Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente
90 ANOS COM
COIMBRA Com o patrocínio de:
Com o patrocínio de:
90 anos com Coimbra Introdução
Diário de Coimbra
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Memórias com 90 anos
Coimbra na altura do nascimento do jornal. Destaca-se o Coliseu (Praça de Touros), que foi destruído por um incêndio em 1935
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edicamos a Coimbra o terceiro de um conjunto de trabalhos em que nos propusemos recuperar algumas das histórias e memórias dos concelhos da região, olhando nesta abordagem para o modo como o Diário de Coimbra acompanhou e noticiou momentos relevantes destas comunidades ao longo das últimas nove décadas. Com esta revista, que publicamos no ano em que o jornal está a celebrar o 90.º aniversário, não se pretende uma retrospectiva histórica ou um registo exaustivo de factos, acontecimentos, entidades e personalidades. Este trabalho deve, antes, ser visto como um contributo para conhecer, recordar e compreender alguns dos aspectos marcantes na vida dos cidadãos e dos municípios. Na revista que acompanha a edição de hoje do Diário de Coimbra começamos por contextualizar a evolução urbanística de Coimbra, observamos a expansão da Universidade e a consolidação da importância estratégica desta cidade para a saúde da região. Detemo-nos também um pouco no passado e presente da vida empresarial de Coimbra, na área de apoio social, cultura, tradições académicas e desporto. Não se trata, reiteramos, de um documento histórico/académico, mas sim de um trabalho de carácter jornalístico, com limitações próprias e escolhas que assu-
mimos. Não estará por isso isento de falhas e omissões, para as quais pedimos a benevolente compreensão do leitor. Nascido a 24 de Maio de 1930, o Diário de Coimbra manteve-se firme, ao longo destes 90 anos, na defesa dos interesses desta cidade e da região das Beiras. O jornal assumiu causas, pugnou pelo progresso e melhoria das condições de vida das populações. Desde as primeiras edições, em que dinamizou, por exemplo, campanhas pela erradicação da pobreza e da tuberculose, dois flagelos sociais que à época afligiam as populações, a causas mais recentes, como o movimento contra a queima de resíduos perigosos nas cimenteiras, que resultou na maior petição de sempre de incidência local colocada à Assembleia da República, com 52.464 assinaturas. Por vezes, nos tempos em que a censura reprimia e restringia a liberdade de Imprensa, sofreu pelas posições tomadas, como quando o regime de Salazar penalizou o jornal com mais de um ano de suspensão, ficando sem se publicar entre 7 de Julho de 1945 e 11 de Julho de 1946. É também um pouco da história do Diário de Coimbra que perpassa nas páginas da revista com que hoje nos associamos à celebração do Dia da Cidade de Coimbra.
FICHA TÉCNICA Julho de 2020 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo
Coordenação editorial: Manuel de Sousa Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Andrea Trindade, António Manuel Rodrigues, João Paulo
Henriques, Manuela Ventura e Manuel de Sousa Fotos: Ferreira Santos, Figueiredo, Arquivo e Imagoteca da Câmara Municipal de Coimbra Vendas: Ana Lopes e Hélder
Rocha Design gráfico: Pedro Seiça Publicidade: Rui Semedo Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA Tiragem: 10 mil exemplares
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Opinião 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
Um pilar do progresso da cidade e da região Manuel Machado Presidente da Câmara Municipal de Coimbra
O
serviço que o Diário de Coimbra presta aos cidadãos da sua cidade, da região das Beiras e de Portugal ao longo de nove décadas merece respeito, culto e homenagem. Nasceu em 1930, quando Oliveira Salazar era ministro das Finanças. Nasceu como jornal informativo – ou seja: para fazer jornalismo objetivo e independente –, nasceu republicano e regionalista. O Diário de Coimbra cresceu e implantou-se resistindo aos ditames do Estado Novo. Prosseguiu defendendo a liberdade de imprensa. Lutou com determinação contra a censura da ditadura salazarista. Defendeu o desenvolvimento da Província das Beiras e, mais
tarde, da Região Centro. Promoveu sempre, desde o seu primeiro dia e até hoje, o desenvolvimento do país e as causas maiores de Coimbra. Além destes méritos, há que reconhecer e sublinhar a virtude principal como jornal: procurar sempre estar ao serviço dos leitores com honestidade editorial. O Diário de Coimbra é o mais antigo diário português que conserva a sua linha editorial de origem. Mantém-se até hoje na posse da família do seu fundador, Adriano Lucas. O seu filho, também Adriano Lucas, esteve 60 anos ao serviço dos leitores, da cidade, da região e da liberdade. A ele se deve a dimensão empresarial do grupo Diário de Coimbra, pois cedo percebeu que só a viabilidade e a independência económica poderiam garantir a independência jornalística. E tem sido esta a matriz que duradouramente tem guiado a sua conduta ao longo destes 90 anos, fez escola e serviu de exemplo. Foi o reconhecimento desta caminhada que, já em 1975, o fez representante dos jornais diários na comissão que elaborou a
primeira Lei de Imprensa do regime democrático do pós 25 de Abril. Efetivamente, Coimbra, a cidade e a Região, são beneficiárias dessa perseverança combativa ao longo de sucessivas gerações, do espírito republicano que acompanhou o jornal e sua linha editorial impulsionadora do progresso, do desenvolvimento e das causas sociais que tem abraçado. O jornalismo do Diário de Coimbra foi e continua a ser hoje – sob a direção de Adriano Callé Lucas – uma referência de exigência, de vigilância e de crítica sadia para com todos os que, em função dos seus cargos, têm o dever de servir a cidade, a região e o país. Há, ainda, mais duas causas que definem este jornal de 90 anos: a sua luta contra o centralismo estatal, contra “os totalitarismos do Estado” como escrevia Adriano Lucas, e a defesa da regionalização. Por isto e por muito mais, considero de toda a justiça reconhecer o Diário de Coimbra como um pilar do progresso da cidade e da região. Longa vida ao Diário de Coimbra e felicidades para todos os seus leitores e colaboradores!
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Urbanismo 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
Calhabé tornou-se uma das principais zonas de expansão da cidade, com estádio, escolas e importantes áreas residenciais e comerciais
E SE O CAMPO DE AVIAÇÃO TIVESSE OCUPADO A LOMBA DA ARREGAÇA? Coimbra registou nos últimos 90 anos um crescimento assinalável. As opções urbanísticas moldaram a cidade, ditando a forma como se expandiu e desenvolveu
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aviação comercial estava a ganhar importância e os feitos heroicos dos aviadores, que ousavam atravessar mares e continentes em máquinas voadoras ainda longe da perfeição, causavam admiração e entusiasmo. Ter um aeroporto era aspiração de terras de maior estatuto e Coimbra não foi excepção. No início dos anos 30 do século passado o Diário de Coimbra associou-se a uma campanha em prol da construção da pista de aviação, dando voz a uma pretensão assumida por algumas forças vivas da cidade. Principal dinamizadora da ideia, a Associação Comercial e Industrial de Coimbra, sob a liderança de Francisco Vi-
laça da Fonseca, solicitou à direcção da Aeronáutica Militar de Lisboa o envio de técnicos para se estudar a localização do pretendido “aeroporto”. O major aviador Cunha Almeida e o capitão Arantes Pedroso encontraram no “planalto do Calhabé”, mais precisamente nos terrenos a nascente da Lomba da Arregaça, condições adequadas para a construção, não propriamente do campo de aviação ideal, «como esses que hoje se fazem já lá fora», mas «sem dúvida um esplêndido campo de socorro, um soberbo campo de recurso, podendo servir Coimbra durante muitos e muitos anos», como noticiou o nosso jornal na edição de 31 de Julho de 1930. A adaptação do terreno dis-
pensava grandes terraplanagens e os ventos dominantes favoreceriam as aterragens e descolagens, avaliaram. A escolha não era porém consensual e levantavam-se vozes, que o Diário de Coimbra também divulgou (19 de Março de 1932), a favor de diferente localização «em condições de não embaraçar o natural alargamento da cidade». O Calhabé apresentava já por essa altura algum casario, em torno da Estrada da Beira, e viria a tornar-se nas décadas seguintes uma das principais zonas de expansão da cidade. Vingou o bom senso e Coimbra, também por intervenção da Junta Geral do Distrito liderada por Bissaya Barreto, teve a partir
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de 1940 o seu “aeroporto”, ou melhor, o aeródromo, num planalto a sul, entre as freguesias de Antanhol e Cernache. Um dos bairros mais emblemáticos de Coimbra (Norton de Matos, antigo Bairro Marechal Carmona), que acolheu muitas das famílias da Alta desalojadas nas demolições ordenadas pelo Estado Novo nos anos 40, não existiria provavelmente se aqueles terrenos da Lomba da Arregaça, que a imaginação popular viria posteriormente a designar “Cavalo Selvagem”, tivessem sido comprados ou expropriados para pista de aviação, o que ajuda a compreender a influência da actividade humana e das decisões políticas no modo como esta cidade evoluiu e se transformou aos longo das últimas décadas.
O emblemático Bairro Norton de Matos provavelmente não existiria se na Lomba da Arregaça tivessem construído a pista de aviões, que Coimbra desejava no início dos anos 30
90 anos com Coimbra Urbanismo
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Como se imaginava em 1930 o futuro da cidade Há 90 anos, na edição de 25 de Outubro de 1930, publicou o Diário de Coimbra uma página especial dedicada a esta cidade. Na parte final de um dos artigos, intitulado “Coimbra, ontem, hoje, amanhã”, o autor aventura-se num exercício de futurologia, que se torna curioso transcrever para entender as expectativas então existentes sobre a evolução do espaço urbano. «O que vai ler-se é uma fantasia sobre o que poderá vir a ser Coimbra daqui a cinquenta anos, se a sua transformação material for tão intensa como até aqui, e for criteriosa», começa por esclarecer. E prossegue: «A Alta, continua o bairro escolar, com as características repúblicas de estudantes, tradicionalistas, em vez de “residências”de importação estrangeira. A Baixa, remodelada,
com amplas ruas e avenidas desembocando na Calçada e no rio; este, desassoreado, não ameaçando a cidade com as suas cheias, corre sereno para o mar, ladeado por um avenida marginal que prolonga aAvenida Navarro até o Choupal. Uma dupla via eléctrica liga-a à cidade, por uma ampla avenida. O Vale da Arregaça-Calhabé é um bairro moderno, como o são Montes Claros, Olivais, Coselhas e Chão do Bispo; mas na Arregaça, o aeroporto, onde pousam alguns aviões militares, de comércio e de turismo, semanalmente. A cidade, vista de longe, é um tufo de verdura que alastra pelas encostas, pintalgado de elegantes casarios, é um centro activo de trabalho. Uma cidade que vibra, que vive, que trabalha e progride, eis Coimbra, ligada pela via-férrea à Covilha e a Tomar. Mas... lá diz o Povo, “futurar é errar”».
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Urbanismo 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
MOMENTOS QUE MARCARAM O URBANISMO EM COIMBRA O urbanista Lusitano dos Santos e o arquitecto Rui Lobo ajudam-nos a entender o modo como evoluiu o espaço urbano, destacando as transformações operadas na Alta da cidade e o papel dos diferentes planos de urbanização na organização do território AUTOR NÃO IDENTIFICADO / MUNICÍPIO DE COIMBRA
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o crescimento populacional e na necessidade de espaços para a expansão da Universidade encontramos dois dos principais factores que explicam a forma como Coimbra foi moldada e se desenvolveu urbanisticamente ao longo do último século. Recuando no tempo, e para enquadrar historicamente a evolução do espaço urbano de Coimbra, há a destacar desde logo a influência central do mosteiro de Santa Cruz, que ocupava com a sua quinta uma vasta área no sopé da colina da Alta, fora das muralhas da cidade. Foi nesta propriedade dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho que, no século XVI, a transferência da Universidade para Coimbra levou à abertura da Rua da Sofia, na época a mais larga da Europa, em torno da qual se construíram colégios, igrejas e prédios para alunos e professores. Com a extinção das ordens religiosas a quinta dos crúzios, que se estendia pelo Vale da Ribela até ao Parque de Santa Cruz, acabaria comprada pela Câmara em 1885. «Nos anos seguintes, procedeu-se a abertura da Avenida Sá da Bandeira, ao modo de boulevard parisiense, ligação viária principal entre a baixa e os novos bairros da cidade alta extramuros. Entre eles, o bairro de Santa Cruz, junto da Praça D. Luís (hoje da República), e as zonas residenciais de Montes Claros e da Cumeada, já do início
Pedonalização das ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz transformou a Baixa
do século XX», elucida Rui Lobo, arquitecto e professor da Universidade de Coimbra, no texto “Coimbra: evolução do espaço urbano”, a que recorremos para esta breve contextualização histórica.
No mesmo ano de 1885 o caminho-de-ferro, que chegara a Coimbra em 1864, prolongava-se da Estação Velha para o centro da cidade, favorecendo a ligação ferroviária o surgimento de novas fábricas,
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Urbanismo 90 anos com Coimbra
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Margem esquerda do Mondego cresceu muito nas últimas décadas, acolhendo espaços culturais, comerciais e novas áreas residenciais
que se instalaram em terrenos desocupados na margem direita do Mondego. Estendeu-se mais tarde este eixo industrial para a Avenida Fernão de Magalhães, transformada em principal via de atravessamento da cidade ao ligar (em 1954) o Largo da Portagem à Estação Velha. O desenvolvimento industrial foi acompanhado de um acentuado aumento da população da cidade, que dos cerca de 15 mil habitantes em 1864 passou para 25 mil em 1900 e 40 mil em 1930. «Continuavam a crescer os bairros de Montes Claros e da Cumeada, onde mais tarde se construía o Liceu, projectado por Carlos Ramos em 1932. Os aglomerados de Celas e de Santo António dos Olivais começavam a fazer parte da cidade. Crescia também o Bairro de S. José que indiciava o desenvolvimento da cidade para sudeste», anota Rui Lobo. Cercas conventuais ou monásticas e grandes quintas da periferia foram aos poucos deixando de ser entrave à expansão da cidade, como se verificara em tempos mais recuados. O planalto da Alta, que pouco se alterara desde a construção em meados do século XVI do “bairro alto” conimbricense, em torno do Largo da Feira e da antiga Rua Larga, viria a sofrer mudanças profundas
a partir de 1943, com a demolição de duas centenas de prédios para dar lugar às novas instalações universitárias (ler texto noutro local desta revista). Rui Lobo, em declarações em nosso jornal, qualifica a «operação traumática e violenta que foi a destruição do antigo bairro universitário da Alta, em meados da década de 1940, para dar lugar à Cidade Universitária do “Estado Novo”», como «uma intervenção marcante e que moldou a imagem da cidade durante o século XX», reparando no entanto o professor do Departamento de Arquitectura da UC que «não obstante, as escadas monumentais e os edifícios das faculdades fazem hoje parte da zona classificada como “Património Mundial” pela UNESCO (e também a sede da Associação Académica de Coimbra e o Teatro Gil Vicente)». Lusitano dos Santos, urbanista e professor jubilado da Faculdade de Ciências e Tecnologia, sublinha igualmente como «um dos momentos incontornáveis na história urbana da cidade a demolição de parte da Alta de Coimbra para construir a nova “Cidade Universitária de Coimbra”, levada a cabo em meados de 1940 e concluída em 1975». O Estado Novo impôs na Alta «um plano e uma arquitectura que identificassem a
ideologia do regime e a sua lógica de poder, autoritária e opressiva», e o especialista lamenta a opção tomada, preconizando que se Salazar não tivesse demolido parte da Alta poderiam as novas instalações universitárias ter sido construídas na encosta da Boavista (onde veio a localizar-se o Pólo II) ou nas imediações do Calhabé, por exemplo no Vale das Flores. «E essa expansão de Coimbra teria, não tenho dúvidas, grande qualidade urbanística, melhor que a maioria daquilo que hoje lá se encontra», remata. Para realojar os salatinas (habitantes da Alta) novas áreas residenciais foram projectadas e a cidade ampliou-se assim com a construção do Bairro Marechal Carmona (actual Bairro Norton de Matos), Bairro das Sete Fontes (Celas), Bairro da Fonte do Castanheiro e Arregaça.
Planos para pôr ordem no crescimento do concelho O progresso económico e social, o desenvolvimento da construção civil e o crescimento demográfico (o concelho contava já cerca de 106 mil habitantes em 1960) impulsionaram fortemente a expansão de Coimbra, tornando necessárias regras para evitar um crescimento
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Urbanismo 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
FOTOS: AUTORES NÃO IDENTIFICADOS / MUNICÍPIO DE COIMBRA
Uma exposição e um livro sobre a evolução urbanística de Coimbra
A Portagem (antigo Largo Miguel Bombarda) foi sofrendo grandes modificações. Numa das fotos vê-se a ponte de ferro que a actual Ponte de Santa Clara veio substituir em 1954
urbanístico desordenado. Em 1940, explica Rui Lobo, foi apresentado na Câmara Municipal o plano de “Embelezamento e extensão da cidade de Coimbra”, do arquitecto e urbanista Étienne De Gröer. Previa um modelo urbano tipo cidade-jardim, rodeando Coimbra de cinco aldeias-satélites pré-existentes: Coselhas, Tovim, Chão de Bispo, Carvalhosas e Várzea. Aprovado em 1945, o plano definia para a área urbana uma lógica de zonamento, sobressaindo a zona industrial, a zona comercial central e a função residencial, dividida em cinco tipologias possíveis, quase todas à base de habitações unifamiliares. «Eram previstas quatro zonas de extensão residencial, a noroeste, a nordeste, em Santa Clara e a sudeste. Esta última abarcou uma expansão da cidade em pleno
desenvolvimento. Construíram-se aí, nos anos quarenta, o bairro económico Carmona (agora Norton de Matos), o Estádio Municipal, o Liceu D. Maria, a Escola do Magistério, a Escola Industrial e a Igreja de S. José, equipamentos da nova área residencial, a Solum, edificada nas décadas de 1960 e 1970 segundo os princípios da Carta de Atenas. Encontram-se aqui dos melhores exemplos da arquitectura moderna de Coimbra, casos dos vários blocos residenciais projectados par Carlos de Almeida e por Rogério Alvarez», observa o docente de Arquitectura. Rui Lobo destaca igualmente, do ponto de vista do planeamento, o plano regulador de Antão de Almeida Garrett, de 1959, que reviu o plano De Gröer, afastando o esquema da cidade-jardim mas mantendo as suas linhas mestras, nomeadamente a
No livro “Evolução do espaço físico de Coimbra”, que o município editou para complementar a exposição homónima levada a efeito em 2006, Santiago Faria sintetizou de forma clara o tema, num texto que precede várias colaborações e diferentes abordagens chamadas a participar na obra. Falecido em 2010, o arquitecto, comissário da exposição, foi um dos maiores estudiosos dos planos gerais de urbanização de Coimbra e o seu trabalho tem vindo a ser uma referência para os que se dedicam academicamente a esta área de investigação. lógica do zonamento, porém em moldes diferentes. Questionado pelo Diário de Coimbra sobre os momentos que considera marcantes no desenvolvimento urbanístico de Coimbra nos últimos 90 anos, também Lusitano dos Santos indica os planos De Gröer e Almeida Garret, a que acrescenta o Plano Concelhio 1970 e o Plano de Urbanização 1974, ambos coordenados por Manuel Leal da Costa Lobo. «Pela primeira vez no país se elaborava um plano abrangendo a totalidade do território concelhio, o que era ilegal. Mas o urbanista Costa Lobo defendeu, e a Câmara aceitou, que se não podia pensar na cidade sem pensar no território da sua envolvência», recorda. O plano analisou o povoamento do concelho e verificou-se, de 1947 até 1969, «para
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além da densificação da área central da cidade e também das áreas periféricas de Santa Clara, São Martinho do Bispo, Ribeira de Frades, Taveiro e Ameal (desenvolvidas nos 71 anos anteriores), o crescimento para as zonas de São José e Santo António dos Olivais (aliás previsto nos planos De Gröer e Almeida Garrett) e ainda para a Pedrulha, seguido por um continuum até à Adémia. Souselas a Norte e Ceira a Sul também registaram crescimento nestes 22 anos, embora mais fraco». A cidade foi-se ampliando, «com base na iniciativa privada, a partir dos caminhos rurais existentes (melhorados ou não), da abertura de novos arruamentos e da construção de loteamentos urbanos dinamizada pela nova legislação de 1965 e 1973», observa. Pioneiro do urbanismo em Portugal, falecido em 2013, Costa Lobo analisou o crescimento do número de edifícios e fogos, por freguesias, no período de 1960 a 1969, contatando-se que «apesar dos planos, o concelho cresceu para fora deles, num crescimento descontrolado e anárquico», recorda Lusitano dos Santos, atribuindo a situação ao «fracasso do modelo de planeamento urbanístico centralizado
90 anos com Coimbra Urbanismo
O centro histórico de Coimbra tem vindo a ser requalificado nos últimos anos
definido por Duarte Pacheco e por inoperância dos poderes públicos». O professor jubilado, que foi um dos iniciadores do ensino do Urbanismo na Universidade de Coimbra, salienta ainda o primeiro Plano Director Municipal (PDM) de Coimbra, concluído em 1994 depois de 11 anos de trabalhos dos serviços de planeamento urbanístico da autarquia, que procurou contrariar a situação preocupante
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que o diagnóstico evidenciou, de «um cenário de especulação, manifestada por uma ocupação edificada em expansão, consequente de acções urbanísticas desarticuladas e sem qualidade, descaracterizando a cidade e alimentando uma dispersão periurbana, carente de infraestruturas, acentuando disfunções e aconselhando uma urgente requalificação urbana». Este PDM, acrescenta Lusitano dos Santos, definiu, além da delimitação dos perímetros urbanos e “zonas de reserva para urbanização”, as zonas não urbanas (agrícolas, florestais, conservação da natureza), bem como «definiu e delimitou ainda as tradicionais zonas da cidade regulamentando a construção nas zonas residenciais através do índice de utilização e do número de pisos, procurando requalificar e manter a imagem urbana». A estes planos, e mais recentemente, Rui Lobo acrescenta os do Pólo II e da Quinta da Portela, «operações ainda incompletas, mas que estão a definir uma nova frente sul da cidade, ordenada e qualificada», faltando «interligar ambas as zonas (abrindo um par de novas ruas) para que estas áreas se constituam como uma parte integrante
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Urbanismo 90 anos com Coimbra
da cidade, com um carácter multifuncional e “urbano” – que o Pólo II ainda não tem». O docente universitário salienta, por outro lado, «o Plano de Pormenor da Alta Universitária, do arquitecto Gonçalo Byrne, incluindo as intervenções no espaço público da Rua Larga e Pátio das Escolas», que tem sido «acompanhado pela reabilitação de importantes imóveis como o Paço da Universidade, o Colégio da Trindade, o Museu Machado de Castro ou o Museu da Ciência (no antigo Laboratório Chímico)». Vê ainda como muito positiva e relevante a transformação das ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz em artérias pedonais, nos anos noventa do século passado, bem como «a notável intervenção na Praça 8 de Maio, do arquitecto Fernando Távora, que restituiu a dignidade à Igreja de Santa Cruz».
Nota negativa para a expansão da cidade Questionado sobre a avaliação que faz do crescimento do espaço urbano de Coimbra nas últimas décadas, Rui Lobo entende que de modo geral «não é positivo». «A cidade tem crescido quase sempre de forma desordenada, expandindo-se através dos antigos caminhos rurais da periferia, onde vão despontando prédios de habitação, casas, armazéns e oficinas por entre as
construções pré-existentes. Veja-se toda a margem esquerda por detrás de Santa Clara, toda a encosta a nascente da Avenida Fernando Namora, ou a expansão para norte ao longo da Estrada de Eiras… Penso que se deveria ter promovido mais áreas de urbanização prioritária (através de planos de pormenor) apoiadas na gestão do cadastro e na abertura de novas malhas de arruamentos com uma lógica claramente urbana», considera. Defende, por outro lado, que se poderia ter criado «mais condições para a reabilitação do designado “centro histórico”, pela recuperação de mais imóveis para residência permanente de novos habitantes e não apenas para alojamento local». «AAlta tem-se recuperado recentemente com o turismo, tem havido alguma reabilitação de imóveis e algum investimento na requalificação do espaço público (ainda que nem sempre com os melhores critérios). Mas a cidade baixa, em particular a “baixinha”, continua muito degradada», sublinha. Nota crítica ainda para a localização de grandes espaços de comerciais que nas últimas décadas vêm proliferando na cidade. «Tem-se permitido instalar essas superfícies comerciais nos locais mais inusitados», repara, considerando que «poderia ter havido uma ideia clara» para a sua localização «na periferia imediata da cidade», por exemplo «na antiga área industrial da Pedrulha, ainda VARELA PÈCURTO / MUNICÍPIO DE COIMBRA
Os bairros Norton de Matos e Solum, muito antes da remodelação do Estádio Municipal
Diário de Coimbra
hoje uma porta de entrada na cidade, cenário de fábricas desactivadas e em ruínas como a Triunfo e a Estaco». É igualmente bastante crítica a avaliação que Lusitano dos Santos faz da forma como este território se desenvolveu. «A evolução temporal do povoamento concelhio identificado no plano de 1970 mostra que a construção cresceu desordenadamente ao longo dos caminhos existentes», diz, complementando que «na cidade o crescimento had hoc também é evidente, resultante de intervenções isoladas, construções ou operações de loteamento não articuladas nem integradas na envolvente e, na maioria, com desenhos de má qualidade». «Aabertura de arruamentos, alguns clandestinos que depois foram legalizados (o arruamento de ligação do Bairro do Ingote ao Bairro de São Miguel, por exemplo) e a posterior construção de edifícios marginais não integrados por plano de conjunto, contribuíram também para o crescimento desordenado da cidade», acrescenta. Não deixa ainda o urbanista de lamentar a alteração que sofreu o conjunto primitivo da “Unidade residencial do Calhabé”, por ocasião do campeonato de futebol Euro 2004. «O Estádio Municipal foi demolido para nele ser construído um “maciço conjunto edificado” constituído por um novo estádio logo seguido de um “shopping”. Além disso a “praça arborizada” de enquadramento do conjunto foi drasticamente reduzida com a implantação de um volumoso complexo de piscinas. Foi a “vingança” de democracia ao atentado feito à Alta pelo ditador Salazar: Demoliste a Alta, vamos demolir e destruir a tua obra. Foi ainda uma homenagem às religiões da nova democracia construindo-lhes dois templos: o Futebol e o Consumo», comentou Lusitano dos Santos, lembrando que defendeu na altura junto da autarquia, em vez da demolição e reconstrução do campo desportivo existente no Calhabé, a edificação de um novo estádio na zona norte da cidade (Adémia/Eiras ou Pedrulha), dotada de boas acessibilidades. «Desse modo, mantinha-se preservada uma área que era magnífica e aproveitava-se para reordenar a periferia, onde proliferavam construções e loteamentos desordenados e de má qualidade», considera, concluindo que se a opção tivesse sido diferente «Coimbra seria outra, certamente muito melhor».
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Parque Verde 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
APLAUSO PARA O PARQUE VERDE DO MONDEGO
Aposta na requalificação das margens resultou numa nova área de atracção e lazer
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streitar e revalorizar a relação da cidade com o rio tem sido uma das apostas estratégicas do município de Coimbra, consciente da importância do Mondego no desenvolvimento harmonioso do espaço urbano. Lusitano dos Santos e Rui Lobo, que temos vindo a citar neste trabalho sobre a evolução urbanística de Coimbra, convergem no aplauso à mais recente intervenção efectuada nas margens do rio, no âmbito do Programa Polis. «Foi um processo exemplar na medida em que se fez um concurso público para os projectos de arquitectura e de arquitectura paisagista, houve discussão e debate, e o melhor projecto (de Camilo Cortesão, Mercês Vieira e João Nunes) ganhou. Depois disso o parque expandiu também para a margem esquerda, com a construção da ponte pedonal “Pedro e Inês”. Houve, entretanto, e infelizmente, o problema conhecido com as cheias do rio, mas julgo que em breve teremos os restaurantes e bares de volta. O Parque Verde do Mondego necessita, definitivamente, de um novo impulso», avalia o docente de Arquitectura da UC. Do mesmo modo, Lusitano dos Santos considera que «o Parque Verde do Mondego, naquilo que já está executado, foi um sucesso indiscutível». «Dinamizou a utilização do Parque Manuel Braga e trans-
formou-se no mais importante local de recreio e lazer dos residentes de Coimbra e visitantes de fora do município», constata o urbanista, lamentando porém que tenham sido construídos «edifícios em área inundável, sem acautelar o risco de inundação (erro que, em 1920, o Parque Manuel Braga acautelou)», o que também «constituiu um mau exemplo dado pela administração pública (Câmara e Governo) aos investidores imobiliários privados». «Bem cedo, e sem rotura da Barragem da Aguieira, a natureza mostrou quem manda: As cheias de Janeiro e Fevereiro de 2016 e em Dezembro de 2019 destruíram as “doquinhas”construídas à beira da água e inundaram as restantes construções da margem esquerda. Com perdas irreparáveis de equipamentos e documentos no Centro InterMUNICÍPIO DE COIMBRA
Praia fluvial funcionou em frente ao Parque da Cidade entre 1935 e 1946
pretativo do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha.Agora a Câmara Municipal atamanca subindo um piso aos restaurantes. Quando voltarem as cheias vamos lá, de barco, mesmo chovendo, almoçar ou jantar», ironiza. Afirma também Lusitano dos Santos que falar hoje sobre “virar a cidade para o rio” ou “valorizar a relação da cidade com o rio” pode «levar a pensar que a cidade viveu, ou vivia, “de costas para o rio”», mas «isso nunca aconteceu», Coimbra «nunca esteve divorciada do seu rio, nem poderia estar», embora tenha decrescido a importância do Mondego nalgumas funções tradicionais, como a do transporte fluvial de pessoas e mercadorias. «Mas o rio também tinha outras funções importantes para a cidade. As captações para abastecimento de água, inicialmente na Ínsua dos Bentos (Parque Manuel Braga) e agora na Boavista. E a função de lazer. No Verão a Câmara montava no leito do rio uma “praia fluvial”a montante da Ponte (de Santa Clara nos meus anos de 1960) e próximo da margem esquerda, que era muito utilizada e que fomentou os desportos náuticos (a primeira praia foi inaugurada a 2 de Agosto de 1935)», assinala. Por sua vez, Rui Lobo destaca outras obras «muito importantes para promover a relação entre as duas margens (e a relação da cidade com o rio)», indicando a reabilitação do Convento de São Francisco e a sua adaptação para centro de congressos (pelo arquitecto Carrilho da Graça), «um equipamento que fez muita falta à cidade; e também a reabilitação do Museu de Santa Clara-a-Velha, projecto (dos arquitectos Alves Costa e Sérgio Fernández) que muito dignifica Coimbra». «Na margem direita, julgo que seria fundamental definir um “projecto urbano”qualificado para a frente de rio a jusante da Estação de Coimbra-A. Esta antiga zona industrial, com a substituição prevista do caminho-de-ferro pelo sistema do Metro Mondego, vai passar a constituir uma nova frente urbana da cidade. Como é que isso se irá fazer? Que antigos edifícios se podem resgatar? Que novos edifícios se poderão propor? Como se desenhará o espaço público? Defendo a elaboração de um programa concreto, articulado pela Câmara Municipal, e a realização de um concurso de arquitectura para seleccionar o melhor projecto. Julgo que seria um momento importante para discutirmos a cidade que queremos para o futuro», conclui o docente universitário.
90 anos com Coimbra Pontes
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DIÁRIO DE COIMBRAI ADIANTOU-SE NAI DEFESA DA PONTEI DE SANTA CLARAI Ponte de Santa Clara triplicava a largura da ponte metálica que assegurou a travessia do Mondego entre 1875 e 1954
1954 Crucial para o desenvolvimento da margem esquerda, a nova travessia do Mondego criou também alternativas de circulação que permitiram atenuar o impacto da passagem do trânsito da Estrada Nacional 1 na cidade
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uas décadas antes da inauguração da actual Ponte de Santa Clara, que ocorreu em 1954, publicou o Diário de Coimbra um artigo em defesa da construção de uma nova travessia no Mondego, para substituir a ponte de ferro que funcionava desde 1875 e não respondia já eficazmente às ne-
cessidades de deslocação das populações. No texto, publicado a 3 de Setembro de 1933, o jornal apontava as limitações da ponte como um obstáculo ao desenvolvimento de Santa Clara, destacando a impossibilidade de a dotar de condições para a circulação de transportes públicos de tracção eléctrica. «A ponte que existe serve exclusivamente a viação mecânica que entre nós ainda não atingiu, nem poderá atingir, por razões que não vêm agora para o caso, uma intensidade do movimento que a torne mais acessível e mais popular. De modo que, privado da viação eléctrica, que é a mais barata, tanto para as empresas como para o público, e por conse-
quência aquele que pode funcionar mais regular e demoradamente, o bairro de Santa Clara não possui as grandes populações que trabalhando na cidade procuram os bairros afastados, por economia e muitas vezes por higiene», sublinhava o artigo, intitulado precisamente “Uma nova ponte sobre o Mondego e o desenvolvimento de um bairro”. Fazer crescer este bairro da margem esquerda do rio pressupunha, preconizava o jornal, em primeiro lugar construir «uma grande ponte, definitiva», e depois «ligar Santa Clara por meio da viação eléctrica a outras povoações do norte e sul do Mondego». «Trata-se ainda de uma obra com uma
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considerável importância estética, visto que a ponte que actualmente estabelece as comunicações entre Coimbra, Santa Clara e as referidas localidades é uma construção pobre e infeliz, que destoa definitivamente do ambiente da cidade», concluía o texto. Ligando a Portagem (antigo Largo Miguel Bombarda) à Avenida João das Regras, em Santa Clara, a ponte metálica dominara a paisagem do rio na Baixa de Coimbra durante quase oito décadas, entre 8 de Maio de 1875 e a inauguração da nova travessia em 30 de Outubro de 1954. Essencial para a movimentação de pessoas entre as duas margens da cidade mas também para as ligações rodoviárias nacionais de Lisboa com Porto, esta travessia tinha vindo por sua vez substituir a primitiva ponte de pedra sobre o Mondego, que datava de 1513 e fora reinaugurada em 1785, após obras de restauro ordenadas pelo rei D. Manuel I.
Nova ponte apresentava características inovadoras O aumento do tráfego automóvel, o crescimento populacional e consequente expansão da cidade levariam inevitavelmente à decisão de edificar uma nova ponte, cujos trabalhos se iniciaram no dia 5 de Abril de 1951. Projectada pelo engenheiros Egdar Cardoso e António Franco e Abreu, a Ponte de Santa Clara apresentava características técnicas que a destacavam das demais, como salientou uma notícia que o Diário de Coimbra publicou no dia da inauguração. «Desconhece-se que uma estrutura idêntica à
adoptada para esta ponte - pórtico múltiplo com articulação nas bases dos montantes e num dos vãos extremos - tenha sido anteriormente aplicada em qualquer outra obra mundial», assinalava o jornal. O tabuleiro da ponte apresentava o comprimento total de 214 metros e largura de 12 metros nas quatro faixas de rodagem. Triplicava a largura da poente metálica condenada à demolição, que curiosamente media também três vezes mais em largura que a anterior ponte manuelina em pedra. Adjudicada à empresa Novopca – Construtores Associados, a empreitada teve um custo total de 15 mil contos e gastaram-se cerca de 900 toneladas de varão de ferro e 2.570 toneladas de cimento para a concretização do projecto. Tratando-se de um ponto essencial nas ligações rodoviárias do país, a construção da nova travessia do Mondego foi complementada com a rectificação da Estrada Nacional n.º 1 no troço de atravessamento da cidade. Foram assim executadas obras entre o Rossio de Santa Clara e a Estação Velha, incluindo a abertura de novas vias, de que se destacava a Avenida Fernão de Magalhães e seu prolongamento (consolidando o afastamento deste trânsito das artérias centrais da cidade), bem como o arranjo do Largo da Portagem, Avenida Navarro e Largo das Ameias. «O conjunto global da obra realizada tem na verdade uma grande projecção não só para Coimbra mas também para as ligações rodoviárias entre o Norte e o Sul na zona do centro do país», sublinhou na altura o nosso jornal. AUTOR NÃO IDENTIFICADO / MUNICÍPIO DE COIMBRA
Ponte de Santa Clara foi inaugurada com uma grande festa na cidade
Diário de Coimbra
Uma multidão na Portagem para assistir à inauguração Causou natural entusiasmo em Coimbra a inauguração da nova Ponte de Santa Clara. «O comércio e a indústria encerraram as suas portas. A população veio para a rua. E Coimbra sentiu que, de facto, alguma coisa de grandioso, de marcante, ocorria na sua vida, exteriorizando por todas as formas a alegria de que se encontrava possuída», descreveu o Diário de Coimbra, que ao acto inaugural dedicou boa parte da sua edição especial de 16 páginas no dia 31 de Outubro de 1954. O jornal aplaudiu o impulso dado à obra pelo ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira, que não só foi calorosamente saudado na cidade como «muitas dezenas de automóveis» se dirigiram a Condeixa para o aguardar e acompanhar no percurso para Coimbra. Já no Largo da Portagem, «a multidão era compacta, vendo-se quatro bandas de música, a Gualdim Pais, de Tomar; a da Pocariça, de Coja e de Penacova, deputações dos sindicatos, das associações, desportivas e recreativas, crianças das escolas, da Tutoria de Infância, da Mocidade Portuguesa, etc.», registou o jornal, notando que também «o bairro de Santa Clara, por intermédio das suas indústrias, comércio e colectividades desportivas por intermédio de todos os seus habitantes - soube manifestar-se de forma entusiástica». Inaugurada a nova travessia e descerrada a lápide com a respectiva designação, a ponte de ferro foi de imediato fechada ao trânsito e o seu desmantelamento teria início nos dias seguintes. Houve sessão solene, com pompa e circunstância, e no momento dos discursos o presidente da Câmara de Coimbra, brigadeiro Correia Cardoso, enalteceu a «obra grandiosa» e o investimento nas respectivas ligações rodoviárias, que beneficiavam «esta cidade com duas notáveis entradas, uma do Norte e outra do Sul». Duas breves notas complementares terminavam a extensa reportagem: «O primeiro veículo a atravessar a ponte, no sentido Norte-Sul, foi um camião com 12 cascos de vinho»; «Os carros eléctricos começaram ontem a circular pela Avenida Fernão de Magalhães e Rua Dr. Manuel Rodrigues».
90 anos com Coimbra Pontes
Diário de Coimbra
José Pinto de Matos conheceu as três pontes Proprietário de uma sapataria na Rua Fernandes Tomás, José Pinto de Matos tinha 91 anos quando foi entrevistado pelo Diário de Coimbra a propósito da inauguração da nova Ponte de Santa Clara. A conversa, publicada no dia 30 de Outubro de 1954, começava com o entrevistado a garantir que se recordava «perfeitamente da velha ponte de pedra». «Andava eu pelos 10 anos, se bem me recordo, porque então frequentava a escola primária, quando no Verão de 1873 começam as obras de demolição. Mas antes, quantas vezes, com outros rapazes, ia brincar para além da ponte, no aprazível local que se chamava o Salgueiral ou ia a Santa Clara ver jogar a bola, o “jogo do frade”, que era o entretém da época. E olhe que tenho bem presente ver as águas das cheias galgar a ponte e ficar interrompido o trânsito», contou. «E da inauguração da ponte de ferro?», questionou o jornalista. «Não houve inau-
O jornal entrevistou José Pinto de Matos
guração nenhuma» – atalhou logo o sr. Pinto de Matos. «Na madrugada do dia 8 de Maio de 1875, apareceu aberta à circulação pública, sem qualquer cerimónia, e logo sobre ela passaram os carros dos moleiros de Cernache. Tinha então 12 anos e ouvi dizer que foi por questões políticas que as
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autoridades não fizeram a inauguração com a solenidade requerida pela importância do melhoramento, muito grande para a época e que resolvia plenamente o problema de trânsito de então. Mas à noite o povo festejou o acontecimento com música e foguetes», respondeu. «Já viu a nova ponte e as obras que transformaram o Largo da Portagem e uma parte da Baixa?», indagou ainda o entrevistador. «Eu saio pouco e estou com a vista muito fraca. Mas já passei pela Portagem e após a inauguração desta terceira ponte que eu conheci, irei dar um passeio a Santa Clara, tal como fiz há setenta e nove anos», adiantou o comerciante. No dia seguinte, na reportagem da inauguração, o jornal noticiava que «ao passar por um automóvel onde estava o sr. José Pinto de Matos, que conta 91 anos e conheceu já três pontes sobre o rio Mondego em Coimbra, o sr. engenheiro Arantes e Oliveira deteve-se, sendo-lhe então apresentado aquele conimbricense, que o ministro cumprimentou sorridente convidando-o depois a acompanhá-lo até à nova ponte».
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Pontes 90 anos com Coimbra
Ponte Rainha Santa permitiu afastar muito tráfego rodoviário do centro da cidade
PONTE POLÉMICA GANHOU NOME DA PADROEIRA 2004 Derrapagem financeira e um rol de problemas marcaram e atrasaram a construção da nova travessia do Mondego, na Boavista. Primeiro Europa, mudou depois para Ponte Rainha Santa
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expansão de Coimbra para a zona do Vale das Flores, impulsionada pela instalação do Pólo II da Universidade no Pinhal de Marrocos e o surgimento de importantes áreas comerciais, equipamentos escolares e unidades residenciais, evidenciou a necessidade de alternativas no escoamento de trânsito entre as margens do Mondego, retirando pressão à cada vez mais congestionada Ponte de Santa Clara. Era urgente uma nova travessia do Mondego a montante, que permitisse também ligar directamente a Estrada Nacional 1 (hoje IC2) à Estrada da Beira e à zona nascente de Coimbra, evitando por esse meio o atravessamento desnecessário da área central da cidade.
O Campeonato Europeu de Futebol (Euro 2004) desencadeou uma onda de investimentos nesta e noutras cidades portuguesas escolhidas para a realização dos jogos. Se a profunda remodelação do Estádio Municipal foi a obra mais emblemática neste afã de obras públicas, criaram-se o pretexto e as condições financeiras para levar a efeito projectos de acessibilidades há muito planeados – uma nova ponte avançaria para a zona da Boavista e seria concretizada, pelo menos parcialmente, uma circular externa que rodeasse a cidade de uma alternativa viária rápida, segura e eficaz. Da nova ponte foi lançada a primeira pedra em 1997, a consignação da obra fez-se em 1999 (ao consórcio Somague/No-
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vopca) e a inauguração viria a ocorrer em 30 de Maio de 2004 (a tempo dos dois jogos do Campeonato Europeu de Futebol que o Estádio Municipal de Coimbra acolheu em 17 e 21 de Julho). As polémicas marcaram a construção desta nova travessia do Mondego, que começou por chamar-se Ponte Europa, como desejava o executivo socialista presidido por Manuel Machado, e após a mudança do poder autárquico, já na presidência do social-democrata Carlos Encarnação, passou a designar-se Ponte Rainha Santa Isabel, por proposta aprovada em Comissão Municipal de Toponímia e homologada em Conselho de Ministros. «Não tenho dúvida nenhuma que a cidade de Coimbra prefere este novo nome, que une mais Coimbra, uma vez que se trata da padroeira da cidade, em torno da qual não há contestação», congratulou-se na altura o autarca Carlos Encarnação. Mas a grande polémica teria a ver com o descalabro técnico e financeiro de uma obra que gastou ao erário público cerca de 75 milhões de euros, mais do dobro do que inicialmente se previra. Sucederam-se acusações de erros técnicos que poderiam colocar em risco o projecto, «gestão desastrada do dono da obra» (a então Junta Autónoma de Estradas), «promiscuidade» entre intervenientes e problemas com a pré-construção das aduelas - tido como inovador, este método viria a ser abandonado e o tabuleiro acabaria por ser betonado no local. A obra esteve parada durante longo tempo e noticiou-se que o Governo de Durão Barroso mandou fazer projectos de correcção da estrutura, de modo a afastar receios de que a ponte viesse a colapsar. «Independentemente das disputas políticas, a verdade é que a ponte foi reforçada em seis locais diferentes, tendo sido acrescentado um par de tirantes, cuja função terá sido corrigir a lomba que o tabuleiro iria mostrar no final, isto caso não caísse ainda antes da inauguração, como advogam alguns técnicos», escreveu o nosso jornal na edição de 29 de Maio de 2004.
Tirar lições dos erros Na inauguração, a 30 de Maio, o primeiro-ministro Durão Barroso fugiu das polémicas, remetendo para os tribunais a resolução dos conflitos gerados pela cons-
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trução da infra-estrutura, mas sublinhou a necessidade de tirar lições dos erros cometidos. «Do ponto de vista político, posso dizer que o Governo encontrou a obra bloqueada, desbloqueou-a técnica e financeiramente. Competia-me a mim resolver o assunto. O assunto está resolvido, aqui está a ponte, aberta ao tráfego e vamos deixar as polémicas para os tribunais», afirmou, numa declaração que o nosso jornal registou. Em dia festivo, também o presidente da Câmara de Coimbra quis evitar polémicas. «Não vale a pena dizer mais nada acerca de como decorreu a obra, mas vale a pena dizer como foi acabada», mesmo a tempo do Euro 2004, contrariando as perspectivas mais cépticas, afirmou Carlos Encarnação, adiantando que «a reformulação viária do concelho obriga a um investimento de 200 milhões de euros, partilhados entre autarquia e poder central, porque esta ponte é apenas uma parte daquilo que temos a fazer em Coimbra». Também presente na cerimónia, na qualidade de ex-presidente da Câmara de Coimbra e um dos principais impulsionadores da obra, Manuel Machado escusou-
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Vários erros atrasaram obras da ponte
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-se a alimentar questões sobre o nome da ponte. «A toponímia é o menos importante, é o mais fácil. Difícil é criar condições para que a ponte se realizasse. Eu sei como foi difícil convencer o Terreiro do Paço da importância desta via», observou. Dezenas de populares compareceram no nó da Boavista para presenciar e associar-se ao ambiente festivo da inauguração da nova travessia do Mondego, que apesar de contratempos e polémicas resultou numa estrutura de qualidade estética reconhecida e uma solução eficaz de ordenamento do trânsito na cidade. A inauguração incluiu o descerramento de uma placa alusiva e a bênção dada pelo bispo de Coimbra D. Albino Cleto, abrindo depois ao tráfego automóvel (o tabuleiro inferior, destinado aos peões, ficou inacessível, à espera da conclusão da obra do Parque Verde do Mondego). «Depois, muitos foram aqueles que quiseram registar o momento. Durante vários minutos, decorreram verdadeiras sessões de fotografias junto à placa. A intenção da maioria era levar uma lembrança», assinalou a reportagem publicada pelo Diário de Coimbra.
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Pontes 90 anos com Coimbra
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AÇUDE-PONTE DEU A COIMBRA ESPELHO DE ÁGUA E UMA IMPORTANTE SOLUÇÃO VIÁRIA distintas: uma, o açude, que se integra no complexo de regularização dos caudais do Mondego, em consonância com outras importantes realizações hidráulicas já construídas ou em curso a montante (caso das barragens da Aguieira e das Fronhas) e a jusante (regularização do leito em quase toda a extensão do Vale do Mondego). A outra parte diz respeito à ponte destinada a contemplar o sector rodoviário local e que vai funcionar como peça importante na estrutura viária da cidade», explicou , frisando que o açude de Coimbra só entraria em actividade «quando todo o complexo estiver concluído, porque é apenas uma parte de toda a estrutura hidráulica do aproveitamento do Mondego».
Tabuleiro rodoviário do açude ajudou a resolver os problemas de trânsito da cidade
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«mais importante empreendimento hidráulico até hoje construído em Coimbra». Foi assim que o Diário de Coimbra classificou, na edição de 3 de Março de 1981, a obra que estava a ser erguida e quase concluída no rio Mondego, entre a zona do Almegue e o topo nascente da Mata Nacional do Choupal. Ponte-Açude ou Açude-Ponte? A indefinição do nome, que perdura ainda hoje, diz bem da dupla função de uma obra que trouxe largos benefícios à cidade. Se por um lado, com esta barragem móvel, a paisagem urbana de Coimbra ganhou um espelho de água permanente, que terminou de vez com a imagem de um rio “Bazófias” a serpentear entre enormes bancos de areia e deu nova atracção aos espaços ribeirinhos, por outro, o tabuleiro rodoviário com que a estrutura foi equipada, complementado com uma rede de novos acessos (incluindo os viadutos), tornou-se uma das mais relevantes soluções para o trânsito local e na-
cional, permitindo a nova alternativa, sobretudo após a concretização da Variante Sul, desviar do centro da cidade grande parte do fluxo de tráfego da Estrada Nacional 1 (IC2). O engenheiro Tavares de Castro, coordenador das obras de aproveitamento do Mondego, sintetizou ao nosso jornal o projecto, cuja entrada em funcionamento ocorreria em meados de 1982. «O empreendimento reparte-se por duas obras
Viadutos das ligações à Ponte-Açude mudaram a face desta zona da cidade
Além da função hidráulica, em que contribui para a regularização do caudal do Mondego,o Açude-Ponte tornou-se uma “peça importante na estrutura viária da cidade” Com uma albufeira de capacidade reduzida, esta barragem móvel, além de contribuir para a regularização do leito fluvial, ajudando a atenuar os efeitos nefastos das cheias que desde sempre ameaçaram as zonas ribeirinhas de Coimbra, assegura um caudal ecológico mínimo a jusante e é também ponto de partida para o sistema de aproveitamento hidroagrícola do Baixo Mondego - do açude deriva um canal de 40 quilómetros, a céu aberto, que conduz a água necessária à rega dos campos agrícolas e ao abastecimento doméstico e das fábricas de papel da Leirosa (Celbi e Soporcel). Mais recentemente, ao tabuleiro inferior do açude, também acessível ao trânsito automóvel local, foi acrescentada uma passagem metálica que permite a peões e ciclistas atravessar o Mondego em condições de segurança.
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Abastecimento de água 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
COIMBRA TEM ÁGUA EXCELENTE MAS NEM SEMPRE FOI ASSIM O abastecimento domiciliário chegou a todo o concelho e bebe-se aqui da melhor água do país. Há quatro décadas registavam-se ainda graves falhas de abastecimento e há 90 anos a qualidade era duvidosa, como o nosso jornal alertou
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e hoje, em quantidade e sobretudo em qualidade, é consensualmente reconhecido o bom serviço prestado no abastecimento de água ao município de Coimbra, o caminho para chegar a este patamar não foi isento de problemas e dificuldades, requerendo dos serviços camarários uma gestão acertada e avultado investimento público. O crescimento da cidade e das povoações rurais do concelho, o aumento demográfico e a necessidade de melhorar as condições de vida das populações levou a Câmara Municipal a iniciar em finais do século XIX a missão de fazer chegar a água a casa dos conimbricenses. Captada no Mondego, era conduzida a partir da estação elevatória da Rua da Alegria para os reservatórios do Jardim Botânico e da Cumeada, donde ramificava a rede de abastecimento domiciliário. Em 1922, os Serviços Municipalizados de Coimbra, responsáveis pelo fornecimento de água e também pela gestão dos transportes públicos urbanos, levaram a efeito a construção da Estação Elevatória do Parque Dr. Manuel Braga (hoje acolhe o Museu da Água), que se tornou «centro
nevrálgico do abastecimento de água à cidade» até quase ao final da década de 50 do século passado. Criado em 24 de Maio de 1930 para defender os interesses da cidade e da região das Beiras, o Diário de Coimbra olhava com especial atenção o funcionamento dos serviços prestados às populações e sucediam-se alertas e reparos nas páginas do jornal, exigindo dos poderes públicos a resolução de carências e problemas. Lendo a edição de 20 de Agosto de 1930, ficamos a saber que, ao contrário do que hoje sucede, o abastecimento de água a Coimbra era então algo problemático. Começava a notícia por recordar que «houve tempo em que a cidade de Coimbra se orgulhava dos seus Serviços Municipalizados. A água, principalmente, era objecto dos mais minuciosos cuidados. Periodicamente, de quinze em quinze dias, era feita a análise bacteriológica. E os jornais publicavam os boletins da zona dos Olivais, da Cumeada, ou do Jardim Botânico, que davam a água contida nesses reservatórios quase sempre como “puríssima”, ou “muito pura”. E quando, por qualquer circunstância, aparecia a mais leve sus-
peita num reservatório, era este imediatamente beneficiado». «Pois bem. Os tempos hoje são diferentes. A água que para aí se consome é perigosa. Só pode ser usada depois de fervida. Se os filtros colocados no rio Mondego carecem de ser substituídos, por que espera a Câmara? Teremos daqui a pouco o Inverno à porta e será mais um ano perdido. Mas não há obras, melhoramentos ou benefício público de qualquer espécie que sobreleve em importância o gravíssimo problema das águas. Seria um crime não o resolverem. Periga a saúde pública, perigamos todos nós. A nossa reclamação constitui como que um grito de alarme. A água em Coimbra é cara. Os munícipes, ao menos, exigem que ela seja boa», criticou o jornal.
Uma nova central elevatória na Boavista Sensibilizada a opinião pública e alertado o poder municipal, certo é que a Câmara foi realizando investimentos para dar resposta às necessidades básicas da população, consolidando a pouco e pouco o sistema de abastecimento de água e a
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rede de esgotos. A empresa Águas de Coimbra, criada em 2003 pela transformação dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento em empresa municipal, destaca do período entre 1930 e meados do século XX a «ampliação da rede e da respectiva capacidade do sistema, para fazer face às necessidades da população e do desenvolvimento urbano, também impulsionado pelo surto industrializador então verificado». «Assim, os bairros de Santo António dos Olivais e de Santa Clara – outrora periféricos – foram integrados na malha urbana e passaram a usufruir também do fornecimento domiciliário de água. Para este efeito, foi necessário construir novos reservatórios, em Santo António (enterrado, em 1908-1909 e elevado, na década de 1930, e de Santa Clara, também elevado, na de 1940)», regista-se, num “esboço histórico” disponibilizado pela empresa. O acentuado crescimento populacional registado em Coimbra explica em parte as dificuldades no abastecimento de água que, a meio do século passado, afligiam sobretudo os moradores das zonas mais altas da cidade, nomeadamente em Santo António
90 anos com Coimbra Abastecimento de água
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resposta adequada às necessidades de captação e de transporte de água e foi pensada a construção de uma outra central, na Boavista, tecnologicamente mais avançada, que entrou em funcionamento entre 1956 e 1958 e constituiu «mais um passo significativo na actualização e no reforço do abastecimento de água concelhio».
Cirurgias canceladas por falta de água
Jornal noticiou a falta de água em 1981
dos Olivais, onde - como assinalou o historiador José Amado Mendes na obra “História doAbastecimento de Água a Coimbra” -, «a carência se fazia sentir de forma mais acentuada, o que resultava não só da escassez como também da altitude do local e da consequente falta de pressão». A Estação Elevatória do Parque da Cidade revelava-se já insuficiente para dar
O aumento da capacidade de captação e de armazenamento terá resolvido em grande parte os problemas de um sistema de abastecimento que procurava redimensionar-se para levar a água do Mondego a um número crescente de povoações do concelho (até então muitas aldeias recorriam a fontes e fontanários), mas mostrou-se pontualmente insuficiente perante situações críticas como a dos primeiros dias do Verão de 1981, em que o extremo calor agravou os efeitos de um longo período de seca. A falta de água nesse ano foi de tal modo grave que obrigou a cancelar intervenções cirúrgicas nos hospitais e a racionar o abastecimento domiciliário. O problema
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Abastecimento de água 90 anos com Coimbra
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O Museu da Água, inaugurado em 2007, ocupou instalações da antiga estação elevatória e de tratamento de água no Parque da Cidade
estava a «assumir feições dramáticas, sobretudo a nível dos estabelecimentos hospitalares», registou o Diário de Coimbra na edição de 18 de Junho, acrescentando que «depois de um, dois, três, quatro dias à falta de água e aos inconvenientes daí resultantes começa a juntar-se a impaciência das pessoas, aviva-se o espírito de revolta, crescem os protestos, aumenta o açambarcamento, entra-se num círculo vicioso que dificulta ainda mais uma situação que em si mesma é já de extrema delicadeza. Ter água para lavar a cara passou a ser privilégio de poucos, enquanto que os responsáveis pela administração municipal passaram a ser alvo de críticas com que por certo não contavam». «Para que se possa fazer um pequena ideia da dimensão do problema, basta que se diga que o Hospital dos Covões cancelou logo de manhã todas as intervenções cirúrgicas que tinha programadas para ontem (em número de 16). Que o Hospital de Celas tinha ontem às 15h30 e em todos os pavilhões apenas uma torneira a funcionar; que a Maternidade (antiga Clínica de Santa Teresa) deixou às 12 horas de receber uma pinga de água da rede, restavam-lhe apenas alguns milhares de litros no depósito já abastecido por auto-tanques; que a situação nos HUC era também delicada, com a água a chegar apenas às zonas baixas do hospital e a não ter pressão para chegar já
ao depósito colocado a 24 metros de altura», relatou o nosso jornal. A situação era de emergência e autotanques do Exército e dos bombeiros da região foram mobilizados para assegurar água aos hospitais. Apesar do reforço nas bombas de captação e da libertação de caudal na barragem da Aguieira, os Serviços Municipalizados não conseguiam dar resposta e viram-se obrigados a aplicar restrições na distribuição, para que «o precioso líquido pudesse chegar aos locais mais elevados» e em especial aos estabelecimentos hospitalares, apelando aos cidadãos que evitassem que a água fosse «desviada para rega ou armazenada sem o devido aproveitamento». Um anúncio publicado no jornal sobre os cortes programados indicava que as povoações de Adémia, Fornos, Souselas, Lordemão, Brasfemes, Rocha Nova, S. Paulo de Frades, Ceira, Sobral de Ceira e zona baixa de Santa Clara seriam prioritariamente abastecidas no período das 8 às 20 horas, enquanto que os Tovins, Casal do Lobo, Picoto e os Olivais teriam prioridade entre as 20 e as 8 horas. Este caso revelou algumas fragilidades na infraestrutura de abastecimento, que o Plano de Aproveitamento Hidráulico da Bacia do Mondego viria a ajudar a resolver, ao regularizar os caudais do rio e assegurar com as descargas da barragem da Aguieira e a retenção na albufeira do
Açude-Ponte de Coimbra o nível de água necessário ao bom funcionamento das captações da Boavista. Entre 1985 e 2000 «foram muitos os progressos e consideráveis os investimentos, no reforço das captações, na ampliação da rede e no aperfeiçoamento dos processos de tratamento e de controlo da qualidade da água, bem como na instalação de numerosos reservatórios», recorda a Águas de Coimbra. A empresa municipal, que tem vindo agora a somar prémios de satisfação do cliente, esclarece que orientou os seus mais recentes investimentos para a «modernização e melhoria da qualidade dos serviços, através do controlo regular mais sofisticado e aperfeiçoado da qualidade da água e da comunicação aos clientes, bem como de novos equipamentos de telecontagem e telegestão».
Entre as instalações iniciais na Rua da Alegria, a estação elevatória no Parque da Cidade e as captações na Boavista, um longo caminho foi necessário percorrer para fazer chegar a água a casa dos conimbricenses
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Metro Mondego 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
METRO MONDEGO: SERÁ DESTA?
tipo Metrobus. O primeiro-ministro via esta solução BRT (“bus rapid transit”) como a que melhor se adapta à região e, mais ainda, «a que melhor se adapta ao desafio da cidade de Coimbra», permitindo «entrar no miolo da cidade» e ajudar à sua «revitalização».
De metropolitano ligeiro de superfície a Metrobus, o processo penoso do Sistema de Mobilidade do Mondego parece finalmente “encarrilado”. Mas nunca fiando… LUÍS AFONSO / ARQUIVO
Na futura Via Central irá passar a linha urbana do Metrobus que chegará ao Pediátrico
O
cepticismo justifica-se. Anos e anos de impasse, de avanços e recuos, de promessas políticas incumpridas, de prazos constantemente protelados e de verbas astronómicas desperdiçadas em dezenas de estudos e trabalhos inconsequentes levaram os cidadãos a reagir com descrença, ironia e indignação às notícias que nas duas últimas décadas foram sendo repetidas, de que “agora sim, o Metro Mondego vai avançar”. A sociedade Metro Mondego foi criada em 1996 com a missão de levar a efeito a construção de uma rede de metropolitano ligeiro de superfície nos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã, aproveitando o trajecto do ramal ferroviário que durante mais de uma centena de anos serviu estas populações e apostando numa nova linha de mobilidade urbana na cidade de Coimbra.
O projecto de modernização e electrificação pensado para a Linha da Lousã foi sofrendo sucessivas alterações e o ramal viria a ser encerrado em 2010 pelo Governo socialista de José Sócrates. Iniciaram-se obras para as infraestruturas de base e os carris foram desmantelados, mas a grave crise financeira que abalou o país deu aos governantes justificação para a paralisação dos trabalhos. Defraudadas mais uma vez as expectativas, e agora sem comboios, os lesados utentes da ligação ferroviária entre Coimbra e Serpins passaram a ser transportados por empresas de camionagem contratadas pela CP. O primeiro Governo chefiado por António Costa viria a recuperar o Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM) mas mudou o paradigma, ao optar, em substituição do metropolitano ligeiro de superfície, por um (alegadamente) menos dispendioso sistema de autocarros eléctricos do
Coimbra à espera da Via Central Para fazer avançar a obra, o Conselho de Ministros aprovou, em finais de Janeiro de 2019, uma autorização de despesa no valor de 85 milhões de euros, com a garantia de fundos europeus no cofinanciamento do projecto. Dias depois, a 4 de Fevereiro, era lançada pelo Governo, em Miranda do Corvo, a empreitada do primeiro troço do Metrobus, entre Serpins, na Lousã, e o Alto de S. João, em Coimbra, numa extensão de 30 quilómetros e com investimento de 25 milhões de euros, apontando-se para 2021 a sua entrada em funcionamento. Na cerimónia, o ministro do Planeamento e Infraestruturas assumiu que o sistema, não sendo o que as populações esperavam, era o que melhor se adaptava e a forma encontrada para aceder a fundos comunitários. «O sistema será viável e servirá bem as populações», garantiu Pedro Marques, afirmando que é com esta solução que vai ser possível chegar a toda a cidade de Coimbra, desde a Universidade aos hospitais e Estação B. «Quando começou o desmantelamento da centenária Linha da Lousã, as populações estavam longe de imaginar que seria preciso esperar mais de uma década para que o “metro”, de que já se falava tantos anos antes, visse “luz do dia”. Ainda não viu, mas o processo agora tem muito mais para ser irreversível do que antes», escreveu o Diário de Coimbra na edição do dia seguinte. O dia 20 de Fevereiro de 2020 marcou uma outra etapa deste projecto, com o lançamento do concurso para a empreitada de abertura do canal do Metrobus na Baixa de Coimbra. O investimento, de 3,5 milhões de euros, abrange demolições, reconstrução de imóveis e construção de um edifício-ponte assinado pelo arquitecto Gonçalo Byrne, permitindo concretizar, finalmente, uma ambição antiga da cidade, de ligar a Avenida Fernão de Magalhães à Rua da Sofia, abrindo um canal de circulação até ao rio.
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90 anos com Coimbra Metro Mondego
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Governos devem pedido de desculpas O secretário de Estado das Infraestruturas, Jorge Delgado, assumiu nesse dia que diferentes governos devem «um pedido de desculpas às populações da região» pela desastrada gestão deste processo e garantiu «total e absoluto» compromisso com a conclusão do projecto. Simbolicamente, a cerimónia teve como palco o sítio onde tinham parado as demolições feitas na Baixa de Coimbra para a Via Central, no antigo “Bota Abaixo”. O autarca Manuel Machado observou então que os 32 metros que separam o que está já feito (pelo município) da Via Central e a Rua da Sofia são «uma “distanciazita”» mas ao mesmo tempo «uma barreira para o Sistema de Mobilidade do Mondego funcionar». «Acabar com o Bota Abaixo é completar uma etapa e a primeira obra da Metro Mondego realizada na cidade», frisou o presidente da Câmara. «Este projecto já gastou 118 milhões de euros e já produziu mais de 90 estudos, finalmente começamos a mexer nas pedras, de modo a que o SMM seja uma realidade, que é o que esperam os cidadãos de Coim-
Solução tipo Metrobus (BRT) foi escolhida para o Sistema de Mobilidade do Mondego
bra, de Miranda do Corvo e da Lousã e também os que nos visitam», comentou ainda Manuel Machado. Com uma extensão total de 42 quilómetros, em canal dedicado de via dupla, o SMM prevê, além da circulação de autocarros eléctricos entre Serpins e Coimbra B, uma linha urbana até ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. No passado dia 24 de Junho foi lançado concurso, por 31,7 milhões de euros, para adaptar o antigo canal ferroviário entre o Alto de S. João e a Portagem ao novo sistema de mobilidade (abrangendo uma variante à Solum). Fica a faltar
o lançamento das empreitadas para adaptação a BRT do troço entre a Portagem e Coimbra B (podendo incluir a esperada requalificação da Estação Velha) e a construção da linha que, entroncando com este troço junto ao rio, seguirá para o Pediátrico pelo antigo “Bota Abaixo”, Avenida Sá da Bandeira e Celas.A previsão do Governo é que a totalidade do sistema do Metrobus possa estar a funcionar em pleno dentro de três anos, mas a pandemia de Covid-19 que nos últimos meses abalou o país poderá comprometer os prazos anunciados. Vamos esperar para ver...
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Via Central 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
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Plano de urbanização de Étienne de Gröer previa a remodelação de parte da Baixa
DE AVENIDA DE SANTA CRUZ A VIA CENTRAL
abertura de uma avenida para ligar a Praça 8 de Maio ao Mondego, prolongando para o rio o importante eixo de circulação da Avenida Sá da Bandeira, é uma ideia com décadas e cuja concretização, após avanços e retrocessos, parece estar finalmente encaminhada, devendo a agora denominada Via Central dar passagem ao futuro Metrobus, do Sistema de Mobilidade do Mondego. O plano urbanístico proposto na década de 40 por Étienne De Gröer preconizava para a Baixa de Coimbra a construção da Avenida de Santa Cruz, entre a Praça 8 de Maio e a Avenida Emídio Navarro. «Implicava o desmantelamento da Estação e a demolição de uma faixa de edificações, dividindo a baixa em duas partes. A metade sul, em redor da Praça Velha, seria “arranjada” de forma a realçar o seu caracter pitoresco. A metade norte desapareceria praticamente para dar lugar ao novo mercado central», historia Rui Lobo. Num texto sobre a evolução do espaço urbano de Coimbra, o arquitecto e docente da UC acrescenta que «pouco tempo depois da abertura da Rua da Madalena (actual Avenida Fernão de Magalhães), principal artéria de atravessamento da cidade, a proposta da nova avenida, rebaptizada de Avenida Central, chegou mesmo a ter execução parcial – o conhecido “bota-abaixo”». A proposta da Avenida Central é mantida no plano regulador de Almeida Garrett, de 1959, e também o plano Costa Lobo, dos anos setenta, «a nível viário defende o projecto da Avenida Central e prevê as vias circulares (externa e interna) sugeridas por De Gröer».
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Universidade 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
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Nos últimos 90 anos, a cidade estendeu-se para a margem esquerda do Mondego
NÃO HÁ MUITOS LUGARES NO MUNDO COM UMA IDENTIFICAÇÃO TÃO PROFUNDA Falar de Coimbra é falar implicitamente da Universidade, que, em 2020, comemora 730 anos. Uma história longa e repleta de mudanças na instituição, que, desde sempre, marcou o ritmo, o desenvolvimento e o crescimento da cidade
ão há muitos lugares no mundo em que se possa estabelecer uma identificação tão profunda entre a cidade e a Universidade, como no caso de Coimbra. Falar de Coimbra é falar implicitamente da Universidade. Esta simbiose é reforçada quando, diante dos nossos olhos, surge a paisagem urbanística de Coimbra, com a altiva Torre da Universidade a assumir-se como sentinela e bússola da cidade dos estudantes, ao mesmo tempo que se apresenta como imprescindível postal turístico da Alta Universitária. Apesar das mudanças registadas ao longo das últimas décadas, com a construção de novos pólos em diferentes zonas da cidade, que, entretanto, também se alargou para outras localizações, a ideia da instituição Universidade de Coimbra encontra-se intimamente ligada à Alta Universitária, um conjunto arquitectónico heterogéneo, com destaque para as construções do Estado Novo, mas, sobretudo, para o Páteo e o Paço das Escolas, dominados pela célebre Torre da Universidade. Ao assinar o “Scientiae thesaurus mirabilis”, D. Dinis criou a Universidade mais antiga do país e uma das mais antigas do mundo. Datado de 1290, o documento deu origem ao Estudo Geral, reconhecido, no mesmo ano, pelo Papa Nicolau IV. A Universidade começou a funcionar em Lisboa, tendo sido transferida definitivamente para Coimbra, em 1537, por ordem do Rei D. João III, após um período de migração entre estas duas cidades.
Novas faculdades Foi no Paço Real da Alcáçova, mais tarde Paço das Escolas, que se concentraram todas as Faculdades da Universidade de Coimbra: Teologia, Cânones, Leis e Medicina. Inicialmente confinada ao Palácio Real, a Universidade foi-se estendendo por Coimbra, modificando-lhe a paisagem, tornando-a na Cidade Universitária, alargada no século XX, com a criação do Pólo II, dedicado às engenharias e tecnologias, e já neste século, com um terceiro pólo, na área das Ciências da Saúde. Ao longo dos últimos 90 anos, período de tempo que coincide com a publicação do Diário de Coimbra, a Universidade de Coimbra sofreu transformações profundas, tanto ao nível do edificado e da loca-
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lização dos seus espaços, como ao nível da organização da instituição, fruto da publicação em Diário da República, em 2008, dos novos estatutos, com o objectivo de conformá-los com o novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior. Ao nível do ensino, a Universidade de Coimbra foi alvo, nos últimos 90 anos, de permanente actualização, como é exemplo a transformação, em 1972, da Faculdade de Ciências na Faculdade de Ciências e Tecnologia. Neste mesmo ano, também foi criada a Faculdade de Economia, com o conjunto de faculdades a ter novo aumento, em 1980, com a fundação da Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação. Decorria o ano de 1997, quando a Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física foi criada, tornando-se a mais jovem faculdade da secular Universidade de Coimbra.
Património Mundial Hoje em dia, a Universidade de Coimbra conta com oito faculdades (Letras, Direito, Medicina, Ciências e Tecnologia, Farmácia, Economia, Psicologia e Ciências da Educação e Ciências do Desporto e Educação Física) e mais de 22 mil alunos. Com uma incontornável herança histórica, a Universidade de Coimbra celebra, em 2020, 730 anos. Contando com um património material e imaterial único, fundamental na história da cultura científica europeia e mundial, a Universidade de Coimbra - Alta e Sofia é, desde 2013, Património Mundial da UNESCO. Depositária de um legado histórico multissecular e matriz cultural do espaço da lusofonia, a Universidade de Coimbra é, na linha da tradição do humanismo europeu, uma instituição desde sempre aberta ao mundo, à cooperação entre os povos e à interacção das culturas, no respeito pelos
Alta Universitária é, em termos turísticos, um dos locais mais visitados em Coimbra
Depositária de um legado histórico multissecular e matriz cultural do espaço da lusofonia, a Universidade de Coimbra é uma instituição desde sempre aberta ao mundo
valores da independência, da tolerância e do diálogo. A Universidade de Coimbra é uma instituição de criação, análise crítica, transmissão e difusão de cultura, de ciência e de tecnologia, que, através da investigação, do ensino e da prestação de serviços à comunidade, contribui para o desenvolvimento económico e social, para a defesa do ambiente, para a promoção da justiça social e da cidadania esclarecida e responsável e para a consolidação da soberania assente no conhecimento.
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Universidade de Coimbra Reitores desde 1930
1927-1930
1931-1939
Domingos Fezas Vital
João Duarte de Oliveira
1961-1962 Guilherme Braga da Cruz
1974-1976 José Joaquim de Teixeira Ribeiro
2002-2003 Arsélio Pato de Carvalho
2011-2019 João Gabriel Monteiro de Carvalho e Silva
1963-1970 António Jorge Andrade de Gouveia
1978-1982 António de Arruda Ferrer Correia
1939-1941 António Luís de Morais Sarmento
1970-71 José de Gouveia Monteiro
1982-1998 Rui Nogueira Lobo de Alarcão e Silva
1943-1960 Maximino José de Morais Correia
1971-1974 João Manuel de Cotelo Neiva
1998-2002 Fernando Manuel da Silva Rebelo
2003-2011 Fernando Jorge Rama Seabra
2019-... Amílcar Celta Falcão Ramos Ferreira
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Universidade de Coimbra Principais marcos históricos desde 1930 1948
gem esquerda do Mondego. Renovação da Alta Universitária de Coimbra: Inauguração 1969 do edifício do Arquivo da Uni- Renovação da Alta Universitáversidade. ria de Coimbra: Inauguração do edifício destinado à Secção de Matemática. 1951 Renovação da Alta Universitá1972 ria de Coimbra: Inauguração Transformação da Faculdade do edifício da Faculdade de de Ciências na Faculdade de Letras e Observatório AstroCiências e Tecnologia. nómico.
1980
dades de investigação.
Criação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação.
2008
1992 Início das obras para a instalação do Pólo II da Universidade de Coimbra.
1997
1956
1972
Criação da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física.
Renovação da Alta Universitária de Coimbra: Inauguração do edifício da Biblioteca Geral e edifício da Faculdade de Medicina.
Criação da Faculdade de Economia.
2001
1961 Inauguração do complexo do Estádio Universitário, na mar-
195 Renovação da Alta Universitária de Coimbra: Inauguração do edifício dos Departamentos de Física e de Química.
Primeiras obras no Pólo das Ciências da Saúde da Universidade de Coimbra, para onde se transferiram a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Farmácia, bem como vários centros e uni-
Publicação dos novos Estatutos da Universidade de Coimbra, elaborados por uma Assembleia Estatutária.
2010 A Universidade de Coimbra entrega candidatura a Património Mundial da UNESCO.
2013 O Comité do Património Mundial decidiu, na 37.ª Convenção realizada no Cambodja, classificar a Universidade de Coimbra - Alta e Sofia como Património Mundial da Humanidade.
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Universidade 90 anos com Coimbra
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NOVAS INSTALAÇÕES UNIVERSITÁRIAS ORIGINARAM BOTA-ABAIXO NA ALTA Concebido e dirigido pelo arquitecto Cottinelli Telmo, entre 1941 e 1948, o plano da Cidade Universitária de Coimbra foi prosseguido por Cristino da Silva, arquitecto-chefe do projecto, entre 1949 e 1966
A
reconstrução das instalações universitárias na Alta de Coimbra tem de ser destacada no que se refere aos últimos 90 anos da vida da cidade. Apesar de, durante o primeiro terço do século XX, os grandes projectos de remodelação urbana se centrarem na Baixa, a verdade é que foi na Alta que começaram a ser aplicados. O Estado Novo encetou um vasto projecto de reconstrução das instalações universitárias, que motivou a demolição de mais de 200 prédios e a construção de grandes blocos destinados a faculdades.Adestruição da velha Alta de Coimbra para expansão da Cidade Universitária teve início a 14 de Abril de 1943. A demolição sistemática da zona superior da Alta permitiu construir o Arquivo (1943-1948), a Faculdade de Letras (1945-1951), a Faculdade de Medicina (1949-1956) e os edifícios da Matemática (1964-1969) e de Física e Química (1966-1975). Imóveis de enorme monumentalidade, que provocaram uma profunda ruptura urbanística e arquitectónica. Concebido e dirigido por Cottinelli Telmo, arquitecto português, entre 1941 e 1948, o plano da Cidade Universitária de Coimbra foi prosseguido por Cristino da Silva, arquitecto-chefe do projecto, entre 1949 e 1966. A fisionomia urbanística de Coimbra transformou-se radicalmente com a Cidade Universitária. De pequenas dimensões e secundariamente localizado, o edifício do Arquivo da Universidade, construído entre 1943 e 1948, marcou o início de uma nova era, uma vez que obedeceu ao gosto monumentalista do regime, pautado por um estilo neoclássico rigidamente marcado pelas ideologias fascistas e nazis. Em termos sociais e urbanísticos, esta obra do Estado Novo teve um profundo impacto. De referir que as demolições na Alta começaram pelas ruas da Trindade e
Demolições antecederam construção de grandes blocos destinados a faculdades
das Parreiras, artérias que desapareceram para sempre, à semelhança do que aconteceu com dezenas de colégios universitários, igrejas, capelas e casario antigo. O plano de Cottinelli Telmo alterou o rosto da Cidade Universitária, com imensas expropriações e realojamentos que se estenderam ao resto da cidade. Os registos referem que cerca de 5% da população citadina, entre dois a três milhares de pessoas, foi obrigada a abandonar a Alta, sendo reintegrada em bairros espalhados pela cidade. Ao contrário do que o Estado Novo pretendeu e em grande parte realizou, durante séculos não houve segregação entre zonas residenciais e escolares. A vizinhança entre os locais de ensino e os quarteirões
de habitação, associada à dispersão dos colégios e dos próprios estudantes, implicava as zonas mais afastadas da Alta na actividade universitária sem que, no seu núcleo, fosse sentida qualquer necessidade de isolamento. Mas o plano de Cottinelli Telmo, responsável pela revolução urbanística realizada ao longo dos anos 40 e 60, no seguimento de sugestões anteriores, assumiu a ideia de monofuncionalizar a área universitária. De referir, ainda, que, do projecto inicial, ficou por construir o hospital previsto para o local dos Colégios de S. Jerónimo e das Artes e os pórticos unindo os edifícios da Faculdade de Medicina e da Física e Química.
Prédios demolidos durante as obras da Cidade Universitária Tipo de prédios Um piso Dois pisos Três pisos Quatro pisos Cinco pisos Seis pisos Total
Número 1 10 46 95 49 1 202
Percentagem 0,5 5,0 22,8 47,0 24,3 0,5 100,1
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Diário de Coimbra destacou “obra gigantesca que Coimbra há muito merece” De forma a compreender os primeiros 15 anos de obras na Cidade Universitária, é necessário, conforme sublinhou Nuno Rosmaninho, na obra “Cidade Universitária: património e exaltação”, publicada pela Imprensa da Universidade de Coimbra, lembrar que «permanece vivo o desprezo pelos núcleos históricos urbanos». Segundo Nuno Rosmaninho, «a ideologia progressista eleva as demolições a princípio renovador das cidades e a população aceita-as como inevitáveis e benignas». «A defesa da Alta restringe-se aos tradicionalistas. As apresentações do novo plano da Cidade Universitária salientam a grandeza e a monumentalidade», reforçou. O Diário de Coimbra, de 1 de Janeiro de 1950, enunciou «aquilo que agora fascina e que o tempo tornará lugares-comuns: a “grande artéria” da Rua Larga, a “monumental” Praça D. Dinis, a “grande praça” da Porta Férrea». «Esta promessa de mo-
Página do dia 1 de Janeiro de 1950
numentalidade vale muito mais do que as duas centenas de prédios que foi necessário destruir», prosseguiu, antes de reforçar
que «o entusiasmo é urbanístico, estético e político». Carminé Nobre, chefe de redacção do Diário de Coimbra, no dia 16 de Dezembro de 1941 escreveu: «A Cidade Universitária é uma velha aspiração que em breve começará a ser uma realidade presente, que aos nossos olhos aparece cheia de esperança, como indício de uma rajada de vento que passe por esta terra e lhe dê uma fisionomia moderna e cheia de cor». A 22 de Abril do ano seguinte, a Cidade Universitária ainda se lhe apresenta como a «obra gigantesca que Coimbra, de facto, há muito merece». Nos dias 3 e 4 de Fevereiro de 1945, o Diário de Coimbra, sob a direcção interina de Manuel Deniz Jacinto, inseriu dois artigos programáticos, valorizando «a grandiosidade das obras», propondo «mais demolições» e silenciando «os protestos motivados pelas expropriações e pelos realojamentos».
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ARQUIVO FOI O PRIMEIROI EDIFÍCIO INAUGURADOI NA CIDADE UNIVERSITÁRIAI
Diário de Coimbra
pelo Diário de Coimbra, o Arquivo da Universidade foi elogiado no discurso de Maximino Correia, com o reitor da Universidade de Coimbra a referir tratar-se de «um dia de grande jubilo para a Universidade e único na sua história», pois era inaugurado «um edifício para um dos seus mais importantes serviços, dando-lhe por esta forma os meios de vida e de acção». «Desde os remotos tempos da fundação, sempre a Universidade viveu em acomodações modestas, primeiro; mais amplas depois de D. João III e engrandecidas com D. João V e o Marquês de Pombal. Excepção feita à Biblioteca Geral, única no seu género, expressamente construída para a finalidade a que se destinava, sempre essas acomodações, simples casas de habitação ou palácios reais, conventos ou colégios de jesuítas, foram adaptações mais ou menos felizes, mas sempre defeituosas», afirmou o reitor.
“A Cidade Universitária de Coimbra vai ser uma grandiosa realidade que, por si só, nos elevará ainda mais alto no conceito do mundo civilizado”, disse o reitor Maximino Correia
Edifício, “realizado nos moldes mais modernos”, começou a ser construído em 1943
Realizada no dia 16 de Outubro de 1948 e acompanhada pelo Diário de Coimbra, a cerimónia contou com a presença dos ministros José Frederico Ulrich e Pires de Lima
Universitária, procedendo-se também à reabertura solene da Universidade». Adjectivado de «esplêndido edifício»
O
Arquivo da Universidade foi a primeira construção inaugurada na Cidade Universitária, depois das demolições e das consequentes obras levadas a cabo na Alta. No dia 17 de Outubro de 1948, o Diário de Coimbra titulava «Com a presença dos ministros das Obras Públicas [n.d.r. José Frederico Ulrich] e Educação Nacional foram ontem inaugurados o Instituto de Coimbra e o primeiro edifício da Cidade
Página do dia 17 de Outubro de 1948
Durante o discurso que proferiu, Maximino Correia expressou, ainda, que «a Universidade entrava na posse de um edifício traçado e realizado nos moldes mais modernos, expressamente destinado a ser o Arquivo com qualidades, os requisitos, o arranjo que lhe compete e pelo que fica sendo um dos melhores da Europa». «A Cidade Universitária de Coimbra vai ser uma grandiosa realidade que, por si só, nos elevará ainda mais alto no conceito do mundo civilizado», concretizou. «Sabe V. Ex.ª, sr. Reitor, a atenção e o interesse com que tenho acompanhado tudo o que diz respeito à construção da nova Cidade Universitária. Não estranhará, por isso, que eu afirme que recebi o convite de V. Ex.ª para assistir à inauguração deste primeiro edifício com a maior satisfação, embora não me sinta de qualquer modo, pessoalmente ligado a este empreendimento que durante séculos há-de assinalar a importância histórica do nosso momento político actual», transmitiu, no dia 16 de Outubro de 1948, Pires de Lima, ministro da Educação Nacional.
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Universidade 90 anos com Coimbra
Em Abril de 2007, a Imprensa regressou à sua antiga casa, para si construída em 1773
SALAZAR MANDOU SILENCIAR IMPRENSA DA UNIVERSIDADE EM 1934
Diário de Coimbra
da Universidade constituía na época uma poderosa arma política. Após a extinção, parte do seu material foi dado à guarda da Imprensa Nacional de Lisboa, outra parte ficou dispersa, como foi o caso dos prelos. As 37 obras em curso de que dá conta o rol feito no momento da extinção, os múltiplos títulos incluídos nas 11 colecções em aberto e a palavra dos notáveis que expressaram a sua voz mostram a superior actividade e valia da acção desenvolvida por Joaquim de Carvalho, professor de Filosofia da Faculdade de Letras, como administrador da Imprensa da Universidade, cargo para o qual foi nomeado, a 30 de Julho de 1921, com 29 anos. Sob a sua administração, a Imprensa assumiu, de forma evidente, o papel de editora, a par do trabalho tipográfico. Por parte do Senado e da Assembleia da Universidade, não houve alguma reacção firme à extinção da Imprensa da Universidade. Apenas foi produzida uma inócua afirmação de apreço pelo papel desempenhado pelo administrador Joaquim de Carvalho e de perplexidade por o reitor João Duarte de Oliveira não ter tido conhecimento prévio da referida medida.
Controlo do Estado Novo
Decreto-Lei de 30 de Junho declarou extinção da editora, posição que correspondeu a um acto político destinado a controlar uma instituição com possibilidades de quebrar a lógica unitária do regime
I
ntroduzida em Coimbra, em 1530, a Imprensa da Universidade procurou, desde logo, apetrechar-se com os meios tipográficos indispensáveis ao serviço e à difusão da cultura, após a sua instalação definitiva na cidade, em 1537, por decisão de D. João III. Ao longo da sua existência, a obra empreendida pela Imprensa da Universidade na cultura portuguesa tem sido notável. Além da impressão de livros didáticos dirigidos para o ensino universitário, a sua bibliografia inclui muitas outras obras de carácter literário e artístico. Em 1922, o então professor universitário António Oliveira Salazar explicitou a valia que tinha a Imprensa da Universidade, quando, no dia 25 de Janeiro, escreveu uma carta ao administrador Joaquim de Carvalho. No referido documento, o futuro presidente do Conselho de Ministros elogiou,
por exemplo, o benefício que «os pequenos que se destinam a tipógrafos» teriam de frequentar a escola tipográfica da Imprensa. Apesar dos elogios deixados 12 anos antes, a Imprensa da Universidade foi extinta pelo Decreto-Lei de 30 de Junho de 1934, com Oliveira Salazar, saído da Universidade de Coimbra, como chefe do governo ditatorial do Estado Novo. Tratou-se, indiscutivelmente, de um acto político, inserido numa prática mais vasta de tendência autoritária, destinada a controlar ou neutralizar instituições e pessoas com possibilidades de quebrar a lógica unitária do regime.
Material dado à Imprensa Nacional Com operariado progressista e com uma direcção também democrática, a Imprensa
Falar da extinção da Imprensa da Universidade, secular instituição de criação pombalina, cujo último administrador, de 1921 a 1934/1935, foi o republicano histórico, assumidamente demoliberal, Joaquim de Carvalho, é falar de todo o movimento de controlo do Estado Novo sobre as várias instituições e sobre as várias correntes de opinião. O objectivo era criar uma só ideologia, no âmbito do que se chamou, de forma eufemística, a União Nacional. Daí que terá de se entender a extinção da Imprensa da Universidade como uma forma de neutralizar uma instituição com grande produção editorial e impressora, que, eventualmente, poderia fugir da fiscalização do Estado. Em 1936, por “ordem de serviço” do ministro da Educação Nacional, datada de 6 de Novembro, foi suspensa a representação dos estudantes no Senado e na Assembleia Geral da Universidade. No mesmo mês, foram suspensas as eleições na Associação Académica de Coimbra, tendo sido nomeada a primeira Comissão Administrativa. O maior cuidado consistiu em assegurar que o edifício da Imprensa se
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mantivesse na posse da Universidade e que não se extinguisse a acção editorial que a Imprensa vinha assegurando. Após a extinção da Imprensa da Universidade, a actividade editorial de carácter científico manteve-se na Universidade de Coimbra. As revistas científicas da Universidade impressas na Imprensa até 1934 continuaram a ser publicadas, após a extinção, pelas Faculdades de Direito, de Medicina, de Ciências e pela Biblioteca Geral. As revistas científicas da Universidade que surgiram na década seguinte à sua extinção foram publicadas pelas Faculdades de Letras, de Direito, de Medicina, de Ciências e de Farmácia.
Reactivação em finais de 1998 Mediaram 64 anos entre a data da extinção da Imprensa da Universidade, em 1934,
e a sua reactivação, em finais de 1998. Entretanto, foi criado o Serviço de Documentação e Publicações da Universidade, por legislação de 1979, cabendo-lhe «programar, coordenar e orientar as publicações de carácter pedagógico, científico e cultural da Universidade». Em 1986, Luís Reis Torgal, com a colaboração de Maria Antónia Amaral, em estudo solicitado pelo reitor Rui Alarcão, defendeu «a reactivação da Imprensa da Universidade de Coimbra, como tarefa prioritária». Em 1989, nos Estatutos da Universidade de Coimbra, foi contemplada a criação da Imprensa da Universidade. Em Dezembro de 1998, o reitor Fernando Rebelo propôs ao Senado a eleição do professor Fernando Regateiro, oriundo da Faculdade de Medicina, para o cargo de director da Imprensa da Universidade. Com a sua eleição, foi iniciada a actividade da Imprensa. Em Maio
Ressurgir após interregno de 64 anos Depois de ter sido criada em Coimbra, no ano de 1530, a Imprensa da Universidade foi mandada silenciar, em 1934, por António Oliveira Salazar. Após uma pausa de 64 anos, no dia 9 de Dezembro de 1998, com Fernando Rebelo como reitor da Universidade de Coimbra, Fernando Regateiro tomou posse como director da Imprensa da Universidade. “Imprensa da Universidade surge após interregno de 64 anos”foi o título escolhido pelo Diário de Coimbra para o texto de abertura da página 5 do dia 10 de Dezembro de 1998, onde também se podia ler que «a função editoralista da Universidade de
Coimbra irá ser retomada, brevemente, com o início de actividade da Imprensa de Coimbra, organismo extinto em 1934».
Página do dia 10 de Dezembro de 1998
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de 1999, entrou em funções o conselho editorial. Em Julho, o Senado aprovou o Regulamento da Imprensa. Ainda, em 1999, a Imprensa passou a dispor da Livraria da Imprensa da Universidade, dando continuidade a uma tradição que já vem do século XVIII. No ano de 2007, em Abril, a Imprensa da Universidade de Coimbra regressou à sua antiga casa, passando a funcionar no edifício contíguo à Sé Velha, para si construído, em 1773, na Rua da Ilha. Desde o reinício de actividades, teve como intenção recuperar o que fosse possível do seu passado. Para isso, estabeleceu os necessários entendimentos com a Imprensa Nacional, na pessoa do seu presidente, Brás Teixeira, o que permitiu, em 2001, o regresso à Universidade de Coimbra de parte do seu antigo espólio, que se encontrava, desde 1934, à guarda daquela instituição. Na altura, conforme noticiou o Diário de Coimbra, Fernando Rebelo limitou-se a cumprir uma promessa expressa no seu programa eleitoral aquando das eleições para a Reitoria. «Quando afirmei que avançaria imediatamente com a Imprensa da Universidade, tendo por primeira finalidade a publicação e difusão de trabalhos de investigação de base com interesse pedagógico, não poderia de modo algum ter no pensamento uma estrutura pesada», declarou, à data, o reitor. A função editoralista da Universidade, de acordo com Fernando Rebelo, recomeçaria com uma colecção de textos científico-didácticos, elaborados por professores das diversas faculdades, vendidos a preços acessíveis. O reitor da Universidade de Coimbra referiu, também, que a composição do Conselho Editorial seria conhecida dentro de pouco tempo.
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Universidade 90 anos com Coimbra
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CURSOS DE ENGENHARIA FICARAM COM ALUNOS QUE ANTES ACABAVAM EM LISBOA OU NO PORTO O Decreto-Lei 259/72, de 28 de Julho, fundou a Faculdade de Ciências e Tecnologia, a primeira em Portugal, promovendo, deste modo, a substituição da Faculdade de Ciências, que havia sido criada em 1911
Edifício pertencente ao Departamento de Engenharia Civil, no Pólo II, foi oficialmente inaugurado no dia 15 de Janeiro de 2000
E
m 1911, durante o primeiro Governo da República, a conjugação das antigas Faculdades de Matemática e de Filosofia Natural deu lugar à Faculdade de Ciências, que assim se manteve, durante dois séculos, até 1972, ano em que foi reestruturada e passou a ser designada de Faculdade de Ciências e Tecnologia, a primeira em Portugal. Às seis licenciaturas clássicas das Ciências (Matemática, Engenharia Geográfica, Física, Química, Geologia e Biologia) foram acrescentados os respectivos ramos científico e
Situação de escola preparatória estava a prejudicar a Universidade, ao ponto de sentir dificuldades em recrutar os melhores diplomados como assistentes
de formação educacional, bem como o 4.º e o 5.º anos daquelas outras licenciaturas que se consideravam clássicas das Engenharias (Civil, Electrotécnica, Mecânica, Minas e Química). De 1972 a 1974, período em que foram criados os cursos de Engenharia e a Faculdade de Ciências passou a designar-se Faculdade de Ciências e Tecnologia, José Simões Redinha era o director da faculdade, surgindo, entre 1971 e 1974, João Manuel Cotelo Neiva como reitor da Universidade de Coimbra. De 1970 a 1974, José Veiga
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Simão tinha a pasta de ministro da Educação Nacional. O Decreto-Lei 259/72, de 28 de Julho, fundou a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) em substituição da Faculdade de Ciências, criada pela reforma universitária de 1911. Com esta reforma, a FCTUC passou a dispor de cursos dedicados ao estudo da Engenharia a par dos cursos de ciências básicas a que se vinha dedicando desde o último quartel do século XVIII.
Cursos preparatórios A faculdade ministrava, na altura, o ensino dos cursos preparatórios para admissão às Faculdades de Engenharia. Findos os preparatórios, que tinham duração de três anos, os alunos tinham de ir para o Instituto Superior Técnico, em Lisboa, ou para a Universidade do Porto para aí completarem o curso. E muitos, por vezes os melhores, ficavam na cidade onde se formavam ou nas áreas de influência desta, perdendo o contacto com Coimbra e com a região das Beiras. Coimbra acusava já um menor ritmo de crescimento de profissionais de Engenharia
relativamente a Lisboa ou ao Porto e até mesmo às regiões limítrofes. Esta situação de escola preparatória estava a prejudicar a Universidade, ao ponto de sentir dificuldades em recrutar os melhores diplomados como assistentes. Os alunos naturais da região Centro, provenientes de famílias com menores recursos económicos e que desejassem cursar Engenharia, viam-se impedidos de o fazer, por não terem possibilidades económicas de ir viver para longe da família. Apesar das desvantagens, o número de alunos que frequentavam os preparatórios de Engenharia era elevado. Efectivamente, no ano lectivo de 1971/1972, matricularam-se, pela primeira vez na faculdade, 472 alunos. Destes, 102 destinavam-se aos cursos de Ciências (Matemática, Física, Química, Geologia e Biologia) e 360 aos cursos de Engenharia. Isto é, 78% dos alunos que se inscreveram pela primeira vez na Universidade naquele ano pretendiam vir a ser engenheiros.
Espera longa Estes números provavam o interesse despertado pela Engenharia nessa altura
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e o peso que estes alunos representavam na frequência da faculdade, dando razão aos que consideravam necessária e urgente uma reforma da faculdade que pudesse oferecer licenciaturas em Engenharia. Em Setembro de 1970, a faculdade dirigiu, ao Ministério da Educação Nacional, um pedido para a criação dos cursos de Engenharia integrados na Faculdade de Ciências. O processo administrativo foi decorrendo normalmente. Em Abril de 1972, o projecto de Decreto-Lei estava concluído. Foi longo o tempo que mediou entre a conclusão do texto da reforma e a publicação em decreto, o que só veio a acontecer a 28 de Julho de 1972. Esta demora criou algumas preocupações, apesar da confiança depositada no ministro da Educação Nacional. Havia, no entanto, compromissos morais de várias ordens com os alunos e com professores que haviam sido contactados para vir para a Universidade de Coimbra. Com o ano lectivo prestes a terminar, viveram-se tempos de uma certa ansiedade. Finalmente, no último Conselho de Ministros antes das férias grandes, o decreto-lei foi aprovado e publicado.
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Universidade 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
NOVAS FACULDADESI CRIADAS EM 1972, 1980 E 1997I Iniciada pela reforma do ensino levada a cabo por José Veiga Simão, a licenciatura em Economia começou a funcionar em 1973/1974
Economia, Psicologia e Ciências da Educação e Ciências do Desporto e Educação Física reforçaram a oferta formativa da Universidade de Coimbra
N
o início da década de 70 surgiu, em Portugal, um projecto de reforma do ensino. O primeiro-ministro de então, Marcello Caetano, apresentou esta reforma ao país, num discurso proferido na rádio, a 17 de Janeiro de 1970, declarando estar o seu Governo decidido a levar a cabo «a grande, urgente e decisiva batalha da educação». A excepcional importância desta reforma tornou-se mais clara aquando da comunicação feita ao país, a 6 de Janeiro de 1971, por José Veiga Simão, ministro da Educação do Governo de Caetano. No decurso da sua alocução, Veiga Simão apresentou as linhas gerais da sua reforma
do ensino para Portugal, na forma de dois textos destinados a serem publicados, de molde a proporcionar uma ampla e aberta discussão: o Projecto do Sistema Escolar e as Linhas Gerais da Reforma do Ensino Superior. Durante dois anos, estes dois documentos atraíram a atenção de todos os portugueses. A reforma tornou-se finalmente lei em Abril de 1973. Neste período, a Universidade de Coimbra, além da transformação da Faculdade de Ciências na Faculdade de Ciências e Tecnologia, em 1972, também criou, neste mesmo ano, a Faculdade de Economia. A licenciatura em Economia entrou em funcionamento no ano lectivo de 1973/1974, tendo-se-lhe seguido as restantes três do elenco actualmente oferecido pela Faculdade de Economia: Sociologia, Gestão e Relações Internacionais. As origens históricas da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação datam de 1911/1912, quando, no âmbito do curso de Filosofia da Faculdade de Letras e do
curso de Habilitação ao Magistério Primário, começou a ensinar-se pela primeira vez, na Universidade de Coimbra, a Pedagogia e a História da Pedagogia. No ano lectivo de 1976/1977, começou a funcionar, pela primeira vez, em Coimbra, o curso superior de Psicologia, tendo como sede provisória a Faculdade de Letras. Pelo Decreto-Lei n.º529/80, de 5 de Novembro de 1980, passou a designar-se Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Dando cumprimento a uma aspiração diversas vezes manifestada pela Universidade, no sentido da criação de uma área de estudos no domínio da cultura física e do desporto, o Senado da Universidade de Coimbra, aproveitando as condições indispensáveis para o ensino e aprendizagem na área do Desporto e da Educação Física proporcionadas pelas instalações desportivas existentes no Estádio Universitário de Coimbra, aprovou, por unanimidade, em 1997, a criação da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física.
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Universidade 90 anos com Coimbra
Nos últimos anos, a construção de prédios não tem parado na urbanização
MINISTRO NÃO AUTORIZOU NEGÓCIO DA AQUISIÇÃO DOS TERRENOS DA QUINTA DA PORTELA Nega dada por Mário de Sottomayor Cardia, ministro da Educação e da Investigação Científica do primeiro Governo constitucional, “obrigou” o Pólo II a “contentar-se com a encosta a Poente”
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oi a reforma do ensino das Engenharias, levada a cabo por José Veiga Simão, em 1972, e a necessidade de criar instalações para funcionamento dos cinco cursos completos então ministrados no país, que levou a “nova” Faculdade de Ciências e Tecnologia a expandir a Universidade para os terrenos de «excepcional localização» na encosta Sul da colina da Boavista, com vistas para o rio. A necessidade de expansão para «fora da colina sagrada da Alta já era sentida na década de 1940», quando Salazar construiu a Alta Universitária. «Penso que já nessa altura se pensava nesta localização», referiu Lusitano dos Santos, urbanista e professor universitário jubilado, ao Diário de Coimbra. A Comissão Administrativa da Faculdade
de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), criada após o 25 de Abril de 1974, foi «encarregada de levar a cabo a tarefa da aquisição dos terrenos da Quinta da Portela», considerados, adiantou Lusitano dos Santos, «pelas suas caracte-
FCTUC instalou-se no Pólo II da UC, na encosta sul da colina da Boavista
Diário de Coimbra
rísticas morfológicas e por neles se localizar o palácio da família Bourbon Bobone, como os mais adequados». «Foram fáceis, na altura, as negociações e os proprietários aceitaram vender a quinta por 6.000 contos [n.d.r. valor que, actualmente, corresponde a cerca de 30 mil euros], pois sempre ganhavam algum e livravam-se de problemas caso o palácio - e a quinta - fossem ocupados pelos ”revolucionários”». Contudo, Mário de Sottomayor Cardia, ministro da Educação e da Investigação Científica do primeiro Governo constitucional, de maioria socialista, presidido por Mário Soares, que tomou posse a 23 de Julho de 1976, não autorizou o negócio. «A quinta acabou por ser comprada por um particular e nela veio a ser construída a Urbanização da Quinta da Portela. O Pólo II teve de contentar-se com a encosta a Poente, de maior declive, mas de iguais horizontes», recordou o urbanista.
“A quinta acabou por ser comprada por um particular e nela veio a ser construída a Urbanização da Quinta da Portela. O Pólo II teve de contentar-se com a encosta Poente” A elaboração do Plano de Pormenor do Pólo II foi precedida por um concurso de ideias proposto pelo Departamento de Arquitectura, criado em 1988. O júri, de que Lusitano dos Santos fez parte, classificou em primeiro lugar uma proposta com ocupação em quadrícula, que veio a ser adoptada e adaptada pela equipa que elaborou o plano, chefiada pelo arquitecto Camilo Cortesão. Aprovado o plano, «a FCTUC, também por influência do Departamento de Arquitectura e seus professores, decidiu entregar a elaboração dos projectos dos edifícios a profissionais prestigiados, tendo em vista a melhoria da qualidade da arquitectura praticada na cidade». Assim, foram convidados os arquitectos Fernando Távora (Engenharia Civil), Gonçalo Byrne (Engenharia Electrotécnica e de Computadores - 1996 e Engenharia Informática), Manuel Tainha (Engenharia Mecânica) e Vasco da Cunha (Engenharia Química). «As obras tiveram início em 1992 e todos os departamentos foram inaugurados em 2001», concretizou Lusitano dos Santos.
Diário de Coimbra
90 anos com Coimbra Universidade
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Edifício escolar do Departamento de Engenharia Civil foi o mais barato O Departamento de Engenharia Civil, conforme noticiou o Diário de Coimbra, nas páginas 6 e 7 de 14 de Janeiro de 2000, num trabalho de antecipação da cerimónia, foi inaugurado oficialmente, no dia seguinte, pelo ministro da Educação, Guilherme D'Oliveira Martins. “Cortes orçamentais podem afectar o “ritmo” de construção do Pólo II”, titulava o Diário de Coimbra, fazendo alusão aos “cortes”no financiamento à Universidade. Noutro texto, inserido nas mesmas páginas, o Diário de Coimbra dava conta do investimento de «dois milhões de contos [n.d.r. valor que, actualmente, corresponde a cerca de 10 milhões de euros] por uma “nova” Engenharia Civil», acrescentando que o referido departamento, «na realidade, está a funcionar desde o início do ano lectivo». «Trata-se do mais populoso departamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia,
Reportagem de duas páginas no dia 14 de Janeiro de 2000 antecipou visita do ministro
com cerca de 1.200 alunos. É também o mais volumoso edifício do Pólo II. Paradoxalmente foi o mais barato dos edifícios escolares até agora feitos na Boavista», su-
blinhava o Diário de Coimbra, acrescentando que «a explicação é simples: foi lançado numa altura favorável, a preços mais baixos, não inflacionados».
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Universidade 90 anos com Coimbra
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O
Primeira página do dia 15 de Abril de 1980 deu conta do plano de expansão
Pólos II e das Ciências da Saúde homologados em Abril de 1980
projecto do Pólo II da Universidade de Coimbra foi homologado, em Abril de 1980, pelo Governo, correspondendo a um plano de expansão dinamizado pelo então reitor, Ferrer Correia. Este plano, noticiou o Diário de Coimbra, tinha como fundamental a instalação dos cursos de Engenharia da Faculdade de Ciências e Tecnologia e a instalação definitiva da Faculdade de Economia, bem como a construção de edifícios da residência universitária. «Dentro do plano prevê-se ainda a dinamização dos trabalhos de recuperação do Colégio dos Órfãos com vista à instalação da futura Faculdade de Psicologia (…) e construção de uma nova Faculdade de Medicina junto dos terrenos do nosso hospital de Coimbra, que assim constituirá o Pólo III da Universidade, e de um edifício na Cumeada [n.d.r. na zona da Avenida Dias da Silva] para instalação provisória da Faculdade de Economia, actualmente a estoirar pelas costuras», observou, em Abril de 1980, o Diário de Coimbra. Na zona da Boavista, junto ao Rio Mondego, nasceu o Pólo II da Universidade de Coimbra, que começou a ser construído em 1992. Aqui se encontram duas Unidades Orgânicas de Ensino e Investigação da Universidade: os Departamentos de Engenharia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, bem como a sede desta faculdade, e o Instituto de Investigação Interdisciplinar. Em 2001, o Pólo das Ciências da Saúde começou a ser edificado em Celas, junto ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, para acolher duas Unidades Orgânicas de Ensino e Investigação da Universidade: a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Farmácia.
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Politécnico 90 anos com Coimbra
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POLITÉCNICO DE COIMBRA CRESCEU COM SUCESSIVA INTEGRAÇÃO DE ESCOLAS Apesar de só ter sido formalizado em 1979, a primeira referência à criação do Instituto foi feita no Decreto-Lei n.º 402/73, de 11 de Agosto, no contexto da reforma do sistema educativo português
que tinha deixado de ser realizada com a extinção do ensino médio a seguir ao 25 de Abril de 1974. O ensino médio era ministrado em institutos industriais, comerciais e agrícolas, que foram sendo gradualmente substituídos por estabelecimentos de ensino superior. Segundo dados facultados pelo IPC, é possível perceber que, ao longo da década de 1980, o ensino politécnico desenvolveu-se, com a instalação dos institutos e escolas superiores, tendo sido, posteriormente, reforçado com a integração das escolas de enfermagem e a criação de outros em novos domínios como o turismo, a música e o teatro. Já na década de 1990, as tecnologias da saúde também passaram a integrar o ensino politécnico.
Bolonha trouxe graus de licenciado e de mestre
Antiga sede, junto ao Penedo da Saudade, assumiu, em 2019, as funções de centro cultural
O
Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) foi criado em 1979, através do Decreto-Lei n.º 513-T/79, de 26 de Dezembro, data em que, fruto de uma lógica diferenciadora do ensino universitário, por se tratar de um ensino com uma componente mais prática, se passou a designar ensino superior politécnico. Além de Coimbra, nesta altura,
foram também criados os institutos de Viseu, Castelo Branco, Santarém, Setúbal, Bragança, Beja, Faro, Porto e Lisboa. Contudo, o ensino politécnico em Portugal tinha sido previsto pela Lei de Bases do Sistema Educativo de 1973, tendo sido efectivamente criado, em 1977, como ensino superior de curta duração, que tinha em vista a formação de técnicos de nível médio
Com a publicação, em 1986, da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro), ao ensino politécnico ficou reservada a atribuição do grau de bacharel, enquanto ao ensino universitário ficou destinada a atribuição dos graus de licenciado, mestre e doutor. O ensino politécnico poderia também conferir o diploma de estudos superiores especializados, que seria equivalente, para efeitos profissionais e académicos, ao grau de licenciado. A partir de 1997, o ensino politécnico passou, também, a poder conferir o grau de licenciado, acabando o diploma de estudos superiores especializados. No decorrer do ano de 2005, na sequência da reforma dos graus académicos decorrente do Processo de Bolonha, o ensino politécnico passou a conferir os graus de licenciado e de mestre.Actualmente, o ensino politécnico confere os graus de licenciado e de mestre, com o primeiro ciclo (licenciatura) a ter, por norma, uma duração de três anos e o
Instituto Politécnico de Coimbra Presidentes
1988-1990
1990-1996
Lélio Quaresma Luís Filipe Requicha Lobo (Comissão Ferreira (Comissão Instaladora) Instaladora)
1996-2001
2001-2009
Carlos César Coelho Viana Ramos
José Manuel Manuel Fernando de Rui Jorge Torres Farinha Miranda Páscoa da Silva Antunes (Presidente interino)
2009
2009-2017
2017-... Jorge Manuel dos Santos Conde
Diário de Coimbra
segundo ciclo (mestrado) a durar dois anos. Apesar de só ter sido legalmente instituído em 1979, a criação do IPC foi referida, pela primeira vez, no Decreto-Lei n.º 402/73, de 11 de Agosto, no contexto da reforma do sistema educativo português preconizada pela Lei n.º 5/73, de 25 de Julho, que teve como principal impulsionador o antigo ministro da Educação Nacional, José Veiga Simão, que exerceu funções entre 1970 e 1974. Com a criação do IPC, são integradas, pelo Decreto-Lei n.º 513-T/79, de 26 de Dezembro, a Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC) e a Escola Superior Agrária de Coimbra, mais tarde confirmada, a par da ESEC, pelo Decreto do Governo n.º 46/85, de 22 de Novembro, o Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (Decreto-Lei n.º 70/88, de 3 de Março) e o Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (Decreto-Lei n.º 389/88, de 25 de Outubro).
Expansão para Oliveira do Hospital A existência efectiva do IPC só se concretizou, no entanto, em 1988, com a no-
90 anos com Coimbra Politécnico
meação, a 19 de Agosto, do primeiro presidente da Comissão Instaladora, Lélio Quaresma Lobo, e a criação da unidade orgânica dos Serviços Centrais. No dia 15 de Maio de 1990, foi nomeado o segundo presidente da Comissão Instaladora do IPC, Luís Filipe Requicha Ferreira. Em 1995, o IPC viu os seus estatutos aprovados de forma democrática, através da participação do seu corpo de docentes, discentes e funcionários, tendo sido publicados, a 28 de Dezembro de 1995, em Diário da República, através do Despacho Normativo 85/95. A eleição do primeiro presidente, Carlos César Coelho Viana Ramos, foi registada em Julho de 1996, com a tomada de posse a decorrer a 1 de Outubro de 1996. Depois deste importante passo, o Politécnico de Coimbra expandiu-se e veio a integrar, em 2001, a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital (Decreto-Lei n.º 264/99, 14 de Julho), seguindo-se,
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em 2004, a Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra (Decreto-Lei n.º 175/2004, 21 de Julho). Entretanto, a 28 de Setembro de 2001, José Manuel Torres Farinha tomou posse como segundo presidente do IPC, tendo o seu mandato sido renovado a 4 de Maio de 2006. Durante este segundo mandato, no dia 19 de Novembro de 2008, são homologados os novos estatutos do IPC. A 7 de Julho de 2009 toma posse, como presidente interino do Politécnico de Coimbra, Manuel Fernando de Miranda Páscoa, seguindo-se a tomada de posse de Rui Jorge da Silva Antunes, a 30 de Julho de 2009, como presidente do IPC, cargo para o qual foi reeleito a 9 de Julho de 2013. Desde o dia 19 de Julho de 2017, Jorge Manuel dos Santos Conde assumiu a presidência do Politécnico de Coimbra. IPC apresentou a nova imagem em 2020
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Hospitais 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
As condições degradadas do Colégio de S. Jerónimo e de outros edifícios históricos da Alta constrangiam já a actividade hospitalar
DOS VELHINHOS COLÉGIOS DA ALTA PARA O “HOSPITAL NOVO” O primeiro complexo hospitalar do país reuniu-se na Alta universitária e foi ali que se realizaram muitos dos mais notáveis avanços da medicina em Portugal. O tão aguardado “Hospital Novo” só abriu em 1987, projectando Coimbra para um patamar mais elevado
T
em mais de 900 anos a história da assistência hospitalar em Coimbra. O mais antigo hospital que se conhece é mesmo anterior à nacionalidade, o Hospital de Milreu, que existiu junto ao Paço da Alcáçova. Na Idade Média, os hospitais pouco mais faziam do que dar um tecto e alimentar os mais necessitados, tratando as mazelas do corpo ao mesmo tempo que as da alma. Mas com a presença de jesuítas, franciscanos e judeus ao longo dos séculos, a cidade foi acumulando ensinamentos de personalidades de grande dimensão nacional e mundial na área da medicina. Exis-
tia desde o século XII um ensino regular da Medicina em Portugal, no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. E da fundação de Portugal aos dias de hoje, podemos afirmar que Coimbra foi referência no ensino e na prática da Medicina, que andaram sempre de mãos dadas. Em 1774, no âmbito da reforma daquela que é a mais antiga do país e uma das mais antigas universidades da Europa, o Marquês de Pombal determinou que os pequenos hospitais da cidade – como o Hospital da Convalescença, o da Conceição e o de S. Lázaro - passassem a ser administrados pela Universidade de Coimbra. E foi na Alta Uni-
versitária que, a partir daí, se foi reunindo o primeiro complexo hospitalar do país.
Assistência à saúde em três colégios da Alta No ano em que o Diário de Coimbra nasceu, 1930, os Hospitais da Universidade ocupavam, desde 1870, a totalidade dos edifícios dos antigos Colégio das Artes e Colégio de S. Jerónimo e ainda instalações do Colégio dos Militares (conhecido como Hospital dos Lázaros ou Hospital do Castelo). Tinham como director o professor e cirurgião Ângelo da Fonseca, que já tinha liderado a instituição em 1910-11, que tinha
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Hospitais 90 anos com Coimbra
sido director da Clínica Cirúrgica e da Urológica e grande impulsionador da Escola de Enfermagem, e ficaria na liderança dos hospitais até 1942. As instalações readaptadas para unidades hospitalares não eram as mais adequadas e nesta altura procedia-se a diversas remodelações a acrescentos, para tornar mais funcional o seu funcionamento, numa altura em que a procura de serviços de saúde pela população era crescente. Em entrevista publicada no Diário de Coimbra a 18 de Agosto de 1930, depois de uma visita aos diferentes «pavilhões, enfermarias e salões cirúrgicos», o catedrático de Medicina falava sobre obras e melhoramentos em curso neste “Hospital-Escola”, particularmente da reconstrução do Hospital dos Lázaros, que acolhia as clínicas de Dermatologia, Sifiligrafia, tuberculosos e doenças infecto-contagiosas, e dos planos que tinha de construir um pavilhão destinado à clínica pediátrica, com 80 leitos. Na edição de 30 de Dezembro desse ano, a direcção dos hospitais anunciava para 1 de Janeiro seguinte visitas gratuitas aos doentes internados e uma visita a todas as instalações hospitalares – incluindo lavandarias, cozinha e até salas de operações – para que o público pudesse «apreciar o desenvolvimento que vêm atingindo os serviços deste estabelecimento de assistência e ensino». Na edição de 6 de Janeiro de 1931, no Diário de Coimbra, dava-se conta do movimento de doentes no ano transacto. Haviam sido hospitalizadas um total de 4.273 pessoas e registadas 3.870 altas hospitalares, sendo de 516 a média diária de internamentos. Nas consultas externas tinha havido nesse ano de 1930 cerca de 3.700 doentes inscritos e, revelava a direcção dos hospitais, tinham sido mais de 45 mil os tratamentos e consultas realizados. Totalizava em 1.728 o número de operações efectuadas. No que se refere ao internamento, o Colégio das Artes recebia no seu rés-do-chão os doentes do sexo masculino, social e economicamente mais débeis e no 1.º andar as mulheres. O Colégio de S. Jerónimo recebia nos seus dois pisos doentes particulares; o Hospital do Castelo recebia doentes leprosos no Hospital de S. Lázaro e doentes infectocontagiosos no restante Colégio dos Militares, existindo ali ainda uma ala com serviços de consulta externa, incluindo o de Oftalmologia, e um serviço de despista-
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Nas enfermarias faltava espaço
Portaria geral do antigo S. Jerónimo
gem de doenças do foro venéreo. Não era permitida a deslocação nem de doentes nem de pessoal dos sectores masculinos para os femininos e vice-versa, sob pena de multa pecuniária. Em 6 de Julho de 1934, o Presidente da República Óscar Carmona visita o novo edifício das consultas externas e serviços de Urgência dos Hospitais da Universidade, saindo, segundo nota do director Ângelo na Fonseca no Boletim dos HUC, muito bem impressionado com o que viu.
Manicómio de Sena e blocos de Celas O edifício do Colégio dos Militares, conhecido como Hospital dos Lázaros ou Hospital do Castelo, apesar da requalificação e melhoramentos recebidos na década de 30, acabaria por ser “vítima” das obras da Cidade Universitária alguns anos mais tarde, sendo extinto no início dos anos 60, altura em que as suas valências já haviam sido progressivamente transferidas, nomeadamente para o novo bloco hospitalar de Celas. A entrada em funcionamento do Manicómio Sena, que acolhe doentes transferidos da antiga enfermaria de Neuropsiquia-
Pólo central dos Hospitais da Universidade foi inaugur
Na década de 30, a direcção dos Hospitais da Universidade de Coimbra investia na requalificação de espaços, mas as obras da Alta universitária ditariam a transferência de serviços para o bloco de Celas Desejado há décadas, o “Hospital Novo” foi inaugurado em 1987 pelo primeiro-ministro Cavaco Silva e pela ministra Leonor Beleza, sendo considerado o maior e mais moderno hospital do país
90 anos com Coimbra Hospitais
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naugurado em 1987, acolhendo serviços dos antigos colégios da Alta e dos blocos de Celas
tria, é notícia de primeira página no Diário de Coimbra de 18 de Abril de 1944. Depois de duas décadas sem ir além dos alicerces, o manicómio em Celas ganhara finalmente corpo com a construção de pavilhões que passam a albergar o “hospital psiquiátrico escola” sonhado pelo professor Elísio de Moura. A Clínica Psiquiátrica da FMUC tinha sido criada poucos meses antes por decreto do Governo e o seu director tinha agora todas as condições para levar a cabo o seu projecto «científico e social». «O «manicómio de ensino», «justa e velha aspiração de Elísio de Moura», compreende «cinco pavilhões: pavilhão de admissão de doentes tranquilos e sociáveis, agitados, cozinha e balneários», escreve o nosso jornal. Depois da Psiquiatria, outros serviços seguiriam da Alta para aquela zona da cidade até 1952: Neurologia e, por causa das obras da cidade universitária, Dermatologia, Venerologia, Infecto-Contagiosas, Pneumotisiologia e respectivas consultas externas, como refere Alberto Mourão no livro “Crónica dos Hospitais da Universidade de Coimbra”. Alguns dos pavilhões construídos no complexo de Celas deveriam ser provisórios, mas a verdade é que funcio-
naram décadas. Em 1956 foi inaugurado o actual edifício da Faculdade de Medicina do Pólo I, onde continuam hoje instalados alguns serviços e laboratórios. Na década de 70, a Faculdade de Medicina decide criar a licenciatura em Medicina Dentária, que entra em funcionamento a partir do ano de 1985/86. Para responder a este novo desafio é instituído o Departamento de Medicina Dentária, Estomatologia e Cirurgia Maxilo-Facial, que fica instalado nos blocos de Celas.
“Hospital Novo” custou 20 milhões de contos Com um programa que começou a ser elaborado ainda em finais da década de 60 e revisto em 1975, o “Hospital Novo”, como seria designado, começa a ser construído em 1980 e é finalmente inaugurado em 1987, acolhendo os serviços que estavam no Colégio de S. Jerónimo e outros edifícios históricos daAlta e mais alguns dos vizinhos Blocos de Celas. Foi inaugurado a 20 de Março de 1987, com a presença do primeiro-ministro Cavaco Silva e da ministra da Saúde Leonor Beleza, entre outros ministros e diversas
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entidades. Planeado para responder a uma população de perto de dois milhões de pessoas, foi reconhecido como um dos melhores hospitais da Europa, tendo em conta «o equipamento sofisticado, a capacidade instalada, as condições de atendimento e de alojamento». Norberto Canha, cirurgião e ortopedista, professor da Faculdade de Medicina, era, à data desta mudança, o director dos Hospitais da Universidade. Personalidade médica de referência, que criou em Coimbra o maior e mais diferenciado serviço de Ortopedia do país, recorda ao nosso jornal as dificuldades vividas no velhinho hospital – com pouco espaço para a elevada actividade assistencial, enfermarias cheias e espaços degradados, doentes que por vezes eram colocados nos claustros – e a injustiça que era para a cidade ainda não possuir um equipamento digno, construído de raiz para hospital. «Foi uma questão de justiça, os grandes hospitais de Lisboa e do Porto já existiam. Coimbra e a zona Centro, com excelentes profissionais, teve de despertar para não estar subordinada e para impor condições. Mudámos os doentes das enfermarias em apenas um mês, mas as enfermarias ficaram de maneira a que se pudesse voltar se necessário e o bloco operatório também ficou funcional», lembra Norberto Canha. «Gerir e rentabilizar recursos são os novos desafios», escrevia o nosso jornal na primeira de quatro páginas dedicadas à cerimónia de inauguração do novo hospital, o maior de todo o país, «uma das obras do Estado de maior vulto, no domínio da saúde, nas últimas décadas», como sublinhava Cavaco Silva no seu discurso. 20 milhões de contos de investimento levavam o primeiro-ministro a pedir «rigor de gestão» e «responsabilidade». Para aquele ano, e com a nova unidade central a funcionar, previam-se para os HUC mais de cinco milhões de contos de despesas correntes, o que representava um acréscimo de 67 por cento. Também a ministra Leonor Beleza - que no mesmo dia havia entregue ao reitor Rui Alarcão as chaves das antigas instalações dos HUC na Alta – destacava o investimento «saído do bolso dos portugueses», apelando à melhor gestão e rentabilização dos recursos, em articulação com o que «noutras unidades públicas e privadas se vem fazendo por conta do Serviço Nacional de Saúde».
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Hospitais 90 anos com Coimbra
Norberto Canha, director dos HUC, e José Lopes Craveiro, director clínico, manifestaram profundo reconhecimento aos profissionais de saúde da instituição, «pelos milagres conseguidos nos velhos e degradados edifícios» da Alta. Ali foi feita a primeira reanimação de um doente tetânico, o primeiro transplante renal, o primeiro transplante articular e a primeira reimplantação de membro realizados no nosso país. O novo bloco central, declarou Noberto Canha, «só poderia ser construído num local como este, centro de intelectualidade, vocacionado para o ensino e para a investigação e com obrigações assistenciais numa extensa região do país». O Hospital Novo nascia com capacidade para 500 atendimentos diários na Urgência - quando nas duas urgências gerais existentes na cidade a capacidade não chegava a 400 -, 1.208 camas e um quadro de pessoal aprovado de 3.898 funcionários. «A mudança para as novas instalações fez-se em grande articulação com todos os directores de serviço e as suas equipas e a reacção de todos os profissionais foi naturalmente de grande alegria», revela hoje aquele que foi o último director eleito dos HUC. Na liderança da instituição, sucedeu-lhe o professor catedrático e infecciologista António Meliço Silvestre, nomeado pela ministra Leonor Beleza.
Início de uma nova era Logo nos anos 90, o serviço de Imagiologia, com novas tecnologias de Ressonância Magnética, torna-se um dos melhor equipados do país, é criada uma unidade de cuidados intensivos gastrenterológicos, inaugurado o Banco de Ossos e Tecidos, criado o Centro de Genética Médica, ampliado o serviço de Cirurgia Cardiotorácica, com Manuel Antunes, remodelado o serviço de Psiquiatria Mulheres, em Celas, ampliado o serviço de Oftalmologia. A cirurgia laparoscópica é pela primeira vez utilizada no nosso país e o serviço dirigido por Castro e Sousa ganha destaque, a par do serviço de Luís Raposo, que fez a primeira dupla intervenção por cirurgia endoscópica: colecistectomia e salpingectomia. A Reprodução Humana, a Transplantação, a Anestesiologia (que avança para o tratamento da dor crónica) também ascendem a um patamar superior, com os especialistas de Coimbra a tornaram-se referência nacional. Na liderança de Luís Providência, o serviço
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Com as novas instalações e modernos equipamentos surgiram novos serviços
de Cardiologia estava na linha da frente do desenvolvimento tecnológico e dava cartas a nível nacional, com a primeira aterectomia coronária, como recorda a “Crónica dos Hospitais da Universidade de Coimbra”, de Alberto Mourão. Nesta época da grande prestígio para os HUC, Meliço Silvestre inicia importantes relações de colaboração e cooperação com os PALOP, que teve particular impacto em S. Tomé e Príncipe, no Hospital Agostinho Neto, mas também em Moçambique, Guiné-Bissau – o serviço de Ortopedia de Norberto Canha tratou muitos doentes deste país – Angola e Cabo Verde. Os HUC já haviam sido pioneiros em diversas áreas, com destaque para o primeiro transplante de um órgão vital, em 1969, por Linhares Furtado, e para a primeira operação de coração aberto realizada no país pelo médico Marçal de Oliveira, mas nas novas instalações ganham novo fulgor. Os transplantes hepáticos e renais, também com Alfredo Mota, a cirurgia cardíaca, depois já com o cirurgião cardiotorácico ManuelAntunes, a Medicina Reprodutiva, com Agostinho Almeida Santos, a Oftalmologia com António Travassos e depois com Joaquim Murta, traziam a Coimbra utentes de todo o país.
Complexo hospitalar também cresceu No campus hospitalar do bloco central, em 2000 foi inaugurado o Edifício de S.
Jerónimo, que alberga, entre outros, os serviços de Radioterapia, Genética, Hospital de Dia de Oncologia e ainda o Centro de Histocompatibilidade da Região Centro. Dois anos mais tarde foi inaugurado o Edifício de Cirurgia Cardiotorácica, e o pólo tem sido alvo de transformações e adaptações tanto da estrutura como da organização, para responder melhor às necessidades dos utentes. O CHUC dá cobertura à população da região Centro, mas é referência nacional e internacional nalgumas especialidades e técnicas, nomeadamente na área dos Transplantes, Cirurgia Cardiotorácica, Queimados, Banco de Ossos, Oftalmologia, Medicina da Reprodução, Genética Médica, entre outras. A prestação de cuidados de saúde de excelência, o ensino e a investigação andaram sempre de mãos dadas. O Centro de Simulação Biomédica, o primeiro do país, criado em 2007, é exemplo disso mesmo. Em 2015, já com todos os hospitais reunidos no CHUC, foi criado o Centro Académico Clínico de Coimbra CHUC-UC, consórcio que visa reforçar as sinergias entre as duas instituições «através da implementação de estruturas flexíveis e integradas de ensino, investigação, inovação e assistência médica», tendo por missão «o desenvolvimento e a aplicação do conhecimento e da evidência científica na prestação de cuidados de saúde de excelência altamente diferenciados».
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Personalidades médicas de referência
Apesar dos constrangimentos do edifício, até à década de 80 deram-se grandes passos
Nos anos 20 e 30, os Hospitais da Universidade têm no seu seio personalidades de grande prestígio e proeminência política e republicana. Ângelo da Fonseca, durante anos director dos Hospitais da Universidade, criou o primeiro serviço da especialidade de Urologia no país e que tem o seu nome associado à Escola de Enfermagem que ajudou a oficializar em Coimbra, valorizando sempre a profissão de enfermeiro. Egas Moniz, Nobel da Medicina em 1949, estudou e tornou-se professor de Anatomia e Fisiologia em Coimbra, mudando-se para a capital em 1911, para leccionar Neurologia na então criada Faculdade de Medicina de Lisboa. Elísio de Moura e Sobral Cid implementavam uma Psiquiatria moderna para a época, o primeiro no âmbito dos Hospitais da Universidade e o segundo inspirando a obra de Bissaya Barreto na área da saúde mental, que resulta na criação do Hospital do Lorvão, do Sobral Cid e da Colónia Agrícola de Arnes. Bissaya Barreto, professor catedrático, médico e político activo, dedicou a sua vida à assistência e à medicina social no país, deixando uma obra que é até hoje referência. Lúcio de Almeida, Duarte Santos, Tavares de Sousa, Henrique de Oliveira, Correia de Oliveira, Morais Zamith, Mário Trincão,
Meliço Silvestre, Vaz Serra, Manuel Bruno da Costa, Luís Raposo, Oliveira e Silva, João Porto, Egídio Aires, Novais e Sousa, Almeida Ribeiro, Maximino Correia, Elísio de Moura, Rocha Brito e Feliciano Guimarães eram professores catedráticos da Faculdade de Medicina de Coimbra na década de 40. O médico José Martins Nunes escreve, num artigo de opinião recente, que essa «foi a década de ouro para a Medicina de Coimbra, que se prolongou nos anos seguintes», com o nascimento da Maternidade Bissaya Barreto, do Hospital Geral da Colónia Portuguesa do Brasil e do Hospital Pediátrico. «Coimbra transforma-se numa cidade onde fervilha o conhecimento médico e onde os Hospitais da Universidade de Coimbra e o Hospital Geral da Colónia Portuguesa do Brasil disputam com os Hospitais Civis de Lisboa a consagração da melhor Medicina e dos melhores mestres», refere num artigo do seu livro “Uma missão saúde”. «Santos Bessa, João Porto, Novais e Sousa, Henrique de Oliveira, Bissaya Barreto, Correia de Oliveira, Ibérico Nogueira, Morais Zamith, Mário Trincão, Vaz Serra, Bruno da Costa, Nunes da Costa despertam a cidade para uma nova realidade no caminho do futuro», refere.
As décadas de 50 e de 60 foram as décadas da oportunidade: terminada a 2.ª Guerra Mundial, a medicina, a enfermagem e a administração hospitalar tiveram uma notável evolução: Nunes da Costa faz a primeira cirurgia cardíaca, constrói-se o Bloco Hospitalar de Celas; uma nova geração de médicos vai substituindo paulatinamente os anteriores directores, muitos deles com uma formação adicional no estrangeiro: Antunes de Azevedo, Carlos Migueis, Cunha Vaz, Gouveia Monteiro, Poiares Batista, Norberto Canha, Lobato Guimarães, Linhares Furtado, Robalo Cordeiro, Meliço Silvestre, Almeida Ruas, Agostinho de Almeida Santos, Rui Carrington e Carlos de Oliveira, entre tantos outros, aponta Martins Nunes, antigo presidente do Conselho de Administração do CHUC. No Hospital Geral eram proeminentes as figuras ímpares de clínicos consagrados, entre eles Lourenço Gonçalves, Luciano dos Reis, Santana Maia, Fausto Pontes, Amaral Gomes, Abreu Barreto, Moreira Pires, Mário Falcão, Uback Ferrão e mais recentemente Manuel Miraldo, João Moreno e Armando Gonsalves. Mais tarde, no Hospital Pediátrico e nas maternidades, Carmona da Mota desenvolveu e prestigiou a pediatria de Coimbra e Mário Mendes, director da Maternidade Daniel de Matos, foi secretário de Estado da Saúde e esteve com António Arnaut no momento fundacional do Serviço Nacional de Saúde. «Coimbra atraiu ainda, naquelas décadas, médicos de enorme prestígio para o desenvolvimento da Medicina em Coimbra: Bártolo Valle Pereira e Carlos Tenreiro, vindos do Porto, Manuel Jesus Antunes, de Moçambique, Freitas Ribeiro, de Lisboa, e Gabriel Tamagnini e Torrado da Silva, de Lousanne», recorda José Martins Nunes.
Nas décadas de 40 a 80, de ilustres mestres universitários a médicos que tinham aprofundado formação no estrangeiro, Coimbra acolheu alguns dos maiores nomes da Medicina
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Serviço Nacional de Saúde a maior conquista de Abril Com a implementação da democracia em Portugal, em 25 de Abril de 1974, surgiram as condições políticas e sociais para a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) em 1979, que é considerado a maior conquista proporcionado pela revolução dos cravos. Foi António Arnaut, nascido em Penela, advogado, licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, deputado à Assembleia Constituinte (1975-1976) e ministro do II Governo Constitucional, com a pasta dos Assuntos Sociais, quem lançou o SNS, com a assinatura do despacho publicado em Diário da República, a 29 de julho de 1978. Mais conhecido como o “Despacho Arnaut”, este constituiu uma verdadeira antecipação do Serviço Nacional de Saúde, na medida em que abriu o acesso a Serviços Médico-Sociais a todos os cidadãos, independentemente da sua capacidade contributiva, garantindo, pela primeira vez, a universalidade, generalidade e gratuitidade dos cuidados de saúde, bem como a comparticipação de medicamentos.
António Arnaut, “pai” do SNS
Graças a esta figura maior, determinada e comprometida com fortes princípios éticos e de justiça, foi publicada, em Diário da República, a 15 de setembro, a lei n.º 56/79, que criou o Serviço Nacional de
Agostinho Almeida Santos pioneiro da PMA «É uma menina e pesa três quilos, a criança que ontem de manhã nasceu nos Hospitais da Universidade de Coimbra e é o primeiro bebé português concebido pelo método de implantação, nas trompas, de óvulos e espermatozoides (GIFT)», noticiava o Diário de Coimbra de 25 de Junho de 1988. «A felicidade dos pais é a minha», declarava o então responsável pela aplicação do método no país, Agosto Almeida Santos. O médico obstetra e professor catedrático da Faculdade de Medicina tinha criado em 1985, em Coimbra, o programa de Procriação Medicamente Assistida (PMA). Ajudou a nascer cerca de 17 mil crianças no seio de casais com problemas de fertilidade. Docente das disciplinas de Obstetrícia, Ética, Deontologia
Almeida Santos tratou a infertilidade
Saúde, concretizando o direito à protecção da saúde, a prestação de cuidados globais de saúde e o acesso a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social. A coadjuvá-lo Arnaut teve outro nome incontornável da Saúde em Coimbra, Mário Mendes (falecido em 1997), médico, professor catedrático de Ginecologia e Obstetrícia, que foi director da Maternidade Daniel de Matos, e era seu secretário de Estado da Saúde do II Governo Constitucional. Foi também graças a Mário Mendes que se fez o despacho que, com o acordo de António Arnaut, desencadeou a construção dos actuais Hospitais da Universidade, «cujo processo estava encalhado nas habituais teias burocráticas do Ministério». O “pai do SNS” era também poeta e escritor e foi até ao fim grande defensor deste que é o melhor poema que alguma vez escreveu, como o próprio dizia. Faleceu no dia 21 de Maio de 2018 no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
e Direitos Médicos, Almeida Santos foi, entre 2005 e 2007, presidente do Conselho de Administração dos HUC, cargo do qual pediu a exoneração por não aceitar a transformação do hospital numa entidade pública empresarial. Acreditava na força e no potencial da Universidade, das empresas e das unidades de saúde da região e defendida uma estratégia que levasse a cidade a adquirir o estatuto de “Coimbra Capital da Saúde”. Agostinho Almeida Santos faleceu em Julho de 2018, aos 77 anos. O serviço de Reprodução Humana do CHUC manteve sempre elevada diferenciação nos tratamentos a casais inférteis e, já sob a liderança da sua filha, Teresa Almeida Santos, viu criado em 2014 o primeiro Centro de Oncofertilidade do país, alargando à população nacional uma resposta que já vinha a prestar desde 2008 com o objectivo de preservar e restaurar a função reprodutiva em pacientes com diagnóstico de cancro.
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UM “HOSPITAL - CIDADE”I COM TODAS AS VALÊNCIASI E ÁREAS PIONEIRASI Edifício foi transformado em sanatório por Bissaya Barreto e, no início da década de 70, em Hospital Geral também por sua influência
O complexo da Quinta dos Vales (Covões) inicia funcionamento como Hospital Geral em 1973 e atrai médicos de diversas especialidades. A Neurocirurgia, a Cardiologia e a Otorrinolaringologia foram algumas das suas áreas de ponta
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alar da história do Hospital Geral (Covões) é falar de uma das mais importantes personalidades de Coimbra nos últimos 90 anos, se não a mais importante, que é Bissaya Barreto. A história do que veio a ser um segundo hospital central na cidade remonta à primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando a Colónia Portuguesa do Brasil adquiriu um extenso terreno na freguesia de S. Martinho do Bispo, a Quinta dos Vales, para ali construir uma casa que acolhesse e educasse os órfãos de portugueses sacrificados na guerra.As dificuldades financeiras impediram, no entanto, que a obra fosse concluída. A tuberculose era nessa altura o principal problema de saúde pública em Portugal e o influente professor catedrático de Cirurgia, preocupado com os doentes vítimas da doença, viu naquela estrutura, rodeada de espaços verdes e ar puro, o espaço ideal para instalar um sanatório mas-
culino, à semelhança do que já faria em Celas, onde adaptou e ampliou um antigo asilo do Convento de Celas para acolher mulheres e crianças pobres (o Hospital Sanatório Feminino de Celas foi inaugurado em Julho de 1932 e é o mais antigo sanatório de Coimbra). As negociações foram encetadas por Bissaya Barreto em 1928 mas só em Fevereiro de 1931 a Colónia Portuguesa do Brasil declara a oferta da Quinta dos Vales ao Estado Português para ali instalar o Hospital Sanatório da Colónia Portuguesa no Brasil, oficialmente inaugurado em 6 de Julho de 1935. Com capacidade para 350 camas acolheu durante anos doentes de todo o país, oferecendo tratamento gratuito aos mais carenciados. Com os progressos no tratamento da tuberculose, o sanatório deixa de fazer sentido e ganha força a ideia de ali criar um hospital geral para a cidade. Desde a década de 50, e sobretudo depois
das demolições para a construção da Cidade Universitária, os Hospitais da Universidade debatiam-se com problemas de falta de espaço e de condições no velho Colégio de S. Jerónimo e em mais edifícios ocupados na Alta. Abraçando a causa da cidade e da região, o Diário de Coimbra lançou em 1957 a campanha “Coimbra precisa de ter um Hospital-Faculdade. Coimbra precisa de ter um Hospital – Cidade”, que contou ao longo desse ano e do seguinte com contributos e sugestões de diversas personalidades. Num texto assinado no Diário de Coimbra, em 21 de Setembro de 1958, Bissaya Barreto concordava com obras e investimentos nos antigos Hospitais da Universidade, «a bem dos doentes, no sentido de um maior rendimento e no propósito de se criarem melhores condições de trabalho», mas não se depois se pretendesse «arrasar todo o hospital», e alertava inclusive para os ele-
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vados custos da demolição. O médico e filantropo defendeu sempre um «Hospital-Cidade, para a medicina clínica», em contraponto com o «Hospital Escolar, Universitário, para a medicina científica e de investigação». Com Bissaya Barreto, que tinha um grande peso político, a liderar as negociações, conseguiu-se criar o Hospital Geral da Colónia Portuguesa do Brasil. Na edição de 17 de Junho de 1970, o nosso jornal congratula-se com a aprovação do decreto lei que transforma o Hospital Sanatório em Hospital Geral, destinado a apoiar os Hospitais da Universidade na assistência aos doentes da região de Coimbra. «Não podemos dizer que se chegou ao final desta persistente campanha, em que se empenhou o Prof Bissaya Barreto, e que teve no Diário de Coimbra o eco mais elevado (…), perante o protelamento de uma solução que toda a cidade desejava», mas abriram-se «portas à solução do problema hospitalar» da cidade, escrevia o jornal. O Hospital Geral, conhecido pela população como Hospital dos Covões, iniciou funcionamento como tal a 27 de Abril de 1973, quando era já parte integrante do
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e regras explicadas no “Guia do Doente” distribuído a todos os que o visitavam.
Neurocirurgia e Cardiologia são especialidades de ponta
Enfermaria do tempo do antigo sanatório
Centro Hospitalar de Coimbra, criado dois anos antes, englobando ainda o Hospital Pediátrico que estava a ser construído no antigo Sanatório de Celas (inaugurado em 1977), a Obra deAssistência Materno Infantil (Maternidade) Bissaya Barreto, o Centro de Neurocirurgia existente no Hospital Sobral Cid e o Hospital da Gala. Um complexo hospitalar ao serviço do doentes, ricos e pobres, era o que se pretendia no moderno hospital, com todas as valências
Décio de Sousa, médico anestesiologista – que, enquanto estudante da Universidade de Coimbra foi um dos actores da crise académica de 1969 –, chegou ao Hospital dos Covões em 1977. Foi interno de Neves da Costa e recorda «um grande hospital central, com todas as valências, que tinha na Neurocirurgia e na Cardiologia duas especialidades de ponta» e que avançava com entusiasmo em inúmeras áreas clínicas, dando resposta a uma população alargada da região. O Centro de Neurocirurgia havia sido fundado ainda na década de 60 por Fernando Amaral Gomes e na Cardiologia Ubach Ferrão, com Armando Gonsalves, «cria a primeira Unidade de Cuidados Intensivos Coronários de Coimbra e foi também o primeiro serviço a implantar pacemakers». Em 1979, dois anos antes da criação do INEM, o Serviço de Cardiologia equipa a primeira ambulância medicalizada, iniciando um novo sistema de auxílio aos doentes
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coronários, deslocando médico e enfermeiro ao domicílio dos doentes com suspeita de síndrome coronário agudo e iniciando, no próprio local e durante o trajecto para o hospital, suporte básico e avançado de vida. O Diário de Coimbra noticia na sua edição de dia 13 de Janeiro desse ano esta experiência inovadora que apenas duraria um ano, por falta de recursos humanos, mas que manteve no hospital um canal de atendimento directo a doentes com o diagnóstico de doença coronária aguda. Já sob a direcção de Leitão Marques, a Cardiologia dos Covões ganha um importante impulso na diferenciação técnica, tornando-se referência nacional na área da cardiologia de intervenção. Décio de Sousa, que depois seria presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Coimbra (1997 a 2003), recorda a capacidade instalada ao nível de bloco operatório; os grandes desenvolvimentos na área da Ortopedia, com Pacheco Mendes, e na Pneumologia com Abreu Barreto, que lançou as broncoscopias e o estudo da hemodinâmica respiratória, entusiasmando internos como Fernando Barata e Rui Pato; o primeiro laboratório de estudos de Patologias do Sono lançado no país, com José Moutinho dos Santos; o elevado número de operações realizadas pela Urologia. E muitas outras áreas tornavam o Hospital dos Covões uma referência. «O grande sonho de Bissaya Barreto era ter um hospital para servir a população, um hospital da cidade, existindo em paralelo um hospital da Universidade, para estudar», recorda Décio de Sousa, considerando que o CHC e os Covões em particular serviam esse desígnio.
Implantes cocleares pioneiros no país Foi na Otorrinolaringologia (ORL) do Centro Hospitalar de Coimbra, instalada nos Covões, que se realizou, em 1985, o
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primeiro implante coclear. Manuel Filipe Rodrigues, director de serviço, e Fernando Rodrigues iniciaram e desenvolveram um programa de implantação coclear nacional com resultados ao nível do que melhor se conhecia a nível internacional e que, até hoje, permitiu que centenas de surdos profundos pudessem ouvir. Em 4 de Julho de 1992, o Diário de Coimbra revelava em primeira página que o serviço de Otorrinolaringologia do CHC tinha efectuado, pela primeira vez em Portugal, um implante coclear numa criança que sofria de surdez total congénita, abrindo caminho à reabilitação auditiva e da fala de crianças com surdez total ou profunda. O trabalho desenvolvido permitiu a uma vasta equipa multidisciplinar obter uma experiência de grande importância nesta área e é já em Agosto de 2017, no contexto de Centro Hospitalar e Universitário, que se comemora a realização do milésimo implante coclear, que o nosso jornal também noticia.
Três hospitais a crescer
Unidade de Hemodinâmica do serviço de Cardiologia
«Todos, Maternidade Bissaya Barreto, Hospital Pediátrico e Hospital Geral (Covões) precisavam de crescer», recorda Décio de Sousa do tempo em que foi presidente do Conselho de Administração. As instalações eram, na altura, um dos grandes desafios, com cada direcção a reclamar mais urgência na resolução dos seus problemas. A maternidade, admitiu, foi onde se fez menos, mas houve melhoramentos nos Covões, nomeadamente ao nível do bloco operatório e dos cuidados intensivos, e foi criado um plano de emergência para o Hospital Pediátrico, cujas novas instalações não saíam do papel. «Todo o vão de escada do velho hospital estava ocupado. Foi feito um novo bloco operatório, com mais duas salas, foram comprados pavilhões móveis, que
Integrando Hospital Geral, Hospital Pediátrico e Maternidade Bissaya Barreto o Centro Hospitalar de Coimbra passou em 2011 a fazer parte do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
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ologia é uma referência
Implantes cocleares começaram no HG
vieram da Alemanha, onde se instalaram consultas externas e Centro de Desenvolvimento da Criança». Olhando agora em perspectiva, Décio de Sousa sublinha «o lado humano» das equipas profissionais, a preocupação com o doente herdada do fundador do complexo hospitalar, Bissaya Barreto, como marcas distintivas dos três hospitais.
Futuro incerto? Sobre o processo de fusão num único Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e sobre o que agora muitos dizem ser a destruição de um hospital (Covões), o antigo responsável, que não é contra a unificação de serviços, alerta que «acabar
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É ainda incerto o futuro deste pólo do CHUC
com a diferenciação do Hospital Geral é destruir os próprios Hospitais da Universidade e a referência que é ainda Coimbra na saúde». Com a fusão dos hospitais de Coimbra num CHUC, em 2011, o Hospital dos Covões viu sair grande parte das suas especialidades rumo aos Hospitais da Universidade. Nos últimos anos tem sido particularmente contestada a redução do horário de funcionamento da Urgência e, mais recentemente, o anúncio de passagem deste serviço para a Urgência de nível básico. Utentes e profissionais têm-se manifestado nas ruas contra esta decisão e o que dizem ser o «esvaziamento» da unidade hospitalar, temem que mais esta perda leve ao encerra-
mento das respostas de Cardiologia, Pneumologia e Medicina Interna que ali persistem e com grande qualidade, lembram que os HUC são já uma estrutura sobrelotada e de difícil acesso. Enquanto não se avança com a tão necessária obra de uma nova maternidade, ou serviço departamento de saúde materno-infantil como especialistas médicos preferem chamar-lhe, as opiniões dividem-se sobre a sua localização e há quem aponte os Covões como local ideal. Peritos médicos e a administração do CHUC alegam, no entanto, que a segurança da grávida impõe à construção junto de um hospital diferenciado de adultos como os Hospitais da Universidade.
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Maternidade Daniel de Matos foi inicialmente instalada num edifício da Alameda Júlio Henriques e mudou em 1974 para a antiga Clínica de
DUAS MATERNIDADES AINDA HOJE SEM CASA PRÓPRIA Uma foi a primeira maternidade a ser criada no país, em 1911. Outra, delegação do Instituto Maternal, surge na década de 40, pela mão de Bissaya Barreto. Juntas realizam hoje 4.700 partos por ano e continuam à espera de novas instalações
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período da Primeira República, com um esforço de investimento na ciência, na saúde e na educação, teve um impacto positivo na assistência hospitalar em Coimbra, com a cidade a receber a atenção do Governo. Foi aqui criada a primeira maternidade do país. O decreto fundador da Maternidade de Coimbra foi assinado, a 22 de Fevereiro de 1911, pelo ministro do Interior do Governo provisório da República, António José de Almeida, ele próprio médico e outrora aluno de Daniel de Matos,
A evolução da assistência teve enorme impacto na diminuição da mortalidade materno-infantil, com as duas maternidades de Coimbra a acolher os casos mais complexos da região
à data regente da cadeira de Obstetrícia e Moléstias de Puérperas e Recém-Nascidos da Faculdade de Medicina, e cujo nome veio a ser atribuído à clínica e futura maternidade, em 1917. Nesta altura a mortalidade das mães e dos recém-nascidos era muito elevada, a grande maioria dos partos acontecia em casa e eram raros os que tinham apoio médico ou de parteiras com real formação. Prestar assistência clínica às grávidas e bebés, praticar medicina preventiva, fornecer algum apoio social (lactário) e, ao mesmo
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ca de Santa Teresa, na Rua Miguel Torga
tempo, formar médicos e outros profissionais de saúde eram os propósitos explanados no decreto fundador da maternidade. Os partos – que até aí se realizavam numa enfermaria dos HUC e no Hospício dos Abandonados que funcionava na Rua Olímpio Nicolau Fernandes (onde está hoje a Escola Jaime Cortesão) – passaram a realizar-se no edifício que é hoje a sede da Administração Regional de Saúde do Centro, junto ao Jardim Botânico. Aí nasceram muitos bebés, garantindo-se a convivência dos serviços clínicos com o ensino. Em meados da década de 50, o professor Ibérico Nogueira assumiu o ensino e a direcção do serviço de Ginecologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra e o professor Albertino de Barros o ensino e a direcção do serviço de Obstetrícia (Maternidade Dr. Daniel de Matos), que transportou a estrutura organizativa da maternidade para um modelo de trabalho em equipa e cuja acção fica ainda marcada pela reactivação dos cursos de parteiras e pela ex-
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pansão do quadro de internos e especialistas. Até à década de 50, a maternidade assistia sobretudo a população mais desvalida – quem tinha mais posses tinha os filhos em casa -, mas o progresso técnico e científico (métodos de diagnóstico e de anestesia), bem como a evolução da sociedade, levaram as mães a preferir ter os bebés nas maternidades, onde a segurança era maior. A ecografia, nos anos 70, e os cuidados intensivos neo-natais na década de 90 foram marcos significativos. José Barros, actual director do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), repara que, apesar desta ter sido a primeira maternidade a ser criada no país ainda antes da Alfredo da Costa (em Lisboa) e da Júlio Diniz (no Porto) –, nunca teve direito a instalações construídas de raiz. Se o primeiro edifício, na alameda do Jardim Botânico, foi adaptação de um imóvel da Diocese de Coimbra, o segundo, e ainda actual, foi igualmente fruto de reaproveitamento. Em 28 de Outubro de 1974, como noticiava o nosso jornal, os serviços de maternidade passavam a funcionar na antiga Clínica de Santa Teresa, que havia sido adquirida pela Universidade a privados. À época o número de partos era bastante elevado – chegavam a fazer-se entre 4.000 e 4.500 por ano – e impunham-se melhores condições. No início da década de 80 eram já raros os partos que aconteciam em casa. Obras de requalificação nesses anos obrigaram inclusive a uma mudança temporária para Celas. Em 1987, a Maternidade Daniel de Matos cresceu em área, dentro das limitações de espaço existentes, e foi dotada de um novo bloco de partos. A taxa de mortalidade peri-natal em Portugal na década de 80 era ainda 23,8 por mil, a neo-natal de 15,4 e a mortalidade materna de 19 por 100 mil (dados Pordata). Outro passo muito importante na redução da mortalidade materna e infantil foi, já em 1990, a criação da Comissão Nacional de Saúde Materno-Infantil, com normas de vigilância do parto, orientações e rede de referenciação de grávidas, envolvendo cuidados de saúde primários, hospitais e maternidades de referência. Foi também criado nesta década o serviço de Neonatologia com Cuidados Intensivos Neo-natais. Além dos avanços com o diagnóstico, primeiro, e depois o rastreio pré-natal, «foi também uma actuação de Obstetrícia e Neonatologia
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de braço dado que fez com que a taxa de mortalidade infantil (peri-natal e neo-natal) esteja hoje entre os dois e três por mil», lembra José Barros.
O pendor social no apoio às crianças A criança foi alvo da maior atenção na obra social de Bissaya Barreto. O médico e professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra ocupou diversos cargos políticos de responsabilidade na cidade e na região e conseguiu, através de diversas instituições criadas, dar corpo a um inovador conceito de Medicina Social. Em 1930, Bissaya Barreto lamentava a elevada mortalidade infantil ao afirmar que «morrem em Portugal em cada ano 30 mil crianças com idade até um ano». Para dar resposta às carências identificadas também em Coimbra, o médico e filantropo criou o Centro de Protecção e Defesa da Criança, na Praça da República (local do actual edifício da Associação Académica e do Teatro Gil Vicente), destinado particularmente a apoiar crianças doentes, desvalidas e abandonadas.Ali estava integrado o Ninho dos Pequenitos, o Dispensário Materno-Infantil, um parque a que foi dado o nome de Parque Infantil Dr. Oliveira Salazar, inaugurado em 1936, e já uma “maternidade”. No âmbito da criação do Instituto Maternal em Portugal, e na qualidade de director da delegação de Coimbra, Bissaya Barreto teve a oportunidade de expandir a assistência materno-infantil em Coimbra, criando a respectiva delegação, primeiro a funcionar num edifício junto à Sé Velha (1946 a 1964) e depois no complexo materno-infantil da Quinta da Rainha (onde hoje está instalada a Maternidade Bissaya Barreto), inaugurado em 1963. Ali passaram a ficar instalados maternidade, consultas externas de Obstetrícia e Pediatria, parque infantil e Ninho dos Pequenitos, entretanto retirados da Praça da República. Ainauguração do novo Instituto Maternal, no dia 28 de Abril de 1963, teve honras de Chefe de Estado e ainda de três ministros. A cerimónia ficaria marcada pela entrega da Grã Cruz da Ordem de Cristo pelo Almirante Américo Tomás a Bissaya Barreto e pela inauguração de um monumento a Oliveira Salazar, que ainda no dia anterior, a título «particular e afectivo» visitara as «soberbas instalações». O acontecimento é notícia de primeira página no próprio dia
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Actuais instalações da Maternidade Bissaya Barreto foram inauguradas no dia 28 de Abril de 1963
e assunto nos dias que se seguem. Sempre com planos mais ambiciosos, na cerimónia, Bissaya Barreto dirige-se ao Presidente da República dizendo que Coimbra precisa de um Hospital de Crianças, «uma justa e merecida aspiração» da cidade e da região das Beiras. José Barros, actual director do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do CHUC, que hoje engloba as maternidades Daniel de Matos e Bissaya Barreto, considera que as duas evoluíram paralelamente ao longo dos anos. Ainda que esta última reflectisse sempre mais as preocupações sociais que o seu fundador tinha, designadamente com o apoio às mães e ao desenvolvimento das crianças mais carenciadas, dada a proximidade com outras
respostas sociais como a que ainda é hoje dada pelo Ninho dos Pequenitos.
À espera de uma nova casa Nos últimos anos, são a falta de espaço e as fracas instalações de uma e de outra maternidade que mais motivam notícias no Diário de Coimbra, assim como as sucessivas promessas de um novo edifício, construído de raiz para albergar todos os serviços de Ginecologia/Obstetrícia e de Neonatologia do agora CHUC. Há desde logo falta de consenso sobre a escolha do local – junto ao Pólo dos HUC ou junto ao Pólo dos Covões –, os montantes estimados para a construção ultrapassam os 50 milhões de euros e a esperança de ver concretizado
o projecto num futuro próximo é, para profissionais e utentes, cada vez menor. «Quer a Maternidade Bissaya Barreto quer a Maternidade Daniel de Matos sempre ambicionaram prestar os melhores cuidados materno-fetal e oferecer a melhor segurança a grávidas e recém-nascidos. E para melhorar essa segurança, e dar passos importantes na qualidade assistencial e de formação, os serviços de Obstetrícia e Neonatologia devem estar em contiguidade física com um hospital geral polivalente de adultos, independentemente do sítio onde ele esteja. É essa junção que faz do CHUC um hospital de apoio peri-natal diferenciado», resume o director do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia, José Barros.
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O PEDIÁTRICO CRIADO POR BISSAYA E INAUGURADO PELOS “VERMELHOS” O edifício já tinha sido asilo e sanatório, mas a cidade há muito que reclamava um hospital para as crianças e foi uma vitória ter finalmente uma casa. O “velhinho” Hospital Pediátrico funcionou 34 anos em Celas, mas depressa se tornou pequeno para tanta diferenciação
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Hospital Pediátrico de Coimbra foi inaugurado a 1 de Junho de 1977, numa época que Carmona da Mota, seu primeiro director, considera que foi de ouro para a Pediatria nacional. A obra foi sonhada e criada por Bissaya Barreto, coadjuvado pelo pediatra Santos Bessa, mas foi já depois do 25 de Abril que a cidade e a região tiveram, finalmente, a tão necessária unidade hospitalar. Quando o Diário de Coimbra nasceu, a assistência médica às crianças era feita numa enfermaria dos antigos Hospitais da Universidade, no Colégio de S. Jerónimo. Com Bissaya Barreto, ainda em finais da década de 30, nasceram obras de protecção e defesa da criança, e a actividade assistencial era igualmente feita no Instituto Maternal de Coimbra, criado em 1946 e transferido em 1963 para a actual Maternidade Bissaya Barreto. No antigo dormitório do Convento de Celas, que já havia depois sido asilo de cegos e aleijados e a partir de 1932, por sua iniciativa, sanatório feminino e infantil, Bissaya Barreto quis finalmente instalar um hospital para crianças. Com a descoberta da vacina BCG e a consequente diminuição da tuberculose, impunha-se a sua transformação num hospital que pudesse responder às tão grandes necessidades da cidade e da região. A adaptação dos sanatórios foi aprovada em 1971 e fizeram-se as necessárias obras, sob a égide de Bissaya Barreto e Santos Bessa, cujo busto se encontra à entrada do auditório do actual Hospital Pediátrico. Num editorial publicado na edição de Setembro de 2007 da Revista Saúde Infantil, Henrique Carmona da Mota resume assim a história do edifício: «mandado construir pelo Clero, profanado pelos liberais, recuperado para sanatório pela Junta Distrital de Coimbra, presidida por Bissaya Barreto, maçon, republicano e íntimo de Salazar, e adaptado a Hospital Pediátrico por ele e
No antigo edifício todos os espaços foram ocupados e construíram-se ainda anexos
por Santos Bessa, chefe da União Nacional, viria a ser inaugurado pelos “vermelhos” depois da revolução de 74». A Pediatria dos Hospitais da Universidade já tinha saído da Alta e funcionava, desde 1975, na Clínica de Santa Teresa (actual Maternidade Daniel de Matos), para onde haviam sido transferidos além do serviço de Obstetrícia o de Pediatria. Era melhor, porque ganhava-se espaço, mas nada comparado como ter um hospital inteiro à disposição. Em 1977, «deixámos de ser o serviço de Pediatria mais mal instalado para ser o mais bem instalado», refere, no mesmo artigo, aquele que foi o primeiro director do Hospital Pediátrico de Coimbra. Carmona da Mota recorda a vinda de Torrado da Silva e de Luís Lemos, da Suíça, que reforçaram o grupo inicial, com Lopes da Cunha, Jorge Biscaia, Rocha Lima e Nicolau da Fonseca, num serviço que florescia e atraía excelentes internos, num
país que renascia, numa época em que «tudo era possível e tudo foi possível». Assegurar todos os cuidados médicos hospitalares às crianças, a especialização sem fragmentação de cuidados, reduzir ao mínimo o internamento e permitir a companhia das mães, assegurar cuidados integrais de qualidade, incluindo escola e apoio social, fazer ensino pré e pós-graduado e cooperar com centros de saúde e outros hospitais foram objectivos traçados para o Hospital Pediátrico, que rapidamente se desenvolveu e veio a tornar referência nacional. Logo em 1980 é criado por Luís Borges o Centro de Desenvolvimento da Criança, e a Unidade de Cuidados Intensivos polivalentes para crianças e recém-nascidos, com Torrado da Silva, que em 1984 cria a Associação de Saúde Infantil de Coimbra (ASIC). Dois anos depois inicia-se a Cirurgia de Ambulatório, em 1988 a diálise peritoneal domiciliária, em 1991 o estudo po-
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ligráfico do sono e em 1993 a ventilação não invasiva. O início da transplantação hepática pediátrica, em 1994, que faz do hospital centro de referência nacional; a criação do serviço de Ortopedia Pediátrica e o início da telemedicina, com Eduardo Castela (em 1998), a primeira cirurgia de epilepsia pediátrica (1998), do serviço de Genética Médica (1999), do serviço de Cardiologia Pediátrica (2002) e da Oncologia Pediátrica (2011) são alguns dos marcos históricos do hospital, pioneiro em muitas destas áreas.
Casa nova em 2011: sonho tornado realidade Mais de três décadas de trabalho e de avanços na assistência pediátrica fizeram do velhinho Hospital de Celas – considerado quase um luxo quando foi ocupado, com tanto espaço para serviços e unidades – um espaço exíguo. A degradação de um edifício antigo e sucessivamente readaptado (convento, asilo, sanatório, hospital) começou a ser constrangedora para profissionais de saúde e para os pais das crianças. Ter um novo hospital não foi uma luta fácil para Coimbra. Entre avanços e recuos,
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erros técnicos e polémicas, demissões em bloco de directores de serviço e do director do HP da altura, Luís Januário, manifestações nas ruas de Coimbra a pressionar os governos para a urgência de uma solução, o projecto demorou 15 anos a ser concretizado. A obra daquele que é o primeiro hospital pediátrico construído de raiz em Portugal foi adjudicada por 45 milhões de euros mas custou mais de 100 milhões, financiados através do PIDDAC e do Programa Mais Centro, do QREN. O Diário de Coimbra visitou o novo Hospital Pediátrico poucos dias antes deste entrar em pleno funcionamento, a 31 de Janeiro de 2011. Os profissionais, numa azáfama não escondiam a alegria e o entusiasmo perante salas novas e equipamentos modernos, depois de anos a trabalhar em instalações degradadas.As mães com quem falámos congratulavam-se com a justiça feita a profissionais tão empenhados e, sobretudo, às famílias e crianças da região das Beiras. Já os utentes de palmo e meio, mostravam-se ainda apreensivos com corredores tão largos e despovoados, tantas salas e um edifício gigante quando comparado com o velho hospital. 90 mil metros
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quadrados de área, 100 camas (com capacidade para mais 57), 11 pisos, 200 lugares de estacionamento, 600 profissionais, sete blocos operatórios e 18 elevadores mostravam bem a dimensão do novo hospital. «Um sonho tornado realidade» para toda a região Centro, como nos referia, na visita, Rosa Reis Marques, presidente do Conselho de Administração do ainda Centro Hospitalar de Coimbra, em que Pediátrico estava integrado. «A capacidade acrescida de meios técnicos vai permitir novas respostas e ganhos em qualidade, porque os meios humanos já são os melhores», frisava. Com atendimento alargado a crianças e adolescentes, dos 0 até aos 18 anos, o novo edifício introduzia grandes ganhos na Medicina Física e de Reabilitação – com ginásio, tanque de marcha e piscina – na Oncologia, com enfermaria própria, nos Cuidados Intensivos, com capacidade para 20 camas, na Urgência, com salas de espera espaçosas, e na Pedopsiquiatria, que até ali funcionou na Rua Alexandre Herculano. A inauguração, a 6 de Fevereiro de 2011, contou com a presença do primeiro-ministro José Sócrates e da ministra da Saúde, Ana Jorge, que aceitou baptizar o novo equipa-
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mento de Hospital Pediátrico Professor Carmona da Mota, homenageando «o professor e todos os profissionais que fazem esta casa».
Centros de referência O Hospital Pediátrico foi pouco tempo depois integrado no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), uma estrutura que funde todos os hospitais e maternidades de Coimbra. Em 2017, ano da comemoração dos seus 40 anos de vida, realizava 122 mil consultas médicas por ano, 65 mil atendimentos urgentes e mais de quatro mil cirurgia programadas, registando 3.900 internamentos anuais, com demora média de seis dias, indicava Jorge Saraiva, à data director do Departamento Pediátrico. O Hospital Pediátrico do CHUC presta cuidados hospitalares de proximidade a uma população de 80 mil crianças e cuidados diferenciados a uma população de 300 mil. No novo edifício deu-se continuidade à transplantação renal pediátrica, reiniciou-se a transplantação hepática pediátrica e com dador vivo, iniciou-se a hemo-
O novo Pediátrico foi construído de raiz. A obra foi adjudicada por 45 milhões de euros, mas acabou por custar mais de 100 milhões, contando com investimento europeu A unidade responde a toda a região Centro e é referência nacional em várias áreas como a transplantação hepática pediátrica, doenças oncológicas ou doenças genéticas raras
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diálise pediátrica e o internamento e urgência permanente de Pedopsiquiatria. O HPC coordena desde o final de 2016 seis centros europeus de referência , cujas candidaturas foram aprovadas pela Comissão Europeia com base nos serviços e estruturas já existentes. Em duas áreas, é mesmo o único centro ibérico: no caso das doenças genéticas ósseas raras e das síndromes dismórficas com atraso intelectual grave. No caso das doenças hepáticas com doença rara, o Hospital Pediátrico de Coimbra é o único centro português de referência e um de dois centros ibéricos. O HPC coordena ainda as redes europeias de referência em transplante de órgãos em crianças, doenças oncológicas pediatras e doenças metabólicas. Participa também no centro de tratamento das doenças epiléticas raras, onde há uma vertente pediátrica, e no das doenças oftalmológicas raras, ambos coordenados pelo pólo Hospital Universitário/ CHUC. Os cuidados integrados e paliativos pediátricos, incluindo internamento e apoio domiciliário, são um dos desafios que o Hospital Pediátrico ainda tem pela frente.
O novo Hospital Pediátrico de Coimbra foi inaugurado a 6 de Fevereiro de 2011, concretizando um sonho da cidade e da região
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FUSÃO DE “OITO EM UM”:I O DESAFIO DO CHUCI Os Hospitais da Universidade acolhem o pólo central e a administração do agora Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Nenhuma outra cidade conheceu uma fusão hospitalar como a que aconteceu em Coimbra. Em Março de 2011 era constituído o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). Oito instituições hospitalares foram colocadas sob uma só administração, partilhando meios técnicos, instalações e recursos humanos. A reorganização dos serviços está praticamente concluída, mas estamos ainda longe de uma cultura comum
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Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra junta Hospitais da Universidade, Hospital Geral (Covões), Maternidade Daniel de Matos, Maternidade Bissaya Barreto, Hospital Pediátrico, Hospital Sobral Cid, Hospital do Lorvão, Colónia Agrícola e Psiquiátrica de Arnes (estes dois entretanto extintos); o maior centro hospitalar do país, em número de camas e actividade assistencial, com mais de sete mil funcionários, a segunda maior empresa da região Centro. Quase uma década passada, persistem culturas profissionais distintas nos diferentes
hospitais e as mudanças anunciadas para o pólo Hospital Geral têm merecido críticas dos profissionais e até contestação pública. A criação do CHUC, com o Decreto-lei n.º 30/2011, de 2 de Março, assinado pelo Governo de José Sócrates, visava, entre outras coisas, reduzir a estrutura orgânica, administrativa e funcional das unidades de saúde envolvidas e introduzir mecanismos de gestão integrada e mais eficiente. O mesmo processo de fusão foi feito com outros hospitais do país, como o Centro Hospitalar e Universitário do Porto, o Centro Hospitalar do Baixo Vouga ou o Centro Hospitalar Tondela-Viseu. Pouco mais de um mês depois, Portugal vê-se obrigado a pedir ajuda financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. As imposições da “troika” tornaram o processo ainda mais difícil. «A ideia de criar grandes centros hospitalares, que pudessem ser competitivos, aliando a prestação de serviços à investigação, produção de conhecimentos e de produtos vem no seguimento de políticas que já haviam sido adoptadas em países como a Alemanha, Suécia ou Bélgica», diz José Martins Nunes, que presidiu ao primeiro Conselho de Administração do CHUC [to-
mou posse em Dezembro de 2011] e se manteve na sua liderança até Maio de 2017. A “troika” já incluía o modelo de fusões dos centros hospitalares e exigia rigor económico com base nas economias previsíveis da sua constituição, acrescenta. «Em Coimbra, conseguimos fazê-lo sem despedimentos. Não fomos até à fusão total, porque entendemos que o Hospital Geral (Covões) era um grande hospital, com tradição e grandes profissionais. Acrescentámos áreas de referência, mantendo serviços independentes. A cirurgia de ambulatório, a ORL especializada, a Cardiologia de Intervenção, as sub-especialidades de Ortopedia, tudo era feito nos Covões e mantivemos uma Urgência polivalente. Nunca quisemos deixar cair o hospital numa situação de menoridade [relativamente aos HUC]», resume. Martins Nunes afirma que «criar consensos» foi a grande preocupação do seu Conselho de Administração, num plano que visava «ganhar escala e melhorar os processos, garantindo a sustentabilidade financeira». O antigo responsável recorda como, no tempo da sua liderança, se criou o Centro de Trauma Nível 1, com todas as valências clínicas e único no país, se reorganizou a transplantação hepática de adulto
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e da criança – esta última chegou a estar parada, obrigando à transferência das crianças portuguesas para Madrid -, e se incrementou a actividade de transplantação de rim, coração, fígado e córnea. No que se refere à internacionalização, Martins Nunes destaca a admissão de Portugal como membro efectivo na M8Alliance, o G8 da Saúde, representado precisamente pelo consórcio criado entre o CHUC e a Universidade de Coimbra, em 2015. E, já antes, emAbril de 2014, a importante reunião científica internacional no CHUC, que permitiu juntar na cidade quatro laureados Nobel de ciências da saúde.
18 centros de referência nacional O laboratório de Neurossonologia do CHUC, que funciona em estreita ligação com a Unidade de AVC, foi já este mês reconhecido como Centro de Referência Europeu, integrando um leque de apenas 20 centros desta área. O CHUC é o centro hospitalar português que possui maior número de centros integrados em redes europeias de referenciação (10 no total) e o que tem mais centros de referência nacional (18): Cardiologia de Intervenção Estrutural, Cardiopatias Congénitas, Coagulopatias Congénitas, Doenças Hereditárias do Metabolismo, Epilepsia Refractária, Fibrose Quística, Implantes Cocleares, Neurorradiologia de Intervenção na Doença Cerebrovascular, Cancro do Esófago, Cancro do Reto, Cancro do Testículo, Cancro Hepatobilio-pancreático, Sarcomas das Partes Moles e Ósseos, na área da Oncologia de adultos, Oncologia Pediátrica, Onco-Oftalmologia (Retinoblastoma e Melanoma Ocular), Transplante de Coração, Transplante Hepático e Transplante de Rim em adultos. Isso mesmo diz Fernando Regateiro, que sucedeu a Martins Nunes
e foi agora substituído por Carlos Santos na liderança do Conselho de Administração. O professor da Faculdade de Medicina lembra que foi a fusão de Hospitais da Universidade (HUC e Maternidade Daniel de Matos), Centro Hospitalar de Coimbra (Hospital Geral, Pediátrico e Maternidade Bissaya Barreto) e Centro Hospitalar e Psiquiátrico de Coimbra (Lorvão, Arnes e Sobral Cid) que deu dimensão e relevo acrescido à saúde na cidade. «Tal como aconteceu no tempo de D. Manuel I, com a junção de vários pequenos hospitais, e depois com o Marquês de Pombal, com a entrega da sua gestão à Universidade, esta é mais uma grande reforma que pretendeu dar escala e projecção à assistência hospitalar em Coimbra», declara. O «grande potencial de recursos humanos, técnicos, conhecimento e experiência dos três centros hospitalares» tinha, a seu ver, de ser reunido para consolidar e ganhar ainda mais «projecção regional e nacional». «Manter a fragmentação em tempos que foram e continuam a ser de “vacas magras” era o contrário disso», considera.
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Fernando Regateiro recorda as cerca de 1.700 camas de doentes agudos, os 50 serviços clínicos, o orçamento superior a 500 milhões de euros e a actividade assistencial que fazem do CHUC o maior centro hospitalar do país: com 56 mil doentes saídos de internamento, 892 mil consultas, 300 mil urgências e 4.700 partos realizados no ano passado. O médico, que foi presidente dos HUC e mais tarde do CHUC – num total de oito anos de liderança -, defende que a cidade e a região devem ter uma visão macro da assistência hospitalar que o CHUC presta: «Não é a redundância dos serviços em proximidade e sim a diferenciação de estruturas para um patamar de afirmação nacional, e até de nível europeu, que traz a Coimbra mais doentes e prestígio, que fomenta a economia e atrai riqueza».
Hospital Geral com “nova missão” «Nós tínhamos bons patamares nos HUC, no CHC e no CHPC mas não os conseguiríamos manter sem uma realidade que os unisse todos.Agora, no CHUC, o importante
Transplantação renal, hepática, de córnea e coração fazem do CHUC uma referência
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é ter cada função hospitalar no espaço físico onde ela pode ser melhor desempenhada, sob o ponto de vista técnico, da segurança e da qualidade», explica Fernando Regateiro, entrando nas polémicas dos Covões e da nova maternidade. A administração que liderou nos últimos anos desenhou uma nova missão para o Hospital Geral (Covões), que passa pela criação de uma resposta multidisciplinar especializada à população geriátrica, por uma aposta na reabilitação, na cirurgia de ambulatório, na diálise e no internamento de doentes com agudização de patologias crónicas, com especialidades como Medicina
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Interna, Ortopedia, Cirurgia, Pneumologia, Cardiologia e Medicina Intensiva. «Não faz sentido investir em respostas redundantes mas sim criar respostas para necessidades essenciais. É a oportunidade de valorizar em definitivo e para o futuro o pólo do Hospital Geral, de lhe dar um valor indispensável», esclarece. No que toca à nova maternidade, Fernando Regateiro diz que deixa projecto, caderno de encargos e peças concursais entregues à ministra da Saúde, defendendo uma localização junto ao pólo central do CHUC, «onde pode ser prestado o apoio peri-natal diferenciado que se exige a um hospital
Saúde mental: ontem e hoje a lutar contra o estigma O Hospital Sobral Cid (1946), o Hospital do Lorvão (1960) e a Colónia Agrícola e Psiquiátrica de Arnes (1964) são obras promovidas por Bissaya Barreto e correspondem ao seu ideal de assistência na saúde mental e psiquiátrica, que passava pelo acolhimento dos doentes em unidades afastadas do centro urbano mas com bons acessos a estes, onde não estivessem presos e pudessem usufruir de um plano estratégico de reabilitação assente na vertente médica, mas também social e até económica, já que a autonomia e as capacidades para o trabalho eram estimuladas. Com sebes em vez de muros ou grades, rodeado de jardins e campos de cultura, o Hospital Sobral Cid, assim baptizado em homenagem ao professor da Faculdade de Medicina de Coimbra, abriu com 15 pavilhões e com ele Sobral Cid quis marcar uma clara diferença de abordagem relativamente à do Manicómio de Sena, nos Hospitais da Universidade. No Lorvão, porque outrora mosteiro, Bissaya Barreto não conseguiu que fossem retiradas as grades do edifício, mas também apostou nas oficinas ocupacionais e actividades no campo. Arnes foi mais uma das valências incentivadas pelo médico e filantropo no âmbito da resposta regional às doenças mentais, destinandose a doentes com doença mental de evolução prolongada. Os três hospitais foram evoluindo nos
Hospital Sobral Cid mantém-se
seus modelos terapêuticos e assistenciais, cada vez mais virados para a resinserção social e para o tratamento dos doentes na própria comunidade.As respostas até então prestadas pelas três unidades foram concentradas em 2007 no Centro Hospitalar e Psiquiátrico de Coimbra, criado no âmbito da reestruturação do modelo de organização dos serviços de psiquiatria e saúde mental em Portugal. Os serviços foram progressivamente perdendo camas de internamento em detrimento de uma aposta estratégica na recuperação do doente no seu ambiente familiar e social, com uma retaguarda médica de proximidade e um acompanhamento que visa a maior integração
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central de referência». O investimento previsto para o novo edifício era de 30 milhões de euros, sendo que iria alojar as especialidades de Ginecologia e Obstetrícia, Neonatologia e Reprodução Humana, recorda. A fusão do CHUC, garante, «nunca foi feita contra ninguém», mas tentando «encontrar pontos de convergência», num «trajecto persistente e continuado de organização e demonstração da boa vontade desta ideia». Fernando Regateiro deixa «praticamente todas as estruturas fundidas», faltando «desenvolver e consolidar uma cultura comum a todo o centro hospitalar, que, naturalmente, respeita as pré-existentes».
possível na comunidade. Longe dos tempos dos velhos hospícios com doentes crónicos internados toda uma vida, as camas dos hospitais passaram a estar reservadas para situações específicas, complexas ou de agudização da doença. E tudo isto mereceria uma aposta ainda mais concertada quando o Centro Hospitalar e Psiquiátrico de Coimbra foi integrado no CHUC, criado em 2011, fazendo-se uma maior aproximação da Psiquiatria ao resto da Medicina. Foram encerradas as unidades de Arnes e do Lorvão, sendo os doentes encaminhados para as restantes respostas hospitalares e, cada vez mais, promovendo opções alternativas ao internamento de longa duração, e os profissionais integraram o CHUC. Como em todas as reformas, o percurso teve falhas e não foi isento de críticas de profissionais de saúde e de utentes. Na área da Psiquiatria, hoje da responsabilidade do Departamento de Psiquiatria do CHUC, e neste contexto de uma nova perspectiva sobre a saúde mental há a realçar, com António Reis Marques, a constituição das equipas de Psiquiatria Comunitária, que colocam especialistas do CHUC em articulação com as unidades de cuidados primários da região Centro, praticando uma medicina de proximidade com foco no tratamento e na prevenção de problemas de saúde mental. Acabar com o estigma em torno da saúde mental, prevenindo e tratando a doença como outra doença qualquer, ainda que sabendo da sua dimensão holística, é um caminho que vem sendo trilhado em Coimbra desde o tempo de Bissaya Barreto e que não chegou ainda ao fim.
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Hospitais 90 anos com Coimbra
IPO de Coimbra avança este ano com grandes obras no edifício da Cirurgia
60 ANOS DE LUTA CONTRA O CANCRO EM COIMBRA Um hospital inteiramente dedicado ao tratamento do doente oncológico, que persegue sempre a inovação e modernização para responder ao mais importante: o doente
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Delegação do Instituto Português de Oncologia em Coimbra foi inaugurada em 29 de Dezembro de 1961 e teve como grande dinamizador Luís Raposo. Este declinou, todavia, a posição de director, cedendo o lugar a outro professor da Faculdade de Medicina, Ibérico Nogueira, que guia os jornalistas na visita às instalações do centro anticanceroso. Em notícia de primeira página, o nosso jornal enaltece as novas instalações
e os recursos terapêuticos de um hospital que «valoriza extraordinariamente o bloco assistencial existente» na cidade, lembra o sofrimento associado à «temível doença» e a dureza da «luta contra o cancro» e sublinha o lema encontrado escrito: «o doente é a pessoa mais importante deste hospital». O edifício em questão já não existe, ao lado foram sendo construídos outros maiores e mais modernos. João Cortez Vaz, José Goulão, Rocha Alves, Antunes da
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Silva, Dário Cruz, Frederico Valido e Manuel António Silva sucederam-se na liderança da instituição. Este último conduziu os destinos do IPO de Coimbra durante 25 anos (saiu em 2017) e transformou-o numa moderna unidade hospitalar, que hoje presta cuidados altamente diferenciados à população da região Centro, desenvolvendo a sua actuação na área assistencial, mas também no ensino, na investigação e nos rastreios oncológicos. Carlos Santos, que era o seu braço direito na administração, liderou depois o IPO de Coimbra, hoje presidido por Margarida Ornelas. A aquisição de dois novos aceleradores lineares, equipamentos num valor superior a 5,8 milhões de euros, e as obras de requalificação e ampliação do edifício de Cirurgia, investimento a rondar os 28,8 milhões de euros são os projectos que a equipa de Margarida Ornelas tem actualmente em mãos. O IPO de Coimbra, que é responsável por 60% dos tratamentos de radioterapia feitos na região Centro, reforçará a sua liderança com os novos equipamentos, tratando mais e melhor os seus doentes. No serviço de Radioterapia, onde só em 2018 foram recebidos 1.700 novos doentes, são diariamente realizadas 160 a 170 sessões de tratamento. O edifício da Cirurgia, num investimento global de 28,8 milhões de euros, é um dos projectos incluídos no Programa de Investimentos na Área da Saúde (PIAS), financiado pelo Orçamento de Estado e por fundos europeus. Antes que a obra avance é preciso construir um bloco operatório periférico (1,8 milhões de euros), que garantirá a continuidade da actividade. Com cerca de 900 profissionais, o IPO de Coimbra tem uma lotação de 230 camas, onde se inclui um “hotel” para doentes, estrutura inovadora no panorama de prestação de cuidados de saúde em Portugal.
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CHEGARAM OS GRANDES GRUPOS PRIVADOS Das clínicas mais antigas e com forte tradição na cidade, passámos já neste século ao domínio dos grandes grupos privados de saúde. A Idealmed fez a diferença
Hoje Hospital da Luz, a Idealmed criou em Coimbra o primeiro hospital privado
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uma cidade de saúde e conhecimento universitário, com alguns dos mais respeitados especialistas nacionais, coexistiu sempre uma oferta privada de serviços, prestados em consultórios independentes, clínicas mais pequenas e, já nos últimos anos, em grandes hospitais. A Casa de Saúde de Coimbra, também conhecida por Clínica da Sofia, nasceu em 1932 e constitui-se hoje como unidade hospitalar de referência na prestação de cuidados médicos e cirúrgicos, sendo principal suporte financeiro ainda hoje da missão social da Fundação Sophia. Sediada no primitivo Colégio de S. Pedro dos Terceiros, edifício histórico na Rua da Sofia, a Casa de Saúde foi renovando instalações e equipamentos, apostando no conforto e na evolução tecnológica, nomeadamente no seu bloco operatório, com três salas e recobro cirúrgico. Além do tratamento ambulatório, disponibiliza internamento, meios complementares de diagnóstico e terapêutica e cuidados paliativos, tendo celebradas convenções com sub-sistemas de saúde e diversas entidades públicas e privadas. Na década de 50 surgiram mais duas clínicas de renome na cidade. Em 1952 é fundada, por iniciativa de sete conceituados
médicos, a Clínica de Montes Claros, que funcionou durante cerca de meio século na Rua Machado de Castro, até se mudar para as novas e modernas instalações no Estádio Cidade de Coimbra. Dotado de avançados equipamentos e tecnologias, com diversas especialidades médicas e cirúrgicas, internamento e atendimento médico aberto, a clínica instalou-se numa zona de forte densidade habitacional, indo ao encontro dos seus pacientes, e mantém-se fiel aos princípios éticos que presidiram à sua fundação no que concerne a excelência dos cuidados e a vertente de humanização. O Grupo Sanfil Medicina nasceu apenas um ano depois, com a fundação da Casa de Saúde de Santa Filomena, a primeira unidade de saúde, com bloco operatório e internamento, localizada no centro da cidade de Coimbra, no edifício que ainda hoje ocupa, junto à Estação Nova. Na década de 80 cria um serviço de hemodiálise, outra importante resposta para a cidade. Na primeira década do presente século, a Sanfil intensifica a sua actividade médico-cirúrgica e acompanha-a de investimentos na modernização e ampliação de instalações e na aquisição de equipamentos.Aexpansão do grupo começa com a aquisição da unidade de hemodiálise Nefrovales e a unidade de Fisioterapia, Car-
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diologia e Gastroenterologia do Cidral, seguindo-se, em 2012, a aquisição da Diaton e do Centro Hospitalar de S. Francisco, que permitiu alargar a presença às regiões de Leiria, Viseu e Aveiro. Em Coimbra, um dos desafios assumidos pelo GSM é construir o seu Centro Corporativo no iParque. António Travassos, oftalmologista de renome internacional, criou há 20 anos o Centro Cirúrgico de Coimbra, juntando alguns dos melhores especialistas da cidade nas diversas áreas clínicas. Com dois edifícios modernos e confortáveis, equipamentos altamente sofisticados e uma estrutura de funcionamento que não descura nenhum pormenor, é um marco de qualidade na medicina privada. Os doentes que ali chegam vêm de todo o país e, sobretudo, do estrangeiro, atraídos pelo profissionalismo, pelas soluções inovadoras e pelos resultados do cirurgião oftalmológico que lidera o centro. O panorama da saúde privada em Coimbra mudou com a abertura da Idealmed – Unidade Hospitalar de Coimbra, em Maio de 2012. Construído junto à circular externa, em Coselhas, foi fruto de mais de 35 milhões de euros de investimento e colocou à disposição da população um edifício moderno e atractivo, cinco blocos operatórios, com o topo da tecnologia, 43 especialidades médicas e 52 camas de internamento. Uma oferta global, que dá conforto, segurança e respostas, anunciavam seus responsáveis ao nosso jornal, em vésperas da inauguração. Pelas condições técnicas e hoteleiras, a Idealmed acabou por atrair muitos dos médicos que mantinham a sua actividade privada em consultórios ou outras clínicas mais pequenas. Os acordos com sub-sistemas de saúde, seguros privados e com a ADSE intensificaram o fluxo de pacientes atraídos pela multiplicidade de respostas, que quase replicam as de um hospital central. Os grandes grupos privados de saúde entram na cidade com a aquisição do Grupo Idealmed pela Luz Saúde em Janeiro de 2018. Em Maio seguinte, a Clínica Particular de Coimbra - também construída de raiz, junto ao novo Pediátrico -, com um grande enfoque na área Oncológica e dotada de modernas estruturas de bloco operatório, atrai as atenções de outro grande grupo privado, sendo adquirida pela José de Mello Saúde. Hoje Hospital CUF Coimbra, é outro forte prestador de saúde privado, numa cidade que já não se faz só de unidades do Serviço Nacional de Saúde.
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Linhares Furtado 90 anos com Coimbra
O MÉDICO PIONEIRO DOS TRANSPLANTES Linhares Furtado deu o passo inicial e outros grandes passos na transplantação de órgãos em Portugal, colocando Coimbra na lista de grandes centros internacionais
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lexandre Linhares Furtado realizou no dia 20 de Julho de 1969 o primeiro transplante de um órgão vital em Portugal. No dia em que o Homem pisava pela primeira vez a Lua, dava um grande passo para a medicina portuguesa, a que se seguiram outros, fundamentais para a história da transplantação no nosso país. O cirurgião, pioneiro na transplantação de rim, de fígado, pâncreas e intestino, inovou nas técnicas operatórias e contribuiu para o melhor aproveitamento de órgãos, conseguindo salvar mais vidas. No ano passado, em entrevista ao Diário de Coimbra pelos 50 anos da transplantação, disse que «era um progresso necessário ao país» e que apenas cumpriu o seu dever de médico e universitário. Nasceu na ilha de S. Miguel, nos Açores, em 1933, e confessou ao nosso jornal que a sua vocação intelectual até pendia mais para a Matemática e Física. Pensou numa universidade americana, mas em boa hora uma bolsa de estudo o trouxe à Faculdade de Medicina de Coimbra, onde se licenciou com nota final de 19 valores. “Muito Bom com distinção e louvor” é a classificação obtida já com a dissertação de doutoramento, em 26 de Fevereiro de 1965, sobre “Regeneração hepática experimental – Alguns aspectos cirúrgicos”. Trabalhou primeiro no serviço de Cirurgia Geral e quando inicia a actividade à frente do Serviço de Urologia dos HUC tem já a transplantação renal como objectivo. «Para fazer o que todos os outros faziam não valia a pena, era preciso dar o contributo esperado a um hospital de referência», recordou na entrevista ao nosso jornal. Em dois anos concretizou o seu sonho. No Colégio de S. Jerónimo, numa sala com condições bastante longe das ideais, era realizado, a 20 de Julho de 1969, o primeiro transplante renal, sendo a colheita de rim feita em dador vivo. O acto é ainda hoje visto como lição de coragem e de heroísmo.
Linhares Furtado foi pioneiro em 1969
O responsável por Coimbra ser, ainda hoje, referência nacional nesta área daria outros passos igualmente pioneiros no país e até no mundo. Em 1980, a sua equipa realiza a primeira colheita de rins em cadáver, transplantando com êxito um dos rins numa doente e enviando o outro órgão para o colega João Pena, em Lisboa, que assim inicia o segundo programa de transplantação renal no país. Linhares Furtado realiza em 1988 a primeira transplantação hepática, em 1994 a primeira transplantação hepática pediátrica, um ano depois o primeiro transplante hepático sequencial (em dominó) a nível mundial, em 1996 a bipartição de fígado para transplantação e em 1997 o primeiro triplo transplante hepático a partir de um único enxerto, também pio-
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neiro a nível mundial. Sob a sua direcção e graças ao seu estímulo, o serviço de Urologia dos HUC passou a dispor de uma Unidade de Diálise, fundamental para uma eficaz prestação de cuidados em transplantação renal. Para Linhares Furtado, a Lei 12/93, conhecida como a Lei dos Transplantes aprovada quando era secretário de Estado da Saúde José Martins Nunes, referência da política e da saúde em Coimbra - foi crucial para o desenvolvimento da transplantação em Portugal naqueles anos.Além de solucionar lacunas da lei anterior - incluindo e definindo o quatro legal para colheitas em dadores vivos e para a certificação da morte, consagrando também o princípio da gratuitidade e a proibição de comercialização de órgãos -, esta Lei dos Transplantes introduz a doação presumida de órgãos de cadáver, a menos que exista uma declaração expressa do contrário (no Registo Nacional de Não Dador). Com Emanuel Furtado, seu filho, na transplantação hepática, e com Alfredo Mota e agoraArnaldo Figueiredo na transplantação renal, o CHUC continuou a ser uma referência nacional, com resultados que posicionam Coimbra entre os melhores centros mundiais. No ano passado, Fernando Regateiro, à data presidente do Conselho de Administração do CHUC, declarou que «os feitos de Linhares Furtado não se esgotaram no momento em que aconteceram» e lembrou que ali trabalham actualmente 10 equipas de transplantação que tudo fazem para «honrar os pergaminhos» que lhes confiou: «É o complexo hospitalar do país com mais transplantes de rim, de coração, de osso, o único com transplantes hepáticos pediátricos, sem descurar os transplantes hepáticos em adultos, os transplantes de medula óssea ou da córnea», sublinhou o responsável. Numa homenagem (entre as muitas) que lhe foi prestada pela Sociedade Portuguesa de Transplantação, com a colaboração do CHUC, no ano passado,Alexandre Linhares Furtado felicitou os doentes «que têm sido objecto e beneficiários deste progresso extraordinário» e transferiu os agradecimentos que lhe eram feitos a si aos dadores de órgãos em vida. «São esses os nossos maiores heróis, no pleno e mais nobre sentido da palavra», disse, notando que a doação de um órgão, ou de parte dele, em vida «nasce do amor ao próximo».
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90 anos com Coimbra Manuel Antunes
O CORAÇÃO NAS MÃOS DO CIRURGIÃO E “GESTOR” Manuel Antunes veio de África do Sul para liderar a Cirurgia Cardiotorácia dos HUC e tornou-a a mais procurada do país, com produtividade e qualidade de mãos dadas
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m 30 anos de liderança do Centro de Cirurgia Cardiotorácica, Manuel Antunes realizou mais de 45 mil cirurgias cardíacas e pulmonares, 358 transplantes cardíacos, tornou o serviço uma unidade de referência, reconhecida nacional e internacionalmente. Inovando nas metodologias de gestão, conseguiu que o serviço fosse o primeiro centro de responsabilidade integrada (CRI) do país, com autonomia administrativa e financeira. Aposentou-se em Julho de 2018, porque o limite de idade a isso o obrigou, e pela primeira vez na vida voltou-se para a actividade clínica privada. A cirurgia cardíaca do coração aberto nos Hospitais da Universidade de Coimbra foi iniciada em 1976 no serviço de Cirurgia III, dirigido por Bartholo do Valle Pereira. Sobretudo por falta de condições logísticas, a actividade clínica e operatória manteve-se muito reduzida até 1988. É já no “Hospital Novo” que Manuel Antunes assume a direcção de um serviço que não mais parou de crescer, afirmando-se sobretudo nas áreas da transplantação cardíaca e da reparação da válvula mitral. Natural de Memória, no distrito de Leiria, Manuel Antunes foi com apenas cinco anos para Lourenço Marques (Maputo), onde viria a formar-se em Medicina e a ser convidado para assistente na mesma faculdade. De Moçambique seguiu para Joanesburgo, onde saltou da Cirurgia Geral para a Cirurgia Cardiotorácica e chegou a director de serviço no maior hospital do hemisfério Sul, que fazia um milhão de urgências por ano. O convite para vir para Coimbra foi aceite pelo potencial que representavam as novas instalações dos HUC, com um sector destinado à Cirurgia Cardiotorácica. Assumiu a liderança em Março de 1988 e o serviço, construído para operar 250 doentes por ano, logo ultrapassou a capacidade instalada. As instalações, primeiro no edifício central, foram alargadas em 1991 e ainda nesse ano
Manuel Antunes cirurgião cardiotorácico
foi autorizada pelo Ministério da Saúde a adjudicação de obras para novo edifício, com custo global de 12,5 milhões de euros. Em 2000, a Cirurgia Cardiotorácica dos HUC ultrapassa as 10 mil cirurgias de coração aberto. Eliminada a lista de espera para cirurgia cardiotorácica na região Centro, era notória a produtividade e a qualidade, expressa nas baixas taxas de mortalidade e morbilidade, o que contribuiu para o prestígio do serviço a nível nacional – era procurado por doentes de todo o país – e internacional. Com a mudança para um edifício construído de raiz, em 20 de Setembro de 2002, o serviço torna-se o maior e mais bem apetrechado do país. Em Novembro de 2003 inicia-se o programa de transplantação cardíaca que mantém uma actividade anual de cerca de 30 transplantes (um terço dos
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realizados no país). O trabalho de Manuel Antunes enquanto cirurgião cardiotorácico foi diversas vezes motivo de notícia no nosso jornal, pelo pioneirismo e complexidade das intervenções, assim como a sua visão crítica sobre a gestão do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o seu trabalho humanitário. O cirurgião cardiotorácico desenvolveu importantes projectos humanitários, nomeadamente em Moçambique e na Jordânia, em que continua empenhado. Uma equipa formada por elementos do Centro de Cirurgia Cardiotorácica do CHUC e liderada por si deslocou-se, de 15 a 23 de Novembro passado, a Maputo para mais uma missão cirúrgica humanitária, a 20.ª missão anual consecutiva desde que o Instituto Coração de Maputo foi criado (em 2001). Todos os profissionais participaram voluntária e gratuitamente e ainda prestaram formação específica ao pessoal clínico do Instituto. Já em Outubro, Manuel Antunes tinha liderado outra missão em Amã, na Jordânia, onde operou 13 crianças. Esta terceira missão cirúrgica anual consecutiva, no Gardens Hospital, foi dirigida para o tratamento cirúrgico da patologia cardíaca infantil da população síria, refugiada em território jordano. O Centro de Cirurgia Cardiotorácica do CHUC, que tem hoje o seu nome, realiza actualmente mais de 1.900 cirurgias por ano e é frequentado por cirurgiões provenientes de diversos países para a realização de estágios, especialmente relacionados com a reconstrução da válvula mitral, em que o serviço é referência internacional. Manuel Antunes foi sempre um defensor e ao mesmo tempo um crítico do Serviço Nacional de Saúde. Até à aposentação dedicou-se em exclusividade e exigiu o mesmo do seu corpo clínico, naquele que foi o primeiro CRI do SNS, com um modelo de gestão que previa uma maior autonomia administrativa e financeira do serviço. Em 2001, o cirurgião e professor da Faculdade de Medicina de Coimbra lançou o livro “A Doença da Saúde”, onde aponta as ineficiências e desperdícios que diz existirem no SNS.Amelhor remuneração dos médicos que se dedicam a tempo integral é uma das apostas que defende. «Fundamental e essencial», «primeira escolha dos portugueses», o SNS deve, nas suas palavras, ser complementado com o sector privado, convencionado e social.
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Vida económica 90 anos com Coimbra
EVOLUÇÃO E DECADÊNCIA DE UMA INDÚSTRIA QUE DEIXOU MARCAS EM COIMBRA
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Diário de Coimbra testemunhou, nestes 90 anos de vida, o crescimento de comércio e indústria da cidade, que teve períodos de quase estrelato para depois seguir em queda livre até à falência, em muitos casos. Nesta pequena e naturalmente superficial incursão à Economia de Coimbra e ao património comercial e industrial, falaremos de antigas e actuais marcas da cidade, da passagem da manufactura ao fabril, do mecânico ao tecnológico, ou do associativismo. E de exemplos de reabilitação do património.
Escombros à esperas de melhores dias
Jornal defendia e estimulava, sempre que podia, a vertente económica de Coimbra
Começamos pelo que Coimbra perdeu a partir dos anos 80, com dois casos de empresas que se anteciparam aos planos de urbanização de meados do século XX (sobretudo os de De Gröer e de Antão de Almeida Garrett) que iriam ditar um certo “exílio” empresarial citadino. Muitas iniciaram laboração numa localização então distante do centro urbano, casos da Fábrica de Curtumes, à Casa do Sal, e da Sociedade de Porcelanas, à Arregaça (hoje em plena urbe, ambas com escombros visíveis que esperam por melhores dias). Depois “vamos” ao fabrico da cerveja (à antiga fábrica, agora recuperada pela Plural, e à moderna Praxis, que assegura o sabor da Topázio e Onix), aos têxteis e à cerâmica. Damos um salto às bolachas e massas (Triunfo) e olhamos para o presente. Tudo coisas vividas pelo jornal.
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90 anos com Coimbra Vida económica
Fábrica de Curtumes foi das melhores do país
Restos da antiga Fábrica de Curtumes são hoje “paisagem” junto à Casa do Sal
É o exemplo mais presente, ou pelo menos o mais visível para milhares de pessoas que ali passam todos os dias, da decadência da pujante Coimbra industrial do século passado, com inúmeras empresas no centro da cidade. No caso da Fábrica de Curtumes de Coimbra, entre a Casa do Sal e o cemitério da Conchada, quase se podia falar da periferia urbana quando ainda não existia Avenida Fernão de Magalhães (anos 40/50), com a Rua Figueira da Foz a revelar-se então como a maior entrada e saída de Coimbra (mais pedonal, de bicicleta ou de motorizada) na ligação a Norte.
Terá sido precisamente o afastamento da densidade urbana que levou à escolha da localização da fábrica de curtumes, para uma produção sem incómodos citadinos e com possibilidades de expansão pelos 22 mil metros quadrados que ocupa. O valor dos terrenos também terá sido uma motivação, muito antes da rede de transportes rodoviários surgir como mais-valia comercial. Uma ribeira nas imediações (a água era essencial em todas as fases da produção) e a proximidade de matadouros compôs o quadro ideal para a laboração. Implantada na intersecção da Rua da Fi-
Sociedade de Porcelanas fez crescer a Arregaça A “Porcelana Portugueza”, que em 1936 assumiu a designação de Sociedade de Porcelanas Lda, foi marcante no fabrico de faiança em Coimbra. Localizada na Arregaça, fora do tecido urbano da Coimbra da década de 1920, era servida por uma vala de água (importante para a produção) e estava próximo do moderno transporte ferroviário (ramal da Lousã). O preço dos terrenos também terá pesado na escolha da localização de uma fábrica que tinha por objectivo ombrear, no respectivo mercado, com as gigantes Vista Alegre (Ílhavo) e a
Fábrica de Porcelana chegou a ter 200 operários
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gueira da Foz com a estrada do Vale de Coselhas, a fábrica começou a laborar em 1915, mantendo-se 75 anos em actividade, arrastando consigo uma crescente ocupação do território, com armazéns fabris, posto médico (que chegou a ser obrigatório para indústrias com mais de 50 trabalhadores) e pequenas habitações destinadas a funcionários. Sempre com a preocupação de acompanhar a evolução das técnicas de produção no sector, a empresa foi-se modernizando e empregando mão-de-obra especializada, inclusive estrangeira, chegando a ser uma das maiores fábricas de curtumes do país. Na década de 50/60 foi seleccionada por três vezes para fornecer solas para calçado e fardamento das tropas portuguesas. Acabaria por entrar em falência em 1990, então com 60 trabalhadores, sendo o património imobiliário vendido em hasta pública. Duas empresas de construção tentaram, nos finais do século XX, urbanizar toda aquela área, com grandes prédios dedicados a habitação, comércio e serviços. O projecto, que fazia tábua rasa do património histórico e arquitectónico, seria recusado pelo executivo municipal de Coimbra. O imóvel pertence actualmente a uma sociedade imobiliária. A edição do Diário de Coimbra de 11 de Maio de 1995 noticia a venda da Fábrica de Curtumes em hasta pública por 195 mil contos (perto de um milhão de euros). As dívidas superavam os 300 mil contos.
Electro-Cerâmica (Porto). A empresa empregou centenas de trabalhadores ao longo de décadas (com cerca de 200 em simultâneo), sendo relevante no desenvolvimento daquela zona da cidade periférica, nomeadamente do bairro da Arregaça, onde viviam muitos dos operários. Apesar da dinâmica, nos finais dos anos 20 revelava dificuldades financeiras, contexto que permitiu à Vista Alegre e à Electro-Cerâmica adquirirem o capital social da sociedade. Em 1999, então com 215 trabalhadores, mudaria novamente de donos, passando a designar-se Santa Clara Cerâmicas. Em 2005 encerraria definitivamente, depois dos trabalhadores que restavam, cerca de duas dezenas, terem recusado a transferência para uma empresa de Fátima, do mesmo empresário.
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Vida económica 90 anos com Coimbra
Regular a cidade e respectiva urbanização afastaria as grandes empresas do centro. Na foto a Av. Fernão de Magalhães, que “cresceu” com a indústria localizada junto à ferrovia
Baixa perde força industrial nos meados do século XX Em 1930, quando o Diário de Coimbra surgiu, a cidade fervilhava de actividades económicas com concentração preferencial na Baixa, mormente no “anel” Arnado-Largo da Portagem-ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz-Avenida Fernão Magalhães. Largo das Ameias e Terreiro da Erva, Praça do Comércio, ruas da Moeda, da
Louça, das Padeiras e Adelino Veiga estavam povoadas de serrações, serralharias, carpintarias, tanoarias, malhas ou chapelarias. Nas décadas de 20 a 40 sente-se a transição da indústria de manufactura para a fabril, com a constituição de grandes sociedades. Foi, pois, com naturalidade que a margem
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direita do Mondego foi sendo povoada de edifícios fabris, acompanhando a via-férrea. Entre pequenas empresas surgem as “enormes”Triunfo (aos Oleiros), a Sociedade Central de Cervejas (com fábrica na Rua da Alegria/Emídio Navarro (onde estão hoje as galerias Topázio), A Ideal e Coimbra Editora (Arnado), Auto-Industrial (Avenida Fernão de Magalhães), a Fábrica dos Mirandas (Avenida Aeminium, junto à Ponte-Açude, adquirido pela Hidráulica do Mondego e hoje propriedade da Agência Portuguesa do Ambiente)). Entre outras. Nas década de 40/50 começou a regularização da instalação fabril na cidade, com planos de urbanização e iniciativas camarárias que limitaram a indústria poluente na malha do centro urbano e a instalação de «estabelecimentos abrangidos pela classificação de insalubres, incómodos ou perigosos». Desde 1940 que se sentia a crescente desindustrialização da Baixa, com mudanças para a periferia, também porque os acessos não eram os melhores ou os antigos edifícios careciam de condições técnicas e produtivas. Definida uma primeira área industrial para Coselhas, seria no entanto o “corredor” Loreto-Pedrulha a seduzir os empresários, muito por culpa do preço dos terrenos e das redes de transportes (Nacional 1, rodoviário) e Linha do Norte (ferroviário). Para trás ficaram muitas ruínas e imóveis em degradação, potenciando a erosão social. Para a Pedrulha foram muitas empresas nas décadas de 40 a 60, caso das Fábricas Triunfo e da Fábrica Cerveja, como veremos adiante.
Fábrica Ideal foi a última têxtil na Baixa A desindustrialização de Coimbra deixou muitas feridas na Baixa e depois na zona da Pedrulha. No centro urbano ainda há, na Rua do Arnado, “restos” da fábrica têxtil A Ideal. Fundada em 1927, foi decretada falida em Dezembro de 1993, atirando para o desemprego mais de 400 funcionários. Em vésperas de Natal, os operários, que se dividiam entre as instalações do Arnado
e a fiação de Coselhas, receberam a notícia da falência com protestos e angústia. Em manifestação, criticaram a recusa da assembleia de credores a um projecto de viabilidade. O edifício da Baixa, construído na primeira metade do século passado, seria consumido por um incêndio em Março de 2011, que destruiu todos os quatro pisos do imóvel.
Falência da Ideal decretada em vésperas do Natal de 1993
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Presa por um fio, área têxtil desaparece Depois do fim da Ideal, também a Mondorel – Fábrica de Lanifícios, fundada em 1967, desapareceria do mapa da indústria têxtil de Coimbra. Após 35 anos de laboração contínua, chegando a ter 600 operários, entrou em dificuldades económicas e foi adquirida pelo grupo Mondefim, numa aquisição que pressupunha a continuidade fabril, através da criação de uma nova empresa, a Revitatêxtil, que apenas funcionou dois anos. Encerrou portas em 2004, com cerca de 60 trabalhadores (tinham sido deslocados para Taveiro, para o espaço da Reflecta), já depois de vender os terrenos que detinha no planalto de Santa Clara. Hoje, no espaço que foi da Mondorel e da Revitatêxtil ergue-se o Forum Coimbra.
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Auto-Industrial “resiste” ao fim de um século
Empresa completa 100 anos na Baixa de Coimbra
De fábrica a centro comercial A Fábrica de Azulejos Hidráulicos Joaquim Gomes Porto & Irmão, na Avenida Fernão de Magalhães, foi reconvertida no centro comercial D. Dinis, mantendo as fachadas antigas.
Justiça seja feita à Auto-Industrial, que não saiu da Baixa de Coimbra e por ali “anda” há 100 anos, contribuindo para o desenvolvimento económico da Avenida Fernão de Magalhães. Fundada a 20 de Dezembro de 1920 por 32 sócios, começou com um capital social de 250
mil escudos. Em 1940, diga-se a título de curiosidade pela importância social e económica do gesto, ofereceu à Câmara 15 mil escudos para a pavimentação da Avenida Fernão de Magalhães, no troço entre a Avenida dos Oleiros e a Rua João Machado.
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Olá Pedrulha, adeus Pedrulha Em pouco tempo, face aos constrangimentos na Baixa da cidade, a zona industrial do Loreto-Pedrulha, já definida por De Gröer mas só oficializada com o plano de urbanização de Almeida Garrett, surge como óptima aos olhos dos empresários para a expansão dos anos 50 a 60 – terrenos com grandes dimensões e a preços acessíveis (quase um décimo do valor quando comparados com os da cidade), ferrovia e rodovia (Nacional 1), geologia favorável (grandes quantidades de grés, que potenciou a indústria cerâmica e proximidade da pedra de Ançã para o negócios dos mármores e cantarias). Aconstrução de unidades industriais modernas é progressiva entre 1949 a 1965. A Cerâmica Lusitânia (Lufapo, instalada em 1926 no Loreto, junto à via férrea) e a Saturno (fábrica de chumbo e de tubos, instalada naquela zona em 1936), ganharam
vizinhos industriais de “peso”, principalmente na década de 50. Para ali se deslocaram a Triunfo e a Fábrica da Cerveja, mas também, entre muitas outras, a cerâmica Estaco, muitas indústrias metalúrgicas (casos da Fonseca e Seabra Lda, Fundição Alves Coimbra, Abel Machado e Companhia Lda, Fundição Gomes Porto ou a Luso Mecânica de Coimbra, Lda). A pouco e pouco, instalou-se no Loreto-Pedrulha um grande representatividade industrial, também com empresas das áreas têxtil, alimentar, impressão (Litografia de Coimbra). Também acolhia, à época, o matadouro municipal, transferido nos anos 60 de Montes Claros para a Pedrulha. A concentração industrial potenciou outras actividades económicas, como seja o caso dos transportes (de que é exemplo a empresa Jaime Dias ou a Unacel, esta última ao serviço exclusivo da Fábrica da
Cerveja). Potenciou e dinamizou, também, a concentração urbana. A partir dos anos 80 começam a sobressair as dificuldades de uma indústria com nível tecnológico inferior ao de outros países, sem investigação ou inovação técnica, com mão-de-obra pouco qualificada. Em 1988, Portugal aderiu à Comunidade Económica Europeia (CEE), com a colocação de produtos no mercado externo a tornarse ainda mais competitiva e difícil. Poucas empresas conseguiram modernizar equipamentos e é hoje consensual em estudos académicos que a globalização acelerou a desindustrialização de Coimbra - (outras regiões próximas, como Leiria e Aveiro, foram em sentido contrário e aumentarem, em, igual período, a capacidade industrial) - com a zona Loreto-Pedrulha a tornar-se, nos últimos 30 anos, numa espécie de “cemitério industrial”.
Estaco encerrou em 2011 Dedicada ao fabrico de azulejos, louças decorativas, estatuetas e imagens, a Estaco foi fundada em 1946. A fábrica, que chegou a ter cerca de mil funcionários na época de ouro da cerâmica (anos 40 a 70 do século XX), ocupou 60 hectares da zona industrial da Pedrulha. A expansão fez-se para Moçambique, onde instalou uma outra fábrica, ao mesmo tempo que assegurava sanitários e azulejaria ao mercado nacional. Após um processo judicial que levou seis anos, o Tribunal de Coimbra decretou a falência da empresa a 24 de Outubro 2001. Tinha então 230 trabalhadores
Cerâmica Estaco foi fundada em 1946 e faliu em 2001
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Cervejaria da Fábrica durou até 1992
A antiga fábrica de cerveja, situada na Baixa, na zona da Alegria, foi demolida em 1982 (espaço ocupado hoje pelo edifício Galerias Topázio). A Cervejaria da Fábrica, no entanto, manteve-se de portas abertas na Avenida Emídio Navarro até 1992 (na zona do Hotel Íbis). Fábrica da Cerveja foi sendo notícia no Diário de Coimbra. Por bons mas também por maus motivos, como foi o caso do encerramento
Fábrica da Cerveja conquista o país com a Topázio e a Onix Constituída em 1992 com um capital social de 300 contos (hoje 1.500 euros) a sociedade de Cerveja de Coimbra estaria na base de uma das maiores indústrias da cidade no século XX. Dedicada ao fabrico e venda de cerveja, gelo e bebidas gasosas, instalou-se na Alegria/Avenida Emídio Navarro, iniciando a produção em 1924. Dez anos depois do início da actividade aliou-se a três outras empresas (Produtora de Malte Cerveja Portugália, Cervejas Estrela e Fábrica de Cerveja Jensen), surgindo então a Sociedade Central de Cervejas (hoje propriedade do grupo Heineken). A impossibilidade de manter no centro urbano a produção e a necessidade de expansão levaram a Sociedade Central de Cervejas a adquirir terrenos na zona industrial Loreto-Pedrulha, onde é construída a nova fábrica, entre a antiga Estrada Nacional 1 e a linha ferroviária. Afábrica começa a laborar em 1959, tendo
encerrado em 2002, deixando na memória de Coimbra o sabor distinto das cervejas Onix e Topázio (a qualidade da água da cidade contribui para a qualidade da cerveja aqui produzida). Durante mais de 40 anos de laboração foram efectuadas diversas alterações nos imóveis e no espaço da fábrica, ampliado com aquisições. Na década de 60 construíram-se vários módulos (armazéns, gabinetes ou oficinas de aparelhos de extracção de cerveja). Com uma área desportiva, a Fábrica aumentou a sua relação com a cidade e o país, abrindo portas a visitas guiadas (com direito a provas de cerveja). Também “abriu portas”, neste caso no sentido figurado da expressão, a novas empresas, sendo directamente responsável pela criação da Unacel (agência de camionagem, com contrato de exclusividade com a Sociedade Central de Cervejas). A fábrica de cervejas seria também ar-
rastada no declínio industrial de Coimbra e, em 1991, encerraria a sua linha de produção no Loreto, rescindindo contrato com 120 trabalhadores. Ficaram, ainda, 200 operários, mas a actividade ficou reduzida ao enchimento de barris e garrafas da marca Sagres. A fábrica encerraria definitivamente em 2002, quando tinha cerca de 50 trabalhadores.
Qualidade das águas de Coimbra contribuiu para qualidade das cervejas aqui produzidas
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Edifício moderno a partir de ruínas O imobiliário da Fábrica da Cerveja, em estado de ruínas, seria adquirido pela Plural - Cooperativa Farmacêutica, que promoveu a reabilitação e instalou ali a sede em 2017. O projecto de reabilitação foi criado por Alexandre Dias e Amália Freitas do atelier ORANGEarquitectura. As arquitectas procuraram preservar traços do antigo imóvel e tiveram em atenção a história e memória colectiva da cervejeira. O projecto ganharia o Prémio Nacional de Reabilitação Urbana 2019, na categoria intervenção comercial e serviços, num ano em que também conquistou o Prémio Municipal de Arquitectura Diogo de Castilho.
Praxis recupera Topázio e Onix Se hoje há Onix e Topázio em Coimbra deve-se à persistência do empresário Arnaldo Baptista, que lutou durante quase uma década para restituir o património cervejeiro à cidade. Através da Praxis, produz hoje cerveja e, mais do que isso, mantém viva a história e o espírito da Fábrica da Cerveja, com um circuito museológico na cervejaria Praxis, em Santa Clara, ou com encontros de antigos trabalhadores. Deu para perceber, em conversa com o Diário de Coimbra, que Arnaldo Baptista “transpira”Coimbra, é um apaixonado pela cidade que, quando se apercebeu que o grupo colombiano (que entretanto adquirira a propriedade da cervejeira) não iria produzir Onix e Topázio, prometeu que iria devolver a cerveja de Coimbra à cidade. A Onix (ou Onyx) e Topázio são activos da Sociedade Central de Cervejas (criada em Coimbra em 1934 e hoje propriedade do grupo Heineken), mas a produção é feita na Praxis. Depois de oito anos a lutar contra a burocracia, Arnaldo Baptista conseguiu desbloquear os entraves de localização de micro-cervejeiras em zonas urbanas (o que acabaria por abrir portas no Ministério da Economia a empresas congéneres do resto do país). Inaugurada em Abril de 2009, com o claro objectivo de recuperar a velha tra-
Arnaldo Baptista e o filho Pedro mantêm vivo o património cervejeiro de Coimbra
dição de fabrico de cerveja em Coimbra, aproveitando assim as excelentes propriedades da água da cidade, a Paxis produz as cervejas Praxis, Topázio e Onix, empregando, só nesta área, 12 profissionais.Aqualidade das cervejas, com conquista de vários prémios no World Beer Awards, tem levado à expansão, fornecendo o mercado nacional, principalmente o de Lisboa, mas também já exporta para países europeus.
A história de produção de cerveja em Coimbra vem do século XVIII. Muito se poderia - e deveria – dizer do museu da Praxis, que tem tido a colaboração de ex-funcionários da Fábrica de Cerveja, mas o espaço deste trabalho especial não permite. Fica uma certeza, dada por Arnaldo Baptista e pelo filho Pedro: quem visitar o museu fica a conhecer a história do património cervejeiro de Coimbra.
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Falta o cheiro a bolachas das antigas Fábricas Triunfo Em 1913, um grupo de empresários criou a Sociedade de Mercearias, Lda, dedicada ao comércio de produtos alimentares. Quase duas décadas depois, e já proprietária de uma instalação de moagens, passa a designar-se Fábricas Triunfo, Lda. Na primeira fábrica da empresa, na Rua dos Oleiros, junto à via-férrea, produziu massa e bolachas até ser consumida por um violento incêndio, em 1938. Dois anos depois a empresa ressurgia no mesmo local, com estruturas reforçadas e mais espaço, dando início à conquista do mercado nacional, o que fez de forma consistente ao longo da década de 1940. Estava, então, apetrechada de tecnologia de vanguarda, com controlo de qualidade e laboratório de análises e testes
Diário de Coimbra acompanhou a vida das Fábricas Triunfo
Lugrade quer ocupar a Triunfo Rações Aempresa Lugrade pretende construir uma terceira unidade industrial no concelho de Coimbra e o local escolhido é a antiga fábrica Triunfo Rações na zona industrial da Pedrulha. Em notícia publicada em Agosto de 2019, o Diário de Coimbra dá conta de um processo já em fase avançada, com o contrato de compra e venda assinado. A concretização do negócio estava pendente de algumas questões relacionadas com o projecto que a empresa de Coimbra tem
previsto para o local. Fundada em 1987 porAlfredo Lucas, a Lugrade é hoje uma empresa de referência na produção e comercialização de bacalhau seco. Gerida pelos dois filhos do fundador (Vitor e Joselito Lucas), tem uma fábrica no Parque Industrial de Taveiro (inaugurada em 1998) e uma segunda unidade de produção em Torre de Vilela (2017).
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aos próprios produtos. Nos anos 50, reagiu às “proibições municipais” de grandes fábricas em meio urbano e construiu e inaugurou duas novas unidade de produção (uma de bolachas, 1953, e outra de descasque de arroz, 1956) na área da Pedrulha. Foi o início de um período áureo, em que sobressaíam no mercado mais de 25 variedades de bolachas Triunfo. Em 1974, a empresa abriu uma primeira fábrica em Lisboa (Carnaxide), mantendo um certo crescimento nos anos 80. A empresa passou mais tarde por vários proprietários, sendo adquirida em 1994 pela Nutrinveste (controlou as marcas Triunfo, Nacional e Proalimentar) e os produtos começaram a ser produzidos numa só fábrica, o que levaria ao encerramento, em 2001, das fábricas de Coimbra e de Carnaxide. Seria mais tarde adquirida pela multinacional Kraft. Aquando do encerramento definitivo em Coimbra, em Março de 2001, a Triunfo contava com 130 trabalhadores.
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Cerâmica Antiga “renasce” no Terreiro da Erva
desenvolver uma relação de amor com um espaço em que o que interessa é a sua essência». Luísa Bebiano foi co-autora, com Carlos Antunes e Desirée Pedro, do Atelier do Corvo, do projecto que o júri do Prémio Vilalva escolheu entre cerca de 40 concorrentes de todo o país. António Lamas, presidente do júri, explicou a decisão de atribuição do prémio, que foi também orientada pelo interesse do projecto na recuperação de património cultural numa zona menos valorizada de Coimbra. «A “nova” Cerâmica Antiga procura recuperar e preservar o saber-fazer dos artesãos», disse na altura Eduardo Correia, proprietário de um espaço que, a par de um serviço de restauração (cafetaria), têm em exposição peças de cerâmica. O projecto criou, pois, um percurso museológico (exposição trabalho dos artesãos, tecnologias e actuações sobre os materiais, com diversa informação sobre a evolução da faiança de Coimbra).
Diário de Coimbra registou a defesa da cerâmica antiga (1965) e a atribuição do Prémio Vilalva (Julho de 2019)
Diário de Coimbra defende produção cerâmica
Asoficinas de faiança e de cerâmica foram uma marca da cidade a partir do século XVI. Sobrevivente até ao actual século, o imóvel da Cerâmica Antiga de Coimbra, ao Terreiro da Erva, foi totalmente reabilitado por um projecto que seria galardoado pela Fundação Calouste Gulben-
kian com o Prémio Vilalva. O prémio, que desde 2007 distingue projectos de recuperação e valorização do património, foi entregue a 2 de Julho de 2019. Na ocasião, a arquitecta Luísa Bebiano notou que «a arquitectura pode ser a consolidação do pré-existente» e que «é possível
Em 1965, perante a iminência do encerramento da Cerâmica Antiga, o Diário de Coimbra deu voz à indignação da população, que queria medidas que salvaguardassem a produção. Nesse mesmo ano, um grupo de particulares adquiriu a oficina e constituiu a Sociedade de Cerâmica Antiga de Coimbra, Lda.
Critical Software reabilita armazéns da Coimbra Editora Outra boa notícia para o património industrial e comercial abandonado é a intenção da Critical Software de reabilitar e instalar a sede no edifício dos antigos armazéns da Coimbra Editora. O imóvel, com cerca de quatro mil metros quadrados, foi já adquirido pela empresa tecnológica e deverá acolher cerca de 400 novos funcionários, tendo em conta que são para manter os dois edifícios da Critical Software, em Taveiro, nos quais trabalham também cerca de 400 pessoas. A escolha do centro da cidade não é inocente. Gonçalo Quadro dizia ao Diário de Coimbra, numa visita ao espaço, que a
escolha foi «muito emotiva e sentimental». «A primeira vez que estive aqui fiquei completamente esmagado», diria o ceo da Critical, ao defender que é preciso «reabilitar as cidades, voltar a dar-lhes vida». ACritical Software nasceu em 1998. Desde então, tem inscrito os nomes de Coimbra e de Portugal em soluções tecnológicas mundiais para os sistemas de informação críticos das empresas e organizações de diversos sectores, em que se incluem, por exemplo, as forças armadas de Portugal e do Reino Unido ou as agências espaciais norte-americana, europeia, chinesa e japonesa..
Critical quer dar vida a edifício antigo na Rua do Arnado
Diário de Coimbra
90 anos com Coimbra Vida económica
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Uma missão que, diga-se, tem gerado novas empresas e dinamizado o tecido comercial e industrial português, com ênfase em Coimbra. Há muito exemplos, mas a Critical Software ou a ISA (telemetria) são nomes sonantes de empresas surgidas no âmbito do IPN. Com uma das melhores incubadoras de empresas do mundo, o IPN actua ainda ao nível da formação especializada e da investigação e desenvolvimento tecnológico, consultadoria e serviços especializados.
Negócios do espaço
IPN coordena Centro de Incubação de Negócios da Agência Espacial Europeia
IPN cria condições para uma nova geração industrial Criado em 1991 pela Universidade de Coimbra, o Instituto Pedro Nunes (IPN, Associação para a Inovação e Desenvolvimento em Ciência e Tecnologia) começou a funcionar em pleno nas instalações do Vale das Flores na década de 90. Instituição de
utilidade pública, sem fins lucrativos, tem por missão contribuir para transformar o tecido empresarial, promovendo a inovação, qualidade, rigor e empreendedorismo, assente num sólido relacionamento universidade/empresa.
Nos últimos tempos o IPN está a ampliar o leque de oportunidades para empreendedores, com acolhimento e coordenação do Centro de Incubação de Negócios da Agência Espacial Europeia (ESA BIC) em Portugal. De referir que, já neste ano, o ESA BIC Portugal aumentou a sua rede de três para 15 incubadoras em todo o território nacional, incluindo os Açores e a Madeira. O objectivo passa por apoiar empresas que integrem tecnologia espacial em aplicações terrestres em áreas como a saúde, energia, transportes, segurança e vida urbana, mas também empresas que pretendem entrar no mercado espacial comercial. Em cinco anos, e apenas com três pólos, o ESA BIC Portugal incubou 30 empresas, criou mais de 100 novos postos de trabalho e gerou um volume de negócios na ordem dos cinco milhões de euros.
Parques empresariais em Taveiro e em Eiras ACâmara Municipal de Coimbra organizou a actual localização empresarial e industrial com a criação de dois parques. O Parque Industrial de Taveiro dispõe de 57 lotes (178
mil metros quadrados), distribuídos por seis unidades. O Parque Industrial de Eiras, por sua vez, conta com uma área total de 48.530 metros quadrados e 24 lotes.
Centros comerciais alteram oferta e procura em Coimbra Criticado por uns e aplaudido por outros, assistiu-se ao aparecimento dos centros comerciais, uns mais pequenos e outros superfícies de grande dimensão, destacan-
do-se o CoimbraShopping no Vale das Flores (1993), o Dolce Vita - hoje Alma Shopping - na Solum (2005) e o Forum Coimbra no planalto de Santa Clara (2006).
A cidade tem ainda o Coimbra iParque, uma estrutura criada em Antanhol com o objectivo de se transformar num parque de ciência e tecnologia.
A par de outras unidades como a Makro (1993 no Vale das Flores, mudando depois para a Rua Adriano Lucas, em Eiras), estas novas “centrais”de vendas do sector terciário alteraram hábitos de consumo e o modo como esta área comercial estava organizada na cidade (muitas lojas tradicionais da Baixa acabaram por fechar), influenciando também urbanisticamente o desenvolvimento das zonas onde foram implantadas.
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Vida económica 90 anos com Coimbra
ACIC deixa de existir após 155 anos de vida
ACIC acumulou um passivo de cinco milhões de euros
Muito se poderia falar do associativismo empresarial de Coimbra, que originou grémios, cooperativas ou associações. Contudo, o destaque terá de ser mesmo a Associação Industrial e Comercial de Coimbra, que o jornal acompanhou durante 88 anos (ficou praticamente extinta em 2018, depois
de não recuperar de um processo de insolvência). Sem fins lucrativos, a ACIC acabou quando contava quase 115 anos. Fundada em 1863 foi, durante praticamente todo o século XX, um pilar no comércio e na indústria da região de Coimbra. No ano em
Região das Beiras ganha conselho empresarial Em matéria de associativismo, mais duas palavras. Uma para o CEC – Conselho Empresarial do Centro/CCIC – Câmara de Co-
mércio e Indústria do Centro, associação sem fins lucrativos fundada em 1993, que representa associações empresariais dos
Diário de Coimbra
que o Diário de Coimbra surgiu (1930), a ACIC lutava, por exemplo, pela criação de um posto aduaneiro na cidade para o despacho de encomendas postais. Nas décadas seguintes iria ter um peso social e económico relevante, envolvendo-se em grandes questões conimbricenses. Na impossibilidade de se relatarem todas as iniciativas que teve, e que estão registadas no livro “ACIC – 140 anos”, fica o exemplo da criação de um fundo para apoio às festas da Rainha Santa. A grande marca da ACIC, no entanto, foi a CIC, Feira Comercial e Industrial de Coimbra, que os órgãos sociais decidiram criar em 1976. A primeira edição decorreria em Julho de 1978, na “desaparecida” Praça Heróis do Ultramar, onde marcou presença anos a fio, até ser deslocalizada pela evolução urbana do Calhabé. Ainda resistiria com algumas edições na Praça da Canção e no Parque da Relvinha (estrutura que também acolheu a empresa Termec), mas acabou por desaparecer. A associação, que empregou dezenas de funcionários, foi juntando património, como o edifício sede, à Avenida Sá da Bandeira, ou o Parque da Relvinha, avaliados em um milhão de euros. Activos que, contudo, foram insuficientes para reverter um passivo que andava perto dos cinco milhões quando a ACIC “morreu”, há dois anos.
distritos de Coimbra,Aveiro, Castelo Branco, Guarda, Leiria e Viseu. A outra menção é para a NERC – Associação Empresarial da Região de Coimbra, criada em 2013. Sem fins lucrativos, a associação empresarial tem como missão a promoção e desenvolvimento das actividades económicas da região nos domínios técnico, económico, comercial e associativo.
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Misericórdia 90 anos com Coimbra
MAIS DE CINCO SÉCULOS A AJUDAR QUEM PRECISA É uma das Irmandades da Misericórdia mais antigas do país e estende a sua acção da infância aos jovens, famílias carenciadas e seniores
A
Santa Casa da Misericórdia de Coimbra comemora este ano 520 anos de existência. Fundada sob a égide da Rainha D. Leonor, que exortou os homens bons a acudir aos problemas da sociedade, é uma das Irmandades mais antigas do país e de forte implantação na cidade. Nestes 90 anos do Diário de Coimbra foi muitas vezes notícia pelos serviços que presta aos mais carenciados, pela criação de novas e ampliadas respostas e pelo valioso património que detém e que tem progressivamente vindo a abrir à comunidade. A Santa Casa apoia hoje cerca de 250 pessoas, numa acção social que se estende da infância aos jovens, famílias carenciadas e seniores. Atenta às necessidades que marcam cada época, em Janeiro de 1930 a Misericórdia criou um posto de assistência médica gratuita para o combate à tuberculose e à sífilis, que grassavam na comunidade, sobretudo na mais pobre. É também no início da década de 30 que cria a Banda Filarmónica do Colégio dos Órfãos de São Caetano. Em actividade desde 1804 – quando o lente universitário Caetano Correia Seixas deixa em testamento 125 mil reis para compra de uma casa que criasse 25 órfãos pobres, expostos e desamparados -, o Colégio dos Órfãos foi inicialmente instalado na Rua dos Coutinhos. Em 1936
Santa Casa da Misericórdia tem instalações na Alta de Coimbra
Diário de Coimbra
é oficializada a sua Escola Masculina do Ensino Primário e dois anos mais tarde a Ordem Franciscana da Província Portuguesa dá início à regência religiosa e espiritual do colégio.
Incêndio em 1962 destrói colégio e comove a cidade Um violento incêndio deflagra na madrugada do dia 16 de Janeiro de 1967, destruindo uma parte importante do Colégio Novo, onde à data estava instalado o Colégio Misto dos Órfãos de São Caetano. O Diário de Coimbra publica logo nesse dia notícia com uma fotografia tirada da Ladeira da Rainha Santa, com as chamas a iluminar o casario da Alta. Rapidamente o jornal esgotou, obrigando à tiragem de mais umas centenas de exemplares, tal foi o interesse da população da cidade. Na reportagem publicada no dia 17, o jornal enaltece a pronta actuação dos bombeiros, revela que crianças, educadoras e religiosos - num total de cerca de 100 pessoas - foram alojados nas antigas instalações do Instituto Maternal, junto ao Largo da Sé Velha. E dá conta das repetidas manifestações de solidariedade para com o colégio, quer de vizinhos mais modestos quer de antigos alunos e, nos dias seguintes, de empresas e instituições, como a Central de Cervejas, o Ateneu ou a Casa do Povo de Ceira, com donativos para apoiar as crianças. Outras instituições e privados se juntariam nos dias seguintes para entregar roupas, livros e mais bens. Apesar da grande destruição, foram encontrados sobre uma secretária 20 contos em notas intactas e num cofre salvaram-se medalhas e libras em ouro, regista o nosso jornal. Bissaya Barreto, que foi provedor da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, desde 1962 até à sua morte em 1974, tam-
Diário de Coimbra
bém esteve no local a inteirar-se dos estragos e das condições em que estavam alojadas as crianças, tendo canalizado toda a atenção da Irmandade para aquela situação. Nestas e nas edições seguintes do jornal, são ainda notícia os reacendimentos, os perigos de desabamento de estruturas, as dúvidas sobre o futuro do monumento nacional destruído. A capela, parcialmente destruída, é reaberta ao culto em 1970 depois de obras de reconstrução. E em 1983 é inaugurado o novo edifício do Colégio dos Órfãos de S. Caetano, ainda hoje ocupado por esta valência social e com capacidade para receber, em regime aberto, 40 crianças e jovens, dos seis aos 18 anos. O Colégio Novo foi também restaurado e passou a ser ocupado, a partir de 1985, pela Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da UC. Também em 1985, a Misericórdia de Coimbra passa a gerir o Centro de Apoio à Terceira Idade - CATI (estabelecimento integrado da Segurança Social), em S. Martinho do Bispo, onde são até hoje desenvolvidas as respostas de lar, centro de dia e apoio domiciliário, e onde estão centraliza-
90 anos com Coimbra Misericórdia
dos serviços de aprovisionamento, alimentação e lavandaria de toda a instituição.
Mais respostas para necessidades crescentes No ano 2000, a Misericórdia comemorou 500 anos e abriu as portas do seu Museu que tem apostado em promover junto da
Edição do nosso jornal sobre o incêndio no Colégio dos Órfãos esgotou
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comunidade; uma década depois nasce a Creche Margarida Brandão; em 2016 é lançado o projecto de uma unidade de autonomia para jovens em risco, e institucionalizados em unidades de acolhimento residencial, e restaurada a abóbada da Capela da Misericórdia. Nos últimos anos, a Santa Casa de Coimbra reorganizou e actualizou o vasto acervo documental do seu arquivo e integrou o consórcio do Programa Alimentar Ajuda a Pessoas mais carenciadas, com distribuição de alimentos a 250 destinatários do concelho. O futuro passa, como disse recentemente ao nosso jornal o provedor José Vieira, por crescer para dar resposta a necessidades que também aumentam. Além de concluir os quatro apartamentos de autonomização para jovens que saem de instituições, na Rua do Colégio Novo, a Misericórdia quer lançar um projecto de expansão social da Irmandade, com a intenção de aumentar a resposta à primeira infância (creche e pré-escolar) e criar mais uma estrutura residencial de apoio a seniores. No CATI de S. Martinho, a prioridade será renovar espaços, em sinergia com a Segurança Social, dona do imóvel.
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Casa dos Pobres 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
UMA CASA QUE CONTINUA A SER PARA OS MAIS POBRES Acolher quem mendigava e dormia nas ruas foi o primeiro objectivo da Casa dos Pobres criada em 1935, no Pátio da Inquisição. Hoje acolhe em modernas instalações os mais velhos e de parcos recursos. A lista de espera aumentou e a ampliação já está planeada
A
pobreza é de sempre, mudam os cenários e contextos de pobreza. Quando a Casa dos Pobres de Coimbra foi criada, os pobres e mendigos dormitavam nos bancos de jardim, «estendidos na penumbra dos portais, de aspecto de tragédia e cobertos de parasitas», como refere a “Memória Descritiva” da instituição. As autoridades estavam preocupadas com a mendicidade e na imprensa era uma constante a expressão de necessidade de acabar com o cenário que se vivia naquele tempo nas ruas da cidade de Coimbra. O objectivo da iniciativa liderada pelo tenente Rafael Sérgio Vieira, comandante da Polícia de Coimbra, em articulação com o governador civil, era, assim, recolher os mendigos das ruas, dar-lhes alimentação e vestuário, com a condição destes não fazerem peditórios e nem frequentarem tabernas em determinadas horas. Foi cedida pela Câmara uma casa abandonada no Pátio da Inquisição, mas foi necessário apelar à contribuição dos cidadãos para que a casa tivesse obras e se pudesse manter a funcionar. A Comissão Executiva tratou de formalizar sócios e de promover outras formas de financiamento. A primeira festa em benefício da Casa dos Pobres foi um baile nos salões da Companhia Industrial de Portugal e Colónias, a 14 de Abril de 1934. No dia da
A instituição tem sido muito acarinhada pelas empresas e pela população de Coimbra
Construir as instalações de S. Martinho foi o concretizar de um sonho muito perseguido por Aníbal Duarte de Almeida. A lista de espera cresce e a casa também há-de crescer
inauguração «as janelas das casas foram ornamentadas com colchas, pronunciaram-se discursos, a cerimónia foi abrilhantada pelas bandas», na presença de figuras distintas da cidade, entidades oficiais, da polícia e dos bombeiros. O nosso jornal escreve que usaram da palavra Frederico Sanches de Morais, Joaquim Guerreiro, tenente Carlos Carmo, Fernandes Martins (advogado e que veio a ser presidente da Casa dos Pobres durante vários
Diário de Coimbra
anos) e José dos Santos Bessa, vice-presidente da Câmara, e que o «acto foi muito concorrido». A Casa dos Pobres inicia a sua actividade albergando 44 homens e 10 mulheres. Tinha dormitórios, cozinha, copa, refeitório, casas de banho e sala de recreio e funcionou durante 66 anos no coração da Baixa de Coimbra. Quando, em 2001, a Câmara Municipal deliberou requalificar o Pátio da Inquisição, transitou para a Praça do Comércio. Nos anos que se seguem trava-se uma luta para conseguir reunir verbas para a construção de novas instalações. Aníbal Duarte de Almeida, já na direcção, cria o grupo “Os Românticos” que, juntando amigos e personalidades de Coimbra, almoçavam todas as terças-feiras na Casa dos Pobres para, além de pagar a refeição, «deixar uns trocos». A Segurança Social cedeu o direito de superfície de um terreno com 13 mil metros quadrados, em S. Martinho do Bispo, o Estado contribuiu com 664 mil euros através do PIDDAC e o resto veio da generosidade da sociedade. A obra fez-se, muito pelo empenho e resiliência da direcção de Augusto Correia e Aníbal Duarte de Almeida – que
90 anos com Coimbra Casa dos Pobres
ascendeu à presidência em 2005, em virtude do falecimento do primeiro – e foi inaugurada em Junho de 2011.
A casa nasceu no Pátio da Inquisição, de onde saiu em 2001
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Aníbal Duarte de Almeida, que durante longos anos foi colaborador do nosso jornal, faleceu em 17 de Outubro de 2015, aos 89 anos. Luísa Carvalho, que foi sua vice-presidente e lhe sucedeu na liderança da instituição, diz que o fundador dos “Românticos” «lutou sempre para dar dignidade e qualidade de vida aos mais desfavorecidos» e garante que a missão «continua a ser a de acolher as pessoas com carências familiares, económicas e sociais». E é por saber que são cada vez mais os seniores que vivem sozinhos, em más condições e sem possibilidade de suportar a mensalidade de um lar privado, que a Casa dos Pobres quer ampliar as suas instalações. Luísa Carvalho explica que o objectivo deste projecto é não só aumentar a capacidade dos 63 actuais para cerca de 100 utentes, mas também investir na reabilitação motora e cognitiva, no estímulo ao envelhecimento activo e à integração social, dando força ao trabalho que já é realizado no Gabinete de Apoio à Pessoa Idosa e ao Cuidador. O edifício, que já tem projecto, deve representar um investimento de cerca de 1,7 milhões de euros e é candidatável ao Programa PARES.
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Bissaya Barreto 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
BISSAYA BARRETO, O HOMEM DE CAUSAS E O SEU LEGADO INTEMPORAL A miséria e a pobreza gritavam por respostas que não existiam, na assistência a doentes, a grávidas e recém-nascidos, na educação de crianças, no tratamento e integração de doentes mentais, cegos ou surdos. Tudo isso e mais criou, de uma forma inspiradora
D
e vez em quando, a floresta produz uma árvore mais alta. Os genes humanos geram um Homem maior. A humanidade capricha num grande coração». Assim se referiu António Almeida Santos a Bissaya Barreto, em 1997, numa homenagem nacional ao médico cirurgião, professor universitário e filantropo que deixou em Coimbra e na região das Beiras um legado intemporal. Um homem à frente do seu tempo, cujo exemplo humanista nos deve inspirar, com uma obra social, de saúde pública e medicina social que importa ainda hoje estudar, para dela retirarmos lições à luz dos dias de hoje. Falar da luta contra a tuberculose, da assistência hospitalar, de apoio à mulher grávida e ao recém-nascido, de saúde infantil, de ensino pré-escolar, de recuperação do doente mental, de assistência e reabilitação de cegos e de surdos, em Coimbra e na região, é falar de Fernando Baeta Bissaya Barreto (1886 - 1974).AMaternidade Bissaya Barreto, o Hospital Pediátrico, o Hospital Sobral Cid, o Hospital Psiquiátrico do Lorvão, o Hospital Rovisco Pais, a Escola de Enfermagem Bissaya Barreto, o parque temático Portugal dos Pequenitos, entre outras instituições, nasceram graças à sua iniciativa e visão. Criou e impulsionou ainda casas da criança, refúgios para seniores, bairros económicos, campos de fé-
Bissaya Barreto, médico, cirurgião, professor universitário, verdadeiro humanista
rias, colónias balneares, estando à frente da campanha de luta contra a tuberculose, a lepra e as doenças mentais, que eram simultaneamente males de saúde e problemas sociais. Foi com Bissaya Barreto que a Medicina Social se afirmou e floresceu em Coimbra, inspirando outras regiões. Natural de Castanheira de Pêra, Bissaya Barreto destacou-se pela actividade que desempenhou na assistência pública e pelo percurso incaracterístico que percorreu
xxxxxxxx na
na política. Começou a conspirar contra a monarquia e terminou deputado da União Nacional, de Oliveira Salazar, seu colega na Universidade de Coimbra, de quem foi sempre muito próximo e um admirador convicto. Com apenas 17 anos, em 1903, ingressa na Universidade de Coimbra. A primeira formação superior que completa é na área de Filosofia Natural, obtendo 18 valores. Prossegue os estudos superiores em Medicina e conclui o bacharelato com
Diário de Coimbra
19 valores. Em 1911 integra a equipa docente da Faculdade de Medicina da UC, enquanto segundo assistente provisório. Nesta altura opta pela vida política. Republicano e maçon, foi eleito pelo círculo eleitoral da Figueira da Foz, para a Assembleia Constituinte de 1911, dirigente do Partido Republicano Evolucionista e depois da União Liberal Republicana. Após o golpe de Estado de 28 de Maio de 1926, aderiu à União Nacional, de que foi um destacado dirigente. Em 1927, Bissaya Barreto assume a presidência da Junta Distrital de Coimbra (mais tarde Junta da Província da Beira Litoral /Junta Distrital de Coimbra), cargo que exerce até 1974 e que lhe permite mover influências e obter recursos para executar a vastíssima obra que chegou até aos dias de hoje (sanatórios, leprosarias, hospitais, maternidade, casas da criança, colónias de férias, escola de enfermagem e escolas de serviço social, escolas profissionais, etc.). Em 1931 adere à União Nacional. Bissaya Barreto começou a escrever no Diário de Coimbra mal este começou a ser publicado. O presidente da Junta Distrital assinava textos sobre a importância da medicina social, das leprosarias e dos sanatórios
90 anos com Coimbra Bissaya Barreto
Considerado um homem à frente do seu tempo, Bissaya Barreto pôs em prática uma Medicina Social dando assistência de saúde, e criou respostas novas de educação e formação profissional
Médico e político escrevia regularmente no Diário de Coimbra
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para combater a tuberculose, sobre a necessidade de criar novas respostas na cidade para a mulher grávida e para a criança, de organizar a assistência aos doentes mentais ou de construir um hospital para a cidade, sempre na defesa de uma sociedade mais justa, que não deixe de fora os mais pobres, os doentes e os desvalidos. Enquanto cirurgião e professor universitário defendeu a existência de um hospital para estudar – “Hospital-Universidade” – e um hospital geral para a assistência à população – “Hospital-Cidade” e sobre isso reflectia também nas suas colunas de opinião. O seu poder de iniciativa e de realização no campo assistencial colocaram a cidade e a região de Coimbra numa situação de destaque no plano nacional, na luta contra a tuberculose, a mortalidade materno-infantil e na prestação de assistência pública. Com o 25 de Abril de 1974, o amigo de António Oliveira Salazar é destituído de todos os cargos públicos que desempenhava. Bissaya Barreto morre nesse ano, a 16 de Setembro, quando tinha ido passar o fim-de-semana a Lisboa, no Hotel Metrópole. A Fundação Bissaya Barreto foi nomeada herdeira de todos os seus bens.
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Elísio de Moura 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
de obter o grau de bacharel de Filosofia. Completou a formação em Medicina aos 23 anos, com avaliação final de Muito Bom. No ano seguinte, 1902, após apresentação de três dissertações, integrava a equipa docente da FMUC, já com grau de doutor e substituía o professor José Sobral Cid na cadeira de Patologia Interna. É aqui que inicia, em 1907, a leccionação de Neurologia e Psiquiatria em Portugal, ascendendo a catedrático em 1910. Foi um mestre da Psiquiatria, pioneiro dos estudos neurológicos e psiquiátricos na cidade de Coimbra e um dos responsáveis pela criação do Manicómio de Sena, integrado nos Hospitais da Universidade de Coimbra. Médico reputado, os colegas elegeram-no em 1939 para primeiro bastonário da Ordem dos Médicos.
Assumiu em 1922 a direcção da Casa de Infância que tem hoje o seu nome e dedicou-lhe grande parte da vida. Pioneiro nos estudos psiquiátricos, foi o primeiro bastonário dos Médicos
ELÍSIO DE MOURA,I MESTRE DEI PSIQUIATRIAI E BENFEITORI Elísio de Moura iniciou o ensino universitário de Neurologia e Psiquiatria no nosso país
Pioneiro da Psiquiatria e da Neurologia em Coimbra, Elísio de Moura teve uma vida longa e dedicou-a não apenas aos estudos e à clínica mas também à solidariedade
A
Elísio de Moura (1877-1977) se deve o início do ensino da Neurologia e da Psiquiatria em Portugal, na Universidade de Coimbra, em 1907. O médico e professor catedrático ilustre ficou na história não só pelo percurso que fez na clínica, no ensino e na investigação, mas também pela sua acção
social. Criou um lar de acolhimento para crianças desvalidas que ainda hoje tem as portas abertas e que ostenta o seu nome, apoiando raparigas em situação de risco. Natural de Braga, aos 15 anos ingressou nos cursos de Matemática e Filosofia, mas tornar-se-ia aluno da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra ainda antes
O Asilo da Infância Desvalida teve a sua origem na “Sociedade de Beneficência Protectora da Infância Desvalida”, fundada em 9 de Julho de 1835 pela Reitoria da Universidade de Coimbra, cabendo a presidência a um professor universitário. Tal cargo seria exercido a partir de 1922 por Elísio de Moura, que, em conjunto com a esposa Celestina Azevedo, acabaria por dedicar toda a sua vida à instituição. O casal, que nunca teve filhos, empenhou-se no acolhimento de raparigas em situação de risco, que ali eram «amparadas, tratadas e orientadas com todo o carinho, desvelo e cuidado», como o próprio descreveu. Dois anos após a morte da esposa, em 1947, o médico reformou-se e dedicou-se em pleno à casa, hoje Casa de Infância Elísio de Moura. A tradicional venda da pasta que decorre na altura da Queima das Fitas nasceu por iniciativa de alunos de Elísio de Moura, que quiseram contribuir para apoiar a instituição. O professor era reconhecido por ter uma notável capacidade de análise e de síntese. Apesar dos títulos e homenagens que recebeu – Grã Cruz da Ordem de Benemerência ou Grau Oficial da Ordem de São Tiago – era desprendido dos bens materiais. Faleceu em 1977 a poucos dias de completar 100 anos.
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Cultura 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
estudantes nas instalações do Diário de Coimbra. De resto, o jornal contratou, anos a fio, alunos finalistas ou “doutores” para a função de correctores/revisores. A proximidade com a vida académica acentuouse de tal forma que durante décadas foi tradição a apresentação de cumprimentos ao Diário de Coimbra pelos estudantes quando concluíam os respectivos cursos. Em particular no momento do “rasganço”, que ficava registado em fotos e em notícia. O jornal fazia e publicava também “caricaturas” de estudantes e produzia álbuns de curso por altura da Queima das Fitas. Nestes 90 anos a academia marcou sempre presença nas páginas dos jornais. Além do noticiário normal, tem havido rúbricas especiais para a vida académica, como é o caso da divulgação de doutoramentos em secção que continuamos a publicar aos domingos.
Academia, Património da Humanidade, culto religioso. Ficam aqui alguns traços culturais de Coimbra
E PARA A CULTURA… NÃO VAI NADA, NADA, NADA?
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udo o que é tradição académica está também no património da Humanidade da UNESCO. E mesmo que não estivesse seria uma referência obrigatória neste trabalho especial do Diário de Coimbra, jornal que esteve sempre ao lado da academia. E a academia ao lado do jornal. Quando a primeira edição surgiu, já a
Associação Académica de Coimbra dava lições, do alto dos seus, então, 43 anos. Fundada em 1887, a mais antiga associação académica de estudantes do país e, também, a mais emblemática, instalouse no actual edifício da Rua Padre António Vieira em 1962 (imóvel do bem UNESCO). Na relação jornal/AAC/Universidade de Coimbra registe-se a presença regular de
Curiosamente, no ano da fundação do Diário de Coimbra surge, pela primeira vez na Queima das Fitas, a missa da bênção das pastas. Afortunadamente, diremos por aqui, porque terá também abençoado estes 90 anos de jornal, a que queremos acrescentar muitos mais, apesar das dificuldades criadas pela pandemia Covid-19. E assim sendo, é o jornal que pergunta: e para a academia, não vai nada, nada, nada? E que também responde: vai tudo! Naturalmente. E para tudo o que é cultura de Coimbra também. Não podendo “ir a todas”, ficam de seguida alguns registos das tradições académicas, da Queima das Fitas ao fado de Coimbra, com passagens pelas Repúblicas estudantis. Sob o chapéu da cultura cabe muita coisa, mas não neste espaço limitado. Optámos pois por falar um pouco da cultura religiosa e dos equipamentos que permitem a fruição cultural na cidade. E lembramos Miguel Torga, figura maior da escrita de Coimbra e do país. Começamos naturalmente com a entrada da Universidade de Coimbra, Alta e Sofia na lista de Património da Humanidade da UNESCO.
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90 anos com Coimbra Património
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COIMBRA É DA HUMANIDADE, DECLARA A UNESCO
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22 de Junho de 2013, a Comissão do Património da UNESCO, com delegações de 31 países reunidas em Phnom Penh, no Camboja, aprova a classificação da Universidade de Coimbra, Alta e Sofia na lista de Património da Humanidade. E muita coisa mudou, a começar pelo ânimo, e até a cidade se revelaria, nos anos seguintes, mais alegre, dinâmica, turística, cosmopolita. Até à pandemia. A decisão estava para ser adiada mas, como noticiou o Diário de Coimbra a 23 de Junho de 2013, as delegações de outros países deram «uma reviravolta no processo, conduzindo a candidatura para uma aprovação unânime». Assegurado o critério de valor de excepção universal (com parecer positivo do ICOMOS, (International Council of Monuments and Sites), faltavam medidas de protecção do bem material. Nesse contexto, esperava-se o adiamento para uma próxima reunião do comité da UNESCO quando a intervenção de outras delegações (sobretudo as do Brasil, Índia e México) acrescentaria um novo critério de valor excepcional universal, ao falarem do papel cultural dos portugueses no mundo, com Coimbra, com uma das universidades mais antigas da Europa, a ser entendida como símbolo e expoente da cultura portuguesa. Ao ser assumida como representante de toda a cultura dum povo, Coimbra (com a única Universidade portuguesa até 1911, século XX, fundada no século XIII), foi assim associada a outro valor excepcional universal, cumprindo mais um critério para classificação de Património da Humanidade. Determinante na formação e consolidação da língua e da cultura portuguesa, a Uni-
versidade de Coimbra foi também fundamental na sua divulgação e expansão pelo mundo. À excepção do período entre 1559 e 1759, a UC foi a única do mundo lusófono até ao início do século XX e a sua acção estendia-se à formação de profissionais que seguiam para os diversos espaços de administração portuguesa, quer continental e insular, quer para territórios ultramarinos (sul-americanos, africanos e asiáticos), o que acabaria por ser determinante na organização política, administrativa e judicial daqueles territórios, influenciando a sua cultura e ideologia. Determinante para a decisão foi, pois, o bem imaterial (divulgação da língua portuguesa, influência cultural no mundo, mas também tradições e culturas académicas, como, por exemplo, a canção de Coimbra, a praxe ou o papel das Repúblicas estudantis). Um dos efeitos da classificação foi, desde logo, o chamar à atenção de um extenso património monumental da Universidade, Alta e Sofia, que se tornou “mais presente” na vida da cidade.
Bem classificado influencia 117 hectares O bem classificado pela UNESCO conta, na área material, com mais de 200 edifícios e espaços históricos. As áreas inscritas (Universidade, Alta e Sofia) contabilizam 35,5 hectares. A envolver estas áreas estende-se a zona de protecção com 81,5 hectares, com o total da área do bem a influenciar 117 hectares do território de Coimbra. Universidade, Câmara Municipal, Direcção Regional da Cultura do Centro e Coimbra Viva (Sociedade de Reabilitação Urbana) criaram a Associação RUAS (Recriar a Universidade, Alta e Sofia) para salvaguardar, promover e gerir o território afecto ao bem distinguido pela UNESCO. No cumprimento do desígnio de Património da Humanidade (recorde-se que a candidatura foi preparada e lançada no reitorado de Seabra Santos – 2002/2010), surgiram debates, iniciativas culturais, programas comemorativos de aniversário (Sons da Cidade), reabilitações imobiliárias, entre muitas outras acções. E há duas cátedras na UC com o patrocínio da UNESCO. Mas o grande impacto foi mesmo no sector do turismo, como veremos adiante nesta secção dedicada à cultura…
Diário de Coimbra acompanhou e publicou decisão da UNESCO que colocou a Universidade, Alta e Sofia na lista de bens mundiais excepcionais
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Património 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
Património classificado da Rua da Sofia precisa de um circuito de visitas
RUA DA SOFIA AINDA PROCURA O LUGAR CERTO NO BEM DA UNESCO
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pesar da real importância no bem classificado pela UNESCO, a Baixa (Rua da Sofia) tem sido uma espécie de “parente pobre” no Património da Humanidade de Coimbra, sem a atracção da Alta. Daí a importância de se falar mais deste património, inclusive neste trabalho especial.
Antes de identificarmos a parte imobiliária, fica uma breve contextualização histórica da ligação Rua da Sofia/Universidade. Para instalar o acentuado afluxo estudantil a Coimbra, foram criados vários colégios, primeiro na Baixa e depois na Alta. Para se ter uma ideia, entre 1535 e 1557, fo-
ram instalados na cidade 14 colégios de diferentes ordens religiosas. O conjunto monumental da Sofia, inteiramente dedicado ao ensino, constituiu, à época, um novo paradigma europeu como pólo cultural, mas também urbanístico. Diz o arquitecto Rui Lobo que a Câmara e a Universidade já deveriam ter concer-
90 anos com Coimbra Património
Diário de Coimbra
tado entre si – no quadro de um programa nacional ou europeu – a aquisição de alguns dos antigos colégios da Rua da Sofia, reabilitando-os com projectos qualificados e com valências que façam falta à Baixa. Desde logo, acrescenta o docente da UC, com «residências para idosos e para estudantes, implantando mais unidades universitárias e tirando maior partido de algumas mais-valias já instaladas, como o CAV (do arquitecto João Mendes Ribeiro) ou o Teatro da Cerca de S. Bernardo». «Já se poderia ter criado condições para o estabelecimento de um circuito de visita aos antigos colégios», porque «há vinte anos que se fala destes temas» e «a Rua da Sofia não se reabilitará por si própria, como a realidade do último par de décadas já demonstrou…», argumenta. Seguem-se alguns exemplos do património da Baixa que fazem parte do bem classificado pela UNESCO.
Colégio das Artes Antes de se instalar no Colégio de Jesus, na Alta, o Colégio das Artes funcionou na Baixa (ao Pátio da Inquisição, mandado construir por D. João III, no século XVI). Em 1950, com a construção da CGD, foram demolidas partes do antigo colégio. Mantiveram-se incólumes o pátio principal e outras secções, recuperadas já neste século por um projecto de João Mendes Ribeiro, que permitiu a instalação do Centro de Artes Visuais, inaugurado em 2003.
Colégio de S. Bernardo Edificado na Rua da Sofia pela Ordem de Cister, o Colégio de S. Bernardo remonta a 1541. Seria encerrado por de-
creto ministerial em Maio de 1834, passando depois de mão em mão. No seguimento do projecto de reabilitação de João Mendes Ribeiro, a antiga cerca do Colégio foi recuperada, dando lugar ao Teatro da Cerca de S. Bernardo, idealizado pelos arquitectos Julião Azevedo, Paulo Azevedo e Luís Durão, e onde está a companhia teatral A Escola da Noite.
Senhora do Carmo O complexo, fundado em meados de 1540 para instrução do clero diocesano, ocupa parte da Rua da Sofia e da Ladeira do Carmo, num terreno cedido pelos Cónegos Regrantes. As obras da igreja só ficariam concluídas em 1597. Passou para a posse da Ordem Terceira de S. Francisco (1834). Em 1855, acabaria por ser instalado no edifício colegial um asilo, ainda hoje a funcionar.
Senhora da Graça O complexo do Colégio de Nossa Senhora da Graça, da Ordem dos Eremitas Calçados de Santo Agostinho, ficou concluído em 1548, e a igreja em 1555. Integrado na Universidade por decisão régia, sofreria também com o decreto de Joaquim António de Aguiar (Maio de 1834) e passou para a Fazenda Pública. Na posse da Câmara Municipal, seria cedido, em 1836, para aquartelamento militar, com a igreja e os claustros entregues à Irmandade do Senhor dos Passos. Extinto o Quartel da Graça, em 1998, as instalações passaram para a Liga dos Combatentes. Na candidatura à UNESCO, o Colégio da Graça simboliza o “regresso” da Uni-
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versidade à Sofia, com instalação de duas unidades de investigação – o Centro de Documentação 25 de Abril e o Centro de Estudos Sociais.
Colégio S. Pedro dos Terceiros Foi fundado, inicialmente, com o propósito de receber 12 clérigos pobres que seguissem estudos nas faculdades de Teologia e Cânones da UC. Edificado entre 1540 e 1552, seria entregue aos Franciscanos Calçados. Seria mais tarde propriedade do Asilo de Mendicidade de Coimbra, que ali instituiu a Casa de Saúde de Coimbra.
Colégio de S. Tomás de Aquino O Colégio de S. Tomás de Aquino, da Ordem de S. Domingos, do século XVI, apresenta, apesar de organizado num claustro central, diferenças compositivas dos diferentes colégios erguidos à época na cidade. Adquirido pelo conde do Ameal (1834) e depois pelo Ministério da Justiça (1928), passou por várias intervenções no século XX, acolhendo hoje o Palácio da Justiça.
Colégio de S. Boaventura O Colégio de S. Boaventura está relacionado com a fundação de uma casa para acolher os religiosos da Ordem de S. Francisco que procuravam formação superior em Teologia. Seria também o precursor de um outro colégio, com o mesmo nome, na Alta. O da Sofia foi encerrado em 1834. Adquirido por particulares, está actualmente ocupado por habitações e lojas comerciais.
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Turismo 90 anos com Coimbra
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turismo começou a acentuar-se na Universidade a partir de 2013, ano em que passou a integrar a lista do património mundial da UNESCO, com o Pátio das Escola e a Biblioteca Joanina a liderarem na atracção turística. Dos 191.954 turistas em 2012, a UC passou, no próprio ano da classificação, para 238.851. De então para cá já ultrapassou a fasquia do meio milhão de visitantespor ano, oriundos na sua maioria de países como a França, Brasil, Espanha, Itália, Alemanha, Estados Unidos da América, Japão, Holanda e Israel. E também muitos portugueses, refira-se. O conjunto monumental do bem, em particular o da Universidade/Alta, é dos mais visitados do país, com os turistas a concentrarem-se em lugares emblemáticos como a Biblioteca Joanina, Capela de S. Miguel, Sala de Armas ou Sala do Exame Privado. Para dinamizar o sector foi criada, no âmbito da UC, uma equipa dedicada ao turismo com cerca de 50 profissionais. Em 2018, quando se comemoraram cinco anos da distinção, o turismo era responsável por uma receita de quatro milhões na Universidade de Coimbra, quando em 2012 se ficava por cerca de 300 mil euros. Não foi só na Universidade que o impacto do turismo se fez sentir. Da Portagem à Alta a oferta comercial organizou-se em função de uma procura crescente, com o sector privado a oferecer oportunidades para ouvir fado de Coimbra (por exemplo, e com mais regularidade, no Fado ao Centro ou no Fado Hilário), comprar um souvenir, beber um bom vinho, comer uma refeição ou dormir num prédio antigo do Centro Histórico.
Diário de Coimbra
RECEITAS DO TURISMOI PASSAM DE 300 MILI PARA QUATRO MILHÕESI
Visitas à UC passaram de 190 mil em 2012 para mais de meio milhão em 2018
Diário de Coimbra
90 anos com Coimbra Tradições académicas
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Tradição da Queima tem reflectido estados de espírito académico de diferentes épocas
DOS CENTENÁRIOS À QUEIMA, COM FITAS
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ma das festas com maior impacto em Coimbra é a tradicional Queima das Fitas, cuja origem estará em finais do século XVIII, há mais de 200 anos, portanto. Há relatos de reuniões junto à Porta Férrea de estudantes que terminavam com êxito os exames do 4.º ano. Dali iam em cortejo até ao Largo da Feira (junto à Sé Nova), onde faziam uma fogueira para queimar as fitas. Antes da Queima das Fitas propriamente dita, que deverá ter arrancado de forma organizada em 1901, realizavam-se as festas do ponto, uma espécie de latadas que assinalavam o final do ano lectivo. As duas últimas décadas do século XVIII ficaram marcadas pelos centenários, com cortejos e sarau. Há registos de crítica social e política, uma marca da Queima, nos Centenários da Sebenta e no Enterro do Grau (início e
fim de aulas), com cortejos alegóricos. O primeiro cortejo de Queima das Fitas digno desse nome terá sido o de 1901, organizado pelo curso jurídico, que juntou 20 carros alegóricos. Seguiram-se interregnos devido à conjuntura social e política (implantação da República ou Primeira Grande Guerra, por exemplo). Em 1919 realiza-se um cortejo em que participam alunos quartanistas de todas as faculdades de então e, no ano seguinte, surgiu o primeiro programa oficial de uma festa estudantil que criaria raízes na academia e na cidade. Até meados do século passado foram sendo acrescentadas iniciativas à Queima das Fitas, num enriquecimento que respondia à diversidade dos anseios sociais e culturais dos estudantes.AGarraiada surgiu em 1929 e a Bênção das Pastas em 1930, ano da fundação do Diário de Coimbra.
Serenata Monumental deixou “boas impressões” Vieram depois as cartolas e bengalas, que terão surgido no cortejo de 1931. No ano seguinte começa a Venda das Pastas, uma nobre e solidária iniciativa estudantil a favor da Casa da Infância Elísio de Moura, iniciada por estudantes de Medicina. O Baile de Gala das Faculdades surgiria em 1933 e a Imposição de Insígnias dos Quartanistas Grelados em 1946. Mais tarde surgiriam a Latada, o Chá Dançante ou o Sarau como o conhecemos hoje. Uma das grandes iniciativas da Queima que continua a ter um grande impacto na academia e na cidade é a Serenata Monumental, que marca o arranque da festa. Entrou no programa em 1949, com ampla divulgação no Diário de Coimbra.Arealização de uma serenata na «romântica Sé Velha» foi «presenciada por muitas centenas de pessoas, não só da cidade» e «toda a gente ficou com as melhores impressões», diz o jornal na edição de 20 de Maio de 1949, ao afirmar que as festas começaram com chave de ouro.
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Tradições académicas 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
CRISE ACADÉMICA DE 1969 SUSPENDE TRADIÇÕES
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17 de Abril de 1969, na inauguração do edifício de Matemática, Alberto Martins, presidente da AAC, pediu a palavra ao Presidente da República, Américo Tomás, e Coimbra nunca mais foi igual. Nem o país. Hoje, historiadores e analistas dizem que o 25 de Abril de 1974 começou ali, cinco anos antes, na coragem estudantil de pedir a palavra em plena ditadura, numa afronta que faria correr muita tinta nos dias e anos seguintes. E sangue também. Alberto Martins seria detido, seguiram-se greves às aulas e a exames, encerramento de faculdades pelo Governo, expulsões de estudantes. Autoridades e estudantes entram em confrontos físicos. Nota-se a união de milhares de estudantes e a Queima não se realiza. Em reunião Magna de 22 de Abril é decretado o luto académico, com greve às aulas, cancelamento de festividades, proibição do uso de insígnias. Capa e batina têm de andar fechadas. Nesse ano, a célebre final da Taça de Portugal, entre
Estudantes de Coimbra pedem a palavra e mobilizam-se contra o regime
Briosa e Benfica, tornar-se-ia a maior manifestação de sempre contra o Estado Novo (já liderado por Marcelo Caetano). O fim do luto só surgiria em finais da dé-
cada de 1970, com o cortejo da Queima a regressar em 1980, por decisão do ano anterior da Direcção-Geral da AAC, presidida por Maló de Abreu.
Milhares aplaudem o regresso da Queima 1979 e 1980 são anos de tensão no meio estudantil, com rivalidades entre os que queriam manter o luto académico e a contestação política - em tempos que já não eram de ditadura mas de uma liberdade que dava os primeiros passos em democracia – e os que pugnavam pelo regresso das tradições académicas e pelo fim do luto. Vingaram os segundos e a História dá-lhes razão. Logo no primeiro ano do regresso da Queima, a Serenata Monumental «é a maior de sempre», noticia o Diário de Coimbra na edição de 24 de Maio, curiosamente a dos 50 anos do jornal. No regresso da festa registam-se enchentes na Garraiada (Figueira da Foz) e no Baile das Faculdades. Na edição de 28 de Maio, uma quarta-feira (o desfile era então à terça-feira), o Diário de Coimbra titula, em primeira página: “A resposta está aí: mais de 200 mil pessoas
Academia e Coimbra aplaudem o regresso da Queima, 11 anos após a suspensão
assistiram ontem ao maior cortejo de sempre da Queima das Fitas”. De então para cá nada parou a Queima das Fitas,
que foi crescendo em programação. Até este ano, em que não se realizou em Maio, devido à pandemia de Covid-19.
Diário de Coimbra
90 anos com Coimbra Tradições académicas
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ADEUS ÀS NOITES DO PARQUE
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programação da Queima das Fitas tem evoluído com naturalidade, acompanhando as exigências dos tempos. Em 2001, as noites da Queima das Fitas deixam o Parque da Cidade, onde ocorriam tradicionalmente, e rumam para o “Japão” (margem esquerda), na gíria estudantil, ou, oficialmente, Praça da Canção. Ou Choupalinho. Em 2008, dá--se outra mudança significativa, com a adaptação da festa ao sistema de Bolonha. O cortejo passa a ter alunos de 3.º ano nos carros e o cortejo muda de terça-feira para o domingo. Sem perder a elevada assistência, diga-se. Bolonha traria também mudanças significativas na administração escolar e a Universidade passa a ter um Conselho Geral, com entidades externas e internas. O primeiro, recorde-se, foi presidido por Artur Santos Silva.
Noites deixam o Parque Manuel Braga e passam a realizar-se na Praça da Canção
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Repúblicas 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
REPÚBLICAS FAZEM A DIFERENÇA NA VIDA ACADÉMICA
Repúblicas estudantis têm um carisma muito próprio, que vai sendo transmitido de geração em geração
A
s Repúblicas de Coimbra são, se assim se pode dizer, guardiãs da democracia, da vida em comunidade e para a comunidade, da entreajuda. Do espírito académico, seguramente. As suas origens serão do século XIV, quando o rei D. Dinis mandou edificar casas em Almedina para albergar estudantes da Universidade, mediante pagamento. Ao longo dos séculos, as Repúblicas estudantis criaram tradições próprias. Em 1957,
o primeiro código de praxe conferiu-lhes estatuto jurídico e regulamentou o seu funcionamento. Nos anos 60 do século passado, tiveram um papel crucial no debate e defesa de valores da liberdade e da democracia que originaram lutas estudantis na Europa e em Portugal. São solidárias por natureza. O Novo Regime de Arrendamento Urbano tem-lhes causado dificuldades, pelo aumento exponencial das rendas. Para tra-
varem especulações imobiliárias e afirmarem o seu valor social e académico, a maioria das mais de 20 Repúblicas tem pedido à Câmara Municipal de Coimbra o reconhecimento como entidade de interesse histórico e cultural ou social local. São critérios de reconhecimento de estabelecimento ou entidade de interesse histórico e cultural ou social local a actividade, longevidade (mais de 25 anos) e patrimónios material e imaterial, entre outros.
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Repúblicas 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra
República dos Kágados
República da Praça
República dos Fantasmas
República dos Pyn-Guyns
República dos Inkas
República dos Kapängas
República do Kuarenta
República Prá-Kis-Tão
República Rápo-Táxo
República Rás-Te-Parta
República Boa-Bay-Ela
República Bota-Abaixo
Repúblicas reconhecidas como entidade de interesse histórico e cultural ou social local Associação Real República dos Fantasmas República fundada em Abril de 1969, em plena crise académica, está localizada no Bairro Sousa Pinto.
Real República Rápo-Táxo Fundada em 1955, é hoje vizinha dos Fantasmas, no Bairro Sousa Pinto. Foi reconhecida como Real República em 1962, apadrinhada pela Real República Boa-Bay-Ela.
Associação da República dos Inkas Iniciou actividade em 1954 e está situada na Rua da Matemática.
República do Kuarenta Vizinha dos Inkas na Rua da Matemática, a República do Kuarenta foi fundada em 1975.
Associação Real Repú-
blica Prá-Kis-Tão A Real República Prá-Kys-Tão foi fundada em 1951 e está situada na Rua das Esteirinhas, na Alta.
oriundos, na sua maioria, do Minho.
Real República dos Pyn-Guyns
Refúgio de Zeca Afonso quando este procurava ludibriar a PIDE, a Real República BoaBay-Ela foi fundada em 26 de Janeiro de 1956 e grande parte da sua história está documentada no livro comemorativo do seu 50.º aniversário, elaborado por gerações de residentes. Também casa de Adriano Correia de Oliveira, está situada na Rua João Pinto Ribeiro.
Fundada em 1954, está hoje na Rua Dr. Henriques Sêco. É uma das Repúblicas mais activas na crise de 1969, até porque o então presidente da AAC, Alberto Martins, era “pyn-guyn”. No movimento estudantil que afrontou o regime estiveram também outros repúblicos da casa, como Décio Sousa, Januário Pinheiro, José Bandeira, Baltazar Ribeiro, Rui Namorado, José Cândido Rodrigues, Rui Jorge, Augusto de Vasconcelos e Jorge Ventura.
Paços da República dos Kágados
Associação da Real República Rás-Te-Parta
Situada na Rua Joaquim António de Aguiar, a República dos Kágados também foi refúgio de Zeca Afonso. Foi fundada em 1933, por estudantes
A Associação da Real República Rás-Teparta foi fundada em 1943 e está na Rua da Matemática. Entre as actividades que dinamiza destaque para
Real República Boa-Bay-Ela
as homenagens a Adriano Correia de Oliveira e a José Afonso.
República Solar dos Kapängas É a República mais distante do Pólo I da UC. Situada na Rua da Mãozinha, em Santo António dos Olivais, tem actividade a partir de 1957, sendo casa de estudantes maioritariamente oriundos de Pombal.
Associação República da Praça AAssociação Solar da Praça teve a sua génese na Casa Comunitária da Praça no final da década de 50, tendo obtido o estatuto de Solar da Praça em 1989. Está hoje localizada na Rua João de Deus.
Associação Real República Bota-Abaixo A Real República do Bota-Abaixo, na Rua de S. Salvador, existe desde 1986.
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Fado 90 anos com Coimbra
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Cultivadores geniais do canto e da guitarra de Coimbra
O FADO QUE A TODOS TOCA
E
xpressão musical única no mundo, o fado de Coimbra evoca, na maioria dos poemas, o amor e a saudade por uma mulher, pela cidade ou pela Academia. Desde o século XVI que os estudantes cantam e encantam pelas ruas de Coimbra, criando ligações entre a cultura erudita e a popular. Ao invés do fado de Lisboa, que povoa tabernas e casas de fado, o de Coimbra é, na essência, um fado de serenata, de rua, com letras e músicas de
raiz popular e de origem erudita, tendo sido musicados poemas dos mais ilustres poetas que pela Universidade de Coimbra passaram. A caixa da guitarra de Coimbra é maior do que a de Lisboa, é afinada num tom abaixo e a sua voluta é em forma de lágrima. Com os tempos, o género musical sofreu algumas alterações, dando origem ao canto e à canção de Coimbra que a cidade e a Universidade vão orgulhosamente recriando, respeitando a sua essência e a sua génese.
Cultura académica envolve a cidade A relação cultural da AAC com Coimbra percebe-se no impacto e actividades das suas secções culturais e dos oito organismos autónomos na vida citadina. A AAC tem 15 secções culturais, em que se incluem a do fado, o jornal a Cabra e a Rádio Universidade, as que mais visibilidades têm tido. Como organismos autónomos da AAC estão, na área cul-
tural, o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, o Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, Tuna Académica da UC, Orfeon Académico de Coimbra, Coro Misto da UC, Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra, Orquestra Académica da UC e Coro da Capela da UC.
Carlos Paredes
Pinho Brojo
Luís Goes
António Portugal
Cultivadores do canto e da guitarra de Coimbra há muitos, antigos e actuais, mas alguns, pela sua virtuosidade, atingiram patamares e actuações difíceis de igualar. Desde o lendário Hilário. Na impossibilidade de falarmos de todos ficam breves notas de quatro notáveis, todos falecidos. Nascido em 1931, António Portugal aprendeu a tocar guitarra com os irmãos. Desde os tempos do Liceu D. João III que conviveu com grandes nomes da canção de Coimbra, como Luiz Goes e José Afonso. Foi um dos compositores da música do tema “Trova do vento que passa”, com letra de Manuel Alegre. Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e da Liberdade, António Pinho Brojo destacou-se na vida académica e na política, mas foi como músico virtuoso que se guindou na genialidade. O professor de Farmácia da UC formaria, com António Portugal, um dos mais célebres duos da guitarra de Coimbra.
Luís Goes foi considerado a melhor voz e o melhor intérprete dos últimos 70 anos do fado de Coimbra. Iniciou-se no fado por influência do tio paterno, Armando Goes, contemporâneo de Edmundo Bettencourt, António Menano, Lucas Junot, Paradela de Oliveira, Almeida d'Eça e Artur Paredes. Carlos Paredes, filho do grande mestre da guitarra de Coimbra Artur Paredes, começou a tocar muito cedo e iniciou a carreira musical aos 11 anos, em 1936. Compôs temas para vários filmes como “Rendas de Metais Preciosos” e “Verdes Anos”. Lançou os álbuns “Guitarra Portuguesa” ou “Movimento Perpétuo”e “Espelho de Sons”. Trabalhou, entre outros, com Carlos do Carmo e Adriano Correia de Oliveira. Jorge Tuna, João Bagão, Jorge Alcino de Morais (Xabregas)… a lista é extensa e todos mereciam estar aqui. Falta o espaço mas consola saber que estão, e vão estar sempre, presentes no fado de Coimbra.
90 anos com Coimbra Religião
Diário de Coimbra
SANTA ISABEL, RAINHA NA MONARQUIA E NA REPÚBLICA
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padroeira de Coimbra e de Portugal, foi rainha em Monarquia e é rainha na República. Descendente da Casa Real de Aragão, a Rainha Santa Isabel terá nascido a 11 de Fevereiro de 1270, em Saragoça. Onze anos depois, por procuração, realizou-se o casamento com D. Dinis, em Trancoso. Foi nesse ano que Isabel de Aragão viu Coimbra pela primeira vez. Aqui viveu e está sepultada. E aqui realizou muitas das práticas caritativas. Nos anos pares (este ano não se realiza por causa da pandemia), a imagem da Rainha desce de Santa Clara à Baixa de Coimbra, seguida em procissão por milhares de devotos. Nos seus 90 anos, o Diário de Coimbra testemunhou e noticiou duas procissões que saíram do percurso habitual e levaram a imagem à Sé Nova: em 1936, nas come-
Nos 90 anos do jornal, a imagem da Rainha foi duas vezes à Sé Nova
morações dos 600 anos da morte da Rainha e em 2016 para assinalar os 500 anos da beatificação. Da primeira vez, como se lê no jornal de então, a procissão da Penitência foi antecedida da exposição, no largo do mosteiro de Santa Clara-a-Nova, do cofre
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com o corpo da Rainha Santa. Em 2016, os devotos puderam ver a mão da Santa Isabel, o que já não sucedia desde 2012.
Lúcia, a última vidente Coimbra tem, de resto, uma cultura religiosa implícita, natural, ou não tivesse resultado de uma definitiva conquista cristã aos mouros. Outra figura da religião católica que por aqui viveu é Lúcia de Jesus dos Santos, vidente de Fátima nas aparições de 1917, quando tinha 10 anos. A Irmã Lúcia optaria pela vida religiosa, antes mesmo do reconhecimento das aparições pela Igreja (1930). Em 1948 decidiu entrar no Carmelo de Santa Teresa, em Coimbra, para viver em reclusão voluntária. Lúcia do Coração Imaculado, nome religioso que adoptou, registou as suas “Memórias”em dois volumes e também escreveu “Apelos da Mensagem de Fátima”. Morreu a 13 de Fevereiro de 2005, aos 97 anos. Maio de 1982 regista outro marco da vida católica de Coimbra: 35 mil pessoas juntaram-se no Estádio Municipal para a chegada do Papa João Paulo II. O Sumo Pontífice foi então distinguido na Universidade com o título “honoris causa” .
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Espaços culturais 90 anos com Coimbra
Convento que foi hospital, quartel e fábrica é hoje pólo cultural de excelência
CULTURA VIVE EM COIMBRA EM DIÁLOGO COM A HISTÓRIA
Museu também é da Humanidade Comecemos por aí, pela feliz integração do MNMC na lista do Património Mundial da UNESCO, fazendo parte, desde Julho do ano passado, do conjunto Universidade, Alta e Sofia. Monumento nacional desde 1911, ocupa um espaço que foi Paço Episcopal de Coimbra e que já tinha sido forum da cidade em época romana (do qual resta um impressionante criptopórtico, o mais relevante da Península Ibérica).
equipamentos municipais de Coimbra. Adquirido pela Câmara em 1986, esteve em obras de requalificação desde 2010. Reabilitado a partir de um projecto do arquitecto João Luís Carrilho da Graça, mantém a traça original mas apresenta uma dinâmica contemporânea. O projecto incluiu a construção de raiz de um auditório com capacidade para 1.125 lugares. Em 2015 iniciaram-se obras de recuperação da antiga igreja do Convento de São Francisco, com um projecto do arquitecto Gonçalo Byrne. Com um auditório que apresenta condições técnicas únicas no país e várias salas polivalentes, o Convento São Francisco reabriu ao público em 2016. Local de excelência para a realização de congressos e colóquios, tem impulsionado o turismo e a democratização no acesso à cultura, com projectos educativos e apoio à criação de residências artísticas, entre outras iniciativas.
O melhor da história natural O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra detém o mais antigo núcleo museológico português de história natural e instrumentos científicos, indissociável do património edificado de matriz jesuíta e pombalina. Guarda colecções que reflectem a evolução da Universidade de Coimbra e a sua influência em Portugal e no mundo. Parte do acervo pode ser visitada nas salas originais (Laboratório Chimico e o antigo Colégio de Jesus). O MCUC guarda o espólio académico e as colecções do antigo Museu Nacional da Ciência e da Técnica.
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bordamos o tema dos equipamentos de oferta cultural em Coimbra com a certeza de que não poderemos ir ao passado, por exemplo aos “velhinhos” TeatroAvenida, cinemas Sousa Bastos ou Tivoli, e de que não conseguiremos falar de todos os que actualmente existem. Surge como natural o destaque ao Museu Nacional Machado de Castro (MNMC) e ao “novíssimo” Convento São Francisco, ou ao Museu da Ciência da Universidade. Ou ao Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Falta o destaque a muitos outros porque o papel que todos assumem nesta área é de grande relevância numa cidade Património da Humanidade.
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Capela do Tesoureiro é uma das relíquias do Museu Machado de Castro
O MNMC, que entre as muitas distinções conta com os prémios de Melhor Museu Português 2013, Melhor Intervenção de Conservação e restauro 2012, e Medalha de Ouro da Cidade de Coimbra 2013, guarda mais de uma centena de obras consideradas Tesouro Nacional. Esteve encerrado entre 2006 e 2012, para cumprir um projecto de reabilitação do arquitecto Gonçalo Byrne.
Convento reforça oferta cultural O convento que foi hospital, quartel e espaço industrial, é hoje dos principais
A nova Santa Clara-a-Velha Depois de 17 anos em obras de recuperação, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha reabriu em Abril de 2009 para oferecer ao público um centro interpretativo com “a história do sítio”. O centro, que ocupa um edifício de mil metros quadrados, tem funções museológicas e está dotado de auditório, salas de exposições, uma loja e uma cafetaria. Em 2010, o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha foi distinguido com o prémio Europa Nostra, galardão anual que distingue os melhores projectos de conservação do património cultural e natural do continente europeu.
90 anos com Coimbra Espaços culturais
Diário de Coimbra
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OUTROS ESPAÇOS CULTURAIS TAGV O Teatro Académico de Gil Vicente, estrutura da Universidade de Coimbra, foi inaugurado em 1961. O único edifício teatral universitário do país, remodelado em 2003, é pólo de formação e conhecimento artísticos.
seu Sala da Cidade e Casa-Museu Miguel Torga.
2008 pela companhia de teatro O Teatrão.
Outros museus
Cerca de São Bernardo
Além dos museus municipais, a Universidade contribuiu para a valorização museológica com outros espaços, que seria impossível referir de forma completa. Fica a menção ao Museu de Zoologia ou ao Museu Académico. Há ainda, na cidade, a Casa-Museu Bissaya Barreto e o Museu da Santa Casa da Misericórdia.
O Teatro da Cerca de São Bernardo foi inaugurado em 2008, com construção integrada na requalificação da zona do Pátio da Inquisição/ Cerca de S. Bernardo/alas poente e central do Colégio das Artes. O equipamento municipal é gerido pela companhia de teatro Escola da Noite.
Oficina Municipal de Teatro
Casa da Escrita
Museus municipais A Câmara Municipal de Coimbra conta, no seu património cultural imobiliário, com os museus Núcleo da Cidade Muralhada – Torre de Almedina, Edifício Chiado, Núcleo da Guitarra e do Fado de Coimbra – Torre do Anto, Mu-
O equipamento municipal construído de raiz na Rua Pedro Nunes, ao Vale das Flores, tem duas salas polivalentes para espectáculos, a Sala Grande e a Tabacaria. Inaugurada em 2002, a Oficina Municipal de Teatro é gerida desde
exposição, uma videoteca/ discoteca, Exploratório (depois transferido para o Parque Verde do Mondego), ludoteca, Teatro Estúdio Bonifrates e Círculo de Artes Plásticas. Também acolhe a Biblioteca Municipal de Coimbra.
CAV Pavilhão Centro de Portugal O Pavilhão Centro de Portugal (vindo da Expo 2000, de Hannover para o Parque Verde) foi inaugurado em 2003, quando Coimbra foi Capital Nacional da Cultura. O equipamento municipal é hoje “casa” da Orquestra Clássica do Centro.
Casa da Cultura A Casa Municipal da Cultura abriu a 26 de Outubro de 1993, com quatro galerias de
O equipamento municipal Centro de Artes Visuais (Encontros de Fotografia) abriu em 2003, ao Pátio da Inquisição, num espaço que pertenceu ao Colégio das Artes.
A residência do poeta João José Cochofel passou a ser a Casa da Escrita, equipamento municipal inaugurado em 2010. O espaço foi embrião do neo-realismo e acolheu reuniões de grandes nomes das artes e do pensamento político.
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Miguel Torga 90 anos com Coimbra
Diário de Coimbra FOTOBIOGRAFIA MIGUEL TORGA
Miguel Torga era um incansável viajante
MIGUEL TORGA: A MAGIA DAS PALAVRAS QUE CONQUISTOU O MUNDO 1907-1995 Dominado pela vontade de compreender o seu país e o seu semelhante, Miguel Torga deixou-nos um vasto legado, repartido pela poesia, o romance, o conto, o diário, o teatro e o ensaio. Um génio a quem devemos algumas das mais belas páginas da literatura portuguesa
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os livros descobriu o mundo e a força viva da palavra. E foi com uma escrita mágica, simultaneamente áspera e poética, que Miguel Torga deixou a sua marca. Uma vasta obra, um bálsamo para as dores da alma que o escritor se empenhou em sarar, partilhando, com o médico, os remédios para as maleitas do corpo. Miguel Torga, um dos maiores génios da literatura portuguesa, foi também um homem sóbrio, discreto, critico, desassossegado, inconformado e solidário e, acima de tudo, um homem livre e um defensor da liberdade. Natural de Trás-os-Montes, o menino pobre“fugiu”ao destino, trocando as magras courelas de S. Martinho de Anta pelas fartas fazendas do Brasil. Uma meninice “atordoada” e uma adolescência “escravizada”, que terminaram em Coimbra.Aqui “malhou forte e feio nos livros” para completar o liceu e entrar na Universidade. Foi em Coimbra que Miguel Torga escreveu grande parte da sua obra, mas foi também aqui que despertou para a escrita. Primeiro a medo. Depois, decidido. Determinado, entendeu seguir dois caminhos: «Sem qualidades pedagógicas, canhestro em línguas, inimigo de códigos e sentenças, e, sobretudo, cioso de liberdade, só na arte de Hipócrates poderia encontrar ao mesmo tempo uma profissão e um caminho humano paralelo ao que, sem diplomas de nenhuma espécie, tencionava seguir. Serviria dois amos, dando a ambos o mesmo devotamento e a mesma fidelidade. Dos honrados serviços prestados a um, tiraria o pão da boca; do inquebrantável esforço dado ao outro, nada receberia», escreveu no romance autobiográfico “ACriação do Mundo”. Estava, assim, traçado, pelo seu próprio punho, o destino a seguir. O poeta, ensaísta, dramaturgo, romancista e autor de alguns dos mais belos contos escritos em português. Mas também o médico, Adolfo Correia Rocha, especialista em otorrinolaringologia, que deu consultas em Trás-os-Montes, em Leiria, Arganil e em Coimbra. O seu consultório, no Largo da Portagem, foi, durante anos, um espaço de encontro e inspiração, onde a medicina e a escrita se cruzavam. Mas também a casa onde vivia a família, hoje transformada em Casa-Museu, na Praceta Fernando Pessoa, em Coimbra. A filha, Clara Rocha, investigadora e professora universitária, recorda essa vivência, marcada pelos livros e pela cultura. «A
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nossa casa era uma casa de livros, de muitos livros que se distribuíam por várias divisões. E desde cedo aprendi a amá-los. Mais tarde, a leitura e o estudo foram uma das minhas ocupações mais regulares, num ambiente austero de trabalho, que era depois compensado, nas férias, com as idas a S. Martinho de Anta, o encontro com os amigos, os passeios na natureza, as viagens ao estrangeiro». Conhecido e reconhecido, Miguel Torga “chamava” a Coimbra as mais diversas personalidades. «Pela casa de Coimbra passaram muitas personalidades, desde presidentes da República a intelectuais e artistas», recorda Clara Rocha. «Tive a sorte de conhecer figuras da vida política, escritores portugueses e estrangeiros, editores e tradutores, um convívio do qual guardo inúmeras recordações e que teve uma grande influência na minha formação». Sem querer entrar em pormenores, Clara Rocha partilha connosco uma «história de infância». Uma entre, certamente, muitas: «Em 1963, o poeta brasileiro Murilo Mendes quis conhecer Miguel Torga e visitou a nossa casa, na companhia de Luciana Stegagno Picchio. Conversaram pela noite fora e, a certa altura, Torga quis mostrar-lhes a filha, que tinha 8 anos e ainda usava tranças. Acendeu a luz do meu quarto e levantou-me nos braços por breves momentos, semi-adormecida. Nessa mesma noite, Murilo Mendes escreveu o poema “Murilograma para Clara Rocha” que viria a ser integrado no conjunto de poemas intitulado “Murilogramas” e publicado no volume “Convergência” (1970)». Um longo poema onde, confessa, «encontrei, já na idade adulta, uma definição de mim mesma que só um poeta poderia formular: “Vislumbrei-te uma única vez/ No claroescuro/ Entreaberta Clara/ Telepessoa./ Levantada pelas colunas do teu pai./ A noite era./ Estava./ Tinha tu própria./ Da linhagem de Bernardim Ribeiro e Memling./ (...)Binocularmente soube te delimitar: jovem relâmpaga (…)». «Sempre que olho para o manuscrito do poema de Murilo, penso nessa estranha e inextricável relação entre a literatura e a vida, uma relação que passei anos a estudar e a ensinar, e que ainda hoje não tenho a certeza de ter decifrado por completo», diz a investigadora, que considera o facto de ser filha de um dos maiores vultos da literatura portuguesa «um privilégio e uma responsabilidade».
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Um legado exigente ESPÓLIO MIGUEL TORGA
Escritor foi também médico filantropo
«Uma vida tão intensa como a de Miguel Torga é uma lição, um exemplo que não pode deixar de me responsabilizar», afirma, reconhecendo ser «sempre difícil falar na dupla condição de filha e de professora de Literatura, mas foi com esse exemplo que aprendi alguns dos valores fundamentais da vida», sublinha. O legado literário de Miguel Torga representa, hoje, para Clara Rocha, «um trabalho constante de expediente e resposta às mais diversas solicitações. Todas as semanas recebo, através da Sociedade Portuguesa de Autores, pedidos de autorização para a utilização de textos». «Exemplos recentes» são, designadamente, «propostas de adaptação de con-
tos para cinema e televisão», «a reprodução de um excerto sobre o Algarve numa parede do Aeroporto de Faro, a publicação duma fotografia de Miguel Torga no “Calendário Literário”de 2021 de uma editora alemã, com sede em Hamburgo». Mas também há «pedidos para musicar poemas», a utilização de um poema num conjunto de selos dos CTT, «além de acompanhar, claro está, a reedição das obras de Miguel Torga, em Portugal e no estrangeiro». Clara Rocha recorda, ainda, o médico. «As consultas de graça que dava quando ia a S. Martinho de Anta, nas férias do Natal, de Páscoa e de Verão». Ou as consultas que deu, no Hospital da Misericórdia, em Arganil, «a convite do seu grande amigo Fernando Valle. Ia uma vez por semana, dava consulta e operava». Mas também o consultório instalado no Largo da Portagem, em Coimbra, que «ficou conhecido como o lugar dum duplo magistério, a medicina e a escrita». Um espaço que foi, igualmente, à semelhança do que aconteceu com a casa de família, «o lugar de longas conversas com políticos, escritores, editores estrangeiros, alguns jornalistas e jovens estudantes». «A reflexão sobre a prática da medicina ficou registada em muitos passos do “Diário”, que documenta também muitos episódios do quotidiano clínico», acrescenta.
Proposto para o Prémio Nobel Primeiro escritor a receber o mais alto galardão da língua portuguesa, o Prémio Camões (1989), Miguel Torga foi agraciado com os mais diversos títulos nacionais e internacionais. “Falhou” o Prémio Nobel. Clara Rocha lembra a proposta apresentada à Academia Sueca, em 1960,«pelo Prof. Jean-Bapiste Aquarone, da Universidade de Montpellier, com o apoio de muitos escritores, artistas plásticos, médicos, professores e jornalistas portugueses e estrangeiros». Todavia, «pouco depois, um grupo de intelectuais, na sua maioria ligados ao Partido Comunista, apresentou um segundo nome, o de Aquilino Ribeiro». Os
jornais da época, recorda, «documentaram largamente a polémica em torno dos dois nomes e o modo como as opiniões se dividiram». «Duas proposituras discutidas com alarido na praça pública não abonavam a favor de um país tão pequeno e só podiam estar condenadas ao fracasso», conclui a investigadora. O nome do escritor transmontano, que se assume como «de todas as terras de Portugal» viria, «de acordo com os arquivos da Academia Sueca», a ser «de novo proposto em anos seguintes e em 1965 integrou a lista de candidatos, por iniciativa do Prof. Goran Hammarstrom».
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“Cartas para Miguel Torga” ESPÓLIO MIGUEL TORGA
Publicado em Janeiro deste ano, com organização e prefácio de Carlos Mendes de Sousa, “Cartas para Miguel Torga” constitui uma «selecção de cartas de mais de 60 autores para Miguel Torga», cujos arquivos estão em poder da filha. «O livro dá-nos um retrato muito diferente daquele que foi fixado pela doxa (opinião) e permite desfazer vários equívocos acerca de Torga, a começar pelos infelizes lugares-comuns do escritor isolado e de feitio agreste», afirma. Além de “cartas de circunstância”, a parte mais substancial desta correspondência «revela amizades fortes, cumplicidades e partilhas, uma convivialidade no plano afectivo e no plano intelectual que vai sendo cada vez mais rara nos dias de hoje, e que nos dá uma imagem muito viva do escritor e dos seus correspondentes». Exemplifica com Vitorino Nemésio ou João Meneres Campos, que «partilham inquietações metafísicas ou entusiasmos literários», ou, noutro plano, «a carta de Gabriela Nemésio, tão to- Criado nas serras transmontanas, escritor cante no modo como dá a Miguel Torga tem um profundo cunho humanista
notícias de sua mulher, que sofrera um acidente de automóvel quando se dirigia a Lisboa para o visitar na prisão do Aljube». A obra testemunha, também, a forma como o escritor «se relacionou com políticos, escritores portugueses e estrangeiros, e recebeu cartas dos mais variados remetentes. Desde um preso por «tentativa de emigração clandestina que da cadeia de Elvas lhe escreve a pedir alguns livros, até ao ministro da Cultura de França, Jack Lang, que em 1988 (...) convida o escritor português a participar num encontro sobre a literatura portuguesa contemporânea, destacando o significado da sua presença: “Je serais personnellement très heureux de pouvoir vous accueillir à Paris comme grand invité de cette manifestation./Une dizaine d’écrivains portugais participeront à ces rencontres mais votre présence aurait une valeur symbolique très importante pour le public français pour qui vous incarnez le Portugal”».
Um “long seller” Miguel Torga «é um “long seller”», diz Clara Rocha, recordando a expressão usada por um jovem empregado da livraria do Corte Inglês em Lisboa. Significa que é «um autor que continua a ser procurado e amado, embora os tempos sejam outros e já não tenha aquelas dezenas de milhares de leitores que teve em vida». Tanto mais que «os programas escolares já não incluem a leitura integral de obras suas», adverte. Nas comemorações do centenário de
Torga, em 2007, a filha confessa ter ficado impressionada «com a quantidade de iniciativas que surgiram de uma forma espontânea um pouco por todo o lado», exposições sobre a vida e a obra, documentários, espectáculos, colóquios, organizados pela Gulbenkian e por várias universidades, etc. Refere ainda uma página de Facebook, “Miguel Torga –ACriação do Mundo”- «que não sei quem faz» -, onde regularmente são colocados poemas e excertos de prosa e
tem «25 mil seguidores». Recentemente, no jornal britânico “The Guardian”, foi publicada uma lista dos “10 melhores livros a ler sobre Portugal”, que inclui “Tales and Mores Tales of the Mountain (volume que reúne os “Contos da Montanha”e os “Novos Contos da Montanha”, em tradução inglesa). Refere, ainda, a “Fotobiografia”, que organizou, a convite da D. Quixote, lançada em 2000, com uma tiragem de 10 mil exemplares, e que «foi reeditada em 2018».
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Miguel Torga 90 anos com Coimbra
Perfil FOTOBIOGRAFIA MIGUEL TORGA
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Andrée Crabbé: uma mulher corajosa FOTOBIOGRAFIA MIGUEL TORGA
Adolfo Correia Rocha nasceu a 12 de Agosto de 1907 em S. Martinho de Anta, Trás-os-Montes. Filho de lavradores, passou pelo Seminário de Lamego, mas não teve fé para querer ser padre. Com 12 anos rumou para o Brasil e em Minas Gerais foi um “moiro de trabalho” nas fazendas do tio. Cinco anos depois, regressa à terra natal e, a expensas do tio, recomeça a estudar, em Coimbra. Em 1928, com 21 anos, ingressa na Faculdade de Medicina e publica a primeira de muitas obras, “Ansiedade” (poesia). Em 1934 adopta o pseudónimo literário de Miguel Torga. Miguel, em homenagem a dois grandes vultos da cultura ibérica: Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno. Torga, numa evocação da urze, assim designada em terras transmontanas. Publicou mais de meia centena de obras e foi agraciado com vários galardões, designadamente os prémios Montaigne (1981), Camões (1989) e da Associação Portuguesa de Escritores (1992). O médico, Adolfo Rocha, morreu a 17 de Janeiro de 1995. O escritor, Miguel Torga, continua vivo no vasto legado que nos deixou como herança.
Miguel Torga com a esposa, Andrée Crabbé
Miguel Torga casou, em 1940, com Andrée Crabbé, uma jovem de origem belga, que foi aluna de Vitorino Nemésio na Universidade Livre de Bruxelas e em 1938 veio a Portugal, para frequentar um curso de férias na Universidade de Coimbra. Foi em casa de Nemésio – a casa do Tovim – que Miguel Torga conheceu a jovem estudante. «A minha mãe era uma mulher corajosa, que em plena Guerra Civil de Espanha foi com um grupo de estudantes da Universidade de Bruxelas (representativo das várias tendências dentro da Associação de Estudantes) dar apoio aos republicanos espanhóis», recorda Clara Rocha. «Era muito culta e todos os que a conheceram recordam o seu gosto permanente de aprender
e ensinar, a par do seu amor por Portugal». Doutorou-se em 1944, com uma tese sobre “O Teatro de Garrett”. «Sendo uma pedagoga por vocação, sofreu muito por ter sido demitida, por ordem de Salazar, das funções de professora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa», recorda, lembrando uma «famosa leva de demissões políticas», feita em 1947, que incluiu «nomes prestigiados do meio académico como Pulido Valente e Fernando da Fonseca. «Só em 1970 pôde regressar à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o que significa que durante mais de 20 anos foi impedida de dar aulas no ensino público e teve de dar aulas em casa e na Alliance Francaise”».
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Taça de Portugal 90 anos com Coimbra
Marinho, herói da Académica na final da Taça de Portugal de 2012, ergue o troféu
HÁ DUAS DATAS QUE A BRIOSA E COIMBRA VÃO RECORDAR PARA SEMPRE No dia 25 de Junho de 1939, a Académica conquistou a Taça de Portugal, a primeira da história do futebol português, feito que repetiu a 20 de Maio de 2012. Em ambos os triunfos, a cidade saiu à rua para festejar
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á datas que não se esquecem. A Alberto Gomes colocou os estudantes em história da Académica também vantagem. O público festejou efusivatem. E há duas especiais: 25 de mente. Havia muita gente vinda de CoimJunho de 1939 e 20 de Maio de bra e muitos antigos estudantes a viver 2012. Além dos dias, também o Campo das em Lisboa, mas que não esqueceram os Salésias e o Estádio Nacional, locais onde tempos na Lusa Atenas. foram disputadas as duas Taças de Portugal conquistadas pela Briosa, têm um lugar especial guardado no coração dos adeptos. São momentos únicos que perduram na memória, com o primeiro a fazer parte da história do futebol português, uma vez que se tratou da primeira Taça de Portugal jogada sob este nome. Em 1939, no imponente, à época, Campo das Salésias, a Académica derrotou, por 4-3, o Benfica. Rogério adiantou os encarnados no marcador, mas a Briosa respondeu por intermédio de Pimenta. O Diário de Coimbra esteve nas duas finais
Diário de Coimbra
Rogério empatou para o Benfica, antes de Arnaldo Carneiro recolocar a Briosa na frente. Os estudantes reforçaram a vantagem com mais um golo de Arnaldo Carneiro. O melhor que os lisboetas conseguiram foi reduzir para a diferença mínima por intermédio de Brito. «AAcadémica campeão do Império», escreveu, no dia 26 de Junho de 1939, o Diário de Coimbra, referindo, na primeira página, que «Coimbra está em festa pela vitória alcançada ontem, em Lisboa, pelo seu campeão de futebol - a valorosa turma da Associação Académica». No dia seguinte, o Diário de Coimbra fazia eco da «apoteótica recepção à chegada do grupo da Associação Académica», acrescentando que «muitos milhares de manifestantes vitoriam sem cessar os jogadores».
73 anos depois Foram precisos 73 anos para a Briosa voltar a fazer a festa na final da Taça de Portugal. A 20 de Maio de 2012, no Estádio Nacional, Marinho assumiu o papel de herói ao marcar, logo aos quatro minutos, o único golo do jogo contra o Sporting. “Já cá canta outra!” foi o título do Diário de Coimbra, na página 16 de 21 de Maio de 2012, dando também conta de «uma tarde memorável». «Histórica!», reforçou, antes de explicar que «a Briosa marcou cedo, podia ter goleado, soube sofrer e venceu». Com uma reportagem alargada de oito páginas, o Diário de Coimbra, de 21 de Maio de 2012, apresentou o seguinte título: «A Taça é nossa!». Na primeira página, também era feita alusão à «festa enorme no Estádio Nacional e durante a noite na cidade». Uma festa que começou cedo, com a deslocação de incontáveis viaturas particulares e mais de meia centena de autocarros lotada de adeptos rumo ao Jamor. Cerca de seis horas depois de levantar a Taça de Portugal no Estádio Nacional, em Lisboa, a Briosa deslocou-se à Câmara Municipal de Coimbra, onde vários milhares de pessoas saíram à rua em festa para transmitirem o reconhecimento pelo sucesso alcançado. «Depois de uma viagem animada e frenética», segundo o Diário de Coimbra, a Académica foi «recebida em apoteose na Câmara». «Num autocarro panorâmico, seguiu para a Praça da República, também ela completamente repleta. A madrugada de festa estava apenas a começar», referiu o Diário de Coimbra.