grid e possuem altura proporcional a grade de linha base. Como indicado na figura 13.


Biografia Marilene Carriere Carone Garcia nasceu em 01 de maio de 1936, em São Paulo - SP. Seus pais foram Francisco Carone e Annita Carriere Carone, ambos imigrantes italianos. Ela possui um irmão, Victor Carone, apelidado de Tito. Marilene estudou em dois colégios durante seus tempos de escola, no Colégio Stafford e posteriormente no Colégio Santa Inêz, onde concluiu o segundo grau. Mesmo possuindo o desejo de dar aulas após ter se formado, seu pai protetor não permitiu, participou então de cursos de tricô e bordado. Casou-se com Wilson Garcia no dia de seu aniversário, 01 de maio de 1957, aos 21 anos. Marilene teve três filhos, Francisco José Carone Garcia (Quim ou Kim), Wilson Carone Garcia (Will) e Luiz Augusto Carone Garcia (Guto) e possui três netos, Rodrigo Parreira Garcia (Udo), Lucca dos Santos Carone Garcia e Mariana Marques Carone Garcia. Hoje, com 83 anos, pratica pilates e fisioterapia, além de participar do Clube de Mães do Clube Lions, nos Campos Elísios, um trabalho voluntário que produz peças artesanais para doação. Além de suas atividades rotineiras, também possui um gosto acentuado para viagens e já pôde visitar diversos lugares com sua família e amigas.

Marilene bebê com seu pai e padrinhos

Marilene e colegas de sala

Foto de Marilene quando criança no Carnaval

Marilene e os filhos na praia Biografia | 11

10 | Uma história através de recordações

Fig. 13 - Lamina do livro com Grid aparente

4.5 Fontes Utilizadas A família tipográfica utilizada no título foi a Dancing Script que presenta uma fonte manual e tradicional que remete a caligrafia de Marilene Carone. No subtítulo e no sumário foi utilizado a fonte IM FELL DW Pica que se assemelha a uma tipografia de máquinas datilográficas e possui um aspecto “desgastado”. Em suas aplicações foram utilizadas no tamanho 18 pontos e 29 pontos com entrelinha 20 e 35 pontos respectivamente. Para o texto foi utilizada a família tipográfica Gentium Book Basic que possui boa legibilidade remete a tipografia de máquinas datilográficas. Na aplicação no texto foram utiLivro de Recordações | 35


lizados os pesos regular, bold e itálico com o tamanho de 12 pontos com entrelinha de 17 pontos e para as legendas e notas de rodapé foi utilizado o peso regular com o tamanho de 11 pontos com entrelinha de 13 pontos.

Gentium Basic

IM FELL DW Pica Dancing Script

Aa Bb Cc Dd Ee Ff

Aa Bb Cc Dd Ee Ff

Aa Bb Cc Dd Ee Ff Gg

4.6 Impressão da Capa A capa do livro possui um formato aberto de 200 mm por 403,1 mm. A capa foi impressa em papel cartão duplex 250g/m² e foi impresso com a escala europa sem o uso de cores especiais

Fig. 14 - Lamina da capa do livro 36 | Memória e Identidade através de Recordações


4.7 Impressão do Miolo O miolo do livro possui um formato aberto de 200 mm por 400 mm. O miolo foi impresso em papel off-set 90g/m² e foi impresso com a escala europa sem o uso de cores especiais e possui 52 páginas. O processo de impressão utilizado no livro foi a impressão digital com 150 LPI de resolução.

Fig. 15 - Miolo do livro

Fig. 16 - Miolo do livro

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Considerações Finais Esse trabalho acadêmico me deu a oportunidade de perceber os objetos de maneira diferente e refletir sobre a importância dos objetos que possuímos. Acredito que a valorização e respeito pelos nossos bens materiais é de certa maneira, uma forma de respeitar nossa própria história. Através desta pesquisa percebi que temos o desejo de possuir objetos, eles se tornam a materialização de uma necessidade, um desejo ou um sentimento. Os objetos são provas de existência, são o legado da memória da humanidade e constroem nossa identidade como ser humano. A memória e identidade se relacionam diretamente com os objetos que possuímos e ao pensar nesse rastro de existência, faço uma reflexão: que objetos estamos deixando para trás e que histórias estão sendo contadas? Para a criação do livro de recordações pretendo utilizar os itens fotografados e os relato da entrevistada como inspiração para a arte visual. Minha intenção é dar vida ao que foi contado por ela, através de grafismos, cor e tipografia que remete à entrevistada. Esse livro é uma maneira de celebrar momentos através de objetos e ressaltar a relação do ser humano com o mundo material.



Lista de Imagens Figura 01 - Painel de fotos de casas do Minha Casa Minha Vida mostrando as diferentes formas de decorar o mesmo espaço. Disponível em: <www.pac.gov.br/noticia/9def6fb5>. Acessado: 11/05/2019 Figura 02 - Moradora do primeiro andar em seu apartamento. Disponível em: <girbovan.ro/10pe1-2008/>; Acessado: 14/05/2019 Figura 03 - Morador do quarto andar em seu apartamento. Disponível em: <girbovan.ro/10pe1-2008/>; Acessado: 14/05/2019 Figura 04 - Moradora do nono andar em seu apartamento. Disponível em: <girbovan.ro/10pe1-2008/>; Acessado: 14/05/2019 Figura 05 - Michael sentado em sua cadeira. JULY, Miranda. O escolhido foi você, Companhia das Letras (2013). Figura 06 - Jaqueta de couro ofertada por Michael. JULY, Miranda. O escolhido foi você, Companhia das Letras (2013). Figura 07 - Primila segurando um traje indiano. JULY, Miranda. O escolhido foi você, Companhia das Letras (2013). Figura 08 - Composição de fotos da aldeia que Primila e seu marido auxiliam. JULY, Miranda. O escolhido foi você, Companhia das Letras (2013).


Figura 09 - Pauline, a anunciante. JULY, Miranda. O escolhido foi você, Companhia das Letras (2013). Figura 10 - A mala amarela de Pauline. JULY, Miranda. O escolhido foi você, Companhia das Letras (2013). Figura 11 - Colagem usada na abertura de capitulo - Feito pela autora Figura 12 - Colagem usada na abertura de capitulo - Feito pela autora Figura 13 - Lamina do livro com Grid aparente - Feita pela autora Figura 14 - Colagem usada na abertura de capitulo - Feita pela autora Figura 15 - Miolo do livro - Feito pela autora Figura 16 - Miolo do livro - Feito pela autora

Referências BARROS, Myriam Moraes de Lins. Memória e Família. Rio de Janeiro: Estudos Históricos. 1989 . Disponível em: <bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2277/1416>. Acessado em: 09/05/2019. DELGADO, Lucília. História Oral e Narrativa: Tempo, Memória e Identidades. Rio de Janeiro:


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Museu da pessoa. Minha Casa Minha Cara Minha Vida. São Paulo: Museu da Pessoa. 2014. Disponível em: <museudapessoa.net/pt/conteudo/colecao/minha-casa-minha-cara-minha-vida-98125> Acessado em: 11/05/2019. SUDJIC, Deyan. A Linguagem das Coisas. Rio de Janeiro: Intrínseca LTDA, 2008.


Este livro foi composto na fonte Gentium Basic e impresso em papel Off-set 90 g/m², em novembro de 2019.


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