90 ANOS COM
ARGANIL
Com o patrocínio de:
Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente
90 anos com Arganil Introdução
Diário de Coimbra
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Memórias com 90 anos
P
ublicamos hoje o primeiro de um conjunto de trabalhos dedicados aos concelhos da região. Trata-se de um “apanhado” que chamaremos de “memórias”, que, ao longo dos 90 anos do Diário de Coimbra – que este ano se assinalam – fizeram parte das páginas e da história do Jornal e representam um conjunto de momentos relevantes da história de cada um destes territórios, que o Diário de Coimbra abraçou como uma referência desde a sua génese. Hoje, destacamos Arganil e nas páginas que se seguem recordamos memórias, eventos, referências e histórias que se passaram ao longo destes 90 anos e que tiveram ou têm, ainda, repercussões, pequenas ou grandes, na vida das pessoas e das comunidades deste concelho. Não se trata de uma investigação histórica. Longe de nós ter
a veleidade de traçar esse objectivo. Também não se trata de uma cronologia de acontecimentos, que pecaria sempre por escassa, pouco exaustiva e necessariamente parca no que toca a esclarecimentos. Trata-se, antes, de uma viagem que empreendemos pela história recente de um concelho com uma longa história, onde procurámos destacar alguns momentos, algumas personalidades, alguns acontecimentos. Momentos que entendemos marcantes e que nos permitem fazer uma “viagem” no tempo, ao longo de 90 anos. Uma “viagem” necessariamente curta e sucinta, sobretudo despretensiosa, para a qual convidamos os leitores para, connosco, recordarem ou “descobrirem” alguns desses episódios, personalidades e acontecimentos que fazem parte das memórias de Arganil e dos arganilenses.
FICHA TÉCNICA Fevereiro de 2020 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo Coordenação editorial: Manuela Ventura
Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Manuela Ventura e A. Quaresma Ventura Fotos: Arquivo, A Comarca de Arganil, Santa Casa da Misericórdia de Arganil, Isabel Duarte, Regina Anacleto e Ferreira Santos
Vendas: Fernado Gomes e Mário Rasteiro Design gráfico: Pedro Seiça Publicidade: André Antunes, Carla Borges e Rui Semedo Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA
Tiragem: 10 mil exemplares Agradecimentos: Câmara Municipal de Arganil, Biblioteca Municipal de Arganil, A Comarca de Arganil, Santa Casa da Misericórdia de Arganil, A. Quaresma Ventura e Isabel Duarte
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Opinião 90 anos com Arganil
Arganil prepara o futuro com maior investimento público de sempre Luís Paulo Costa Presidente da Câmara Municipal de Arganil
É
com sentida admiração que Arganil felicita o Diário de Coimbra e se associa a um marco tão importante na vida deste que é o principal e mais antigo jornal regional português; que tem sido – digo-o com profunda estima – um amigo de todas as horas do nosso concelho. Ao longo dos 90 anos de existência, muitos foram os momentos marcantes para Arganil e para os arganilenses a tingir as páginas do Diário de Coimbra, que se empenhou em manter uma relação de proximidade e de verdade com o nosso território. A história do jornal cruza-se com o passado do nosso concelho
e, de uma forma muito especial, com o presente de Arganil; um presente virado para um futuro que se adivinha promissor, oferecendo mais diversidade a quem nos visita (preparamo-nos para abrir as portas dos Núcleos Museológicos de Etnografia e de Arqueologia), aumentando o conforto e a qualidade de vida dos que cá vivem e promovendo a captação de investimento e a criação de emprego. Às necessidades e expetativas das pessoas respondemos, por isso, com projetos concretos, que se traduzam em melhores condições ao nível da reabilitação do espaço público e da rede viária concelhia; das áreas do abastecimento de água, do saneamento de águas residuais e dos resíduos sólidos urbanos; da cultura e do desporto, lazer e recreio e, decididamente, no desenvolvimento económico. Neste caso, através do sólido e decisivo investimento na requalificação e ampliação da área de localização empresarial da Relvinha, de sensivelmente 5,8 milhões de euros, que
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permitirá a criação de condições para fixar a atrair empresas para o nosso concelho. Estamos a contruir o futuro de Arganil através daquele que é o maior investimento público de que há registo no nosso território, porque levamos muito a sério a responsabilidade de dar boas e auspiciosas notícias aos arganilenses. Aplaudimos e revemo-nos, por isso, naquela que tem sido a postura do Diário de Coimbra em trabalhar contínua e afincadamente para levar os melhores assuntos aos seus leitores, orientando-se pelos valores da credibilidade, isenção e objetividade, sem nunca se desviar daquilo que são os reais interesses das pessoas. Resistiu à censura imposta durante a ditadura e manteve-se firme durante a II Guerra Mundial, que levou ao fecho de muitos jornais pela Europa fora. Que não tenhamos dúvidas: não há outra forma de tornar um projeto duradouro e credível senão sendo-se fiel às motivações e aos compromissos assumidos desde o primeiro dia, combatendo as adversidades com verdade e transparência. É disso que é feita a resiliência; é disso que é feito o sucesso. Parabéns ao Diário de Coimbra e parabéns aos seus fiéis leitores, muitos dos quais, nós, arganilenses.
90 anos com Arganil Fernando Valle
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Uma vida cheia
FERNANDO VALLE: UM EXEMPLO
Natural da Cerdeira, freguesia de Coja (30 de Julho de 1900), Fernando Valle licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra e como estudante foi um activista das lutas reivindicativas e progressistas da Academia. Foi médico municipal e delegado de saúde de Arganil, tratou graciosamente os pobres e apostou na inovação, lançando, por exemplo, uma campanha para adquirir um aparelho de Raio X para o Hospital Condessa das Canas, do qual foi director. Foi presidente da Comissão Regional do Centro da Ordem dos Médicos e um homem com uma intervenção cívica muito significativa, patente, nomeadamente, na fundação da sociedade que viria a dar origem à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Argus. Em termos políticos, Fernando Valle integrou as comissões de candidatura à presidência de Norton de Matos, Quintão de Meireles e Humberto Delgado. Foi candidato a deputado pela Oposição Democrática e integrou o grupo das 27 figuras que, em 1973, na Alemanha, fundaram o Partido Socialista. Membro da maçonaria, foi ainda presidente da comissão administrativa da Câmara de Arganil, governador civil de Coimbra e presidente honorário do PS. Faleceu a 26 de Novembro de 2004, com 104 anos de idade.
Fernando Valle continua, hoje, a ser uma referência para Arganil
1900-2004 “Encarou a vida como uma missão” e um objectivo muito claro de “ajudar os seus semelhantes”. E foi isso que fez, como médico e como político
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onseguiu, como poucos, empenhar-se em curar as maleitas dos homens e do mundo. Médico e político foi, sobretudo, um homem bom, de valores, um humanista e um filantropo. Falamos de Fernando Valle, uma referência de ontem e de hoje, mas também do futuro. «É um exemplo de vida, um guia que
tento seguir diariamente», afirma o neto, Fernando Vale, recordando a experiência e as memórias «muito enriquecedoras a todos os níveis» que guarda do avô paterno. «Foi uma pessoa que marcou indelevelmente a minha vida, pelo exemplo que dava, pelos valores que representava». «Era muito fácil conviver com ele. Era um homem simples, que granjeava amigos em
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Fernando Valle 90 anos com Arganil
todas as faixas etárias e em todos os estratos sociais», afirma Fernando Vale, engenheiro florestal de formação. «Dava muito valor e preservava a amizade» e tinha uma fileira de amigos «muito diversificada, de diferentes panoramas políticos». Fernando Vale fala com carinho do avô, de quem herdou o nome (com a diferença dos dois “l”), e destaca a sua «conduta de união, de agregação da família e dos amigos», mas também o facto de ser «uma pessoa muito espirituosa» e com «um grande sentido de humor». Sobretudo um «humor muito inteligente, que punha bem dispostas todas as pessoas». Do médico, do político, do humanista e do filantropo, galardoado com as mais diversas condecorações, o neto destaca «os valores» que Fernando Valle sempre defendeu e também «a coragem de afirmar os seus ideais em tempos difíceis, colocando o seu conforto e da sua família em risco», sublinha, referindo-se a situações que se repetiram, nomeadamente nas «duas vezes em que foi preso» ou «quando foi demitido da Função Pública». «Com muita coragem, sempre defendeu, ao longo de toda a sua vida, os valores da liberdade, da solidariedade e da igualdade e esta forma de encarar a vida reflectiu-se em toda a sua actividade», faz notar, destacando nomeadamente a sua disponibilidade para os doentes, que «lhe granjeou uma admiração muito grande», que ainda hoje, 15 anos volvidos sobre a sua morte, se faz sentir. «Encarou a vida como uma missão», com o objectivo de «melhorar a vida dos seus semelhantes», quer em «termos políticos, quer humanos e sociais». «É uma lição de vida. É o meu referencial», diz. Com três filhas, ainda pequenas, Fernando Vale faz questão de as envolver nesta herança e nesta experiência privilegiada. Técnico especialista do gabinete do secretário de Estado da Conservação da Natureza, Florestas e Ordenamento do Território, Fernando Vale é também vereador da Câmara Municipal de Arganil, eleito pelo PS, partido que o avô ajudou a fundar. Um “bichinho”que, assume, é uma herança directa de Fernando Valle. «Sempre ouvi o meu avô discutir política e isso influenciou-me muito e desenvolvi um gosto pela política». Fernando Vale, neto, partilha connosco momentos emblemáticos vividos com o
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Fernando Valle na sua amada Coja
avô, como as «visitas de Miguel Torga, momentos de uma densidade muito grande, que me marcaram». E destaca outros momentos que aconteceram, como a manifestação das «mulheres de Arganil, que se juntaram para impedir a sua saída do Hospital». Um facto que, sublinha, «reflecte o profundo amor que a população tinha por ele» e «o reconhecimento da acção humana que desempenhou». Recorda o facto de «deixar medicamentos ou dinheiro aos pacientes mais necessitados» e sublinha o fantástico sentido de humor do avô, lembrando um episódio passado com o então arcebispo de Braga. «Senhor doutor, quero
vê-lo assim aos 100 anos», desafiou D. Eurico Dias Nogueira, num cumprimento elogioso. «Então cuide-se senhor arcebispo, então cuide-se!», retorquiu Fernando Valle. Também demonstrativo do singular sentido de humor, Fernando Vale conta um encontro, nas comemorações do 10 de Junho, em Coimbra, onde estava o marechal António Spínola, que Fernando Valle não conhecia. Coube a Mário Soares, então Presidente da República, fazer as apresentações. «O meu marechal parece um major», afirmou o médico, elogiando o aspecto jovial de Spínola, que não terá gostado nada da observação.
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Rali de Portugal 90 anos com Arganil
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AS EMOÇÕESI ÚNICAS DO RALII DE PORTUGALI
Bólides voltaram, em 2019, mais de duas décadas depois, às estradas da Beira Serra
1985 Depois de “comer o pó” a ver os bólides passar, engenheiro da Câmara Municipal também quis acelerar a fundo. Pinto dos Santos fez história a bordo de uma 4L
A
rquitecto” nos bastidores, António Pinto dos Santos também pôs “prego a fundo” e acelerou no Rali de Portugal. «O Rali de Portugal sem Arganil não é Rali de Portugal», considera. E foi esta paixão desmedida que levou este engenheiro civil, natural de Coimbra, a “mudar-se de armas e baga-
gens” para Arganil. Ao serviço da Câmara Municipal trabalhou 15 anos em Arganil, muitos dos quais como único engenheiro do município. «Quando o rali saiu de Arganil, também saí» e foi para a Brisa, há 20 anos. A paixão pelos bólides levou Pinto dos Santos a ter um desempenho fundamental
no “desenho”das classificativas disputadas em Arganil. Sim! Na verdade, foi da sua “lavra” a definição dos troços com curvas apertadas e traçados sinuosos em terra batida que faziam “voar” pilotos e máquinas, para gáudio dos espectadores. Uma imagem de marca única, que trouxe fama e glória ao Rali de Portugal, particularmente
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90 anos com Arganil Rali de Portugal
Rali não passou em Arganil e lá fui eu, com a farda número um vestida, a Lisboa, falar com o presidente do ACP. E o rali voltou». E todos os anos as propostas eram apresentadas, nomeadamente a afamada classificativa de 56,6 km, e validadas pelo ACP. Esta paixão pelos bólides teve outros reflexos, pois além de “arquitecto” da prova, Pinto dos Santos acabou também por ser um protagonista activo da mesma. Nada mais nada menos que a bordo de uma Renault 4L. A outra paixão da sua vida. «É um carro improvável para competir no Campeonato do Mundo de Ralis», reconhece o piloto. Porquê? «A 4 L era o meu carro de serviço na Câmara de Arganil. Fiz mais de 400 mil quilómetros», esclarece e, «como não sou rico nem herdado» a 4L afigurava-se como a única possibilidade de entrar no rali.
António Pinto dos Santos ajudou a escrever a história do Rali de Portugal. Fora da prova, a “desenhar” troços. “Dentro”, a acelerar a bordo da carismática Renault 4L
às classificativas disputadas na Serra do Açor. Alfredo César Torres era, na época, o presidente do Automóvel Club de Portugal (ACP) e, além do trabalho normal, como engenheiro da Câmara Municipal, António Pinto dos Santos tinha a incumbência de manter esta parceria com o ACP. «O presidente da Câmara sempre entendeu que a passagem do Rali por Arganil era muito importante». «Houve um ano em que o
«Fui de propósito a Lisboa, a uma audiência com Alfredo César Torres para lhe pedir autorização para entrar na prova», recorda. O presidente do ACP nada tinha a opor. Começa, assim, a carreira de piloto a bordo de uma 4L. «Participei no campeonato do mundo de ralis de 1997, 1998, 1999 e 2000. Fiz 11 ralis do campeonato do mundo com uma Renault 4L», afirma com notório orgulho. «Ainda bem que o fiz», adianta, sublinhando o reconhecimento e a projecção que isso deu à clássica 4L. No ano passado, o Rali regressou a terras de Arganil. Tudo indica que veio para ficar e ajudar a matar saudades e alimentar os milhares de fãs da prova. António Pinto dos Santos é um deles. Regressar à competição não faz parte dos seus projectos, «Volto sempre para ver, mas não para participar», garante. Um registo que o piloto – que muitos pensam ser natural de Arganil, dada a sua proximidade e envolvência com o rali – vive hoje com os ralis clássicos, mantendo-se fiel à sua 4L. «No ano passado participei num rali clássico, em Molshein, na “terra” da Bugatti, com a minha 4L e consegui o primeiro prémio, o que é notável», diz com satisfação.
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Histórias para recordar
Não faltam histórias a Pinto dos Santos, passadas em Arganil, ao volante da sua 4L. Em 1998, recorda um troço com uma recta comprida, que terminava com um gancho à direita. «Era o penúltimo e ao chegar ao gancho, o terreno já estava muito lavrado. Os trilhos eram tão fundos que o carro tombou». Valeu-lhe a “mecânica” guerreira deste improvável carro de competição. «O chassis bateu numa pedra e voltou à posição normal», recorda, adiantando que o irmão, que era o navegador, pensou que tinha sido ele quem tinha puxado o carro. «Recebemos uma ovação monumental. Parecia um golo do Porto a jogar na Luz com o Benfica», diz, com humor, assumindo-se como adepto da Académica, mas simpatizante do FC Porto. Também nesse ano, igualmente em Arganil, o último classificado, um Fiat Cinquecento, «resolveu implicar comigo, dizendo que me viu atalhar no meio de Arganil». Tudo porque, explica, «numa passagem dei-lhe 1,5 minutos de avanço, o que é uma enormidade», tendo em conta que ele tinha um «carro muito mais potente». Isso aconteceu porque Pinto dos Santos conhecia o terreno como as palmas das suas mãos, o que lhe valeu o azedume do rival. «Num troço como Arganil, nos anos 90, estavam milhares de pessoas. Para atalhar, teria de ter atropelado 30 ou 40 pessoas», diz ainda, reconhecendo que o facto de jogar em casa lhe criou um despeitado inimigo, que não teve qualquer pejo em inventar uma “estória”.
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Rádio Clube de Arganil 90 anos com Arganil
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A PAIXÃO PELA RÁDIO
mitada, funcionava o improviso e a imaginação e conquistavam-se ouvintes. «Estávamos a fazer o programa “Pátio das Cantigas” e o objectivo era recriar um serão à lareira», recorda, confessando que o som do crepitar da lareira foi conseguido «amarfanhando papel celofane». «Com poucos recursos criávamos um ambiente», diz, lembrando que pouco tempo depois «apareceu um grupo de cinco/seis pessoas para ver o espectáculo». «Só estávamos dois indivíduos à conversa, eu e o Fernando Pinto (já falecido), também uma referência da rádio», diz ainda. «A rádio era um fenómeno», refere, recordando o tempo em que, com a Rádio Clube de Arganil ainda instalada no sótão de sua casa, se viu obrigado a «ter uma empregada na loja só para receber as chamadas para os “discos pedidos”. Eram três/quatro chamadas ao mesmo tempo», num programa feito em directo. Há «32 anos», mais coisa menos coisa, a rádio deixou o sótão da casa de Fernando Brandão e a esposa, Maria Brandão, respirou de alívio, pois acabou o “corre corre” constante de amigos, colaboradores, convidados. «Tinha de se passar pela cozinha» e as «mesas, sempre cheias» depressa ficavam vazias. «Foram bons tempos», assume o “pai” da Rádio Clube de Arganil, que também deu uma “mão” ao teatro. Desentendimentos com a compra de uma “mesa” acabariam por ditar o afastamento de Fernando Brandão da “sua”rádio, que foi crescendo e assumiu um perfil mais profissional, quer em termos técnicos, quer de recursos. A RCA «aguentou-se e é a mais ouvida». Mesmo em concelhos onde existem outras rádios, «as pessoas preferem ouvir-nos», sublinha o fundador. Em 1997 a RCA muda-se para as actuais instalações e em Janeiro de 2000 passa a emitir 24 horas por dia. A emissão on-line, que começou em Julho de 2005, levou mais longe o nome da Rádio Clube de Arganil, um fenómeno único de popularidade e de aceitação pública. Hoje, com 78 anos, Fernando Brandão continua a ser um homem da rádio. «Faço um programa, “Música do meu tempo”», mas só na Primavera e no Verão. «Com o frio, no Inverno, não me convidem». Na Foto Brandão, mantém-se firme a atender os clientes. «Devo ser o comerciante mais velho de Arganil», diz, assumindo que vai «morrer a trabalhar».
1981 Fernando Brandão foi o fundador da Rádio Clube de Arganil. Ainda hoje mantém o “bichinho” e não diz que não a um bom programa de música do seu tempo
Fernando Brandão fez do sótão da sua casa o primeiro estúdio da RCA
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m pequeno transmissor, comprado na Rua do Brasil, em Coimbra, uma antena, montada na janela, e um gravador foram as “ferramentas” que Fernando Brandão usou para pôr meio mundo a ouvir rádio… a partir do sótão de sua casa, na Rua Comendador Cruz Pereira, em Arganil. Estávamos em 1981. “107” foi a primeira frequência, mas depressa a “sintonia” transitou para o “88.5”. Fotógrafo profissional, radio-amador por “devoção”, Fernando Brandão é o verdadeiro pai da Rádio Clube de Arganil (RCA). «Inicialmente fazia a emissão quase toda sozinho», recorda, entre o atendimento de dois clientes. «Depois começaram a aparecer mais colaboradores», também eles com o “bichinho” da rádio. Estávamos no início da década de 80 e vivia-se o furor das rádios piratas. «Chegámos a entrevistar o Cavaco Silva», recorda, com orgulho. A atribuição de frequências e o processo de legalização
das rádios elegeu a Rádio Clube de Arganil – A Voz da Beira Serra. «Telefonei ao secretário de Estado da Administração Interna, que na altura era o dr. Carlos Encarnação, e ele disse-me que a frequência era 88.5», recorda Fernando Brandão, que imediatamente fez a alteração, passando a emitir a partir desta «frequência certa», o mesmo será dizer legal, que ainda hoje é a referência daquela rádio, cuja cooperativa viria a ser oficialmente criada em Abril de 1987. Histórias para contar não faltam. «Foi um fenómeno», afirma Fernando Brandão, recordando um programa de sábado de manhã. «Estávamos cheios de fome e de frio e apareceram-nos pessoas com cestas de comida». Todavia, a emissão era «restrita». Problema resolvido com «o rádio de um carro, montado com uma bateria no Mont’ Alto», uma espécie de posto retransmissor que permitia chegar mais longe e aumentar o número de ouvintes. Num tempo em que a tecnologia era li-
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90 anos com Arganil Freguesia de Moura da Serra
PADRE ANTÓNIO VIU NASCER E “MORRER” A FREGUESIA DE MOURA DA SERRA 1962 A mais recente freguesia do concelho, desanexada de Avô, acabaria por perder a autonomia em 2013. António Lopes da Conceição foi pároco da freguesia durante 52 anos
Torre erguida pela freguesia em homenagem a Monsenhor António Pereira de Almeida
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oi a última freguesia a integrar o território do concelho de Arganil. Mas por pouco mais de 50 anos. Depois de se desanexar da freguesia de Avô, concelho de Oliveira do Hospital, em 1962, acabou, com a reforma administrativa de 2013, por voltar a perder a sua autonomia, juntando-se à Cerdeira. «Um processo pacífico», sublinha o presidente da União de Freguesias, Adelino de Almeida, destacando a grande proximidade que já existia, inclusive com a Casa do Povo a denominar-se “da Cerdeira e Moura da Serra”, e a ligação, igualmente consagrada, pelos serviços do Posto Médico, do lar e centro de dia às ainda duas freguesias. Depois de 26 anos como presidente da Junta de Freguesia da Cerdeira, Adelino Antunes de Almeida “abraçou” também, há seis anos, a Moura da Serra, num processo que define com «perfeitamente natural» «Pacífico» foi, igualmente, o processo de desanexação de Avô, este liderado pela Igreja. O padre António Lopes da Conceição,
hoje com 89 anos, foi, durante 52 anos, o responsável pela paróquia de Moura da Serra, criada em 1961, um ano antes da constituição da freguesia. «Vim estrear a freguesia e via-a morrer. Fui o único pároco da Moura da Serra», afirma, sublinhando que já não se encontra no activo, muito embora continue a residir na Moura da Serra. «Rezo, leio e escrevo. É o que fazem todos os padres reformados», diz, bem disposto. Natural do Piódão, o padreAntónio Lopes
Padre António Lopes da Conceição
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da Conceição foi enviado pelo bispo para «organizar o início da paróquia», uma vez que, assume, «tinha capacidade de organização» e o início de uma paróquia é complicado e exige isso mesmo, organização. «Mantive-me por cá e nunca pedi para sair», adianta o padreAntónio, reconhecendo que ao longo dos mais de 50 anos como responsável pela paróquia sempre foi bem tratado. «É muito boa gente». Quanto ao processo de criação da paróquia e da freguesia, que acompanhou de perto, «foi muito simples», garante, destacando o «forte núcleo religioso» que existia na Moura da Serra. De tal forma que moradores de outras povoações recorriam ali para os vários serviços religiosos. Mas, alerta o padre António, também havia uma questão operacional. Ou seja, no meio da serra, havia «povoações muito dispersas, muito longe, a 15, 20 quilómetros da sua sede de freguesia». O líder do processo foi Monsenhor Cónego António Pereira de Almeida, vigário-geral da Guarda, que era natural da Moura da Serra, com familiares em Fajão. Aliás, conta o padreAntónio, «era primo» de Monsenhor Nunes Pereira e de D. Eurico Dias Nogueira, personalidades que, entre muitas outras, ajudaram a levar por diante este processo de “emancipação” da freguesia de Avô, da qual distaria, seguramente, «uns 15 quilómetros». «Foi um homem extraordinário, de uma fé muito profunda», afirma, recordando que MonsenhorAntónio Pereira deAlmeida envolvia a sua própria família, nomeadamente as irmãs, na acção paroquial, particularmenre a dar catequese. «Nunca teve férias, no Verão estava sempre aqui» e, «quando vinha da Guarda trazia sempre coisas para estas gentes». Moura da Serra e Valada eram as duas grandes referências deste núcleo religioso. «Era um enclave na serra e tinham de atravessar toda a freguesia de Pomares para chegar a Avô», refere, sublinhando a pertinência de criar este núcleo religioso, que acabaria por ser reconhecido com a criação da paróquia, em 1961, e, um ano depois, em termos civis, com a instalação da freguesia. «Outras povoações pediram para serem incluídas. Todavia, à última hora, houve duas, Sobral Gordo (que pertence a Pomares) e Monte Frio (pertencente à Benfeita), que acabaram por desistir, por questões políticas», recorda o padre António.
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Paços do Concelho 90 anos com Arganil
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“Deve ser, e é com certeza, o melhor do distrito”, escrevia A Comarca, fazendo eco do sentimento geral dos arganilenses
NOVOS PAÇOS DO CONCELHO 1939 Todas as repartições públicas se instalaram no novo espaço
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o dia 30 de Setembro de 1939 o executivo municipal reunia, pela primeira vez, no novo edifício dos Paços do Concelho. Uma obra necessária e grandiosa que deixou os arganilenses cheios de orgulho. «Deve ser, e é com certeza, o melhor do distrito», escrevia, em 29 de Setembro, A Comarca de Arganil. Depois de longas discussões sobre a localização do novo edifício, a construção começou em 1935, com o capitão António Pedro Fernandes na presidência da Câmara Municipal. Um edifício que acolheu todas as repartições públicas, com a Conservatória do Registo Civil a estrear o novo espaço. «No rés-do-chão do magnífico edifício», reza a Comarca, instalaram-se a secção de Finanças, a Tesouraria da Fazenda Pública, a agência da Caixa Geral de Depósitos e a oficina de aferição de pesos e medidas. «São repartições amplas, cheias de luz, elegantes e confortáveis», adianta. No primeiro andar fica o «espaçoso e rico
salão do Tribunal», os gabinetes dos magistrados e secretaria judicial, a Conservatória do Registo Predial e a Conservatória do Registo Civil. No segundo andar fica a sala das sessões de câmara, o salão nobre, a biblioteca, a secretaria, a tesouraria municipal, o gabinete da presidência da câmara, a delegação de saúde, a repartição do veterinário municipal, o gabinete do delegado do Governo, as salas de inspecções e revistas militares, etc. «Todas estas repartições são luxuosas e têm um aspecto magnífico». «O concelho tem motivos justificados para se orgulhar da sua “domus municipalis”», refere ainda A Comarca, elogiando o empenho do capitão António Pedro Fernandes na concretização da obra, «uma das mais velhas e legítimas aspirações do concelho». Um processo que implicou «dificuldades quasi insuperáveis», obrigando a «entrar no caminho dos sacrifícios dolorosos». O jornal lamentava, no entanto, o facto de a maior parte das repartições não apre-
sentar «o mobiliário decente e condigno com as suas instalações» e destacava o «contraste entre a pobreza desse mobiliário e a elegância dos salões». Alertava, também, para a necessidade da regularização das ruas em volta do edifício e a «expropriação das casas que o estão a afrontar». O novo edifício dos Paços do Concelho foi oficialmente inaugurado no dia 8 de Setembro de 1941. Em Fevereiro deste ano (2020) arrancaram as obras de requalificação do espaço, que apresentava alguns problemas de segurança. Uma empreitada orçada em cerca de um milhão de euros, com comparticipação de 30% da administração central.
Executivo municipal reuniu pela primeira vez no novo edifício dos Paços do Concelho no dia 30 de Setembro de 1930. Já ali funcionavam outros serviços públicos
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Piódão 90 anos com Arganil
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PIÓDÃOI É A JÓIAI DA COROAI
Aldeia histórica oferece atractivos únicos, que a tornam especial
1978 Aldeia é classificada como Monumento Nacional e em 2017 eleita uma das 7 Maravilhas de Portugal. Uma “pérola” encravada nas “terras do fim do mundo”
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xisto e a lousa conjugam-se na perfeição. Nas paredes, nos telhados e nas ruas estreitas. Monte acima, ergue-se, ordenado, o casario. No sopé, a Igreja, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, afirma-se pela majestade da sua brancura. Ao lado, o enorme largo abre-se para acolher os visitantes. É assim o Piódão. Um presépio vivo, que fascina quem o conhece e encanta quem ali se desloca. E cada vez são em maior número. Com efeito, depois de séculos fechado ao mundo, o mundo descobriu o Piódão, aldeia classificada como Monumento Nacional em Agosto de 1978 (Decreto n.º 95/78 de 12 de Setembro). Seguiu-se, na década de 90 do século passado, a integração na Rede das Aldeias Históricas e, mais recentemente, em Setembro de 2017, a conquista do título de Aldeia Maravilha de Portugal. Três momentos, diferentes, que contribuíram decisivamente para acabar com a designação, dada por alguém,
de «terras do fim do mundo». Quem o diz é o presidente da Junta de Freguesia, José Lopes. «Quem cá vinha, vinha de propósito», esclarece. E a razão mais óbvia para que isso acontecesse era só uma: «não havia estradas». «Só na década de 70 tivemos uma estrada para o Piódão. Até então, era apenas a estrada florestal». Inicialmente, apenas chegou aos Penedos Altos e os restantes quatro quilómetros até à aldeia «eram feitos a pé». Inclusive, era nos Penedos Altos que paravam autocarros, que traziam moradores, radicados em Lisboa. «Daí até ao Piódão, todos seguiam a pé, com as malas às costas», recorda o autarca local. António Lopes Pereira, de 74 anos, também partilha destas memórias. «Para passar de classe tínhamos de ir a Pomares. Saíamos de casa às 6h00, subíamos a serra e descíamos para Sobral Magro, onde a professora Aurora, da Escola de Foz de Mourísia, nos fazia a passagem de classe». Um percurso inteiramente feito a pé. Na ida e na volta. «Não havia estrada nenhuma», conta. Em 1957, quando fez a 4.ª classe, António Lopes Pereira recorda que o táxi que o foi buscar para fazer o exame, em Arganil, «seguiu pelo estradão florestal até ao Cabeço do Peão», a cerca de 8 km do Piódão. Mas há mais. «Para
Acessos são uma prioridade Desde a década de 70 que a estrada chega ao Piódão, mas é preciso mais, no entender do antigo empresário. «Uma ligação rápida em direcção à Ponte das Três Entradas, fazia-se com meia dúzia da “patacos”, porque o estradão já está lá. Era só fazer uma rectificação aqui e ali», considera António Lopes Pereira que, apesar de hoje em dia apenas ter primos na aldeia, desloca-se com bastante frequência ao Piódão. E não esconde mesmo a vontade de lá ficar. Se os acessos são uma prioridade, até porque se «construiu um hotel» e «não se faz um hotel no deserto», o reformado alerta para a necessidade de um local onde os autocarros «possam parar, sem terem de entrar – como agora acontece – dentro da aldeia». «Não há farmácia, não há multibanco, não há serviços nenhuns», lamenta, alertando, ainda, para a necessidade de «vigilância», se não «qualquer dia, pedra a pedra, vai tudo embora».
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apanhar a camioneta para o seminário, tinha de sair de casa às 3h00 da madrugada e levar a mala às costas, até Vide (Seia)». Seriam uns 11/12 km, recorda, num percurso sempre feito junto à ribeira, de aldeia em aldeia. «Em 1957, a estrada florestal que terminava no Cabeço do Peão avançou até aos Penedos Altos» e em «1972 a estrada já chegava ao Piódão». Natural do Piódão, António Lopes Pereira deixou a aldeia, frequentou os Franciscanos Capuchinhos, esteve na guerra, na Guiné, e depois trabalhou no comércio, ligado à manutenção industrial, antes de se estabelecer por conta própria, na área da soldadura de manutenção. Residente na Ramada (Odivelas), reformou-se em 2011 e passou a dedicar-se com «mais afinco» a uma das suas grandes paixões, a investigação histórica, que fez durante toda a vida. E, claro, centrada no Piódão. O resultado foi a publicação, em Janeiro, do livro “Dados para a história de uma aldeia remota: Piódão”. Uma obra que «trata do que foi aquele território, uma «terra remota encravada na serra», «fundamentada» em documentos
90 anos com Arganil Piódão
Recantos mágicos conquistam visitantes
recolhidos, nomeadamente na Torre do Tombo, e numa investigação que demorou anos a concretizar. Com desenvoltura, aponta documentos, datas e nomes de antanho, reconstruindo o que considera
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ser a história da origem do Piódão. Mas também garantiu o registo de todos os nascimentos na aldeia. Com base nessa pesquisa, garante não ter qualquer fundamento a ideia de que o histórico isolamento da aldeia terá transformado o Piódão numa espécie de santuário de foragidos. Particularmente de Diogo Lopes Pacheco, um dos responsáveis pela morte de Inês de Castro, que, desta forma, terá sobrevivido às juras de vingança de D. Pedro. Para António Pereira Lopes, isso não passa de lenda. «Temos registos dos nascimentos no Piódão desde 1636» e o nome Pacheco só aparece, sublinha, em«1800 e tal» e são «dois irmãos, barbeiros, vindos de Cebola, São Jorge da Beira, Covilhã». Já no período subsequente à “guerra civil”, entre 1835-40, «aparecem nomes, sobretudo nas Chãs D'Égua, registados sem ascendentes». Aqui sim, nesta altura, o autor admite que «alguns absolutistas poderão ter ido para lá». Relativamente a Lopes Pacheco, acredita que se refugiou na Serra da Estrela e depois nas serranias de Navarra.
Criar condições para o turismo Manuel Silva Fernandes é um apaixonado pelo Piódão, mas também um crítico. Natural de Anceriz, desde bem cedo que se empenhou em promover a aldeia, mas também em defendê-la. Hoje, afirma, «passam por ali milhares de pessoas por ano, vindas de todo o país. Ficam duas/três horas e vão-se embora». «Esquecem-se da Serra do Açor, do Colcorinho, de Avô, Lourosa, Vale do Ceira, Coja», entre muitas outras belezas e localidades que enumera. Assumindo-se como «um sonhador», Manuel da Silva Fernandes entende que faz todo o sentido uma visita à aldeia do Piódão, mas também a outras locais. «Ficar aqui três ou quatro dias», defende, fazendo notar que a Serra do Açor envolve os municípios de Seia, Oliveira do Hospital, Arganil, Góis, Pampilhosa da Serra, concelhos que «devem unir-se e promover uma estrutura turística para a Serra do Açor». Daí resultaria uma presença mais prolongada no tempo. Além da aldeia do Piódão sugere, mesmo ao lado,
Convidar turistas a ficarem mais tempo
uma visita às figuras rupestres de Chãs d’ Égua, que «vale a pena», garante. A estrada de Vide para o Piódão, «muito frequentada, inclusive por autocarros, que vêm da Serra da Estrela, está uma miséria», afiança. «Não se pode fazer turismo assim», alerta. «O turismo, hoje, é um turismo ecológico e de responsabilidade», faz notar, mas também de exigências. «Não há um multibanco» no Piódão, alerta. Também não há um posto de abastecimento de combustí-
veis. «Já vi muita gente ficar presa na serra», acrescenta. «Sonhador» confesso, Manuel Silva Fernandes “imagina” a instalação de um teleférico, que «ligue a Senhora das Preces, na Aldeia das Dez (Oliveira do Hospital) ao Colcorinho – onde se assiste a um nascer do sol espectacular, uma hora e meia de espectáculo – e do Colcorinho à Foz d’Égua e ao Piódão». «Nos Alpes e nos Pirenéus fazem coisas fantásticas», afirma, rejeitando que “coisas” tão ou mais fantásticas não possam ser feitas aqui, nesta região, que a natureza abençoou, com algumas “ajudas”. Na linha da frente, o investigador coloca o cónego Manuel Fernandes Nogueira, antigo pároco do Piódão, a Comissão de Melhoramentos do Piódão, o deputado Vasco de Campos, o escritor Miguel Torga, o engenheiro Eugénio Correia (papel importante na classificação) e o fotógrafo Eduardo Gajeiro (autor de uma publicação, no Século Ilustrado, em 1970, dedicada à aldeia).
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Pátria Nova de Coja 90 anos com Arganil
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Filarmónica caracteriza-se pela juventude dos seus músicos
PÁTRIA NOVA, A FILARMÓNICA DE COJA 1985 Com 152 anos, a centenária banda só aprovou os seus estatutos em 1985. Sempre em actividade, é a mais velha do concelho
É
a mais antiga filarmónica do concelho, «como associação não fundida e actividade sem interrupções», salvaguarda o maestro. Falamos da Filarmónica Pátria Nova de Coja, cuja música se faz ouvir há 152 anos. Todavia, só em Fevereiro de 1985 foram elaborados e registados os seus primeiros estatutos. José Albano de Oliveira, advogado, pertencente a uma ilustre família de Coja, terá suportado, em 1868, a aquisição dos primeiros instrumentos e contratado a primeira pessoa para trabalhar com a banda, fundada a 1 de Novembro. Com a morte deste benemérito, o padre Simões Dias chamou a si o projecto, como professor da escola de música e regente da banda. Uma ligação que não tem nada de estranho, um vez que «a Igreja e as bandas sempre estiveram lado a lado», constata o maestro Daniel Gonçalves, apontando a presença, ontem como hoje, das filarmónicas nas procissões e nas festas religiosas. Aliás, essa presença deixou recentemente uma marca profunda na filarmónica. «Ficámos sem 39 instrumentos», conta o maestro, recordando a explosão registada em Abril de 2018, durante as festividades realizadas em Gondelim, concelho de Penacova, que provocaram uma vítima mortal e duas dezenas de feridos.
Os danos só não foram maiores, nomeadamente em termos pessoais, porque «em vez de 50 elementos levámos 30» e «estávamos na eucaristia e todos nós participamos, pois a filarmónica canta na missa». Significa que todos os músicos estavam dentro da capela. Os instrumentos, esses estavam lá fora e foram eles que sofreram o impacto da explosão do material pirotécnico. A filarmónica surge numa época «muito complicada», em que «Coja acaba por perder o estatuto de concelho». «Era um instrumento de afirmação», sublinha o maestro. A implantação da República “acrescenta-lhe” o nome, passando a integrar a designação “Pátria Nova”. Uma existência centenária e marcada por dificuldades. «Não temos uma sede, temos um lugar», refere, apontando o espaço na Casa do Povo, desde os anos 90, ao abrigo de um contrato de comodato, onde também estão instaladas outras colectividades. Actualmente a filarmónica tem 60 elementos, com uma média etária muito baixa. «O mais novo tem 10 anos e o mais velho, o porta-bandeira, tem 67 anos, enquanto o músico tem 65». Um dos problemas verifica-se quando os músicos acabam o ensino superior e vão fazer estágio ou trabalhar para “fora”. Neste momento estão seis elementos nessa situação, dois
dos quais no estrangeiro. Daniel Gonçalves começou a sua formação na escola de música com 10 anos e vestiu pela primeira vez a farda da filarmónica em 1992. Depois de fazer o Conservatório de Música e completar a sua formação na Escola Superior de Educação, começou a leccionar e desde 2007 que é o maestro da filarmónica que o viu nascer para a música. O trompete é o seu instrumento de eleição. A escola de música é fundamental para o funcionamento da filarmónica, considera o maestro, sublinhando que as aulas são gratuitas. Mas, confessa, na expectativa de, no futuro, as crianças e jovens «integrarem a filarmónica». «O ideal seria por um período de 10 anos», diz ainda. A banda ostenta, desde 1994, o estatuto de Colectividade de Utilidade Pública e tem «cerca de 600 associados», cujas quotas anuais representam uma fatia importante do orçamento. Num curriculum brilhante, a “cereja no topo do bolo” seria a Medalha de Ouro do Município. O concelho tem mais três filarmónicas, de Arganil, criada em 1911, resultante da fusão das duas bandas então existentes, de Barril do Alva, fundada em 1894, Flor do Alva, de Vila Cova de Alva, que data de 1918. Também existiu uma filarmónica em Pomares, extinta no ano passado.
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90 anos com Arganil Mata da Margaraça
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MATA DA MARGARAÇA “EX LIBRIS” EM RECUPERAÇÃO 1982 Paisagem Protegida, propriedade do Estado, sofreu um revés de peso com os incêndios de 2017
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m plena Serra do Açor, a Mata da Margaraça impõe-se pela sua singularidade. «Constitui uma das raras relíquias de vegetação natural das encostas xistosas do Centro de Portugal», refere o decreto-Lei 67/82, datado e 3 de Março, que institui a Área de Paisagem Protegida da Serra do Açor, a Reserva Natural Parcial da Mata da Margaraça e a Reserva de Recreio da Fraga da Pena. Uma decisão da Secretaria de Estado do Ordenamento e Ambiente que veio dar resposta aos reiterados esforços do município de Arganil, no sentido de garantir a protecção da mata. Trata-se de um espaço de rara beleza, de onde, reza a história, saíram madeiras nobres para a construção do retábulo da Sé Nova de Coimbra e para a construção de um antiga ponte sobre o Mondego. Carvalhos, castanheiros, azereiros, freixos, loureiros e azevinhos constituem as suas espécies de referência. Espécies resistentes que, todavia, não foram suficientes para estancar o incêndio de Outubro de 2017. Cerca de 60 hectares sofreram o impacto do fogo. Mais de dois anos depois, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) admite que a recuperação “completa” «pode demorar muito tempo», mesmo «décadas» e, sobretudo, exige «anos de trabalho». «As características de um carvalhal antigo em estado pré-climático estão longe de ser alcançadas depois da passagem de mais este incêndio. A capacidade de recuperação das características deste tipo de ecossistema é lenta e também tem as suas limitações», explica o ICNF, recordando que a Mata da Margaraça foi atingida, em 1987, por um incêndio e «durante estes 30 anos apresentou sinais de uma boa capacidade de recuperação». Uma situação que também se verifica agora, pois a maior parte da área afectada «tem revelado capacidade de regenera-
Vinte dos 60 hectares afectados pelo fogo apresentam recuperação mais lenta
ção natural», particularmente as zonas com «uma estrutura e composição da vegetação mais próxima de um carvalhal maduro». Todavia, «cerca de 20 hectares da Mata da Margaraça» foram afectados de uma forma «mais devastadora para a vegetação», mas também esta «área está a recuperar», de «forma mais lenta», apresentando «características de maior degradação da vegetação relativamente às características do carvalhal». Assiste-se, também, acrescenta o ICNF, a «uma proliferação rápida de espécies como as giestas e a urze». Uma «equipa de assistentes operacionais, afecta à Paisagem Protegida da Serra do Açor», com «conhecimento e experiência» tem procurado «favorecer a regeneração natural das espécies características deste ecossistema», ao mesmo tempo que controla as espécies invasoras, designadamente as acácias. A necessidade de reforçar os «meios necessários à recuperação» da mata ditou, de acordo com o ICNF, a contratação de uma equipa do Corpo Nacional de Agentes Florestais, decidida
pelo Conselho de Ministros, em Janeiro de 2019. A «gestão da vegetação», dentro e fora da mata constituem, de acordo com o ICNF, as ferramentas fundamentais para proteger a mata e prevenir novas tragédias. Mas há outras medidas em perspectiva, no quadro do Projecto de Recuperação da Área Ardida da Paisagem Protegida da Serra do Açor, designadamente arborização e rearborização com espécies autóctones, monitorização e erradicação de espécies invasoras, recuperação de conservação de habitas naturais, campanhas de sensibilização para as boas práticas silvopastoris e prevenção estrutural.
Em 1987 a Mata da Margaraça sofreu um primeiro impacto violento do fogo, que se repetiu 30 anos depois, em Outubro de 2017
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Lomba do Canho 90 anos com Arganil
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“VALEU A PENA, SALVOU-SE A MATA!” 1980 Botânico Jorge Paiva teve um papel fundamental na “luta” para impedir a devastação da Mata e garantir a sua aquisição por parte do Estado
Botânico foi um dos investigadores que mais promoveu o conhecimento da mata
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aleu a pena. Salvou-se a Mata!». Palavras de Jorge Paiva, o botânico que, na década de 80 do século passado, moveu montanhas para conseguir impedir a “estocada” final na Mata da Margaraça. Um ícone de Arganil, em plena Serra do Açor, uma jóia representativa da antiga floresta. Uma guerra onde, sublinha, não esteve «sozinho». O presidente da Câmara Municipal, José Dias Coimbra, «foi fantástico», recorda, 40 anos depois da instituição da Área Protegida da Serra do Açor. Mas também destaca o papel de Carlos Pimenta. «Era importante esta força política», sublinha o botânico, nesta “luta armada”para defender a Mata da Margaraça. Um percurso que começa nas “deambulações” que, como botânico, o professor fazia por esse país fora. «Dei com aquilo», mas também com uma outra mata, de características semelhantes, em Oleiros. Aqui, lamenta, «já não fui a tempo». Na Mata da Margaraça foi diferente. «Conseguimos». Mas não foi fácil. A mata, que fora propriedade da Igreja, estava, na altura, nas mãos de privados e
verdadeiramente a “saque”, com a venda de madeira. Madeiras nobres, refira-se. De carvalho, castanheiro, cerejeira brava, entre outras espécies que, ao tempo, abundavam na Margaraça. «Conseguiu-se travar isso», refere Jorge Paiva, sublinhando, ainda, o empenho da Junta de freguesia da Benfeita e da Câmara Municipal, que «ajudaram» a cumprir este desígnio, e a garantir que o Estado procedesse à compra da mata. Uma aquisição que terá custado 39 mil contos. «Se a Mata não tivesse sido comprada pelo Estado, tinha desaparecido», alvitra o botânico, destacando a «pequena relíquia», representativa das espécies nativas e do que eram outrora as florestas do país, muito embora «já alterada pela intervenção humana». Jorge Paiva dedicou uma grande parte da sua vida, enquanto investigador, a esta Mata. Para ali levou, na altura em que era necessário «convencer o Governo», um grupo de alunos da Universidade de Lisboa, cujos trabalhos de final de curso se centram na Mata da Margaraça. Foram «dois anos» intensos, com uns alunos a
estudarem o musgo, outros as aves, outros a flora, outros a fauna e, inclusive, uma aluna a dedicar-se aos roedores, o que significava que o trabalho só poderia ser efectuado durante a noite. «Foi feito um levantamento global» e hoje, esses estudantes «são todos botânicos», diz, com agrado, recordando que enquanto foi professor levou sempre ali os seus alunos. Mas também os alunos das escolas de Arganil foram, rigorosamente todos, na altura, convidados a visitar e a conhecer a mata. «Hoje a Mata está transformada num laboratório vivo e esse é o seu grande valor». «Valeu a pena», sublinha Jorge Paiva, destacando a valia desta relíquia, considerada Reserva Biogenética da Europa. Lamenta os dois incêndios que já atingiram a mata. Uma “responsabilidade” que imputa aos eucaliptos, que têm vindo a crescer de forma exponencial, particularmente tendo em conta as alterações climáticas. E recorda os grande incêndios que recentemente assolaram a Austrália. «O ordenamento do território não pode ser feito só a pensar no rendimento económico. É preciso pensar no ambiente», afirma, e lembra aos políticos que o ordenamento da floresta «não dura uma legislatura, dura várias». Apesar de defender o trabalho do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) na Mata da Margaraça, Jorge Paiva gostaria de ver mais atenção a esta relíquia. Todavia, reconhece que o ICNF, «como qualquer outra instituição do Estado, não tem um número suficiente de pessoas. A desgraça é essa», remata.
A Mata da Margaraça é, hoje em dia, um verdadeiro “laboratório vivo”, que permite conhecer como era a floresta tradicional do país há muitos séculos atrás
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A Comarca de Arganil 90 anos com Arganil
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Fundação Memória da Beira Serra – A Comarca de Arganil A recolha pública de fundos, promovida pela Misericórdia, conduziu, em 2010, à aquisição do título e à constituição da Fundação Memória da Beira Serra – A Comarca de Arganil que assegurou a manutenção e edição do título de então para cá, mantendo vivo um ícone da Beira Serra. Em 2019, face à alteração da Lei-Quadro das Fundações, o Conselho de Ministros não reconhecia, contrariamente ao que acontecera antes, a Fundação Memória da Beira Serra, razão pela qual o conselho de administração deliberou, em Outubro de 2019, a sua extinção e a transferência do título e do património para a Misericórdia de Arganil, em cumprimento dos respectivos estatutos. Refira-se, ainda, que a Câmara Municipal de Arganil adquiriu o espólio de A Comarca, que foi sujeito ao necessário tratamento de catalogação, disponibilizando um património único sobre toda a Beira Serra. José Moreira Castanheira, um dos históricos jornalistas de “A Comarca”
SEMPRE COM A COMARCA DE ARGANIL 2009 Referência na Beira Serra, actualmente com 120 anos, jornal passou tempos difíceis
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oi um tempo difícil. Ao fim de 44 anos ao serviço, de um dia para o outro, com mais de 50 anos, vi-me desempregado. Foram 18 meses complicados. Pensava que tinha muitos amigos, mas quando fiquei no desemprego as portas estavam todas fechadas. Não sei se pela idade ou por ser feio!...» As palavras, com este toque profundo, que vem directamente do coração, conjugado com este humor tão duro quanto
Jornal entrou em insolvência em 2009 e foi salvo por uma misericordiosa intervenção da Santa Casa da Misericórdia
sincero, são de José Moreira Castanheira. Jornalista, toda a vida trabalhou no jornal A Comarca de Arganil. Viveu a agonia do projecto que, em 2009, entrou em insolvência. Era então chefe de redacção. Momentos “complicados” que fazem parte do passado. Regressou em 2010, depois de a Santa Casa da Misericórdia ter decidido assumir o projecto. O provedor, professor Dias Coimbra, foi o obreiro deste projecto. Uma “mão de Deus” que manteve em
Diário de Coimbra
“alta” um jornal de referência, que no início do ano completou 120 anos. Simples, frontal, com o “coração ao pé da boca”, como costuma dizer, José Moreira Castanheira assume que sempre teve o «privilégio» de fazer «o que gostava» e para si o jornalismo é «uma profissão», mas, «sobretudo, uma paixão». Uma paixão que começou quando tinha 12 anos, altura em que entrou para o jornal. O que fazia? Tudo, desde abrir a oficina, aprender a funcionar com a “caixa dos caracteres”, ou fazer a expedição do jornal. Na altura, recorda, A Comarca ainda era trissemanário, passando, depois, a bissemanário e mais tarde a semanário. A “escrita” começou com «notícias da minha terra, S. Pedro» e, com 17/18 anos chegou o «grande desafio»: fazer reportagens. «No dia 5 de Outubro faço 54 anos
90 anos com Arganil Jornal de Arganil
de profissão», conta José Moreira Castanheira, que ainda trabalhou com a composição mecânica e adaptou-se na perfeição às novas tecnologias. «Escrevo por paixão», sublinha, assumindo-se como um «autodidata», que não tirou a licenciatura de Jornalismo, mas passou este “bichinho” ao filho, actualmente aluno da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Histórias não lhe faltam. Boas e menos boas. Com 18 anos inscreveu-se na Escola Secundária. «Fui o primeiro aluno do curso nocturno», recorda, sublinhando que trabalhava durante o dia, no jornal, e à noite estudava. O professor de Português pediu-lhe um texto, precisamente para publicar numa rubrica de A Comarca. “Da janela do meu quarto” foi o título que deu ao artigo. «Lembro-me como se fosse
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hoje». Vivia-se o ano de 1973 e «o texto foi cortado pela censura». Uma experiência impossível de esquecer, assim como o anúncio do encerramento de A Comarca. Por isso a gratidão ao professor Dias Coimbra, provedor da Santa Casa, que promoveu uma campanha de recolha de fundos, no sentido de garantir o futuro do jornal. Das boas memórias, destaca as «visitas efectuadas a vários países europeus, em representação do jornal, e também ao Brasil». Com 64 anos, José Moreira Castanheira sempre foi um homem devotado ao associativismo. A fundação do Agrupamento de Escuteiros, ao qual continua ligado, é disso exemplo. Juntam-se-lhe outras experiências, nomeadamente a ligação à filarmónica e ao rancho folclórico.AComarca continua a ser a sua casa.
Memórias do Jornal de Arganil 2011 Semanário deixou de ser presença assídua nas bancas. Versão on-line estará de regresso para breve Aos 12 anos, terminada a escola, José Travassos de Vasconcelos começou a trabalhar na Cerâmica da Portelinha. Vivia-se o ano de 1958. «As mãos até sangravam». «Três meses» foi o tempo que “aguentou”. O Jornal de Arganil foi o “porto de abrigo” que se seguiu. Durante uma vida. Começou por varrer e arrumar a oficina e foi crescendo. «Fui tipógrafo e paginador, no tempo em que o jornal era feito letra por letra». Mais tarde, «passei a jornalista», explica, numa “penada”, em que “retrata” quase 50 anos ao serviço do jornal. Um projecto que, recorda, teve uma primeira experiência entre 1913 e 1915, «com o dr. Veiga Simões», e que acabaria por regressar, 11 anos depois, em 1926. Exímio contador de histórias, José Travassos de Vasconcelos, à “beira”dos 75 anos, tem um mundo de experiências para contar. Onde até cabe uma matança do porco, em sua casa, que reuniu uma centena de pessoas, em resposta a um desafio lançado por Barbosa de Melo. «Comeram-me o porco todo», conta, satisfeito. Lembrando ainda a inauguração do «busto do Dr. Pina
José Travassos Vasconcelos com o Presidente da República
Martins, da Fundação Gulbenkian, em Penalva de Alva, Oliveira do Hospital», que fotografou «sem rolo». Ou, agora sim, com
rolo, a foto do pai de Marcelo Rebelo de Sousa, em 1959, na inauguração da Cantina Escola D. Alice Jacob, em Arganil, que recentemente teve oportunidade de oferecer ao Presidente da República, que «ficou sem palavras», recorda. «Era sozinho, mas fazia tudo», conta, recordando, com agrado, o telefonema do administrador, João Oliveira, às quinta-feiras, a saudar a edição. José Travassos de Vasconcelos saiu do Jornal de Arganil em 2007 e, durante os dois anos seguintes colaborou com o município, na elaboração do Boletim Municipal. Em 2010 acrescentou ao seu currículo a colaboração com A Comarca de Arganil, onde ainda hoje se mantém. Com a vitalidade e a juventude que lhe são muito próprias, tanto o encontramos na Pampilhosa da Serra como em Oliveira do Hospital. Sempre bem-disposto e com uma história para contar. Segredos? Só se for a sopa, «com um dentinho de alho», que todos os dias come ao pequeno-almoço. O Jornal de Arganil deixou de se publicar em Outubro de 2011. Seguiram-se algumas edições em papel, mas, sobretudo, uma aposta on-line, que também acabaria por ter um ponto final. O director, António Pedro, garante um regresso para breve do jornal, mas apenas na versão on-line.
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Cine-teatro Alves Coelho 90 anos com Arganil
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“DEVOÇÃO BAIRRISTA” DO CINE-TEATRO ALVES COELHO 1954 Obra da união das gentes de Arganil, foi considerada uma das mais notáveis salas de espectáculo da região
Diário de Coimbra deu amplo destaque à inauguração da sala de espectáculos
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o há dúvida nenhuma que o último domingo (9 de Maio) foi um grande dia para Arganil. Inaugurou-se ali o Cine-Teatro Alves Coelho e o facto, como não podia deixar de ser, marcou na vida da progressiva vila uma etapa muito notável». Assim escrevia o Diário de Coimbra, na primeira página da edição de 11 de Maio de 1954. «1.500 contos foi quando custou essa obra, conseguida à custa da mais acendrada devoção bairrista. E é justo dizer-se que ela dignifica a terra e ficaria bem até numa grande cidade, em Coimbra, por exemplo, onde tanta falta faz uma sala de espectáculos em condições», dizia ainda o jornal. Já na página 5, o jornalista refere-se ao projecto, da autoria do arquitecto Mário de Oliveira, à decoração de interiores proposta por Edmundo Tavares, bem como aos «magníficos baixos-relevos no frontispício, de autoria do escultor Aureliano Lima». Destaque especial para as referências, na sessão inaugural, à «grandeza da
obra» e à «lição de bairrismo que representa», destacando a «figura do importante industrial da Beira, Sr. Saúl Brandão, como um dos principais impulsionadores da grande iniciativa». “Erguido por teimosos e cabeçudos beirões. Da mesma maneira e com o mesmo espírito com que antigamente se construíam as catedrais: cada um trazendo a sua pedra”. Uma ilustração lapidar, da autoria de Miguel Torga, que diz tudo sobre o bairrismo que alicerçou e ergueu esta obra colectiva. Com capacidade para 500 pessoas, distribuídas pela plateia e plateau, o Cine-teatro Alves Coelho foi uma das maiores salas de espectáculo da região e uma das mais emblemáticas, que além das esculturas de Aureliano Lima, na fachada, inclui um conjunto de pinturas de Guilherme Filipe. Possui, também, um fosso de orquestra, pouco habitual nos edifícios da época. Propriedade da Santa Casa da Misericórdia desde a década de 90 do século passado, o Cine-Teatro Alves Coelho – em
homenagem ao maestro e compositor de Arganil (1882-1931) - encerrou as portas em 2002, com o objectivo de ser sujeito a obras de reabilitação e actualização das condições de segurança. O projecto de reabilitação foi aprovado em 2005 e cedido o direito de superfície à Câmara Municipal, em 2008, com o compromisso desta proceder à sua requalificação, executando o projecto aprovado. O compromisso não foi cumprido, daí resultando uma contenda judicial, com o imóvel a regressar à plena propriedade da Misericórdia em 2016. Com a tomada de posse do executivo camarário, liderado por Luís Paulo Costa, autarquia e Santa Casa voltaram o diálogo. O projecto de arquitectura foi reformulado, bem como o programa e intervenção. A Misericórdia acredita que a reabilitação aconteça no «actual mandato autárquico». A Câmara perspectiva que este seja um ano decisivo para avançar com uma candidatura para a recuperação do emblemático teatro.
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Misericórdia 90 anos com Arganil
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MISERICÓRDIA RECUPERA ANTIGO HOSPITAL CONDESSA DAS CANAS 2020 Obras estão a começar e requalificação do edifício, orçada em 2,5 milhões de euros, deverá estar pronta dentro de um ano
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oi uma referência na prestação de cuidados de saúde às gentes de Arganil e da Beira Serra. Por ali passaram nomes de relevo, como Fernando Valle, Adolfo Rocha (Miguel Torga), Vasco de Campos, Parente dos Santos ou Armando Dinis Cosme. Ou ainda o enfermeiro Guilherme Rodrigues e as irmãs da Congregação das Hijas de S. José. Falamos do Hospital Condessa das Canas, um projecto que a Santa Casa da Misericórdia de Arganil assumiu como seu, dando cumprimento ao desejo expresso de D. Maria Isabel de Melo Freire de Bulhões. Mais conhecida como Condessa das Canas (devido à quinta que possuía em Coimbra, onde está instalada a Brigada Fiscal), a benemérita deixou grande parte dos seus bens à Santa Casa, mas com a condição de esta fundar, na casa nobre que possuía em Arganil, e com o produto da venda dos seus bens, um hospital. O Hospital de Arganil foi inaugurado no dia 29 de Agosto de 1886, funcionando durante 92 anos. Todavia, com o 25 de Abril de 1974, acabaria por ser nacionalizado, à semelhança do que aconteceu com outros equipamentos semelhantes, e integrado no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Pouco tempo vingou. Com uma crescente perda de valências, nomeadamente na área da cirurgia e internamento, acabaria mesmo por fechar as portas. Inconformada, a Santa Casa da Misericórdia está empenhada em reverter a situação, reconverter o espaço do antigo hospital, requalificando-o, para o tornar, de novo, um espaço dedicado à prestação de cuidados de saúde. «Gostaria muito, como provedor da Santa Casa da Misericórdia de Arganil, de assistir à inauguração do velho Hospital Condessa das Canas de Arganil», afirma o responsável máximo da instituição, José Dias Coimbra. Um sonho que já não é novo, mas que começa, agora, a ganhar consistência. Com efeito, em 2009, a Santa Casa apresentou
Santa Casa avança com as obras, procurando dar nova vida ao velho hospital
Preservar a memória e garantir o futuro A Requalificação do Hospital Condessa da Canas é um desígnio assumido pela Misericórdia de Arganil, que aponta um conjunto de ordens de razões para que o projecto não tenha “retorno”. Trata-se da «preservação de um imóvel, da sua memória e do simbolismo que representa para a comunidade», sublinha Nuno Gomes, adiantando que esta reabilitação vai permitir colocar este edifício, «de novo, ao serviço da comunidade», como acontecia no passado, «através de serviços vocacionados para a área da saúde, seja de uma nova unidade de cuidados continuados ou outra estrutura». O director-geral destaca, ainda, o facto de esta empreitada representar, igualmente, um argumento forte para «impedir o crescente abandono do casco histórico da vila».
Por outro lado, a requalificação «vai também permitir que a acessibilidade ao Serviço de Urgência Básica (SUB), da responsabilidade da ARSC, seja melhorada, beneficiando toda a região». Em causa está um serviço prestado pelo Centro de Saúde de Arganil, instalado num terreno anexo ao antigo hospital, pertencente à Santa Casa, no quadro de um protocolo de colaboração entre a ARSC e a Misericórdia. O Centro de Saúde foi inaugurado em 2005 e o SUB que ali está instalado dá resposta a todas as situações de emergência dos concelhos a Beira Serra. De resto, estes serviços ocupam uma área do antigo hospital, que não será objecto de intervenção, onde funcionam serviços administrativos e áreas técnicas.
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uma candidatura ao Programa Modular II, aprovada pela Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC), com o objectivo de requalificar o espaço e ali instalar uma moderna Unidade de Cuidados Continuados, com capacidade para 36 camas, a integrar na rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Um projecto que acabaria, tendo em conta a crise que o país atravessou entre 2011 e 2015, por ser «suspenso, a pedido da ARSC». Mas a Misericórdia nunca pôs este projecto - que representa um investimento de 2,5 milhões de euros - “na gaveta”. Bem pelo contrário. «É uma prioridade», confirma Nuno Gomes, director-geral da instituição. Adecisão de avançar foi tomada em 2018, quando a Misericórdia «conseguiu reunir condições para ter capital próprio para avançar com o investimento, mas sem abdicar da comparticipação contratualizada», sublinha Nuno Gomes, apontando para um apoio do Estado estimado em 734 mil euros. «Avançamos num registo de boa fé», afirma, confiante que a ARS Centro «vai cumprir, a seu tempo, o compromisso que assumiu e nunca foi rescindido». Refere ainda que, para avançar com a obra, a Santa Casa teve
90 anos com Arganil Misericórdia
de recorrer à banca. A obra, adjudicada à empresa A. Baptista de Almeida, arranca este mês e tem um prazo de execução de 12 meses. Significa que, dentro de um ano, a obra está pronta a entrar ao serviço. Como unidade de Cuidados Continuados Integrados, como era seu primeiro desígnio, com 36 camas previstas. Ou, eventualmente, na área dos cuidados paliativos. O provedor não esconde que esta seria uma possibilidade do seu agrado, particularmente «num momento
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de tanta controvérsia, como o que se vive actualmente, com a discussão sobre a eutanásia em Portugal». «Seria uma unidade de cuidados paliativos para servir toda a Beira Serra, onde neste momento não existe qualquer resposta», enfatiza, destacando que este tipo de respostas representa «um primeiro passo para não haver eutanásia». Aliás, a Santa Casa de Arganil está a promover um projecto-piloto, em parceria com as suas congéneres de Poiares e Penacova, ao nível dos cuidados paliativos domiciliários. Um projecto que arrancou em Dezembro do ano passado e foi contemplado com o Prémio BPI La Caixa. A equipa multidisciplinar inclui médicos, enfermeiros, animador, psicólogo, professor, técnico de serviço social e voluntários. «Está tudo em aberto», garante o director-geral da Santa Casa. «A definição da utilização do espaço, em termos de serviços, será sempre uma competência da ARS Centro. São os nossos parceiros. Colocamo-nos nas mãos da ARS Centro», diz ainda. Seja qual for o destino, o projecto implica a criação de 25 novos postos de trabalho, com a garantia de ser dada «prioridade aos jovens».
Hospital Dr. Fernando Valle Inaugurado em 2006 pelo então Presidente da República, o Hospital Fernando Valle foi uma das primeiras unidades da Região Centro a integrar a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. São 24 camas, 12 de média duração e reabilitação e outras 12 de longa duração e manutenção. Instalada no antigo “asilo” da Santa Casa (leia-se lar de terceira idade), desactivado na década de 70 do século passado, esta aposta, que implicou um investimento superior a um milhão de euros, representou, igualmente, a entrada da Santa Casa da Misericórdia de Arganil, instituição fundada em 1647 e que se manteve sempre em actividade, num novo ciclo, dedicado à saúde, que inclui o projecto do Hospital Condessa das Canas, bem como uma Unidade de Medicina Física e de Reabilitação, que começou a sua actividade no pavilhão Manuel Marques – ilustre massagista do Sporting Clube de Portugal – na década de 90 do
Unidade foi inaugurada em 2006
século passado, que foi, sublinha a Santa Casa, uma das primeiras unidades desta natureza a servir a região da Beira Serra. Nuno Gomes, director-geral da Misericórdia de Arganil, destaca a «importância social» desta Unidade de Cuidados Conti-
nuados, mas também o «simbolismo» que a envolve, «ao ser associada ao Dr. Fernando Valle». «E uma homenagem, como médico e como humanista que foi, no concelho de Arganil e no país, que representa uma forma de encarar os cuidados na saúde com abnegação». Foi, diz ainda, «esta figura do médico “João Semana”que, independentemente das opções ideológicas que o marcaram – foi maçon assumido e fundador do Partido Socialista – fazem do dr. Fernando Valle uma referência na região, que a Misericórdia entendeu não devia deixar cair no esquecimento», razão pela qual decidiu dar-lhe o nome do médico. Nuno Gomes recorda que, além de asilo, aquele espaço também foi usado como residência para o médico. As obras de requalificação mantiveram a fachada original, acrescentando-lhe um moderno corpo em vidro, «devidamente enquadrado com a arquitectura local».
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Misericórdia 90 anos com Arganil
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LAR COMENDADOR CRUZ PEREIRA 1988 Inaugurada por Cavaco Silva, infra-estrutura é o “front office” de um projecto diferenciador e aglutinador no âmbito do apoio social
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casal Cruz Pereira foi o grande benemérito do projecto que a Santa Casa da Misericórdia de Arganil inaugurou em 1988. Em causa está o Lar Comendador Cruz Pereira, que integra o complexo social da instituição, que agrega um conjunto de respostas para a população, sobretudo com idade mais avançada. Coube ao então primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva, proceder à inauguração do espaço, que instalou uma dinâmica diferenciadora, articulada com outras valências, com as quais funciona em complementaridade, como as piscinas do Complexo Desportivo “Zé Miguel Coimbra” e o apoio desportivo. Um complexo que serve diariamente mais de cinco centenas de utentes, através das respostas de ERPI – lar de seniores (120 utentes), centro de dia (50 utentes), apoio domiciliário (40 utentes), bem como centro de actividades e tempos livres, entre outros projectos de intervenção comunitária. Nuno Gomes, director-geral da instituição, sublinha a «pertinência», na componente de apoio domiciliário aos mais velhos, de uma aposta nova na área da saúde. Trata-se, explica, de «promover os cuidados de saúde ao domicílio, nomeadamente na área da enfermagem», que se vem juntar ao “clássico” apoio de alimentação, higiene pessoal, limpeza e tratamento de roupa. «Entendemos que o serviço de apoio domiciliário, no seu novo modelo de actuação, tem de estar dotado de uma oferta de serviços que realmente promovam a continuidade dos cidadãos na residência e um desses serviços é a prestação de cuidados de saúde», defende. Trata-se de «retardar a institucionalização», afirma, advogando mesmo o «retorno económico e social para o país» caso o Estado equacione entregar ao sector social e a esta rede que presta os serviços de apoio domiciliário também um serviço de saúde ao domicílio. Uma medida que, adianta, permitiria «descongestionar, a montante, as unidades de saúde», além de «permitir manter as comunidades com pessoas» e as pessoas nas respectivas
Valência é o epicentro de um amplo projecto de apoio social com diferentes respostas
comunidades, utilizando os lares «efectivamente para os mais velhos e mais dependentes». Nuno Gomes destaca o que denomina como «as duas necessidades fundamentais» das pessoas com idade mais avançada, depois de satisfeitas as necessidades básicas, em termos de bem-estar (alimentação, higiene e limpeza): «precisam de cuidados de saúde, nomeadamente de enfermagem, e de condições de segurança». Segurança que passa, em muito, por uma «comunicação em tempo útil, através de um sistema de teleassistência». Com estas condições reunidas, o director-geral da Santa Casa não tem dúvidas que «as pessoas preferem manter-se nas suas casas» ao invés de serem institucionalizadas. Mais, «só desta forma é que se mantêm as populações» nas suas terras de origem. A Santa Casa de Arganil aderiu a este sistema de teleassistência em 2005 e garante esta resposta a «uma vintena de pessoas» com «resultados muito positivos». «Um serviço de apoio domiciliário completo,
que inclui teleassistência e cuidados de saúde, retarda em dois anos e meio a institucionalização», garante Nuno Gomes, que defende uma política diferente para os territórios do interior. Ou seja, na primeira linha deve estar a «criação de condições para os mais velhos se manterem. Depois, então, criar oportunidades para os mais jovens». Significa que, antes de mais, se devem manter os mais velhos, evitando o êxodo, nem que seja para a sede do concelho. Depois, sim, procurar cativar os mais novos.
Misericórdia garante apoio, nas diferentes valências, a mais de meio milhar de pessoas. Universo de colaboradores ronda a centena e meia
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Oliveira do Hospital: 238605210 | 967498487 | Tábua: 235413865| 961693438
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Misericórdia 90 anos com Arganil
Rua das Misericórdias é um dos espaços emblemáticos da Mata
Diário de Coimbra
Dias Coimbra, provedor da Santa Casa
A “SALA DE VISITAS” DE ARGANIL 1990 Mata das Misericórdias é hoje um espaço de eleição, onde se respira natureza e cultura
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rovedor da Santa Casa, o professor Dias Coimbra é também o engenheiro e o arquitecto da Mata das Misericórdias e assume que este espaço é uma das “meninas dos seus olhos”. «Fiz coisas bonitas em Arganil (foi presidente da Câmara Municipal antes e depois do 25 de Abril). Uma das coisas mais bonitas foi conseguir comprar a Mata da Margaraça (para o Estado), se não perdia-se aquela riqueza», assume, recordando a classificação da mata e também a integração na reserva de uma outra pérola, a Fraga da Pena. «Ficou-me o “bichinho”», confessa, apontando alguma responsabilidade ao Prof. Jorge Paiva. «Depois de sair da Câmara, em 1990, comecei a entreter-me, até hoje, na Mata das Misericórdias». Quando começou a mata «era um depósito de lixo do Hospital», além de estar «impregnada de acácias». «Hoje está linda», sublinha, apontando os 22 hectares da mata, doados à instituição pela Condessa das Canas, que em 2012 foi rebaptizado, passando a designar-se Mata
das Misericórdias, uma vez que acolheu o X Congresso Nacional da União das Misericórdias Portuguesas. Cada uma das 389 Misericórdias activas em Portugal apadrinhou uma árvore e «os provedores vêm à Mata visitar a sua árvore», refere Dias Coimbra, destacando que a «Mata não é só de Arganil, é da Beira Serra, é das Misericórdias de Portugal» e aí, considera, está a «sua importância». Em 2009, com o apoio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), foi possível efectuar um intervenção significativa na mata, com a criação de circuitos de água, cascatas, bocas de incêndio, reservatórios e caminhos, num investimento que se cifrou em 250 mil euros. Mas se a componente ambiental ditou uma atenção firme à antiga Mata do Hospital, a história e a memória condimentaram toda a intervenção. «Sem história e sem memória nenhum povo é importante», afirma o provedor, sublinhando que na Mata das Misericórdias se encontra «a
memória de Arganil da Beira Serra e das Misericórdias de Portugal». O Percurso dos Poetas, a Rua das Freguesias, a Rua das Misericórdias, o Largo dos Três Bispos são alguns dos espaços que preservam a memória colectiva, convidando a um passeio de descoberta de figuras de relevo, como o Prof. Ventura, um mestre que se radicou em Arganil, entre muitos outras figuras, locais, regionais ou nacionais. Nos diversos anfiteatros, criados nos socalcos da colina, podem fazer-se concertos ou outros espectáculos e nos arruamentos da mata descobrem-se convites à leitura, através de breves poemas, gravados no xisto. Carvalho alvarinho, castanheiros, sobreiros, pinheiros mansos, azereiros e medronheiros estendem a sua folhagem vistosa, que é também a casa de esquilos, patos-reais, raposas, javalis, corujas e rolas, entre muitos outras espécies que dão mais vida e mais poesia à mais bonita “sala de visitas” de Arganil.
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90 anos com Arganil Misericórdia
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ACADEMIA CONDESSA DAS CANAS: UMA RESPOSTA CULTURAL 2010 Aliada às respostas de natureza social, a Misericórdia também abraçou um projecto de dinâmica cultural, que entronca na história e na memória, e olha o futuro de frente
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anta Casa da Misericórdia de Arganil: uma instituição com memória e futuro”. O slogan aplica-se na perfeição à Academia Condessa das Canas. Trata-se da mais recente valência da centenária instituição, que representa uma resposta cultural e intergeracional, onde passado, presente e futuro se cruzam. A antiga Escola Adães Bermudes foi considerada o espaço certo para acolher o projecto. Em causa está um edifício localizado no Paço Grande, projectado pelo próprio arquitecto Adões de Bermudes, que integrou o plano de construção de escolas do ensino primário e que, reza a história, foi durante alguns dias Paço Real, aquando da deslocação do rei D. Carlos à região. Cedido pela Câmara, o espaço foi intervencionado pela Santa Casa, que ali instalou, em 2010, a Academia Condessa das Canas. A designação é, só por si, um registo de memória, mas também uma homenagem agradecida a uma benemérita e a uma mulher de cultura, que foi «promotora de jovens artistas da época» e mecenas de muitos jovens da região, a quem pagou os estudos. Um projecto que nasceu oficialmente com a criação do Orfeon Maestro Alves Coelho, em homenagem ao grande músico e criador, natural de Arganil, que também tem o seu nome perpetuado no Cine-Teatro da vila. Dirigido pelo maestro José Miguel Marques – que também é enfermeiro na Santa Casa – o Orfeon tem cerca de três dezenas de elementos, entre homens e mulheres, de diferentes idades. Uma valência aberta à comunidade, que inclui alguns colaboradores da Misericórdia. À música junta-se a dança, um projecto mais recente, criado em 2018, com a Academia Condessa das Canas a estender o seu abraço cultural à Academia de Ballet, um projecto desenvolvido por Tamara Simão. «Havia pouca oferta, na área da dança, no concelho», explica Nuno Gomes, direc-
Academia de Ballet constitui, a par do teatro e patinagem artística, uma nova aposta
tor-geral da Misericórdia, dando conta que esta constatação “pesou” na decisão de acolher este projecto. Todavia, há outras ordens de razões. Com efeito, a Misericórdia entendeu que a Academia teria, «para ter viabilidade», que funcionar numa «lógica intergeracional», ou seja, garantir uma oferta para os seniores, mas também fazer uma aposta para a população mais jovem. Por isso, e com o “amadurecimento” do Orfeon, tornou-se “natural” alargar a oferta, da música para a dança. Uma resposta também ela alargada, em termos de público. Isto porque a Academia de Bailado é frequentada por 40 jovens de Arganil e concelhos limítrofes, mas também oferece uma resposta para pessoas menos jovens, num registo de manutenção e treino de postura correctiva, nomeadamente. A patinagem artística é a proposta mais recente, já oficializada este ano, que nasce no seio da instituição, a partir, explica o responsável, de uma colaboradora da Santa Casa que fez patinagem artística no Brasil e «tinha o sonho de avançar com um projecto destes». Adriana Marques sonhou e a
Academia Condessa das Canas tornou esse sonho realidade.Aadesão tem sido fantástica, contabilizando cerca de 40 jovens entusiastas da patinagem artística. O projecto, esclarece o director-geral, conta com a colaboração da Junta de Freguesia de Sarzedo, que cede o pavilhão desportivo, onde se efectuam os treinos. Sendo a proposta mais recente, a Escola de PatinagemArtística Roller Dance é também aquela que já granjeou mais mediatismo, pois promoveu, no início de Fevereiro, o seu primeiro estágio internacional, que juntou vários clubes de todo o país. O projecto cultural da Academia inclui a realização de conferências temáticas, com a tónica na «preservação da memória colectiva». Uma das mais recentes foi a evocação de Ventura da Câmara, uma figura de referência no concelho. O maestro Alves Coelho inspira a próxima evocação, a fechar o mês de Fevereiro, em que se celebram os 10 anos do Orfeon Alves Coelho. Uma oportunidade para conhecer a vida e a obra deste génio criador e também para ouvir o Orfeon e o Coro dos Engenheiros de Coimbra.
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IEFP 90 anos com Arganil
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RESPOSTAS ARTICULADAS NA ÁREA DA FORMAÇÃO 2004 Qualificação profissional é a principal ferramenta para promover o emprego, combater o desemprego e fixar a população no território
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arantir formação, qualificação e respostas a desempregados, por um lado, e a entidades empregadoras, por outro, são as traves mestras que orientam o Centro de Emprego e Formação Profissional do Pinhal Interior Norte. Um serviço a funcionar no Edifício Agrogeste, no centro de Arganil, que agrega uma valência na Lousã (Serviço de Emprego) e postos de atendimento em Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra e Tábua. A componente de formação profissional está concentrada na Quinta do Mosteiro, em Folques. «Esta é a sede do serviço», todavia «grande parte da formação é feita em Oliveira do Hospital, Lousã e Tábua», explica a directora, Adília Farinha. «Trata-se de uma capilaridade do serviço que prestamos» e que procura criar uma «proximidade maior» com o público-alvo, tendo em conta, nomeadamente, as distâncias a percorrer e também as «dificuldades de transportes públicos». Uma «intervenção capilar» que procura, adianta, chegar à população de Góis, Tábua, Pampilhosa da Serra, Oliveira do Hospital, Arganil, claro, mas também Vila Nova de Poiares, Lousã e Miranda do Corvo. A formação para desempregados assume uma relevância especial, uma vez que se trata de «dar novas e mais competências» a pessoas que pretendem entrar no mercado de trabalho, mas a «colaboração com empresas e entidades empregadoras», igualmente em termos de formação, também ocupa um lugar fundamental. Trata-se de «consolidar competências», sublinha Adília Farinha, que destaca essa colaboração estreita com empresas, sobretudo de Oliveira do Hospital e Arganil, na área têxtil, mas também de Tábua, ou com instituições particulares de solidariedade social (IPSS) nas áreas da geriatria e educativa. A formação comporta uma terceira via, através do Centro Qualifica, que promove
Adília Farinha
o reconhecimento e validação de competências já adquiridas, complementadas com a formação necessária, dando outra dignidade, “certificada”, a um saber-fazer muitas vezes com décadas de experiência acumulada, que, desta forma, ganha “créditos” em termos de mercado de trabalho. Cozinha e pastelaria, reparação de electrodomésticos (num conceito de economia circular), técnico fotovoltaico, agricultura e costura são algumas das áreas em que o Centro de Formação tem apostado, numa «resposta articulada com o mercado». «Procuramos promover formação em áreas deficitárias», sublinha Adília Farinha, exemplificando com o sector da hotelaria ou com o universo da agricultura que se encontra «em crescimento» no território. Como curiosidade, a directora re-
fere a articulação do curso de costura com a organização das Marchas Populares de Arganil, o que levou as «formandas a fazerem os fatos que desfilaram». Uma referência, em termos de adesão, têm sido os cursos de cuidador de crianças e jovens, de técnico de acção educativa, higiene e segurança no trabalho, tecnologias de informação e técnicos auxiliares de farmácia. Relativamente à formação solicitada por entidades, sejam empresas ou IPSS, Adília Farinha destaca as áreas da higiene e segurança no trabalho, gestão do tempo, relacionamento interpessoal, primeiros socorros, tecnologias de informação e comunicação. A directora sublinha, ainda, a parceria com a ADI – Associação para o Desenvolvimento Integrado de Tábua e Oliveira do Hospital, que tem motivado um pacote de formação específico, em resposta às necessidades. «Tornar o Centro mais apelativo» é uma das metas para o futuro, mas na linha da frente está o «reforço das parcerias com as empresas e as entidades empregadoras», seja ao nível da «contratação ou da agilização de candidaturas das entidades empregadoras às medidas de emprego» medida que Adília Farinha considera fundamental, uma vez que possibilita «canalizar financiamentos para o território, o que permite reforçar a capacidade das empresas e a integração de desempregados» - seja ao nível da formação, no sentido de consolidar a empregabilidade. Referência, ainda, para a importância destas parcerias para a «formação prática, em contexto de trabalho». Fundamental para Adília Farinha é que «as nossas medidas – apoio à contratação ou de qualificação - consigam ajudar a fixar a população no território, sobretudo os jovens». Outro dos objectivos passa por «reduzir o desemprego de longa duração», através de «novos projectos de abordagem», designadamente um projecto-piloto
90 anos com Arganil IEFP
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que vai arrancar na região Centro, e pretende dar resposta a situações de desemprego de longa duração e baixas qualificações. «É fundamental motivar este público, para que, no seu projecto de vida, inclua a formação, de forma a elevar as suas competências». «Há áreas em que existem oportunidades», afiança.
Centro Qualifica permite reconhecer e validar competências profissionais adquiridas ao longa da vida Reduzir o desemprego de longa duração é uma das prioridades do Centro de Emprego e Formação do Pinhal Interior Norte
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Um espaço com história «É o Centro de Formação mais bonito de toda a região Centro», afirma Adília Farinha, directora do Cento de Emprego e Formação Profissional (IEFP) do Pinhal Interior Norte. E se dúvidas houvesse, basta dizer que, com toda a certeza, o Mosteiro já existia em 1122. A sua origem remonta ao tempo da reconquista cristã, edificado por uma comunidade religiosa seguidora da regra de SantoAgostinho. Na sequência da guerra civil (1832 – 1834) as ordens religiosas foram extintas e os seus bens nacionalizados e vendidos em hasta pública. O Mosteiro de Folques não foi excepção. D. Gastão da Câmara Coutinho Pereira de Sande, conde da Taipa, e a esposa, D. Francisca deAlmeida Portugal, marquesa de Valada, foram os primeiros proprietários privados e entre os últimos destaca-se Ventura da Câmara, que foi presidente da Câmara Municipal. O município adquiriu o imóvel em 1981, sob a presidência de José Dias Coimbra. Entre as seculares paredes começou um
projecto de formação profissional. Primeiro, através do Centro de Formação Profissional Interempresarial da Beira Serra, que arrancou no final dos anos 80 e acabaria por ser extinto em Julho de 2003, por decisão da tutela. Em simultâneo, a mesma Portaria (1325/2004) do Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho, garantia que a formação e todas as actividades dinamizadas pelo extinto CINTERBEI passavam a ser da responsabilidade do Instituto de Emprego e Formação Profissional.
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Cerâmica Arganilense 90 anos com Arganil
Diário de Coimbra
CERÂMICA ARGANILENSE: UMA HISTÓRIA COM FINAL FELIZ 1948 Exemplar de referência da arquitectura industrial foi transformado num espaço de cultura e lazer ao serviço do concelho
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oi uma das referências industriais do concelho, empregando cerca de uma centena de trabalhadores e com uma produção de telha tipo “marselhês” considerada de excelência. Falamos da Cerâmica Arganilense, também conhecida como Fábrica da Telha que, juntamente com a Cerâmica da Carriça, em Coja (1924-2011), ajudou a “escrever a história” da dinâmica empresarial do concelho de Arganil, marcada, nomeadamente, pela aposta no universo têxtil e das confecções, na construção civil, na indústria alimentar e no sector das madeiras. A qualidade da produção da Cerâmica Arganilense, iniciada na Barroca, em 1916, fez crescer exponencialmente as encomendas e os proprietários viram-se obrigados a erguer um novo edifício, construído de raiz, para dar resposta às muitas solicitações. Uma obra concluída em 1948, junto à “casa-mãe”, que se manteve em actividade durante mais de quatro décadas. Depois de atingir o auge, começou o declínio e a empresa acabaria por encerrar em 1992, num registo de algum conflito, com salários em atraso, greve dos trabalhadores e mesmo um corte de energia por parte da EDP. Tinha, então, 68 trabalhadores. A crise batia à porta de uma empresa de referência, como, de resto, aconteceu com a Cerâmica da Carriça, em Coja, declarada insolvente em 2011, depois de quase um ano com a actividade suspensa. Dois anos depois do encerramento, a Câmara Municipal de Arganil compra o edifício da Cerâmica Arganilense, em hasta pública. Surgem, depois, vários projectos para ali instalar, como o Museu Nacional do Bombeiro, um Centro da Natureza e o Quartel dos Bombeiros. Em 2001 avança a ideia da requalificação do espaço e da sua transformação num centro de actividades de âmbito cultural. Todavia, só em 2008 o futuro da Fábrica da Telha
Cerâmica Arganilense foi inaugurada em Outubro de 2012
fica assegurado, com a abertura das propostas para a reabilitação da antiga Cerâmica Arganilense, com o edifício à beira do colapso. O objectivo era claro: devolver aos arganilenses um espaço de referência, como «centro de excelência de cultura, desporto e lazer», como sublinhou Ricardo Pereira Alves, então presidente da Câmara Municipal, na inauguração da obra, a 7 de Outubro de 2012, numa cerimónia que contou com a presença do secretário de Estado adjunto do ministro da Administração Interna, Silva Peneda. O edifício manteve a traça original, numa homenagem à arquitectura industrial e à memória da produção de telha. Mas adaptou-se aos novos tempos e necessidades, com um espaço multiusos, piscina, auditório, espaços de restauração e cultura e ainda uma zona reservada para acolher o Museu do Rally, um sonho que Arganil acalenta há muito. A obra representou um investimento total de 6.073.073,80 euros e contou com o
financiamento do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do Programa Operacional Temático de Valorização do Território, que garantiu ao projecto uma comparticipação financeira de 1.288.651,01 euros (para piscina aquecida, Bloco A) e do Mais Centro – Programa Operacional Regional do Centro, que aprovou, através do FEDER, um apoio de 2.625.816,18 euros, para os Bloco B e C. Uma história com final feliz, que permitiu transformar «um problema numa verdadeira oportunidade, promovendo a requalificação» da antiga Cerâmica Arganilense e colocando-a ao serviço de Arganil.
Edifício mantém a traça original, mas concilia a história com as exigências de bem-estar e conforto
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Biblioteca 90 anos com Arganil
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PIONEIRISMO DA BIBLIOTECA MUNICIPAL 1996 Inaugurada no dia 4 de Dezembro de 1996, herdou espólio das bibliotecas da Gulbenkian de Arganil e Coja e deu início a um novo ciclo na área da cultura
Biblioteca Municipal de Arganil tem Miguel Torga como patrono
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eiam. Leiam para se valorizarem. Leiam para não estarem sós. Leiam para conhecerem outros mundos e para darem o exemplo aos filhos e aos netos». O conselho é de Margarida Fróis, directora da Biblioteca Municipal de Arganil e dirige-se aos jovens adultos e aos adultos, «entre os 20/25 anos» e os «50/60 anos». «Ler é fundamental», afirma a bibliotecária, uma apaixonada pelos livros e pela leitura, que se dedicou de corpo e alma à Biblioteca Miguel Torga. Uma carreira que começou em Coja, na Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian. Num tempo em que praticamente não existia o conceito de biblioteca pública, Arganil fazia a diferença, com duas bibliotecas fixas da Gulbenkian, em Arganil e em Coja, além do serviço itinerante. Diferença e pioneirismo do concelho igualmente aquando da criação da Rede Pública de Bibliotecas, que absorveu o espólio da Gulbenkian. Um protocolo entre a Câmara Municipal e o Instituto Português do Livro dava luz verde para um novo desafio, fundamental no entender de Margarida Fróis: a construção da Biblioteca Municipal de Arganil, inaugurada no
dia 4 de Dezembro de 1996. «Abriam-se as portas para um grande desafio», afirma, destacando o facto de as primeiras bibliotecas da Rede Pública surgirem nos anos 90 e Arganil ter estado na linha da frente desse processo. Um processo que tinha, como elemento diferenciador, o empréstimo de livros. «Foi uma grande revolução», faz notar, sublinhando que até então poucas eram as bibliotecas, das raras existentes, que permitiam isso. «Foi das melhores coisas do 25 de Abril», garante, uma vez que veio permitir «uma grande liberdade no acesso à leitura». Com uma pós-graduação em Ciências Documentais, Margarida Fróis começou, dois anos antes da abertura da biblioteca, a “preparar caminho”. E também começou a sua “revolução”. Imparável até aos dias de hoje. «Achei que era um disparate fazer fichas», conta, lembrando a antiga forma de catalogação. «Recusei-me», confessa, e o Instituto Português do Livro “ouviu” a reclamação e «ofereceu-nos os primeiros dois computadores para a biblioteca e um programa informático». Ferramentas que permitiram que a Biblioteca de Arganil “nascesse” com a «catalogação toda infor-
matizada». «Nunca houve fichas nem catálogos em papel», afirma, com notório orgulho. «Somos uma biblioteca como tantas outras – e felizmente hoje existem muitas mas fomos pioneiros em tanta coisa», diz ainda, apontando, nomeadamente, o pioneirismo do concelho na Rede de Bibliotecas Escolares, que surgiu em 1997, que envolve seis bibliotecas do 1.º ciclo, duas do 2.º e 3.º ciclo, uma do secundário e as bibliotecas públicas de Arganil e de Coja. “Muito à frente” em várias vertentes, a Biblioteca Municipal tem «um portal exemplar a nível do país», refere a directora, que destaca, ainda, o cartão único, que começou a ser experimentado em 2012 e efectivou-se ao serviço em 2014 e permite a pesquisa e acesso a qualquer documento, em toda a rede das bibliotecas concelhias, e receber o exemplar pretendido no espaço fisicamente mais próximo. Uma referência, ainda, para a Hemeroteca, outro projecto pioneiro, que arrancou em 2004/5 e permite um acesso célere e eficaz a um universo imenso de informação. Exemplos do trabalho efectuado por «uma equipa extraordinária», sublinha, destacando os 20 profissionais licenciados, cinco com pós-graduação em Ciências Documentais e um «conjunto de técnicos muitos capazes«. «Isso faz a diferença», assegura Margarida Fróis, que está prestes a despedir-se da Biblioteca Municipal de Arganil, por imperativos de reforma. Todavia, já abraçou um novo desafio, como coordenadora da rede intermunicipal de bibliotecas das Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra.
Rede de Bibliotecas de Arganil registou 3.552 utilizadores (cerca 31% da população) em 2019. Neste período emprestou 15.756 documentos
90 anos com Arganil Biblioteca
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Bibliotecas fazem a diferença
Margarida Fróis foi a primeira e até agora única directora da biblioteca
Com uma vida inteiramente dedicada aos livros e à leitura, Margarida Frois não tem dúvidas. «As bibliotecas públicas fazem a diferença», pois «disponibilizam todos os
meios para que as pessoas aprendam, elevem o seu nível de literacia». «A riqueza de um território são as pessoas. Se as pessoas sabem ler, escrever e interpretar, se têm ca-
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pacidade de pensar, somos ricos. Caso contrário somos pobres», afirma. «A escola ensina. A biblioteca cria as condições para as pessoas crescerem intelectualmente» e, no entender de Margarida Frois, «apesar dos 30 anos de Leitura Pública, ainda há muito a fazer». E também no concelho de Arganil, onde apesar de todo o pioneirismo, «os níveis de literacia continuam muito baixos. Faltam hábitos de leitura», garante, recordando que muitos jovens “esquecem” os livros depois de saírem da escola. E é para combater esse “esquecimento” que a Biblioteca de Arganil promoveu o projecto “Pais e Filhos – Livros e Ternura”. De 15 em 15 dias as crianças levam para casa um livro para elas e outro para os pais e também um bloco de notas, onde estes podem fazer sugestões, pedir outros livros. «Temos uma cobertura de 90% do concelho», refere a directora, recordando alguns «textos fantásticos» de pais, que assim recuperam o seu encontro com o mundo dos livros. «O exemplo, em casa, na família, é fundamental», alerta. E o “segredo” «está na prática, no hábito de ler», remata.
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Benfeita 90 anos com Arganil
Diário de Coimbra
BENFEITA: AS 1.620 BADALADAS TOCADAS PELO “SINO DA PAZ” 1945 Final da II Grande Guerra foi anunciado no dia 7 de Maio de 1945. Tradição, única no mundo, mantém-se até aos dias de hoje
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bem enquadrada, alindada e alcantilada povoação de Benfeita não se tornou famosa apenas pelos seus encantos paisagísticos. Mais importante, no que diz respeito à sua projecção, contará talvez o número e qualidade de muitos dos seus naturais (e da freguesia) que pontificaram em praticamente todos os sectores da vida nacional. Nesse escol de benfeitenses notáveis inclui-se, obviamente, Mário Mathias (o iniciador de uma estirpe de diplomatas e literatos), a quem se deve a iniciativa da construção da xistosa torre, na qual se insere o célebre sino que, por informação sua (era funcionário Superior do Ministério dos Negócios Estrangeiros), em Maio de 1945 fez ecoar por montes e vales os seus sons, anunciando o fim da 2.ª Grande Guerra Mundial, na qual Portugal não entrou militarmente, mas sofreu as suas pesadíssimas consequências económicas. O sino que então ainda estava apenas encomendado (faltava concluir a torre) foi accionado pela força humana, pois só mais tarde seria inserido o relógio mecânico que no dia 7 de Maio faz soar 1.620 badaladas, tantas como os dias que durou esse sangrento conflito, que findou com a vitória dos povos democráticos sobre o nazi-fascismo da chamadas forças do eixo, que eram a Alemanha hitleriana, a Itália e o Japão. Por estranha e dolorosa coincidência, o relógio da Torre da Paz está envolto em duas Grandes Guerras, dado que o seu complexo mecanismo foi concebido por Manuel Francisco Cousinha, um conterrâneo que em finais do século XIX nascera no lugar de Sobral Magro, na vizinha freguesia de Pomares e que participara na 1.ª Grande Guerra Mundial. Nasceu Manuel Francisco Cousinha no seio de uma família que tinha a miséria como companheira íntima, mas, ao contrário dos irmãos, cedo terá revelado mais inclinação para as produções cerebrais do
Mário Mathias foi o promotor da construção da torre xistosa
que para os trabalhos braçais. Por isso, foi acólito do pároco da freguesia que, reconhecendo-lhe dotes de inteligência, o industriou nas primeiras letras, conhecimentos que lhe foram valiosos quando, como a maioria dos seus conterrâneos, teve de rumar até Lisboa, em busca de melhores condições de vida. Nesses tempos de adaptação à cidade grande chegou a trabalhar numa relojoaria, mas não tardou a ser incorporado no Corpo Expedicionário Português (CEP) que a partir de 1916, engrossou as tropas dos países aliados. Também ele foi um dos muitos milhares que rastejou “com a farda em farrapos” pelas trincheiras, e sentiu o calor(dor) das balas inimigas. Por coincidência ou por força das circunstâncias, esteve algum tempo colocado junto à fronteira com a neutral Suíça, onde eram fabricados relógios que emitiam, além do metálico som das horas, outras sonoridades, por sinal bem mais melodiosas. Regressado a Portugal deu concretização aos seus sonhos com a implantação de uma fábrica de relógios, na Charneca
da Caparica (Almada), denominada “A Boa Construtora”. Foi desta empresa que saíram para todo o território nacional os relógios “Cousinha”, ainda hoje visíveis em campanários de vilas, cidades e aldeias, muitos deles a enquadrarem a medida do tempo com religiosas melodias. A empresa não resistiu à chegada dos relógios electrónicos, mas ainda esteve nas mãos de descendentes de Manuel Francisco Cousinha até meados dos anos 80. O relógio que construiu para Benfeita continua a dar sentido a uma Torre que deve, a todos os níveis, manter-se como símbolo da Paz.
Manuel Francisco Cousinha, um conterrâneo, criou a fábrica de relógios onde foi produzido o relógio mecânico existente na torre
Diário de Coimbra
90 anos com Arganil Casa da Criança
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Diário de Coimbra noticiava, com grande destaque, a inauguração da Casa da Criança
A MODERNA PEDAGOGIA DA CASA DA CRIANÇA 1950 “Façamos felizes as crianças da nossa terra” foi o lema deste projecto, com a assinatura de Bissaya Barreto
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erca de «700 contos» foi o investimento que a Junta de Província da Beira Litoral investiu na Casa da Criança de Arganil. A notícia, publicada pelo Diário de Coimbra de 12 de Maio de 1950, anunciava, dois dias depois, a inauguração da obra. No dia 24 de Maio era reproduzida a crónica, de autoria do Dr. António Correia, assente nas palavras proferidas pelo mentor da obra, Prof. Bissaya Barreto, que defendeu uma «preciosa afirmação de fé na educação das crianças em idade pré-escolar nos chamados jardins infantis». Inspirado nas «concepções da pedagogia moderna adaptadas aos jardins-deinfância, Bissaya Barreto diria: «Fala-se do século da criança, mas não se sente espírito novo que procure remodelar as bases de uma educação antiquada, origem, estamos certos, de muitos males que tornam a humanidade infeliz». «Não nos preocupa instruir a criança: ensiná-
la a ler, sobrecarregar o seu cérebro infantil com muitos conhecimentos. Não, a “Casa da Criança é uma casa de préeducação: queremos abrir o espírito e o coração das crianças. Educar mais do que instruir. O fazer saber não é o seu fim, é antes um meio. Aproveitamos o espírito de curiosidade e de imitação da criança, aproveitamos a sua intuição e, à custa de
Concelho acolheu duas Casas da Criança
jogos, brincadeiras, de riscos e rabiscos, de construções, etc., vamos cultivando as suas qualidades, a sua sensibilidade e a sua inteligência». «Hoje interessa-nos sobretudo que a criança adquira conhecimentos gerais, sobretudo saia preparada para estudar e aprender. Procura-se despertar o desejo de saber, de inquirir, tão natural nas crianças», afirmava Bissaya Barreto, presidente da Junta Provincial da Beira Litoral, responsável pela obra. «Quando prometo cumpro», diria ainda o governante, no relato da inauguração publicado por A Comarca de Arganil. “Façamos Felizes as Crianças da Nossa Terra”. A mensagem encimava a entrada do edifício, ao qual foi dado o nome da mãe de Bissaya Barreto: Casa da Criança D. Joaquina Barreto Rosa. Seis anos depois, em Setembro de 1956, o concelho de Arganil assistia à inauguração da segunda Casa da Criança, em Coja.
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Avenida Central 90 anos com Arganil
Diário de Coimbra
ENGENHARIA REVOLUCIONÁRIA DITOU REVOLUÇÃO URBANÍSTICA 1948-2019 Cobertura do ribeiro dos Amandos veio resolver um problema grave de saúde pública e revolucionar a vila. Oito décadas depois, a galeria hidráulica ameaça colapsar
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década de 40 do século passado representou, decisivamente, um “virar de página”, em termos urbanísticos, na vila de Arganil. Resolveu-se um problema e criou-se uma oportunidade. A construção da galeria hidráulica resolveu um problema grave, em termos de salubridade e saúde pública, permitindo, igualmente, expandir a vila, que cresceu e, nesta avenida central, instalada sobre o curso da ribeira, ergueu alguns dos edifícios mais emblemáticos. Mas, “não há bela sem senão”. Hoje, esta mesma obra de referência de engenharia constitui um problema com contornos difíceis e que urge resolver. Mas já lá vamos. A cobertura do ribeiro de Amandos teve «um impacto brutal», afirma o presidente da Câmara Municipal de Arganil, Luís Paulo Costa, recordando que aquela zona, hoje central, representava, ao tempo, «as traseiras da vila, onde eram jogados todos os dejectos e lixos. Era uma zona nauseabunda, que representava um risco assinalável de saúde pública». Isso mesmo sublinhava, na época, A Comarca de Arganil, que, destacava o «importantíssimo melhoramento», cuja primeira fase - orçada em 974.402$00 estava em fase de concurso, lançado pela Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, do Ministério das Obras Públicas. O ribeiro dos Amandos «é e tem sido o vazadouro de quantas inutilidades» que ali são lançadas, referia, na edição de 31 de Agosto de 1948, criticando a «falta de civismo» dos moradores. Apontava, ainda, o facto de neste ribeiro «desaguarem todas as imundices dos canos das águas pluviais, transformados, quase todos, em esgotos das casas sem páteos que por aí enxameiam por toda a parte. Portanto, um perigo sempre iminente para a saúde dos seus habitantes», dizia ainda. Em Fevereiro de 1953, o jornal anunciada a aprovação superior do «auto de recepção definitiva da obra de prolongamento da cobertura
Galeria permitiu crescimento da vila, com a criação de uma avenida, ainda hoje central
do ribeiro dos Amandos, adjudicada ao empreiteiro sr. Armando Nogueira Seco», de Casal, Penacova. «Esta galeria conseguiu fazer o encaminhamento do ribeiro dos Amandos e as entidades públicas aproveitaram a resolução de um problema de saúde pública e fizeram um novo arruamento sobre esta galeria», recorda Luís Paulo Costa, destacando a obra efectuada, que conduziu a EN 342 ao centro da vila. Em Novembro de 1941, A Comarca defendia essa mesma artéria, «a fazer a ligação do Largo dos Amandos ao já populoso Bairro do Sapatinho». Uma via que iria, defendia, «dar um novo e mais suave acesso a esta vila, evitando-se toda aquela subida violenta junto à nossa Igreja Matriz. E não só para isso, senão ainda para se descongestionar um pouco o trânsito das viaturas mecanizadas, que em grande nú-
mero por ali passam a toda a hora, com risco de atropelamento, sempre iminente, dos peões que por aquela artéria têm de circular». Na mesma edição, A Comarca dava conta de uma recente visita do ministro das Obras Públicas, José Frederico Ulrich, que apontava a inclusão, «no plano do próximo ano», da primeira fase da cobertura do ribeiro, e, «no plano do ano imediato, a primeira fase da abertura da avenida». A construção desta galeria e a via que a acompanhou «veio permitir uma nova abordagem urbanística da vila. «É a avenida central de Arganil, que depressa ficou ladeada por vários serviços públicos», afirma o autarca, reconhecendo o contributo fundamental desta obra para, em meados do século passado, imprimir uma nova dinâmica urbanística à sede do concelho.
90 anos com Arganil Avenida Central
Diário de Coimbra
Intervenção “obrigatória” e sem alternativa possível Volvidos praticamente 80 anos, «temos um problema», praticamente «descoberto por acaso». Luís Paulo Costa recorda a candidatura do município ao Programa de Reabilitação Urbana do Espaço Público, que também envolve esta zona. «Por mera circunstância», refere, a Câmara foi alertada para duas ou três situações de «depressões acentuadas» detectadas ao longo da avenida. «Foi aí que “soou a campainha”, que nos fez lembrar que debaixo da avenida existe uma galeria». A avaliação foi encomendada e o resultado revelou-se uma tremenda “dor de cabeça”, pois apontava para «risco de colapso» em várias zonas. Um “alerta vermelho” que levou a autarquia a «condicionar o trânsito e proibir a circulação de pesados». Coube ao Itecons fazer o diagnóstico e propor as soluções. «Em termos finan-
ceiros, para a realidade do município, a obra representa um custo muito significativo», afirma Luís Paulo Costa, apontando para um milhão e 700 mil euros. «É um custo incomportável», considera, muito embora reconheça que não há “plano B” e «a obra tem de ser feita». «Estamos a falar de uma obra que, em termos estruturais, foi efectuada nos anos 40 do século passado pela Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, organismo que corresponderá, hoje, à Agência Portuguesa do Ambiente», enquanto a estrada, construída por cima, foi efectuada pelo que seria, então, a Junta Autónoma das Estradas, embora a via fosse, entretanto, desclassificada e entregue ao município. «Temos uma galeria hidráulica que não foi construída pelo município nem entregue ao município», faz notar, subli-
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nhando a «responsabilidade do Estado» que «não nos pode deixar sozinhos» perante este problema. Por isso, Luís Paulo Costa tem vindo, ao longo do último ano, a falar com os responsáveis pela Secretaria de Estado do Ambiente e também com a Agência Portuguesa do Ambiente, no sentido de ver “luz ao fundo do túnel”. A intervenção a efectuar na galeria hidráulica envolve o reforço da estrutura de base e paredes e substituição da cobertura. «É uma intervenção que tem mais de 900 metros de extensão», refere o edil, esclarecendo que a galeria tem «uma largura de três metros e uma altura de 2,5 metros». «A intervenção vai ter implicações muito significativas na dinâmica social da vila», faz notar, uma vez que envolve toda a avenida central. «Enquanto decorrer não vai ser possível a circulação de veículos e mesmo de pessoas em algumas zonas», alerta desde já Luís Paulo Costa, sublinhando que a obra «é incontornável». É caso para dizer “para grandes males, grandes remédios”.
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Escolas 90 anos com Arganil
Diário de Coimbra
Escola Básica do 2.º e 3.º ciclos foi inaugurada por Santana Lopes, em Janeiro de 2005
CINQUENTENÁRIO DO ENSINO SECUNDÁRIO OFICIAL 1969 Um marco histórico na vida local, que representou uma luta de várias gerações levada a “bom porto”
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oi no ano lectivo de 1969/70 que Arganil acolheu os primeiros estabelecimento de ensino oficial, data que ficou a constituir, inequivocamente, um marco histórico, pelas suas repercussões sociais e materiais. Até então, o ensino estava baseado em duas escolas do Ensino Primário e num Colégio (particular) que facultava a obtenção do então 5.º ano do liceu. As primeiras notícias davam conta da criação (pelo ministro José Hermano Saraiva) de uma Escola do Ciclo Preparatório, que possibilitava a obtenção do que são hoje o 5.º e o 6.º anos. Por falta de condições, a escola, que recebeu o nome de D. Arminda Sanches (homenagem à esposa do ex-presidente da Câmara) foi localizada no velho casarão onde tinha funcionado o Colégio Alves Mendes, tendo como primeiro director
Júlio José Fernandes Costa Reis Torgal, dos quadros do Liceu D. João III, de Coimbra, que em Arganil esteve pouco tempo. Nesse mesmo ano foi criada uma secção da Escola Técnica Avelar Brotero (Coimbra) que foi ocupar, sob a direcção de Alberto Ferreira, parte do quartel-sede dos Bombeiros Voluntários Argus. Com as reformas que, entretanto, sob a
égide do ministro Veiga Simão, foram introduzidas no ensino secundário, a secção de Arganil tornou-se autónoma (1971) com a designação de Escola Técnica de Arganil e, posteriormente, passou a denominar-se Escola Secundária de Arganil. Mas a implantação destes “marcos históricos” não resultou das potencialidades locais (a vila era pobre e afastada do progresso), mas sim da conjugação de boas vontades que constituiriam um autêntico bloco inconformista. Nessa “campanha”encetada para a criação do ensino secundário de Arganil, merece especial referência o papel da Câmara Municipal que, sob a presidência do prof. José Dias Coimbra (assumiu a autarquia em 1968) elegeu esta área como prioritária para a modernização concelhia. Nessa “campanha” ele foi, de forma inequívoca, o comandante de uma força na qual se incluíam, entre outros, João Castanheira Nunes, que fez de A Comarca de Arganil um gigantesco megafone; D. Arminda Sanches (irmã do primeiro-ministro, e mãe do titular da pasta das Obras Públicas, Rui Sanches); Carlos Proença (de Penacova, então director-geral do Ensino Técnico); e Antonino Henriques, director da EscolaAvelar Brotero (Coimbra). A partir de então, o acesso ao ensino secundário deixou de ser privilégio de uns poucos, para se tornar acessível a toda a população.
90 anos com Arganil Escolas
Diário de Coimbra
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Antecedentes de uma luta prolongada
Escola Secundária está a comemorar meio século de funcionamento
Como é sabido foi o Marquês de Pombal que abriu as portas ao ensino público, criando as “escolas menores” ou de “primeiras letras”, assim como o ensino feminino, mas estes benefícios apenas contemplaram algumas (poucas) cidades do litoral. Inserida na zona serrana e pobre do distrito de Coimbra, Arganil (por sorte ou influência de gente poderosa) foi elevada à categoria de sede de Comarca em 1792, razão pela qual rumaram até esta modestíssima vila um rol numeroso de funcionários e magistrados, um dos quais foi o corregedor Manuel Fernandes Tomás, que viria a ser o mentor do movimento liberal de 1820. Esta plêiade de figuras ilustres desejava, naturalmente, para os seus filhos uma melhor (e maior) instrução, mas face às carências locais foi necessário recorrer aos “professores régios” (pessoas com algumas qualificações e seleccionadas pela Universidade de Coimbra) que preparavam os alunos para a admissão aos seminários ou à Universidade.
Assim, há conhecimento de que em Arganil, já em 1810, eram ministradas aulas pelos professores António Joaquim Ribeiro de Campos (latim); Manuel Carvalho da Gama (filosofia, retórica e geometria); e João Manuel de Sousa Tavares (grego e latim). Como “mestres de primeiras letras” existem referências a António Leitão da Costa (Arganil) e João Manuel de Araújo (Pombeiro da Beira). De entre os alunos que frequentavam estas aulas salientem-se o conselheiro José Dias Ferreira (que integrou vários
governos), o historiador Visconde de Sanches de Frias, ou o bispo Manuel Agostinho Barreto. Mas, naturalmente pelo avançar da idade, ou por carência de alunos, este tipo de ensino foi perdendo implantação, pelo que através do tempos foram várias as tentativas para instalação do ensino secundário (colégios), tentativas conduzidas através da Câmara Municipal, ou por iniciativa particular. Assim, conhecem-se as diligências (1915) de formação de um colégio por parte do médico municipal José Antunes Leitão, do padre Manuel Ribeiro Alves, e do prof. Lopes da Costa. Mais tarde, em 1944, um grupo de cidadãos endereçou à Câmara Municipal uma petição, cujo primeiro subscritor era Fernando Valle, e propunha uma parceria no sentido de ser instalado no 2.º piso do edifício construído para Matadouro em 1912 (onde estiveram, posteriormente, a GNR e os Bombeiros) um Instituto que teria como patrono o poeta Simões Dias, e seria dirigido pelo professor José de Almeida Costa. Todavia, a conotação política dos mentores, recebeu, como resposta, um total silêncio. Foi necessário esperar mais quatro anos para ser instalado, pelo dr. Homero Pimentel, o já citado Colégio que, primeiramente, funcionava sob a invocação de N.ª Sr.ª do Mont’Alto, mas que, no ano seguinte, alterou a designação para Externato Alves Mendes. No ano lectivo de 1858/59, este Externato passou a funcionar em edifício próprio construído na Barreira, mantendo-se em funcionamento até 1970, até ser adquirido pelo Estado para receber a Escola do Ciclo Preparatório, que já era então dirigida pela dr.ª Olga Ferreira.
Figuras ilustres radicadas no concelho desejavam uma melhor instrução para os seus filhos. Começava a era dos “professores régios”
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Escolas 90 anos com Arganil
Diário de Coimbra
SECUNDÁRIA: UM PASSO FUNDAMENTAL 1969 A 26 de Outubro assistia-se à primeira aula. Momento comemorado no Agrupamento
Anabela Soares, directora do Agrupamento de Escolas de Arganil
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er o ensino secundário no concelho é extremamente importante. Cria massa crítica, cidadãos mais esclarecidos, que podem fazer mais e melhor pela sua terra. Uma sociedade com mais formação tem uma atitude mais interventiva, uma voz mais activa, cidadãos mais esclarecidos». Palavras de Anabela Soares, directora do Agrupamento de Escolas de Arganil, que está a celebrar meio século do ensino oficial no concelho e também da abertura da Escola Secundária, onde funciona a sede do Agrupamento. No entender da docente, o ensino secundário é, também, fundamental para cimentar os laços afectivos à terra. «Se os alunos saírem daqui no 9.º ano, isso já não acontece tanto», diz, sublinhando o facto de Arganil ter antigos alunos espalhados por todo o mundo, mas especialmente na Europa, «muito bem sucedidos» que regressam a “casa”, ao concelho, à escola, e partilham a sua história de vida. Uma experiência diferenciada, permitida pela iniciativa “Ontem e hoje na ESA”. «Há 50 anos poucas terras se podiam gabar de ter ensino secundário», diz, com orgulho, destacando o pioneirismo do concelho e o esforço de um conjunto de personalidades para tornar real esta “ferramenta” fundamental para a formação de cidadãos críticos e esclarecidos, que possam potenciar o desenvolvimento do ter-
ritório. Todavia, ainda há, em pleno século XXI, sublinha, «muitas pessoas que não concluíram o ensino obrigatório», pelas mais variadas ordens de razões. Por isso destaca a importância do Centro Qualifica, que funciona na escola e que permite garantir formação e validar competências a adultos. Crítica, apaixonada pelo ensino, Anabela Soares faz notar, igualmente, a necessidade de reflectir nas razões que ditam, ainda hoje, esse abandono da escola, com o objectivo de encontrar novos caminhos para o próprio ensino. Actualmente com 1.248 alunos e 150 professores, o Agrupamento de Escolas de Arganil envolve um total de nove escolas e, além do Centro Qualifica (400 alunos) tem uma aposta forte no ensino profissional e também no ensino artístico, este instalado há cerca de três anos, numa parceria com o Conservatório de Música de Coimbra. Aos alunos, Anabela Soares pede empenho na aprendizagem e na assumpção de valores. E assume o desejo que a passagem pela escola represente «boas memórias» para o futuro. Experiências positivas que gostaria que os alunos transmitissem aos seus descendendes, incutindo-lhes «o gosto pela escola» e «o prazer de aprender». As comemorações dos 50 anos começaram dia 26 de Outubro de 2019, com uma cerimónia em cada uma das escolas. «Recordámos a primeira lição», refere. E houve
bolo. O programa das comemorações vai continuar este ano e a directora destaca que também as iniciativas para assinalar o Carnaval vão incidir no cinquentenário. A Feira do Livro e a Semana da Leitura também vão destacar os 50 anos, com um convite alargado aos antigos alunos. «Estamos a recolher livros antigos e cadernos, material pedagógico, para fazer uma exposição, no final de Maio», adianta Anabela Soares. Também em Maio, vai ser lançado um vídeo sobre a história da escola. O objectivo, explica, é reunir os depoimentos das «principais pessoas que foram responsáveis por este projecto». Sem ser exaustiva, Anabela Soares aponta Alberto Ferreira (falecido) e os professores Dias Coimbra (provedor da Misericórdia), António Pereira Alves, Júlio Marques e Luís Filipe. «As pessoas são determinantes em tudo», afirma a directora, que faz questão que este projecto envolva também os chefes de secretaria, encarregados operacionais, entre outros, «pessoas fundamentais que estiveram na génese da escola».
Requalificação: o melhor presente dos 50 anos A requalificação da Escola Secundária é uma prioridade, mas parece estar num “beco sem saída”. «É urgente», afirma Anabela Soares, lembrando o compromisso assumido por uma antiga secretária de Estado, mas que acabou por não dar em nada. «O quadro comunitário 2020 está a acabar», adverte, reiterando a necessidade de as obras de requalificação da Secundária «entrarem no mapeamento para haver intervenção». A rede eléctrica representa a maior “dor de cabeça”, particularmente tendo em conta as crescentes exigências em termos tecnológicos. «Não temos uma rede eléctrica capaz», afirma a directora. O telhado e o pavilhão gimnodesportivo são outros dos “pontos fracos” a merecerem atenção urgente. «Temos feito o que podemos, mas os nossos alunos merecem mais», diz Anabela Soares, que não tem dúvidas em afirmar que as obras de requalificação seriam «o melhor presente de aniversário».
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90 anos com Arganil Capela de S. Pedro
CAPELA DE SÃO PEDRO: MONUMENTO NACIONAL
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o único monumento nacional do concelho de Arganil. 17 de Agosto de 1931 foi a data do decreto n.º 20 249, assinado pelo ministro da Instrução Pública, publicado na série n.º 196 do Diário do Governo de 24 de Agosto. “Hei por bem decretar que seja classificada de monumento nacional a igreja de S. Pedro de Arganil, por ser excelente exemplar de estilo ogival primitivo em Portugal”, reza o documento lavrado pela Direcção Geral do Ensino Superior e das Belas Artes do Ministério da Instrução Pública. Um monumento cuja construção, nos finais do século XIII, se deve a D. Marinha Afonso e a D. Fernando Rodrigues Redondo, senhores de Arganil, durante o reinado de D. Dinis, que pretendiam ali ser sepultados, o que não viria a acontecer.
Capela foi requalificada em 2019
Um ícone do património do concelho que sofreu as agruras do tempo. Com efeito, a Igreja-Capela Sepulcral de S. Pedro praticamente chegou à ruína, sendo salva pela
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intervenção de Ventura da Câmara, uma figura de revelo na sociedade arganilense dos finais do século XIX e primeira metade do século XX. A segunda intervenção, visando a reabilitação e beneficiação do monumento, foi concluída em 2019, no quadro de um protocolo de colaboração entre a Câmara Municipal de Arganil e a Direcção Regional de Cultura do Centro, que representou um investimento de 130 mil euros. Pretende-se «dar outra visibilidade e utilização à capela, permitindo que seja visitada por todos os interessados», afirmou, na cerimónia de inauguração das obras – 16 de Junho de 2019 – o presidente do município. Luís Paulo Costa destacou o carácter «especial» e o «grande significado» do monumento para Arganil, localizado à entrada da vila, que se assume como o «primeiro cartão-de-visita do concelho». Suzana Menezes, directora regional da Cultura do Centro, destacou a «grande relevância histórica, patrimonial e arquitectónica» do monumento, que classificou como «um dos raros exemplares de arquitectura gótica provincial primitiva».
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Bombeiros 90 anos com Arganil
BOMBEIROS: SERVIÇO DE INTERESSE PÚBLICO 1934 Sensibilidades diferentes “falaram” em sintonia e rivalidades foram postas de lado. A união esteve na origem dos Bombeiros Voluntários Argus, de Arganil
Meios humanos estão garantidos. Menos linear é a resposta para adquirir viaturas
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ernando Valle assumiu a presidência da direcção e Ventura da Câmara presidia à Mesa da Assembleia. Duas figuras de relevo que, juntamente com outras personalidades ilustres do concelho, se empenharam em “fazer nascer” os Bombeiros de Arganil. Corria o ano de 1934, recorda Pedro Pereira Alves, actual presidente da direcção, sublinhando os cuidados acrescidos que foram tomados, tendo em conta uma primeira tentativa, aquando da 1.ª República, que não resultou. «Pessoas de sensibilidades diferentes», «rivalidades» mesmo que se juntaram por esta causa, que envolveu a Sociedade Recreativa Argus como plataforma de ancoragem.AAssociação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Argus, de Arganil, veria a luz do dia a 28 de Novembro de 1934. João Castanheira Nunes, director de A
Comarca de Arganil e comandante dos Bombeiros, foi, de acordo com Pedro Pereira Alves, uma figura incontornável na história da associação, que «fez muito por Arganil e pelos bombeiros», ou Eduardo Ventura, «comandante durante mais de 30 anos» (recentemente falecido). Relativamente à construção do quartel, inaugurado em Julho de 1960, Pereira Alves destaca o papel do comendador Saúl Brandão, um «dos pilares da economia da Beira, Moçambique» e «um grande amigo dos bombeiros», cujo palacete, construído junto ao quartel, foi adquirido pela associação, há dois anos, para dar resposta às necessidades de ajustamento de espaço. «Diálogo» e «respeito» são as palavras-chave de Pedro Pereira Alves no relacionamento com o comando, e enfatiza a «grande competência» e «profundo conhecimento» do comandante, Nuno Costa,
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e também do segundo comandante Nuno Teixeira. Destaca os 24 novos elementos, provenientes da escola de formação, que o levam a concluir que «não há crise de voluntariado» e elogia a «vontade dos rapazes e raparigas abraçarem esta causa». Os bombeiros, sublinha, representam «uma escola de vida e de valores, uma escola humanitária» e a «juventude começa a despertar para esta causa». Entende, todavia, que será necessário «conciliar o voluntariado com o profissionalismo na protecção civil», tendo em conta que «os riscos são cada vez maiores» e, como tal, é necessário ter «profissionais disponíveis e com grande capacidade técnica para intervir». O corpo activo, com 75 elementos, dá garantias de estabilidade e, sobretudo, demonstra «vontade de fazer mais e melhor». Relativamente a viaturas, ao nível do transporte de doentes «estamos devidamente equipados», mas o mesmo não se pode dizer no combate a incêndios. «Arganil não pode ser penalizado por ser – tirando a Pampilhosa da Serra – o único concelho do PSD na Beira Serra», afirma, destacando a sua «independência» em termos partidários, mas manifestando a sua indignação por ver Arganil descriminado relativamente a outros concelhos em termos de Protecção Civil. «O carro mais novo, oferecido por uma empresa, é um semi-reboque, que tem seis/sete anos», afirma, referindo as adaptações que os bombeiros fizeram, para transformar esta viatura num apoio de retaguarda. Já para a frente de fogo, destaca a compra, a expensas próprias, de uma carrinha para primeira intervenção, sem qualquer apoio, «nem do Estado, nem da Câmara» e a necessidade de uma segunda. Pedro Pereira Alves queixa-se, ainda, do aumento dos custos, desde o preço das viaturas, combustível, consumíveis, seguro, salários, que oneraram o orçamento da associação, particularmente no que concerne ao transporte de doentes, que continua a ser pago ao mesmo preço. «Já alertei a Liga», refere. «Os bombeiros prestam um serviço de interesse público, na sua vertente mais delicada, que são as pessoas», faz notar, lembrando os atrasos de quatro meses no pagamento, por parte da tutela, que representa «mais de 100 mil euros», um valor significativo para a instituição.
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90 anos com Arganil Bombeiros
BOMBEIROS DE COJA: UM EXEMPLO DE ABNEGAÇÃO 1963 Comunidade mobilizou-se para criar uma instituição que garantisse a protecção e socorro de pessoas e bens, oficialmente constituída em 25 de Janeiro de 1963
Profissionalização crescente foi o caminho escolhido para garantir resposta eficaz
O
incêndio numa habitação, motivado por um ferro de engomar, foi o incidente próximo que levou à constituição da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Coja. Houve outros acidentes antes, mas este foi decisivo, afirma o presidente da direcção, Paulo Silva. Já lá vão 60 anos. «A população juntou-se para combater o incêndio» e essa mesma união levou «um grupo de homens e mulheres» a empenharem-se na criação de uma corporação de bombeiros, que garantisse a protecção e o socorro de pessoas e bens. Um processo moroso, que começou em 1960 e só viu a “luz do dia” a 25 de Janeiro de 1963, data oficial do aniversário dos Bombeiros de Coja. Uma comissão instaladora assumiu a tarefa de criar a associação, mas a censura
não facilitava e foi mesmo necessário “contornar as coisas”, «aproveitando as férias do ministro da tutela para, através do governante substituto, conseguir a aprovação dos estatutos», recorda. Na origem, há 57 anos, eram poucos os operacionais, mas neste momento «temos uma equipa de voluntários, mas profissionais, de 57 activos, dos quais 21 estão a tempo inteiro, são funcionários da associação», explica Paulo Silva. Esta foi a “resposta” encontrada pela direcção dos Bombeiros Voluntários de Coja, adianta, recordando que «nos anos 60 havia várias indústrias, particularmente cerâmicas, em Coja e quando o sino tocava, disponibilizavam os seus homens, que formavam as equipas de intervenção». Neste momento, «a indústria é residual» e «tínhamos dois caminhos: ou a associação se
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extinguia, por falta de recursos ou caminhávamos para a profissionalização», o que significa garantir serviço 24 horas por dia, sete dias por semana. Uma «solução acertada», mas que não deixa de representar «alguns constrangimentos, sobretudo em termos financeiros, pois as nossas receitas são finitas», mas «vamos conseguindo, «com uma gestão profissional», feita ao “cêntimo”. Há 57 anos, na origem, os Bombeiros de Coja tinham dois carros de combate a incêndios e uma ambulância. Um número que cresceu exponencialmente, contabilizando-se, hoje em dia, três ambulâncias de socorro, seis de transporte múltiplo e três de transporte não urgente, a que soma 13 viaturas operacionais de combate a incêndios, prevenção e transporte de água. «Para o universo dos nossos operacionais, chegam, o problema é a necessidade de substituição», sublinha o presidente, apontando um «investimento anual na ordem dos 100 mil euros» exclusivamente para a renovação da frota de ambulâncias. A “família” dos Bombeiros de Coja reúne actualmente cerca de uma centena de elementos, entre quadro activo, de reserva e quadro de honra, com Hugo Correia ao comando. Se uma tragédia, sem vítimas, está na origem da sua criação, guarda, também, outras memórias trágicas na sua história. Paulo Silva recorda o ano “negro” de 2012, altura em que morreram dois bombeiros – Pedro e Patrícia – quando combatiam um incêndio em Barril deAlva. «Foram dois dedicados operacionais, um homem e uma mulher, que foram salvar a vida de outros e perderam a vida. Eternamente vão ficar na memória desta instituição e é também em prol deles e dos fundadores da nossa associação que pretendemos adquirir um edifício para futuro museu, para perpetuar a nossa história», refere o presidente da direcção. «Foi difícil ultrapassar esta situação», confessa e, cinco anos depois, em 2017, abate-se nova catástrofe, desta feita em toda a região, com mais um incêndio dantesco. «Lembrou-nos o que aconteceu em 2012, mas aqui não perdemos vidas». Todavia, Paulo Silva faz notar que três bombeiros dos Voluntários de Coja «perderam as suas casas» e «um deles uma unidade industrial» enquanto «socorriam os outros». Um registo que, sublinha, demonstra uma «total abnegação» e define o espírito dos bombeiros.
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Futebol 90 anos com Arganil
O PRIMEIRO JOGO DE FUTEBOL EM COJA 1935 Alberto Pimenta, estrela da Académica, foi o “responsável” pelo surgimento do Clube Desportivo Cojense
Equipa da Académica que venceu a Taça de Portugal em 1939 Em cima: Faustino, Abreu, Tibério, Zé Maria, Peseta, Octaviano, Portugal, Albano Paulo (treinador), César Machado e Marques (massagista). Em baixo: Manuel da Costa, Alberto Gomes, António Carneiro, Nini e Pimenta
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uando o “football” começou a penetrar no interior beirão, o panorama das insuficiências não era diferente entre Arganil e Coja, muito embora nesta antiga vila existam casas brasonadas (em contraste com a maioria do concelho), o que indiciava a existência de abastados proprietários que estavam em contacto com as principais cidades, nomeadamente Coimbra. Todavia, não foi essa classe social que propiciou o aparecimento do “football” em Coja, mas sim os jovens oriundos de uma média-alta burguesia que procurava dar sinais da sua afirmação. Deste modo não surpreende que em Agosto de 1934, o Jornal de Arganil noticiasse que a Sociedade de Assistência Cojense (com sede em Lisboa) organizara um piquenique na Quinta D. Ana, no Seixal, o qual incluíra um jogo de futebol entre solteiros e casados, no campo do Grupo Desportivo Seixalense, contíguo à referida Quinta. Entretanto, os jornais concelhios (A Comarca de Arganil e Jornal de Arganil ) iam
dando conta de movimentações, normalmente conduzidas por “jovens académicos” com vista à construção de campos de jogos, dado que o que viria a ser apelidado de “peladas”, ou sejam os jogos disputados entre pequenos grupos, espontaneamente organizados, decorriam em simples largos, ou até na própria via pública.
Clube Desportivo Cojense Pouco se sabe sobre a organização do Clube Desportivo Cojense, colectividade que em 1935 já praticava o futebol e o atletismo, e cuja existência, funcionou como o primeiro sinal do associativismo local. Foi o Jornal de Arganil (na edição de 19/9/1935) o primeiro a dar conta do acontecimento numa notícia com o seguinte título.”Inauguração de um campo de jogos em Coja”. No corpo da notícia era dito: “No passado domingo, realizou-se em Coja a inauguração dum campo de jogos, construído por iniciativa de um grupo de académicos daquela vila, que encontraram o
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melhor auxílio por parte dos seus conterrâneos. “No campo, que fica situado na Meda da Carriça, efectuou-se um desafio de football entre grupos de Coja e Oliveira do Hospital, sendo o resultado de 9-0 a favor de Coja. Ao desafio, que decorreu com entusiasmo e animação, assistiram a Filarmónica Pátria Nova e grande número de pessoas, sendo no final feito um peditório para auxiliar as despesas com a preparação do campo (…) Louvamos a iniciativa dos rapazes de Coja, fazendo votos para que os de Arganil o tomem como exemplo, de forma a que seja em breve concluído o campo de jogos há tempo principiado na mata do Hospital”. A formação do Clube Desportivo Cojense, que teve a sua sede na Rua Conselheiro Albino de Figueiredo (onde existiu depois uma alfaiataria) ficou a dever-se em grande parte ao talento de Alberto Pimenta, que jogava na Associação Académica de Coimbra (fez parte da equipa que ganhou a Taça de Portugal de 1939) e que na ocasião era professor do ensino primário no concelho de Santa Comba Dão. Aliás, o segundo jogo do Clube Desportivo Cojense foi disputado em 29/9/1935, precisamente contra o Clube Desportivo de Santa Comba Dão, tendo os locais vencido por 7-2.
Grupo Desportivo Argus No que diz respeito à sede do concelho, inicialmente, “davam pontapés na bola” num local da periferia, chamado Sobreiral, ou no Paço Grande, e a concretização do sonho de um clube começou a vislumbrar-se com a revitalização da inactiva Sociedade Recreativa Argus (1933), embrião da Associação do Bombeiros Voluntários Argus, de onde sairia o Grupo Desportivo Argus. Foi então construído um campo de jogos num espaço da mata do Hospital da Misericórdia, inaugurado em 30 de Agosto de 1936, com um programa que incluiu provas de atletismo entre praticantes do Clube Desportivo Cojense e do Grupo Desportivo Argus, e um jogo de futebol que opôs a equipa local à União Desportiva Lousanense, partida que terminou com a vitória dos visitantes por 0-4. Este campo de jogos de Arganil viria, posteriormente, a receber o nome de um dos seus mentores, o advogado Eduardo Ralha.
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Casa da Comarca 90 anos com Arganil
Casa da Comarca continua a manter viva a chama do regionalismo
CASA DA COMARCA: UMA REFERÊNCIA 1929 Foi porto de abrigo dos arganilenses na grande diáspora e também um motor de progresso que tirou as aldeias do concelho da Idade Média
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asceu como Grémio Regionalista da Comarca de Arganil, mas depressa o nome Casa da Comarca de Arganil se afirmou e manteve, até hoje. Os objectivos, esses mudaram ligeiramente, mas sempre com o “Norte” apontado à ajuda ao próximo. Na capital, onde está implantada, ou em qualquer aldeia do concelho de Arganil. Fundada a 8 de Dezembro de 1929, «a Casa da Comarca de Arganil foi criada para dar apoio às pessoas que, na altura, vinham para Lisboa». Foi a grande diáspora, que envolveu o concelho de Arganil, mas também de Góis, da Pampilhosa da Serra e de Tábua. «Garantia apoio médico e tudo o que era necessário para estes migrantes», recorda Carlos Luís, actual presidente da direcção, lembrando que, na altura «havia falta de tudo» nas aldeias da Beira Serra. Natural de Adecasal, freguesia de Celavisa,
Carlos Luís recorda a sua própria experiência, numa aldeia «totalmente isolada», onde «não havia água, luz, estradas». A Casa da Comarca «foi uma âncora de apoio para estas pessoas», sublinha. O posto médico foi criado pelo comendador José Lopes Ferreira, de Pombeiro da Beira, e garantia, através de médicos conterrâneos, consultas a quem precisava. Igualmente ali funcionou uma escola oficial, nocturna, além de uma sala de espectáculos, onde as colectividades faziam os seus convívios e festas e teve inclusivamente uma equipa de futebol. Mas a Casa da Comarca também foi o epicentro de muito apoio que, a partir dali, chegou a toda a Beira Serra, dando um contributo fundamental para «tirar estas aldeias da Idade Média». Significa que, se numa primeira fase precisaram de ajuda, sentiram, depois, o desejo de ajudar e de
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protagonizar a mudança. «Juntavam dinheiro e pressionavam o Governo» para a realização de obras. Fosse abrir ou alcatroar estradas, construir fontanários, levar a luz eléctrica ou erguer uma escola. «Muitas obras foram feitas com uma verba do Estado e outro tanto angariado pelas comissões, com festas organizadas na Casa da Comarca de Arganil», refere o presidente, recordando um leilão, na década de 60, que «rendeu cinco mil contos». «Era muito dinheiro», faz notar, destacando as «cerca de 180 colectividades da Comarca fundadas em Lisboa», das quais «mais de 70» eram do concelho de Arganil. Entretanto, os municípios de Pampilhosa da Serra (1940) e de Góis (1954) criaram as suas próprias casas do concelho, mas a Casa da Comarca de Arganil manteve a sua designação e continuou a afirmar-se como «um território de Arganil e dos arganilenses». Após o 25 de Abril, muitas das comissões e ligas deixaram de ter a actividade intensa de melhoramento e, inclusivamente, «muitas passaram a sua sede para as aldeias». Também mudou o registo de intervenção. Satisfeitas as necessidades básicas, começaram a dinamizar mais as áreas da cultura e do desporto, refere Carlos Luís. Instalada na Rua da Fé, a Casa da Comarca adquiriu, há 30 anos, o prédio e hoje alguns dos espaços estão arrendados, contribuindo para a sua sustentabilidade. Acolhe o Rancho Folclórico da Ribeira de Celavisa, prestes a completar 40 anos, e disponibiliza o seu espaço, «por preços simbólicos», para festas e reuniões e também organiza eventos, festas e espectáculos, além de participar em iniciativas das juntas de freguesia ou da Câmara de Lisboa, levando e promovendo os «produtos de Arganil». Um papel de verdadeira embaixadora, que «dá a conhecer Arganil e os seus produtos». «A Casa da Comarca foi e é a casa-forte do regionalismo e está sempre à disposição para apoiar as ligas e comissões que ainda têm actividade», sublinha A Casa da Comarca foi agraciada pela Câmara Municipal de Arganil com a Medalha de Ouro do Município, entregue a 8 de Dezembro de 2019, nas comemorações dos 90 anos. «Um marco histórico», considera o presidente, sublinhando o «reconhecimento de todo o trabalho feito, por esta e por todas as direcções, desde a sua fundação».
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Regionalismo 90 anos com Arganil
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Obra foi inaugurada em Agosto de 1908 e comissão extinguiu-se. Mas ficou a semente
REGIONALISMO OU O AMOR À TERRA NATAL 1905 Comissão para levar água ao Santuário de Mont’Alto foi a primeira manifestação deste fenómeno ímpar
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difícil explicar» este «fenómeno» singular a que se deu o nome de regionalismo, confessa Carlos Luís, presidente da direcção da Casa da Comarca de Arganil, reconhecendo a especificidade deste sentimento e deste movimento, que ganhou especial dimensão no concelho de Arganil, mas também na Pampilhosa da Serra e em Góis. «As pessoas vinham para Lisboa, mas nunca deixaram de olhar para e pelas suas terras». «Se me meti num rancho e na Casa da Comarca foi porque segui as pisadas dessa gente», assume. E recorda as memórias de infância, quando, com 7 ou 8 anos, “ajudava”os moradores da aldeia, radicados em Lisboa, na viagem de regresso a casa. «Tudo a pé», refere, lembrando a viagem até à Senhora da Boa Viagem, onde parava a carreira e desciam os visitantes. O resto da viagem
até Adecasal, Celavisa, era feito a pé. «Íamos sempre buscá-los e ajudá-los a levar as coisas». Também foram essas pessoas que, com uma «vida melhor em Lisboa», procuravam «ajudar a sua terra» e as «suas gentes». Carlos Luís, hoje com 63 anos, também rumou para Lisboa, seguindo o exemplo de muitos milhares de conterrâneos. Tinha 14 anos. «Comecei a ir para a Casa da Comarca e nunca mais de lá saí», conta, sublinhando que este é o «segredo do regionalismo», este sentimento de pertença, misturado com solidariedade e condimentado com um imenso amor ao torrão natal. Um fenómeno que alimentou muitas centenas de subscrições e permitiu transformar as aldeias da Beira Serra, fazendo chegar a água, a energia eléctrica, as estradas... Carlos Luís começou a trabalhar num
restaurante, em Lisboa, onde lavava pratos. Depois de cumprido o serviço militar, com outros três sócios, todos igualmente de Arganil, abriu o seu próprio restaurante, “Casa da Índia”, que mantém aberto. «Mantemos sempre a ligação à nossa terra», diz, e é este «amor à sua terra» que, em seu entender, define o sentido mais profundo do regionalismo. «Nunca esquecemos a nossa terra e queremos regressar um dia», remata. «A questão do regionalismo, que se veio a confundir com o associativismo popular, é oriunda de França, onde no século XIX, por força do centralismo dos códigos napoleónicos, as regiões perderam as suas autonomias o que gerou um movimento no sentido de serem criadas Casas Regionais em Paris, de modo a manterem-se as culturas locais», explica o jornalista A. Quaresma Ventura. Este exemplo «entrou em Portugal com a República, razão pela qual, em 1905, foi instalada a Casa da Trás-os-Montes e Alto Douro; em 1912 foi fundada a Liga Alentejana (Casa do Alentejo); e em 1915 o Grémio Beirão (Casa das Beiras, da Beira Alta)». O «fervor bairrístico», característico deste «associativismo da diáspora» que ditou o «fim da Idade Média na chamada Beira
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Serra» teve, faz notar, um primeiro momento de afirmação, emArganil, com a constituição, em 1905, de uma comissão destinada a angariar fundos para levar a água ao Santuário de Mont’ Alto, obra inaugurada a 14 de Agosto de 1908 «A comissão deu por terminada a sua missão», mas estava lançado o “fermento” deste movimento. Em finais de 1915 é constituída a Comissão de Melhoramentos de Folques, «que «tinha como principais objectivos o abastecimento de água, o calcetamento das ruas e a sua iluminação com candeeiros a petróleo». O surto de “febre pneumónica”, entre 1917 e 1918, levaria os mentores da comissão, liderada por José Ricardo da Costa, a «desviar os planos iniciais, colocando o enfoque numa obra assistencial, que incluiu a construção de uma Casa de Caridade, onde viria a ser instalada uma Cantina Escolar, um Posto Médico, Balneários Públicos e uma enfermaria. Este «exemplo de associativismo popular» viria ainda a dar origem, em 1920, segundo A. Quaresma Ventura, à Sociedade de Melhoramentos de Pomares, «a mais antiga em actividade».
90 anos com Arganil Regionalismo
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Reunião na Casa das Beiras «A ideia de concretizar um movimento regionalista na área da Comarca de Arganil começou a germinar em 1928, quando nas colunas de A Comarca de Arganil, em 1928, foi publicado um artigo da autoria de José Maria Alves Caetano (pai de Marcelo Caetano), dando sequência a doutrinas já expandidas em 1926, defendendo este tipo de organização, como forma combater o que ele considerava como «os desmandos da 1.ª República». «As suas teses foram bem acolhidas pelas elites, que efectuaram, em 8 de Dezembro de 1929, na então sede da Casa das Beiras (actual sede da Casa da Comarca de Arganil), uma reunião orientada por José Maria Dias Ferrão (de Poiares, mas ligado a Pombeiro
da Beira), Alfredo Simões Travassos (Góis) e Artur Neves (Pampilhosa da Serra)». Foi proposta uma lista para os corpos directivos do Grémio Regionalista da Comarca de Arganil, formada por José Maria Dias Ferrão (presidente da Assembleia Geral), Ramos Leitão (vice-presidente), Cipriano Nunes Barata e José Caldeira de Oliveira (secretários). Alfredo Simões Travassos presidiu à direcção, Jaime Duarte Nogueira era vice-presidente e António Ferreira Marques e Manuel Pereira Ramos os secretários. O Conselho Fiscal integrava Júlio da Cruz Neves, António Correia de Aguiar e Augusto Abranches de Figueiredo. Nascia, assim, o Grémio Regionalista da Comarca e Arganil.
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Linha férrea 90 anos com Arganil
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COMBOIOS NUNCA CHEGARAM 1931 Projectos foram discutidos e aprovados, mas houve sempre um “se”, em torno da questão da “bitola”, que adiou “sine die” o caminho-de-ferro
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e alteração em alteração, com muitos estudos e considerações, a verdade é que o projecto para levar o caminho-de-ferro até Arganil ficou pelo caminho. O Ramal de Coimbra, inaugurado pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses em Outubro de 1885 e prolongado até à Lousã em Dezembro de 1906, ainda chegou, em 10 de Agosto de 1930, a Serpins. E daí não passou, embora fossem escavados túneis e criada parte da plataforma para receber os carris. Mas nunca o comboio lá chegou. Um processo longo e complexo, cheio de passos à frente e passos atrás. Na década de 1870 surgia um projecto para um caminho-de-ferro «entre Coimbra e Arganil, servindo a Lousã», passagem obrigatória, tendo em conta a importante unidade industrial do papel do Prado. Os direitos de construção e gestão foram atribuídos à Companhia do Caminho de Ferro do Mondego, e pelos alvarás régios de 10 de Setembro de 1887 e 8 de Novembro de 1888, ficou firmada a bitola de um metro, alterada, pelo segundo, para 1,67 metros. Começava a “guerra das bitolas” que decretou o fim da linha… Os diplomas ditavam que a linha «deveria estar totalmente construída dois anos após a aprovação do projecto». A companhia foi formada em Novembro de 1888 e o projecto aprovado por portaria de 11 de Janeiro de 1889. A alteração da bitola começou a gerar críticas e, em 1889, foi assinada a escritura entre a Companhia do Mondego e Eugène Berioau para a construção da linha. Mas a Companhia do Mondego acabaria por entrar em falência e foi a Companhia Real que, em Novembro de 1904, assumiu a construção e a gestão da linha, até à Lousã. Em 1907 foi classificada a Rede Complementar do Centro, na qual se incluía uma linha de via estreita, de Arganil a Santa Comba Dão. O decreto 18:190 define que a Linha de Arganil ligaria a Estação de Coimbra B a Santa Comba Dão, passando por Miranda do Corvo, Lousã, Góis, Arganil e Espariz. Nesta localidade partiria a Linha de Gouveia, que deveria terminar em Viseu, com estações em Torrozelo, São Romão,
que estava a estudar o assunto, Mas também afiançou que a «construção não seria para já possível, devido à«magnitude da obra», «superior aos recursos do Fundo Especial de Caminhos de Ferro».
Reparos e recados de António Garcez
Diário de Coimbra fazia eco do impasse em Fevereiro de 1931
Seia, Gouveia e Mangualde. Um decreto do Ministério do Comércio e Comunicações, de Junho de 1923, concede à Companhia do Caminho de Ferro do Mondego uma garantia de juro de 7% para construir o Caminho de Ferro da Lousã a Arganil. A exploração, de acordo com o documento, ficaria entregue à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. A empreitada contemplava duas “secções”, entre a estação da Lousã e a margem esquerda do rio Ceira, e daqui até Arganil. Todavia, «o elevado custo» de construção em via larga, «superior aos recursos disponíveis não permitiu que a linha chegasse a Góis, até 1926». Seguia-se uma longa polémica sobre a alteração da bitola, que ganha contornos mais expressivos na década de 40, face a uma Europa em guerra e a necessidade de garantir a defesa do país. Em Abril de 1931 foi formada uma comissão para decidir o tipo de bitola a usar e no ano seguinte uma delegação, que integrava representantes das autarquias de Arganil, Góis, Oliveira do Hospital, Santa Comba Dão e Tábua era recebida pelo ministro do comércio, Antunes Guimarães. «Requisitando» a continuação da linha até Arganil, pediam, igualmente, que se chegasse a uma conclusão sobre a bitola. O governante comprometeu-se a «recomendar a maior urgência à comissão técnica»
Numa entrevista publicada no Diário de Coimbra de 10 de Fevereiro de 1931,António Garcez, relator da comissão destinada a estudar o «assunto e pedir ao sr. ministro do Comércio para que, quanto antes, se comecem os respectivos trabalhos», dava conta da indefinição e do «conflito de ideias» em torno da escolha da bitola, que levou o ministro a «suspender quaisquer trabalhos até que uma outra comissão (...) se pronuncie em última instância». Instado a dar a sua opinião pessoal, António Garcez acabaria por denunciar algum cepticismo. «Hoje o caminho de ferro se não é uma coisa anacrónica, como muitos afirmam, é pelo menos uma coisa muito cara, extremamente cara e que tantas vezes não compensa os gastos do seu estabelecimento», dizia na “Entrevista do Dia”. «A solução nacional do problema das comunicações não está no caminho de ferro, nem no automóvel vulgar. Está sim no automóvel com o gazogenio, que lhe permite utilizar, valorizando-as, o grande potencial de energia que são as nossas matas e as nossas florestas». Mas ainda sobre o caminho de ferro de Arganil defendia: «melhor que o plano da comissão revisora é o que se decretou em 1922. O que se deve pedir ao ministro é que ponha novamente em vigor o que então foi legislado e que, concedendo garantia de juro à Companhia do Mondego, permitia a esta a rápida conclusão desse caminho de ferro, levando-o por Tábua, a Santa Comba Dão, onde entroncaria com o da Nacional». «É o que o ministro, se tiver a visão firme do interesse nacional e pondo de lado tantas comissões que só protelam os assuntos e nada resolvem, deve quando antes decretar», conclui António Garcez. Mas não foi isso que aconteceu e a questão acabou mesmo “na gaveta”, com o caminho-de-ferro a ficar “pelo caminho”.
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90 anos com Arganil Ficabeira
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Diário de Coimbra dedicou um suplemento especial à primeira edição do certame
FEIRA COMERCIAL E INDUSTRIAL 1981 Centenária Feira de Mont’Alto ganha nova dinâmica e atractivos
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secular feira e romaria de Mont’Alto apresenta-se renovada e virada para o futuro em 1981, com a primeira edição da Feira Industrial e Comercial e Arganil “Mont’ Alto 81”. Uma viragem na história, com a criação de um certame que, de então para cá, tem procurado dar visibilidade à dinâmica do tecido empresarial do concelho, destacando, igualmente, as suas marcas diferenciadoras, também em termos culturais e associativos. «Estão representadas cerca de 40 empresas, ligadas ao mais diversos sectores da actividade económica: metalomecânica, equipamento solar, cerâmica, alimentação, mobiliário doméstico e de escritório, maquinaria agrícola e industrial, têxteis e confecções, serviços bancários, etc.», escrevia o Diário de Coimbra a 7 de Setembro de 1981, sobre a inauguração da feira, destacando a «adesão notável» do público ao evento nos dois primeiros dias. Coube a Carlos Encarnação inaugurar o
certame, naquele que foi o seu último acto público como governador civil de Coimbra, uma vez que se preparava para tomar posse como secretário de Estado da Administração Interna. Elogiando a Feira Comercial e Industrial de Arganil, o representante do Governo afirmou que o certame lhe permitiu «reforçar a convicção de que o concelho de Arganil reúne todos os requisitos necessários para poder aspirar a vir a ser, a médio prazo, um importante
pólo de dinamização empresarial». O Diário de Coimbra assinalou a estreia do certame, inaugurado dia 5 de Setembro, com a publicação de um suplemento especial dedicado ao concelho. «Embora saibamos das dificuldades que nos esperam para implementar e consolidar este certame, estamos plenamente convencidos que a “Mont’Alto 81” vingará e dentro de poucos anos há-de caminhar por si próprio», dizia o professor Dias Coimbra, presidente da Câmara Municipal de Arganil, na entrevista ao nosso jornal. «Ao propormos à Misericórdia de Arganil a renovação do secular certame, fazêmo-lo convictos de que estamos a contribuir decisivamente para a promoção e divulgação dos valores sociais, económicos e culturais deste concelho. Por isso apostamos seriamente nesta “Molt’Alto 81”, que pode ficar como prelúdio de futuras outras grandes exposições/feiras a realizar em Arganil», disse ainda ao Diário de Coimbra o presidente da Câmara Municipal de Arganil.
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Empresas 90 anos com Arganil
Empresa foi pioneira no mundos dos painéis solares, mas também noutras áreas
GRUPO SOLARGUS LEVA LONGE O NOME DE ARGANIL 1974 Painéis solares revolucionaram o mercado energético. Uma obra ímpar de um empresário de visão, empreendedor nato: Alberto Cruz
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oncluída a 4.ª classe,Alberto Cruz começou a trabalhar na serralharia do Sr. Abel Caldeira. Foi o primeiro passo para o nascer de um grande empresário. «Um homem de visão», um verdadeiro empreendedor no sentido mais perfeito do termo. Mas também um “self made man” que levou longe o nome de Arganil. «O meu pai foi um herói», diz a filha, Regina Cruz, que lhe herdou a garra, a persistência e o espírito inovador. É ela, hoje em dia, que juntamente com o marido, Armando Ferreira, e os dois filhos, Armando e Alberto, continuam a manter em alta um grupo de empresas e, sobretudo, uma marca que conquistou o mundo, a Solargus. O trabalho, a dedicação, mas também o espírito empreendedor fazem parte doADN desta família. E se dúvidas houver, basta saber que Alberto Cruz foi o pioneiro dos painéis solares em Portugal. E de uma forma sui generis. A filha, Regina, conta a história de uma viagem que o pai decidiu
fazer a Israel. Nada de poesia nesta viagem à Terra Santa. Antes um objectivo muito preciso: painéis solares. «Viu, fotografou, procurou perceber como se fazia e construiu um protótipo». Estava lançada a “semente” da Solargus. Não, não se trata de uma empresa, mas de uma marca, esclarece Regina Cruz. Uma marca que tem levado Arganil aos quatro cantos do mundo. «Eram camiões e camiões» a saírem diariamente da empresa, recorda Regina Cruz, que, com 18 anos, começou a trabalhar com o pai. Portugal e Espanha eram os destinos prioritários destes painéis solares. Desde 1974. Um data que faz parte da história do tecido empresarial de Arganil e do país, e que coloca esta empresa familiar como pioneira, a nível nacional, na criação de sistemas solares térmicos. Mas a energia de Alberto Cruz não se ficou por esta aposta nas “renováveis”. A montante e a jusante inovou e empreendeu em várias áreas. «Um senhor da Benfeita queria um fogão a lenha e o meu pai fez-
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-lhe um fogão». Um “clássico fogão de ferro, a lenha, que passou a ser denominado “fogão tipo Benfeita” e que ainda hoje é produzido no grupo empresarial, juntamente com outras múltiplas respostas na área do aquecimento e também da climatização. De referência obrigatória é, também, a área das estruturas metálicas. Serralharia pesada e ligeira, esclarece Regina Cruz. Esta é, de resto, juntamente com o pioneirismo dos painéis solares, uma área estratégica na empresa. Uma resposta que levou a empresa de Arganil ao mercado global. Angola é “um mundo”, particularmente na área das “torres” petrolíferas. «Chegámos a abrir uma empresa em Angola», conta a empresária, no sentido de dar resposta ao grande número de solicitações. Todavia, actualmente a empresa está em “stand by”, face à situação de crise que se instalou naquele país. Moçambique, S. Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Camarões, Costa do Marfim, Libéria, são outros dos países onde o Grupo Solargus tem feito obra, particularmente na área da serralharia pesada, com a construção de grandes pavilhões, plataformas e edifícios. A Guiné-Conacri representa a aposta mais recente. O pai, recorda, criou três empresas. Construções Metálicas Argus, vocacionada para a produção de painéis, fogões, depósitos e estruturas metálicas, a Distarsol, que comercializava e instalava toda a produção da Construção Metálicas Argus, e uma terceira, a Fábrica de Radiadores do Alva, uma unidade «toda robotizada». Hoje o Grupo Solargus possui duas unidades fabris – Fábrica de Radiadores do Alva, Lda. e a Via Solar – Energia Solar e Aquecimento, Lda. Funcionam ambas no mesmo espaço, na Zona Industrial da Relvinha e têm projectos de crescimento para o futuro. O “segredo é a alma do negócio”, mas Regina Cruz sempre “abre o jogo”, para falar de um projecto que o grupo apresentou ao programa 2020, já aprovado, que representa um investimento de um milhão e 200 mil euros. O objectivo é ampliar as instalações e instalar novas máquinas. Uma aposta nas novas tecnologias, com maquinaria de última geração. Uma já está comprada, vem de Itália e custou 170 mil euros. A outra, necessária para o corte de perfis, representa um investimento de 400 mil euros. Desafios para enfrentar o futuro. Mantendo uma aposta na inovação, na criatividade e, sobretudo, na qualidade.
90 anos com Arganil Empresas
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Uma vida de trabalho
o Intermarché) e deslocalizar a produção toda para a Zona Industrial. «Trabalhei toda a minha vida, muitas vezes na fábrica, ao lado dos trabalhadores». «Limpei, cozinhei», recorda, definindo-se como uma «pessoa simples», que deu sempre o seu melhor, muitas vezes com sacrifício, para manter, em “alta”, o património empresarial criado pelo pai.
Regina Cruz continua obra do pai
Reconhecimento que tarda
Regina Cruz não esconde que o grupo passou momentos difíceis, particularmente ditados pelas crises que assolaram o país. Situações que obrigaram a redimensionar o negócio e a procurar novos produtos e mercados, particularmente quando «não dá o burro para o curro», afirma. Aliás, foi isso que aconteceu com a concorrência feroz que se fez sentir no mercado dos painéis solares, exemplifica. Num desses momentos mais críticos, a «empresa familiar», como faz questão de definir o grupo, viu-se na contingência de vender as instalações na vila (onde está actualmente
Alberto Cruz, fundador do grupo
«As empresas do meu pai foram uma verdadeira escola de formação em Arganil», afirma Regina Cruz, lembrando um período áureo, em que as empresas chegaram a
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ter mais de duas centenas de trabalhadores, muitos dos quais são hoje empresários ligados ao ramo. Mas também a presença, assídua e sistemática de Alberto Cruz, que era o orador de primeira linha em qualquer iniciativa promovida em qualquer parte do país no domínio da energia solar. O empresário foi também um grande benemérito, muito ligado às associações do concelho, particularmente aos Bombeiros e à Filarmónica, que apoiou de uma forma ímpar. Regina Cruz fala com orgulho destas memórias, mas não esconde alguma mágoa, particularmente por ainda não ter visto qualquer homenagem de gratidão ao seu pai, que «tanto deu a Arganil», como empresário e filantropo, e «tão longe levou o nome de Arganil». «O meu pai já morreu há muito tempo e não há uma rua com o seu nome», desabafa, sublinhando que outras personalidades, talvez com menor projecção e notoriedade, já viram esse público reconhecimento, mas Alberto Cruz não. E, em seu entender, «o tempo» para que isso acontecesse «já passou».
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Empresas 90 anos com Arganil
Diário de Coimbra
APOSTA NO CRESCIMENTO DA ZONA INDUSTRIAL DA RELVINHA 2020 É o desafio do presente a pensar no futuro. Câmara está empenhada em captar investimento e entende que não pode deixar fugir oportunidades
A
Zona Industrial da Relvinha é absolutamente determinante», no entender do presidente da Câmara Municipal deArganil. Trata-se, sintetiza, de criar as condições que permitam «atrair novos tipos de investimentos, nomeadamente emprego mais qualificado e recursos mais qualificados para o território». Por isso, a ampliação da zona industrial, enquadrada num programa de «implementação de medidas que nos permitam ir à procura de investidores» e, em simultâneo, «tirar partido das medidas de atractibilidade para o interior». Para Luís Paulo Costa o que «não pode, de todo, acontecer é surgir um investidor interessado, com um projecto tecnológico, para criação de 30/40 empregos e dizermos-lhe que temos um lote talvez para o ano!» «Temos de ter condições para dar resposta», sublinha o autarca de Arganil, reconhecendo que, embora a procura «não seja muito elevada», o município tem registado «algumas abordagens relativamente à disponibilidade de lotes». Luís Paulo Costa refere, ainda, o facto de estarem a ser desenvolvidos, por parte do Governo, mecanismos para cativar investimento para o interior do país, facto que leva Arganil a empenhar-se ainda mais neste processo, de molde a estar preparado para integrar essa possível rota de investimentos. A empreitada de ampliação da Zona Industrial da Relvinha, no Sarzedo, contempla a criação de mais 23 lotes, de dimensões diferenciadas e flexíveis em termos de possibilidade de resposta. A autarquia está a tratar do processo de financiamento bancário, uma vez que a candidatura apresentada ao FEDER não comporta a totalidade do investimento, estimado em 3,5 milhões de euros. «Se correr tudo excepcionalmente bem», o autarca acredita que a obra poderá arrancar, depois do aval do Tribunal de Contas, em Abril. Garantidamente, começa no primeiro se-
Requalificação do Pólo Este da Zona Industrial está em curso
mestre deste ano e o prazo de execução é de um ano e meio. Mas este olhar para o futuro, no sentido de captar novos investidores, não esquece quem já está instalado na Zona Industrial. Nesse sentido, o município avançou, no ano passado, com a empreitada de requalificação do Pólo Industrial da Relvinha Este. Uma obra adjudicada, em Outubro, à empresa Socitop Unipessoal, Lda, que representa um investimento da ordem dos 750 mil euros, comparticipado pelo Fundo de Desenvolvimento Regional (FEDER). A intervenção contempla a reabilitação da rede viária e de infraestruturas que servem o Pólo Este da Zona Industrial da Relvinha, nomeadamente a pavimentação de troços e arruamentos, incluindo alguns que se encontram em terra batida, o reforço da sinalização horizontal e vertical, bem como a criação de passeios e de lugares de estacionamento. Prevista está, ainda, a substi-
tuição da rede de distribuição de água, a requalificação da rede de águas pluviais e o tratamento de taludes. A empreitada deverá ficar concluída no primeiro semestre deste ano. Já em pleno funcionamento está a Estação de Tratamento de Águas Pluviais (ETAR) da Zona Industrial, que foi sujeita a um processo de reabilitação e beneficiação, que implicou um investimento de 1,2 milhões de euros.
Projecto permite criar mais 23 lotes e cria o esteio necessário para atrair novos investidores para o território
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Devoção 90 anos com Arganil
Diário de Coimbra
Santuário já é referido em documentos do século XII, mas a Capela da Senhora do Mont’Alto terá sido construída no século XVI
SANTUÁRIO DE MONT’ALTO: A FORÇA AGLUTINADORA DE UMA DEVOÇÃO ÍMPAR 2019 Telhado da Capela do Senhor da Ladeira ameaça ruína. Fábrica da Igreja fechou o templo, por questões de segurança. São necessários fundos para a requalificação
O
s arganilenses têm uma grande devoção à Senhora do Mont’Alto. Há uma força aglutinadora em torno deste Santuário». Palavras da historiadora Regina Anacleto que dizem praticamente tudo sobre este ícone, que é uma referência incontornável na vida e na história de Arganil. «É um Santuário Mariano, rural», explica, acompanhando-nos, pacientemente, numa viagem de descoberta deste monte sagrado. Um espaço de fé, mas também de encontro e confraternização, onde decorrem as tradicionais festas, em Agosto, reunindo vi-
sitantes e peregrinos no enorme “terraço” que ladeia a Capela do Senhor da Ladeira. Precisamente a primeira das “últimas”, ou seja, a que surge no primeiro planalto do monte, antes da derradeira, dedicada à Senhora do Mont’Alto. Mas também a última das capelinhas que “percorrem” a encosta. São seis, explica Regina Anacleto, com a primeira, ainda no sopé do monte, dedicada ao Senhor da Agonia. Capelas que «serviam para a devoção dos peregrinos aos santos, mas também para o seu descanso». Cada capela tem a sua devoção. A dedicada ao
Senhor da Agonia data de 1778. Seguem-se as capelas devotada a São João, São Brás, Ecce Homo, até chegar ao Senhor da Ladeira. A tal capela, de maiores dimensões, construída entre 1721 e 1747, e cujo telhado ameaça ruína. Por questões de segurança foi encerrada, em Setembro/Outubro do ano passado, depois das festas, explicou-nos Manuel Fernandes, da Fábrica da Igreja, responsável pelo Santuário. Uma capela que possui um Menino Jesus vestido (ver outro texto), bem como uma possante grade, que divide a capela-
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-mor do corpo da igreja. Grade que, reza a história, eventualmente sem grande fundamento, no entender de Regina Anacleto, terá evitado que as tropas francesas, aquando das invasões, espoliassem Mont’Alto dos seus valores. A historiadora entende que haverá «algum exagero» nas «atrocidades» atribuídas às tropas francesas, e, apesar de reticente, entende que a grade protectora certamente não teria evitado a pilhagem se esse fosse o objectivo. A capela possui «altares com uma talha de muito boa qualidade» e, ao lado, refere, existia uma hospedaria, destinada aos peregrinos, que foi retirada nos anos 50 do século passado. Nesta Capela, Regina Anacleto dá conta de uma descoberta, partilhada com Quaresma Ventura, de «dois grandes quadros, da autoria de Ernesto Corrodi e do filho, Camilo Corrodi», que apresentam um «projecto de alindamento e urbanização» daquele amplo espaço. As aguarelas foram, adianta, entregues pela Fábrica da Igreja à Câmara, que ficou como sua fiel depositária e responsável pela restauração. Este projecto não avançou, mas avançou uma outra obra, ou seja, a construção de uma capela, em 1940, dedicada ao Espírito Santo, que substituiu uma outra, mais pequena, datada de 1888. O retábulo ali existente também foi transferido. Mais acima, no cimo do monte, está a última e a mais importante capela do Santuário. Será a mais antiga, no entender de Regina Anacleto, que aponta para o século XVI. Todavia, ressalva, há referências a uma capela e ao Mont’Alto já no século XII, «inserido no chamado culto dos altos». Esta capela sofreu um conjunto de alterações, com aumentos e acrescentos, construção e destruição de uma hospedaria e de uma torre sineira. De forma crítica, a historiadora recorda as obras realizadas no anos 50, que «quiseram transformar um Santuário e uma capela rural num Santuário e capela citadinos». «Desvirtuaram um Santuário Rural e também não o conseguiram tornar num Santuário Citadino», adianta. «À luz dos conhecimentos de hoje, penso que a transformação não faz grande sentido. Na altura, é discutível e discutida a intervenção que foi feita», refere, sem deixar de concluir que se criou uma «coisa ambígua», que «não é uma coisa nem outra».
90 anos com Arganil Devoção
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Capela do Senhor da Ladeira carece de intervenção urgente
Capela foi encerrada, por questões de segurança
«A Capela do Senhor da Ladeira ameaça ruína», afirma Manuel Fernandes, da Fábrica da Igreja. Com o telhado a colapsar, a Fábrica da Igreja entendeu que, por questões de segurança, o melhor era mesmo fechar a capela, evitando qualquer incidente com os visitantes. A imagem do Menino Jesus, uma das suas relíquias, foi levada para a capela do cimo do monte, esclarece. «A estrutura do tecto está degradada, a cair e parte das abóbadas do altar-mor também já está arqueada», esclarece o responsável, sublinhado que a Fábrica da Igreja não tem capacidade económica para empreender uma recuperação. Pediu, por isso, ajuda à Câmara, que recentemente terá começado a analisar a situação e irá fazer um projecto em conformidade. Estimativa de custos? Neste momento «ainda não existe», refere Manuel Fernandes. Com custos definidos – cerca de 9 mil euros – está a recuperação das pinturas da sacristia. O responsável acredita que a Confraria do Barroco de São Brás, que tem ajudado com algumas obras, poderá, também aqui, dar uma ajuda. Mas a verdade é que a Fábrica da Igreja está a braços com um problema complicado. «A Igreja tem falta de rendimentos», diz, apontando
para «as esmolas e pouco mais», uma vez que o contributo paroquial, a chamada côngrua, se destina praticamente para «custear os serviços do clero». A possibilidade de lançamento de uma campanha de angariação de fundos é, assim, uma possibilidade que ganha terreno. Regina Anacleto não tem dúvida que «tem de ser feita uma intervenção na capela, de consolidação», para evitar a ruína. Mas já no que se refere à intervenção nos altares, a investigadora adverte para os riscos que isso pode representar. «Se houver dinheiro, sim», advoga, apontando para a necessidade de aplicar «ouro de 24 quilates» num conjunto significativo de talha. Mas se não existir verba, «o melhor é deixar como está». «Com purpurina, não, e com tinta, nem pensar», adverte.
“Oh Senhora do Monte Alto eu bem alto vo-lo digo não volto cá outro ano sem trazer amores comigo” quadra popular
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Devoção 90 anos com Arganil
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Menino Jesus vestido “perdeu” o guarda-roupa Um dos ícones da capela do Senhor da Ladeira é o Menino Jesus vestido. Regina Anacleto reage de forma absolutamente negativa quando alguém se refere à imagem como Menino Jesus Napoleónico. Nada de mais errado, argumenta. Trata-se, isso sim, de «um Menino Jesus vestido à portuguesa, à século XIX. Não tem um tricórnio, mas um bicórnio», adverte. As imagens de Menino Jesus de vestir «começam a surgir no século XVI e no século XIX têm uma grande difusão nos conventos de freiras». “Mistério” é, admite, o que envolve o seu surgimento no Santuário e Mont’ Ato, uma vez que nas proximidades não existe qualquer convento de freiras, tirando a Senhora do Desagravo. Como mera hipótese, «sem nenhuma base», a historiadora admite que a imagem possa estar associada a «alguma freira de Arganil que a tenha oferecido ou feito pressão para que esta fosse concretizada. Certo é que existe, explica, um documento paroquial que atesta a sua “feitura”, em 1804/5, que aponta um valor de 14.400
Menino Jesus com traje português
Vestido vindo de Macau para a Senhora de Mont’Alto A imagem da Senhora de Mont’Alto, feita em madeira estufada, «desapareceu», conta Regina Anacleto. A imagem da santa actualmente existente na capela, no cimo do monte, envergou um vestido verdadeiramente especial, trazido de Macau pelo padre António Vasconcelos Delgado. Um vestido de uma cor verdadeiramente improvável. «Vermelho», refere a historiadora. O sacerdote - que andou fugido e chegou a ser preso durante as lutas liberais - adquiriu o vestido em Macau e, depois da aclamação de D. Maria II, regressou e ofereceu-o à santa. O vestido, em seda, confeccionado no século XIX, foi posteriormente substituído por um vestido de cor branca, primeiro em 1930 e, mais tarde, em 1990, face à deterioração do tecido. Todavia, segundo a historiadora, o bordado do vestido original foi cuidadosamente recortado e pregado em cada um dos novos modelos.
Nossa Senhora de Mont’Alto
réis para “o menino Jesus de feitio e Incarnação”. Feita a imagem, e porque se trata de um Menino de vestir, também tinha enxoval. «Um armário grande», existente no lado esquerdo da capela, onde se encontravam as vestimentas, muitas das quais «oferecidas em cumprimento de promessas». Regina Anacleto diz que se lembra perfeitamente destes trajes que, inclusivamente, seriam um testemunho vivo da evolução da moda. Um dos fatos, feito à medida da imagem, era da Mocidade Portuguesa, recorda, também ele oferecido. Todavia, o imenso guarda-roupa do Menino Jesus do Mont’ Alto ficou reduzido ao fato que tem hoje em dia, já substituído, mas com o mesmo figurino. «No 25 de Abril, algumas almas inteligentes decidiram destruir os fatos. Ou os queimaram ou deitaram fora». Verdade é que deixaram de existir. Desse imenso guarda-roupa resta o traje à portuguesa, próprio do século XIX. Com um chapéu sim, mas que nada tem a ver com os soldados de Napoleão.
Lendas de Mont’Alto São muitas as lendas que circulam à volta deste Santuário. Uma delas, recordada por Manuel Fernandes, da Fábrica da Igreja, aponta para a construção da capela, que inicialmente estaria projectada para o planalto e não para ao cimo do monte. No decorrer da obra, sabe-se lá porquê, as ferramentas dos artífices eram sempre encontradas no cimo do monte e não no local onde decorriam os trabalhos. Um sinal que acabaria por ser interpretado como a vontade da Santa em ter o seu local e culto mais acima, no cimo do monte.Outra das histórias que se contam, também sem elementos de sustentação, refere uma senhora de Covelo, que seria grande devota do Menino Jesus. Por isso subia frequentemente ao Mont’Alto para adorar o menino. Um dia, aproveitando uma distracção da vigilância, levou-o para casa. Serviu-lhe de emenda. Não foi castigada mas, a partir de então, viu definitivamente afastada a possibilidade de ver o seu Menino Jesus do coração.
90 anos com Arganil História
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João de Castro Nunes, investigador da Universidade de Salamanca, foi o responsável pelo achado arqueológico
RAÍZES DA HISTÓRIA NA LOMBA DO CANHO 1956 Antigo acampamento das tropas romanas constitui um dos maiores conjuntos do género
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erá a mais relevante estação arqueológica do concelho e foi descoberta em meados de 1956 por João de Castro Nunes, investigador da Universidade de Salamanca, que se empenhou em redigir a Carta Arqueológica da Comarca de Arganil. Uma pequena mó luso-romana, existente no museu do concelho, casualmente encontrada em 1952, durante trabalhos de extracção de pedra, alertou o investigador para o que mais poderia existir na Lomba do Canho. Nada mais nada menos que, pensava-se na altura, «uma povoação castreja, muito romanizada». «Restos de ânforas, fragmentos de vasilhas dos mais diversos tipos cerâmicos, pedaços de lucernas, mós manuais de tipo circular, uma das quais de proporções extraordinárias, armas da legiões romanas, como pontas de dardo, projectéis de catapultas» foram alguns dos artefactos recolhidos
nas primeiras intervenções. A direcção do Instituto de Alta Cultura, reunida a 7 de Maio de 1957, decidiu subsidiar as escavações que João de Castro Nunes programou para o Verão desse ano na Estação Arqueológica de Lomba do Canho. Dois anos depois, pelo decreto n.º 42 255, de 8 de Maio de 1959, o Governo, através do Ministério da Educação Nacional, classificou o Castro da Lomba do Canho, na freguesia de Secarias, Arganil, como imóvel de interesse público. O Castro da Lomba do Canho seria, muito provavelmente, de acordo com a Direcção Geral do Património Cultural, «o quartelgeneral de um acampamento, semelhante a outros identificados nas províncias romanas da Germânia e da Britânia». Durante algum tempo «pensou-se que a Lomba do Canho tivesse albergado um povoado indígena, de características proto-históricas, mas quer as estruturas identificadas, quer
o espólio resgatado pelas escavações invalidam essa suposição», refere ainda, sublinhando que a Lomba do Canho representa «um dos maiores conjuntos deste tipo encontrados no mundo romano».Além dos artefactos militares, «subsistem numerosos elementos do quotidiano, como lucernas, cerâmicas diversas e ânforas, algumas de fabrico local», adianta. O acampamento militar, de acordo com os dados conhecidos até ao momento, terá tido uma vida curta, «sendo ocupado apenas entre o segundo e o terceiro quartéis do século I A. C.». O local terá sido abandonado pelas tropas romanas de forma «precipitada e violenta», situação que «ainda estará não totalmente esclarecida, mas que poderá relacionar-se com as movimentações internas no seio do Império, em concreto com a guerra civil de Roma». O município de Arganil sublinha o interesse em reactivar as escavações – as últimas datam de 1983 - no sítio da Lomba do Canho.
Antigo acampamento militar representa um dos maiores achados do género representativo do mundo romano
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Dias Negros 90 anos com Arganil
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TRAGÉDIAS QUE MARCAM A MEMÓRIA 1961 – 2017 Incêndios violentos transformaram o concelho num inferno. Mas também um ciclone, em 1941, deixou um rasto de destruição
Incêndios de 2017 deixaram a Serra do Açor vestida de negro e cinza
O
sabor amargo da tragédia não é um fenómeno estranho às gentes da Beira Serra. Com efeito, os devastadores incêndios de Junho e Outubro de 2017 ainda estão bem presentes, e, muito embora as feridas possam estar “fechadas”, a verdade é que as cicatrizes são bem profundas e deixaram marcas. Basta olhar para uma floresta, agora praticamente despida, onde as árvores morrem de pé. Outras já apodrecem, caídas, no solo. Mas se esta é a memória recente, ainda lavada pelas lágrimas de saudade por aqueles que o fogo também levou, os incêndios deixaram outras marcas, mais antigas, quiçá quase esquecidas. Em 29 de Agosto de 1961, A Comarca de Arganil dava conta de «milhares de contos de prejuízos causados por dois pavorosos incêndios, que lavraram nos perímetros florestais de Arganil e puseram em perigo várias povoações». Corporações de bombeiros de todo o distrito, «forças do Exército e milhares de
populares atacaram os sinistros», que colocaram mais de «uma dezena de habitações em perigo». «Chegaram a ser pedidos os socorros da aviação para a extinção do incêndio, com neve carbónica», noticia o Jornal, que aponta uma frente de fogo com «mais de 50 quilómetros». Em Monte Redondo «morreram algumas cabeças de gado» e várias pessoas sofreram ferimentos e queimaduras», sublinha, destacando um bombeiro dos Voluntários de Arganil, Aureliano Marques Coelho, que ficou ferido. «Milagre» foi a salvação de Leonel dos Santos, paralítico, residente na Quinta do Reirigo. «Estava a cozer batatas para o almoço e o fogo pegou à casa e ao pinhal», escreve o Jornal. A preocupação centravase, então, no «paradeiro de duas criancinhas, que viviam com o paralítico», cujo paradeiro se desconhecia, «receando-se que tenham morrido carbonizadas». «Quilómetros e quilómetros de pinhal ficaram reduzidos a cinzas, assim como muitas
culturas», reza ainda a crónica. Mas as calamidades não assumem apenas a forma de inferno, com o fogo. Um terrível ciclone atingiu a região em finais de Fevereiro de 1941. «Ascendem a milhares de contos os prejuízos», noticiava o Jornal, que destacava os «milhões de árvores derrubadas e partidas, casas em ruínas, destelhadas, chaminés caídas, muros destruídos, comunicações interrompidas». Na Mata do Hospital «é de 600 o número de árvores derrubadas». «Na Rua dos Cedros não ficou nenhuma árvore de pé», referia, exemplificado os efeitos deste «terrível ciclone», com ventos a atingirem «velocidades inconcebíveis» e chuvas torrenciais, que provocaram vários feridos e a morte de alguns animais. Em 15 e 16 de Outubro de 2017 as chamas cavalgaram montes e vales, espalhando a sua fúria destruidora. Arganil chorou quatro vítimas mortais – Fernando Antunes de Almeida, de 59 anos, da Cerdeira, António Borges de Almeida, de 72 anos, da Portela de Cerdeira, Fausto Lopes, de 60 anos, de Vinhó, e Arlindo Henriques, de 67 anos, de Poços, S. Martinho da Cortiça. Registaram-se 154 feridos e 411 animais mortos. Centenas de habitações foram atingidas pelas chamas, a maioria (142) de habitação permanente e 104 consideradas de segunda habitação. Foram 114 as situações apresentadas ao programa de apoio à reconstrução de primeira habitação, 69 dos quais foram aprovados, com 45 recusados. Relativamente às habitações não permanentes, foram apresentados 27 processos, sendo 23 indeferidos e quatro aprovados. Relativamente ao tecido empresarial, segundo os dados do município, foram afectadas 38 empresas, que representam 225 postos de trabalho. 18 empresas do concelho que viram os seus projectos de recuperação aprovados no âmbito dos programas de apoio. De acordo com os dados do município, arderam, nos incêndios de Outubro, 24 mil hectares, repartidos por 10.404 de povoamento florestal, 10.212 de mato e pastagens e 1.728 hectares de zona agrícola.