90 Anos com Cantanhede

Page 1

90 ANOS COM

CANTANHEDE

Com o patrocínio de: Com o patrocínio de:

Com o patrocínio de:

Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente



90 anos com Cantanhede Introdução

Diário de Coimbra

3

90 anos com Cantanhede

P

rosseguimos a nossa viagem pela história e hoje o nosso olhar concentra-se em Cantanhede. Um concelho grande em termos de dimensão territorial, que abarca a Gândara e abraça a Bairrada, sente a brisa fresca do mar e o sabor quente interior da terra. Um município que mantém viva a tradição agrícola e pecuária, conferindo-lhe novos contornos e dinâmicas, designadamente no que se refere ao sector vitivinícola. Mas que também responde a novos desafios, promovendo novas culturas e produtos inovadores. Um território que faz uma aposta forte na inovação e na mais moderna tecnologia, cativa projectos diferenciadores e mobiliza o espírito empreendedor de um tecido empresarial que tradicionalmente sempre demonstrou a sua capacidade de bem-fazer. Um concelho talhado por figuras gradas da história nacional, gente maior, que imprime a sua marca e dá o seu contributo para o desenvolvimento, o progresso e a afirma-

ção do concelho de Cantanhede. São algumas dessas marcas, que definem a identidade da região, que procuramos apresentar hoje, balizadas pela história de 90 anos de existência do Diário de Coimbra, que este ano se comemoram. Não se trata de um trabalho de investigação histórica ou de uma cronologia de acontecimentos. Longe de nós essa pretensão. Trata-se, antes e sim, de uma viagem por algumas das memórias mais marcantes que, ao longo destas nove décadas, ajudaram a definir o perfil deste território e marcaram a identidade das suas gentes. Algumas, reiteramos, assumindo que muito mais há para contar sobre esta rocha grande que deu o nome a Cantanhede e o imenso edifício que ergueu. Dessa imensidão de histórias, de memórias, de pessoas, de marcos e de momentos, respigámos uma boa mão-cheia, que convidamos, hoje, o nosso leitor a conhecer ou simplesmente a recordar connosco. 

FICHA TÉCNICA Setembro de 2020 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo

Coordenação editorial: Manuela Ventura Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Margarida Alvarinhas, Ricardo Busano e Manuela Ventura

Fotos: Marta Santos, Figueiredo, Ricardo Busano, Ferreira Santos, Arquivo e Câmara Municipal de Cantanhede Vendas: Marta Santos e Mário Rasteiro

Design gráfico: Pedro Seiça Publicidade: Carla Borges Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA Tiragem: 10 mil exemplares


4

Opinião 90 anos com Arganil

Uma voz activa no caminho do progresso Maria Helena Rosa de Teodósio e Cruz Gomes de Oliveira*

O

90.º aniversário do Diário de Coimbra assinala uma longevidade a todos os títulos notável, não apenas pela resposta assertiva que conseguiu dar às exigências de uma atividade particularmente sensível a fatores de ordem política, sociocultural e tecnológica, mas sobretudo pelo modo como, em diferentes conjunturas, soube preservar os valores éticos e os princípios deontológicos inscritos no estatuto editorial definido pelo seu fundador. Trata-se, indiscutivelmente, de um exemplo de imprensa qualificada, um jornal que, pela credibilidade e prestígio que consolidou ao longo de nove décadas, se tornou uma referência para leitores de várias gerações, o que de resto constitui um

dos seus maiores ativos para fazer face aos desafios da evolução acelerada que o fenómeno da comunicação está a registar atualmente. É precisamente perante tais desafios que o património editorial do Diário de Coimbra adquire especial significado, pois além de evidenciar um modelo de jornalismo empenhado na construção de narrativas eloquentes e fiáveis sobre os acontecimentos marcantes do quotidiano das comunidades, distingue-se pela abertura com que sempre deu voz a diferentes correntes de opinião, fomentando por essa via a discussão dos temas mais importantes para o desenvolvimento da região e do país. É daí que decorre o inestimável contributo que tem dado à formação de uma opinião pública informada, esclarecida e ciente dos seus deveres e direitos, o que não pode deixar de merecer a aclamação de quem acredita na importância desse processo na construção de uma sociedade democrática, livre e estruturalmente coesa. Pela minha parte, congratulo-me também com o facto de o Diário de Coimbra

Diário de Coimbra

manter em Cantanhede uma delegação desde há vários anos, demonstrando assim que atribui bastante valor noticioso aos progressos que o concelho tem registado a diversos níveis. Congratulo-me porque são inegáveis os benefícios da informação diária que o jornal publica sobre a nossa comunidade, quer porque dá visibilidade ao processo de desenvolvimento em curso, quer porque estimula a identificação dos munícipes com esse processo. A perceção extremamente favorável que a região e o país têm hoje da evolução do Município de Cantanhede tem muito a ver com isso, com a forma exemplar como o Diário de Coimbra dá conta dessa evolução, dando voz aos munícipes, às instituições e às empresas e favorecendo o reforço da mobilização coletiva em torno de ideais de prosperidade e bem-estar social. Se outras razões não houvesse, o que acabei de enunciar merece o mais vivo reconhecimento da Câmara Municipal e de todos quantos valorizam a função de uma imprensa livre, eticamente responsável e comprometida com a causa do progresso da região. Muito obrigada Diário de Coimbra! E parabéns pelo 90.º aniversário.  *Presidente da Câmara Municipal de Cantanhede


90 anos com Cantanhede Carlos de Oliveira

Diário de Coimbra

5

Perfeccionista e exigente

GÂNDARA “TATUOU”I O CARÁCTERI E A ESCRITA DEI CARLOS DE OLIVEIRAI

Maria Paula Serra de Oliveira recorda que o tio «trabalhava incansavelmente durante a noite, até de madrugada. Escrevia. Lia». «Escrevia à mão» e era Ângela quem «passava à máquina». Com um apurado espírito perfeccionista, Carlos Oliveira lia, relia e praticamente reescrevia as reedições da sua obra. Mesmo longe, na capital, Carlos de Oliveira manteve sempre uma relação de proximidade com a Gândara. «Visitava os pais», recorda a sobrinha, que continuavam a viver em Febres. Mas também «visitava periodicamente Coimbra», onde vivia o irmão, «com o qual mantinha uma forte relação de amizade», diz ainda. E o exemplo do escritor, que não teve filhos, «inspira-nos», numa cultura de «rigor», «espírito perfeccionista» e «um olhar atento ao mundo», características que, no entender de Maria Paula de Oliveira, «porventura permitem desenvolver alguma sensibilidade literária. Não se confunda com talento literário!», adverte. 

Carlos de Oliveira é um dos expoentes da literatura nacional

1921-1981 Autor de “Uma Abelha na Chuva” é considerado um dos expoentes da literatura da segunda metade do século XX. Passou parte da sua vida em Febres e esta experiência deixou marcas

G

eneroso, sensível, afável, dotado de uma inteligência notável. Atento ao mundo. Com uma impressionante cultura literária, mas também dotado de uma surpreendente informação científica». É assim que a sobrinha, Maria Paula Serra de Oliveira recorda o tio, o escritor Carlos de Oliveira (1921-1981), um dos principais responsá-

veis pelo movimento neo-realista em Portugal, e considerado um dos mais proeminentes autores da segunda metade do século XX. Carlos Alberto Serra de Oliveira, filho de emigrantes portugueses, nasceu a 10 de Agosto de 1921, em Belém, Estado do Pará, no Brasil. Com dois anos de idade veio para Portugal, com os pais. A família fi-


6

Carlos de Oliveira 90 anos com Cantanhede

xou-se na Gândara. Primeiro na Camarneira. Depois em Febres. Numa casa no largo central da vila, onde o pai exercia a profissão de médico. Uma terra e uma vivência que lhe moldaram o carácter ou, como o próprio escritor assume, o “tatuaram” de uma forma notória. «Cresci cercado pela pobreza dos camponeses, por uma mortalidade infantil enorme, uma emigração espantosa», escreve o autor de “O Aprendiz de Feiticeiro”, considerando «natural que tudo isto me tenha tocado (melhor, tatuado)». O quotidiano de uma vivência dura e passageira, de «casas construídas com adobes que duram sensivelmente o que dura a vida humana». Uma terra com «aldeias pobríssimas», «lagoas pantanosas, desolação, calcário, areia». Uma «terra passageira», feita de «dunas modeladas, desfeitas pelo vento», com pinhais «que os camponeses plantam na infância para derrubar pouco antes de morrer». «A dureza da realidade económica da Gândara representou para o jovem Carlos de Oliveira o primeiro contacto com a injustiça social e contribuiu para a formação da sua consciência política», afirma a sobrinha. Todavia, «é redutor identificar o universo literário de Carlos de Oliveira com a Gândara e o neo-realismo», adverte Maria Paula Serra de Oliveira, sublinhando que a obra do escritor «teve desenvolvimentos posteriores que, mantendo fidelidade a um certo empenho sócio-político, seguiu uma via estética distinta dos cânones neo-realistas». Oito anos depois de chegar à Gândara, Carlos Oliveira frequenta o colégio de Cantanhede – que, nos seus romances, baptiza como Corgo – e, em 1933, começa o seu ciclo de formação em Coimbra. Primeiro no então Liceu D. João III. Depois, na Faculdade de Letras, onde se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas. É em Coimbra que conhece a maioria dos elementos da chamada geração neo-realista, como Joaquim Namorado e João José Cochofel. «Era ainda muito moço (19 anos)», escreve, recordando que «estávamos em plena guerra». Foi nessa altura, adianta, que «tomei contacto com estudantes escritores», entre os quais Fernando Namora. «Eram, regra geral, 3, 4 anos mais velhos do que eu (…). Eu era o benjamim. Tinha dois ideais: um era escrever, e outro era próprio dessas idades – juntar-me a eles e combater por

Diário de Coimbra

Carlos Oliveira e Ângela Oliveira, duas almas gémeas

uma causa justa». Foi também em Coimbra que conheceu Ângela, uma jovem madeirense, igualmente aluna da Faculdade de Letras, com quem casa em 1949. Uma verdadeira alma gémea, que foi, também, musa inspiradora, ponto de apoio incondicional e uma companheira de toda a vida. «Foi uma relação cimentada por uma enorme cumplicidade: na vida pessoal, literária, no empenhamento político», esclarece a sobrinha. Maria Paula Serra de Oliveira sublinha a presença de Ângela Oliveira em «muitas passagens da obra do escritor», designadamente em “Aprendiz de Feiticeiro”, através da «referência explícita a Gelnaa, aliteração de Ângela». Ainda em Coimbra, Carlos de Oliveira publica a sua primeira obra, “Cabeças de Barro”, em conjunto com Fernando Namora e Artur Varela. Segue-se “Turismo” (poesia, 1942) e o primeiro romance, “Casa na Duna” (1943), entre outras obras. Em 1948, muda-se definitivamente para Lisboa. Tenta o ensino, numa escola técnica, mas desiste de ser professor. Chega a trabalhar

no arquivo de um jornal e na redacção de uma revista. A vigilância da polícia política causa algumas dificuldades ao casal. «Muitas hipóteses foram dificultadas» a nível profissional, reconhece a sobrinha. Ângela dá aulas em várias instituições e chega mesmo a dar explicações. A partir de 1972 Carlos Oliveira dedica-se em exclusivo à escrita. Em Lisboa convive regularmente com outros escritores e intelectuais do seu tempo, como ele opositores ao regime, como Mário Dionísio, João José Cochofel, Fernando Namora, Manuel da Fonseca, Jorge Reis, Álvaro Salema, Urbano Tavares Rodrigues, José Cardoso Pires, Baptista Bastos, Augusto Abelaira e José Gomes Ferreira. Também os realizadores Fernando Lopes e Margarida Gil faziam parte do «grupo de intelectuais» com quem o escritor mantinha relações. «Eram profundos apreciadores de Carlos de Oliveira e da sua obra», faz notar a sobrinha. O primeiro adaptou ao cinema, em 1972, “Uma abelha na chuva”. Margarida Gil levou ao grande ecrã “Sobre o lado esquerdo”. 



8

Carlos de Oliveira 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

Prémios e reconhecimento

Uma obra que deveria merecer “uma maior atenção”

Carlos de Oliveira foi duplamente agraciado a título póstumo

Carlos de Oliveira, Augusto Abelaira, José Régio, Isabel da Nóbrega, João Gaspar Simões

Poeta, romancista, cronista, crítico e tradutor, Carlos de Oliveira publicou duas dezenas de títulos. Em 1971 foi agraciado com o Prémio Bordalo, na categoria “Literatura”, entregue pela Casa da Imprensa em 1972, pelo seu livro de poesia “Entre Duas Memórias”. Em 1990 foi contemplado, a título póstumo, com o grau de Chanceler-Oficial da Ordem Militar de Sant’ Iago da Espada. O município de Cantanhede distinguiu-o, igualmente a título póstumo, em 1997, com a Medalha de Ouro de Mérito Cultural. Carlos Oliveira faleceu a 1 de Julho de 1981, na sua casa, em Lisboa. A esposa, Ângela de Oliveira, doou grande parte do espólio do escritor ao Museu do NeoRealismo, em Vila Franca de Xira, que inclui cerca de nove mil documentos, entre produção literária do autor, a sua história pessoal, correspondência, fotografias, documentos, artes plásticas, monografias e publicações periódicas. À Casa de Carlos Oliveira, em Febres, a esposa doou, igualmente, um vasto espólio, constituído por obras da sua biblioteca pessoal, mobiliário, peças de cerâmica e pintura da sua autoria. 

«A originalidade e o rigor da sua escrita mereceriam uma maior atenção», defende Maria Paula Serra de Oliveira, que faz notar o carácter «muito redutor» da classificação de Carlos de Oliveira como um escritor neo-realista. «Uma parte inicial da obra tem um cariz neo-realista», considera, mas «numa fase posterior esta marca neorealista dá lugar a uma escrita inovadora, ecléctica, fusão de prosa e poesia». Considerando «extremamente importante» o facto de o município de Cantanhede ter instituído o Prémio Literário Carlos de Oliveira, Maria Paula Serra de Oliveira defende a necessidade de «criar alguma dinâmica que ultrapasse o âmbito regional» no que concerne à Casa-Museu existente em Febres. E deixa um conjunto

de sugestões, designadamente «a promoção de actividades conjuntas com o Museu do Neo-Realismo - de Vila Franca de Xira - onde se encontra o espólio literário» do escritor. Outro dos «aspectos a desenvolver» seria, advoga, com «instituições académicas onde existam estudiosos da obra de Carlos de Oliveira». Por outro lado, e «considerando as múltiplas referências de carácter científico», presentes na obra do escritor, a sobrinha entende que «poderia ser interessante extravasar o âmbito estritamente literário e procurar ligações com instituições de carácter científico». Esta abordagem, defende, «permitiria o desenvolvimento de actividades de diálogo entre a cultura científica e a cultura literária». 

Prémio Literário Carlos de Oliveira «Homenagear» o autor e, simultaneamente, «promover e incentivar a criatividade literária e o gosto pela escrita» foram os objectivos que levaram a Câmara Municipal de Cantanhede a instituir o Prémio Literário Carlos de Oliveira. Trata-se de um galardão atribuído com carácter bienal, que tem um valor monetário de 5 mil euros e a edição da obra. O prémio foi atribuído pela primeira vez em 2005 e o vencedor foiArsénio Mota, com a obra “Quase Tudo Nada”. Mário Lúcio Sousa (ministro da Cultura de Cabo Verde entre 2011 e 2016) venceu a se-

gunda edição do prémio, entregue em 2009, com a obra “O Novíssimo Testamento”. O historiador e escritor brasileiro, Carlos Roberto da Rosa Rangel venceu, com “Crime e Revolução”, a terceira edição. “A Estrambólica aventura do Senhor Marius Von Gloden”, do juiz brasileiro Carlos Roberto Loiola, que assinalou a sua estreia como romancista, ganhou a quarta edição do prémio, entregue em 2016. “A Epopeia do Espírito Santo”, da autoria do escritor António Breda Carvalho, da Mealhada, venceu a quinta edição, entregue em 2019.


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Carlos de Oliveira

9

Casa-Museu localizada no centro da vila de Febres. Foi aqui, na casa da família, que o escritor viveu na infância e juventude

CASA-MUSEU: ESPAÇO DE MEMÓRIA E CULTURA 2016 Inaugurada em Fevereiro de 2016, a Casa Carlos de Oliveira reúne grande parte do espólio do escritor. Móveis, a biblioteca pessoal, peças de cerâmica e pinturas de sua autoria, distribuídas por diversas salas, representam uma amostra da vida e do sentir de Carlos de Oliveira. Uma grande foto do escritor da Gândara, acompanhada por um conjunto de referências sobre a sua vida e obra acolhem o visitante, logo à chegada. Ana Mesquita, funcionária da Junta de Freguesia de Febres, recebe quem ali se desloca. A porta está aberta, de segunda a sexta-feira, entre as 14h00 e as 17h00. Os visitantes são, sobretudo, «pessoas de fora», particularmente quando há eventos na freguesia, designadamente festivais de ranchos, com os grupo convidados a procurarem conhecer mais sobre a história desta “Terra do ouro”e das Gândaras que o escritor imortalizou. Mas também os alunos das escolas da freguesia são “clientes” habituais deste espaço, onde também se realizam exposições, se assiste ao lançamento de livros e em cujo sótão ensaia o grupo Pequenas Vozes de Febres, um projecto cul-

tural que reúne uma centena de crianças e jovens. É também ali que decorrem os workshops, promovidos pela Junta de Freguesia, nas férias do Natal, destinadas às crianças das escolas. Também a Biblioteca da Freguesia, com 1.119 obras, todas já devidamente catalogadas, funciona naquele espaço, a antiga casa da família de Carlos de Oliveira, onde o escritor cresceu e o pai, médico municipal, dava consultas. «As pessoas querem saber como era a vida de Carlos de Oliveira, a relação – muito forte – que tinha com a esposa, D. Ângela»,

Máquina de escrever do escritor

explica Ana Mesquita, enquanto apresenta a escrivaninha usada pelo escritor, que faz parte do mobiliário do apartamento do casal, em Vila Franca de Xira – onde está instalado o Museu do Neo-Realismo, que acolhe uma parte significativa do espólio do escritor –, doado pela viúva de Carlos Oliveira. Especial atenção merece a velha máquina de escrever. «Carlos Oliveira escrevia à mão e a D. Ângela, durante a noite, passava à máquina», conta, sublinhando a “reescrita” a que o escritor sujeitava cada reedição da sua obra. E foram muitas, especialmente do romance “Uma abelha na chuva”, lançado em 1953, que contabiliza 21 edições, a última das quais em 1982. Os sofás, as estantes repletas de livros – desde a Filosofia à História e Geografia e Literatura – alimentam o olhar curioso do visitante, que aprecia, ainda, o quadro de Carlos de Oliveira, pintado pelo amigo Lima de Freitas em 1952, bem como o curioso móvel que encerra um rádio e um gira-discos. Ana Mesquita faz questão de acompanhar a visita com a leitura de alguns excertos da obra do escritor e se numa das salas está patente a maqueta usada no filme “Sobre o lado esquerdo”, de Margarida Gil, é também ali possível assistir à projecção da película “Uma abelha na chuva”, de Fernando Lopes. O objectivo é só um: promover este património ímpar e dar a conhecer a obra de Carlos de Oliveira. 


10

António Fragoso 90 anos com Cantanhede

MUSEU MULTIMÉDIA IMORTALIZA GENIALIDADE DE ANTÓNIO FRAGOSO 2008 Associação que divulga legado do pianista e compositor, nascido na Pocariça, quer focar instituição na promoção da “música e na investigação”

Eduardo Fragoso numa visita guiada à casa onde habitou António Fragoso

A

Associação António Fragoso, em conjunto com a Câmara de Cantanhede, vai avançar ainda este ano para a construção de um Museu Multimédia, na localidade da Pocariça, na casa onde viveu e morreu o pianista e compositor português que perdeu a vida aos 21 anos, vítima da pneumónica (gripe espanhola), em 1918, e que tinha «tudo para se tornar o maior compositor português do século XX». Considerado por muitos como «um virtuoso pianista e compositor», viu a vida interrompida abruptamente na flor da idade. «O grande objectivo deste projecto é promover a música e a investigação, bem como todo o legado deixado por António Fragoso», adianta Eduardo Fragoso. O projecto contempla igualmente a construção de «um pequeno auditório, com 80/90 lugares, e a aquisição de um «piano muito especial, que toca sozinho para quem não sabe piano, bastando para isso pedir a música. Para quem já sabe da arte apenas necessitará de se sentar e desfrutar», afirma o presidente da Associação António Fragoso.

«As obras devem arrancar este ano, estimando-se que em 2021, após a colocação do recheio, o museu comece a funcionar», adianta. Os olhos do sobrinho deAntónio Fragoso brilham quando fala nas qualidades, quer como músico, quer como homem, de seu tio. Decorria então o ano de 2008, e impulsionados por um conjunto de conterrâneos e familiares, Eduardo Fragoso e os irmãos, não querendo ver esquecido um singular património artístico e cultural, apesar de malogradamente o genial compositor só ter vivido 21 anos num país em que as valiosas referências de música clássica são tão raras, decidiram fundar a Associação António Fragoso (AAF). O objectivo era claro: «deixar a totalidade do seu legado devidamente estudado, revisto, publicado e gravado, permitindo assim que a sua memória e a sua obra perdurem no tempo e constituam um valioso legado para as gerações vindouras», explica. Ao longo de uma década de dedicação à causa, a AAF dinamizou 453 concertos, editou 12 CD, seis livros, cinco vídeos-do-

Diário de Coimbra

cumentários, elaborou 14 protocolos, contratou 16 professores, ensinou 1.690 alunos, possui seis agrupamentos musicais residentes, mobilizou 66 artistas, seis orquestras, sete collegium de compositores e tem um “staff”executivo de quatro pessoas/voluntariado. «Uma década ao serviço da cultura portuguesa, cujo ponto alto foi, sem dúvida, em 2018, a dinamização do programa que assinalou o centenário da morte deAntónio Fragoso», revela o sobrinho Eduardo. O responsável destaca ainda a realização do Colóquio Internacional – “António Fragoso e o seu Tempo”, promovido, em 2008, pela Universidade Nova de Lisboa em parceria com a AAF. «Este evento deu um significativo contributo para o conhecimento de Fragoso e da sua obra, tendo ainda permitido perspectivar o que ele poderia ter vindo a ser se a sua vida tivesse sido mais longa», assume. A associação é formalmente fundada a 28 de Janeiro de 2009, com o nome de Associação António Fragoso, porém, dias antes da constituição da mesma a família de António Fragoso recebe uma carta do Procurador Geral de Lisboa, onde o magistrado escreve que ou os responsáveis «escolhiam o nome da associação ou os estatutos e os objectivos da mesma», as «duas coisas não seria possível». Indignados com a situação decidiram, no dia da escritura, colocar o nome de «Associação MúsicoCulturalALF». «Arazão deste acontecimento foi que a família, pelo facto de ter herdado todo o espólio de Fragoso e não ter colocado na declaração às finanças esse “item”, por não saber que o espólio era um activo, e o procurador não permitiu que colocássemos o nome de António Fragoso», sublinha o presidente da associação. Somente passados sete meses, já depois de terem contratado os serviços de uma notária «para resolver o imbróglio», foi realizada uma segunda escritura com o nome Associação António Fragoso». «Ainda hoje, quando realizamos um acto legal tem de aparecer nas folhas do livro de actasAssociação Músico-Cultural ALF», algo que «mudará brevemente», espera Eduardo Fragoso. Eduardo Fragoso recorda ainda que a primeira verba que a associação disponibilizou serviu para «adquirir um scanner A3 para digitalizar todas as partituras de António Fragoso», um trabalho «demorado e minucioso» que permitiu «perceber a genialidade» do pianista e compositor.



12

António Fragoso 90 anos com Cantanhede

“Sonata” inacabada e a “A Morte de Aase”

A única fotografia existente de António Fragoso ao piano

António Fragoso morreu a 13 de Outubro de 1918 (21 anos) quando a pneumónica já estava instalada em toda a Europa. No dia anterior, quando já se encontrava febril, e após o jantar, subiu para seus aposentos dizendo à família que iria tentar terminar a sonata. Não o fez, talvez porque o seu estado debilitado não lhe tivesse permitido

escrever mais umas notas. «Queria muito acabar aquela peça. Mas já estava febril. Subiu as escadas com dificuldade, sentou-se ao piano e a criatividade... não aparecia. Ao lado tinha uma pasta. Abriu, tirou de lá uma partitura, tocou, foi para o quarto, que era no fim do salão, e morreu no dia seguinte. Quando

Fragoso termina Curso de Piano com 20 valores António Fragoso teve, a nível musical, três mestres na vida. «O primeiro foi um médico de Cantanhede (António José Tovim) casado com uma tia, que aos cinco ou seis anos lhe deu as primeiras lições de piano, nomeadamente na leitura de partituras», refere Eduardo Fragoso. «Depois, quando vai para o liceu, no Porto, fica na casa de um tio materno, que também era médico e professor catedrático de Medicina, uma pessoa de posses. Esse tio, José Oliveira Lima, deu-lhe um professor fantástico, hoje

esquecido, Ernesto Maia». Após um ligeiro “braço-de-ferro” com o seu pai acabou por se matricular no Conservatório Nacional de Música de Lisboa, onde fez o Curso Superior de Piano com 20 valores, a classificação máxima. «A genialidade de Fragoso fez com que fizesse quatro anos num só», assume Eduardo Fragoso. Mais tarde, na altura com 15/16 anos, preparou o «exame final para que este permanecesse na história». «Alinhavou, então, três peças: uma Sonata de Beethoven, seguida de uma peça

Diário de Coimbra

quiseram saber o que tocou, foram ver a pauta. Estava aberta numa composição chamada “A Morte de Aase”, da suíte Peer Gynt, de Grieg», conta emocionado Eduardo Fragoso. O legado de Fragoso encontrava-se num enorme malão de couro castanho. «Lá estavam todos os seus manuscritos», diz o presidente da associação. «O meu avô, quando o filho morreu, fez aquilo que se fazia nos tribunais: coseu os manuscritos todos, pôs-lhes uma capa e fez uma numeração em cores diferentes, para se perceber a sequência. Esse é hoje o chamado Livro dos Manuscritos», adianta. Na apresentação da associação, em 2008, no Biocant Park, em Cantanhede, foi colocado o piano de Fragoso e ao lado um moderno. «Miguel Henriques, director da Escola de Música de Lisboa, começou então a tocar no piano de Fragoso, após ter estado a afiná-lo durante cinco horas. E começou a tocar “A Morte de Aase”, algo que muito emocionou a família», uma vez que Fragoso escolheu tocar aquela música na última vez que se sentou à frente do piano, facto que leva a crer que poderá ter tido uma premonição da sua própria morte. Geralmente os musicólogos destacam do conjunto da sua obra os “Prelúdios”e a “Petite Suite”para piano, os “lieder”para canto, as partituras de música de câmara e os Nocturnos, sendo o “Nocturno em Ré bemol Maior” considerada a peça mais emblemática do seu imenso talento como compositor. 

de Grieg e terminou com a Mazeppa, de Franz Liszt. O salão nobre estava cheio, com gente em pé. Ele acabou a Mazeppa e ouviram-se palmas por todo o lado. O presidente do júri pediu silêncio, levantou-se e disse: «Sr. Fragoso, dou-lhe 20 valores porque não tenho mais», conta o presidente da associação. Aos 12 anos António Fragoso começou a compor as “Toadas da Minha Aldeia”, aos 15 anos publicou a obra, e aos 16 tocou-a pela primeira vez em público. Foi muito aplaudido pela crítica musical, e este conjunto de acontecimentos marcantes despertaram nele a vontade de seguir os estudos de piano. A morte, no entanto, apanhou-o oito dias antes de partir para Paris, onde ia estudar com os maiores professores daquele tempo. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede António Fragoso

13

Biblioteca entrou em funcionamento nos finais da década de 60, nos Paços do Concelho

BIBLIOTECA: IMPORTANTE PÓLO CULTURAL 1988 Acordo de cooperação para a construção do novo edifício foi ponto de viragem na dinâmica dos serviços prestados à população

O

serviço que a Biblioteca Municipal de Cantanhede presta à população do concelho «é hoje de excelência», tornando-se reconhecidamente «um importante pólo cultural», e para atingir este patamar muito contribuiu a construção do novo edifício que começou a ser “desenhado” em 1988, com o acordo de cooperação estabelecido entre a autarquia local, na altura presidida por Albano Pais de Sousa, e o Instituto Português do Livro e da Leitura, que contemplava, além da edificação da estrutura, o seu apetrechamento em termos de equipamento e mobiliário e de bibliografia e documentação. O novo espaço, considerado modelar a nível de arquitectura e funcionalidade, so-

mente a 25 de Julho de 1992 viria a ser inaugurado, mas, desde então, tem evoluído no sentido de servir cada vez mais e melhor a população, o que tem vindo a verificar-se, sobretudo através do «exponencial aumento do número de utilizadores». Auditório com lotação de 100 lugares, um átrio com condições privilegiadas para exposições, sala de audiovisuais, ludoteca e bebeteca são algumas das valências que a Biblioteca Municipal coloca ao dispor da comunidade, ao que se junta um fundo bibliográfico constituído por um total de 56.282 documentos, dos quais 44.021 são livros, e vários produtos em suporte digital. A integração, em 1992, na Rede Nacional de Leitura Pública permitiu o desenvolvimento de acções de promoção

do livro e de incentivo à leitura orientadas para públicos de diferentes idades, dinamizando ainda na sua estratégia anual exposições temáticas e um grupo de teatro infanto-juvenil. Mais recentemente foi implementado o serviço de biblioteca itinerante, que percorre as freguesias do concelho, a biblioteca de praia, que funciona durante o período de Verão e o serviço de biblioteca do hospital. A Biblioteca de Cantanhede entrou em funcionamento no edifício dos Paços do Concelho no final da década de 60, por iniciativa do então presidente da câmara Manuel Santos Silva, que, sensibilizado para o assunto, promoveu o tratamento do importante acervo bibliográfico e documental existente, o qual era constituído por obras de Teologia, Escriturística, História, Ciências Físicas e Naturais e Literatura. Apesar disso, só no dia 4 de Novembro de 1985 a Biblioteca Municipal, já com horário fixo de abertura ao público, passou a fazer aquisição de livros para actualizar os fundos documentais para preencher a evidente lacuna cultural que a este nível existia no concelho, não obstante o «meritório serviço» que a Biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian, ainda em funcionamento, assegurava.


14

Os Esticadinhos 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

Grupo é um embaixador da cultura e das tradições da região, que leva ao mundo o nome de Cantanhede

“OS ESTICADINHOS” LEVAM AO MUNDO AS DANÇAS E CANTARES DA REGIÃO 1935 Rancho Regional apresentou-se nas Festas da Vila em Maio de 1935 e nunca mais parou. Já percorreu mundo e hoje é um embaixador de excelência da Gândara e da Bairrada

O

grupo de jovens, rapazes e raparigas, dançava na eira. «Eram todos muito elegantes, magrinhos». Alguém passou e fez a observação: “tão esticadinhos”. E o nome ficou». Idálio Espinhal, presidente da direcção do Rancho Regional “Os Esticadinhos”, recorda a origem do grupo, cuja primeira apresentação aconteceu em 1935, por ocasião das festas da vila. Já lá vão 85 anos, cumpridos em Maio. A pandemia impediu que o vasto programa de comemorações tivesse um final feliz, celebrando oito décadas e meia de promoção do folclore e da etnografia da região da Gândara e da Bairrada em todo o mundo. «Praticamente não há nenhum país da Europa onde não tenhamos ac-

tuado», afirma o responsável, destacando, igualmente, a viagem que, nos anos 80, o grupo fez aos Estados Unidos da América, onde participou nas comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Mas também as actuações de Norte a Sul do país. As actuações representam «uma alegria enorme» para o grupo, que é sempre «muito bem recebido». «O público tem um carinho especial por nós», adianta Idálio Espinhal, que destaca o empenho de “Os Esticadinhos” em actuarem, «praticamente a custo zero», em todas as colectividades e associações que lhe fazem um convite. «Fazemos essas deslocações com muito gosto, com muito amor», adianta o

O público revela um “carinho muito especial” pelo rancho onde quer que ele actue, seja no país, seja no estrangeiro, destaca Idálio Espinhal

empresário, que há sete anos assumiu a direcção. O grupo conta actualmente com mais de 40 dançarinos, pois normalmente são 12 pares de adultos, e igual número na componente infanto-juvenil. A tocata tem oito elementos, que asseguram a componente instrumental, a que se junta a cantata, com um número equivalente. Juntos constituem o Rancho Regional “Os Esticadinhos”, um grupo que leva ao palco as danças e cantares tradicionais da região, mantendo viva a memória de um folclore genuíno e rico, envergando trajes domingueiros de meados do século passado – saia preta pragueada, colete e algibeira vermelha e blusas brancas - com as senhoras a mostrarem os seus cordões e adornos, um chapéu gandarês e lenço de seda franjeado e uma capa de burel. Já os homens vestem calças castanhas de surrobeco à boca de sino, camisa banca, colete e jaqueta de surrobeco, cinta preta apertada à volta da cintura e chapéu de aba larga. Apesar de desde sempre registar uma grande adesão, a pandemia, com a anula-



16

Os Esticadinhos 90 anos com Cantanhede

ção de todas as actuações e a ausência de ensaios, causa «alguma preocupação» ao presidente, que não perspectiva um regresso à normalidade e, neste momento, também não sabe como “estão os ânimos” de tocadores e dançarinos. «Vamos reunir em breve», afirma, para “tomar o pulso” ao momento e preparar o futuro. Aproveitando esta fase, o rancho prepara-se para fazer obras na sede, designadamente pintura e remodelação das casas de banho, que representam um investimento de «alguns milhares de euros», mas que são importantes, no sentido de «bem receber quem nos visita». Com uma vasta experiência ligada ao associativismo e uma enorme paixão por Cantanhede, Idálio Espinhal é, também,

um homem de diálogo e harmonia. Por isso empenhou-se em resolver, a bem, um conflito aberto entre Os Esticadinhos e o Cancioneiro de Cantanhede, que nasceu com o surgimento deste grupo. «Foi formado por gente que saiu de Os Esticadinhos», refere, sublinhando que os dois grupos «sempre estiveram de costas voltadas». Até há cerca de quatro anos, altura em que decidiram “fumar o cachimbo da paz” e organizarem, em conjunto, o Festival da Amizade. «Fui muito criticado», confessa o presidente, que, muito embora entenda que, no passado, foram feitas «coisas muito feias», o importante é «olhar em frente, para o futuro». «O Festival da Amizade é o exemplo de uma coisa muito bonita», diz, com emoção. O evento decorre

Diário de Coimbra

no quartel dos Bombeiros Voluntários, habitualmente em Maio, e os dois grupos, com o apoio da Junta de Freguesia, suportam os custos da organização. A receita de bilheteira destina-se a instituições de solidariedade social, ajudando quem mais precisa. 

Festival da Amizade junta os dois grupos, outrora rivais, num evento de harmonia, cuja receita ajuda instituições de solidariedade social

Museu Rural e Etnográfico Idálio Espinhal fala, ainda, com notório orgulho do Museu Rural e Etnográfico do grupo “Os Esticadinhos”. «Temos um grande museu, com um vasto espólio», que reúne peças recolhidas pelo grupo, particularmente por Carlos Garcia, o elemento mais antigo do rancho, com 85 anos, que integra a tocata. «Foi ele o grande impulsionador do Museu», refere o presidente da direcção, salientando que se trata de um trabalho com mais de três décadas de pesquisa e recolha, que permitiu reunir um conjunto amplo de equipamentos ligados à actividade agrícola e a profissões emblemáticas e ancestrais da região. «Hoje é uma coisa digna de se ver». E se dúvidas houver, basta ver o entusiasmo e a emoção com que os elementos dos ranchos, vindos dos quatro cantos do país, para participar no festival, percorrem o espaço. Emocionado,

Museu é o corolário do trabalho e empenho de Carlos Garcia

Idálio Espinhal lembra o «senhor Manuel, agarrado à forja, a chorar», recordando os seus tempos de ferreiro.

O Museu está aberto ao público, podendo ser visitado durante a tarde, entre as 14h00 e as 17h00. 


90 anos com Cantanhede Folk

Diário de Coimbra

FOLK JUNTA CULTURAS E POVOS DOS QUATRO CANTOS DO MUNDO 2006 Grupo Folclórico Cancioneiro de Cantanhede é o promotor da grande festa, que se realiza desde 2006 e promete continuar

Cortejo dos grupos constitui um dos momentos emblemáticos do festival

D

epois de anos de dedicação ao folclore e uma experiência acumulada de participação em festivais internacionais CIOFF, o Grupo Folclórico Cancioneiro de Cantanhede resolveu “dar o salto”. «Porque não organizarmos um festival?» A questão teve, recorda Paulo Marques, presidente da direcção do grupo, resposta imediata. «Já tínhamos percebido a lógica dos festivais e do CIOFF - Conselho Internacional das Organizações de Festivais de Folclore e Artes Tradicionais – organismo mundial, com assento na UNESCO, que fomenta o contacto entre as culturas de todo o mundo através do folclore». Por isso, «a equipa focou-se na questão» e o grupo, fundado em Junho de 1983, estreia-se em 2006, com a primeira edição do Folk Cantanhede. Foram cinco os grupos participantes nesta grande festa internacional e, de então para cá, o crescimento foi exponencial, com cada vez mais grupos e um alargamento da experiência, partilhada com as freguesias do concelho e com concelhos vizinhos. Na última edição, foram 11 os grupos participantes.

Projecto com as escolas A juventude do Cancioneiro, que enche o grupo de orgulho, tem uma razão de ser: o projecto Escolas – Identidade Cultural. Paulo Marques explica que se trata de um projecto desenvolvido há três anos, numa parceria com a Escola Tecnológica e Profissional de Cantanhede e a EB 2,3 Marquês de Marialva. Os responsáveis de cada uma das escolas «acharam interessante incluir a etnografia e folclore no curriculum escolar» e o projecto avançou. «Desta forma, conseguimos cativar muitos jovens», confessa, destacando, ainda, os trabalhos de final de curso dedicadados à área da etnografia e do folclore. Quanto ao Cancioneiro, «a porta está sempre aberta», afirma Paulo Marques. 

17

Este ano a pandemia impediu a realização deste e dos outros festivais CIOFF que se realizam no país, 12 no total, entre os quais o Festimaiorca, com o qual o Cancioneiro tem, desde 2019, uma parceria. «Ao longo destes 14 anos de edições, tivemos mais de 90 grupos, que representaram 64/65 países diferentes», diz, com notório orgulho, Paulo Marques. Mas o festival é muito mais do que a presença e a actuação dos grupos. «Isso é uma ínfima parte», faz notar. Além do colorido do espectáculo, «o nosso grande objectivo é mobilizar toda a comunidade de Cantanhede para colaborar no festival e interagir», destaca. Um objectivo conseguido, com a mobilização designadamente das escolas, das IPSS e da APPACDM. «Interagimos praticamente com todas as associações do concelho, com as galas nas freguesias», explica Paulo Marques, destacando a «interacção e envolvimento de toda a comunidade». Essa é, de resto, em seu entender, «a chave do sucesso» do evento. «Neste momento toda a gente quer participar no Folk, inclusive as famílias», conta, apontando o êxito que tem sido a proposta Folk Família, com muitas famílias a inscreverem-se para acolherem as famílias estrangeiras e partilharem com elas o seu dia-a-dia, uma experiência fantástica para ambas. «É um projecto para continuar», garante o presidente do Cancioneiro, reconhecendo que este é o grande evento do grupo. «Ainda não terminámos uma edição e já estamos a convidar grupos para a edição seguinte», assume. Diferenciador é, também, o festival de folclore que o grupo organiza. «Fazemos questão que os grupos convidados fiquem dois dias e conheçam a região», refere. Um procedimento que já mereceu elogios da Federação de Folclore. Outra vertente do grupo prende-se com a realização de eventos gastronómicos – oito a 10 por ano – de carácter temático, que replicam as tradições da boa mesa da região e representam uma forma de angariar receitas. O Cancioneiro tem cerca de 70 elementos, bastante jovens, onde se incluem os dançarinos, seis cantadores e 15 músicos, mas raramente estão todos em palco. «Actuamos com 35/40 elementos», explica Paulo Marques, tendo em conta o festival, o espaço e o público.


18

Ourives ambulante 90 anos com Cantanhede

José Oliveira foi toda a sua vida ourives ambulante

FEBRE(S) DE OURO 1952 Numa terra pobre, o futuro passava pela enxada ou pela mala de ourives ambulante. José Oliveira, hoje com 90 anos, escolheu a segunda opção, seguindo uma tradição de família

N

atural de Balsas, onde nasceu, casou e continua a viver, José Oliveira seguiu o destino talhado para uma grande maioria dos jovens da freguesia. Foi assim durante gerações. Uma tradição que transformou Febres numa “Terra de Ouro”. «Esta era e é uma terra pobre. Não havia alternativa: ou trabalho de enxada ou de ourives ambulante», recorda o reformado, que, com 90 anos, possui uma energia e lucidez invejáveis. A decisão era tomada depois de cumprido o serviço militar obrigatório. Corria o ano de 1952 quando José Oliveira fez a escolha, dando continuidade à herança familiar. «O meu falecido pai e o meu avô materno eram ourives», recorda. O convite veio de Manuel Brajal, um conterrâneo, que trabalhava, na altura, a zona de Tábua. E foi também naquela

zona da Beira Serra que José Oliveira começou a trabalhar. «Não gostei muito», lembra, já a pensar em voos mais altos, rumo a Trás-os-Montes, um território onde, no tempo da guerra, o pai tinha desenvolvido o seu negócio como ourives ambulante. «O nome do meu pai – Manuel Oliveira – ajudou-me muito», sublinha, recordando os tempos difíceis, em viagens pelas serras acima, por estradas que não passavam de caminhos, onde até a bicicleta tinha de seguir apeada. Boticas, Montalegre, Ribeira de Pena e Cabeceiras de Basto foram os seus concelhos de eleição, que figuraram na licença de ourives ambulante, “passada” pelas Finanças. «Andei ali uns anos», diz, recordando a «vida difícil», sua e dos congéneres. «Vínhamos passar o Natal a casa. Saíamos em Janeiro e vínhamos passar a Páscoa. Ficá-

Diário de Coimbra

vamos uns dias em casa e partíamos de novo, para voltarmos no Verão, por altura das Festas de Nossa Senhora de Febres». Aviagem demorava quase dois dias. «Saía de madrugada e só chegava no dia seguinte de manhã». Um percurso complicado, que começava com o apanhar da “carreira” rumo a Mira, de onde seguia para Aveiro. Aqui apanhava o comboio para Porto Campanhã e, de seguida, novo comboio, desta vez para Braga. Ali chegado, era tempo de apanhar a “carreira” para Chaves, que lhe permitia chegar à localidade de Salto. Uma viagem que, hoje, José Oliveira faz, de carro, em «pouco mais de duas horas». «Não havia hotéis ou pensões. Recorríamos ao comércio local, que nos recebia da melhor forma que podia». E se era assim para dormir, a receita também se aplicava à comida. «Sujeitávamo-nos ao que havia» e muitas vezes as duas refeições do dia constavam de «bacalhau salgado». «Raramente aparecia o cabrito». As terras de Trás-os-Montes conquistaram José Oliveira. «Gosto daquela gente e fiz lá muitos amigos». Amizades que preserva, ainda hoje, e que o levaram, inclusivamente, a «alugar uma casa», na localidade de Salto, concelho de Montalegre, onde chegou a viver com a esposa, Idalina Brás, e com as duas filhas, Alzira e Lurdes. Já com a bicicleta a pedal trocada por uma motorizada, José Oliveira também quis trocar as voltas pelas serras de Trás-os-Montes por territórios com um horizonte mais largo e o destino foi Lobito, «a sala de visitas de Angola». Uma mudança que se verificou em 1962, numa altura em que «havia muita gente», nomeadamente ourives ambulantes da região, a rumar a terras de África.Afamília Oliveira fez-lhes companhia. «Andei por todo o lado, só não fui a Cabinda», recorda, com os olhos brilhantes, lembrando um negócio promissor, que rendeu até 1975, altura em que regressou a Balsas e recomeçou a vida, de novo com o Norte fixado em Trás-os-Montes. Entre a venda de porta em porta e a participação em feiras, o ourives “fez-se à vida”, numa nova etapa, sempre num registo de confiança. «Nunca gostei de vender gato por lebre. Não ia ao barato, ia ao bom» e esse princípio deu-lhe fama e garantias, designadamente junto dos fiscais da Contrastaria Nacional que andavam sempre “em cima” dos ourives, à procura de ouro “fora da lei”.



20

Ourives ambulante 90 anos com Cantanhede

«Vendi muito ouro e ganhei dinheiro», assume, confessando que o segredo sempre foram «as pessoas honestas» que o forneciam», seja os “depósitos” existentes em Febres, Mira ou Cantanhede, onde se abastecia inicialmente, ou, mais tarde, os fornecedores directos, em Gondomar ou na Póvoa de Lanhoso. E para quem não sabe, deixa uma dica: Póvoa de Lanhoso é «especialista em filigrana», enquanto em Gondomar «encontra-se de tudo».

“Nunca tive medo” Uma vida a galgar quilómetros. A pé, de bicicleta e, mais recentemente, de carro. Na mala seguiram quilos de ouro, com um valor que nem é bom pensar. Medo? «Nunca tive medo», afirma. E lembra mesmo as viagens pelas serranias de Trás-os-Montes, em pleno Verão, «a pé, com a mala às costas». «Quando estava cansado, deitava-me na sombra de uma árvore e dormia ali um sono. Sempre fiz isso, eu e todos os outros, e ninguém nos fazia mal. Havia segurança», garante. Além disso, «o ourives era uma pessoa muito respeitada», faz notar o reformado.

Na sua longa carreira, José Oliveira só sofreu um assalto. Aconteceu em 2007, em Salto, e está convencido que foi «gente conhecida». «Entraram-me em casa, arrombaram as portas, arrombaram o carro e levaram-me as malas», onde estavam «10 a 12 quilos de ouro». “Calotes” também não constam do seu vasto repertório de histórias, pois até mesmo o lavrador que lhe levou dois cordões de ouro para as filhas e pagou um, na hora, na feira, prometendo pagar o segundo depois, acabou por liquidar a dívida de 600 escudos. Demorou tempo e José Oliveira viu-se mesmo confrontado com a ameaça de uma tareia a valer e perseguido, serra acima, pelo lavrador, de espingarda em punho, mas nada de pior aconteceu, além do susto. «Foi a única chatice que tive. As pessoas eram de confiança, gente que cumpria. Era família», diz, recordando «uma vida muito difícil, mas bonita», «sempre a correr, com a mala às costas». Sobretudo em Trás-os-Montes, onde até o padre o chegava a “recomendar”aos paroquianos como «homem de confiança», para uma “comprinha” depois da missa de domingo.

Diário de Coimbra

Profissão “condenada” Numa terra onde não há ouro, foi este metal precioso que deu fama a Febres e levou as suas gentes a percorrer mundo. Uma tradição ancestral que terá começado, «segundo as histórias contadas pelos nossos antepassados, com os trabalhadores que serravam madeira e percorriam todo o país. Com o dinheiro que ganhavam compravam ouro, que vendiam na feira de Cantanhede, a ourives de Gondomar», conta o antigo ourives. Nenhuma das filhas se interessou pelo negócio da família. Uma vive em Lisboa e a outra na Suíça. «Nem eu queria», diz José Oliveira, com a mala de ourives ambulante fechada deste a morte da esposa, em Maio de 2011, altura em que regressou definitivamente a Balsas. E não tem dúvidas que quando esta geração se reformar, a profissão de ourives ambulante também acaba. «A 50/60 euros a grama do ouro, não dá», garante. «Hoje entra-se uma ourivesaria e só se vê prata. O ouro está no cofre», constata, ciente dos problemas de segurança que hoje existem.

Ourives ambulante perpetuado em monumento

Monumento foi inaugurado em Junho de 1990

1990 Foi no dia 3 de Junho de 1990 que, em ambiente de festa, com a presença do então ministro da Administração Interna, Manuel Pereira, do governador civil de

Coimbra, Jaime Ramos, e dos presidentes da Câmara Municipal de Cantanhede, Albano Pais de Sousa, e da Junta de Freguesia de Febres, Manuel dos Santos, se pro-

cedeu à inauguração do Monumento ao Ourives Ambulante, uma iniciativa da Auri-Negra – Cooperativa de Informação Cultural de Febres. Ilídio Pessoa, então com 88 anos, nascido na localidade de Balsas e, à época, radicado em Viseu, que assumiu a presidência da Comissão de Honra da Homenagem ao Ourives Ambulante, fez questão de marcar presença na cerimónia que o «tocava de perto, já que também fora ourives ambulante», relata o Diário de Coimbra. A esta insigne personalidade, coube, de resto, juntamente com o ministro da Administração Interna, proceder à inauguração do monumento, que perpetua a memória do ourives ambulante, com a sua maleta e a sua inseparável bicicleta. Um excerto de um texto de Fernando Namora ilustra o monumento: “ E vêm também ourives… com o oiro a rebrilhar sobre o pano de veludo...” 



22

Museu da Pedra 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

MUSEU DA PEDRA: UMA HISTÓRIA COM 174 MILHÕES DE ANOS 2001 Inaugurado em Outubro, espaço tem uma forte dimensão científica, mas também educativa, pedagógica, social e cultural. Um “sinal de modernidade” que orgulha Cantanhede

Conhecido e reconhecido

Obras de arte feitas em pedra de Ançã

É

um santuário dedicado à pedra. A de Ançã, pela pureza do calcário branco e sem veios, é a rainha e ocupa o espaço mais nobre. Falamos do Museu da Pedra, um espaço inaugurado a 20 de Outubro de 2001, que apresenta uma vasta herança e convida a um mergulho no passado. Os dinossauros habitavam a terra e toda aquela zona estava submersa pelo mar. Aconteceu há 174 milhões de anos, a idade das jazidas calcárias que constituem uma referência do concelho e estão na essência do seu nome. Sobretudo em Outil, Ançã e Portunhos. Uma imagem da pedreira da Boiça mostra a história dessa evolução geológica, camada sobre camada. As pontas de flecha e as lâminas, feitas em sílex, testemunham o primeiro contacto do homem com a pedra, no Neolítico e Paleolítico Superior. Já lá vão, mais coisa menos coisa, 12 mil anos. Exemplares que se podem apreciar no Museu, assim como os toscos moinhos, usados para moer o grão. É a primeira sala, que apresenta uma contextualização histórica

e geográfica do território. A viagem prossegue no tempo e, há dois/três mil anos atrás, encontramos os romanos. Se dúvidas houvesse, uma “ara votiva”, encontrada em 1950, no adro da Capela de Nossa Senhora do Amparo, em Murtede, confirma que os romanos andaram por aí e aqui construíram a estrada entre Bracara Augusta e Lisboa. No final da obra, o general romano pagou a promessa. Uma relíquia, executada em pedra de Ançã, que se mostra no Museu da Pedra. Mas também ali se encontram amonites e blominites, fósseis de animais marinhos que, com muita frequência são encontrados nas pedreiras, ainda hoje. E explica-se, também, o uso dado a calcários menos nobres, designadamente para o fabrico de cimento, aplicações como branqueador, em pastilhas de cálcio, na indústria do ferro ou do plástico. Utilização múltiplas e em diferentes áreas que justificam que, em plena laboração, fossem retiradas cerca de três mil toneladas/dia de calcário de uma das pedreiras da zona.

«O Museu da Pedra é um espaço cultural de referência incontornável que engrandece não só a cidade e o município e Cantanhede, mas igualmente o país, como espaço museológico, pela sua dimensão científica, mas também pela dimensão educativa e pedagógica não esquecendo o papel cultural e social que desempenha. Constitui mesmo um sinal de modernidade que muito nos orgulha», afirma Pedro Cardoso. «É a “menina dos olhos” de um concelho que teve a felicidade de ter no seu espaço a matéria-prima por excelência da Renascença Coimbrã, a pedra de Ançã», adianta o vice-presidente. O autarca destaca as parcerias com entidades científicas e museológicas, designadamente o Museu Nacional de História Natural, o Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Nacional de Machado de Castro. Galardoado, logo no ano da inauguração com a Menção Honrosa de Melhor Museu Português no Triénio 1999/2001, pela Associação Portuguesa de Museologia, o Museu da Pedra foi distinguido, em 2006, com o Prémio Nacional de Geoconservação, atribuído pela ProGEO – Associação Europeia para a Preservação do Património Geológico. Pertence à Rede Portuguesa de Museu e integra o Roteiro das Minas e Pontos de Interesse Mineiro e Geológico em Portugal. 


Diário de Coimbra

Mas o nosso olhar espanta-se quando se entra na sala seguinte. É a pureza e a brancura da pedra de Ançã a dar forma e vida a um conjunto de seis estátuas em tamanho natural. Um trabalho de Claude Laprade, um génio da escultura que, com apenas 19 anos, em 1702, deu vida à pedra, criando um conjunto de obras que simbolizam as várias áreas do saber. Uma encomenda da Universidade de Coimbra, que fascina pelo pormenor, na figura do Imperador Justiniano, considerado o pai do Direito Romano, e nas restantes, com a pedra a fazer-nos sentir o drapeado das vestimentas, os caracóis do cabelo ou o requinte de uma peça de joalharia. Na imagem de uma pedreira de Vila Nova de Outil, o Museu apresenta o trabalho dos cabouqueiros – que retiraram a pedra das pedreiras – e dos canteiros – que executavam as obras - bem como das ferramentas utilizadas para partir e para “dobrar” a pedra. Nas oficinas, cumpriam-se todas as encomendas, mas também dali saíam trabalhos “mais finos”, designadamente peças de arte sacra, que também se encontram no Museu. Pedro Cardoso, vice-presidente da Câmara Municipal de Cantanhede, destaca a preocupação em «diversificar a temática das exposições, promovendo a interdisciplinaridade em articulação com outras instituições museológicas e científicas», mas igualmente um outro projecto, que reputa de «grande interesse patrimonial e pedagógico». Trata-se de dar a conhecer «as imagens de pedra existentes nas várias igrejas e capelas do concelho de Cantanhede», através de uma «sucessão de exposições temporárias», efectuadas em «estreita colaboração com as autoridades religiosas». «Tem-se revelado uma experiência enriquecedora», afirma. 

90 anos com Cantanhede Museu da Arte

23

Museu da Arte e do Coleccionismo

Obras decorrem na Casa Municipal da Cultura

As obras decorrem na Casa Municipal da Cultura (antiga Casa do Capitão-Mor), dando corpo a um projecto do arquitecto Miguel Abecassis, que ronda os dois milhões de euros, para receber o Museu da Arte e do Coleccionismo. «Trata-se de um projecto pioneiro a nível nacional e, nos moldes em que está previsto, inovador a nível mundial», salienta o vice-presidente da autarquia. Para Pedro Cardoso, este museu representa «um equipamento de grande relevância patrimonial», que deixa «antever enorme benefícios para o município de Cantanhede, quer no âmbito da oferta museológica e cultural, quer ao nível da atractividade turística e, em função disso, também de atractividade económica». Na génese do Museu da Arte e do Coleccionismo está a doação que o médico, escritor e coleccionador fez ao município de um vasto acervo, «constituído por cerca de 800 mil peças, reunidas em cerca de 100 colecções». Uma «acção benemérita», como a define Pedro Cardoso, formalizada em Abril do ano passado, precisamente no dia em que Cândido Ferreira celebrou 70 anos. «Fui um privilegiado», afirmou na altura. «A minha vida profissional, que foi intensa, possibilitou-me a exploração de muitas áreas de actividade, que o meu espírito inquieto nunca deixou de aprofundar. Juntar objectos foi uma delas», adiantou, confiante que com o novo museu Cantanhede se vai afirmar como «capital nacional do coleccionismo». Coube a Fernando Baptista Pereira gi-

zar um «programa museológico adequado à musealização das colecções, no que diz respeito à organização dos espaços, percursos temáticos e condições de exposição que permitam tirar o melhor partido possível do grande valor patrimonial das diferentes colecções», explica o vice-presidente. O MAC vai apresentar exposições temáticas muito diversificadas, nomeadamente na área da arqueologia e antiguidade egípcia, clássica e oriental; artes decorativas – com destaque para a porcelana da Companhia das Índias, faiança portuguesa, Vista Alegre, vidro, cerâmica das Caldas e de Alcobaça. Contempla, ainda, uma ala de pintura a óleo e aguarela, com obras do Romantismo, Naturalismo e primeiro Modernismo; artesanato e culturas do mundo; numismática, medalhística e filatelia, entre outras. «Cantanhede tornar-se-á “capital nacional e internacional do coleccionismo”», afirma Pedro Cardoso, entusiasmado com o projecto «extremamente ambicioso» do novo «centro cultural», que «vai funcionar como plataforma interdisciplinar» E porque se pretende que o MAC seja «líder de um projecto multipolar em rede», vão ser «estabelecidos protocolos de cedência de longa duração ou exposições temporárias com outros órgãos da administração local, associações ou instituições públicas ou privadas com responsabilidades educativas, artísticas e culturais ou pólos descentralizados por países lusófonos», adianta o autarca. 


24

Cantaria 90 anos com Cantanhede

O SABER QUE DÁ FORMA À PEDRA 1969 Sérgio Duque, de 51 anos, trabalha desde os 14 na arte de “fazer cantar a pedra”. Uma tradição de família que herdou do pai. A filha já palmilha o mesmo caminho

Sérgio Duque e Abigail Figueiredo, uma dupla imbatível, constituída por pai e filha

S

érgio Duque é herdeiro de um saber ancestral. «O meu pai já trabalhava na arte» e com 14 anos, concluída a telescola, «comecei a trabalhar com ele». Hoje é a filha, Abigail, que lhe segue as pisadas. Com 24 anos e formação em Artes, a jovem trabalha com o pai já lá vão cinco anos. «É uma grande ajuda», confessa, elogiando a filha, que «tem jeito» e, sobretudo, não se assusta com o «trabalho sujo e pesado» que a pedra representa. Juntos, fazem um dupla imbatível. Natural do Zambujal, freguesia de Cadima, onde também reside, Sérgio Duque percorre a região a trabalhar a pedra. Pedra branca, calcária, de Ançã, ou outras. Lareiras são o seu forte, mas também faz cantarias, bancadas de cozinha, o que for preciso. Sempre em pedra. «A pedra de Ançã é mais macia, corta-se em qualquer direcção», contrariamente ao que acontece com outras, explica. Actualmente, Sérgio Duque está a trabalhar na localidade de Barracão, Mira, numa casa apalaçada. Já aplicou uma la-

reira, está a fazer balastros torneados para uma escada e há ainda muito trabalho à sua espera, designadamente «esculpir um sobreiro em pedra». Os contornos da peça ainda não estão definidos, mas o canteiro já está entusiasmado com o projecto. Um desafio, como tantos outros a que já deu resposta. Sim, porque o artesão tanto faz peças utilitárias, como a clássica cantaria, uma lareira ou uma escada, como um trabalho «mais artístico», que, assume, «dá outro gosto». É «a criatividade», o «dar forma à pedra». Um trabalho que envolve e entusiasma, de tal forma que «nem damos pelo tempo passar». Como exemplo deste trabalho mais criativo, Sérgio Duque aponta o brasão em pedra branca que fez para os Bombeiros Voluntários de Mira. Mas também um conjunto de capacetes de homenagem ao bombeiro, em mármore, preto e branco, que criou há dois anos. A única filha, Abigail Figueiredo, começou cedo. «Em pequenina , pegava numa pedra e começava a dar-lhe forma». O mesmo “bichinho”, que “mexe” com o pai e com a

Diário de Coimbra

filha. «Vê-se nascer uma obra, a partir de um bocado de pedra, sem jeito. Isso entusiasma, ganha-se gosto», confessa, feliz por ter a filha a trabalhar consigo. Para já é Sérgio Duque quem comanda as operações e deixa para a filha o trabalho final de «acabamento e polimento». «Depois de fazer a escultura, é necessário limpar, apurar as linhas, e ela faz isso». Depois de concluir o 12.º ano, Abigail tirou o curso de Artes e começou a trabalhar com o pai. «Não se importa por ser um trabalho sujo e pesado», garante o canteiro, feliz por ver que a sua arte vai continuar, através da filha. De resto, já vários curiosos lhe “passaram pelas mãos”. «Não ficaram muito tempo. Preferem serviços mais limpos, menos pesados», considera. Aliás, o artista não vê grande futuro nesta actividade. «Tudo o que as máquinas fazem, vai continuar a ser feito», mas a componente mais delicada e também mais artística, que envolve manufactura, está em queda. «Qualquer dia não se encontra quem faça», afirma, confessando que, hoje em dia, é solicitado por várias oficinas no sentido de assegurar esta componente. Um trabalho que não é feito com máquinas, mas sim com ferramentas. O escopo, de vários formatos, tem um papel decisivo no trabalho de “fazer cantar a pedra”. Sérgio Duque refere, ainda, o cinzel, as hordas, os ponteiros, a maceta e o maço, mas também o picão a escacilhadeira ou o gastechador. Este último uma peça de desbaste fino. Algumas destas ferramentas herdou-as do pai, já reformado, com quase 80 anos. É com elas que se faz a arte, que se dá forma às linhas que não são direitas. «Esta é uma profissão dura, que leva muito tempo a aprender e as pessoas não estão dispostas a isso», ainda por cima «a ganhar pouco», considera. Sérgio Duque sublinha as dificuldades que isso vai representar no futuro, uma vez que deixa de haver conhecimento e capacidade técnica para dar resposta a situações mais minuciosas. «Como é que se vai conseguir fazer a recuperação de alguma cantaria artística?», questiona. Difícil é, também, já hoje em dia, «conseguir boa pedra de Ançã», em blocos de dimensão razoável, uma vez que «a maioria das pedreiras estão fechadas, faz notar. «Consegue-se pedra de cantarias antigas», que é “reconvertida” ou, em alternativa, a pedra vem de Porto de Mós (Leiria). 



26

Pedra de Ançã 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

UMA “MÃO-CHEIA” DE MEDIDAS PARA PROMOVER PEDRA DE ANÇÃ 2020 Junta de Freguesia quer preservar esta referência cultural que alimentou o engenho e a arte de um grande número de escultores e arquitectos

S

ão “meia dúzia” de sugestões, um pacote de medidas que a Junta de Freguesia de Ançã remeteu à Câmara Municipal de Cantanhede. O objectivo é promover a pedra de Ançã, dar a conhecer ao país e ao mundo esta rocha única, um recurso que cresceu pródigo, entre as localidades de Ançã, Portunhos, Pena e Outil. Em causa está um tipo de calcário muito puro e macio, de tom esbranquiçado, a chamada “pedra branca”, particularmente explorada na zona de Ançã, que deleitou escultores e arquitectos pela facilidade de se moldar ao cinzel, permitindo criar algumas das mais emblemáticas joias do nosso património. A abundância e a qualidade da pedra de Ançã atraiu a Coimbra e à região grandes escultores, que aqui produziram obras notáveis. Mestre Pero, que esculpiu o túmulo da Rainha Santa Isabel; Gil Eanes, autor do portal do Mosteiro da Batalha; Diogo Pires – o Novo e o Velho - autores de estatuária diversa; Nicolau de Chanterene, que esculpiu os túmulos de D.Afonso Henriques e de D. Sancho I de Portugal e foi também o autor do portal da Igreja de Santa Cruz, de Coimbra; João de Ruão, autor da Porta Especiosa e doAltar da Capela do Santíssimo Sacramento da Sé Velha de Coimbra e do púlpito da Igreja de Santa Cruz, entre outros nomes sonantes. Cláudio Cardoso, presidente da Junta de Freguesia de Ançã, entende que é fundamental preservar esta herança colectiva, esta memória e esta identidade muito própria que motivou a candidatura da pedra de Ançã às “7 Maravilhas da Cultura Popular”, que se realizou este ano. De resto, foi na sequência desse projecto que surgiram estas medidas, que apontam, designadamente, para a criação, em Ançã, de um Museu, bem como a preservação de uma pedreira, de forma a manter viva a memória da exploração da pedra. Dois projectos que, no entender do autarca local, seriam

Carácter macio e brancura tornaram a Pedra de Ançã uma referência

«um complemento», em termos de visitação, ao Museu Machado de Castro, em Coimbra, uma referência no trabalho de cantaria em pedra de Ançã, bem como ao Museu da Pedra, em Cantanhede. «Juntava-se a obra feita e a matéria-prima», refere o autarca local. Outra das medidas aponta para a realização de um trabalho de recolha dos monumentos mais significativos, feitos em pedra de Ançã. Um trabalho que, considera, poderia ser efectuado em parceria com o Departamento deArquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e eventualmente acompanhado por um «roteiro fotográfico das obras de referência». Outra sugestão passa pela criação de «um monumento de homenagem à me-

mória do canteiro, que trabalhou e trabalha a pedra e também àqueles que a extraem e extraíram das pedreiras». Cláudio Cardoso defende, igualmente, a «criação de uma área de protecção, na zona histórica da vila de Ançã, para potenciar a utilização desta matéria-prima em obras de construção ou recuperação». E exemplifica com a pedra de Ançã a substituir o mármore, designadamente nos degraus e nas soleiras das portas. Para dar mais visibilidade a este produto identitário, o presidente da Junta sugere a realização de um “simposium” dedicado à pedra, à semelhança de eventos que já se realizaram em Cantanhede e em Ançã, «com um convite a artistas para trabalharem, ali, ao vivo, a pedra», seja escultores, seja artesãos. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Arte Xávega

27

2016 Centro de Interpretação Arte Xávega é testemunho de uma técnica de pesca que ainda hoje perdura na Praia da Tocha

O Centro de Interpretação dá a conhecer aos visitantes a Arte Xávega

ESPAÇO RECENTE “SEGURA” MEMÓRIAS DE TRADIÇÃO ANCESTRAL

Centro de Interpretação Arte Xávega, inaugurado a 30 de Dezembro de 2016, na Praia da Tocha (Palheiros da Tocha), destina-se a divulgar e promover o conhecimento das dimensões, histórica, sociocultural e etnográfica de uma actividade piscatória tradicional que continua activa na região da Gândara. Na verdade, com esta apresentação, fazem sentido as palavras de Paulo Delgado, que há décadas vive na Praia da Tocha e, apesar de nunca ter exercido a actividade de pescador, é um apaixonado por esta técnica de pesca e por tudo o que é ligado ao mar. O Centro de Interpretação Arte Xávega encontra-se no local onde antes estava situado o Posto da Guarda Fiscal, e apesar de ser um espaço da propriedade da Câmara Mu-


28

Arte Xávega 90 anos com Cantanhede

nicipal de Cantanhede, é gerido, mediante protocolo assinado, pela Associação de Moradores da Praia da Tocha (AMPT) A infraestrutura fica localizada em frente do areal e no seu interior existem muitos materiais que ajudam a explicar o que é arte xávega, como se fazia há várias décadas e a evolução que sofreu ao longo dos tempos. Há também fotografias e pinturas que ilustram o dia-a-dia da comunidade piscatória, bem como um sem número de exposições, ao longo do ano, que têm como tema base o mar. Paulo Delgado explica que o centro «é uma forma de divulgar a xávega, uma das grandes tradições da Praia da Tocha e uma arte de pesca que tem tendência a desaparecer». Esta técnica de pesca, que é praticada entre a Praia da Vieira (Leiria) e Espinho, tem diferentes especificidades entre os vários locais. Por exemplo, na Praia da Tocha, conta Paulo Delgado, «antigamente, as redes eram puxadas por pessoas que se encontravam na praia e que no final recebiam o seu quinhão de peixe pela ajuda».

Duas companhas asseguram actividade Os grupos de pescadores que ainda praticam esta arte são denominados companhas, lideradas pelo arrais. Na Praia da Tocha há duas, a “Pouca Sorte” e a “Infante D. Henrique”, que operam de Maio a Outubro, mas Paulo Delgado antecipa o risco de extinção a médio prazo, porque os pescadores têm alguma idade e são poucos os interessados na profissão. «A pesca tem riscos elevados e o proveito é reduzido (além de sazonal) e, por outro lado, a região sofreu uma forte vaga de emigração», comenta. Antigamente, as companhas chegaram a ocupar mais de 70 pescadores, entre pessoal de terra e de mar, com funções bem definidas. Com a emigração, a falta de pessoal obrigou à reinvenção da xávega. Os barcos tornaram-se mais pequenos, os remos foram substituídos por motores e a força humana por tractores. Existia todo um trabalho manual para preparar a saída para o mar, mas, agora, «já não é assim». No entanto, ainda é preciso alguma preparação em terra, como o fecho das redes. «As redes quando vêm do mar têm de ser abertas para retirar o peixe e depois voltam a ser fechadas. Um trabalho feito manualmente», explica.

O peixe proveniente da faina, diz o membro da AMPT, «era separado e vendido na praia, por leilão, em “montinhos” feitos aleatoriamente». Hoje, diz, «a venda do peixe é feita junto às “casinhas” dos pescadores», tendo deixado de ser feita por leilão nos finais da década de 90. Paulo Delgado sublinha, no entanto, que ao contrário de outras praias onde a arte xávega se pratica, na Praia da Tocha «as redes apenas foram puxadas pelos bois durante um ano». Com a evolução dos tempos, o tractor passou a ser utilizado para colocar as pequenas embarcações no mar – antigamente eram arrastadas sobre rolos de madeira até à água – bem como para puxar as redes. «Outras das especificidades desta técnica na Praia da Tocha é que o barco tem rodas e é lançado ao mar pela força de um braço mecânico colocado na frente do tractor, que engancha na embarcação», explica. Além destas inovações introduzidas na actividade piscatória, actualmente também já não é o tocar do búzio que desperta os

Diário de Coimbra

pescadores para a faina, mas o essencial da arte xávega permanece de tal modo vivo que constitui um dos elementos de maior atracção turística da Praia da Tocha. Outra atracção “umbilicalmente” ligada à actividade piscatória são os palheiros – casas de madeira onde eram guardados os apetrechos da pesca e que, posteriormente, serviram de habitação aos pescadores. «No pós 25 de Abril, a grande maioria dos palheiros foram deitados abaixo, porque naquela altura as habitações de madeira eram associadas à miséria e, por isso, muitos foram destruídos», assume Paulo Delgado. AAMPT, embora se dedique a divulgar a arte xávega, dinamiza igualmente a Marmostra - Mostra de Curtas-Metragens cujo objectivo é promover o conhecimento do mar e suscitar a reflexão sobre questões da relação com as comunidades costeiras, nomeadamente em contextos sociológicos com ele relacionados, passando pela sua dimensão económica como fonte de recursos ou como meio propício para actividades de lazer, recreio e desporto. 

Mar leva vida ao “Ti Ramiro” Os pescadores são por natureza homens experientes que conhecem o mar como as suas próprias mãos, porém, por vezes, os imprevistos acontecem. E foi, precisamente, o que sucedeu por volta das 8h00 da manhã do dia 23 de Setembro de 2000. “Ti Ramiro”, “Tónio” Mendes e Júlio “Camarão” lançaram-se ao mar no interior do “Pouca Sorte”, mas quis o destino que uma onda alta virasse a embarcação e que um dos remos atingisse mortalmente o “Ti Ramiro”. Com apenas 68 anos, o experiente “Ti Ramiro” foi o último pescador a morrer no mar da Praia da Tocha. A notícia deixou a comunidade piscatória em choque, porque “Ti Ramiro” «era um homem que tratava os barcos, as redes, os remos e tudo o que estivesse ligado à faina, com todo o carinho que as rugosidades das suas mãos, de anos e anos de árduos trabalhos, deixavam». O Diário de Coimbra, na sua edição de 24 de Setembro de 2000, noticiou o infortúnio. «A tragédia to-

mou conta da Praia da Tocha ontem de manhã, quando uma embarcação de pesca sofreu um acidente na zona de rebentação das ondas. A bordo da embarcação, ironicamente chamada “Pouca Sorte”, seguiam três experientes pescadores, tendo um deles perdido a vida. Naquela praia já há mais de 60 anos que não se via morrer nenhum pescador no mar. A última vez, aconteceu a 20 de Junho de 1940 e levou, de uma vez, nove pessoas, que seguiam a bordo do “Nossa Senhora dos Navegantes”», escrevia o nosso jornal. Estes dois acidentes foram os únicos naufrágios que vitimaram pescadores da Praia da Tocha e a Associação de Moradores da Praia da Tocha, em homenagem a estes homens, colocou uma placa com os seus nomes nas paredes do Centro de InterpretaçãoArte Xávega. 

Capa do Diário de Coimbra noticia morte do pescador



30

Bolo de Ançã 90 anos com Cantanhede

BOLO DE ANÇÃ:I O BOM SABOR DOSI VELHOS TEMPOSI Simples nos ingredientes e na confecção, afirma-se como “rei dos bolos”

2010 Primeira patente foi registada há uma década pela Junta de Freguesia. O objectivo é proteger este “ex libris” e evitar “imitações” de uma especialidade ancestral

F

arinha, açúcar, ovos e manteiga. Os ingredientes são de uma simplicidade extrema, mas o resultado é único. No forno e na mestria das boleiras está o grande segredo do Bolo de Ançã. As palavras não conseguem definir o sabor. «O importante é mesmo provar», como diz o presidente da Junta de Freguesia, um apreciador e, sobretudo, defensor acérrimo deste património ancestral. Um bolo que transporta o nome da freguesia e representa a sua maior coroa de glória. E foi precisamente a Junta de Freguesia que chamou a si a liderança de um processo tendente a garantir a preservação e a promoção do Bolo de Ançã. Começou há cerca de uma década, com o registo da patente, recorda Cláudio Cardoso, lembrando que, nessa altura, o processo se limitou praticamente à «defesa do nome» do Bolo de Ançã. Todavia, as exigências crescem e, sobretudo, a necessidade de alargar esta pro-

tecção à confeccção do bolo, levou a autarquia local a avançar com um segundo registo da patente, em 2019, coincidindo com a candidatura ao concurso 7 Maravilhas – Doces de Portugal. «Agora garante todo o processo de confeccção», explica Cláudio Cardoso, o que é fundamental para «evitar as imitações» e manter o cariz tradicional desta produção. Enaltecendo as características singulares deste bolo único, o presidente da Junta destaca «três objectivos» fundamentais que orientam este processo e que passam por «garantir a valorização e salvaguarda da marca Bolo de Ançã, com a protecção do nome e de processo de fabrico», de modo a permitir que «quem olhe para o bolo, saiba imediatamente que é Bolo de Ançã». Significa que tem de «apresentar aquela crista rendilhada», mas também «respeitar a textura e o peso», levando as «boleiras a cumprir um padrão».

Diário de Coimbra

A criação da Associação das Boleiras é outros do desígnios. Um processo que sofreu alguns atrasos na sequência da pandemia, mas que deverá ficar concluído até ao final do ano. Além das boleiras e dos boleiros – sim, porque já há homens a confeccionar Bolo de Ançã – cerca de uma dezena, a associação irá integrar a Confraria do Bolo deAnçã, criada em 2005, aAVANÇA – Associação para o Desenvolvimento e Promoção Rural, que habitualmente organiza a Festa do Bolo de Ançã, a Junta de Freguesia e a Câmara Municipal de Cantanhede. Uma associação que tem como objectivo fundamental «traçar um rumo», tendo em conta o «que é melhor para o Bolo de Ançã daqui a 10/20 anos», tendo como horizonte atingir «a excelência». Outra das metas é o reconhecimento do Bolo de Ançã como Património Cultural Imaterial Nacional, um estatuto que faria justiça à singularidade deste produto. Mais um ingrediente para garantir o carácter genuíno e diferenciador deste «património riquíssimo, que anda nas bocas do mundo e que constitui o grande pilar identitário da freguesia», sublinha Cláudio Cardoso. A sua origem perde-se no nevoeiro do tempo e, contrariamente a outros exemplos, aqui não há uma história ou lenda associada. Apenas a certeza de que desde sempre foi considerado «um produto bom, que sempre foi bem aceite no mercado e continua a ser». «Talvez seja a sua simplicidade que nos cativa», admite o autarca local, que não tem dúvidas em dizer que se a qualidade dos ingredientes é importante, decisivo é mesmo «o saber das boleiras» e a «temperatura do forno», pois não há Bolo de Ançã que não seja cozido em forno de lenha. Desde tempos imemoriais que o bolo circula, «até onde as pernas das boleiras ou os transportes permitiam». Coimbra e Figueira da Foz, mas também a Mealhada, a Lousã, todos os concelhos dos arredores e mesmo Lisboa. Cláudio Cardoso recorda as palavras de Jaime Cortesão, que retratam o «reboliço provocado pelo bolo, que tinha acabado de chegar». Há famílias que têm no Bolo de Ançã, de forma directa ou indirecta, o seu ganha-pão, há gerações. E também «há gente nova» a interessar-se pela produção, o que «garante o futuro» deste “ex libris” que leva longe o nome de Ançã, apresentando a freguesia com um sabor único, leve e doce de que é impossível não gostar. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Paços do Concelho

31

1994 A saída do Tribunal, instalado no primeiro andar do edifício, em Setembro de 1994, representou um virar de página na ocupação do espaço, agora plenamente da Câmara

É Palácio dos senhores de Cantanhede terá sido construído no século XVI

PAÇOS DO CONCELHO: UMA “CASA” QUE ACOLHEU MUITAS “FAMÍLIAS”

no Palácio da Casa de Marialva, onde viveram os senhores de Cantanhede, que está instalado o edifício dos Paços do Concelho. As sessões de Câmara começaram a realizar-se ali por volta de 1805, mas foram muitas as “famílias” e instituições que ali “viveram”. A começar pela família de D. João de Meneses, que terá sido o responsável pela construção do imóvel, por alturas de 1553. Ao longo dos séculos, foram, também, muitas as intervenções. Decisivo foi o momento em que o Tribunal deixou o Palácio, em 1994. As informações publicadas asseguram que, pelo menos no final do século XIX e durante a primeira metade do século XX


32

Paços do Concelho 90 anos com Cantanhede

a parte poente do edifício «abrigava as cadeias masculina e feminina». Mas outros serviços ali funcionaram em simultâneo, designadamente «um escritório de notário, o quartel da GNR e a Caixa Geral de Depósitos, o Tribunal, a Repartição de Finanças, além de diversos serviços municipais». No início do século passado as questões relacionadas com o edifício passaram a ser referência frequente na imprensa local. Assim, em 1902, o Jornal de Cantanhede dava conta que a Câmara Municipal «iria continuar com a reforma dos Paços Municipais. É uma urgentíssima necessidade, porque todas as repartições públicas, incluindo a parte ocupada pelo Tribunal, estão em verdadeiras pocilgas, onde não há nem luz, nem ar nem limpeza, em a pode haver. A parte ocupada pela administração do concelho e pela Repartição da Fazenda, é imunda, e deve ser mandada despejar, para ser desinfectada», adianta. Duas semanas depois, o mesmo jornal anunciava a decisão da Câmara Municipal de «enviar à Comissão Distrital o projecto de reconstrução dos Paços do Concelho». As «prementes obras» começam em Janeiro de 1903. Na reconstrução operada em 1957 foi erguida a torre hoje existente, procurando replicar uma torre que existiria, da qual, «segundo opiniões autorizadas (…) se avistava o mar». As críticas, à época, lamentavam que a reconstrução não fosse feita «em rigorosa obediência ao seu antigo traçado». Em Junho de 1961 foram instalados, no átrio da entrada principal, «os painéis de azulejo alusivos a acontecimentos históricos ligados a feitos militares dos marqueses de Marialva». Dois anos depois, em 1963, assistiu-se à transformação do espaço interior. Assim, nos claustros, «o espaço foi ajardinado, o que implicou a eliminação de um “poço com

Claustros também foram alvo de profunda remodelação ao longo dos tempos

roldana”, que ali existia – e que era utilizado para as pessoas beberem e darem de beber aos cavalos num bebedouro – e a sua substituição por um espelho de água, descrito como “uma piscina alongada e três repuxos”». Em 1917 foi decidida a instalação do Posto da GNR, e começaram as obras de adaptação do ângulo frontal-nascente. A instalação da GNR verificou-se a 7 de Junho de 1920, com oito soldados, um cabo e um sargento». A«utilização intensiva por tantos serviços», o «desmazelo e a falta de trabalhos de conservação» potenciaram a «degradação» do edifício, com as obras realizadas em 1903 a ficarem, 30 anos depois, «totalmente anuladas». «Nos Paços do Concelho existe uma sala chamada nobre. Em que consiste a nobreza de tal sala é que ninguém nos sabe dizer», refere a imprensa da época, falando na «miséria» e na «vergonha» que

Cadeia, posto da GNR Tribunal, Conservatória e serviço de Finanças foram algumas das valências que funcionaram nas instalações do antigo solar

Diário de Coimbra

esta sala representava para o concelho. Todavia, apesar do «grau de decadência (…), só 20 anos mais tarde, na década de 50, o palácio conheceria nova restauração profunda». Mas mantinha-se a ocupação “excedentária”. Coube ao presidente da Câmara, Albano Pais de Sousa, dar início às diligências necessárias, no sentido de mudar este estado de coisas. A 4 de Janeiro de 1979, o autarca manifesta ao director-geral do Ministério das Finanças a «necessidade de os serviços – instalados no rés-do-chão - serem deslocados, disponibilizando-se para ajudar a encontrar alternativas». Um processo que só se concretiza na década de 90. O mesmo, de resto, acontece relativamente ao Tribunal – que funcionava no primeiro andar –, com o novo espaço a ser inaugurado a 15 de Setembro de 1994, na Rua dos Bombeiros Voluntários, «após 54 anos como comarca», noticiava o Diário de Coimbra. A obra custou «cerca de 270 mil contos» e ficou preparada para «albergar dois juízos». O então ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, presidiu à inauguração. Rui Crisóstomo, presidente da Câmara Municipal, enalteceu as «diligências dos anteriores executivos» para a concretização da almejada obra. Com a saída do Tribunal, transferiram-se também para o novo espaço os serviços do Notariado e da Conservatória do Registo Predial. Entre os anos 2000 e 2003, na presidência de Jorge Catarino, assiste-se a um novo investimento na remodelação do telhado e do sótão do edifício, onde foi instalado parte do arquivo. Seguiu-se, na presidência de João Moura, nova intervenção, desta feita com enfoque na remodelação do salão nobre, zona da presidência, secretariado, além da requalificação ao nível da pintura, caixilharia e sistema de ventilação e ar condicionado. 



34

Cidade 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

CANTANHEDE GANHA “CIDADE” 1991 Proposta apresentada pelos deputados social-democratas foi aprovada pela Assembleia da República a 20 de Junho

Proposta foi apresentada em Outubro de 1990 e aprovada em Junho de 1991 pela Assembleia da República

L

ei n.º 69/91 de 16 deAgosto decreta: “Avila de Cantanhede, do concelho de Cantanhede, é elevada à categoria de cidade”. Este é o artigo único do diploma, aprovado em 20 de Junho de 1991 pela Assembleia da República, promulgado a 26 de Junho e publicado na I série do Diário da República de 18 de Agosto de 1991. A proposta – projecto de lei n.º 594/V foi apresentada a 16 de Outubro de 1990 pelos deputados Luís Pais de Sousa, Carlos Manuel Baptista, Rosa Maria Costa e António Paulo Coelho. O documento apresenta uma caracterização geral do concelho e da sua história, destacando «cerca de 46 mil habitantes», dos quais 7.460 na sede do concelho, que ultrapassa os «10 mil habitantes se levarmos em conta as aldeias limítrofes, que hoje se integram numa zona urbana unificada». «Situada num dos pontos mais férteis e aprazíveis da Beira Litoral, é considerada a “capital das Gândaras” e centro comercial de grande movimento», adiantavam os promotores da proposta, que entre as figuras ilustres, naturais de

Cantanhede, destacam Pedro Teixeira – herói bandeirante do Norte do Brasil, e D. João Crisóstomo de Amorim Pessoa – arcebispo de Goa e Braga. Os signatários da proposta elencavam os equipamentos colectivos de que Cantanhede dispunha, à época, cumprindo os requisitos da lei n.º 11/82, de 2 de Junho, salientando: «Hospital distrital, com serviço de permanência, Centro de Saúde, com 30 médicos, laboratórios de análises, raios X e centro de fisioterapia e reabilitação, policlínica (uma), farmácias (três), bombeiros voluntários, complexos desportivos com piscina coberta e aquecida e campos de ténis, jardins públicos, bibliotecas (três), jardins-de-infância e infantários, estabelecimentos para o ensino primário (dois), estabelecimentos de ensino preparatório e secundário (dois, com 2.800 alunos); Tribunal Judicial, Conservatórias do Registo Civil e Predial, Cartório Notarial e Finanças, estabelecimentos bancários (quatro), residenciais e diversos restaurantes, estação emissora de rádio, Jornal, GNR (secção) e PSP».

O documento destaca as estradas que atravessam o concelho (EN 234, 234-1 e 335), a Linha da Beira Alta e também a indústria, «uma actividade de crescente relevância», com nota especial para o desenvolvimento do «sector alimentar, madeiras e mobiliário, componentes eléctricos, radiadores e embalagens». A produção agrícola «ocupa posição destacadíssima no conjunto do distrito de Coimbra», refere a proposta, que enaltece a «posição cimeira no tocante à produção de vinho e leite». Também a produção florestal merece referência, bem como a emigração, que os deputados consideram «um fenómeno relevantíssimo», tendo em conta as «grandes implicações sócio-económicas» destes «mais de seis mil emigrantes». «Pelo que fica exposto e considerando o ritmo de desenvolvimento que se faz sentir em todo o concelho de Cantanhede, com destaque particular na sua sede, julgamos ter chegado o momento de ser prestada justiça aos seus naturais, elevando a vila de Cantanhede à categoria de cidade», concluíam os deputados do PSD. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Praça Marquês de Marialva

35

PRAÇA MARQUÊS DE MARIALVA: UMA MARCA IDENTITÁRIA 1997 A 27 de Junho de 1997, o ministro adjunto, Jorge Coelho, presidia à inauguração da renovada praça, uma dupla homenagem ao “libertador da Pátria”

E

xistiam vários largos e o que fizemos foi reunificá-los num só». De uma forma simples, Rui Crisóstomo, antigo presidente da Câmara Municipal de Cantanhede, explica a requalificação urbanística que foi feita no centro da cidade, dando origem à Praça Marquês de Marialva. Uma obra emblemática, que marcou o futuro e imprimiu «qualidade urbanística e qualidade de vida» àquela zona. «Hoje, é um espaço identitário do concelho», afirma, com notório orgulho, 23 anos depois. Mas o único autarca socialista que presidiu ao município de Cantanhede faz questão de partilhar “os louros”. «Não foi obra minha, foi uma

Diário de Coimbra destaca “uma praça digna de um marquês”

obra da Câmara», diz. «Apenas tive o privilégio de pôr as cartas na mesa e liderar o processo». Sem querer «fazer críticas» aos executivos que o antecederam, sobretudo porque apenas cumpriu um mandato, Rui Crisóstomo recorda que o «espaço precisava de uma intervenção urgente», mas o processo não foi fácil. «Foi necessário retirar todo o tráfego de pesados, os camiões que passavam, carregados, rumo à Figueira da Foz, e fazer uma Variante, a Circular Miguel Torga e, então, pudemos executar o largo». Uma praça que garantiu «um novo perfil à cidade» e que «hoje é uma imagem de marca de Cantanhede».


36

Praça Marquês de Marialva 90 anos com Cantanhede

Requalificação deu uma dignidade acrescida ao centro urbano de Cantanhede

Mas se no seio do executivo não «houve votos contra» a nova Praça Marquês de Marialva - e admite mesmo que «houve unanimidade» na votação da proposta -, Rui Crisóstomo recorda que o processo não foi assim tão pacífico “fora”da Câmara, particularmente com o então líder do PSD, que «chegou, inclusivamente, a defender que uma estátua não era uma obra de arte e, como tal, não estava enquadrada na lei que definia a possibilidade de ajuste directo». Em causa está a emblemática estátua, uma obra do escultor Alves André, que

homenageia D. António Luís de Meneses, 3.º Conde de Cantanhede e I Marquês de Marialva, título conquistado após a vitória na Batalha das Linhas de Elvas (1659), durante a Guerra da Restauração. «O Marquês de Marialva foi uma figura de grande prestígio», afirma, recordando que o epíteto de “Libertador da Pátria” lhe foi atribuído imediatamente após a sua morte. Um herói que, diz ainda Rui Crisóstomo, figura entre as mais ilustres personalidades do concelho, como Carlos de Oliveira, Jaime Cortesão ou Augusto Abelaira. Mas também o Tribunal de Contas deu

Diário de Coimbra

“dores de cabeça” a este projecto de dupla homenagem ao Marquês de Marialva. O antigo autarca recorda que o executivo fez a adjudicação da estátua em finais de 1996, «por ajuste directo». Todavia, apesar das premissas da lei o permitirem, uma vez que se tratava de uma obra de arte, o executivo presidido pelo médico decidiu remeter o processo para o Tribunal de Contas (TC). «Foi recusado», recorda, com a indicação de ser necessário proceder à «abertura de concurso». «Não fazia sentido. Se pretendíamos uma obra de um determinado artista, não tinha cabimento abrir concurso», refere Rui Crisóstomo, adiantando que esta «justificação elementar» foi recusada pelo TC. «Fomos a Lisboa, com o artista e os engenheiros responsáveis pela obra da Praça e, mesmo assim, o presidente do TC de então não aceitou», adianta. A solução foi «lançar um concurso com um caderno de encargos de tal forma específico» que o único concorrente possível era mesmo o escultor de Cantanhede, Alves André, o que aconteceu. Diligências que acabaram por atrasar o processo, uma vez que, «quando chegou a autorização formal já era tarde para que o artista fizesse a obra até ao final do mandato». Aliás, segundo o antigo autarca do PS, o presidente que lhe sucedeu, do PSD, Jorge Catarino, terá ainda «tentado anular o concurso», o que «não conseguiu», tendo em conta que uma grande parte do investimento – que terá orçado em 74/75 mil contos – já estava pago. Inclusivamente, o «artista podia requerer uma indemnização», sublinha. Situações que, refere, «entravaram» a obra de Alves André, com a estátua do Marquês de Marialva a ser inaugurada praticamente dois anos depois da obra da Praça, em Maio de 1999, já na presidência de Jorge Catarino. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Bandeira Azul

BANDEIRA AZUL SOBE HÁ 30 ANOS NA PRAIA DA TOCHA 1990 É hasteado, pela primeira vez, na estância balnear marítima de Cantanhede, o galardão da qualidade atribuído pela Associação Bandeira Azul da Europa

A

caminhada da Praia da Tocha no galardão atribuído pela Associação BandeiraAzul da Europa, que comprova o integral cumprimento de rigorosas exigências do ponto de vista da qualidade da água, gestão ambiental e equipamentos, educação ambiental, segurança e serviços, começou em 1990, data em que pela primeira vez o símbolo subiu na estância balnear. Desde então, ininterruptamente, o município de Cantanhede tem “desfraldado” a Bandeira Azul, num claro sinal do esforço que as entidades do concelho, com especial ênfase para a Câmara Municipal, têm vindo

A Bandeira Azul veio comprovar a qualidade da estância balnear

37

a efectuar para que esta insígnia permaneça na única praia de mar do território. «A Bandeira Azul reflecte o trabalho desenvolvido pela Câmara Municipal em parceria com várias entidades, no âmbito de uma aposta estratégica que visa reforçar a atractividade da Praia da Tocha como destino balnear diferenciador, de qualidade. Esta é uma praia amena e serena, uma praia com uma atmosfera cativante para as famílias», adiantou, a propósito da atribuição deste galardão Helena Teodósio. A presidente do município de Cantanhede destaca ainda «o papel fundamental da INOVA-EM na limpeza regular dos areais e na limpeza urbana e o trabalho dos serviços técnicos camarários na preparação dos acessos e dos equipamentos». A criação do Centro de Interpretação Arte Xávega, que teve como objectivo conciliar a tradição, a arte xávega na Praia da Tocha e ao mesmo tempo proporcionar outro tipo de iniciativas ligadas à cultura, ao social e ao associativismo, bem como a instalação da Biblioteca de Praia, reforçam a atractividade da estância balnear. 


38

Leprosaria 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

Leprosaria Rovisco Pais foi a resposta para um flagelo que assolava e “envergonhava” o país de Norte a Sul

HOSPITAL ROVISCO PAIS: NA LINHA DA FRENTE CONTRA A LEPRA 1947 Ministros do Interior e das Obras Públicas e subsecretário da Assistência assistiram à inauguração, no dia 7 de Setembro de 1947, que “constitui um verdadeiro acontecimento nacional”

A

extinção da lepra é questão de honra nacional; nenhuma nação admitiria figurar no mundo com a lepra na face». Este foi o mote de um “verdadeiro acontecimento nacional”, vivido no dia 7 de Setembro de 1947 com a inauguração do Hospital Rovisco Pais. Um momento solene que juntou, escrevia o Diário de Coimbra na altura, os ministros do Interior, das Obras Públicas e o subsecretário da Assistência. «Poderemos agora travar uma luta contra a lepra e não contra o leproso», afirmava Bissaya Barreto, presidente da Junta de Província da Beira Litoral e um dos grandes mentores do projecto, que presidiu à Comissão das Obras da Leprosaria, no remate de uma extensa notícia, onde foi relatada, passo a passo, toda a cerimónia. «O Governo de Salazar, cônscio dos

seus deveres para com a nação, entendeu, e bem, que era tempo de preencher esta formidável lacuna do nosso sistema de sanidade pública», disse, destacando a «situação Diário de Coimbra deu amplo destaque à inauguração

de inferioridade» em que Portugal se encontrava a nível internacional, com a mancha negra que escurecia o nosso país no mapa de distribuição geográfica de tão terrível morbo». Sublinhando o «interesse nacional» da Leprosaria Rovisco Pais, Bissaya Barreto discorreu sobre o «internamento e tratamento de leprosos de ambos os sexos de todo o país», bem como sobre o «estudo da profilaxia e cura da lepra» que ali se iria desenvolver. Um problema «por cuja solução se clamava há mais de 100 anos, desde o célebre apelo de BernardinoAntunes Gomes, em 1821, até ao do insigne dermatologista Zeferino Falcão, em 1900, cuja voz se fez ouvir em vários congressos, desde então», acrescentava o presidente da Junta de Província da Beira Litoral. O responsável recordou a campanha em que se empenhou pessoalmente, no jornal



40

Leprosaria 90 anos com Cantanhede

“A Saúde”, intitulada “Pelos leprosos, contra a lepra”, que defendia o internamento para os doentes contagiantes e o Dispensário para tratar, em regime ambulatório, os não contagiosos. Recordando a história da construção, salientou que «uma leprosaria não é uma penitenciária», por isso «não se deve erguer numa ilha», que «dá ideia de sequestração, de aprisionamento, de degredo. É isso precisamente o que não se pretende. Queremos, sim, que os doentes fujam para Leprosaria, não queremos que os doentes fujam da Leprosaria», diria ainda. «Anossa Leprosaria, risonha e florida, cercada apenas por uma alegre sebe viva, há-de dar aos pobres gafos um ambiente de conforto material e moral, muito mais atraente que os seus casebres ou as suas casas despidas de asseio e limpeza». Uma palavra para a «grande e perigosa missão social» que as religiosas iriam desenvolver na Leprosaria e um «agradecido recolhimento» à memória do «grande português que foi Rovisco Pais», que «consagrou o grosso da sua fortuna «à defesa da saúde do povo», diria ainda Bissaya Barreto.

“Um mundo dentro do mundo” O ministro das Obras Públicas, Frederico Ulrich, destacava a «acção pessoal do Sr. Presidente do Conselho, que fez com que à fortuna de Rovisco Pais fosse dado este caminho». O governante deu a conhecer a história da construção da Leprosaria, com «capacidade para 732 pessoas» e constituída por «cinco núcleos familiares, seis casas para trabalhadores, dois asilos, sendo um para cada sexo, e um hospital». Mas foi-se mais longe e cuidou-se dos filhos dos asilados», fez notar, apontando a construção de uma «creche para 24 crianças e uma casa de educação e trabalho». Na apresentação desta «modesta visão do que seja esta importante obra de assistência social», o ministro das Obras Públicas esclareceu que os «núcleos familiares são constituídos por 17 moradias, que são chefiadas por um maioral encarregado de orientação agrícola. Nos asilos há capacidade para 90 asilados em cada um, e o hospital, que é dos mais modernos, equipado com todo o material moderno, dispondo de três

Diário de Coimbra

pavimentos, com 74 camas, em que os doentes são tratados com a assistência mais eficaz». O complexo, escrevia ainda o Diário de Coimbra na edição de 8 de Setembro de 1947, citando o governante, incluía «a cozinha a vapor e a lavandaria, que podem servir até 1.200 doentes». Foi construída uma capela privativa, «preparada de forma que os leprosos assistam ao culto sem se misturarem os sexos». O ministro referiu, também, a construção de «um pavilhão para doenças infecto-contagiosas e residências para o pessoal clínico, que deve estar isolado». Prevista, adiantava Frederico Ulrich, estava «a construção de um pavilhão para distracções e um campo de jogos», que se ponderava serem «os próprios internados que acabarão por os construir». A rematar, o governante lembrou que a Leprosaria Nacional começou a ser construída em Janeiro de 1941, com a obra a ficar concluída em Maio desse ano (1947), «gastando-se na construção 28 mil contos, sendo desta importância 7 mil contos para mobiliário». 

Leprosaria extinta em 1996 O Hospital Rovisco de Pais é extinto em 1996, pelo decreto-lei n.º 203/96, de 23 de Outubro. «O objectivo que levou à criação do Hospital de Rovisco Pais, ou seja, a prestação de cuidados médicos especializados à população portuguesa atingida pela doença de Hansen, encontra-se cumprido, verificando-se uma redução significativa da incidência desta doença em Portugal. Face ao conhecimento científico actual da doença, privilegia-se o tratamento em regime de ambulatório nos centros de saúde, devendo o internamento ser assegurado,

Diploma legal extingue o serviço

quando imprescindível, pelos hospitais gerais de agudos», lê-se no diploma legal, que extingue o Hospital de Rovisco Pais e cria o Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais. Uma “norma transitória”, constante do diploma, aprovado em Conselho de Ministros de 12 de Setembro de 1996, salvaguarda que «aos actuais doentes internados no Hospital de Rovisco Pais é assegurada a continuidade de cuidados nas instalações do CMRRC, enquanto deles careçam». 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Leprosaria

41

Despedida comovida das últimas três irmãs da Congregação Filhas da Caridade 2019 Ao fim de 72 anos a cuidar dos doentes, as irmãs Emília, Almerinda e Isabel despediram-se do Hospital Rovisco Pais, onde continuavam a cuidar dos últimos cinco doentes com lepra que ainda ali se mantinham. Foram as últimas três, de 128 irmãs da Congregação Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo, que entraram ao serviço da antiga Leprosaria Nacional quando esta abriu as portas, em 1947. A pedido da irmã visitadora, por razões da Congregação e pela idade avançada das religiosas, as três irmãs despediram-se da Tocha, no ano passado, a 16 de Outubro. O Centro de Medicina e Reabilitação da Região Centro (CMRRC) Rovisco Pais, instalado na antiga Leprosaria Nacional, fez questão de homenagear a Congregação nesta despedida, tendo em conta a «importância e abnegação das irmãs, ao

Irmãs Emília, Almerinda e Isabel

longo de décadas». O momento, que o Diário de Coimbra acompanhou, incluiu a celebração de uma missa, pelo bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, e o descerramento de uma placa,

no chamado “Conventinho”, com o nome das 128 religiosas que prestaram serviço na instituição, perpetuando, desta forma, a sua memória. «Hoje homenageamos uma vida inteira, de 72 anos, de trabalho, devoção e esforço no tratamento destes doentes com lepra», afirmou, na ocasião, Margarida Sizenando da Cunha, presidente do conselho de administração do CMRRC, destacando, igualmente, o apoio destas irmãs aos familiares dos doentes, designadamente aos filhos, que, para evitar o contágio, eram retirados aos pais e colocados no preventório, onde cresciam à guarda das irmãs. Nos últimos anos, as três irmãs continuaram a garantir os cuidados necessários aos últimos cinco doentes, vítimas da doença de Hansen, que se mantêm internados no Hospital Rovisco Pais. 


42

Hospital Rovisco Pais 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

“REABILITAR” O CENTRO DE REABILITAÇÃO É O COMPROMISSO DA ACTUAL DIRECÇÃO 1996 O principal projecto de Margarida Sizenando para o “Rovisco Pais” passa por tornar a instituição funcional, situação que implicaria a alteração do modelo de financiamento

Requalificação do edifício principal alarga capacidade

Margarida Sizenando, presidente do Conselho Directivo do Centro de Reabilitação

O

Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais, localizado na Tocha, o primeiro do Serviço Nacional de Saúde (SNS), quando iniciou funções era um «pólo de inovação e reconhecimento internacional». Nessa altura, em 1996, embora “polémico”, potenciou a criação de outros dois centros, um no Norte e outro no Sul, «completando a rede de Centros de Reabilitação do país», revela Margarida Sizenando. «Sofreu e sofre com a idade, degradando-se com o tempo e perdendo fulgor. Perante este cenário, o objectivo do actual órgão de gestão foi fazer um plano de reabilitação ao Centro de Reabilitação, que ainda não está completo mas que uma parte já está concluído», frisa a presidente do Conselho Directivo. Para a também directora clínica do Centro de Reabilitação, o grande projecto para a instituição «passa por tornar o Centro funcional». «Temos doentes, temos “know how”mas, depois, a gestão deste complexo não é funcional. Se o modelo de financiamento fosse alterado, como já está modi-

ficado na lei, era tudo bem mais fácil e eficaz», adianta Margarida Sizenando. A fisiatra defende a «existência de uma parceria público/privada» no “Rovisco Pais”. «E quando digo isto, falo por exemplo numa parceria igual ao Centro do Sul, desde que se consiga uma monitorização muito apertada por parte do Ministério e autoridades de saúde, e uma articulação perfeita entre os objectivos do Centro e as pessoas que trabalham na instituição com os objectivos da ARS do Centro», afirma. No fundo, o que a presidente do Conselho Directivo pretendia era «dotar o Centro com capacidade financeira para não ter sobressaltos e poder ter uma gestão mais dedicada à clínica e à actividade assistencial». Ou seja, «uma gestão mais tranquila que pudesse incidir mais na qualidade de cuidados, nos cuidados prestados, no investimento em formação, nas novas tecnologias de apoio à reabilitação e nos projectos de investigação», refere. Margarida Sizenando assumiu funções como presidente do Conselho Directivo em Julho de 2018. Nessa altura, a responsável, que conhece o Centro como as “pal-

A obras de requalificação do edifício principal que estão em curso e deverão estar concluídas em Maio de 2021 vão permitir «aumentar a capacidade de internamento» do Centro de Reabilitação para «mais 60 camas». Neste momento existem 80 camas para reabilitação e 60 para a unidade de cuidados continuados. «É um facto que esta empreitada irá dotar a instituição com uma nova aptidão e se ainda estivesse a gerir a instituição nessa altura – não estarei porque vou pedir a reforma ainda este ano – provavelmente o que faria era colocar no edifício requalificado os doentes de lesão medular num piso e os de Reabilitação Geral de Adultos (RGA) no outro piso e aproveitar esse “timing” para fazer obras nos edifícios onde estão estas duas valências, que já estão muito degradados. Depois voltaria a fazer a troca e aproveitaria as novas instalações para um acréscimo de capacidade do Centro», disse.  mas das suas mãos” - entrou para a instituição desde a criação do Rovisco Pais –, assume que a desorganização da gestão foi o principal entrave para implementar o projecto da sua equipa directiva. «Foi muito difícil conseguirmos começar o nosso projecto porque não tínhamos elementos que tivessem sido passados da administração anterior. Foi muito difícil fazer o levantamento das questões que estavam em curso, porque não foi deixada informação suficiente, para não dizer inexistente. Não havia qualquer documentação



44

Hospital Rovisco Pais 90 anos com Cantanhede

que pudéssemos consultar do ano de 2015 em diante», desabafa. Aos poucos, a sua equipa de trabalho «foi conseguindo fazer um levantamento do que estava em curso», mas ainda hoje, diz, anda a fazer o que classifica como «“levantar pedra” e cada pedra que se levanta é, como costuma dizer o povo, “cada cavadela cada minhoca”». Portanto, reconhece, «havia muitas questões, e importantes, para definir o futuro da instituição». «Existia um mapa de pessoal, por exemplo, igual ao de 2004/2005, com poucos funcionários e muitos trabalhadores sem a qualificação adequada para funções

específicas. O documento elaborado determinou uma nova missão para o Centro e uma nova visão. Essa foi a nossa primeira acção. Não consigo fazer um balanço, porque não se consegue fazer nada devido à limitação da infoburocratização e do tempo que as coisas demoram para serem efectivadas», declara. Actualmente, garante Margarida Sizenando, o Centro de Medicina e Reabilitação Rovisco Pais «não tem lista de espera para internamento». No entanto, afirma, em 2018 quando assumiu as “rédeas da instituição a mesma «era de dois anos». «Como é que um doente com AVC pode

Orçamento de 5,4 milhões “manifestamente insuficiente” O Centro de Medicina e Reabilitação Rovisco Pais tem um orçamento anual de 5,4 milhões de euros. Verba que Margarida Sizenando considera «manifestamente insuficiente». «Pela primeira vez, em 2019, elaborámos um orçamento com base nas necessidades da instituição. O Orçamento de Estado disponibiliza ao Rovisco Pais 5 milhões e 400 mil euros, independentemente da taxa de ocupação do Centro. Agora vejamos, temos um orçamento de 5,4 milhões e só para pessoal o orçamento ronda os 7 milhões. Assim sendo, como posso fazer uma gestão clarividente?», questiona a responsável. As unidades «devem ser financiadas pelo trabalho que realizam, pelos doentes que tratam», mas como assim não acontece anda o Conselho Directivo «a pedir reforços orçamentais, que só podem ser solicitados se existir dívida».

Centro de Reabilitação é uma referência

Os Centros de Reabilitação, na opinião da presidente do Conselho Directivo, «têm características muito específicas e particulares», logo «não podem ser tratados como hospitais gerais». «Solicitámos que fosse criado um grupo hospitalar (neste

Diário de Coimbra

estar dois anos à espera de ser internado. Havia, por isso, muitas coisas para organizar. Elaborámos então um novo regulamento interno que espelhasse o que se pretendia do Centro e que passava por garantir os melhores cuidados de reabilitação para os doentes, por forma a conseguir obter o máximo de potencial de reabilitação no mais curto espaço de tempo», vinca. Para isso é preciso existir «qualidade médica assistencial, técnicos de fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional, psicólogos, neuropsicólogos e todo o apoio administrativo que não existia nesta casa», conclui.  caso é o Grupo G) que englobasse os três centros de reabilitação (Norte, Centro e Sul) e posteriormente o Alcoitão, se assim entendesse. Há três centros do Serviço Nacional de Saúde mais o Alcoitão, que é privado. A exemplo do que foi feito com os IPO, deveria ser criado um grupo para os centros, em que haja uma coordenação global dos três centros. Os critérios de tratamento e internamento poderiam ser comuns, mas haveria uma uniformização de critérios, normas e funcionamento, e um modelo de financiamento que deveria ser contratualizado pela produção dessas instituições», defende. No Grupo G, explica, «o financiamento era feito por diária de internamento». «Conseguimos essa ambição e o valor ficou fixado em 280 euros por dia de internamento, mas não estamos a receber essa verba, continuamos a receber 5,4 milhões. E para receber a diária do internamento tenho de contratualizar com o Ministério, via ARS, o número de doentes que irei tratar nesse ano. Mas não existe contrato-programa que permita a efectivação dessa medida», observa. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Hospital de Cantanhede

45

UM HOSPITAL DE PROXIMIDADE AO SERVIÇO DA POPULAÇÃO 1976 Hospital Arcebispo João Crisóstomo serve uma comunidade que ronda os 100 mil habitantes, dos concelhos de Cantanhede e Mira e parte dos municípios de Montemor, Vagos, Mealhada e Anadia

Hospital de Cantanhede quer dar uma resposta eficaz e de qualidade à comunidade

I

r ao encontro da população e das suas necessidades», construindo um «hospital de proximidade», «com um rosto humano», «voltado para as pessoas», que garanta a «prestação de cuidados personalizados, globais, integrados e compreensivos» constitui a trave mestra que orienta a equipa responsável pelo Hospital Arcebispo João Crisóstomo (HAJC). Um projecto que quer cimentar uma relação de longa data e um trabalho «reconhecido pela comunidade». «O hospital tem mais elogios do que reclamações, feito que julgamos único numa instituição hospitalar

no país», referem os responsáveis. Mas o objectivo é ir mais longe e, sobretudo, «melhorar a qualidade da assistência», desígnio que tem subjacente a «criação de parcerias fortes». Diana Vilela Breda, presidente do Conselho Directivo, recentemente empossado, afirma isso mesmo. «A gestão eficaz da saúde da população exige a construção e sustentação de parcerias fortes. Por isso, é muito importante para nós o relacionamento com os ecossistemas da região de Cantanhede», adianta. Um caminho alicerçado em «pontes, a

montante e a jusante». Numa primeira linha com os cuidados de saúde primários, onde ganham forma três projectos-pilotos de integração de cuidados, a desenvolver com o Agrupamento de Centros de Saúde do Baixo Mondego, que visa a «melhoria na referenciação para consultas externas das especialidades hospitalares»; desenvolvimento do Centro Ambulatório de Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica e apoio organizado aos lares, centros de dia e estruturas residenciais de apoio a seniores em rede. A jusante, estão em desenvolvimento «parcerias com diversos hospitais da região» visando a «partilha de recursos» e o «desenvolvimento de programas de proximidade com os utentes». A presidente do Conselho Directivo destaca ainda uma parceria com o Biocant, no projecto “Eit Health”, suportado pela Comissão Europeia e pelo Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia, na área dos cuidados de saúde primários, que visa «a promoção de um estilo de vida mais saudável, associado ao bem-estar». Em curso, juntamente com a Câmara Municipal de Cantanhede, está a «criação de um parque de ajudas técnicas – camas articuladas, cadeiras de banho, etc. – para disponibilizar à população». Apostada numa “gestão de mudança”, a equipa quer «inovar para humanizar» e


46

Hospital de Cantanhede 90 anos com Cantanhede

Unidades pioneiras e de competência reconhecida Herdeiro do secular Hospital da Santa Casa da Misericórdia, o Hospital de Cantanhede foi, depois do 25 de Abril, integrado na rede hospitalar nacional. Em Fevereiro de 1994, por despacho do então ministro da Saúde, passou a designar-se Hospital Arcebispo João Crisóstomo (HAJC), em homenagem ao mentor da sua criação. Em Julho de 2007, após obras de remodelação, entraram em funcionamento as Unidades de Paliativos e Convalescença», e o hospital integrou a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Valências «pioneiras no contexto nacional» e de «competência reconhecida», sublinha o hospital, que destaca as «competência técnicas e qualificações específicas» das equipas multidisciplinares, que garantem uma exemplar prestação de cuidados em «áreas tão delicadas e de reduzida oferta no país». Valências que representam «cerca de 20% da oferta pública de cuidados paliativos na região Centro». A resposta do Hospital de Cantanhede contempla cirurgia de ambulatório, consulta externa, com várias valências, hospital de dia e serviço domiciliário. O hospital serve uma população de 90/100 mil habitantes dos concelhos de Cantanhede e Mira e parte dos municípios de Montemor-o-Velho, Vagos, Mealhada e Anadia. 

promover «uma transformação estrutural e organizacional dos serviços», plasmada numa candidatura na área da «desmaterialização de processos clínicos e não clínicos, centrada no doente». Estratégica é, igualmente, a «reorganização do atendimento e interacção com a população», visando «uma aproximação da população aos prestadores de saúde, para melhorar a qualidade da assistência e a saúde dos cidadãos, facilitando o trabalho dos profissionais e tornando as instituições mais eficientes». Um processo para o qual é «crucial uma maior integração entre os cuidados hospitalares e os cuidados primários», refere. Porque «as pessoas são o activo mais importante», é fundamental «motivá-las», afirma a equipa responsável, que destaca a aposta na formação, através de protocolos com universidades e politécnicos. Exemplo disso é o facto de a Unidade de Cuidados Paliativos receber médicos estagiários de pós-graduação e mestrado e o retomar das sessões clínicas, com médicos de outras unidades hospitalares. Está prevista a colaboração na formação de médicos internos, com estágios em cuidados paliativos e na área da enfermagem há parcerias com várias escolas. «O trabalho de todos faz a diferença», por isso também os assistentes operacionais vão realizar cursos de certificação de competências, em articulação com o IEFP, e no horizonte está, igualmente, uma parceria com a Escola Técnico-Profissional de Cantanhede.

“Boas práticas Covid-19” «Empenhados na qualidade dos cuidados, mas, concomitantemente, na segurança do doente, criámos um programa de manutenção de contacto dos doentes com as suas famílias, numa primeira fase, por via remota e, posteriormente, proporcionar

Diário de Coimbra

Diana Vilela Breda

visitas presenciais assegurando o distanciamento físico, sempre garantindo que as famílias tinham contacto com os profissionais de saúde». Um programa, entre outros, que serviu de base à candidatura do Hospital de Cantanhede ao galardão “Beyond Covid-19”, da Federação Internacional dos Hospitais, que premeia exemplos de inovação e boas práticas implementados durante a pandemia e que «tenham transformado a agenda das organizações hospitalares». «Reagimos à pandemia, garantindo o cumprimento das regras, mas mantendo a criatividade», refere o hospital, destacando os programas de teleconsulta em diversas especialidades e telerastreio dermatológico. «Para ajudar a recuperar a confiança dos cidadãos nos serviços de saúde, contactámos todos os utentes que têm uma deslocação programada ao hospital, no sentido de lhes tirar todas as suas dúvidas e fornecer indicações», sublinha o Hospital de Cantanhede, que ao abrigo da contingência Covid-19, conseguiu «contratar um total de 19 profissionais de saúde». 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Misericórdia

47

1976 Durante oito décadas a Santa Casa foi responsável pela prestação da assistência hospitalar no concelho. Um paradigma que mudou em 1976 e permitiu que florescessem outras valências

C

Instituição centenária foi, durante décadas, responsável pela saúde do concelho

MISERICÓRDIA PIONEIRA NA ÁREA DA SAÚDE E EM RESPOSTAS SOCIAIS

riada no século XVI, a Santa Casa da Misericórdia esteve sempre sob a tutela dos senhores de Cantanhede e só nos anos 50 do século XIX os provedores passaram a ser eleitos. João Crisóstomo de Amorim Pessoa seria um dos primeiros (1852) e também a figura que marcaria a história futura da instituição, imprimindo no seu ADN uma vocação assistencial na área da saúde. Natural de Cantanhede, onde também exerceu o sacerdócio, o arcebispo resignatário de Braga deixou praticamente toda a sua fortuna à Santa Casa. Uma herança que representou, igualmente, um compromisso que norteou o rumo da instituição.


48

Misericórdia 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

Investir no sector da produção agrícola

Unidade de Cuidados Continuados foi inaugurada em Novembro de 2013

Com efeito, o testamento era claro e impunha à Misericórdia a construção de um hospital e de uma igreja. O então provedor, José da Silva Poiares, empenhou-se numa luta titânica para defender a herança, reclamada pela família, e cumprir o desejo do arcebispo e grande benfeitor. A Igreja do Convento dos Franciscanos Descalços, erguido pelo Marquês de Marialva, foi requalificada e remodelada, cumprindo parte do objectivo. A obra do hospital começou em 1891, sendo inaugurada, com pompa e circunstância, em 28 de Junho de 1896. Hospital que representou o início de uma nova era no concelho e que a Santa Casa geriu até Março de 1976, altura em que foi nacionalizado e passou para a tutela do Estado. Uma unidade que contava, recorda o provedor, Rui Rato, com a colaboração de profissionais de excelência, a começar pelas Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, e que contou com o apoio de profissionais de renome, como José Bacalhau, Filipe Requixa ou Fernando Oliveira. «Vinham operar, mas sabiam que

iriam sempre fazer duas ou três operações “extra”», relativamente às quais não recebiam honorários. «Eram voluntários pelo bem comum», num regime solidário que «contribuía para a sustentabilidade do hospital» e permitia que a Misericórdia pudesse dar resposta a situações de pessoas carenciadas, esclarece. Em pleno crescimento, ao perfazer 50 anos o Hospital já não conseguia corresponder a todas as solicitações, impondo a construção, no espaço contíguo, de um novo edifício. O padre Saúl da Cruz, então provedor, foi o grande obreiro desta missão, pois o hospital era “a menina dos seus olhos”. Todavia acabou por morrer sem que as obras tivessem começado. Com o apoio do Governo e de beneméritos e a ajuda popular, através de um“grandioso cortejo” de oferendas, o novo hospital começou a ser construído em 1951, mas só em Agosto de 1955 as obras ficaram concluídas, com o novo equipamento a iniciar funções a 15 de Fevereiro de 1956. Sem inauguração oficial.

Há 15 anos na função de provedor, Rui Rato destaca, ainda, o “investimento” que tem sido feito na produção agrícola, designadamente na Quinta da Varziela, doada por Francisco Pinto, em termos de produção florestal, de uva, e também de hortícolas, para consumo da instituição. De resto, está a ser equacionada a implementação de uma estufa, que permita produzir tomate, alface e batata durante todo o ano. O investimento na vinha, com novas plantações, bem como a produção de piri-piri ou couve-flor para a empresa Maçarico representam uma experiência positiva e para continuar. Preocupado com o financiamento cada vez mais curto da segurança Social, Rui Rato assume que é necessário «arranjar fontes de financiamento para equilibrar esta dependência do Estado» e não tem duvidas que a área agrícola pode ser mais rentabilizada no futuro.  “Afastada”da assistência hospitalar desde 1976, a Misericórdia recupera a sua matriz de origem em 2013, com uma nova valência dedicada à saúde. Trata-se da Unidade de Cuidados Continuados, que começou a funcionar no dia 1 de Novembro de 2013. Integrada na Rede Nacional de Cuidados Continuados, a unidade de longa duração e manutenção tem capacidade para 30 camas. O investimento rondou 1,5 milhões de euros, co-financiado pelo Estado. 

Ampliação da estrutura residencial As atenções da Santa Casa estão, neste momento, particularmente centradas na sustentabilidade da instituição e, por isso, não estão equacionados grande investimentos, excepção feita para a remodelação da ERPI, uma vez que se trata de pequenos apartamentos, pensados para acolher casais. «Só temos um casal», diz o provedor, sublinhando o facto de, cada vez mais, os utentes

chegarem «mais tarde e sozinhos», ou seja, viúvos, o que subverte a essência do projecto. Mais, as novas regras, em termos de segurança, têm outro tipo de exigências e, por exemplo, a kitchnet está fora de questão. O projecto, além de um melhor aproveitamento do espaço e do aumento da capacidade, prevê, também, a criação de um novo equipamento de fisioterapia e de uma

sala snoezelen. Trata-se, de acordo com a Santa Casa, de um investimento a rondar 1,5 milhões de euros, que «vai criar condições diferenciadoras» e que está à espera um programa de incentivo para avançar. Também em fase de estudo está, desta feita em parceria com a Câmara Municipal, o projecto do arranjo paisagístico de todo o Campus da Misericórdia. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Misericórdia

Aposta em novas respostas Em simultâneo com a saúde, a Misericórdia desenvolvia uma obra de assistência junto dos jovens, através do Asilo Maria Cordeiro, uma estrutura de apoio a meninas «órfãs e desvalidas», inaugurado a 1 de Dezembro de 1914. De resto, foram as duas áreas que marcaram a génese de uma nova etapa, mais dinâmica, da instituição, que começou nos finais do século XIX e se mantém até hoje, juntamente com o apoio à terceira idade. Com efeito, o espaço devoluto do antigo Hospital João Crisóstomo permitiu criar novas respostas e também dar resposta a necessidades pontuais, designadamente em termos educativos. O administrador da Santa Casa recorda que ali funcionou, a pedido do Ministério da Educação, até 1976, a Escola Comercial e Industrial. O antigo asilo transferiu-se para a ala nascente e no espaço onde começou a funcionar esta valência (que encerrou em 2017) foi, depois das necessárias remodelações, instalada, em 1972, a creche e o jardim-de-infância.

A segunda creche foi construída em 2010

Num registo pioneiro, além de jovens em risco, a Misericórdia acolhia outros jovens, sempre meninas, em regime de internamento, que frequentavam o ensino básico, com as aulas ministradas pelas Irmãs Hospitaleiras, ordem que durante décadas esteve ligada à instituição. Com a valência de creche a funcionar desde 1972, a Misericórdia diversifica a sua oferta, igualmente para crianças e jovens, com a instalação dos serviços de Ocupação de Tempos Livres, em 1978, e as muitas solicitações conduzem à criação de uma se-

49

gunda creche, em 2010. Valências que se mantêm actualmente, com um universo de crianças e jovens que ultrapassa as três centenas. Também na década de 70 do século passado começam a funcionar as respostas para os seniores. Primeiro com o Centro de Dia, instalado na ala poente do antigo hospital, com 25 utentes. Junta-se o apoio domiciliário, garantido a 15 utentes Igualmente no Campus surge, em 1994, uma nova resposta, a Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI). Trata-se do lar Francisco Pinto de Carvalho, uma homenagem a outro grande benemérito da instituição, que possui duas “extensões”, lar António Bugalho e Irmã Engrácia. O mais recente investimento da Santa Casa, que possui um universo de 160 funcionários, foi a construção de uma cozinha industrial, inaugurada em Julho de 2015, que representou um investimento de 414 mil euros e garante o fornecimento diário de 800 refeições, respondendo a todas as valências do Campus da Misericórdia e garantindo, ainda, as respostas de cantina social. 


50

Fundação Ferreira Freire 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

FUNDAÇÃO FERREIRA FREIRE QUER ALARGAR RESPOSTAS 1962 Criada em Portunhos, instituição desenvolve um conjunto de respostas de apoio social para os mais velhos e pondera o seu alargamento futuro

O

testamento do conselheiro José Luís Ferreira Freire (1843-1920) está cumprido com mérito acrescido e, sobretudo, com uma vontade de ir mais longe. Com efeito, por morte da sobrinha, sua herdeira universal, D. Antónia Moreira Freire (1886-1961), os bens reverteram a favor da «fundação e sustentação de um asilo para pobres velhos». O “Asilo Freire”, instalado na antiga residência do conselheiro de Estado, em Portunhos, foi o primeiro projecto da Fundação Ferreira Freire, criada em 1962. Mas os sonhos não se ficam por aqui. O apoio a quem precisa, sobretudo aos mais velhos, é o desígnio desta instituição que, cumprindo a vontade do seu patrono, continua a dar prioridade aos residentes de Tentúgal, Portunhos e Pocariça. A freguesia de Ançã segue-se na linha das prioridades, secundada pelas restantes freguesias do concelho de Cantanhede e, depois, de outros, designadamente de Coimbra. A primeira valência, a Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, começou a funcionar em 1967, «com três utentes», refere a Fundação. «Hoje são 95», a capacidade máxima de acolhimento, completamente lotada, sublinhe-se. Posteriormente, em 1996 a instituição deu início a um programa de apoio domiciliário, destinado a pessoas carenciadas e com escasso grau de mobilidade, que se traduz no for-

No Centro de Portunhos, Fundação é um baluarte de apoio a quem mais precisa

necimento de refeições diárias, higiene pessoal e habitacional, além de tratamento de roupas, bem como acompanhamento, designadamente a consultas médicas. São 20 as pessoas que habitualmente beneficiam deste serviço. Em 2004, a Fundação Ferreira Freire avançou com a instalação do centro de

dia, também com capacidade para duas dezenas de utentes. Quer estes, quer os beneficiários do apoio domiciliário fazem «parte da família», afirma Alberto Barreto, presidente do Conselho de Administração da Fundação, sublinhando que são, por isso mesmo, os clientes privilegiados, no futuro, para a estrutura residencial.


Diário de Coimbra

Em 2014 a Fundação avançou com a criação de uma proposta diferenciadora, com a requalificação do edifício de um antigo lagar de azeite, onde foi instalada uma nova residência, destinada exclusivamente a pessoas com problemas de demência, com capacidade para 16 utentes. Um investimento superior a 800 mil euros, sublinha a Fundação, destacando o facto de esta valência estar dotada com ginásio de fisioterapia e uma sala se snoezelen, com equipamento para estímulo dos vários sentidos. Projectos para o futuro não faltam. «Antes da pandemia, entregámos no Ministério da Saúde e na Segurança Social um projecto para mais uma estrutura residencial ou para uma unidade de cuidados continuados», afirma Alberto Barreto, esclarecendo que, quer numa quer noutra área «há necessidade» e em ambas «estamos “como peixe na água”», tendo em conta a experiência acumulada e o profissionalismo dos 85 colaboradores que trabalham na instituição. O presidente do Conselho de Administração faz questão,

90 anos com Cantanhede Fundação Ferreira Freire

de resto, de elogiar, o desempenho destes profissionais e os «cuidados excepcionais» que demonstraram, durante a pandemia, no sentido de «preservar os utentes e a instituição» da doença. Relativamente ao investimento futuro, a construção do novo equipamento aponta para um milhão de euros e quanto ao equipamento, oscila entre os 600 mil e os 900 mil euros, consoante a finalidade, ou seja, unidade residencial ou de cuidados continuados. Alberto Barreto deixa claro que o objectivo da Fundação Ferreira Freire «não é crescer muito», antes e sim, «garantir um serviço de qualidade, de excelência» aos seus utentes, mas também «uma re-

Fundação pretende avançar com mais uma estrutura residencial ou, em alternativa, uma unidade de cuidados continuados. Projecto já seguiu para a tutela

51

muneração condigna aos colaboradores». E sublinha, a propósito, a necessidade de «haver alterações na forma de financiamento das instituições particulares de solidariedade social», uma vez que, «há 20 anos, as comparticipações davam para pagar ao pessoal, hoje não chegam para um terço dos salários», assegura. Alberto Barreto reconhece que, actualmente, «há mais pessoal» e, sobretudo «mais qualificado», factores que considera fundamentais para garantir «a prestação de um serviço de qualidade». «Hoje em dia, com as actuais condições, só podemos oferecer muito trabalho e pouco dinheiro», sintetiza, assumindo que a instituição não paga, porque não tem capacidade, «o que gostaria e que os colaboradores merecem», pois o seu trabalho é «quase um sacerdócio» e «devem ser remunerados com dignidade». «A tutela tem de tomar consciência desta situação, pois nós, não sendo Serviço Nacional de Saúde, representamos um complemento fantástico desse serviço», remata o presidente do Conselho deAdministração da Fundação Ferreira Freire. 


52

Diário de Coimbra 90 anos com Cantanhede

Passados 21 anos o Diário de Coimbra continua a ser presença diária em Cantanhede

MAIS DE DUAS DÉCADAS A INFORMAR COM RIGOR E PROXIMIDADE 1999 O Diário de Coimbra abriu a sua delegação no centro da cidade de Cantanhede a 28 de Junho, iniciando um trajecto a pensar nos leitores do concelho

O

Diário de Coimbra abriu a sua delegação em Cantanhede a 28 de Junho de 1999, iniciando, desta forma, um percurso a pensar nos leitores deste concelho da Gândara. «Esta delegação do Diário de Coimbra que abre “hoje” em Cantanhede representa um passo bastante importante, pois vai dar a conhecer diariamente o que aqui acontece, dando voz ao cidadão e às minorias. Este é o lema do Diário de Coimbra». Palavras proferidas pelo então director do jornal, Adriano Lucas – director “in memoriam” do nosso jornal – no dia em que se começou a escrever a história da delegação do Diário de Coimbra em

Cantanhede. O objectivo desta aposta estratégica era claro e consistia em afirmar as potencialidades de Cantanhede e da região a que pertence num registo de proximidade. Também hoje, passados 21 anos, mas com a cobertura noticiosa alargada, esses são os propósitos dos profissionais da delegação do Diário de Coimbra em Cantanhede. A assertividade da decisão está bem expressa na opinião que a comunidade onde o jornal está implementado tem em relação à importância que o Diário de Coimbra possui na afirmação de toda a região da Gândara.

Diário de Coimbra

«É um órgão de comunicação de grande relevância, que consegue transmitir para as demais regiões as notícias do município de Cantanhede», referia Nuno Samelo, a propósito de mais um aniversário do jornal na cidade. Aquando a inauguração da delegação, o jovem advogado tinha apenas 10 anos, mas agora, com 31, afirma que «o grande pulmão da comunicação para o futuro é o jornalismo regional» e, nesse campo, considera, o Diário de Coimbra «está na linha da frente» dada a sua «grande componente regional». Para o jovem, a presença do jornal em Cantanhede «é bastante significativa». Mesmo não sendo de Cantanhede, porque apenas se desloca à cidade para trabalhar, Inácio Cunha, de 42 anos, adianta que o Diário de Coimbra «é um ícone» da cidade, porque «quando uma pessoa quer ver alguma coisa sobre o concelho é o Diário de Coimbra que lê». Fernando Santos, 59 anos, acompanhou o caminho do Diário de Coimbra em Cantanhede desde o seu início. «Recordo-me muito bem do dia da inauguração e de ver as pessoas em frente à delegação. Foi uma aposta importante e que alterou a forma de comunicar e conferiu dinâmica e conhecimento ao concelho», disse, acrescentando que quando o jornal se fixou na cidade «substituiu alguns jornais nacionais que acompanhavam a região», uma vez que passou a ser «uma presença diária». A proprietária da loja que se situa no rés-do-chão do edifício onde funciona a delegação de Cantanhede considera que a abertura deste espaço do Diário de Coimbra «foi uma mais-valia para a cidade», porque, na altura, «existiam poucos jornais a dar notícias da região». Maria Reis contou ainda que antes de o jornal ter uma placa de identificação no “hall” de entrada do prédio, a indicar onde estava situada a delegação, «muitas pessoas entravam na loja a pedir o Diário de Coimbra». 

Delegação do Diário de Coimbra está instalada na Praça Marquês de Marialva, no centro da cidade de Cantanhede


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Bombeiros

53

NOVO QUARTEL POTENCIA OPERACIONALIDADE DOS BOMBEIROS 2006 Após mais de 15 anos de espera a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cantanhede inaugurou as novas instalações

V

aleu a pena a espera de mais de 15 anos pela construção do novo quartel dos Bombeiros Voluntários de Cantanhede.As novas instalações foram inauguradas a 30 de Abril de 2006 e os “soldados da paz” viveram momentos de grande felicidade, compartilhada pela população, que compareceu em massa para assistir à cerimónia. A tarde foi de grande orgulho para a direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cantanhede (AHBVC) por ver este espaço concluído. «Esta é uma obra grandiosa para esta associação, um sonho de mais de 15 anos», afirmava, na cerimónia de inauguração, o então comandante da corporação, Francisco Simões Lourenço. O novo quartel, que veio substituir as antigas instalações que se situavam onde hoje está a Loja do Cidadão, potenciou a operacionalidade da corporação do município, uma vez que melhorou substancialmente as condições dos “soldados da paz”. Se o ano de 2006 já estaria a ser marcante para a AHBVC, mais se tornou com a inauguração, a 9 de Julho, do novo quartel da secção da Tocha, criada em 1996 e que até então funcionava nas instalações da Junta de Freguesia da Tocha. Este espaço está, actualmente, a ser alvo de uma grande reestruturação com o objectivo de o dotar das condições necessárias para que os bombeiros possam desenvolver a sua missão com maior eficácia. «Sem dúvida que a construção dos dois quartéis, à época, foi um enorme salto qualitativo para os Bombeiros Voluntários de Cantanhede», adiantou Adérito Machado. A AHBVC, com o «seu dedicado corpo de bombeiros tem desenvolvido ao longo do tempo a nobre missão de prestar socorro aos necessitados em caso de incêndio, sinistro, doença ou calamidade, dentro ou fora do concelho», disse o presidente da direcção da AHBVC. Um corpo de bombeiros voluntários, pela

A 30 de Abril de 2006 os Bombeiros de Cantanhede ganharam uma nova “casa”

sua «dedicação, disponibilidade, esforço e competência» na defesa e salvaguarda diária de pessoas e bens, «é o orgulho e o grande pilar da causa humanitária desta associação». E neste contexto reconhecido pela «população e diversas instituições locais e nacionais», como por exemplo a Liga dos Bombeiros Portugueses. «Todos estes homens fardados são o testemunho da história desta associação, das alegrias, tristezas, frustrações, enfim de todos os mais diversos acontecimentos desta corporação ao longo destas décadas de vida», sublinhou o responsável. «Esta nobre gente sempre disponível, desenvolve actividades de carácter social, de apoio e protecção à infância, juventude, deficiência e aos seniores, bem como a qualquer outra situação de carência que justifique a nossa actuação humanitária», realçou Adérito Machado.

Fanfarra criada em 1967 Da corporação de bombeiros faz parte a Fanfarra, fundada a 29 de Janeiro de 1967, que muitas vezes, junto da população, re-

presenta a actividade da corporação. «Agradeço a todos aqueles que ocuparam e ocupam cargos directivos e de comando, que fizeram e fazem crescer esta ilustre Associação Humanitária, bem como quero deixar uma palavra especial de reconhecimento a todas as bombeiras e bombeiros, que serviram e que servem a associação, sempre com o espírito de missão, sem nada pretender em troca», frisou o presidente da instituição. Como líder da estrutura,Adérito Machado agradece o «apoio e carinho dos sócios, da população, da Câmara Municipal, das Juntas de Freguesia e das empresas que têm colaborado neste projecto sempre inacabado». Nesta “casa”«onde reina o voluntariado», todos são «sempre poucos», mas com «união a equipa torna-se mais forte para superar as fracas forças por vezes encontradas», assume ainda o responsável. «Unidos venceremos as dificuldades no presente para projectar bem alto no futuro a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cantanhede», concluiu Adérito Machado. 


54

Tragédia 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

TRAGÉDIA DE PÓVOA DO BISPO “JAMAIS SERÁ ESQUECIDA” 1985 Explosão numa fábrica de foguetes, em Ourentã, vitimou seis pessoas, cinco das quais da mesma família

O

s anos passam, as feridas saram e a saudade permanece, mas a tragédia que assolou a pequena localidade de Póvoa do Bispo, na freguesia de Ourentã, a 28 de Março de 1985, e vitimou seis pessoas, «jamais será esquecida». Naquela tarde, por volta das 16h30, o som de uma violenta explosão, proveniente de uma pequena fábrica de foguetes, rompeu o silêncio de mais um árduo dia de trabalho no campo. O acidente viria a destruir três famílias – duas irmãs, respectivos maridos, a filha de uma terceira irmã e uma jovem estudante que na altura, a gozar um período de férias escolares, teria ido para a oficina trabalhar. Todas as vítimas mortais residiam em Venda Nova, freguesia do Bolho (Cantanhede). «Não consegui lá ir», relatava uma das irmãs das vítimas mortais femininas à reportagem do Diário de Coimbra na passagem dos 32 anos - em Abril de 2017 - da tragédia de Póvoa do Bispo. Nesse dia fatídico, Célia Gonçalves estava na ribeira e, sem que lhe dissessem nada, só o estrondo que ouviu deu para perceber que mais uma calamidade teria acontecido na família, cerca de 20 anos depois do acidente que vitimou a sua mãe no mesmo local. «O meu pai era fogueteiro», referiu ao Diário de Coimbra Célia Gonçalves, que também chegou a trabalhar na oficina desde os 11 anos, tendo saído após contrair matrimónio. Se depois do casamento Célia se dedicou

em exclusivo à família, as irmãs optariam por continuar a trabalhar no negócio familiar. Já depois da segunda tragédia, o espaço deixou de laborar e Célia Gonçalves nunca mais equacionou lá voltar, embora nas partilhas da família a área da antiga fábrica tenha ficado para si. O acontecimento foi noticiado nas páginas do Diário de Coimbra como uma “cena de indescritível horror”. Testemunhas que na altura andavam na lavoura, em campos que distavam cerca de 200 metros da fábrica de foguetes, em declarações à reportagem do nosso jornal contavam que viram «tudo pelo ar». «Um barrote caiu mesmo ao pé de nós e o corpo de uma das

Capa do Diário de Coimbra destacou a tragédia

vítimas mortais caiu no meio da vinha onde estávamos a trabalhar», narravam. Relatos que espelham bem a dimensão da tragédia. Nas vinhas mais próximas da oficina ficariam bem notórios os efeitos da detonação, «com canas e canudos de foguetes, peças de vestuários das vítimas e ainda fragmentos da pequena fábrica espalhados por todos os lados».

Cenas horrorosas Bombeiros Voluntários de Cantanhede e populares procuraram durante a tarde desse mesmo dia «restos de corpos das mulheres» que perderam a vida, já que os homens «ficariam soterrados nos escombros na pequena oficina».Aexplicação avançada na altura da tragédia é que as vítimas femininas estariam a trabalhar no espaço onde se deu a explosão, enquanto os homens estariam numa sala contígua. «Cenas indiscutivelmente horrorosas» admitiam, chocadas, algumas das pessoas que presenciaram as operações de socorro. «O único sinal de vida naquele lugar era o relógio de uma das vítimas mortais que, por incrível que pareça, estava a funcionar no meio dos destroços», explicava outra testemunha no local. E se a dor nunca se apagou ao longo do tempo, nova força ganhou ao fim de 25 anos do dia 28 de Março de 1985, quando foi encontrada a cabeça de uma das vítimas no interior de um depósito de sulfato. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Tragédia

EXPLOSÃO INTERROMPEU BAILE DE CARNAVAL 1991 Rebentamento de granada no salão de festas “Zodíaco”, em Febres, provoca dois mortos e 50 feridos

A

noite era de folia, ou não se estivesse a celebrar o Carnaval, mas acabou interrompida abruptamente. Pouco antes das 24h00 do dia 13 de Fevereiro de 1991, cerca de 300 pessoas dançavam descontraidamente no salão de festas “Zodíaco”, em Febres, quando, de repente, o rebentamento de uma granada matou duas pessoas e provocou mais de 50 feridos, instalando o pânico entre os foliões. Numa primeira análise, a tragédia não passou de um momento puramente acidental, no entanto, ainda hoje a dúvida subsiste sobre o que terá acontecido naquela fatídica noite. O portador da granada, um conhecido empresário do concelho de Anadia, que viria a perder a vida no local, entrou no baile mascarado de Saddam Hussein, acompanhado por uma pessoa que fazia o papel de seu guardacostas (à qual seria amputada uma perna). Diz quem na altura presenciou o momento, descrito nas páginas do Diário de Coimbra como «uma tragédia sem memória na região», que Jaime Pinto (a vítima mortal) trazia à cintura uma granada e nas mãos transportava uma grande pistola, razão pela qual teria sido obrigado pelo porteiro do salão de festas a retirar a máscara para se identificar. Já no interior «e na passagem de uma música para outra» um «forte estrondo lançou o caos» no “Zodíaco”. Uma teste-

munha ouvida pelo Diário de Coimbra contou «ter uma vaga ideia de ter visto o autor da catástrofe atirar-se para cima da granada», possivelmente com o objectivo de «impedir que a explosão atingisse maiores proporções». Outra testemunha, que conseguiu sair do espaço sem qualquer ferimento, relatava que «as pessoas começaram a correr e a passarem uma por cima das outras, já que, com o caos instalado, muitas caíram e não se conseguiram logo levantar». Quem conhecia o empresário dizia que era uma pessoa de «bem, pacata e sem inimigos», com um gosto especial por material bélico, que guardava religiosamente como

Diário de Coimbra noticia com destaque a tragédia

55

memórias da sua passagem pela GuinéBissau, aquando da Guerra do Ultramar.

Episódio marcou vida de médico Jorge Manuel Pereira Martins nasceu em Coimbra, em Abril de 1953, mas foi em Vila Nova de Outil, Cantanhede, que passou a sua infância e parte da adolescência. Cursou Medicina e seguiu a especialidade de Cirurgia Geral. Pelo caminho profissional dirigiu duas unidades hospitalares mas o episódio do salão de festas “Zodíaco” viria a marcá-lo profundamente, ao ponto de passar a ver a vida de uma forma diferente. «Em 30 anos de cirurgião, o que mais me marcou foi uma situação passada em Febres», sublinhou a propósito da tragédia. Jorge Martins referia-se ao rebentamento da granada na “Zodíaco”. O médico estava de serviço nos Hospitais da Universidade de Coimbra naquela fatídica noite de Carnaval, tendo operado algumas das vítimas. «Na altura não havia tanta organização. Como não houve uma triagem, os acidentados que chegaram primeiro ao hospital eram os menos graves. Os grandes traumatizados entraram quando aquilo já estava um caos». Uma das vítimas tinha apenas 13 anos. «Tive de lhe fazer uma colonoscopia porque o traumatismo rebentou-lhe com o intestino. Mais tarde foi novamente operado e ficou bem», contou. As imagens chocantes nunca lhe saíram da memória, principalmente porque se tratava de jovens. «Uma das amputadas era minha conhecida», confidenciou. Jorge Martins, com poucos anos de experiência, conheceu da pior forma o lado mais difícil da profissão. «Lembro-me sempre deste episódio por ser do concelho e pela sua dimensão», relatou o clínico numa das entrevistas que concedeu após a sua reforma, que aconteceu em 2008.


56

AD ELO 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

AD ELO: UM MOTOR DO DESENVOLVIMENTO LOCAL 1994 Criada a 9 de Junho de 1994, Associação de Desenvolvimento tem funcionado como mola impulsionadora para a economia local, sem esquecer uma vertente social

C

riada com o objectivo de ser um «motor de desenvolvimento local», a AD ELO – Associação de Desenvolvimento Local da Bairrada e Mondego tem, desde 1994, assumido de forma ímpar esse papel, funcionando como plataforma impulsionadora do desenvolvimento do território. Cantanhede, onde está instalada a sede, Mealhada, Montemor-o-Velho, Mira, Penacova e Vagos constituem o seu território de influência. Uma área geográfica diversificada, com especificidades próprias, mas que tem em comum um mundo de potencialidades que urge projectar e promover. Essa é, de resto, a pedra de toque da AD ELO, que tem, nestes 26 anos de actividade, esgotado sucessivamente os plafond orçamentais dos vários programas de apoio. Com notória satisfação, António Santos, director da associação, destaca isso mesmo, sublinhando que os sucessivos programas de apoio à economia rural e às pescas têm contabilizado muito mais candidaturas elegíveis do que aquelas que a verba disponível permite contemplar. Além do interesse e da adesão, que espelham o espírito empreendedor das gentes da região, este resultado motiva a associação para tentar, junto das entidades gestores, que «estes programas sejam reforçados», ou mesmo obter verbas remanescentes ou «um novo envelope financeiro». O director destaca, actualmente, o programa COESO, que classifica como uma resposta para o momento menos feliz que o país atravessa, no quadro da pandemia, e que «não é focalizado numa área temática específica», mas um «apoio à criação de emprego», que representa «uma oportunidade transversal para beneficiários de pequena e média dimensão». E com o «espírito inquieto» que define a sua actuação, a AD ELO está «à procura de novas oportunidades», atenta às negociações da União Europeia sobre novas formas de apoio decorrentes da pandemia que surjam.

AD ELO tem a sua sede em Cantanhede

Rejeitando falar num “antes” e num pós a intervenção da AD ELO, António Santos assume, todavia, que, sem a intervenção deste “motor” «o território teria perdido uma grande oportunidade de desenvolvimento». Mas, alerta, os processos de «desenvolvimento são sempre inacabados, estão sempre em construção», o que representa um somatório constante de desafios. A diversidade do território é, também, um sinónimo e um sinal da sua riqueza, faz notar, exemplificando com o processo de candidatura que a AD ELO protagonizou às 7 Maravilhas e onde «colocámos em evidência algumas das nossas riquezas», num exercício que não deixou de apresentar alguma dificuldade de escolha, com a Mata do Buçaco, o Castelo de Montemor-o-Velho, as sardinhas na telha, a lampreia, o leitão da Bairrada, a doçaria de Tentúgal ou os vinhos da Bairrada. «Temos

uma infinidade de recursos e de potencialidades», afirma, confessando que este “exercício” «permitiu dar a conhecer esta riqueza cultural, que também representa um valor económico». «O nosso território é muito rico» e todo este potencial representa «uma actividade económica diferenciadora», que é fundamental para o desenvolvimento e para a qualidade de vida das populações, sublinha, destacando designadamente os programas de apoio ao turismo, ao alojamento local, à restauração e à realização de eventos, que são «geradores de postos de trabalho e de riqueza». Com uma equipa «sempre renovada», «competitiva» e «muito capaz», a AD ELO garante que vai continuar, no futuro, atenta a «todas as oportunidades», no sentido de promover «candidaturas bem fundamentadas, que tragam mais valor para o território». 


Diário de Coimbra

Colaboração internacional António Santos destaca a rota da colaboração internacional da associação, designadamente em termos náuticos, particularmente na área do surf. Uma parceria com vários países, designadamente Inglaterra, Irlanda, França e Espanha, que envolve projectos inovadores relativamente às pranchas e também à promoção desta modalidade na região. «O surf tem condições de excelência, mas é um terreno por descobrir, ainda», afirma o director. A lógica de valorização dos recursos náuticos não se fica pela orla marítima. António Santos destaca, igualmente, o trabalho que tem vindo a ser feito ao nível do rio Mondego, com a promoção da barca serrana, um “ex libris” de Penacova. «É uma iniciativa diferenciadora, que promove o património e a cultura local e tem impacto no turismo, na criação de emprego e na economia local», refere. 

90 anos com Cantanhede AD ELO

57

Intervenção social

Projecto Virtual avançou em 2019

Se a vertente de apoio empresarial e de criação e emprego ocupa uma fatia significativa da actuação da AD ELO, a associação tem também, na sua matriz de origem, «o apoio social às comunidades mais desfavorecidas». António Santos lembra a criação do Centro Comunitário de Canedo, na Mealhada, o facto de a associação ser responsável por três CLDS e ainda o trabalho desenvolvido em termos de forma-

ção e promoção de competências, combate ao insucesso escolar e combate à pobreza e apoio aos seniores. «Não temos a pretensão de abarcar tudo, mas não desprezamos a possibilidade de fazer coisas no território», afirma. Exemplo disso é um projecto inovador, que avançou no ano passado, com um enfoque na população sénior. Trata-se do Projecto Virtual, que representa «uma abordagem completamente diferente, com recurso a novas tecnologias» e permite, designadamente, «promover a estimulação cognitiva, a mobilidade», bem como a interacção social. Um protótipo, desenvolvido em parceria com universidades e outras entidades, que constitui um «abordagem pioneira» e que foi contemplado por isso mesmo. O projecto inclui, ainda, o despiste de eventuais situações que comprometam o bem-estar dos seniores e representa, igualmente, uma forma de combate ao isolamento.


58

Associação Empresarial 90 anos com Cantanhede

Sede da Associação Empresarial de Cantanhede

INDEPENDÊNCIA E PROFISSIONALISMO DÃO FORÇA AOS EMPRESÁRIOS 1994 Dia 17 de Maio assinala a criação da Associação Empresarial de Cantanhede (AEC), uma estrutura associativa forte e coesa, com resultados à vista

Q

uase se pode dizer que mesmo antes de existir a Associação Empresarial de Cantanhede (AEC) demonstrou o seu dinamismo e eficácia, colocando o concelho no lugar a que tinha direito. Luís Roque, presidente da direcção recorda esse momento, que aconteceu «um ou dois anos antes da criação da AEC». «Foi uma coisa muito simples», lembra o empresário, re-

ferindo-se ao Sistema de Incentivos Regionais, lançado pelo Estado. «Cantanhede ficou fora desta linha de apoio». «Não percebemos o porquê», diz, referindo-se a um grupo de “meia dúzia” de empresários que, indignados com a situação, se juntaram, elaboraram um estudo comparativo e puseram-se a caminho de Lisboa. «Um mês depois Cantanhede foi contemplado no programa», adianta. Uma experiência

Diário de Coimbra

que demonstrou que «não havia quem representasse os empresários», uma lacuna a colmatar. Por outro lado, provou a importância de «falarmos a uma só voz». Estava, assim, lançada a base para a criação da Associação Empresarial de Cantanhede. «Com uma motivação acrescida» reconhece o empresário, sublinhando o facto de esta “aliança” ter «conseguido fazer o que o poder político não tinha conseguido», demonstrando a sua eficácia ainda antes de a associação existir enquanto tal, o que aconteceu no dia 17 de Maio de 1994. Assumindo que foram «muitas as dificuldades» no início, Luís Roque destaca os princípios fundamentais que desde sempre marcaram a AEC e «nortearam o sucesso» desta instituição. A «independência» é fundamental, considera o presidente da direcção, que defende uma «separação» entre os «partidos, a política, e as instituições». A este pilar, o empresário soma «o profissionalismo», ou seja, «quem dê a cara, se dedique a 100%, faça gerar receitas e crescer a instituição». Uma “receita” de sucesso, corroborada pelo crescimento sustentado da AEC. Para o responsável, o facto de, ao longo destes 26 anos, a AEC apenas ter conhecido três presidentes – António Teixeira, José Carvalho e Luís Roque – é também um sinal claro desta estrutura sólida, que contabiliza mais de três centenas de associados. «A AEC é uma associação empresarial, não é comercial, industrial ou de agricultores. São todos empresários», diz Luís Roque, adiantando que o objectivo é «abarcar todo o tecido dinâmico do concelho», incluindo as instituições particulares de solidariedade social. «Todos estamos em pé de igualdade, não é por ser maior ou mais pequeno, pagar mais ou menos, que têm mais ou menos direitos», refere.


Diário de Coimbra

Preocupações em várias frentes Crítico, o empresário reconhece as «inúmeras dificuldades» causadas pela «duplicação» ou «usurpação de competências» que alguns departamentos do Estado, as comunidades intermunicipais (CIM) e municípios estão a tentar fazer, retirando esse papel aos empresários. «Isso “mexe” com dinheiros, com apoios, com programas», adverte. Outra «preocupação» prende-se com a «organização interna do tecido associativo». «Não pode haver associações em todas as esquinas», considera Luís Roque, defendendo que «o tecido empresarial tem de ser organizar», por uma questão de eficácia e porque os «recursos são poucos». Em Portugal «existem cerca de uma centena de confederações, activas serão umas 30. Isto não faz sentido! Somos um país pequeno demais para ter isto», considera, defendendo uma estrutura organizada e devidamente hierarquizada, à escala nacional, regional e local. «No Centro estamos mais ou menos organizados», diz ainda. 

90 anos com Cantanhede Associação Empresarial

59

Apostas de futuro

Luís Roque, presidente da direcção

É um projecto pioneiro, mas «já tem quase 20 anos». Todavia, mantém-se válido e, sobretudo, constitui uma das

grandes apostas da AEC. Trata-se do projecto “Formação – Acção”, um programa de formação “à medida”, que inclui a componente de consultadoria, que a associação disponibiliza nas mais diversas áreas. Junta-se-lhe a formação “pura e dura”, bem como as respostas que os gabinetes de projectos e de apoio ao empreendedorismo asseguram. Com especial carinho, o presidente fala do “Cantanhede Go”, uma aplicação digital que a AEC está a desenvolver, «a expensas próprios, sem qualquer apoios». Trata-se, explica, de «uma ferramenta de apoio ao visitante e aos empresários», com «respostas na hora» para as mais diversas situações, desde a informação do menu dos restaurantes a, por exemplo, encontrar um sapateiro para reparar o salto que acabou de se partir. 


60

Cooperativa Agrícola 90 anos com Cantanhede

APROXIMAR COOPERATIVA DOS AGRICULTORES E DA COMUNIDADE É A AMBIÇÃO 1974 Cooperativa Agrícola da Tocha movimenta uma diversidade de actividades que consolidam a dinâmica da organização e possibilitam um crescimento sustentado que a deixa preparada para novos desafios

Bruno Marques, presidente da direcção, quer “puxar” pelo sector agrícola

A

principal ambição da equipa de gestão da Cooperativa Agrícola da Tocha (CAT), que iniciou funções em Maio de 2019, passa por «aproximar a cooperativa dos agricultores e da comunidade». Um trabalho que Bruno Marques, presidente da direcção, iniciou desde o dia em que assumiu as rédeas da instituição, e volvido ano e meio começa a ver “a luz ao fundo do túnel”. A aposta no sector agrícola, que «tem caído substancialmente na região», é sem dúvida, de acordo com Bruno Marques, a principal prioridade do actual órgão de gestão. «O sector com maior degradação é o agrícola e a Cooperativa perdeu 15 anos para renovar esse sector. Agora vamos tentar alavancá-lo com alguns projectos que estamos a delinear e que terão a sua base na horticultura, claro sem esquecer a fruticultura, mas que dada a sua especificidade leva mais tempo a implementar», refere o presidente da CAT.

Na denominada «zona agrícola da Gândara» existem «condições extraordinárias» para dinamizar este sector, tais como «a fertilidade do solo e a abundância de água», no entanto, sublinha o responsável, «o principal entrave é a questão dos terrenos, que na sua maioria são pequenos». A juntar a este problema, diz Bruno Marques, «existe o abandono dos solos». A estratégia para “puxar” por este sector está traçada, e já no próximo ano vai avançar um projecto-piloto ligado à produção de fava. «Temos um acordo com a Friopesca, que nos vai disponibilizar de imediato 10/15 hectares para que os agricultores possam cultivar essa hortícola», afirma, acrescentando que, no fundo, a ideia passa por «motivar o agricultor a produzir as várias hortícolas, com a promessa da CAT escoar o produto». O grande investimento no ano corrente está a ser operacionalizado na parte agrícola, para onde foi canalizado «80% do orçamento de investimento», ou seja, «120

Diário de Coimbra

mil euros». «Redimensionámos a Loja Agrícola, porque hoje em dia existe uma procura significativa dos seus variados produtos, alcatroámos a estrada que dá acesso à infraestrutura e investimos na manutenção do armazém, para ter maiores condições de acondicionamento», refere. Bruno Marques explica, porém, que o sector agrícola «vinha em queda ao longo dos últimos 12 anos», e pela primeira vez, «em 12 anos, cresceu 100 mil euros», estimando o dirigente que em 2020 «cresça 6%». Já para 2021, a direcção da CAT projecta «deixar de trabalhar o sector agrícola para canalizar 80% do investimento para o supermercado», unidade que é propriedade da instituição, «funciona muito bem e tem vindo a crescer de ano para ano». «O grande objectivo é prestar um serviço de qualidade ao associado e cliente em geral, quer no sector agrícola, quer no supermercado», vinca Bruno Marques. O projecto das estufas de produção de hortícolas, cuja anterior direcção avançou com o intuito de abastecer exclusivamente o supermercado da Cooperativa «nunca foi aprovado» pela equipa de Bruno Marques. Todavia, o actual responsável afirma que «vai cumprir» o programa que terá, «obrigatoriamente, de trabalhar durante sete anos», em virtude de ter sido «comparticipado por fundos comunitários». «Além de produzirmos para o supermercado, que é o cliente prioritário, produzimos também para grossistas», assume. Uma outra vertente dinamizada pela CAT e que permite escoar o produto dos associados – que, actualmente, se situam nos «4.000, apenas 50% activos – é a utilização no talho do supermercado de carne de bovino da produção dos seus sócios. «Neste caso concreto, a CAT faz todo o processo, desde a recolha, ao transporte para o matadouro», explica Bruno Marques. Com a entrada da nova direcção, o Centro Comercial da Cooperativa – «que estava pouco rentabilizado» - sofreu uma transformação do conceito, sendo, neste momento, Espaço de Comércio e Negócios, e a nova denominação permitiu que, actualmente, a área de negócio esteja «com ocupação total». «Temos lojas, escritórios e uma clínica que ocupa 50% do espaço total da infraestrutura», conclui o responsável. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Cooperativa Agrícola

Cooperativa surge pela insatisfação de 12 agricultores

Sede da Cooperativa Agrícola da Tocha

A base da criação da Cooperativa Agrícola da Tocha (CAT), no dia 16 de Agosto do ano de 1974, surge no descontentamento de um grupo de 12 agricultores, motivados pela política da época e pela insatisfação com o atraso no pagamento de várias quinzenas do fornecimento de leite, na altura a cargo da Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Litoral.

«Até foi uma fundação política, porque após o 25 de Abril de 1974 existiu um vazio, uma vez que os ex-Grémios da Lavoura de Cantanhede e Mira acabaram e, então, houve uma ocupação política dessa actividade». A cooperativa nessa altura começou a «dedicar-se, basicamente, ao problema do leite», porque, no fundo, «a compra e venda

61

de leite era a sua principal actividade», embora «o alvará de aprovação do título de constituição e os estatutos permitissem também a transformação e a promoção e venda dos derivados». A «legislação que a CAT criou obrigava à existência de eleições um ano depois da sua constituição». E essas eleições «não “saíram” e houve um movimento para que as mesmas existissem». Foi então que Mário de Oliveira Alfaiate se tornou presidente da CAT. A sua sede funcionou, durante alguns anos, num compartimento que tinha servido de barbearia, junto à actual rotunda da Gandareza da Tocha. A armazenagem de rações e fertilizantes, outras das actividades da cooperativa, fazia-se então em pequenos arrumos dos cooperadores. Após ter sido transferida para as instalações da antiga fábrica de tratamento de leite da ex-Federação dos Grémios, organizou um pequeno armazém para comercialização de rações, adubos e pesticidas, instalando, tempos depois, os serviços administrativos. Após a publicação do decreto-lei que extinguiu a Federação dos Grémios da Lavoura ficou um vazio que veio a ser ocupado pelas cooperativas existentes. Este facto, conjugado com a adesão de novos cooperadores imprimiu maior desenvolvimento à instituição. 

Domínio do leite acaba em Tribunal A extinção do antigo Grémio da Lavoura de Cantanhede e Mira permitiu à Cooperativa Agrícola da Tocha (CAT) «ficar com o domínio de todo o leite do concelho». Esta medida, no entanto, «não caiu bem aos produtores de Cantanhede», que chegaram, inclusivamente, «a tentar ocupar as instalações». Os dirigentes da altura arranjaram, então, uma equipa de pessoas que se deslocou para Cantanhede, para o antigo Grémio da Lavoura e fechou as instalações, porque sabiam que estavam dentro da lei. Essa situação chegou, todavia, à barra dos tribunais. «Existiu uma grande confusão porque a Cooperativa de Cantanhede queria recolher o leite, mas a CAT é que detinha o alvará. Mesmo assim não os conseguimos afastar

“Guerra” do leite acabou por ser sanada

dessa intenção.Andámos em tribunal muito tempo, mas a razão, finalmente, ficou do nosso lado. A partir daí a CAT foi a única cooperativa dominante no concelho até aos dias de hoje», disse o ex-presidente. O Grémio da Lavoura, recorde-se, pertencia à CAT e à Cooperativa Agrícola de Cantanhede. «Fomos corridos, então, reunimos uns homens, chegámos às instalações às 9h00 em ponto e fechámos o grémio. Foi um dia de feriado em Cantanhede. Pais de Sousa, então presidente da Câmara de Cantanhede, foi ver o que se passava. Acabariam por ser chamadas as autoridades, e quase que se chegou a vias de facto», contou a propósito o presidente da CAT na altura, Mário de Oliveira Alfaiate, contudo, como era oficial não poderia ser detido. 


62

Crédito Agrícola 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

EMPRESÁRIOS UNIDOS CRIAM CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA 1978 Carmindo Marques de Jesus foi o consultor oficial do projecto e o primeiro presidente da direcção. Escritura foi lavrada a 14 de Novembro de 1978

U

m dia, à noite, tocaram-me à campainha. À porta estavam três pessoas. Uma era muito minha amiga. Outra, era conhecida e a terceira não sabia quem era». Carmindo Marques de Jesus recorda-nos um momento crucial para a criação da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Cantanhede. Vivia-se o ano de 1978. «Entraram e conversámos. O objectivo era criar a Caixa de Crédito Agrícola», recorda o jurista, que, na altura, era inspector da Direcção-Geral de Registos e Notariado e, como tal, «tinha experiência» e «sabia como as coisas deviam ser feitas». Uma tarefa fundamental, tendo em conta que «a escritura era muito complicada». Carmindo Marques não se fez rogado e imediatamente se aliou, com o seu “know how”, ao projecto. Mais, foi ele próprio quem «dactilografou a escritura», conta, recordando que pediu ao notário as “ferramentas”necessárias para este acto formal, designadamente um gabinete, uma máquina de escrever e o necessário livro de registos. A escritura foi lavrada no dia 14 de Novembro de 1978, o que representa a “certidão de nascimento” da instituição bancária de Cantanhede. A 29 de Novembro a Caixa adere à Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo (FENACAM). O alvará para laboração foi emitido pela Caixa Geral de Depósitos a 17 de Janeiro e, no dia 27 do mesmo mês, publicada em Diário da República a sua constituição. Em Maio, no dia 23, abre a primeira agência, na Rua Marquês de Pombal, n.º 56 e 56 A, em Cantanhede. As primeiras instalações próprias viriam a ser inauguradas em 1990 e a actual sede começou a funcionar em 2001. «Era um projecto importante», recorda o jurista, actualmente com 86 anos, lembrando que não havia qualquer resposta desta natureza no concelho. «Havia na Abrunheira e em Coimbra, mas fazia muita falta em Cantanhede», tendo em conta que

Actual sede da instituição bancária começou a funcionar em 2001

se trata de «um concelho muito grande, com muita população e com um grande dinamismo económico», adianta Carmindo Marques de Jesus. Foram 10 os sócios fundadores da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Cantanhede, a saber: Joaquim de Freitas Louro, empresário industrial; Carmindo Marques de Jesus, jurista; CarlosAlberto Pereira Martins, empresário comercial; Carlos Alberto J..L.C. Vieira Neves, empresário agrícola; Augusto Mota Pascoal, empresário agrícola; Floriano da Cruz Cordeiro, empresário agrícola; Alcides Ferreira Macedo, empresário agrícola; Manuel Freitas Louro, empresário industrial; Manuel Jesus Fernandes, bancário, e Leonel dos Santos Silva Amaro, contabilista. «Propuseram-me que fosse o presidente da direcção», recorda Carmindo Marques de Jesus. «Impus levar uma pessoa da minha confiança», diz, referindo-se a Victor

Cartaxo, que está prestes a reformar-se e desenvolveu um trabalho notável na área do cadastro. «Outros colegas angariavam clientes», adianta, recordando que, «no final do primeiro mandato já movimentávamos muitos milhões de contos». Todavia, apesar do seu grande empenho no projecto, Carmindo Marques teve de pôr um ponto final, tendo em conta as muitas exigências profissionais que o obrigaram a correr o país. «Só vinha a Cantanhede ao fim-de-semana e praticamente nem ia a casa, para acompanhar as coisas o melhor possível». Por isso, quando o mandato chegou ao fim, fez saber que não se recandidatava ao cargo. «Só posso assumir responsabilidades quando consigo acompanhar as coisas», o que não era possível, confessa. Carlos Martins, recentemente falecido, foi o seu sucessor, lembra. 42 anos depois, o primeiro presidente


Diário de Coimbra

da direcção considera que este foi um projecto ganhador que, inclusivamente, em 2002, incorporou a congénere de Mira, passando a funcionar como Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Cantanhede e Mira. «É uma marca muito forte, credível e de confiança», salienta Carmindo Marques de Jesus. Tocha foi o local onde abriu a primeira agência (1984), seguindo-se Vilamar (encerrada em 2015), Covões e Ançã (1993), Cadima (1994) e Murtede (1999, com novas instalações em 2009), Praia de Mira (2005) e Febres (2013). Actualmente a CCAM de Cantanhede e Mira tem nove agências, «mais de sete mil associados, cerca de 20 mil contas de depósitos à ordem e mais e 35 mil clientes». Possui «uma quota de mercado de crédito de 29,62% e de depósitos de 23,68%». A instituição assume-se como parceiro privilegiado no apoio a instituições de solidariedade social, ao desporto e à educação. Inclusivamente, atribui, desde 2003, prémios aos melhores alunos dos concelhos de Cantanhede e de Mira. 

90 anos com Cantanhede Crédito Agrícola

Alguns dos fundadores e obreiros do projecto do Crédito Agrícola de Cantanhede

63


64

Intermarché 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

PRIMEIRA BASE LOGÍSTICA INTERMARCHÉ NASCE EM CANTANHEDE 1991 Casal Ferreira trouxe de França a marca “Os Mosqueteiros”, que tem vindo a reforçar, ano após ano, com novos investimentos e projectos

U

m acidente grave levou o empresário José Ferreira a pensar em “virar costas” à empresa de decoração, em Paris, e regressar a Portugal. «Era o sonho dele», recorda a esposa, Rita Ferreira, que assumia o trabalho de contabilidade e organização na empresa e não via a ideia com “bons olhos”. Mas acabou por se “render”, depois de conhecer o grupo Os Mosqueteiros. Um encontro que aconteceu numa feira de franchisados. «O grupo pretendia instalar-se em Portugal» e o casal encontrou neste desejo o “passaporte”para uma nova vida no seu torrão natal. «Ficámos entusiasmados com a componente humana do grupo», diz Rita Ferreira. «Entendemos que seria um projecto interessante para Portugal e que se integrava perfeitamente no nosso espírito», adianta. Vivia-se o ano de 1988. Foi assim, num encontro partilhado de interesses, que o casal assumiu o regresso a Portugal e deu início a um projecto pioneiro e marcante. Com efeito, sob a sua chancela, foi inaugurada a primeira base logística do Intermarché em território nacional. Precisamente em Cantanhede, a 16 de Novembro de 1991. Preparava-se o início da era da “grande distribuição”em território nacional e o casal Ferreira assumiu uma posição de vanguarda. A primeira ideia foi Aveiro, conta. Todavia, «soubemos que o Feira Nova estava para se instalar» e a opção recaiu em Cantanhede. Uma zona central, a meio caminho entre o Alentejo, de onde é natural Rita, e Trás-os-Montes, terra natal do marido. «Já conhecíamos a região, através de amigos», refere. Inclusivamente, o casal já aqui tinha passado férias e tinha gostado. Além do mais, era uma localização «estratégica», «perto de Coimbra, da Figueira da Foz, de Aveiro e não muito longe do Porto». As instalações da antiga fábrica de rações Purina foram o espaço escolhido e foi ali

Freixial Shopping foi inaugurado em Novembro de 2006

instalada a primeira base logística do grupo francês. «Uma base de distribuição que servia as lojas de todo o país no sector não alimentar, única existente», recorda Rita Ferreira, que assumiu desde cedo todo o processo de gestão, enquanto o marido é responsável por tudo o que «não seja o comércio». Esta base logística, a primeira, foi o ponto de partida para um processo contínuo de crescimento. «A certa altura esta já era demasiado pequena e avançámos para a construção, de raiz, de uma nave enorme, na zona industrial, também em Cantanhede, inaugurada a 27 de Maio de 2003, pelo Presidente da República, Jorge Sampaio. A primeira está actualmente «a ser renovada», explica. A empresária faz questão de, neste processo de instalação, referir o apoio do

então presidente da Câmara de Cantanhede, Albano Pais de Sousa. «Foi uma pessoa extraordinária, não nos deu nada, mas ajudou-nos a acreditar», afirma. O crescimento exponencial do Grupo Os Mosqueteiros em Portugal ditou a instalação de uma «base enorme, em Alcanena» (1994) e, como esta já não conseguisse dar resposta, avançou mais recentemente, com uma terceira, em Paços de Ferreira (1999, ampliada em 2009). Só nestas bases, afirma, o grupo emprega «três mil pessoas». A instalação em Portugal representou um «sucesso muito grande», que a empresária justifica com «a proximidade com o cliente» e «a diferença» na concepção do negócio. «Somos um grupo diferente, que trabalha muito com os produtores locais», particularmente no domínio dos


Diário de Coimbra

frescos, ou seja, carne, peixe, fruta e hortícolas. «Temos parcerias desde 1994», adianta Rita Ferreira, que é responsável pela qualidade do grupo a nível nacional. Ao mesmo tempo que avançou a primeira base de abastecimento de produtos não alimentares, o casal lançou, igualmente em Cantanhede, a sua primeira loja, uma das 286 que o Intermarché tem em Portugal, que abriu a 17 de Dezembro de 1991. Em 1995 (15 de Janeiro), avançou com a segunda, na Mealhada. Mas os projectos não se ficaram por aqui e Cantanhede continuou a merecer a melhor atenção e investimento do casal Ferreira, que há 14 anos (18 de Novembro de 2006) inaugurou um centro comercial com 20 mil metros quadrados (na zona onde já funcionava a loja), onde trabalham actualmente 200 pessoas. Em causa está o Freixial Shopping, um centro comercial «com uma dimensão humana, muito seguro e com muitas respostas», refere Rita Ferreira, que destaca o amplo parque de estacionamento, exterior e subterrâneo, bem como o restaurante, que recente-

90 anos com Cantanhede Intermarché

65

assume que o grande desafio que se coloca às suas empresas e às demais, no actual contexto de pandemia, é a «protecção dos colaboradores e dos clientes». «Temos de ser muito profissionais e muito exigentes. Não tivemos caso nenhum, mas é muito importante que os clientes saibam e sintam que estão protegidos e que podem fazer as suas compras em segurança», enfatiza.

Rita Ferreira trocou Paris pela Gândara

mente foi sujeito a obras de remodelação e ampliação. Apesar do seu espírito inquieto e da visão cirúrgica para o negócio, Rita Ferreira

Envolvimento social Bombeiros, Misericórdia, escolas, Cruz Vermelha, instituições particulares de solidariedade social contam, desde 1991 com a solidariedade do Intermarché. «Sempre defendemos muito as crianças e os idosos», assume Rita Ferreira, que faz questão de «agradecer a todos os clientes que nos são fiéis, pois isso permite-nos ajudar outras pessoas». Destaca, ainda, outro «contributo importantíssimo dos clientes», pois «ajudam-nos a inovar». Agradece, ainda, aos colaboradores, muitos dos quais estão no projecto desde a origem. «Crescemos juntos, somos uma família», diz. 


66

Lacticoop 90 anos com Cantanhede

LACTICOOP RECOLHE 450 MIL LITROS DE LEITE POR DIA 2002 Unidade fabril instalada na Zona Industrial da Tocha garante a recolha diária da produção de 15 mil vacas

Cooperativa tem a liderança indiscutível na recolha de leite junto do produtor

T

odos os dias o cenário se repete. A partir das 4h00 da madrugada os camiões fazem-se à estrada. A maioria, 70/80% sai da fábrica instalada na Zona Industrial da Tocha. Outros, menos, de Sever do Vouga (Aveiro) e outros, ainda, de Águas de Moura (Setúbal). Camiões-cisterna que percorrem praticamente todo o país, até à zona de Odemira, Redondo, Montemor-o-Novo, no Alentejo. Partem vazios e regressam cheios, numa rota cadenciada, que se estende até às 22h00. São 450 mil litros de leite, recolhidos todos os dias. A maior fatia, 380 mil litros, tem como destino a fábrica da Tocha, não esta, da Lacticoop, mas outra, pertencente à Lactogal, instalada junto à estrada nacional. O restante segue rumo a Oliveira deAzeméis, onde funciona outra fábrica de transformação de leite. Todos os dias, 365 dias por ano, o circuito cumpre-se. Descarregado o leite, higienizadas as cisternas, os camiões descansam na unidade da Tocha. Até ao início da madrugada, altura em que regressam ao caminho. Trata-se de um processo com uma logística complicada, que a Lacticoop – União de Cooperativas de Produtores de Leite de Entre Douro e Mondego assegura desde

1975, dando continuidade a um circuito de recolha de leite que, antes do 25 de Abril, era assegurado na região pela Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Litoral. Em 1996, a criação de uma “task-force” no sector leiteiro, com a união das cooperativas Lacticoop, Proleite e Agros, deu origem à Lactogal e introduziu novas nuances ao nível da recolha do leite, mas sobretudo na sua transformação, com as fábricas a passarem para a tutela da Lactogal, e as cooperativas accionistas, designadamente a Lacticoop, a assumirem toda a “operação leite”, desde o produtor à porta da fábrica. Mário Nogueira, director do Departamento de Leite e Transportes, e Fernandes da Silva, chefe do Serviço de Processamento de Leite da Lacticoop, orientam-nos numa visita guiada, no tempo e no espaço, por uma unidade fabril que começou a funcionar na vila da Tocha, mas acabou por ser transferida, por necessidade de crescimento e reorganização dos diferentes serviços, para a Zona Industrial da vila, em 2002. «É um trabalho muito exigente, que exige muita responsabilidade e um rigor extremo», sublinha Mário Nogueira, referindo-se à recolha do leite, que tem a sua rota mais distante no Redondo e em Seda (Alter do

Diário de Coimbra

Chão). Feita todos os dias, incluindo domingos e feriados, por 37 motoristas, 27 dos quais sediados na Tocha. «O carro chega à fábrica, é recolhida uma amostra e o leite é analisado», explica o responsável, destacando as exigências acrescidas da fábrica, que produz «leite especial, seleccionado». Feita a descarga, assiste-se à lavagem da viatura e são «seladas todas as entradas». Um procedimento que atesta a segurança do transporte. «A primeira coisa que o motorista faz, de manhã, quando pega no carro, é ver os selos». O mesmo acontece, de resto, na chegada à fábrica. «Os selos não podem estar violados» e se apresentarem qualquer problema, «é dado um alerta e o leite é colocado à parte». Aliás, «o leite não é descarregado na fábrica se não estiver nas melhores condições», adianta aquele responsável, apontando a penalização do produtor e a destruição do leite, num processo que é tutelado pelo Ministério do Ambiente. «Não há nenhum produto tão rigorosamente exigente como o leite», afirma Mário Nogueira, destacando uma das “bandeiras”da Lacticoop/Lactogal. Em todo o ano de 2019 apenas cinco situações de “desconformidade” ditaram a destruição do leite, referem os responsáveis, atestando a preocupação e igualmente a exigência dos produtores. O circuito de recolha de leite exige, além dos motoristas, o apoio logístico de cinco mecânicos, sediados na unidade da Tocha, que têm de estar sempre prontos para dar resposta, seja de dia, seja de noite. Juntam-se mais quatro profissionais, electromecânicos, que dão, igualmente, resposta pronta aos produtores, designadamente no que se refere a equipamentos de ordenha e tanques de refrigeração do leite.

Certificação de Bem-Estar Animal ALacticoop está a trabalhar num processo de Certificação do Bem-Estar Animal, que tem como objectivo «certificar os produtos Lactogal». O objectivo é claro, explica Mário Nogueira: «só recolher leite de animais de explorações com bem-estar animal». Não se trata, apenas, de garantir as melhores condições higieno-sanitárias, boa alimentação, animais saudáveis e com boa apresentação, mas também com «uma boa relação com o produtor». Procura-se, em síntese, recolher leite de animais felizes. Na região, a Lacticoop já certificou «cinco explorações», e uma delas é da Cordinhã.


90 anos com Cantanhede Lacticoop

Diário de Coimbra

Resposta “à la carte” na alimentação animal

67

Lojas Terra a Terra com resposta pronta

Cantanhede tem uma das quatro lojas que a Lacicoop possui na região

Os silos onde são armazenados os suplementos alimentares preparados na unidade

O apoio veterinário, na área do melhoramento da qualidade, nomeadamente no que se refere ao estado sanitário e maneio dos animais é outra área que a Lacticoop assegura aos seus associados. Garante, igualmente, a partir da Tocha, um apoio fundamental na área da nutrição, com «formuladores e fábrica». Para quem não sabe, há nutricionistas especializados em garantir as melhores refeições às vacas leiteiras. Trata-se de «uma especialidade na área da zootécnia», esclarece Fernandes da Silva. O papel destes profissionais passa por analisar o animal, com enfoque nas suas características genéticas, bem como o leite que produz, visando o seu melhoramento. O responsável faz notar que o «leite padrão tem 3.7 de gordura e 3.2 de proteína». “Medidas” que são fundamentais, uma vez que se estas referências «forem inferiores, o produtor é penalizado» no valor que recebe pelo leite. O desempenho do nutricionista inclui ainda a «análise do que o produtor tem em casa», ou seja, que espécies de alimento, forragens e cereais tem disponíveis na sua exploração para alimentar o gado. Tendo em conta estes dois factores, o nutricionista propõe um «suplemento alimentar» específico, de forma a aumentar o índice de rendimento do animal. «A questão alimentar é a que mais custos representa para a exploração», refere Fernandes da

Silva. «Mais de 50% da receita da venda do leite vai para a alimentação», adianta. Milho, soja, sorgo, colza, sementes de algodão, bagaço de oleaginosas, beterraba, polpa e casca de citrinos são alguns dos ingredientes que a Lacticoop adquire. Uma boa parte é importada, pois não se produz no país. Já no que concerne ao milho, «adquirimos a produtores locais», designadamente do concelho de Montemor-o-Velho. A moagem e a posterior mistura dos ingredientes é feita na unidade fabril da Tocha. A produção de suplementos alimentares começou, refere Mário Nogueira, «há mais de 20 anos», na Cooperativa de Vagos. Seguiu-se uma segunda fase, na Zona Industrial de Cantanhede, nas instalações da antiga Cobai. Depois, com a venda deste espaço, a produção de suplementos alimentares instalou-se na Zona Industrial da Tocha. Trata-se de uma resposta personalizada, feita por encomenda, “à la carte”. «Produzimos 1.300 toneladas/mês», esclarece o nutricionista, sublinhando que se trata apenas de encomendas. O profissional destaca, também, o facto de estes suplementos representarem um «aproveitamento integral» de ingredientes que seriam considerados «desperdício», sinal de uma economia circular, onde tudo se aproveita e transforma. Os clientes variam “de peso” e tanto podem necessitar de 10 como 100 toneladas por mês.

Os suplementos alimentares são comercializados com a marca “Terra a Terra”, uma marca própria de produtos, mas também a designação de um conjunto de quatro lojas que a Lacticoop possui na região das Beiras, localizadas em Cantanhede, Mira, Soure e em Vila Nova de Paiva (distrito de Viseu). «Só estamos onde não há cooperativas», esclarece Mário Nogueira. Nestes espaços comerciais vende-se tudo o que os agricultores possam precisar, desde ferramentas, máquinas, sementes, fertilizantes, adubos e pesticidas. O responsável do Departamento de Leite e Transportes da Lacticoop sublinha o facto de também nesta área ser garantido apoio técnico, seja às sementeiras, seja em termos de produtos fitosanitários ou na área da vinha. «Damos apoio técnico a tudo o que se produz no campo», refere, destacando a disponibilidade de quatro engenheiros que estão no terreno. Também a nível administrativo, na área da gestão, a Lacticoop dá apoio às explorações, garantindo «um acompanhamento ao produtor» muito específico, que permite, designadamente, perceber a relação custo-benefício de um animal. «São pormenores fundamentais para a gestão de uma exploração», sublinha Fernandes da Silva. «Estamos abertos a fazer mais», remata Mário Nogueira, a pensar em novos desafios. 


68

Lactogal 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

LEITE “MATINAL”:I DA TOCHA PARAI O MUNDOI

Unidade fabril da Lactogal na Tocha é uma referência em termos tecnológicos

1998 Unidade fabril passa para a tutela da Lactogal, mas mantém-se como referência na produção de leite seleccionado, funcional e UHT. O “Matinal” é a sua coroa de glória

A

minha vida é feita de escolhas, de boas escolhas… porque eu gosto de leite… porque eu gosto de mim”. Quem não se lembra destas palavras e das imagens de eleição que acompanhavam a campanha publicitária do leite Matinal? Trata-se, tão só, do primeiro leite certificado do país, lançado em 1993, e ainda hoje considerado um leite seleccionado e de excelência. Um produto “made in Tocha”, na unidade fabril da Lactogal. Um processo que, registe-se, começou bem antes, ainda com a chancela da Lacticoop – União de Cooperativas de Produtores

de Leite de Entre Douro e Mondego. Hoje, a unidade da Tocha tem uma «capacidade instalada de produção de 227 milhões de litros/ano», de leites selecionados (Matinal), funcionais (Mimosa sem Lactose e Mimosa Cálcio), UHT (Gresso), bem como de bebidas lácteas aromatizadas. Os expoentes máximos desta produção são o Lanchinho Boom (banana, chocolate ajustado e morango), Mimosa Bom Dia, Adágio Latte (bebidas lácteas aromatizadas) e Mimosa Proteína. A produção inclui, ainda, a gama das Tisanas Pleno e os sumos Fresky. «É uma fábrica dotada de um processo

industrial muito moderno e, do ponto de vista dos equipamentos, está munida de tecnologia de ponta», sublinha a Lactogal, destacando as duas centenas de trabalhadores da unidade, bem como a presença dos seus produtos – desta e de outras fábricas– em «mais de quatro dezenas de países, nos cinco continentes». Na origem desta moderna unidade de produção, está uma “estória” de envolvimento e trabalho, ligado à produção, transformação e comercialização de leite. Vivia-se a década de 70 do século passado e, na Tocha, funcionava o Posto de Concentração


90 anos com Cantanhede Lactogal

Diário de Coimbra

de Leite da antiga Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Litoral. Com o 25 de Abril e a extinção dos Grémios da Lavoura, surge a Lacticoop – União de Cooperativas de Produtores de Leite de Entre Douro e Mondego, que passa a ser responsável pelo ciclo económico do leite em toda a Beira Litoral. Nessa altura, no espaço agora ocupado pela unidade fabril, assistia-se à produção de leite pasteurizado (leite do dia), que abastecia a região Centro, com dois centros de distribuição localizados em Coimbra e na Figueira da Foz. Eram, ainda, abastecidas as indústrias de lacticínios da região e enviado diariamente «leite pasteurizado, a granel, para abastecimento da cidade de Lisboa, da responsabilidade da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, sendo o leite embalado na Central Leiteira de Lisboa, onde viria a funcionar a UCAL – União de Cooperativas de Abastecimento de Lisboa», recorda a Lactogal. Em 1977 assiste-se a nova viragem, com o início do «tratamento e embalamento do leite UHT» (ultra high temperature). Mas,

Linha de produção do Leite Matinal

além do leite simples, surge o “incontornável”leite com chocolate, em embalagens de litro e de 1/5 de litro, com sabor a morango e também o leite escolar. Onze anos depois, «iniciam-se as obras de ampliação da fábrica para a instalação de equipamentos

Tecnologia de ponta e produtos de referência Equipada com «tecnologia de ponta», a unidade da Tocha é reconhecida como «uma fábrica especializada em produtos de valor acrescentado» e em «embalagens diferenciadoras», de que são exemplo as embalagens “Terra Pack EVERO” do Leite Matinal. Razões que têm motivado uma atenção especial da Lactogal, no sentido de «ir ao encontro das necessidades do mercado, quer ao nível da conveniência dos produtos para o consumidor, quer ao nível das questões ambientais». Assim, em 2018, foi instalada uma nova linha de enchimento Terra Pack, no formato prisma Edge 200 e 250 ml, com tampa de abertura fácil “Dreamcap”. Uma embalagem que «tem por base o cartão e não tem palhinha, o que permite o uso “on the go” nos produtos diferenciadosAda-

gio Latte (250 ml), Leite Matinal UHT Leve (200ml) e Mimosa Proteína (250 ml). Concomitantemente, a fábrica apostou num «programa de redução de desperdícios», relativamente a materiais de embalagem e consumo de recursos. Um programa que está em desenvolvimento e que «permitiu atingir um patamar de excelência em termos de “perdas”associadas ao processo de fabrico», sublinha a empresa. O resultado foi que, com a «actual tecnologia disponível», a unidade fabril da Tocha atingiu «um nível de desempenho equiparado às melhores instalações da Europa». Também na unidade da Tocha está a ser desenvolvido, desde 2018, um programa que tem como objectivo a redução do consumo ou eliminação de plásticos, refere a Lactogal. 

69

de produção de outros produtos frescos derivados do leite» e em 1989 começa a produção efectiva, designadamente de «iogurtes com polpa de fruta Gresso e o queijo fresco Bambino». O ano de 1993 representa mais um momento marcante, com o lançamento do leite Matinal, cujo processo de preparação começou praticamente dois anos antes. Um produto de referência, que ainda hoje continua a ser produzido na unidade fabril da Tocha, o mesmo acontecendo, de resto, com o leite Gresso (UHT), outra das marcas emblemáticas na região. Uma e outra estão no mercado com a chancela da Lactogal – Produtos Alimentares, SA, uma “task force” que resultou da união de três cooperativas do sector leiteiro – Lacticoop, Proleite/Mimosa e Agros -, constituída em 1996. Um processo faseado e moroso, que começou com a concentração das actividades comerciais, seguida do sector industrial e consequente integração do património. Daí resultou que a «escritura da fábrica da Tocha, como pertença da Lactogal», só fosse assinada «em Fevereiro de 1998». 


70

Adega Cooperativa 90 anos com Cantanhede

O INCOMPARÁVEL REINO DOS NÉCTARES BAIRRADA 1954 Adega Cooperativa completa este ano 66 anos de vida, com um papel fundamental na economia da região

Adega Cooperativa de Cantanhede é das mais saudáveis, em termos financeiros, do país

A

dinâmica e a importância que a Adega Cooperativa imprime na economia de Cantanhede e da região é inegável e após mais de seis décadas de actividade - completa 66 anos este ano - a «visão inteligente e activa» dos seus fundadores ainda «hoje prevalece», tornando-se «decisiva na afirmação da instituição» no seu sector de actividade. Um panorama risonho que nada faz suspeitar que, há cerca de 10 anos, a empresa esteve à beira do abismo. A entrada do actual presidente,Victor Damião, em 2010, e de uma nova direcção representou um “volte-face” e a estratégia adoptada não

demorou a dar frutos e hoje certifica mais de metade da sua produção com a Denominação de Origem Bairrada, assumindo uma destacada liderança neste segmento. A situação foi melhorando e em 2011 entrou Osvaldo Amado, que acabou por fazer muito mais do que mera consultoria de enologia, desenhando toda a estratégia de produção, encaixada nas estratégias empresariais (comercial, financeira, entre outras). Foi o enólogo, de certa forma, o obreiro do que Victor Damião chama de «coerência na qualidade dos vinhos», que levou à fidelização do consumidor. A constituição da Adega Cooperativa de

Diário de Coimbra

Cantanhede aconteceu em 1954, fruto da vontade de um grupo de 100 viticultores empenhados em criar condições para valorizar e rentabilizar o elevado potencial que já então reconheciam aos vinhos produzidos no “terroir” de Cantanhede. Actualmente conta com 500 viticultores associados activos e uma produção anual de 6 a 7 milhões de quilos de uva, constituindo-se como o principal produtor da Região Demarcada da Bairrada, representando cerca de 40% da produção global da região. Hoje, certifica cerca de 80% da sua produção, sendo líder destacado nas vendas de vinhos Bairrada DOC e Beira Atlântico IGP. A sua dimensão e consequente responsabilidade cedo exigiu que o caminho a seguir fosse o de valorizar as castas características da região, apostando na produção de vinhos com maior qualidade. Inicialmente eram comercializados exclusivamente a granel, mas nove anos depois da fundação e contra todas as correntes do sector cooperativo de então, a adega iniciou, pioneiramente, a venda dos seus vinhos engarrafados, procurando uma via alternativa para a diferenciação dos vinhos de Cantanhede. A instituição é o maior operador da Bairrada, em termos de selos de certificação, atribuídos pela Comissão Vitivinícola da Bairrada. É também das adegas cooperativas financeiramente mais saudáveis do país. «Hoje são os bancos que vêm à Adega», diz Victor Damião. A folga financeira permite comprar novos equipamentos e investir em projectos de nicho, realizados com uvas “especiais”, alguns de videiras seculares. E permite investir na exportação, que representa hoje 35% da produção e tem aumentado sempre, com especial destaque para os mercados do Brasil, Rússia, França, Canadá, Reino Unido, Alemanha, Suíça, Japão, EUA e China. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Adega Cosperativa

Defender e promover uva produzida na região A intrépida vontade de um grupo de viticultores de Cantanhede esteve na origem daAdega Cooperativa de Cantanhede (ACC), no longínquo ano de 1954. «Defender, promover e valorizar a uva produzida na região foi, desde sempre, o pilar fundamental da sua estratégia». Cedo aACC percebeu que a melhor forma de o fazer era engarrafar o seu próprio vinho, ao invés de o vender a granel. Surge assim, no início da década de 60, a marca Cantanhede, que rapidamente ganha prestígio nacional. Foi o primeiro passo para um bem-sucedido caminho de construção de uma identidade, fortemente enraizada no que de melhor o “terroir”de Cantanhede pode oferecer, privilegiando sempre as castas tradicionais da região, com especial destaque para a Baga. No final da década de 80, lança a marca

Victor Damião lidera a instituição desde 2010

Aposta nas castas da Bairrada com enfoque na Baga A política produtiva da Adega de Cantanhede assenta num pressuposto basilar que passa por uma forte aposta nas castas portuguesas, particularmente da Bairrada, sua defesa, promoção e divulgação. Neste contexto merecem especial destaque a casta tinta Baga, mas também a Touriga Nacional e Tinta Roriz e as castas brancas, Bical, Maria Gomes e Arinto, com base nas quais se tem vindo a produzir novos estilos de vinho, resultado não só das características “sui generis” dessas castas, mas também

de um esforço permanente na modernização dos processos de vinificação. Se a modernização dos processos de vinificação constitui preocupação permanente, paralelamente o mesmo acontece com o acompanhamento desde a vinha até à adega. Neste contexto, foi uma das primeiras a constituir um Gabinete de Apoio ao Associado, para Produção em Protecção Integrada, que se assume como um sistema de produção que valoriza o Respeito e Não Agressão ao Ambiente.

71

Marquês de Marialva, há vários anos líder de mercado em vendas de vinhos Bairrada DOC. É hoje o mais prestigiado cartão de visita da ACC, com um extenso portfólio de 22 referências, entre vinhos, espumantes, fortificados e aguardentes. Hoje os seus vinhos estão presentes em mais de 20 mercados internacionais, representando 35% do volume de negócios. A este reconhecimento do consumidor soma-se um assinalável curriculum de mais de 750 distinções nos mais prestigiados concursos nacionais e internacionais, e três distinções como MelhorAdega Cooperativa nos últimos oito anos. «Este percurso de 66 anos, os sucessos e conquistas alcançados, e as elevadas expectativas que daí decorrem, encerram uma acrescida responsabilidade, que encara com a confiança de quem nunca se demitirá da missão de ser um digno embaixador de um concelho e de uma região com um tão vasto e rico território, assim dignificando a paixão com que cada um dos seus associados se entrega à sua vinha», revela Victor Damião.  Hoje está em curso a evolução para a Produção Integrada, visando alcançar um cada vez maior conhecimento e controlo da qualidade em todas as etapas do processo produtivo da vinha à garrafa. Resultado também desta preocupação é a parceria estratégica estabelecida com o Biocant Park ao nível da I&D, com a qual visa alcançar um mais profundo conhecimento do genoma das principais castas da região, das principais enfermidades que habitualmente as afectam e de eventuais soluções para a sua mais eficaz protecção, perspectivando sempre a sua valorização e distinção, bem como o assegurar de uma eficaz protecção da sua identidade e individualidade. 


72

Biocant 90 anos com Cantanhede

BIOCANT CONSTRÓI FÁBRICA DE BIOTECNOLOGIA 2003 Perto de atingir a “maioridade”, parque vai dinamizar um projecto de “elevado impacto económico e social”

Biocant Park assume -se como um projecto ganhador, que se afirmou pela diferença

É

a “cereja no topo do bolo”. É desta forma que Carlos Faro, director científico do Biocant Park, descreve o projecto de construção de «uma grande fábrica de biotecnologia», que deverá arrancar «algures em 2021» e terá «um elevado impacto económico e social» em Cantanhede e na região. «É um projecto em que se vai lançar uma unidade industrial baseada em tecnologia que foi desenvolvida numa “startup” instalada no Biocant, diz Carlos Faro, considerando mesmo que «vai ser o desenvolvimento mais importante dos próximos dois/três anos». O responsável está intimamente ligado ao início, desenvolvimento e crescimento do parque de biotecnologia de Cantanhede, inaugurado em 2003. Actualmente, a «taxa de ocupação ronda os 80%», mas apesar de tudo, revela Carlos Faro, «o Biocant vai construir mais um edifício». «Neste momento o parque está a ter uma grande expansão num sector que inicialmente não existia mas que ao longo do tempo se foi desenvolvendo, que é a área industrial. Hoje o parque tem um sector de investigação, cuja bandeira é “UC Biotech”, um con-

junto de “start-ups”, que é outro pilar das empresas que estão espalhadas pelo parque, e tem um terceiro pilar, muito importante, que é o sector industrial», explica o director científico. Este pilar «tem um terreno que fica junto ao parque, com 60 hectares, exclusivamente dedicados ao sector industrial na área da biotecnologia», revela, sublinhando que a primeira empresa a instalar-se nesse sector foi a «CEV, depois, mais recentemente, a Tilray - produção de cannabis medicinal - que acabou por dar muita visibilidade ao parque a nível internacional». O novo edifício, explica o responsável, «será para acolher mais “start-ups”», porque, «neste momento o parque tem dois sectores, o sector das “start-ups”, que é da investigação, e o sector industrial, onde está instalada a Tilray, e que é actualmente o pólo de atracção para investimento estrangeiro». Carlos Faro afirma que o Biocant Park continua a ter muita procura e pode aumentar. «Essa procura centra-se, sobretudo, na área industrial, porque com o que aconteceu no mundo (pandemia da Covid-19), muitas das empresas americanas e europeias vão tentar trazer de volta para a Europa as unidades industriais que inicialmente deti-

Diário de Coimbra

nham no Oriente. Portugal tem, assim, uma oportunidade única de poder ir buscar uma parte destes activos industriais que estão fora da Europa. E, nesse sentido, a aposta do Biocant é captar um número muito significativo desses projectos industriais na área da biotecnologia», frisa. Actualmente o Biocant Park acomoda cerca de 30 empresas, mas o número tem variado bastante, devido ao facto de existir uma selecção natural. «Hoje em dia temos empresas mais robustas, e se calhar proporcionalmente não temos tantas empresas como já tivemos no passado, mas as que sobreviveram são as mais robustas e viáveis», afirma Carlos Faro.

Característica diferenciadora O director científico faz, por isso, um balanço muito positivo destes 17 anos de actividade, considerando que o Biocant Park «teve um impacto muito superior àquilo que seriam as melhores expectativas em 2003». «Na altura tínhamos a sensação de que criar um parque tecnológico de banda larga não seria uma aposta estratégica, porque nesse caso não havia nenhuma característica diferenciadora em relação aos outros parques que existiam em Portugal», adianta. «A aposta na biotecnologia decorre do facto de ser a minha área de interesse e com isso conseguimos criar uma característica que nos diferenciava dos outros parques. E isso, numa primeira fase, foi muito importante, porque foi essa diferenciação que atraiu uma série de projectos que vieram de Lisboa e do Porto, que possivelmente, se fôssemos um parque de banda larga, não teriam escolhido Cantanhede», explica. Na génese da criação do Biocant Park estão a Câmara de Cantanhede e o Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra (UC), com o envolvimento da Universidade de Aveiro (UA). «Embora a maior parte das pessoas envolvidas no projecto sejam oriundas da UC a verdade é que tivemos investigadores e professores da UA e um grande contributo da própria instituição», assegura. A biotecnologia foi escolhida por ser uma área de banda larga. «Portanto, tanto podemos acomodar projectos da área da saúde, agro-alimentar, materiais e da bioinformática, e só estes exemplos mostram que temos uma grande abrangência», conclui Carlos Faro. 


Diário de Coimbra

90 anos com Cantanhede Biocant

73

Câmara “já não tinha capacidade para alavancar desenvolvimento” Carlos Faro explica os contornos do processo de 2017, quando um empresário português da diáspora decidiu investir no Biocant Park. «A Câmara de Cantanhede já não tinha capacidade de continuar a alavancar este desenvolvimento e, portanto, nesse sentido foi necessário encontrar capital que pudesse ser injectado para dar continuidade ao crescimento do parque», começa por dizer. «A pessoa que aceitou este desafio é português, mas é um português da diáspora. Logo os capitais dele objectivamente são estrangeiros, mas ele é português e, aliás, a única razão pela qual investiu no parque é por ser em Portugal. Não tinha nenhum outro investimento no país», adianta. O referido empresário «gostou do projecto e percebeu que existe um conjunto de empresas muito promissoras e foi isso que o atraiu». Na altura, recorda Carlos Faro, todo este processo «foi mal explicado, aliás muito mal explicado, e até acabou por ser desconfortável para todos». Provavelmente «este projecto iria morrer porque a autarquia não tinha capacidade financeira para o alavancar e, na verdade, a câmara já tinha feito o seu papel, que foi

Carlos Faro é o director científico do Biocant Park

Crioestaminal inaugura unidade para aumentar competitividade A nova unidade de produção, inaugurada recentemente pela Crioestaminal, no Biocant Park, vai permitir a produção de medicamentos para ensaios clínicos e terapias experimentais para doenças autoimunes, AVC e Covid-19. «Precisávamos de uma unidade laboratorial especial para efectuarmos a manipulação das células, num processo que é considerado um medicamento regulado pelo Infarmed», salienta André Gomes, acrescentando o CEO da Crioestaminal, que se trata de um laboratório «inovador», existindo «muito poucos no mundo». Para André Gomes, a nova infraestrutura – cujo investimento ascendeu a um milhão de euros - vai «aumentar não só a com-

petitividade da empresa, como a competitividade do país, num sector de ponta como é o da biotecnologia». Segundo o responsável, a empresa está desde Fevereiro a trabalhar células mesenquimais para o tratamento dos doentes mais graves com infecção pela Covid-19, que proporcionou «melhorias significativas» em pacientes com pneumonias graves. A empresa, segundo o CEO, está em negociações com vários hospitais nacionais para a realização de um ensaio clínico, que não terá custos para o Serviço Nacional de Saúde. «Até ao fim do ano devemos começar a tratar doentes com acidentes vasculares cerebrais (AVC), numa parceria com o

no início do projecto, porque só uma autarquia o poderia financiar, não havia outra alternativa», reconhece o director. «A câmara correu o risco, o projecto cresceu e desenvolveu-se até este patamar e a partir daqui o município continua a ser um “stakeholder” muito importante, mas não pode ser um factor limitador em termos de desenvolvimento», sustenta. Os investimentos num parque desta natureza «são avultados» e se o Biocant Park «não tivesse seguido este caminho provavelmente teria sido o fim do projecto». «O interesse do empresário, naturalmente, não é a exploração dos edifícios e dos ecossistemas, é de certa forma a plataforma que depois permite alavancar as empresas», vinca, acrescentando que «o empresário investiu não só no parque mas também em muitas empresas que estavam completamente descapitalizadas». «Este investimento teve efeito a dois níveis: na gestão do parque, mas também ao nível das empresas porque tiveram o financiamento que lhes permitiu dar um salto significativo e o desenvolvimento que vamos ver nos próximos anos decorre desse investimento», realça Carlos Faro.  Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC)», assume o responsável, explicando que o tratamento será efectuado com células da medula óssea injectadas na zona do cérebro atingida. Trata-se do projecto “Stroke Terapy”, já em acção, que através de células estaminais pretende recuperar doentes que sofreram AVC isquémicos agudos. Dentro de dois anos, a Crioestaminal prevê realizar ensaios clínicos na área das doenças autoimunes, através de células que regulem o sistema imunitário. Ao longo dos 17 anos de actividade - foi fundada em 2003, sendo a primeira empresa a instalar-se, em 2006, no parque de biotecnologia de Cantanhede - a Crioestaminal já efectuou 45 mil utilizações de sangue umbilical para o tratamento de cerca de 80 doenças e tem quatro patentes registadas para terapias com base em células estaminais em Portugal. 


74

MAHLE 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

COMPONENTES AUTOMÓVEISI DE MURTEDE PARA O MUNDOI Empresa está equipada com a mais moderna tecnologia e exporta 100% da sua produção

1993 A MAHLE – Componentes de Motores S.A. produz segmentos de pistão, equipamento “obrigatório” em todos os motores. Exporta 100% da produção

S

abia que Murtede corre no grande circo da Fórmula 1? Sim, é verdade! Ascuderia da marca italiana, criada por Enzo Ferrari, uma das mais antigas e com melhor palmarás na prova rainha da competição automóvel, está equipada com segmentos de pistão produzidos na unidade fabril da MAHLE – Componentes de Motores, S.A. , localizada nesta freguesia de Cantanhede. Mas não são apenas os bólides do “cavalinho” que aceleram com estes equipamentos. Também a Ducati usa componentes “made” in Murtede, e a Audi já fez a mesma experiência nas 24 Horas de Le Mans, uma das mais conceituadas corridas de automóveis do mundo. Os mesmos segmentos de pistão, em diferentes variáveis, equipam motores a diesel e a gasolina das principiais marcas de ligeiros do mercado. E também de camiões. Sempre com o “carimbo” de Murtede. Em causa está uma unidade fabril do grupo MAHLE, altamente especializada e com uma aposta muito forte na inovação e desenvolvimento tecnológico, que exporta 100% da sua produção. Os países europeus representam cerca de 90% da produção, que tem como destino grupos automóveis

Olhar atento à realidade social Certificada em termos ambientais e com uma «grande preocupação com a segurança e saúde dos seus colaboradores», a MAHLE – Componentes de Motores assume, também, a sua responsabilidade social, através de um olhar atento à sua área de envolvência. «Apoiamos lares de terceira idade, creches, os Bombeiros de Cantanhede», sintetiza Filipe Gomes. O responsável da unidade fabril destaca, ainda, o facto de os colaboradores da empresa se deslocarem às escolas da região para «darem a conhecer a MAHLE». Um processo que inclui, também, um “pacote” especial, este destinado aos filhos dos funcionários, que são convidados a «passar algum tempo na fábrica», de forma a conhecerem a empresa e «a realidade onde os pais trabalham». 

de referência, desde a Volkswagen, à Renault, passando pela BMW, Mercedes, Audi, PSA, Fiat, Ford, ou a Volvo e Scania, ao nível dos camiões. A restante produção é canalizada para os mercados da China e EUA. O mercado nacional está fora desta rota por uma questão objectiva, que se prende com o facto de os segmentos de pistão serem uma peça aplicada no corpo do motor, operação que não é feita em Portugal por nenhum dos grupos ligados ao sector. «O grupo tem uma estratégia de grande investimento» e isso tem sido feito nos «últimos 20 anos», afirma Filipe Gomes, director da unidade fabril de Murtede, salientando que esta é a política do grupo alemão, que gere a empresa desde 1997. Estratégia que permitiu alargar os horizontes de produção, que começaram, na origem da fábrica, centrados em segmentos de pistão para motores de viaturas ligeiras a gasolina. As novas orientações do mercado, com o «desenvolvimento da produção dos motores a diesel», levaram a MAHLE a diversificar a sua produção. «Focou-se, também, nos motores diesel, destinados a ligeiros de passageiros», explica. Mas, também «investiu no segmento de pesados».


Diário de Coimbra

É essa aposta no investimento tecnológico e em novos equipamentos que permite que nesta unidade fabril exista «um sector que se dedica a viaturas de alta competição», afirma Filipe Gomes, exemplificando com os segmentos de pistão produzidos para os carros da Ferrari que disputam o Mundial de Formula 1, para as motos da Ducati ou para os bólides da Audi. «A MAHLE de Murtede acaba por ter o seu nome associado a grandes competições desportivas e mediáticas», assume o director. Mas há mais. A MAHLE aposta fortemente na investigação e desenvolvimento, nomeadamente com o foco na produção de produtos que contribuam para uma cada vez maior eficiência do motor e logo redução no consumo de combustível e das emissões de gases. Nesse domínio mantém colaboração assídua com várias universidades, designadamente de Coimbra, Aveiro e Braga. A empresa possui actualmente, fruto da pandemia, 561 trabalhadores, uma boa parte dos quais com formação em engenharia. O volume de negócios anual tem oscilado entre os 60 e os 80 milhões de euros. 

90 anos com Cantanhede MAHLE

75

Da CofapEuropa à MAHLE A empresa de Murtede faz parte de um grupo alemão, mas nem sempre foi assim. Filipe Gomes, director da unidade fabril, explica-nos a história da fábrica, que embora desde sempre associada à produção de componentes para motores, começou por “falar” o português “açucarado” do Brasil. Com efeito, a empresa surgiu como CofapEuropa, e começou a laborar em 1993, depois de um processo de negociação entre o grupo brasileiro Cofap e o Estado português. «O grupo brasileiro pretendia entrar no mercado europeu, onde tinha vendas, inclusivamente um armazém na Alemanha, mas não tinha produção». A escolha recaiu sobre Cantanhede. «O factor língua foi decisivo», afirma o responsável, mas também as condições oferecidas e os incentivos da União Europeia conduziram à criação de uma joint venture entre o grupo Cofap e o Estado português. A CopafEuropa passa para a tutela do

Aspecto da linha de produção

grupo Mahle no quadro de uma concertação de interesses entre alemães e brasileiros, com a multinacional alemã a pretender entrar na produção de segmentos de pistão que não detinha e a Cofap a querer vender. Desde 1997 que a unidade de Murtede pertence 100% ao grupo Mahle, que também adquiriu a parte pertencente ao Estado.


76

Expofacic 90 anos com Cantanhede

Diário de Coimbra

EXPOFACIC NASCEUI PARA VENCERI E PRESTIGIARI CANTANHEDEI

Certame é uma referência nacional e um indiscutível cartaz de Cantanhede e de toda a região

1991 Primeira edição teve o nome de Expofacic 91 e surgiu “inspirada” na Feira de S. Mateus, como uma mostra do potencial comercial, industrial e agrícola do concelho

A

15 de Julho de 1991, o fadista Nuno da Câmara Pereira levava alguns milhares de pessoas ao recinto exterior da Escola Secundária de Cantanhede, naquele que foi o último – e o mais concorrido – dos sete dias da primeira edição da feira de Cantanhede. Estava, assim, cumprida a primeira de tantas “enchentes” da Expofacic. Depois deste grande dia, tantos outros se seguiram, sempre a crescer, sempre a afirmar a feira, o concelho de Cantanhede e, no fundo, toda a região. Talvez ninguém esperasse que a semente lançada em 1991 viesse a alcançar a dimensão que hoje lhe conhecemos. Mas havia seguramente, entre quem organizou a primeira edição, o desejo escondido que esta fosse uma realização para continuar. «Continuaram com o projecto e deram-lhe um sentido que eu próprio não esperava que acontecesse, embora dentro de mim, sempre desejei que a feira continuasse com mais prestígio», conta Espírito Santo Lopes. Espírito Santo Lopes era, no ano de 1991, vereador da Cultura no executivo liderado por Albano Pais de Sousa e se há alguém a

quem possa ser atribuída a realização da feira é ao vereador que, não só conseguiu convencer o então presidente a avançar com o evento, como ele próprio quase o “carregou”às costas, com uma equipa «empenhada» que conseguiu montar o evento em tempo recorde e vingar logo na primeira edição. Era 7 de Setembro, primeiro dia da I Expofacic, quando o Diário de Coimbra noticiava o programa e os objectivos do certame: «Esta feira visa valorizar e estimular as potencialidades agrícolas, comerciais, industriais da região e do país em geral, proporcionando a industriais, comerciais, agricultores, artesãos e demais entidades promotoras de actividades económicas a possibilidade de apresentarem a visitantes profissionais e ao público em geral as suas últimas criações ou os seus serviços». Espírito Santo Lopes resume os objectivos que traçou a um evento que «representasse uma mostra actual daquilo que se fazia e existia no concelho, no âmbito da agricultura, do comércio e da indústria e evidenciasse as potencialidades do concelho nestes sectores de actividade económica, fazendo-se

ainda nela representar o artesanato e a gastronomia regionais». Frisa ainda como foi então decido dar destaque a «três componentes que estavam presentes no espírito da feira: o leite, o vinho e o ouro», três «referências que Cantanhede tinha e queríamos promover».

Unanimidade na aprovação O caminho até à realização da primeira Expofacic não foi fácil e trabalho, esse sim, houve muito, desde logo a “convencer” o executivo e na montagem de toda a feira. À distância de 30 anos, Espírito Santo Lopes recorda como o executivo municipal liderado por Albano Pais de Sousa ficou «reticente» em relação à ideia que apresentou mas realçou a «unanimidade» alcançada numa estrutura tripartidária, em que o PSD tinha três elementos e o PS e o CDS tinham dois elementos cada. «Todos os vereadores se manifestaram favoravelmente e isso foi um sinal de confiança», recorda. Na acta aprovada a 12 de Março de 1991 já se acreditava que a realização da Expofacic contribuiria «por certo para um maior crescimento dos vários sectores de actividade


CASE STUDY STUDY

¨

¨ ¨

¨

¨ ¨

¨

2500 UNIDADES DE BRILHO

VISÍVEL MESMO AO MEIO DIA VÍDEO / IMAGENS / RELÓGIO / TEMPO VIA WEB ATUALIZAÇÃO T AUTO ON/OFF | WORK 24/7 49’’/ 55’’/ TAMANHOS: A 55’ 75’’

FARMÁCIAS CLÍNICAS SAÚDE EMPRESAS ORGANIZAÇÕES


78

Expofacic 90 anos com Cantanhede

económica concelhia». Faltavam, no entanto, poucos meses para o evento aprovado, pelo que houve que colocar mãos à obra. A data inicialmente apontada para a realização da feira foi por volta do dia 25, feriado municipal de Cantanhede, o que não veio acontecer porque, recorda Espírito Santo Lopes, era necessária a ajuda fundamental da ACIC – Associação Comercial e Industrial de Coimbra, que dispunha dos stands que iria emprestar a Cantanhede e que pouco antes estavam em utilização na feira que decorria em Coimbra, na Praça Heróis do Ultramar. Foi preciso recalendarizar o evento de Cantanhede para que os stands daACIC estivessem disponíveis, passando para Setembro, curiosamente a altura do S. Mateus e de uma festa que nas décadas de 60 e 70 tinha existido no concelho e que viria a ser a inspiração para a Expofacic. Espírito Santo Lopes recorda, de resto, como lhe ficou «a imagem e a recordação» dessa Festa de S. Mateus que o «inspirou» na criação da exposição-feira.

nhamento, disponibilidade e entrega de várias pessoas e entidades que, num espírito de colaboração e entreajuda inexcedíveis tornaram possível, num curto espaço de tempo, a realização de um evento que veio para ficar e que muito tem prestigiado Cantanhede, a sua terra e as suas gentes», recorda o então vereador. Finda a primeira edição, ficou claro que o evento tinha “pernas para andar” só que já não seria com Espírito Santo Lopes que na altura, por motivos profissionais, foi obrigado a abandonar o executivo municipal. A professora Edite Tavares, que já o tinha acompanhado na primeira edição, tomou as rédeas do evento, agora como adjunta Diário de Coimbra acompanha o certame desde a primeira hora

De Setembro para Julho, da escola para o parque A I Expofacic viria a concretizar-se de 7 a 15 de Setembro, no recinto exterior da Escola Secundária de Cantanhede, com a presença de 65 expositores e alguns milhares de visitantes. «Resultou de um forte empe-

A adiada 30.ª edição promete regressar “melhor” e “mais forte” Em ano que seria de comemoração do 30.º aniversário da Expofacic, a pandemia da Covid-19 fez adiar no tempo a celebração que teria acontecido há cerca de um mês. Ficamos, por isso, com os números da edição de 2019, que apontam para a presença de 350 mil visitantes e cerca de meio milhar de expositores. O último investimento foi de 1,6 milhões de euros numa feira que começou pequenina no recinto exterior da escola e ocupa hoje 10 hectares de terreno no parque expo-desportivo de S. Mateus e é autosustentável. Mas, e o que é actualmente esta feira/festa que mobiliza tantos milhares de pessoas? Como desde a primeira hora, é uma mostra do potencial do concelho nas vertentes comercial, industrial e agrícola, sem es-

quecer o artesanato e a componente da gastronomia regional, que assume grande peso na feira através das tasquinhas exploradas pelas associações concelhias. Mas é muito mais do que isso e a organização, recusando a comparação literal a “festival de Verão” assume as semelhanças. Na verdade, há um cartaz de espectáculos, com nomes nacionais e internacionais, de fazer inveja a muitos festivais e há oito palcos espalhados pelo recinto que garantem a animação em todos os cantos e recantos. Paralelamente, há grandes exposições temáticas e novidades em cada edição que tornam sempre uma nova experiência a visita à Expofacic. «É uma exposição comercial, industrial e agrícola, sempre foi, nasceu assim. As

Diário de Coimbra

do presidente Albano Pais de Sousa. «Os expositores e o público pediram para repetir, mas foi difícil convencer o presente de Câmara», recorda Edite Tavares, garantindo que a segunda edição da Expofacic se fez pela sua «resiliência» e até gastando algum dinheiro do seu bolso. Estava lançada a segunda edição do certame que, traduzindo-se em novo sucesso deixou a certeza de que era inevitável a sua continuidade. Foram-se introduzindo mudanças, as primeiras das quais com a alteração da data, com a feira a passar, alguns anos depois, para finais de Julho e inícios de Agosto – como inicialmente se defendia –, aproveitando o Dia do Município e os muitos emigrantes e veraneantes na região. Algumas edições depois aconteceu igualmente a mudança de espaço, com o recinto da escola a ser trocado pelo parque expodesportivo de S. Mateus, já que estava claro que o crescimento da feira tornava impensável continuar no recinto da escola. Tal como Espírito Santo Lopes, também Edite Tavares estava, quando integrou a primeira e a segunda comissão, longe de imaginar que a feira chegaria ao patamar dos largos milhares de visitantes como já chegou e de se tornar uma das maiores feiras do seu género a nível nacional. «Era uma coisa concelhia, nunca pensei que viesse a ter a dimensão actual», comenta.  famílias gostam de ter um cartaz de espectáculos muito forte, por isso também acaba por ser um festival. E não sendo um festival de gastronomia, a gastronomia está lá. Não é um evento cultural, mas a cultura está lá. É um misto disto tudo e a Expofacic deve-se a isto tudo», resume Idalécio Oliveira, presidente da INOVA, a empresa municipal que se tornou responsável pela organização da feira a partir do momento que a sua dimensão tornou difícil manter-se nas mãos da equipa da Câmara Municipal. Este ano não houve Expofacic mas já há datas agendadas para o próximo ano. De 29 de Julho a 8 de Agosto o caminho é feito em direcção a Cantanhede onde, se a pandemia o permitir, se repete o certame que Idalécio Oliveira garante ter potencial para ser melhor ainda do que tudo que até hoje se viu. «Temos condições para fazer melhor e de forma mais forte», assegura o presidente da INOVA. 




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.