Jornal do empreendedor
Suplemento Especial
S達o Paulo, 6 de julho de 2012
As lições do Movimento Constitucionalista
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Masao Goto Filho/e-SIM
omemora-se no dia 9 os oitenta anos do Movimento Constitucionalista, que São Paulo deflagrou em julho de 1932 na defesa da autonomia do Estado e pela reconstitucionalização do País, como condição essencial para a normalização da vida nacional e o desenvolvimento político, econômico e social do Brasil. As Associações Comerciais do Estado de São Paulo foram partícipes atuantes desse Movimento, que lutava em defesa dos valores que sempre nortearam a atuação das entidades, conforme se constata no Manifesto divulgado em 17 de fevereiro de 1932. Neste Manifesto, as entidades paulistas, lideradas pela Associação Comercial de São Paulo, pediam "a restauração do regime constitucional, mediante a decretação imediata de uma nova lei eleitoral, que assegurasse a moralidade e a verdade do sufrágio e consequente convocação de uma Constituinte em moldes liberais, de acordo com o sentimento público, com as tradições nacionais e com o grau de adiantamento da civilização brasileira". Ao se comemorar oitenta anos do Movimento Constitucionalista, cabe destacar não apenas a luta dos paulistas no campo de batalha, no qual, apesar da bravura de suas tropas, foram derrotados, dada a desproporção dos recursos de que dispunham frente ao poderio do governo federal, mas ressaltar que São Paulo foi vencedor no plano moral. Em 16 de julho de 1934, foi promulgada a Constituição pela qual os paulistas lutaram, o que representou a vitória dos ideais de São Paulo e, no dizer de um historiador, " foi um lenitivo para a espezinhada terra de Piratininga e uma homenagem aos que tombaram em 32". Dentre todos os que lutaram pelos ideais paulista em 32, queremos destacar a figura de Carlos de Souza Nazareth, que na presidência da Associação Comercial de São Paulo tornou-se o líder das classes empresariais em um momento dramático da vida do Estado. Sua atuação não se limitou apenas à mobilização da população, mas engajou a entidade de forma efetiva no Movimento Revolucionário, trabalhando na arrecadação de recursos, no alistamento de voluntários e na organização da logística. Essa atuação à frente da Associação e das entidades que apoiaram o Movimento, levou Carlos de Souza Nazareth à prisão no Rio de Janeiro e posterior deportação, junto com outros líderes paulistas.
Cabe neste momento de evocação do Movimento de 32 destacar que os mesmos ideais e o mesmo espírito de luta, que levaram ao 9 de julho, animam a atuação das Associações Comerciais nos dias de hoje, quando novos desafios se colocam para a livre iniciativa e para o desenvolvimento nacional. Os valores tradicionais da nacionalidade, ética, moral, patriotismo, família, respeito à lei e à ordem são sistematicamente atacados de forma insidiosa por todos os meios. A liberdade, base do empreendedorismo e da realização pessoal, se vê cada vez mais cerceada por leis intervencionistas e pela atuação de órgãos públicos, que limitam não apenas a liberdade de ação das empresas, mas, inclusive, a dos cidadãos. A liberdade de informação e de opinião é permanentemente ameaçada por aqueles que querem exercer o poder sem restrições. O direito de propriedade é atacado, não apenas por grupos travestidos de "movimentos sociais", como por organizações não governamentais, muitas delas estrangeiras que, a pretexto de proteção ao meio ambiente, pressionam por restrições cada vez maiores ao setor rural, que vem sendo o grande sustentáculo da balança comercial brasileira. A burocracia se informatiza para ampliar seus controles, e não para simplificar a vida das empresas e dos cidadãos. A tributação exacerbada confisca parcela considerável do esforço produtivo da nação, dificultando o investimento e o consumo. O mais grave de todos os problemas, no entanto, é a deficiência crônica da educação, que rouba dos mais humildes a oportunidade de se realizarem pelos seus próprios esforços. Lutar para afastar essas ameaças é a forma de preservar o legado cívico daqueles que combateram nas diversas trincheiras em 1932, para o restabelecimento do "império lei" como condição para o desenvolvimento econômico e social do Estado e do Brasil, e mostrar que o apelo de Carlos de Souza Nazareth – não esmorecer para não desmerecer – não será esquecido.
Rogério Amato Presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo.
Leia a íntegra do discurso da professora Edimara de Lima na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo sobre o 80º aniversário da Revolução Constitucionalista www.dcomercio.com.br/index.php/opiniao/sub-menu-opiniao/91591-80-aniversario-do-movimento-constitucionalista-de-1932
Fotos: Agliberto Lima/DC
Um verdadeiro espírito de união envolvia toda a sociedade paulista.
A Associação Comercial de São Paulo na Revolução Constitucionalista de 1932 Pesquisa e texto: Paulo de Assunção, com participação da Biblioteca da ACSP
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APRESENTAÇÃO
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m 9 de julho de 1932, eclodiu em São Paulo o maior movimento cívico armado do século XX que o Brasil vivenciou. A população do Estado tomava em armas para defender o direito de liberdade e da constituição, que o governo provisório de Getúlio Vargas, instaurado em 1930, protelava em conceder. No decorrer de três meses de conflito ocorreu a união entre as camadas da sociedade em busca do bem comum. O ânimo dos paulistas fez que a bravura e o civismo despontassem a cada passo do conflito armado. As incertezas eram
muitas e os riscos maiores. Porém, não se temia o amanhã, pois a causa de São Paulo era sagrada, sendo preciso enfrentar os problemas e mostrar a capacidade e valor moral e espiritual do povo paulista. O idealismo movia a todos em torno da questão da constitucionalidade, um verdadeiro espírito de união envolvia toda a sociedade paulista e conquistou apreço de outras regiões do País, que estavam inconformadas com os desmandos do governo ditatorial. Neste movimento, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) teve papel importante como elemento aglutinador das forças combatentes e como porta-voz do anseio da sociedade paulista frente a
um governo intransigente. Apesar da derrota da Revolução Constitucionalista de 1932 no front de batalha, os paulistas foram vitoriosos, pois, a bandeira da luta pela constitucionalidade não foi esquecida. Os habitantes de São Paulo souberam aderir e aplaudir as ações daqueles que foram heroicos no processo revolucionário. Momento da história brasileira e paulista que merece ser relembrado por todos os jovens na busca dos ideais de fortalecimento da democracia, que apresentamos a seguir.
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O desejo de todos era que fosse convocada, o mais breve possível, a Assembleia Constituinte, em moldes liberais. Os comícios e passeatas em São Paulo passaram a ser cenas comuns.
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Na defesa da Constituição Reprodução
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m 3 de novembro de 1930, chegava ao fim o período conhecido como República Velha. Getúlio Vargas, liderando tropas dos Estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes. As eleições ocorridas em primeiro de março daquele ano colocaram em confronto as forças governistas e a oposição, da qual Getúlio Vargas era o líder. As primeiras décadas do século XX apresentaram um novo quadro social e econômico, principalmente a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O acelerado (1)
processo de industrialização, a crise da economia cafeeira, o crescimento dos movimentos fascistas, comunistas, anarquistas e as greves dos trabalhadores exigiam mudanças rápidas. No começo da década de 1920 era evidente a fragilidade da estabilidade política brasileira, viciada no jogo de alianças políticas e em eleições fraudulentas. O Movimento Tenentista (1924), a Coluna Prestes e a formação do Partido Democrático, que trazia esperanças de uma renovação da política paulista, por meio de eleições (1), sinalizavam para uma crise inevitável.
Havia uma luta mais intensa pela disputa por cargos políticos, enquanto a população crescia, reivindicando melhores condições de vida, como aumentos salariais e limitação da jornada de trabalho. Como bem observa Edgard Carone, a conjuntura era marcada por um excessivo federalismo, pelo analfabetismo, pela falta de patriotismo, pela anarquia e por outros problemas que só davam maior dramaticidade à situação vivenciada no período pós Primeira Guerra Mundial (2). Em 1924, a situação era de uma carestia elevada, greves
O Partido Democrático (PD) foi constituído a partir de um grupo dissidente do Partido Republicano Paulista (PRP). FAUSTO, B. In DUARTE, P. Agora nós! Crônica da Revolução Paulista, com perfis de alguns heróis da retaguarda. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; FUNDAP 2007, p. XVII.
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Em 1924, a situação era de uma carestia elevada, de greves e de apreensão.
operárias e de apreensão. Havia dificuldade na distribuição de água, no transporte, na limpeza pública, o que acabava por gerar movimentos sociais de insatisfação. Na madrugada de 5 de julho daquele ano, foi deflagrado um
levante, conhecido como Movimento Tenentista, que deixou a cidade agitada. A partir do quartel no bairro da Luz e dos Campos Elíseos, ocorreram movimentos de militares com disparos de metralhadoras e carabinas. Enquanto isso, o bombardeio de bairros acontecia com a interrupção das comunicações telefônicas e da energia elétrica. O governador Carlos de Campos transferiu a sede do poder para as imediações do bairro da Penha. Em pouco tempo, os revoltosos tinham
CARONE, Edgard. A Primeira República (1889-1930). São Paulo: Difel, 1969, p. 231. CORRÊA, Anna Maria Martinez. A rebelião de 1924 em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1976, p. 84.
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dominado pontos estratégicos da cidade, mas entre eles não havia convergência de ações. A participação ou não de civis gerava polêmica entre os revoltosos, pois, questionava-se a fidelidade dos mesmos (3). No dia 9 de julho, a Junta Militar comandada pelo general reformado Isidoro Dias Lopes tomou conta do Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo de São Paulo, declarando em seguida que o presidente Artur Bernardes não tinha competências para governar o País. A intenção dos revolucionários era entregar o poder do governo estadual ao Conselheiro Antonio Prado, enquanto o governo do município continuaria com o prefeito Firmiano Pinto. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, Artur Bernardes declarava "Estado de Sítio", com lei marcial, que definia pelo fuzilamento imediato de qualquer civil encontrado com armas contra o governo e as forças legalistas. Era uma medida drástica para conter a desordem. A população, com medo, sofreu as consequências do embate. Logo começou a faltar alimentos e os saques passaram a fazer parte da rotina dos cidadãos. Muitos moradores dos bairros mais
Em 5 de julho de 1924, foi deflagrado o Movimento Tenentista. Houve bombardeio.
Em 24 de outubro de 1930, Getúlio Vargas (sentado, à direita) chegou vitorioso ao Rio de Janeiro, uma vez que Washington Luís fora deposto. Em 3 de novembro, Vargas se tornou chefe do governo provisório.
afetados, como Luz, Santana, Campos Elíseos e Bom Retiro, deixaram as suas casas em direção ao interior. A violência imperava com mortes, ataques aéreos e incêndios que ocorriam em diferentes pontos de São Paulo. O presidente da ACSP, José de Carlos de Macedo, viu com preocupação a continuidade do movimento que atemorizava a população e desorganizava a vida econômica e financeira do Estado de São Paulo. Imaginava que o caminhar do conflito levaria a impossibilidade da exportação do café, da pilhagem aos bancos e por decorrência para exasperar mais as dificuldades que o povo enfrentava, naquele momento. Ressaltava que cabia às forças revolucionárias encontrarem um caminho para por fim ao levantamento, que punha em risco a nação brasileira (4). Em 27 de julho, o General Isidoro Dias Lopes, antevendo a derrota, enviou uma proposta de negociar a paz com as tropas legalistas, que contou com o apoio da ACSP. O governador Carlos de Campos recusou a aceitar o teor da mesma, os revolucionários enfraquecidos deixaram São Paulo. Para Ana Maria Corrêa, o que teria conduzido a um fracasso do Movimento Tenentista era a falta de apoio popular e o comprometimento com os grupos dominantes. A pesquisadora chama a atenção para o fato que os combatentes não tiveram a Reprodução
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percepção da necessidade de apoio de grupos do interior e também não romperam totalmente com o governo do Rio de Janeiro Tais situações fizeram que o movimento não tivesse sucesso. (5). A eleição de 1930 ocorreu em meio a uma série de insatisfações da população e ao desgaste político da República Velha. Júlio Prestes foi o candidato apoiado pelo governo federal e por São Paulo. A Aliança Liberal, que reuniu os segmentos insatisfeitos da sociedade, apoiou a candidatura para presidente de Getúlio Vargas e para vice-presidente de João Pessoa, que formaram a oposição à situação. O resultado da eleição deu vitória a Júlio Prestes, mesmo ocorrendo fraudes no processo eleitoral, praticadas por ambos os lados. Não restava outra saída a não ser a articulação dos derrotados na eleição. O assassinato de João Pessoa, em 26 de julho de 1930, por questões de ordem par-
APM. Belo Horizonte, 1924. (Cx. 14, AB-RP). In: BRAGA, Paula Louane Matos. O governo Bernardes e a Liga das nações . Franca: Unesp, 2008. (dissertação de Mestrado), p. 75. (5) CORRÊA, Anna Maria Martinez. A rebelião de 1924 em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1976, p. 187.
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ticular, foi um impulso para que os insatisfeitos se organizassem e questionassem a hegemonia paulista no poder federal. A imprensa explorou o crime, noticiando que o mesmo teria sido realizado por questões políticas. A situação que já era crítica, ficou pior com a crise econômica que se fazia sentir com a Grande Depressão (19291933). Estavam criadas as condições necessárias para um levante (6). No Rio Grande do Sul, em três de outubro de 1930, ocorreu o início da revolta que se espalhou rapidamente por outros estados. Uma semana depois, Getúlio Vargas apresentou um texto, conhecido como o manifesto O Rio Grande de pé pelo Brasil. Partindo do Rio Grande do Sul, ele e suas tropas se dirigiram para o Rio de Janeiro, que era a capital da República, naquela época. No caminho ocorreram conflitos entre as tropas opo-
sicionistas, de Getúlio Vargas, e as tropas governistas. Em 24 de outubro, Getúlio Vargas chegou vitorioso ao Rio de Janeiro, uma vez que Washington Luís fora deposto pelos generais Tasso Fragoso e Mena Barreto, que apoiavam Getúlio Vargas. Em três de novembro, no Palácio do Catete, sede do governo federal, uma junta militar passou o poder para Getúlio Vargas, que se tornou chefe do governo provisório, passando a ter amplos poderes. Era desejo da população, que o progresso fosse pautado pelo respeito aos direitos dos cidadãos, como parte de um processo civilizatório brasileiro (7). Uma das primeiras ações tomadas foi a revogação da Constituição de 1891, seguida da dissolução dos congressos nacional e estadual, das câmaras municipais e a nomeação de interventores para os governos estaduais, com exceção de Minas Gerais. A ação de Getúlio Vargas demonstrava ações de centralização política e de controle econômico pelo governo federal, proibindo a contratação de empréstimos externos pelos estados e o monopólio de compra e venda de moeda estrangeira pelo Banco do Brasil. O intuito era enfraquecer o poder dos estados, exercendo controle sobre as instituições existentes. Foi definido também o exílio de Júlio Prestes, Washington Luís e outros membros da sociedade que pertenciam à estrutura de poder da República Velha (1889-1930). O pulso
DRAIBE, Sonia. Rumos e metamorfoses: Estado e industrialização no Brasil (1930/1960), p. 22 (7) Sobre o assunto ver: CAPELATO, Maria Helena. Os arautos do liberalismo. Imprensa paulista 1920-1945. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 33.
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forte do poder também se fez sentir nos jornais que haviam apoiado Júlio Prestes, como a Folha da Noite (hoje Folha de S. Paulo), Correio Paulistano, A Noite e O Paíz, que tiveram suas sedes invadidas e parcialmente destruídas. Era o início de um período de intolerâncias, que passaria por lutas entre grupos políticos. Conforme a análise de Eli Diniz, a Revolução de 1930 era heterogênea e foi responsável por gerar lutas internas ente os que participaram do movimento. As indecisões e a falta de um grupo forte dificultava o retorno à vida política e à normalidade, o que permitiria o desenvolvimento industrial. Para Sônia Draibe, a crise que envolveu os anos de 1929-1930 abalou as estruturas de uma burguesia mercantil-exportadora. Além disso, deixou evidente a fraqueza econômica e política da burguesia, num quadro
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marcado por um proletariado fragmentado e disperso (8). Para governar o Estado de São Paulo, foi nomeado, como interventor, o tenente João Alberto Lins de Barros, pernambucano, que governou entre novembro de 1930 e julho de 1931. A sua atuação foi questionada pela sociedade paulista, ressentida pelo processo da revolução, que não poupou críticas ao desempenho sofrível do tenente, chamando-o de "forasteiro e plebeu". Em 25 de julho de 1931 assumiu o cargo de interventor o paulista Laudo Ferreira de Camargo, que foi forçado a governar sem nenhuma autonomia, apesar de possuir um secretariado escolhido dentre os membros mais destacados da sociedade paulista(9). O seu período de governo foi curto, passando a ser insustentável quando Getúlio Vargas enviou o capitão João Alberto para São Paulo,
exigindo mudanças no secretariado. Não restava outra saída, Laudo Ferreira de Camargo renunciou ao cargo. Este foi sucedido, em 13 de novembro do mesmo ano, pelo coronel Manuel Rabelo Mendes, que permaneceu no cargo até sete de março de 1932. As mudanças de interventores sinalizavam para: a tensão política do período, a falta de autonomia que estes possuíam para montar o secretariado e as diversas interferências de Getúlio Vargas no governo do Estado. Os comícios e passeatas, em São Paulo passaram a ser cenas comuns, expressando a insatisfação popular. Os paulistas desejavam mais liberdade de poder e a comemoração do aniversário da cidade de São Paulo, em 25 de janeiro de 1932, foi o marco para a manifestação pública contra as ações arbitrárias de Getúlio Vargas.
Como era comum, boa parte da população paulistana, que participava da missa de celebração da data, aproveitou a ocasião para protestar. Muitos compareceram à Praça da Sé com faixas e cartazes, que questionavam o poder de Getúlio Vargas, demonstrando a indignação geral. As vozes dos paulistas se uniram na luta pela constituição e pelo Brasil. Em fevereiro, o Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático de São Paulo, que até então possuíam divergências políticas, se uniram na Frente Única, que passou a reivindicar a autonomia de São Paulo, exigindo a nomeação de um interventor civil e paulista, bem como a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A Frente Única foi formada para defender a convocação imediata da Constituinte. Carlos de Souza Nazareth, mem-
Insatisfação popular: os paulistas desejavam mais liberdade de poder.
bro da ACSP, em 17 de junho de 1931, dirigira uma carta a Getúlio Vargas a fim de "exprimir as aspirações gerais das classes que representa pela volta do nosso País, no mais breve prazo, ao regime constitucional". A entidade representava a voz de "numerosos dos mais representativos do comércio e da indústria do Estado de São Paulo". O desejo de todos era que fosse convocada, o mais breve possível, a Assembleia Constituinte, em moldes liberais. Esta situação era necessária para que fosse restabelecida a confiança econômico-financeira do País, bem como ficassem salvaguardados os "interesses morais e materiais mais prementes da sociedade brasileira" (10).
DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização (1930-1960). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 28. MATTOS, Carlos de Meira. "Porque São Paulo foi derrotado?" In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 31. (10) In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 8. (9)
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O caminhar para a Revolução de 1932
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o decorrer do segundo semestre de 1931 e até fevereiro de 1932, Getúlio Vargas não se empenhou para promulgar uma nova Constituição para o Brasil. Novamente a ACSP veio a público manifestar a sua insatisfação contra o governo federal, alertando para que a entidade e povo de São Paulo saberiam cumprir com o seu dever. O presidente da ACSP afirmava que os paulistas estavam unidos: "a fim de que a sua voz seja escutada e a sua força se faça sentir. Nunca, como agora, essa união se fez tão necessária para salvaguarda dos interesses econômicos da coletividade, em vista dos problemas do momento, entre os quais avulta o do restabelecimento da ordem legal do País" (11). No Diário Popular, em 2 de fevereiro de 1932, foi publicada a entrevista com o recém-eleito Presidente da ACSP, Carlos de Souza Nazareth. Dentre as ações estratégicas para aquela gestão estavam: a aproximação com as outras associações comerciais e entidades do gênero, a defesa da constituinte, a reforma aduaneira, dentre outros assuntos relevantes. A ACSP queria apenas expressar o sentir da coletividade de associações e do povo, frente às dificuldades do momento(12).
No que dizia respeito à campanha Pró-Constituinte, Carlos de Souza Nazareth afirmava que uma questão era importante para a organização econômica do País: a volta ao regime constituinte. Ele próprio afirmara antes na imprensa: "Sem o regime constitucional não retomaremos o ritmo da nossa vida econômica". A falta de autonomia para o Estado de São Paulo tinha afetado "intensamente os interesses morais e materiais da nacionalidade". Era preciso reestabelecer a confiança indispensável à normalização da vida econômica e financeira do País. Para que o comércio acontecesse de forma adequada era preciso paz, tranquilidade, ordem e segurança. Existindo estes elementos, a prosperidade do Brasil estaria garantida(13). Em 17 de fevereiro era publicado um Manifesto das associações de classe, pedindo a reconstitucionalização imediata, bem como o restabelecimento da autonomia estadual. A ACSP foi uma das instituições que assinou o documento, que foi enviado a Getúlio Vargas. A ACSP, exercendo o poder moderador e conciliador, buscava o equilíbrio social, agindo em função de "uma ação conjunta em prol da causa comum"(14). No dia 18 de fevereiro foi publicado no
jornal O Estado de São Paulo um novo convite ao povo paulista para participar do Comício da Liga Paulista PróConstituinte, sendo assinado por outras associações da capital e pelos jornais O Estado de São Paulo, Diário Nacional, Diários Associados, Folha da Manhã, Folha da Noite, A Gazeta e Diário Popular. A imprensa deu ampla cobertura ao assunto, registrando os telegramas que a ACSP recebeu, confirmando a conquista de novas adesões ao movimento(15). A causa, rapidamente, ganhou muitos e novos adeptos, sinalizando para a euforia como foi abraçada(16). No dia 24 de fevereiro, no jornal O Estado de São Paulo, era comunicado à população paulistana que o comércio da
cidade encerraria o seu expediente às 16 horas, "a fim de que patrões e auxiliares possam comparecer à reunião cívica em prol da constitucionalização do País". Os bancos, também aderindo à manifestação, tiveram o seu expediente encerrado ao meio-dia, como normalmente acontecia aos sábados(17). O Comício Pró-Constituinte reuniu milhares de pessoas na escadaria da Catedral da Sé, que estava sendo construída. O evento contou com a participação de pessoas de todos os setores da sociedade, vindos de diferentes partes do Estado de São Paulo. As faixas que foram erguidas no evento davam o tom da indignação, destacando-se: "São Paulo unido exige a constituinte", "São
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In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 8. Diário Popular, 2 de fevereiro de 1932. (13) Diário Popular, 2 de fevereiro de 1932.
In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 8. O Estado de São Paulo, 21 de fevereiro de 1932. (16) O Estado de São Paulo, 23 e 24 de fevereiro de 1932.
Aniversário de São Paulo: a população paulistana aproveitou a ocasião para protestar.
Paulo para os Paulistas", "O esplendor de São Paulo dependente dos paulistas", "Constituição e justiça" e "Hoje como no passado paulistas avante" (18). Nos primeiros dias de março o movimento conquistou mais apoiadores. Enquanto isso, a onda de insatisfação fez com que o operariado externasse a sua insatisfação por meio de greves que aconteceram na cidade de São Paulo. A grave crise econômica fazia com que os ânimos ficassem cada vez mais exaltados (19). A nomeação, em março, do interventor paulista Pedro Manuel de Toledo não acalmou os ânimos, apesar de
O Estado de São Paulo, 24 de fevereiro de 1932. In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 11. (19) O Estado de São Paulo, edições de 1, 2, 3 e 4 de março de 1932.
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momento em que se faz necessária enérgica repressão de tentativas de perturbação da ordem, está sendo aproveitada por agitadores, que estão exercendo sua atividade perturbadora do trabalho industrial, obrigando fábricas a parar e insuflando movimentos grevistas, destinados a mais enfraquecer o governo"(21). O documento foi assinado pela presidência da ACSP, contando com o apoio de outras entidades de classes de São Paulo(22).
Getúlio Vargas respondeu prontamente no dia seguinte, dando conhecimento do teor do telegrama, ressaltando que o problema seria resolvido naquela semana, e que ele demandaria a Pedro de Toledo que ouvisse os "representantes do comércio, indústria e lavoura de São Paulo"(23). Em 21 de maio, novo telegrama, assinado por Carlos de Souza Nazareth, foi despachado para Getúlio Vargas, ressaltando que o interventor Pedro de Toledo, identificado com os interesses de São Paulo, contava com o apoio, não só do comércio, indústria e lavoura, "mas de todas as demais classes sociais e correntes de opinião deste Estado, que anseiam por ver organizado um governo local estável e restabelecida a tranquilidade pública". Reforçava que as entidades de classe desejavam que a questão fosse solucionada naquela semana(24). Dois dias depois, a ACSP recebeu um telegrama de Getúlio Vargas, que dava conta que o ministro Oswaldo Aranha seguia para São Paulo a fim de agir para resolver os problemas que afetavam o estado, levando instruções "para agir conforme meu despacho anterior, devendo as associações de que sois digno representante prestar-lhe todo auxílio e colaboração"(25). Neste momento, novas reuniões foram realizadas com os membros que representavam as diferentes associações, sendo definidas ações estratégicas, como: envio de telegrama a Getúlio Vargas, chefe do governo provisório, exigindo solução para a crise paulista, e a realização de um protesto público contra a situação em que se encontrava o Estado, rompendo de forma pública com o governo provisório. A definição era pela paralisa-
Fotos: R eprodu ção
agradar diferentes segmentos da sociedade. Ele era paulista e atuara como deputado e ministro, tendo sido representante do Brasil na Itália, Espanha e Argentina. Ao ser nomeado interventor, contava com 74 anos. Getúlio Vargas identificara na pessoa de Pedro de Toledo a possibilidade de atender as reclamações dos paulistas, sem perder o controle sobre o governo do principal estado da federação. Faltava autonomia ao estado para poder governar e cada vez mais ficava evidente que um conflito estava na iminência de acontecer. O envio de Oswaldo Aranha a São Paulo, como representante do governo federal, e a sua atuação para interferir na constituição do novo secretariado, gerou mais insatisfação. A população irada saiu às ruas, lutando pelos seus direitos. O momento exigia ação e esta foi tomada. Júlio de Mesquita Filho, Cesário Coimbra, Ataliba Leonel, Coriolano de Góis e outros políticos passaram a realizar mobilizações, para a eventual luta armada, fazendo negociações com outros estados para aderirem à causa da constitucionalidade (20). Em 19 de maio foi enviado telegrama a Getúlio Vargas, assinado pelo presidente da ACSP, Carlos de Souza Nazareth, pedindo a atenção para a grave situação em que se encontrava o Estado de São Paulo, frente à crise da administração que se prolongava. Solicitava que fossem dadas ao interventor Pedro de Toledo as autorizações necessárias para encaminhar as soluções no que dizia respeito à nomeação do secretariado. Afirmava-se que a: "interinidade dos auxiliares demissionários do interventor, enfraquecendo a ação do poder público justamente num
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Pedro de Toledo (à esq.) foi nomeado interventor, mas lhe faltava a autonomia necessária para governar.
ção das atividades comerciais, a partir das 14 horas daquele dia. Não era mais aceitável a forma que estava sendo tratada a questão. No Boletim da ACSP foi publicado comunicado da diretoria dirigido ao comércio, com o seguinte teor: "Exprimindo os sentimentos gerais de protesto contra protelações infindáveis da solução do premente caso de São Paulo, a Associação Comercial de São Paulo convida o comércio a fechar as suas portas e a suspender as suas transações durante 24 horas, a partir das 2 horas da tarde de hoje, se até esse momento não tiverem sido satisfeitas as legítimas aspirações do povo paulista" (26). A indignação permeava todos os segmentos da sociedade, que procurou externar
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O Estado de São Paulo, edições de 15 de março e 15 de abril de 1932. O Estado de São Paulo, 20 de maio de 1932. (22) O Estado de São Paulo, 20 de maio de 1932.
O Estado de São Paulo, 21 de maio de 1932. O Estado de São Paulo, 22 de maio de 1932. Ver também: Digesto Econômico, julho 2003, p. 12.
a sua insatisfação, mais uma vez em praça pública, principalmente os estudantes paulistas. Grupos se articularam para fazer valer o direito de liberdade estadual, realizando passeatas e comícios contra o governo de Getúlio Vargas, vindo a invadir a sede da "Legião Revolucionária", organização favorável ao governo federal, localizada na proximidade da Praça da República. Neste episódio, ocorrido em 23 de maio, a população foi recebida à bala pelos membros da "Legião Revolucionária". A confusão se instalou pelas ruas do centro de São Paulo e as reações foram imediatas. Quatro jovens invasores foram assassinados: Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Draúsio Marcondes de Souza e Antônio Camargo de Andrade. Outro estudante, chamado Orlando de Oliveira Alvarenga, foi ferido e faleceria meses depois.
O Estado de São Paulo, 25 de maio de 1932. In: Digesto Econômico, julho 2003,p. 12.
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As mortes aqueceram os ânimos da população, que sentiram-se ofendidos com tal forma de procedimento. A indignação aumentava e o tom dos discursos se tornou mais ácido. Hinos eram cantados pelas ruas, exaltando a dignidade paulista. Reclamava-se pela autonomia do Estado de São Paulo e apontava-se para as ações ditatoriais de Getúlio Vargas. No dia 24 de maio foi constituída uma organização civil que teve como mentores Aureliano Leite, Joaquim de Abreu Sampaio Vidal, Paulo Nogueira e Prudente de Moraes Neto, Carlos de Souza Nazareth, dentre outros jovens acadêmicos de Direito, de Engenharia e Medicina, que foi designada pelo acrônimo M.M.D.C., em homenagem aos jovens idealistas. Naquele mesmo dia anunciava-se o "vibrante de entusiasmo" do povo paulista de serem satisfeitas as suas aspirações, com a nomeação de um novo secretariado de governo, que fora comunicado a Getúlio Vargas, mas este não tinha se manifestado sobre o assunto(27). As mortes acirraram os ânimos, fazendo com que a organização M.M.D.C. passasse a treinar militarmente os voluntários para uma possível revolução, que tinha como bandeira principal o movimento de constitucionalização e a retomada do poder pela elite política paulista. Em meio à situação explosiva, os principais chefes procuravam o apoio de lideranças de outras unidades da federação, enquanto o governo ditatorial empreendida suas manobras para atalhar os intentos de articulação dos exaltados. Em 28 de maio, o jornal O Estado de São Paulo, publicava o teor de um telegrama subscrito pelas associações de classe, apoiando o novo governo de São Paulo: "As corporações representativas do comércio, indústria, lavoura, profissões liberais, mocidade acadêmica e outras classes sociais do Estado de São Paulo
MMDC: em uma manifestação no dia 23 de maio, quatro jovens foram assassinados.
têm a honra de vir trazer a expressão de sua inteira solidariedade ao novo governo do Estado, assumindo o compromisso de prestigiá-lo integralmente para que seja possível levar a bom termo a tarefa de normalizar a situação de São Paulo" (28). A resposta do interventor, Pedro de Toledo, à ACSP foi pronta, no derradeiro dia de maio. Agradecia as manifestações de solidariedade que: "me trazem e ao meu secre-
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A Platea, 24 de maio de 1932. O Estado de São Paulo, 28 de maio de 1932. (29) O Estado de São Paulo, 31 de maio de 1932.
tariado as corporações representativas do comércio, indústria e lavoura, profissões liberais, mocidade acadêmica e outras classes do Estado, confortam-me sobremodo. Sem esse concurso precioso e indispensável nenhum governo será profícuo. Com ele contei e certo estava que não me abandonaria enquanto bem servisse a causa de nosso Estado e de nosso país. Ufano estou por esta manifestação inequívoca de
O Estado de São Paulo, 31 de maio de 1932. O Estado de São Paulo, nas edições de: 1º de junho; 2 de junho e 5 de junho de 1932.
apoio e de confiança, que procurarei não desmentir, no desempenho da missão, que me confiou o honrado chefe do governo agora provisório e vejo agora retificada pela opinião pública do meu Estado".(29). Na mesma ocasião, muitas entidades oficializaram, por meio dos seus presidentes ou representantes legais, o apoio ao governo de Pedro de Toledo, demonstrando prestígio ao mesmo(30). Nos primeiros
dias de junho, a imprensa publicou mais telegramas de entidades que hipotecavam inteiro apoio ao governo(31). Em 16 de junho, Pedro de Toledo e seu secretariado foram recepcionados pela ACSP, demonstrando que se buscava estabelecer uma via de conciliação, que estava longe de ser efetivada. Dois dias depois, o presidente de ACSP, Carlos de Souza Nazareth, foi homenageado no Clube Paulista, momento que serviu para mostrar a união da força da Liga Paulista PróConstituinte, Associações de Classe, Centros e Grêmios Acadêmicos. Os discursos proferidos na ocasião destacaram o valor da contribuição da ACSP na defesa do civismo. Era louvada a atuação da entidade nas manifestações coletivas de ordem política, bem como era destacado o valor notável do espírito de sacrifício. O homenageado respondeu agradecendo aos elogios, reafirmando os laços de solidariedade que a entidade possuía com classes sociais que viviam em São Paulo. A trajetória dos paulistas tinha sido gloriosa, marcada pelas lutas e pela perseverança, o que fez do Estado de São Paulo uma potência que não podia esmorecer, frente às imposições injustas que tinha que suportar. Os últimos dias do mes de junho já apontavam para o fato de que a revolução era iminente e inevitável. Era preciso serenidade, que já havia sido ressaltada por Carlos de Souza Nazareth durante a noite que recebeu a homenagem. Nesta ocasião, ele afirmou que deveria partir de São Paulo: "o grande gesto de paz, a palavra de transigência e de concórdia para maior grandeza do Brasil. Cabe à nossa terra a grandiosa missão de serenidade. Se os paulistas demonstraram o seu valor cívico sabendo ser soldado quando foi preciso, também sabe persuadir quando é mister congraçar e justo, quando deve julgar". (32)
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sexta-feira, 6 de julho de 2012
80 ANOS DA REVOLUÇAÕ DE 1932 - 11
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Em 7 de julho ocorreu a gota d'água que conduziria ao deflagrar da revolução. O general Bertholdo Klinger, chefe do comando da Circunscrição Militar de Mato Grosso, que estaria incumbido de comandar uma das tropas paulistas revoltosas, foi demitido pelo governo provisório(33). A demissão não teria ocorrido apenas pelo seu envolvimento com o possível movimento, mas principalmente pelas críticas duras que realizou à nomeação de Augusto Inácio do Espírito Santo Cardoso para o cargo de Ministro do Exército. Bertholdo Klinger era um respeitado militar gaúcho, que se aliara à causa, prometendo (32)
arregimentar seis mil homens, situação que não se consolidaria, como planejada. Atuou no comando das tropas tendo ciência da dificuldade que era a ausência de apoio(34). O desenrolar dos acontecimentos fez com que o rompimento da revolução fosse antecipado, uma vez que se previa o início do movimento para a segunda metade de julho(35). A união faria a força e esta era importante para que os paulistas estivessem juntos para enfrentar as ações incongruentes de Getúlio Vargas. Em 9 de julho teve início o movimento armado, que tinha como intuito derrubar o
governo provisório de Getúlio Vargas e estabelecer uma nova constituição. Os paulistas imaginavam contar com o apoio de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, o que acabou não acontecendo, nem tampouco a operação foi simples e rápida como se imaginara. As tropas da 2ª Região Militar e da Força Pública, sob o comando de Isidoro Dias Lopes e Euclides Figueiredo, deram início às manobras estratégicas em São Paulo. No seio dos oficiais militares a ação de Isidoro Dias Lopes foi bem acolhida, principalmente por causa das ações arbitrárias de Getúlio Vargas em não respeitar as ordens hierárquicas.
In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 15. MATTOS, Carlos de Meira. "Porque São Paulo foi derrotado?" In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 33. Ver: Correio da Noroeste, 6 de julho de 1932.
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Na noite daquele dia, o interventor Pedro de Toledo foi surpreendido com uma reunião do seu secretariado, sem que ele os tivesse convocado. Era a comunicação da luta armada contra o governo ditatorial de Getúlio Vargas. A pressão dos paulistas sobre o interventor fez que este aderisse à causa revolucionária, passando a conduzir o processo de rompimento e confronto com o governo federal, sendo Pedro de Toledo aclamado como governador de São Paulo. No dia 10 de julho, Carlos de Souza Nazareth participou do movimento de aclamação do governador no Palácio dos Campos Elíseos, onde milha-
No centro, o governador Pedro de Toledo ao lado do presidente da ACSP, Carlos de Souza Nazareth
res de pessoas acompanharam o evento. A euforia tomou conta da população, que abraçou a causa paulista e passou a ser protagonista da revolução. A adesão de membros importantes da sociedade, foi imediata, como Armando de Sales Oliveira, Júlio Mesquita Filho, Ibrahim de Almeida Nobre, Francisco Morato, Antônio de Pádua Sales, Bertholdo Klinger, Euclides Figueiredo, dentre outros. Pedro de Toledo, nomeado governador, foi guindado ao cargo de comandante da revolução.
LIMA, Soraia Herrador Costa. Júlio Mesquita Filho: entre a máquina de escrever e a política. São Paulo: ECA-Universidade de São Paulo, 2008. (Dissertação de Mestrado), p. 25. (35) MATTOS, Carlos de Meira. "Porque São Paulo foi derrotado?" In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 33.
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12 - 80 ANOS DA REVOLUÇAÕ DE 1932
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A
partir de 10 de julho de 1932 teve início a campanha de alistamento voluntário, em diversas partes do Estado de São Paulo. A articulação, em outros estados da federação foi reduzida ou inexpressiva. O movimento revolucionário conquistou alguns antigos apoiadores da Revolução de 1930, que se sentiram insatisfeitos com a forma de governar de Getúlio Vargas. O apoio mais direto veio do sul do Mato Grosso, que manifestou o apoio irrestrito a São Paulo. Na imprensa do interior de São Paulo era noticiado: "Rebentou em São Paulo e outros Estados, um movimento armado, de caracter constitu(36) (37)
cionalista". Destacava que no Rio Grande do Sul e em Pernambuco foram depostos os respectivos interventores, tendo já aderido ao movimento Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso(36). Apoios que não viriam de fato a se efetivar. A imagem do bandeirante emergiu como um símbolo importante do espírito lutador e resistente na defesa dos seus ideais. As negociações empreendidas, até então, não tinham surtido os efeitos desejados, era momento de agir(37). No jornal A Gazeta, de 11 de julho de 1932, a manchete anunciava a dimensão do movimento: "De São Paulo partiu o brado da Independência, de São Paulo também parte, agora, o brado da Constitui-
Correio da Noroeste, 10 de julho de 1932. In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 22.
(38)
ção". O jornal fazia referência à luta armada contra a "tirania mais ignominosa, mais brutal, mais degradante, que jamais sofrera a nação, em tempo algum". Dava conta que o movimento, que iniciara no dia nove, se alastrava com rapidez por todo o território paulista. Afirmava ainda que a população havia aderido ao mesmo, com sincero entusiasmo, era um: "protesto eloquente e significativo da índole liberal dos brasileiros contra os métodos boçais de opressão e de mandonismo com que falsos regeneradores do nosso caráter entremeavam, [...], a sua obra de destruição sistemática e persistente do patrimônio material e moral da pátria comum".(38)
A Gazeta, 11 de julho de 1932.
As forças revolucionárias paulistas tomaram as linhas férreas, paralisando o tráfego.
O jornal afirmava que o governo de Getúlio Vargas tinha rebaixado o Brasil a uma situação de uma "republiqueta governada por caudilhos", o que tinha abalado a credibilidade da nação no estrangeiro(39). A Gazeta se levantou contra a censura imposta aos jornais e as arbitrariedades do governo getulista em relação ao periódico Diário Ca(39)
rioca e A Tarde, de Natal. Na avaliação da A Gazeta: "São Paulo foi a grande vítima dessa aventura tenebrosa em que o outubrismo nos mergulhou. Saquearam o seu Tesouro, ocuparam-no militarmente, deram-lhe para interventor um moço independente e de poucas letras, asfixiaram-lhe as fontes de riquezas, acorrentando as suas classes produtoras a infamante cativeiro que ainda agora culmina na guerra de morte movida ao café pelo sr. Oswaldo Aranha".(40) Tal situação exigia que os paulistas reagissem, e eles assim o fizeram, mostrando
A Gazeta, 11 de julho de 1932.
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bravura e que o Estado era digno de seu passado. Apesar das dificuldades de lutar sozinho, acreditava-se que os paulistas bastavam para levar a frente o movimento. O objetivo era "restituir o País ao império da lei e da ordem, é restabelecer as garantias jurídicas e legais dos cidadãos, violentamente suprimidas pelo sítio perpétuo do outubrismo, e convocar imediatamente a Constituinte e, pois, restituir ao povo o direito de governar-se a si mesmo"(41). Um dos pontos de concentração dos elementos que vinham se alistando no "Batalhão de Honra" era o Largo de São Francisco, que passou a ser um ponto importante na divulgação do movimento para os populares(42). Na madrugada do dia 10, as forças revolucionários paulistas tomaram as linhas férreas, ficando o tráfego paralisado completamente. A preocupação se estendeu sobre os edifícios públicos estaduais e federais. No Largo do Palácio, atual Pátio do Colégio, ocorreu a aclamação do governador. Uma vibrante população ovacionou os líderes da revolução, com gritos que: "Por São Paulo livre", "Abaixo a Tirania", "Tudo pela constituição", " São Paulo não se abaixa", "Viva o embaixador Pedro de Toledo", "Viva o general Isidoro Dias Lopes" e " Viva o coronel Euclides Figueiredo"(43). O primeiro ato do governador de São Paulo, Pedro de Toledo, em 10 de julho, foi: "continuarem em vigor todas as leis por que o Estado se vem regendo, ratifica e confirma as nomeações de seus secretários de Estado, Chefe de Polícia, Prefeito Municipal de São Paulo, Diretor do Departamento Municipal, prefeitos municipais, Ministros do Tribunal de Justiça, Juízes, serventurários de justiça, delegados de polícia, oficiais e praças da Força Pública, funcionários públicos em geral, nomeados na conformidade das leis anteriores. Para que não sofra solução de continuidade o serviço público, determina que
permaneçam todos no exercício de seus cargos, ofícios e funções, observando os regulamentos até agora expedidos".(44) Para o enfrentamento, com as tropas ditatoriais de Getúlio Vargas, era preciso um treinamento militar e apoio da sociedade, que compareceu com recursos para viabilizar o projeto da constitucionalização. Em 12 de julho, Carlos de Souza Nazareth fez uma proclamação pública, pela Rádio Educadora, fornecendo um quadro sobre as circunstâncias:
das vossa mercadorias, impedindo qualquer alta que possa criar dificuldades à população. Denuncie imediatamente os vossos "stocks", com absoluta exatidão, logo que seja publicado a respeito o edital da Prefeitura, não aproveitando o prazo que for concedido para o cumprimento dessa obrigação. Conservai o lugar e o salário dos vossos empregados e operários, que se alistarem como soldados da Ordem e da liberdade. Que todos possam seguir tranquilos para a linha de frente, sem que falte o pão para as suas famílias e sem que corram o
fere morrer de armas na mão a ser governado por paulistas". A declaração acendeu os ânimos, fazendo que o general Bertholdo Klinger se pronunciasse num telegrama ao general Góes Monteiro, afirmando que a situação era pior do que há quatro anos. Era preciso agir(46). No mesmo dia, as tropas do general Klinger foram acolhidas com alegria na cidade de São Paulo. Na rua José Paulino e no Jardim da Luz uma multidão fazia vivas aos combatentes, com entusiasmo cívico. Pelo local passou um
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Os voluntários atenderam ao chamado. Para enfrentar as tropas ditatoriais de Getúlio Vargas era preciso um treinamento militar e recursos financeiros.
"No momento decisivo em que a Nação Brasileira, com São Paulo, o Exército e a Força Pública paulista à frente, se levanta para reestabelecer no país o regime da lei, da ordem da disciplinas das garantias a todos os direitos, não pode o presidente da Associação Comercial de São Paulo deixar de dirigir ao comércio e à indústria uma palavra de incitamento para que todos cumpram rigorosamente na hora precisa, o seu dever para com a sociedade paulista e brasileira. Está declarada a luta e nela é forçoso que tomem parte ativa todos os paulistas e todos os que vivem em São Paulo. Comerciante e industriais! Ficai a postos na vossa tenda de trabalho. Conservai os preços
risco de ficar desempregados. Finalmente, prestai, sem hesitação, todo serviço que vos for solicitado para a vitoria da grande causa nacional, seja ela qual for. Eis o vosso dever, comerciantes e industriais, brasileiros e estrangeiros, na hora decisiva em que se está preparando a vitória das aspirações mais prementes de todas as forças vivas da nação, em vésperas de afinal promoverem o restabelecimento no país das condições necessárias para se restaurar o ritmo normal do trabalho, só possível no regime da lei e do direito".(45) Getúlio Vargas, em mensagem lida pelo rádio, dizia que ele tinha a seu lado a Marinha e a guarnição do Rio de Janeiro e de todo o Norte, e que "pre-
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A Gazeta, 11 de julho de 1932. A Gazeta, 11 de julho de 1932. (42) A Gazeta, 11 de julho de 1932. (43) A Gazeta, 11 de julho de 1932.
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A Gazeta, 11 de julho de 1932. O Estado de São Paulo, 13 de julho de 1932. (46) Correio da Noroeste, 12 de julho de 1932. (47) A Gazeta, 12 de julho de 1932.
número expressivo de populares, que disputaram espaço para aclamar os corajosos paulistas(47). No discurso proferido por Ibrahim Nobre ao general Klinger, era salientado que: "Estamos dispostos a derramar o nosso sangue em defesa de São Paulo e do Brasil, dispostos a morrer para que possamos chegar ao Rio e sanear o Catete"(48). Em 14 de julho, a ACSP emitiu um boletim, dirigido ao povo, para a organização de um Batalhão Patriótico que tinha como objetivo a defesa da integridade do solo paulista e a constitucionalização do País(49). No mesmo dia era formado um Batalhão Universitário, que foi enviado para o
A Gazeta, 13 de julho de 1932. O Estado de São Paulo, 14 de julho de 1932. (50) LIMA, Soraia Herrador Costa. Júlio Mesquita Filho: entre a máquina de escreve e a política.
sul do estado, tendo como base a cidade de Itararé(50). A ACSP agiu de maneira rápida para estabelecer um plano de ação que desse apoio às ações revolucionárias. Alimentou o ideal revolucionário por meio de manifestos, proclamações e discursos, organizou o Exército Constitucionalista, bem como atuou nos serviços de assistência civil. Após reuniões com o secretário da Fazenda do Estado, Dr. Paulo de Moraes Barros, ficou definido que a ACSP seria responsável pelo controle da receita e despesa da Revolução e da prestação de contas junto ao Tesouro. A ACSP ficava também incumbida de garantir o abastecimento de São Paulo. A definição de papéis e responsabilidades fez que a ACSP se estruturasse para exercer a coordenação dos trabalhos, transformando a sua sede na Rua José Bonifácio nº 12, primeiro andar, numa base do quartel revolucionário. Os trabalhos foram contínuos durante todo o processo revolucionário(51). Para dar apoio às ações, foram criados departamentos a fim de captar donativos em dinheiro, mercadorias e serviços pessoais. Também foi estabelecida uma central para controlar as ofertas de armazéns, veículos e utensílios por empréstimo. Não só a captação de recursos era importante, mas também a distribuição dos mesmos e a fiscalização do serviço de recebimento de donativos que recebeu atenção especial. Foi comunicado ao público que vários departamentos tinham sido criados para: "obter locais para alojamento de tropas; obter locais para depósito de gêneros, equipamento etc.; fornecer o pessoal necessário para quaisquer serviços, inclusive para substituir interinamente em estabelecimentos públicos e particulares os alistados no Exército Constitucionalista; fornecer transporte em automóveis e autocaminhões; fornecer gêneros
São Paulo: ECA-Universidade de São Paulo, 2008. (Dissertação de Mestrado), p. 26. (51) O Estado de São Paulo, 14 de julho de 1932.
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A imprensa teve papel importante no episódio, informando a população sobre os acontecimentos nos campos de batalha.
alimentícios e quais outras mercadorias necessárias".(52) Outros departamentos foram constituídos, demonstrando um planejamento para atuação da entidade de forma positiva, como: o que auxiliava no serviço de alistamento nos batalhões civis; o de estatísticas de mobilização para serviços civis auxiliares de guerra; o de capacetes de aço e o da Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo(53). Os donativos chegaram de diferentes partes, cada um, procurando dar o apoio possível ao movimento(54). A campanha de alistamento civil foi intensa, utilizando-se de cartazes que foram afixados à porta de estabelecimentos comerciais. Os que aderiram ao movimento, expunham nas suas fachadas cartazes como o seguinte teor: "Todos os nossos empregados alistados no Exército Constituinte têm assegurados os seus lugares e garantidos os seus ordenados integrais durante o tempo da incorporação"(55). Era importante garantir que as outras atividades (52)
prosseguissem dentro da normalidade para que a revolução obtivesse êxito, por conseguinte o papel da ACSP era importante como um elemento que contribuía para esse fim(56). No dia 15 de julho foi realizada na sede da ACSP uma reunião com os comerciantes e industriais, a fim de serem debatidos assuntos relacionados ao serviço de abastecimento de gêneros no Estado. A reunião foi presidida por Carlos de Souza Nazareth, que solicitou a colaboração de todos no que dizia à garantia do abastecimento, que tinha como objetivo final o êxito na relevante missão da revolução. Na reunião se pronunciou o intendente dos mercados, José Vergueiro Steidel, que afirmou encontrar o estado em condições excelentes de gêneros de primeira necessidade, assegurado o abastecimento por um período de vários meses, reforçando: "A situação é absolutamente tranquilizadora a este respeito"(57). Ofertas da população che-
O Estado de São Paulo, 14 de julho de 1932. In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 17. (54) O Estado de São Paulo, 14 de julho de 1932. (55) O Estado de São Paulo de 12 de agosto de (53)
gavam à sede da ACSP, revelando o envolvimento intenso da mesma. As alunas da Escola Normal Padre Anchieta (antiga Normal do Brás) fizeram a entrega dos seguintes donativos: "1º lote - 1 pacote com 240 ataduras diversas, 43 gazes simples, 38 pensos, 124 pacotes de algodão. 2º lote - 2 caixas de pasta dental, 1 vidro de loção, 2 vidros de água oxigenada, 1 vidro de vaselina fenicada, 6 caixas de amido, 1 litro de água vulcânica, 2 litros de líquido Dakin, 84 sabonetes diversos, 3 pacotes de fósforos, 1 caixa de charutos, 68 maços de cigarros, 5 pacotes de café, 1 kg de farinha de trigo, 2 saccos de sal (pequenos), 2 pacotes de biscoito (pequenos), 1 pacote de bombons (pequeno), 5 latas de marmelada, 2 latas de banha de coco. 3º lote- 1 grosa de pentes, 27 lenços, 37 pares de meias, 12 camisas de meia, 1 camisa, 1 cobertor, 7 canecas de alumínio, 2 canecas de louça, 5 canecas de agate, 21 pratos de folha, 26 colheres, 1 concha, 12 tigelas, 4 garfos, 1 dúzia de
1932. E In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 18. In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 17. (57) O Estado de São Paulo, 16 de julho de 1932. (58) O Estado de São Paulo, 18 de julho de 1932. (56)
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copos, 10 lenços 2 pares de alpargatas, 2 latas de bolacha (com 10 kg cada)" .(58) Outras ofertas também foram realizadas por diferentes empresas que doavam parte da sua produção para auxiliar na manutenção dos combatentes(59). A ACSP convocou as corporações representativas do comércio, indústria e lavoura para discutirem no dia 20 de julho, em reunião, a melhor formar de se realizar a distribuição dos donativos e como seriam realizados os serviços de assistência civil(60). As deliberações do encontro foram consubstanciadas no Manifesto à nação que foi lido pelo presidente Carlos de Souza Nazareth em transmissão direta pelas rádios. O documento apresentava um balanço e alguns pontos importantes, como: a garantia da normalidade da ordem e serviços públicos; da concentração de esforços para a mobilização de recursos para o movimento revolucionário; da definição que todos os tipos de associações de classe,
beneficentes, recreativas, esportivas, culturais, transformaram-se em departamento do quartel general revolucionário. Comunicava ainda que os auxílios materiais enviados pela população tinham sido elevados, e que circulava a contrapropaganda do separatismo, que deveria ser combatida(61). Em 22 de julho, a população de São Paulo, "ajoelhada e contrita", fazia a sua homenagem ao combatente Fernão Salles, morto em combate. Uma multidão seguiu o funeral pelas ruas de São Paulo. Era um coração paulista que "cessara de bater, mas cuja audácia e desprendimento em prol de um ideal sublime, ficarão para exemplo da posteridade". Os gritos dos populares exaltavam a sua coragem e patriotismo durante o percurso que seguiu da sede do Clube Comercial, na rua Libero Badaró, até o cemitério da Consolação(62). Esta era apenas uma das baixas sofridas, das muitas que aconteceram e que não foram registradas pela imprensa.
O Estado de São Paulo, 19 de julho de 1932. O Estado de São Paulo, 21 de julho de 1932. (61) O Estado de São Paulo, 23 de julho de 1932In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 18. (62) A Gazeta, 22 de julho de 1932. (60)
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A Comissão de Donativo criou, em final de julho, distintivos para serem vendidos ao público, revertendo o seu produto para o benefício da causa. Seriam vendidos pelo valor de 3$ réis cada um, contendo a reprodução da bandeira de São Paulo e a do Brasil, com a frase exaltação: "Pela Lei e Pela Ordem"(63). Alguns estabelecimentos foram autorizados a vender tais distintivos, sendo o dinheiro destinado para a compra de capacetes de aço. Este seriam produzidos para proteger os combatentes dos estilhaços das granadas e das balas dos fuzis que causaram inúmeras mortes(64). Para animar ainda mais a população foram feitos 418 cartazes com os dizeres: "Todos os nossos empregados alistados no Exército C o n s t it u c i onalista têm ass egur ado os seus lugares e garantid o o p a g amento de seus ordenados integrais durante o tempo da incorporação".(65) Os mesmos foram afixados em empresas que os trabalhadores tinham se alistado e estavam no front. Em 31 de julho, a ACSP comunicava, via imprensa, sobre o Serviço de Assistência às Famílias dos Combatentes, filiada ao M.M.D.C. (seção abastecimento), localizada na Praça da República, cujo objetivo era prover as necessidades das famílias dos civis alistados no exército constitucionalista, atendendo aos pedidos que lhe fossem endereçados. A ACSP resolvera também realizar uma mobilização para a realização de serviços de natureza civil e conhecer o número de pessoas que contribuía com a causa. Desta
forma, solicitava que lhe fossem enviados os registros sobre o número de "pessoas de cada sexo, que estão trabalhando gratuitamente, a seu serviço em trabalhos de qualquer natureza". Dirigindo-se, em especial, às oficinas de costura era solicitado que fossem fornecidos dados sobre o montante de peças prontas já entregues para o uso do Exército Constitucionalista ou para as instituições de assis-
tência hospitalar etc., bem como o número de máquinas em serviço nas oficinas(66). Nas semanas seguintes, paulistas e governistas se enfrentaram em diferentes regiões do Estado. O confronto foi intenso em Piquete, Cruzeiro, Campinas, Mogi Mirim, Itapira, e em diferente partes do Vale do Paraíba. A falta de apoio dos outros estados à causa paulista foi sendo sentida com o evoluir do confronto. Os paulistas tomaram consciência que lutavam sozinhos contra as tropas do governo; de nada adiantava a simpatia de alguns líderes estaduais ao movimento, tampouco discursos inflamados que não resultassem
em apoio efetivo para os combates. A aquisição de capacetes de aço, para garantir a integridade física dos combatentes, foi um dos principais alvos das operações da ACSP, em conjunto com empresas paulistas(67). No jornal O Estado de São Paulo era anunciado à população que a venda dos distintivos fora um sucesso. Na manchete da página intitulada: "Capacetes
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Na imprensa foram registrados os doadores, em algumas situações feitas por grupos de funcionários que contribuíam para o fabrico de capacetes(70). Todos queriam contribuir, p. ex. uma empregada doméstica humilde, que destinara grande parte do seu ordenado para a compra de dois capacetes(71). Era também digno de menção o feito de "dois pequenos paulistas" que enviaram uma carta a ACSP, com o seguinte teor: "O nosso cofrinho só tinha 29$200, mas mamãe adiantou os $400 que cada um de nós recebe nos domingos. São esses 30$000 que vão ai para dois capacetes. Viva São Paulo! Dois pequenos paulistas. José Tarcisio C. Lorena Bento Lorena"(72). Anéis de ouro, moedas antigas, objetos como capacetes italianos usados
na Primeira Guerra Mundial fizeram parte das doações(73). O interesse da população em fazer doações em ouro levou a ACSP, em reunião com banqueiros e outros representantes da sociedade paulista, no dia 9 de agosto, a discutir o assunto. Nesta ocasião foi criada a campanha "Ouro para o Bem de São Paulo", que tinha como objetivo obter recursos para manter a revolução, tendo à frente Carlos de Souza Nazareth, que contava com o apoio da nova diretoria da ACSP, composta por José Maria Whitaker, Numa de Oliveira, Vicente de Almeida Prado, José de Souza Queiroz, Monsenhor Gastão Liberal Pinto, Erasmo de Assumpção, Antonio Prado Júnior e Gastão Vidigal, dentre outros que fora empossada a 9 de agosto de 1932(74). A iniciativa tinha como referência as doações de ouro feitas pelos europeus durante a Primeira Guerra Mundial.
A ACSP ficou encarregada de acompanhar a fabricação dos capacetes dos soldados.
de aço para os soldados da Constituição", tinha como destaque: "Em menos de dois dias o povo paulista ofereceu mais de 10.000 capacetes aos defensores da lei e da ordem, já tendo sido feita a primeira remessa para as linhas da frente"(68). Os capacetes foram produzidos conforme a orientação do general Klinger; a ACSP ficava encarregada do acompanhamento da fabricação e a comercialização dos capacetes, enquanto a distribuição ficava a cargo do Serviço de Intendência do Quartel Geral Revolucionário(69).
(63)
(70)
(64)
(71)
O Estado de São Paulo, 28 de julho de 1932. In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 18. O Estado de São Paulo, 29 de julho de 1932. (65) O Estado de São Paulo, edições de 28 e 29 de julho de 1932. (66) O Estado de São Paulo, 31 de julho de 1932. (67) O Estado de São Paulo edições de 2 e 3 de agosto de 1932. (68) O Estado de São Paulo, 4 de agosto de 1932. (69) O Estado de São Paulo, 5 de agosto de 1932. In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 20.
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O Estado de São Paulo, 6 de agosto de 1932. O Estado de São Paulo, 7 de agosto de 1932. (72) O Estado de São Paulo, 7 de agosto de 1932. (73) O Estado de São Paulo, 7 de agosto de 1932. (74) LIMA, Soraia Herrador Costa. Júlio Mesquita Filho: entre a máquina de escreve e a política. São Paulo: ECA-Universidade de São Paulo, 2008. (Dissertação de Mestrado), p. 29. (75) O Estado de São Paulo, 10 de agosto de 1932.
DIÁRIO DO COMÉRCIO
16 - 80 ANOS DA REVOLUÇAÕ DE 1932
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Fotos: Agliberto Lima/DC
Em matéria de O Estado de São Paulo de 10 de agosto, destacava-se que: "São Paulo está fazendo neste momento, uma tão alta afirmação de civismo, que a campanha do 'ouro para a vitória', só não terá êxito completo se não existirem aqui, o que é impossível, reservas de ouro e outros metais preciosos em quantidade suficientes para que as dádivas da população atinjam a cifras ponderáveis".(75) Acreditava-se que nenhum paulista deixaria de contribuir, mesmo que fosse com uma pequena quantidade de ouro para a "vitória sagrada de São Paulo e do Brasil, na luta de vida ou de morte em que est a r e m o s e m p e n h ados". Os donativos eram a expressão da "opulência de sentimento cívico dos paulistas"(76). A ACSP determinou alguns bancos, como o Banco Comercial, Banco do Comércio e Indústria, Bando do Estado, Banco Noroeste, Banco de São Paulo, para o recebimento das doações das joias, que eram feitas em guichês determinados para isto. Os doadores, em reconhecimento à doação, recebiam um diploma de honra, com seu nome e a distinção de ter doado ouro para o bem de São Paulo. A campanha conquistou repercussão e passou a ser um símbolo da defesa da liberdade. Nos cartazes que circularam, os dizeres neles contidos forneciam a dimensão da campanha: "O mais soberano espetáculo de generosidade, civismo e renúncia está representado na campanha do ouro. As proporções das ofertas, absolutamente espontâneas, sem esperança de compensação, superam os cálculos". Aqueles que fizessem a doação de suas alianças receberiam também um anel, de ínfimo valor material, com a inscrição "Dei ouro para o bem de São Paulo".
Os jornais estampavam nas manchetes o "esplêndido sucesso" do movimento, registrando que 812 pessoas haviam oferecido as suas joias para São Paulo, naquele dia. Imagens foram publicadas, mostrando doadores nas filas para fazerem a doação. Era reforçado, que passado mais de trinta dias de guerra, a disposição dos paulistas para a luta continuava, sem esmorecimentos.
A campanha Ouro para o Bem de São Paulo mobilizou a população, que colaborou doando anéis e joias.
A população fez a doação de todos os tipos de joias, que tinham valor histórico e sentimental. Sem hesitações, as contribuições chegaram, pois: "Para o bem de São Paulo, o paulista dá tudo o que possui". O movimento de pessoas promoveu um "espetáculo" emocionante, uma vez que casais ofereciam as suas alianças, senhoras ofereciam seus relógios de ouro, anéis cravejados de brilhantes, pulseiras, etc. Os doutores e bacharéis ofertaram os seus anéis de formatura, outros as medalhas e moedas de ouro e de prata(77). Em várias cidades do Estado de São Paulo, os preparativos estavam sendo elaborados para receber as contribuições(78). As doações cresciam, e em 14 de agosto, a Campanha dos Capacetes de Aço atingia o montante de mais de 775 contos de réis o que correspondia a mais de 51 mil capacetes(79).
A espontaneidade e a pressa em contribuir eram registradas pela imprensa, que abriu espaço nas páginas dos jornais, que visava ao mesmo tempo informar e convencer a serem feitas mais doações. Empresários, presidentes de entidades e religiosos vinham a público manifestar o seu apreço pela causa e conclamar o povo a aderir. Muitos deles, fazendo doações expressivas(80). Dentre vários exemplos, pode-se destacar, o de um menino chamado Mário Gouvêa, aluno do Ginásio de São Bento, de São José dos Campos, que fazia a entrega de uma moeda de prata do império de 2$000 e de uma corrente com uma pequena medalha. Na carta que remetia os objetos, dizia: "Tomo a liberdade de por em vossas mãos essa pequena lembrança, para o bem de São Paulo. Quase que nenhum valor tem, mas para o meu infantil coração, muito representa, pois é recordação de meu saudoso Pai"(81). Apelos eram feitos constantemente para que as contribuições aumentassem. No decorrer do mesmo de agosto, as matérias publicadas, principalmente no O Estado de São Paulo e A Gazeta, davam conta do movimento progressivo de doações. O ideal patriótico era evocado o que permitia uma situação de transe que comovia a todos, como o registro de uma
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O Estado de São Paulo, 10 de agosto de 1932. O Estado de São Paulo, 13 de agosto de 1932. (78) O Estado de São Paulo, 13 de agosto de 1932. (79) O Estado de São Paulo, 14 de agosto de 1932.
O Estado de São Paulo, 17 de agosto de 1932. O Estado de São Paulo, 17 de agosto de 1932. (82) O Estado de São Paulo, 18 de agosto de 1932. (83) O Estado de São Paulo, 18 de agosto de 1932.
aluna do Colégio Sagrado Coração de Jesus, Lygia Maria dos Santos, escreveu a Plínio Barreto: "Sou pequenina, de 8 anos. Mas ontem fui também levar 'meu ouro' para o nosso querido São Paulo. Não é nada; mas é só o que eu tinha; é o primeiro anelzinho que meus pais me deram porque tirei o primeiro lugar no ano passado na minha classe. Fiz o que papai e mamãe fizeram, dando alianças e abotoaduras. Assim Deus abra mais ainda o coração da nossa gente, para sofrer com paciência todos os insultos dos invejosos Juarez Távora e Juracy Magalhães. Nossa Senhora Aparecida que nos proteja".(82) O texto tinha como objetivo comover os leitores, eventualmente indecisos. Apesar do teor da carta revelar uma consciência da realidade pouco comum a uma criança com oito anos de idade, ele servia de um exemplo a ser seguido contra os inimigos "invejosos", que desejavam a derrocada dos paulistas. Outros trechos e cartas completas foram publicados na imprensa, permitindo compreender como uma grande corrente se formou. Os ex-alunos do Colégio São Luiz, da avenida Paulista, atendendo ao apelo feito, doaram medalhas
que haviam conquistado nos campeonatos estudantis(83). Enquanto isso, a Campanha do Ouro obtinha resultados importantes em Santos, Campinas, Franca e Rio Claro e novas comissões eram formadas em Bauru, Catanduva, São João da Boa Vista e Araraquara(84). Doações identificadas ou anônimas, grandiosas ou modestas, de engenheiros, médicos, políticos, diplomatas misturavam-se com as contribuições de equipes de futebol que dispunham dos troféus e medalhas conquistados nos campeonatos. O desprendimento dos paulistas não foi feito sem dor. A imprensa registrou o caso de um afrodescendente o "velho Graciliano Vicente Xavier", que não tinha nenhum anel, mas possuía "apenas, uma bela moeda brasileira, de ouro". A peça lhe fora dada quarenta anos antes pelo seu pai. Conforme relato: "Fora a única fortuna do pai: era, agora, a única fortuna do filho. Mas ao saber que São Paulo precisava de ouro, [...] Graciliano Vicente Xavier não hesitou um instante. Exumou-a do baú pobre em que a guardava e foi oferecê-la ao Banco de São Paulo para a campanha da Associação Comercial, em prol do 'Ouro da Vitória' " .(85) Exemplo como este, permite compreender que o espírito da Revolução de 1932 de defesa da autonomia de São Paulo e da luta pela constitucionalidade envolveu a maioria dos paulistas, independente do status social(86).
O Estado de São Paulo, 18 de agosto de 1932. O Estado de São Paulo, 19 de agosto de 1932. (86) O Estado de São Paulo, 19 de agosto de 1932.
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sexta-feira, 6 de julho de 2012
80 ANOS DA REVOLUÇAÕ DE 1932 - 17
O importante é lutar pelo ideal Reprodução
O
trabalho das oficinas de costura também foi importante e intenso para atender às necessidades dos combatentes. Mulheres se dedicavam durante o dia e a noite para preparar as peças de fardamento para os soldados, demonstrando um ideal muito elevado na defesa da causa paulista. O esforço não era apenas físico, pois muitas delas gastavam dinheiro para trabalhar para o Exército Constitucionalista. Estimavase, naquele momento, que o número de oficinas era de 17, que contava com 343 máquinas, e o de mulheres que trabalhavam nos domicílios era (87)
de 3.873. Para o transporte e serviços humanos havia 209 moços e meninos. Tal equipe possibilitou a confecção de 51.756 fardamentos(87). Dentre as áreas de confronto, destacou-se a região do Túnel da Mantiqueira, que dividia São Paulo de Minas Gerais. Esta área era considerada um dos pontos estratégicos das tropas paulistas, que se empenharam para defender o local, que permitia o controle do acesso à região sul de Minas Gerais. No dia 17 de julho, o movimento revolucionário lutava contra as tropas legalistas naquela região. A ação das tropas getulistas foi violenta, avançando
O Estado de São Paulo, 7 de agosto de 1932.
pelo Vale do Paraíba. Cidades como Caçapava e Lorena foram tomadas. Na sequência das manobras militares, outras cidades rebeladas foram derrotadas, como Itapira, Atibaia e Bragança Paulista. As notícias que eram publicadas na imprensa do período davam conta dos avanços e recuos de guerra, se transformando numa forma eficaz de propaganda ideológica. Em 5 de agosto era publicado na A Gazeta, a matéria com o seguinte título: "Outro trem blindado que entra em ação em êxito". Conforme a reportagem: "São Paulo é uma Alemanha, a ditadura que se convença disso (88)
A Gazeta, 5 de agosto de 1932
quanto antes e que evite, portanto, maior derramamento de sangue entre brasileiros para manter-se no poder mais algumas horas. Outro trem blindado, muito mais aperfeiçoado que aqueles que agem no setor Sul, entrou ante-ontem , a operar na zona Norte. Êxito completo. O adversário foi destrocado e, espavorido, ante a surpresa. Debandou para não ser dizimado. Outros trens blindados estão sendo ultimados e logo entrarão em ação.(88) Em 6 de agosto de 1932, A Gazeta defendia que a estação de Eleutério, no interior de São Paulo, deveria passar a se chamar Fernão Salles, em homenagem ao bravo paulista (89)
Mulheres se dedicavam durante o dia e a noite para preparar as peças de fardamento para os soldados
morto no campo de luta. Aquela estação fora a última estação que viu passar com vida o "bandeirante paulista". A redação de A Gazeta pedira à Diretoria da Estrada de Ferro Mogiana que fosse feita a troca, porque todos estavam empenhados para: "A grandeza de um Brasil, unido dentro da lei e da liberdade"(89). Dois dias depois, era noticiado que os "trens fantasmas" eram o terror das tropas ditatoriais. O trem blindado era temido em vários pontos, pois, o primeiro estava no se-
A Gazeta, 6 de agosto de 1932.
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18 - 80 ANOS DA REVOLUÇAÕ DE 1932
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Reprodução
Túnel da Mantiqueira, na divisa entre São Paulo de Minas Gerais: área de sérios confronto.
tor de Buri, o segundo na frente Norte, e terceiro no Oeste, na frente de Eleutério. Todos eles entrando em ação na hora oportuna. Segundo os registros os ditatoriais, ao verem os trens, abandonavam suas posições, com medo(90). O jornal O Estado de São Paulo afirmava que todos estavam vivendo "horas de epopeia". Os testemunhos que a população dava mereciam que fossem "contados as gerações que tiverem de empunhar o facha que os paulistas de hoje estão acendendo". Isto não era comum de acontecer e só acontecia raramente, por conseguinte todos deveriam ficar orgulhosos por lhe ter sido facultado a "felicidade de viver" naqueles dias(91). A imprensa comunicava no dia 22 de agosto uma nota sobre a ACSP, informando que o montante de capacetes chegara a 73.564(92). Em 25 de agosto era noticiado que o famoso jogador de futebol Arthur Friedenreich continuava no front, são e salvo. Uma carta do grande campeão à sua esposa comprovava a mentira que circulava sobre a sua morte. O teor da carta era o seguinte: "Muitas saudades. Saúde a todos. A respeito dos dois soldados nada posso dizer, pois eles não pertencem aos bata-
lhões que aqui se acham lutando heróica e gloriosamente. Peço, caso possível, mandar-me algumas latas de frios ou doces em conserva. Vou bem e com aquele entusiasmo que é de todos os paulistas empenhados na grande causa da Lei, do Direito e da Justiça".(93) Em 24 de agosto era noticiado as últimas contribuições feitas, dentre elas a taça "General Couto de Maga-
lhães", toda de ouro, que fora oferecida pelo Jockey Club de São Paulo(94). A exemplo do troféu do Jockey Club, outros troféus chegaram, lembrando as disputas futebolistas e esportistas que tinham permitido a um clube ganhar o prêmio. Prosseguia assim a empolgante "Campanha do Ouro"(95). Não esmorecia o entusiasmo do povo paulista, clubes como o Palestra Itália, Corinthians
Paulista, Associação Athletica Portuguesa e Paulistano, por meio de seus sócios e dirigentes, fizeram contribuições para movimento(96). Em 28 de agosto ganhou destaque o concurso de cartazes para a Campanha do Ouro da ACSP. Todos os interessados poderiam concorrer com desenhos feitos em papel 33x48 centímetros, que deveriam ser assinados
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A Gazeta, 8 de agosto de 1932 O Estado de São Paulo, 21 agosto de 1932. (92) A Gazeta, 22 de agosto de 1932. (93) A Gazeta, 22 de agosto de 1932.
O Estado de São Paulo, 24 de agosto de 1932. O Estado de São Paulo, edições de 26 e 27 de agosto de 1932 (96) O Estado de São Paulo, 21 de setembro de 1932. (97) O Estado de São Paulo, 28 de agosto de 1932.
com um pseudônimo. O desenho deveria ser entregue com um envelope fechado, onde deveria constar o pseudônimo, e dentro o nome do artista. Dava-se a este a liberdade para a escolha da gravura e dos dizeres, podendo cada um concorrer com mais de uma proposta. Os três primeiros vencedores receberiam prêmios mais elevados, enquanto os demais, que recebessem menção honrosa, também seriam agraciados com valores menores. Os trabalhos premiados passariam a ser propriedade da ACSP, e as inscrições seriam aceitas até o dia 1º de setembro, como o depósito do mesmo na sede da entidade(97). Conforme a imprensa noticiava: "São Paulo pediu ouro e o ouro apareceu". O que era digno de mencionar era que bastara solicitar apenas uma vez, para que o contributo acontecesse(98). Aqueles que não puderam contribuir com ouro, faziam contribuições de outro tipo. João Fernandes Basílio ofereceu "três casais de galinhas" para serem vendido em benefício da causa, sendo um casal de carijós "ringles", um de "Rhod Island" e outro de gigantes negros. Os galináceos ficaram expostos para venda na sede do jornal O Estado de São Paulo(99). As mesmas foram vendidas logo e três dias depois noticiava-se que fora obtido o valor de 450$ réis. A ACSP mandou confeccionar diplomas de honra para serem entregues aos doadores de ouro, acreditava que a posse dos mesmos daria "sem dúvida, grande satisfação moral a todo cidadão que houver despojado de suas reservas de ouro em benefício de São Paulo"(100). Em 6 de setembro era registrado o êxito do concurso de cartazes para a campanha do ouro, promovido pela ACSP. Para a disputa se inscreveram 161 concorrentes, muitos deles do interior do Estado. Face ao número de trabalhos, de-
O Estado de São Paulo, 4 de setembro de 1932. O Estado de São Paulo, 4 de setembro de 1932. (100) O Estado de São Paulo, 5 de setembro de 1932.
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80 ANOS DA REVOLUÇAÕ DE 1932 - 19
Fotos: Reprodução
finiu-se pela exposição dos cartazes, que ficariam expostos até a noite daquele dia, na rua Libero Badaró nº 39 A, vindo a receber um número grande de visitantes. O júri, que faria a avaliação dos trabalhos, foi composta por personalidades importantes, como José Wasth Rodrigues, Francisco Pati e José Gonçalves(101). A iniciativa obtivera sucesso e os cartazes, posteriormente, foram expostos em estabelecimentos comerciais da região da Praça do Patriarca e da Rua Direita(102). Em 7 de setembro ocorreu o desfile da Guarda Civil da Capital(103). Tendo em vista que na data se comemorava os 110 anos da Independência do Brasil, os locais de doação estavam fechados. No dia seguinte, as atividades voltaram ao normal em todos os postos de recebimento, principalmente nos bancos(104). No dia 9 de setembro era noticiado que o montante de dinheiro arrecadado permitia a compra de cem mil capacetes de aço(105). Neste momento era publicado: "Os Exércitos Constitucionalistas entram vitoriosos no segundo mês de campanha". Na cidade de Silveira tinham ocorrido combates, "terminando com o recuo das tropas ditatoriais, que tiveram durante a luta numerosas perdas"(106). Também chegavam da Europa votos de apoio ao movimento, demonstrando admiração pelos paulistas(107). A imprensa informava que as tropas do major Romano Gomes prosseguia vitoriosamente a sua marcha na região de Vargem Grande e São João da Boa Vista, que haviam sido recuperadas, além de ter sido derrubado um avião das forças ditatoriais(108). Contudo, o fechamento das fronteiras do Estado de São Paulo, pela tropas de Getúlio Vargas, dificultou a entrada de armamentos, principalmente o bloqueio do porto de
Santos, que foi tomado pelos getulistas, no mesmo dia 12 de setembro. Tal situação fez que esforços se concentrassem no fabrico de armas, munições, máscaras de gás, veículos blindados (trens, carros e lanchas), canhões e na constituição de recursos para que as tropas pudessem lutar no front. O engenho dos paulistas fez criou a "matraca", que era um simulador do ruído das metralhadoras, que enganava os inimigos, que pensavam estar sob o alvo(109). Para ludibriar os oponentes, também foi criado o "canhão bresseriano", que era um canhão que não disparava, mas que enganava nas observações aéreas(110).
A imprensa procurava dar notícias positivas, mas as dificuldades no front eram enormes
Estas artimanhas não escondiam o fato real: a inferioridade material das tropas paulistas. O que sobejava era o espírito da união, da defesa e o brio paulista. Ações práticas também eram tomadas, como a distribuição de cobertas de panos para evitar que os capacetes brilhasse e se aquecessem ao sol. Tal situação fez que muitos deles fossem obrigados a "besuntá-los de gordura e cobri-los de poeira ou terra"(111). Este tecido se adaptaria aos três tipos de capacetes que tinham sido fabricados até aquele mo-
mento. Além disso, os capacetes reluzindo ao sol e a lua, indicavam a localização dos soldados, o que tornava os soldados constitucionalistas alvo fácil dos inimigos. Foi erguido na Praça do Patriarca um monumento que era marcado pela figura do bandeirante. Era destacado que: "O desenho é perfeito. Não foi esquecido nenhum detalhe do personagem que através dos séculos tem sido o incentivo para a grandeza de São Paulo". A imagem do bandeirante, descobridor de ouro, que fez a glória de São Paulo, durante o domínio português
sobre a América, era aludida no monumento que mostrava o orgulho de contribuir com doações em ouro(112). Houve polêmica sobre a criação do monumento, que conforme Paulo F. do Amaral fora concebido a partir do cartaz de sua autoria, que ganhara o prêmio da "Campanha do Ouro" e que contava com os dizeres "Ouro é Vitória", que fora criado por Badenes(113). Todavia, foi esclarecido ao público, em nota à imprensa, que o pintor J. Prado havia apresentado à ACSP "o 'croquis' do seu monumento antes de ser aberto o concurso, não tendo sido, pois, inspirado por nenhum dos cartazes, que só posteriormente foram idealizados e executados"(114). A debilidade de recursos das tropas paulistas era visível e os comandantes anteviram uma derrota. Em 14 de setembro, os revolucionários enviaram ao almirante Protogenes Guimarães, Mi-
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O Estado de São Paulo, edições de 6 e 7 de setembro de 1932. O Estado de São Paulo, 24 de setembro de 1932. (103) A Gazeta, 7 de setembro de 1932. (104) O Estado de São Paulo, 8 de setembro de 1932. (105) O Estado de São Paulo, de 9 de agosto e A Gazeta, 9 de setembro de 1932. (106) A Gazeta, 9 de setembro de 1932.
O Estado de São Paulo, 10 de setembro de 1932. A Gazeta, 12 de setembro de 1932. (109) DONATO, H. A Revolução de 32. São Paulo, Círculo do Livro/Abril, 1982. (110) DONATO, Hernani. "O que foi a Revolução de 32?" In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 26. (111) O Estado de São Paulo, 13 de setembro de 1932.
nistro da Marinha, uma proposta de cessar fogo, que foi concebida por Bertoldo Klinger. O primeiro contato dos negociadores, dos dois lados, só aconteceria quinze dias depois, sem que a deposição de armas fosse acordada(115). Passado dois meses dos conflitos, Carlos de Souza Nazareth fez um discurso pela Rádio Sociedade Record, destacando a importância da luta das trincheiras, devido às ações de desrespeito a São Paulo, pelo governo de Getúlio Vargas. Lembrava que os sons dos canhões eram o som da liberdade e que naquele momento "o único acordo possível" era "o acordo da vitória!", ressaltando ainda que: "... A guerra em que hoje se empenha e que tem sido, há sessenta dias, um suceder ininterrupto de maravilhas, não tem nenhum dos aspectos pejorativos que lhe emprestam a ditadura. Não temos que corar em presença da História, dos motivos que nos impeliram para a luta. Pelo contrario, a História é que terá de sentir-se orgulhosa deste grande povo, quando nas suas páginas de bronze, tiver de fixar os feitos memoráveis de nossa raça".(116)
O Estado de São Paulo, 13 de setembro de 1932. O Estado de São Paulo, 14 de setembro de 1932. (114) O Estado de São Paulo, 16 de setembro de 1932. (115) O O Estado de São Paulo, edições de 27, 28 e 29 de setembro de 1932. (116) In: Digesto Econômico, julho 2003, p. 22.
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20 - 80 ANOS DA REVOLUÇAÕ DE 1932
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O bombardeio de Campinas acabou por acender mais a ira e a consciência coletiva.
O governo federal, além de combater no front, fez reiteradas ações para apontar a fragilidade dos revoltosos, fazendo circular informações sobre o enfraquecimento dos mesmos e da necessidade destes solicitarem o armistício, conforme as imposições a serem feitas por Getúlio Vargas. A ação visava desarticular os revoltosos, ao mesmo tempo em que a população se sentia desprotegida. A dificuldade de abastecimento e a falta de gêneros contribuíam para aumentar a apreensão geral. Além disso, os fornecedores de recursos necessários para os combates acabaram por controlar o fornecimento de bens, enquanto o pagamento não fosse feito, apontando para as dificuldades financeiras do Tesouro do Estado. No dia 19 de setembro, era publicado o protesto das associações de classe de São Paulo junto ao ministro Afrânio de Mello Franco. Manifestavam-se as entidades contra "o ato estúpido e bárbaro, (117)
cruel e desumano que foi o bombardeio da cidade de Campinas, praticado por aviões a serviço do governo ditatorial". O ato dos aviadores era reprovado pelo direito internacional, que condenava o ataque à população civil. O episódio causou comoção e terror na população de Campinas, pois os ataques atingiram inocentes(117). O bombardeio de Campinas acabou por acender mais a ira e a consciência coletiva. A raiva tomou o espírito de todos os paulistas. Protestos de várias entidades foram enviados ao governo federal reclamando do desumano bombardeio. A Cruz Vermelha manifestou o seu protesto contra os métodos de guerra que estavam sendo usados, fazendo vítimas no Estado, como crianças indefesas, ambulâncias que transportavam doentes e pessoas que atendiam aos doentes(118). Nos dias seguintes, a incipiente força aérea paulista, que contava com seis aviões, conhecida como "gaviões-de-
A Gazeta, 19 de setembro de 1932. A Gazeta, 21 de setembro de 1932. (119) LIMA, Soraia Herrador Costa. Júlio Mesquita Filho: entre a máquina de escreve (118)
penacho", destruíram cinco aparelhos dos inimigos estacionados em Mogi Mirim(119). Uma carta de uma família de Pindamonhangaba mostrava o brio paulista, em meio a esta situação. Antonio Augusto de Barros Penteado e as esposa Celisa de Barros Penteado, pais de Lauro de Barros Penteado, morto a poucos dias, davam o seguinte testemunho: "O nosso filho Lauro do batalhão '14 de julho', morto em combate em consequência de ferimento produzido por estilhaço de granada adversária, deu todo o seu sangue, até a última gota (morreu de hemorragia hora depois de ferido) para o bem de São Paulo. Os últimos momentos foram assistidos por um colega Epaminondas do Vale que, a pedido, registrou num pedaço de papel, quando era condu-
zido para o próximo posto de socorro, suas últimas recomendações. Esse companheiro valoroso fez a arrecadação dos objetos do extinto e nos mandou: não os queremos guardar como recordação do nosso saudoso filho. Quem deu o sangue também dá o seu pouco ouro, para o nosso bem. E assim remetemos a V.S. os objetos arrecadados e que aquele soldado paulista trazia, para que V.S. os entregue à Campanha do Ouro".(120) O ataque a Campinas e as mortes impulsionaram o movimento de doações. Atendendo às sugestões da comissão de donativos de São Paulo, foram confeccionados, a fim de serem vendidos em benefício do Movimento Constitucionalista, distintivos para lapela com a reprodução do brasão do Estado de São Paulo(121). Em 28 de setembro foi comunicado que seria criado um Departamento de Donativo de Metais. O Departamento da Campanha do Ouro tinha recebido numerosos objetos de metais não preciosos, como alpaca, níquel, zinco, bronze, latão, etc. Estes metais eram muito úteis para o fabrico de inúmeros artigos necessários e representavam também contribuição valiosa. As doações permitiriam a
Reprodução
e a política. São Paulo: ECA-Universidade de São Paulo, 2008. (Dissertação de Mestrado), p. 27. (120) O Estado de São Paulo, 22 de setembro de 1932. (121) O Estado de São Paulo, 23 de setembro de 1932.
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criação de uma reserva de metais para assegurar o abastecimento do Estado, na hipótese da guerra durar muito, pois este material poderia vir a faltar(122). Naquele dia as forças de Romão Gomes dominaram toda a região de Jaguari. Destacava-se que "As senhoras podem ficar descansadas; o inimigo jamais pisara em Campinas"(123). A participação feminina foi expressiva no decorrer dos combates. As mulheres contribuíram com a confecção de fardamento e agasalhos, bem como de material farmacêutico para serem enviados aos feridos. Atuaram também nos hospitais com enfermeiras cuidando dos feridos, bem como dando suporte às famílias daqueles que estavam no front de batalha. A iminência de um final inglório para São Paulo não esmoreceu o povo paulista na Campanha do Ouro. Em primeiro de outubro, uma ampla lista com o nome dos doadores era publicada, contendo registros desde meados de agosto(124). Naquele mesmo dia era noticiado que a cidade vivia horas agitadas, vários conflitos tinham acontecido e militares estavam mortos. A população nervosa ficou preocupada com as notícias de confrontos no bairro do Brás. As movimentações eram intensas e os confrontos chegaram a ferir civis. O comércio fechou as portas, tanto na área central como nos bairros. No período da tarde aconteceram várias passeatas e oradores fizeram comícios. O coronel Taborda, chefe da polícia, definiu pela proibição dos comícios, não permitindo reuniões n e m p a s s e atas(125). Eram os momentos finais da luta por um ideal. O número de mortos cresceu nos embates que se seguiram até 2 de outubro,
O Estado de São Paulo, 28 de setembro de 1932. A Gazeta, 28 de setembro de 1932. (124) O Estado de São Paulo, primeiro de outubro de 1932. (125) A Gazeta, 1o. de outubro de 1932. (123)
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80 ANOS DA REVOLUÇAÕ DE 1932 - 21
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O governo getulista puniu de forma rígida os revoltosos, com o exílio de mais de 70 pessoas
quando as tropas paulistas foram derrotadas pelo general Pedro Aurélio de Góis Monteiro, que combatia a favor de Getúlio Vargas. Os sinais de enfraquecimento indicavam que a via mais adequada para a questão era a solicitação de armistício. O governo, reunido com os comandantes militares e representantes das associações comerciais, chegou à conclusão que não havia mais condições de continuidade do confronto, tendo em conta a rendição da Força Pública Paulista, localizadas em Cruzeiro, que sem alternativas depuseram as armas. As tropas governistas ocupavam a capital paulista e impuseram uma perseguição inclemente aos revoltosos: a Revolução de 1932 terminara. O saldo era um prejuízo material elevado e a perda da vida de mais de 600 paulistas. A imprensa destacara a atuação dos paulistas que lutaram sem esmorecer(126). Para o novo governo provisório de São Paulo foi nomeado o General Valdomiro Castilho de Lima. No dia 3 de outubro dissolveu-se o M.M.D.C., ficando sob a responsabilidade do novo governo dar assistência aos excombatentes e suas famílias. O montante de dinheiro arrecadado com a Campanha do Ouro foi entregue a Santa Casa de Misericórdia, que com os recursos construiria o edifício que seria conhecido como o nome de "Ouro para o bem de São Paulo", localizado no Largo da Misericórdia, no cruzamento da rua Direita com a rua Álvares Penteado. A contabilidade foi feita com rigor pela ACSP, que foi elogiada pela excelência do trabalho. Em 5 de outubro, o governador Valdomiro Castilho de Lima reuniu os jornalistas expondo-lhes a atuação da tropa
estadual na pacificação, sendo determinada a censura à imprensa(127). No dia seguinte, o general Bertholdo Klinger, já preso, afirmou de forma heroica: "Só posso dizer-lhes que assumo integralmente a responsabilidade desta revolução e só desejo que todos os castigos que aguardam meus companheiros recaiam somente sobre mim"(128). O momento era de desolação e de indefinição sobre o futuro. Os principais líderes militares foram presos e conduzidos para o Rio de Janeiro, como também aconteceu com o presidente da ACSP, Carlos de Souza Nazareth. Preocupada com as punições que pudessem vir a ser impostas ao seu antigo presidente, a ACSP telegrafou ao parceiros do Rio de Janeiro, em 10 de outubro de 1932, solicitando que fosse dado o apoio necessário ao antigo presidente, enquanto estivesse detido(129). Em 11 de outubro foi no-
ticiada a partida para o Rio de Janeiro de outro grupo de constitucionalistas. A população paulista prestou homenagem aos presos chamados pelo governo central, dando demonstrações de carinho e simpatia. "Convidados" para irem para o Rio de Janeiro, pelo chefe da polícia, os detidos embarcaram na noite do dia anterior. O embarque foi marcado pelo sigilo, mas os prisioneiros foram saudados com vivas vibrantes ao embarcarem. Apesar de ser tarde da noite, os presos foram aplaudidos, enquanto a composição do trem não saía da estação(130). O momento era de ebulição e ânimos exaltados e a ACSP, ciente da conveniência de acalmar a população, divulgou um manifesto em 14 de outubro, dirigido ao povo, aconselhando: "à população a maior calma e serenidade neste momento, a
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Diário Popular, 4 de outubro de 1932. CAPELATO, p. 33. A Gazeta, 5 de outubro de 1932. (128) A Gazeta, 6 de outubro de 1932. (129) Ata da 2a Reunião do Conselho Consultivo. 12 de outubro de 1932, p. 234.
fim de que a ordem pública seja assegurada, como o exigem os altos interesses do nosso Estado e do Brasil, e formulam os seus votos para que serenem as paixões e se desarmem os espíritos, a fim de que pais pacificado possa retomar o ritmo normal da sua vida de trabalho".(131) No comunicado distribuído na capital naquela data, assinado pelas mais diferentes entidades que apoiaram a revolta, apelava-se para "a heroica população de São Paulo no sentido de que se abstenha no atual momento de qualquer manifestação pública, mantendo-se em atitude de inteira calma". O documento ressaltava que era preciso que "os bons paulistas se lembrem que maus elementos desejavam a todo o transe perturbar a ordem, tirando disso partido em favor de suas insidiosas campanhas"(132). O governo getulista puniu de forma rígida os revoltosos, com o exílio de mais de setenta pessoas. Os principais líderes, como Carlos de Souza Nazareth, Altino Arantes, Pedro de Toledo, Júlio de Mesquita Filho,
A Gazeta, 11 de outubro de 1932. O Estado de São Paulo, 15 de outubro de 1932. (132) O Estado de São Paulo, 15 de outubro de 1932. (133) O Estado de São Paulo, 19 de outubro de 1932
Francisco Mesquita, Ibrahim Nobre, Guilherme de Almeida, Paulo Duarte, Agildo Barata e Isidoro Dias Lopes, foram deportados para Portugal, sendo embarcados primeiramente no navio D. Pedro I, passando em seguida para a embarcação Siqueira Campos. Nas fotos dos derrotados, a bordo da embarcação, o registro para a posteridade mostrava que apesar da derrota, os ideais paulistas estavam vivos e a dignidade dos combatentes também. Finda a revolução e estando em marcha as ações de punição, ocorreu, em 17 de outubro, a reunião das associações de classe de São Paulo para elaboração de uma moção de solidariedade ao presidente da ACSP. O encontro contou para representante da classe dos comerciantes, industriais, operários, contadores, engenheiros, proprietários, agricultores, estudantes e funcionários público que discutiram assuntos referentes àquela situação(133). No dia 28 de outubro a imprensa noticiava que José
DIÁRIO DO COMÉRCIO
22 - 80 ANOS DA REVOLUÇAÕ DE 1932
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O poder de mobilização da ACSP foi notório e reconhecido
O Estado de São Paulo, 28 de outubro de 1932. Ata da 2ª Reunião Ordinária - 10 de novembro de 1932, p. 250. (136) Ata da 2ª Reunião Ordinária - 10 de novembro de 1932, p. 249. (135)
C /D im a
que não desmentirei o mandato que me confiaram os amigos".(136) A derrota imposta a São Paulo se deveu em grande parte ao isolamento do Estado, que não contou com a adesão de outras unidades federativas. O fato é que todos clamavam pela necessidade de uma Constituição que garantisse o direito de liberdade, p o r é m , poucos de fato agiram ou e s t i v eram dispostos a lutar por tal causa. Além disso, pode-se notar que no decorrer dos fatos, a revolução foi deflagrada, sem o planejamento estratégico estar devidamente concluído, faltando uma melhor organização das forças militares. A morosidade com que as tropas se deslocaram contribui para os revolucionários ficassem mais em posição de defesa do que de ataque, o que favoreceu as tropas governistas. Deve-se também ressaltar que a falta de experiência em combates deste tipo fez com que a maioria das ações fosse improvisada, faltando, por vezes, voz de comando e ousadia para que operações estratégicas fossem realizadas. Entre os militares havia divergências com relação aos procedimentos e também desavenças e rivalidades pessoais, que acabaram por prejudicar o êxito do movimento. Vários fatores tinham contribuído para o malogro da revolução.
Referências Bibliográficas
Ag lib ert oL
Carlos de Macedo Soares, representante no Rio de Janeiro das associações de classe, daquele Estado, enviara um telegrama ao presidente em exercício da ACSP, Horácio de Mello, comunicando que: "Foi restituída a liberdade a todos os paulistas prisioneiros de guerra que se achavam nas Ilhas Grande e das Flores, exceção feita do ilustre dr. Francisco Mesquita, que foi transferido para a Casa de Correção". Informava ainda que o Centro Paulista estava realizando a assistência a todos nãos necessitados(134). No dia seguinte, Carlos de Souza Nazareth escrevia dirigindo-se a todos os membros da ACSP; registrava o seu abraço a "todos amigos e companheiros diretoria pedindo transmitir diretorias demais associações não esmorecer para não desmerecer". No mesmo dia, a ACSP respondeu ao antigo presidente da entidade, que já se encontrava a bordo do vapor D. Pedro I, afirmando: "Retribuímos calorosamente abraços desejando muitas felicidades querido amigo cuja ausência é grandemente sentida". O telegrama foi assinado por Horácio de Mello e demais membros da Diretoria da Associação Comercial de São Paulo(135). Em carta dirigida ao Sr. Feliciano Lebre de Mello, escrita na Casa de Correição do Rio de Janeiro, Carlos de Souza Nazareth comunicava aos antigos companheiros o que lhe estava porvir: "Vou ser deportado! Cumpre até o fim o compromisso de honra que as classes conservadoras assumiram perante o povo de São Paulo, quando hipotecaram apoio incondicional ao Governo Pedro de Toledo. No depoimento que prestei, chamei, exclusivamente a mim, toda e qualquer responsabilidade que pudesse caber às classes conservadoras pela atitude que assumiram durante a revolução. Estou mais firme do que nunca. Para a felicidade do nosso país e o bom nome da nossa classe, suportarei todos os castigos que o Governo julgue por bem aplicar. Juro-lhe
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Sem dúvida, apesar das hesitações e falhas estratégicas militares, dentre outros problemas, o poder de mobilização da ACSP foi notório e reconhecido pela sociedade. A entidade foi capaz de reunir a população no entorno de uma questão cívica importante: a Constituição. A Revolução de 1932 estremeceu o poder de Getúlio Vargas, chamando a atenção para a urgência de se instalar um processo de redemocratização. A luta dos paulistas pela constituição, que ceifou centenas de vidas, não foi em vão. Apesar da derrota, São Paulo conquistou o seu intento, que era a promulgação da Constituição, que ocorreu em 1934 e a defesa de eleições sem fraudes, sendo criado para tanto a Justiça Eleitoral. A ACSP havia cumprido a sua missão.
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Fontes Primárias: A Gazeta O Estado de São Paulo Correio da Noroesta A Platea Folha da Manhã
Douglas Cometti/Folhapress
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Homenagem aos heróis de 32
C
onhecido pelos paulistanos como Obelisco do Ibirapuera, o Monumento Mausoléu ao Soldado Constitucionalista foi projetado pelo arquiteto Galileo Emendabile. Possui 77 metros de altura, ocupando uma área de 21 mil m². Em seu interior há uma cripta de 1.400 m², com painéis homenageando os soldados que morreram em batalha.
Foto do arquiteto Galileo Emendabile no interior do Mausoléu, onde se encontra uma cripta-igreja com 5 metros de altura e que comporta até 3 mil pessoas.
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