FIGUEIRA DA FOZ Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente
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90 anos com Figueira da Foz Introdução
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90 anos com a Figueira da Foz
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bater das ondas e o salgado do mar talharam-lhe o carácter, marcado pela dimensão das vagas. O rio, que se estende e se espreguiça até ao oceano, amaciou-lhe a rudeza. Altaneira, a cidade estende o olhar para a serra, onde respira o verde. É assim a Figueira da Foz, que hoje o Diário de Coimbra destaca, nesta viagem que empreendemos pela história, celebrando os 90 anos da fundação do Jornal. Uma terra que tem um pouco de tudo. Sobretudo, gente de grande valia. Braços fortes que esventraram a serra, fizeram florescer a várzea, armaram navios e partiram, mar dentro. Mas também espíritos empreendedores, aguerridos, à frente do seu tempo, que investiram no desenvolvimento de empresas âncora, que se tornaram uma referência na economia da região e do país. A Figueira da Foz “das finas areias/berço de sereias”, estrategicamente localizada no Centro do país, viu essa centralidade acrescida com as ligações marítimas e (noutros tempos) fluviais, mas também com a força da corrente trazida pela revolução ferroviária, primeiro, e rodoviária, depois. Os espanhóis depressa perceberam que era a praia mais próxima e chama-
ram-se uma segunda casa. Juntaram-se, assim, aos ingleses que, desde o século XVIII demandavam a urbe, atraídos pelo negócio dos vinhos, que o porto facilitava. E se faltava espaço e programa para celebrar esta euforia, também não tardou a chegar, com o Theatro-Circo Saraiva de Carvalho a dar o mote para uma trajectória de glamour e elegância, à qual se somou, célere, a dinâmica do jogo, que imprimiu mais um foco de atracção a uma cidade cosmopolita, que durante largos anos manteve esse traço de distinção. Hoje, os desportos náuticos ganham espaço. Na serra, olha-se com respeito um parque jurássico único no mundo. São “ventos de mudança” que sopram sobre esta “nau”, que mantém, firme, o mesmo lastro. São algumas destas referências identitárias que hoje procuramos apresentar, balizados pelos 90 anos do Diário de Coimbra. Não se trata de uma investigação histórica, que pecaria sempre por omissão. Antes e sim de um registo de memórias, de momentos, de vivências, que convidamos o leitor a recordar ou a descobrir, embarcando connosco nesta viagem. “A bordo ninguém se teme/ Ninguém aqui se receia/ Que o homem que vai ao leme/Ouça o canto da sereia”.
FICHA TÉCNICA Novembro de 2020 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo Coordenação editorial: Manuela Ventura
Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Bela Coutinho e Manuela Ventura Fotos: Ferreira Santos, Figueiredo, Bela Coutinho, José Santos, Espólio de João de Barros da EB 2/3 Dr.
João de Barros, Espólio de Coelho Jordão pertencente à família, Casino Figueira, Arquivo Vendas: Luís Ferrão Design gráfico: Pedro Seiça Publicidade: Carla Borges e Rui Semedo
Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA Tiragem: 10 mil exemplares Agradecimento: José Santos, António Quaresma Ventura, Miguel Coelho Jordão, Escola EB 2/3 Dr. João de Barros
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Opinião 90 anos com Figueira da Foz
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Diário de Coimbra, 90 anos a dar voz à Figueira da Foz e à Região de Coimbra Carlos Monteiro*
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undado em 24 de maio de 1930, por Adriano Lucas, o Diário de Coimbra jornal ao serviço dos leitores e da Região de Coimbra - é o mais antigo diário em Portugal que se mantém na propriedade da família do seu fundador e um dos mais antigos da Europa. Celebrar os noventa anos do Diário de Coimbra é celebrar não só a memória histórica de uma região, mas também um património humano singular. Foram e são muitos os homens e mulheres – jornalistas, repórteres, fotojornalistas, redatores, diretores – que, apesar das vicissitudes que o tempo e a história têm gerado, do constante e cada vez mais intenso escrutínio à comunicação social, têm continuado a batalha pelo direito, e o dever, de
informar e de ser informados. Jornal regionalista, informativo, assumidamente republicano e independente, defensor da democracia pluralista, da integração europeia e da regionalização, o Diário de Coimbra – único diário português cuja publicação foi suspensa por decisão governamental em 1945 - mantém o compromisso com a Região de Coimbra e com os seus leitores de dar a conhecer e promover as suas causas. O Município da Figueira da Foz reconhece-lhe publicamente um papel fulcral na valorização e prestígio da imprensa regional diária, na defesa da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa – pilares fundamentais da democracia. O Diário de Coimbra é sinónimo de um passado assente em valores democráticos, de um presente de proximidade contínua com o leitor e de um futuro que, certamente, se manterá fiel aos ideais que presidiram à sua fundação e que são mais que uma imagem de marca, são o seu ADN. A sua história intrinca-se com a da Figueira da Foz, concelho onde há muito marca presença com uma delegação e por onde
têm passado jornalistas, cujo trabalho de excelência tem permitido aos figueirenses acompanhar a evolução e transformação do Concelho, quer seja ao nível das infraestruturas viárias, da rede pública de água e saneamento, do parque escolar e desportivo, dos equipamentos culturais, de novos polos industriais e de inovação tecnológica e científica. Ao longo destas nove décadas de trabalho informativo, o Diário de Coimbra tem acompanhado e dado voz e expressão à ação política do Município da Figueira da Foz, nas mais diversas áreas, cujo objetivo é o contínuo crescimento e desenvolvimento económico, social, humano e cultural do concelho, que queremos cada vez mais dinâmico, moderno, sustentável, acolhedor e social e ecologicamente responsável. O nosso bem-haja ao Diário de Coimbra pelos retratos diários que faz da Figueira da Foz, da Região de Coimbra, e que ilustram as páginas do álbum da nossa história e perpetuam a memória coletiva de todos nós. *Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz
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AFIRMA-SE A VOCAÇÃO EXPORTADORA DE UM PORTO EM CONTRACICLO 2020 Num ano em que a maioria dos portos nacionais regista um decréscimo de movimento, o Porto da Figueira da Foz afirma-se pela diferença, com um crescimento a rondar os 6%. Mas nem sempre foi assim...
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movimento é intenso e célere. Escassas horas depois de chegar ao largo, o Mila, um navio com pavilhão holandês, está praticamente descarregado e os camiões com pasta de papel – sim, é verdade! – rolam, transportando a mercadoria para o seu destino. Atracado, e numa operação mais morosa, está o Kikki C, que chegou com um carregamento de gesso sintético, em granel, em operação de descarga. Mais à frente, é gesso natural que uma grua retira do Feed Rogoland, enquanto outra “arruma” madeira, vinda da Galiza. Outra, ainda, descarrega caulino, que armazena numa “tre-
Celeridade das operações de carga e descarga e possibilidade de aproveitar a viagem com novo carregamento são alguns dos atractivos do Porto da Figueira
monha”, onde os camiões abastecem. E outra carrega pasta de papel. São sucessivos camiões, uma quase caravana de “Trucks for Terminals”, que chegam ao porto, numa cadência constante. Viaturas especiais, da frota da empresa Luís Simões, que asseguram uma carga maior e, simultaneamente, diminuem o impacto ambiental. Vêm da Celbi/Altri com toneladas de pasta de papel para embarcar. No centro de operações,Alexandre Miguel e Alexandre Campos, sob a coordenação do comandante Sotto Maior, fazem a gestão do “serviço”, atentos à plataforma JUL (Janela Única Logística). Uma ferramenta que
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Porto 90 anos com Figueira da Foz
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concentra todas as operações, desde que o navio anuncia a sua aproximação, num registo que envolve todas as entidades e autoridades portuárias, armador, agentes de navegação. Está tudo ali, reunido na plataforma, a “coqueluche” da estrutura portuária, instalada num novo edifício polivalente, que começou a funcionar em Março passado.Algumas das entidades/autoridades, ainda estão fora do porto, mas o objectivo é que fiquem todas ali concentradas, de forma a agilizarem a resposta e aumentarem a eficácia. A lancha leva o piloto à entrada da barra, para ajudar nas manobras de acostagem e o Mila, vindo de Espanha, entra directo no cais. No interior do navio, depois de lançada a âncora e de as amarras estarem no local certo, a tripulação - comandante e imediato holandeses , chefe de máquinas ucraniano e restantes indonésios e filipinos – começam a preparar o navio para descarregar. A primeira operarão é libertar os “ferrolhos”, de forma a permitir abrir as “tampas”metálicas (que pesam umas valentes toneladas), deixando a carga à vista. O operador da grua, ao serviço da Operfoz, começa o seu turno de trabalho, precisamente às 17h00, com o descarregamento da pasta de papel trazida pelo Mila. Pouco depois, o primeiro camião, rumo à Celbi, passa o controlo, à entrada do porto. Em simultâneo, o comandante, primeiro e último responsável pelo navio, agiliza todos os procedimentos com a estrutura portuária, desde as questões formais/legais ao simples abastecimento de água ou a deposição de resíduos, domésticos ou de máquinas.
Movimento em crescimento
Pasta de papel, caulino, gesso, rolaria são, em simultâneo manuseados pelas gruas, em operaçõ
É assim todos os dias.Aestrutura portuária funciona com dois turnos, entre as 8h00 e as 17h00 e das 17h00 às 24h00. Durante a noite, para já, não existe turno, mas quando necessário, «pode haver um prolongamento de horário, para se terminar um navio» (carregamento ou descarregamento), esclarece o coordenador portuário, que também é responsável pela segurança do porto. Sotto Maior destaca a celeridade das operações como uma mais-valia do Porto da Figueira da Foz, a que se junta o facto de, muitas vezes, um navio fazer “dois em um”, ou seja, traz uma carga e carrega outra. «Não fazem viagem em lastro», diz-se em linguagem náutica.
O cais está praticamente cheio. Por ocupar está apenas o espaço onde o navio portacontentores habitualmente atraca. É este movimento constante que eleva o porto da Figueira da Foz a um patamar cimeiro, com um crescimento acentuado nos últimos anos. Mesmo este ano, com os efeitos da pandemia a provocarem um revés acentuado no movimento portuário, a Figueira afirma-se como uma excepção. A administração do porto reconhece este «contraciclo» e aponta, até Setembro inclusive, um «crescimento de 5,6%» em comparação com o período homólogo do ano transacto. Em números redondos, esse crescimento representa um aumento de
82 mil toneladas de carga movimentada e mais 19 navios a aportarem ao cais, em comparação com 2019. «É um porto muito especializado», que tem como clientes principais, «empresas de referência, com uma vocação marcadamente exportadora», designadamente na área da pasta de papel. Pasta de papel e rolaria representam, de resto, «mais de 50%» do volume da mercadoria movimentada, com a argila e o vidro a terem, igualmente, um peso significativo.
O contributo da ferrovia Não são apenas os camiões que carregam
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Grua a vapor mantém viva a memória
Mila prepara-se para a descarga
Feixe ferroviário serve o porto
ões de carga ou descarga
e descarregam, O porto está dotado com um feixe de cinco linhas férreas principais, mais duas externas. «É um porto multimodal, ligado à via ferroviária». Um recurso que tem todas as razões para crescer, uma vez que actualmente apenas é utilizado pela Celbi, que faz ali chegar, vindas das fábricas da Beira Baixa, «praticamente todos os dias, 700 toneladas de carga». A pasta de papel viaja até ao Entroncamento, onde “apanha" a Linha do Norte, até Alfarelos e daqui segue para a Fontela, na Figueira da Foz. De manhã, entre as 8h00 e as 9h00, chega a composição e cabe ao Locotractor – um equipamento do operador Operfoz, equipado com pneus e sistema de carril,
Só há duas no mundo. Uma está no Porto da Figueira da Foz. Outra em Amesterdão, na Holanda. Trata-se de uma grua da marca Demag Duisburg, uma grua a vapor, a primeira que operou no Porto da Figueira da Foz. Nos anos 50, aquando da sua chegada, “revolucionou” o sector da carga, até então feito à força de braços. Com uma capacidade para movimentar um máximo de 6 toneladas, tinha dois operadores e esteve ao serviço durante mais de duas décadas. A verdadeira “casinha” de madeira que acolhe o equipamento foi recentemente intervencionada e a grua está ali, ostentando a sua força, numa das entradas do pessoal do porto. A este equipamento, a funcionar a vapor, sucederam-se as gruas eléctricas. Mais céleres e com mais capacidade de carga.
Terminal de graneis líquidos
fazer a “arrumação”da composição.Acarga é guardada em armazém.
Terminal de graneis líquidos A montante e a jusante, o Porto tem outras respostas. Mais perto da foz, está a Marina de Recreio, para pequenas embarcações, onde também está instalado o Clube Náutico. No lado oposto está o Terminal de Graneis Líquidos. Trata-se de um equipamento gerido por um operador privado, a Asfalcentro, do Grupo Isidoro. Durante largos anos foi o local de excelência para a movimentação de alcatrão, garantindo o fornecimento a um conjunto alargado de
pequenas e médias empresas. A crise de 2008 trouxe um revés ao negócio, de forma que os quatro tanques de armazenamento, com 1.600 m3 de capacidade cada, apenas recebem algum produto, lignosulfonato de magnésio, proveniente da Fábrica de Celulose do Caima, em Constança, usado na indústria da construção civil. Localizado na chamada área de expansão do porto, o terminal está actualmente subaproveitado. Todavia, existem diligências, nomeadamente com um grupo na área dos biocombustíveis, que podem augurar um futuro mais risonho a um espaço portuário que tem a linha férrea ao lado e as auto-estradas A14 e A17 a dois passos.
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Porto 90 anos com Figueira da Foz
DEGRADAÇÃO DA BARRA:I UM DRAMA COM SÉCULOSI
Movimento portuário sempre foi um reflexo da dinâmica empresarial da cidade e região
1853 Porto sempre foi um barómetro do desenvolvimento da urbe e a acessibilidade um problema
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egurança e acessibilidades foram, historicamente, os “dramas” da barra, com o assoreamento e as correntes traiçoeiras a ditarem naufrágios e impedirem o acesso das embarcações. A “lista das desgraças” é imensa. Num opúsculo editado pelaAdministração do Porto da Figueira da Foz em 2016, assinalando os 50 anos dos molhes, refere-se, em Julho de 1636, a morte de dois homens, depois do barco que regressava da pesca se ter virado na barra. Em 1647, na barra do rio morreram mais três pescadores ou marinheiros e, em 1659, os registos paroquiais apontavam a morte de dois homens, quando iam para a pesca do congro. «Mais grave foi o afogamento de seis pescadores, ocorrido em 25 de Maio de 1679». As desgraças continuam no século XVIII, com a indicação de, pelos menos, oito mortos. E entre 1876 e 1884 a Capitania da Figueira registava «20 sinistros marítimos», o que a colocava à frente das de Lisboa e de Setúbal. Já no século XX, registam-se uma série de acidentes, os mais graves com barcos de pesca. Assim, de acordo com o mesmo documento, em Dezembro de 1933 naufragou a traineira Continental, perdendo a vida 12 pescadores; em Setembro de 1942 o Lusitânia encalhou à entrada do porto,
apesar de já ter aliviado a maior parte da carga na baía de Buarcos; em Agosto e Setembro de 1945 encalharam três lugres da pesca do bacalhau – São Jacinto, Júlia IV e Lusitânia III – que regressavam da Terra Nova; em 19 de Abril de 1959, foi ao fundo a traineira Nova Leirosa, quando pretendia entrar na barra, provocando dois mortos e 12 desaparecidos; em inícios de Outubro de 1954, havia dois bacalhoeiros –Sotto Maior e José Alberto – encalhados no areal. Acontecimentos que tiveram repercussões negativas sobre a pesca do bacalhau, refere a obra, da autoria de Rui Cascão, dando conta que vários armadores foram obrigados a recorrer a outros portos: «em 1942 o lugre Trombetas foi a Leixões descarregar o bacalhau para batelões; em 1945, a Lusitânia mandou descarregar em Aveiro o bacalhau transportado nos seus dois grandes navios-motores (…). Algumas das empresas de pesca de arrasto costeiro e da sardinha cessaram as suas actividades», faz notar. Além da tragédia, da perda de vidas e incalculáveis prejuízos, ao assoreamento da barra deu origem a historias verdadeiramente rocambolescas. Exemplo disso é um caso passado em Dezembro de 1853, quando, «para dar entrada a um iate que demandava o porto, foram cavar na barra
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200 homens, tentando abrir o canal», escreve um jornal da época. Em Janeiro de 1903, outro registo semelhante: «Foi necessário que o capitão do porto, João de Quadros, mandasse «abrir, por alguns homens munidos de enxadas, um rego na areia por onde as águas, derivando, pudessem abrir um canal navegável», refere um relatório da Associação Comercial. Um problema crónico, que, entre muitas intervenções, levou, em Dezembro de 1853, um grupo de cidadãos a dirigirem ao rei D. Fernando II, regente em nome do filho, D. Pedro V, uma «representação a propósito do estado lastimoso a que chegara a barra do Mondego, responsável pela diminuição do movimento comercial durante as décadas de 1840 e 1850». Com “trágico acento”, o documento afirmava: «O comércio, Senhor, é o mais poderoso veículo da riqueza das nações, e pelo que respeita a esta vila, dele derivou ela a sua fundação, e opulência tal, que já foi considerada a terceira terra comercial do Reino; hoje, porém, Senhor, a sua bússola é a decadência, o seu fim é o estrago, e a sorte dos seus infelizes habitantes é exalar o último alento, estreitados pelo cresposo círculo que lhes vão traçando os mirrados braços da miséria». Em Fevereiro de 1916, Manuel Gaspar de Lemos chamava a atenção do Senado e do Governo para «o deplorável estado a que chegou o porto». Na ocasião «havia navios retidos, carregados de toros de madeira destinados à Inglaterra (...) por não poderem sair, e outros impossibilitados de entrar». O estado do porto era «deplorável» em 1929. Segundo “O Figueirense”, o rio estava «obstruído por enormes bancos de areia, que quase impossibilitavam o acesso à doca (…) e a barra quase fechada à navegação. «Nesse ano não entrou no porto uma única embarcação de propulsão mecânica, com excepção das traineiras». Os números dizem tudo. Em 1886 entraram no porto 300 navios mercantes. Em 1935 foram 69, representando uma quebra de 77%, com a tonelagem a descer de 61 mil toneladas para 37 mil. A perda continua nas décadas seguintes, com o ano de 1959 a apresentar-se como o «mais difícil». O opúsculo refere que, nesse ano, «acederam ao porto da Figueira apenas três navios de tráfego local e nenhum de longo curso». O tráfego comercial pela via marítima tinha desaparecido «quase por completo», referia O Figueirense, em Março de 1959.
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Molhes anunciam novo ciclo na vida do porto. Molhe Norte foi prolongado em 2010
CONSTRUÇÃO DOS MOLHES E A “SALVAÇÃO” DO PORTO 1959 Obras foram adjudicadas à Companhia Portuguesa de Trabalhos Portuários, em Julho de 1959, por 62 mil contos. Pela primeira vez havia estudos técnicos a suportar o projecto
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epois de investimentos inconsequentes, de obras que não resultaram, de promessas não cumpridas e de projectos deixados a meio, em Janeiro de 1955 afirmava-se que «os trabalhos tendentes a resolver o magno problema que há mais de 100 anos preocupava os organismos económicos da Figueira, começariam em 1956». Em Agosto de 1959, voltava a ser anunciado o início das obras, «nas quais se iriam
Obras foram adjudicadas em Julho de 1959 e a construção começou dois anos depois, em 1961, tendo ficado concluída dentro do prazo previsto
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gastar perto de 62 mil contos, verbas inscritas no II Plano de Fomento Nacional. Esperava-se, deste modo, libertar a economia da cidade (comércio e indústria) do estado “verdadeiramente aflitivo” em que se encontrava», refere o documento “O Porto da Figueira da Foz – Notas Históricas”, uma obra lançada pela Administração do Porto da Figueira da Foz em 2016, na passagem dos 50 anos sobre a construção dos molhes, assinada por Rui Cascão. «Desse modo atingir-se-iam três objectivos que se interligavam: a livre circulação da barra e o fácil acesso ao porto, o escoamento dos produtos da região central do país e o aumento da riqueza da Figueira e do seu hinterland». Era agora ou nunca. Pela primeira vez «foram utilizados verdadeiros métodos científicos de hidráulica portuária – observações de campo e ensaios laboratoriais no Laboratório Nacional de Engenharia Civil – e estudos preparatórios, feitos durante cinco anos, com o objectivo de analisar os condicionalismos naturais – regime de marés, morfologia do litoral, caudais do rio, acção dos movimentos aluviais, dados meteorológicos – e a possível reacção do ambiente à intervenção humana após a construção de obras avançadas sobre o mar». O novo projecto ficou concluído em Março de 1959. Foi sujeito à apreciação do Conselho Superior de Obras Públicas e homologado por despacho de 12 de Maio de 1959, assinado pelo ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira. As obras fundamentais, esclarece o documento, «consistiam na execução de dois molhes convergentes, assentes numa infraestrutura de enrocamento, constituída por grandes blocos de pedra, a extrair da pedreira da Salmanha, e tendo uma superestrutura de betão, formada por monólitos de 600 as 800 toneladas». As obras foram adjudicadas à Companhia Portuguesa dos Trabalhos Portuários a 21 de Julho de 1959, por uma verba a rondar os 62 mil contos. «Estava prestes a terminar “o maior pesadelo da Figueira”, que era, paradoxalmente, a sua maior aspiração», escrevia O Figueirense em Outubro de 1958. A construção dos molhes iniciou-se em 1961, o do Norte em Abril e o do Sul em Junho. A empreitada foi concluída dentro do prazo previsto e a inauguração aconteceu no dia 30 de Outubro de 1966.
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Porto 90 anos com Figueira da Foz
30 DE OUTUBRO: UMA DATA “GRAVADA A LETRAS DE OURO” 1966 A inauguração dos Molhes representou um “virar de página”, que a Figueira da Foz viveu de forma intensa. O Presidente da República, Américo Tomaz, foi o convidado de honra
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data de 30 de Outubro ficará gravada a letras de ouro na história desta jovem cidade». As palavras são de José Coelho Jordão, presidente da Câmara Municipal, na saudação ao Presidente da República, e fizeram o título do Diário de Coimbra, edição de 31 de Outubro. Era, efectivamente, um momento de “ouro” que a Figueira da Foz vivia, com a inauguração da primeira fase das obras de melhoramento do porto. Numa extensa intervenção, onde contou, com pormenor, toda a história do porto, o autarca demonstrava como «a vida, a riqueza e a fortuna das gentes da Figueira e seu termo andaram sempre ligadas ao seu porto». Compreende-se, por isso, que «nenhum outro problema faça vibrar tão intensamente a alma de todos os figueirenses como este». A obras, «só pelo investimento que exigiu – 70 mil contos – diz da sua importância», referia Coelho Jordão. «Ela aí está, imponente, na rudeza da pedra e do cimento, como dois grandes braços abertos entrando pelo mar dentro, a apertarem-no e a dominarem-no. É a vitória do homem e da técnica sobre os elementos indomáveis da natureza». Coelho Jordão dava conta do impacto que as obras já tinham no concelho e na região, com «solicitações para o estabelecimento na região de novos empreendimentos e novos interesses, criadores de riqueza para a Nação» a surgirem «todos os dias». «A importância deste porto está por demais demonstrada; não tem apenas uma influência local, mas a sua incidência alarga-se por todo o centro do país, penetrando mesmo pelas províncias fronteiriças da vizinha Espanha». «Está concluída a primeira fase do plano de grande melhoramento do porto da Figueira da Foz, como já dissemos, é imperioso que se inicie imediatamente a
segunda fase. A previsão das 500 mil toneladas a movimentar em 1970 é justificação, se outra não houvesse, e há, para o investimento que é necessário fazer», dizia ainda o presidente da autarquia. O ministro das Obras Públicas, Arantes e Oliveira, que considerou o Porto da Figueira «um exemplo frisante da falta de continuidade das tentativas empreendidas ao longo dos anos para o seu melhoramento», destacava o facto de ficarem «satisfatoriamente resolvidos os problemas fundamentais» e «fica, para fases ulteriores, que é de esperar que possam ser contempladas sem descontinuidade a partir do próximo II Plano de Fomento, todos os demais trabalhos previstos no Plano Geral, com prioridade para entre outros, a criação de postos acostáveis e comodidades inerentes para as navegações de pesca e de comércio, a trasladação para montante da ponte rodoviária sobre o braço Norte e respectivos acessos; a ligação dos cais à rede ferroviária, o me-
Diário de Coimbra deu grande destaque à inauguração dos molhes
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Embarcações regressaram ao porto A construção dos molhes representou um “ponto de viragem” na vida do porto e na economia local. É certo que nem todos as viram com bons olhos, mas a verdade é que o movimento de mercadorias, que em 1960 descera para «o irrisório montante de 1.681 toneladas», oito anos depois rondava as «59 mil toneladas». Foram 99 os navios que entraram no porto, transportando carvão e coque (11.971 toneladas), bacalhau (1.297 t.), argila (390 t). Quanto às exportações, a primazia pertenceu à pasta de papel – 43.054 toneladas – uma vez que a Celbi tinha começado a trabalhar em meados de 1967. Seguia-se a madeira (1.480 t) e a cortiça (10 t). Um registo de crescimento fortíssimo que se manteve nos anos seguintes. Todavia, «só em 1985 foi possível ultrapassar as 500 mil toneladas», que Coelho Jordão perspectivava para 1970. No quadriénio 2009 – 2012, a média anual de movimento de mercadorias cifra-se nas 1.573 toneladas. Em 2013 atingiu os dois milhões de toneladas, fasquia que tem vindo sucessivamente a ser ultrapassada.
lhoramento do regime hidráulico do estuário nos seus aspectos mais prementes». Américo Tomaz, Presidente da República, naquela que foi a sua primeira visita de Estado à Figueira da Foz, sublinhou o «desejo imenso» das gentes da Figueira em «possuir um porto capaz de dar a esta região o desenvolvimento de que ela imensamente carecia». «Com estas obras de hoje está preparado o futuro desta terra. Com a regularização do caudal do rio e das suas margens e com o apetrechamento interior do porto, ficarão completadas todas as condições para o tornar um porto capaz de servir a região do Centro do país. Desejo imensamente que não demorem essas obras complementares», disse ainda o chefe de Estado.
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Porto 90 anos com Figueira da Foz
Acessibilidade melhorada vai permitir atracagem de navios com maior capacidade
REVOLUÇÃO ANUNCIADA NO PORTO DA FIGUEIRA 2022 Investimento de 18 milhões de euros vai capacitar a estrutura portuária para novos desafios. Perspectiva-se que as obras arranquem em 2022. É o futuro do porto que se está a gizar
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um rumo novo para o Porto da Figueira da Foz, com uma intervenção de fundo, um investimento centrado na «capacitação física», através de uma melhoria significativa das acessibilidades. Em causa está um investimento previsto de 18 milhões de euros. Um projecto que sofreu algum atraso, em virtude das exigências do Estudo de Impacto Ambiental (que está a decorrer). A obra, de acordo com a administração, deverá arrancar em 2022, uma vez que, para o ano deverá assistir-se ao lançamento do concurso. 24 meses é a estimativa de duração da empreitada, que representa praticamente um “porto novo”. Trata-se de garantir a acessibilidade marítima, através do aprofundamento dos fundos, desde a entrada do porto, na barra, até ao canal principal de navegação, envolvendo, ainda, a “bacia de manobras” do
cais comercial. O objectivo é requalificar o porto e potenciar a sua utilização por embarcações de maiores dimensões que, hoje em dia, não podem atracar. Depois das obras, garante a administração, o Porto da Figueira da Foz vai ficar capacitado para receber «navios com 140 metros de cumprimento e calado até oito metros». É este objectivo, de aportar navios com mais capacidade de carga, que dita a necessidade de aprofundar o canal de navegação e toda a acessibilidade portuária, mas também «ajustar a estrutura do cais», designadamente dos dois terminais – carga geral e contentores e graneis. Trata-se, em síntese, de adequar a estrutura e o equipamento em terra, particularmente no que concerne às “defensas”, estruturas que protegem o navio acostado ao cais, impedindo-o de “bater”. «É um investimento fundamental, que vai posicionar o Porto da Figueira da Foz
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num novo patamar de competitividade, com navios de maior dimensão, permitindo-lhe captar mais carga e fixar as cargas actuais, pois as empresas cada vez mais precisam de operar com navios de maior dimensão. É uma obra crucial para o desenvolvimento do porto», afirma a administração, sublinhando o facto de este projecto, que quase representa a construção de um “novo porto”, contar com o apoio da Comunidade Portuária, que, de resto, reclamava esta intervenção há muito. Recorda que esta estrutura integra os operadores portuários e os principais clientes do Porto, designadamente a Altri e a Navigator, que considera «essenciais» à sua dinâmica. «É um investimento realmente importante, de “bandeira” para o Porto da Figueira da Foz». Mais imediata é uma intervenção prevista para «a melhoria das condições operacionais dos terminais», designadamente a substituição do pavimento do terrapleno dos dois terminais do porto, de graneis e contentores e de carga geral. Um desafio para cumprir a partir do próximo ano, de uma forma faseada, de molde a não interferir de sobremaneira com a funcionalidade. É um investimento «muito importante para a operacionalidade da movimentação de cargas dos terminais», refere a administração. Uma empreitada que se prevê concluída em 2023 e que representa um investimento de 200 mil euros.
Modernizar em toda a linha Mas a administração do porto tem mais projectos em carteira. O investimento pode «não ter muito peso», admite, mas «garante um aumento da qualidade dos serviços prestados». Trata-se de um pacote de medidas «com vista à descarbonização da actividade do porto», que comportam, designadamente, a modernização das lanchas usadas pelo Departamentos de Pilotos, que acompanham os navios na entrada da barra e movimentações subsequentes. São equipamentos que actualmente funcionam com combustíveis fósseis e que se pretende, num futuro breve, passem a usar energias renováveis, nomeadamente hidrogénio. «Temos de nos modernização», esclarece a administração, sublinhando que, além disso, se trata de cumprir as orientações da estratégia europeia para o sector dos transportes, que implica uma redução das emissões de CO2 e uma aposta na utilização de energias renováveis. «A ideia é que nas ac-
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Edifício Polivalente reúne entidades Concluído em Março, está o Edifício Polivalente, instalado no cais, que representa um investimento de um milhão e 50 mil euros. A finalidade «é acomodar todas as entidades que trabalham na estrutura portuária no mesmo edifício», de forma a facilitar a «comunicação e a eficiência». Também as autoridades, nomeadamente o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Autoridade Tributária e Aduaneira e também os Serviços Sanitários ficam instalados neste espaço. Igualmente importante para a competitividade do Porto da Figueira é, reconhece a administração, o «investimento, privado, que o operador portuário, Operfoz, está a preparar, com a «construção de um novo armazém», cuja conclusão está prevista para o ano e que «vai melhorar de forma significativa a capacidade de armazenamento do Porto».
tividades desenvolvidas no porto, progressivamente, sejam utilizadas energias limpas». Em “carteira” está um outro programa destinado ao abastecimento de navios movidos a energia eléctrica. Trata-se, à semelhança do que acontece de forma crescente no domínio dos automóveis, de usar energias alternativas também nas embarcações. Um projecto que «terá que ser objecto de estudo e teste para a sua viabilização» e cuja concretização «não deverá ultrapassar o ano 2030».
90 anos com Figueira da Foz Porto
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Aposta pioneira na tecnologia digital «É muito importante que o porto se torne mais digital», considera a administração, que, por isso, está fortemente empenhada em «continuar a desenvolver a Janela Única Logística (JUL)». Em causa está um projecto-pioneiro que, depois de instalado nas ilhas, teve na Figueira da Foz a sua primeira experiência de implantação, em Março deste ano. Trata-se de uma plataforma digital, que articula respostas, entre o navio, prestes a chegar, o agente de navegação e todas as entidades, autoridades e operações envolvidas na autorização da entrada no porto e todo o processo subsequente. É, numa linguagem simples, uma espécie de “sala de comandos”, onde se “cruzam” todas as informações, num registo célere e eficaz, agilizando as respostas de todas as entidades/operadores, garantindo uma prestação de serviços de excelência. «Antes andávamos todos a correr, com papéis para um lado e para outro», explicam os operadores, salientando que como primeiro passo para a JUL funcionou a JUP. Esta oferece mais possibilidades e, sobretudo, «consegue congregar todas as operações portuárias em tempo real». Um projecto que ainda está em construção e que irá abranger mais módulos, designadamente para abranger a gestão de transporte, em termos rodoviários e ferroviários e os chamados “portos secos”. Significa que irá permitir, no futuro, fazer uma gestão completa da carga dos navios e do seu transporte. No monitor, vê-se o registo dos navios que já saíram, os que estão no porto e os que se encontram para chegar. Cada em-
Técnicos “seguem” trajecto do navio
barcação tem o seu “B.I.” completo, com indicação da rota seguida, escalas efectuadas, dados sobre a tripulação e elementos relacionados com as áreas da segurança, saúde, resíduos, alimentação, entre outros. Na “calha” está, também, a implementação da rede “wi fi” «em toda a área de jurisdição do porto», de forma a que todas as empresas que ali trabalham possam ter boa cobertura de rede. «Também estamos a estudar o uso de tecnologia IOT – Automatização e Inteligência Artificial, que permita «acompanhar em tempo real o desempenho ambiental e o impacto ambiental gerado pelo porto». «Já estamos a monitorizar a qualidade do ar e a poluição, queremos ir mais longe».
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Porto 90 anos com Figueira da Foz
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ACESSIBILIDADE É UMA OBRA “ESTRUTURANTE” PARA O PORTO
Comunidade Portuária acredita que a obra esteja concluída em 2022
1998 Comunidade Portuária, criada em 1998, é uma voz activa e interventiva relativamente à estratégia para o futuro da estrutura portuária
A
melhoria da acessibilidade marítima é uma obra estruturante para o Porto da Figueira, já que permitirá a entrada de navios maiores – oito metros de calado e 140 de comprimento», afirma Hermano Sousa, presidente da Comunidade Portuária. Mais do que uma obra urgente, é «uma obra importante», uma vez que «permite aceder a uma tipologia de navio que vai predominar a prazo no comércio intra-europeu e abre a porta a serviços de “feedering” de contentores que, nas presentes condições, são difíceis, se não impossíveis de atrair», afirma o técnico superior da Celbi/Altri. O atraso no arranque das obras «não é obviamente benéfico», mas «não coloca a actividade actual do porto em risco», muito embora impeça o «crescimento do seu movimento no curto prazo». Todavia, adianta, «temos garantias que a obra vai realizar-se e a nossa expectativa é que em 2022 esteja concluída». «Todas as partes têm fortíssimos incentivos para que a obra avance, até porque este projecto tem uma componente própria, de 50% que é repartida entre a Administração Portuária da Figueira da Foz e dois membros desta Comunidade
Portuária, a Operfoz e a Yilpor», esclarece. Ainda relativamente ao futuro, Hermano Sousa entende que apesar do «óptimo acesso ferroviário a Norte» de que o porto dispõe, «é fundamental garantir a concretização da obra de duplicação de capacidade do eixo Verride – Alfarelos, que se encontra inscrita no programa Ferrovia 2020». Trata-se, esclarece, de uma «obra importante, uma vez que «este eixo pode, a prazo, ter uma utilização bastante intensiva», tendo em linha de conta que «por aqui passam não só os comboios de mercadorias com origem ou destino ao porto da Figueira da Foz, mas também os que se dirigem para as fábricas da Celbi e da Navigator». Importante é, ainda, «resolver o acesso rodoviário a Sul, nomeadamente garantindo o investimento para a pavimentação da EN 109, já que uma parte importante do movimento do Porto da Figueira se destina a Leiria e Marinha Grande», afirma. Relativamente a um hipotético terminal a Sul, o presidente da Comunidade Portuária entende que se trata de uma questão «mais complexa», uma vez que «envolve investimentos consideráveis em acessibilidade e em construção de vias e terraplenos». «De-
vemos olhar para a margem Sul como uma reserva de capacidade de atracção, que esperemos seja necessária a prazo, sobretudo depois da melhoria da acessibilidade marítima, que poderá contribuir para esgotar a limitada capacidade de atracção a Norte», considera. Criada oficialmente em 1998, a Comunidade Portuária da Figueira da Foz, à semelhança das suas congéneres, é uma associação sem fins lucrativos, cuja missão é «assegurar as condições para o desenvolvimento do porto». Integram esta agremiação, as empresas que «têm um forte envolvimento com o porto», seja utilizadores, como os carregadores, sejam operadores portuários, agentes de navegação, transportadores rodoviários e ferroviários e outras entidades, como as Câmaras Municipais da Figueira da Foz e de Cantanhede. Trata-se, em síntese, de «um fórum onde estão representados os interesses em torno do porto». Como tal, a Comunidade Portuária constitui «uma peça-chave nos processos consultivos despoletados pela tutela ou pela administração portuária. Contribui para a promoção e desenvolvimento do porto e actua com proximidade com a administração portuária, seja apoiando as suas acções, seja funcionando como contraparte quando essas acções não representam os interesses da globalidade dos associados», esclarece Hermano Sousa.
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90 anos com Figueira da Foz Lota
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PEIXE FRESCO PARA TODA A REGIÃO 2018 Lota da Figueira da Foz foi a primeira lota certificada pelo sistema de gestão da segurança alimentar, de acordo com o referencial ISO 22000
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nstalada no novo espaço desde 1988, a Lota da Figueira da Foz «é uma das mais relevantes a nível nacional». Palavras do conselho de administração da Docapesca, entidade responsável pela concessão daquela infraestrutura. Biqueirão, carapau, sardinha, pescada-branca e cavala são as espécies de referência nesta lota, mas também o polvo ocupa um peso significativo nas transacções. Da Figueira da Foz sai, diariamente, peixe fresco para «um mercado de consumidores muito alargado, que cobre todo o distrito de Coimbra, mas também, os distritos de Leiria, Viseu e Santarém», esclarece. Estrategicamente localizada, a Lota da Figueira da Foz «foi a primeira lota certificada pelo sistema de gestão da segurança alimentar, segundo o referencial ISO 22 000», afirmam Sérgio Frias e Carlos Figueiredo, vogais do conselho de administração, destacando o carácter «essencial» desta certificação, uma vez que a «Docapesca tem a responsabilidade pela aplicação das normas de segurança alimentar ao pescado transaccionado nas lotas, assim como a sua rastreabilidade e a informação ao consumidor». Também «a segurança de quem trabalha no porto é outra prioridade, através da melhoria das condições de segurança no desembarque e atracagem das embarcações de pesca, com a instalação de escadas e defensas nos cais», adiantam. Nesse sentido, «desde 2016, a Docapesca realizou investimentos no valor global de 620 mil euros na requalificação do edifício da Lota, instalação de escadas e defensas, aquisição de um novo tapete de venda, re-
Embarcações de arrasto, de cerco e de pesca artesanal demandam a Lota da Figueira
pavimentação e beneficiação dos armazéns de comerciantes, bem como a reparação dos danos causados pela tempestade Leslie», explicam. Mas o investimento é contínuo, asseguram. Por isso, «está previsto que nos próximos três anos seja realizado um conjunto de investimentos num valor em torno de um milhão de euros». O objectivo é proceder à «repavimentação da zona do telheiro e rede de drenagem de águas residuais e pluviais, a reabilitação do sistema de abastecimento de água salgada e a construção de um armazém para tratamento de pescado», adiantam.
Grande parte das embarcações que descarregam na Figueira da Foz são «embarcações polivalentes da pesca artesanal, na sua maioria da pesca local», num total de 67 embarcações em 2019. Além destas, há 60 embarcações da pesca de cerco e 30 embarcações do arrasto com venda na Lota da Figueira da Foz. No que se refere à pesca de cerco, além das embarcações locais, «é também habitual deslocarem-se a este porto embarcações provenientes da Póvoa de Varzim, Matosinhos, entre outros», esclarecem. Quanto ao pescado, em termos de volume,
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Lota 90 anos com Figueira da Foz
nos últimos anos, o biqueirão, o carapau, a sardinha, a pescada-branca e a cavala, assumem-se como as espécies mais relevantes, mas também o polvo-vulgar tem uma quota significativa no valor de vendas. «A sardinha tem uma grande relevância, não só na Figueira da Foz, como a nível nacional», afirmam os responsáveis, que destacam o facto de, nos últimos anos, se ter assistido a «uma diversificação das capturas de outras espécies», designadamente biqueirão - «que por vezes surgem em grande abundância» -, bem como carapau e cavala. A propósito destas duas espécies, a Docapesca «tem procurado contribuir para a sua valorização», tendo em conta a «sua abundância e valor nutricional», através de «campanhas promocionais junto do consumidor final». Campanhas que começaram, em 2012, com a Campanha da Cavala, seguindo-se, em 2018/19 a Campanha do Carapau. «No presente ano, a Docapesca
Lota da Figueira registou, em 2019, um volume de negócios de 10 milhões de euros, o que representa um aumento de 10% relativamente ao valor do ano anterior Administração da Docapesca prevê realizar, nos próximos três anos, na Figueira da Foz, investimentos a rondar um milhão de euros
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tem dado destaque ao CCL – Comprovativo de Compra em Lota, uma etiqueta que garante que o pescado é capturado exclusivamente por embarcações nacionais em águas portuguesas, nos pontos de venda, como mercados municipais, grandes superfícies e peixarias». «Apesar de nos últimos anos se verificar uma tendência decrescente na quantidade de pescado transaccionado, tem-se registado um aumento do valor, que ultrapassou os 10%, tendo no ano de 2019 um volume de negócios de 10 milhões de euros», referem os administradores. Este ano, depois da «redução na quantidade do pescado transaccionado» durante o estado de emergência, decorrente da pandemia, «os meses de Maio a Agosto trouxeram uma retoma apreciável da actividade na Lota da Figueira da Foz, que superam o período homólogo de 2019, tanto no volume como no valor do pescado transaccionado», adiantam.
Pescado vendido em leilão A primeira venda de todo o pescado fresco é obrigatoriamente realizada em lota, pelo sistema de leilão ou contrato de abastecimento, celebrados por armadores com as organizações de produtores, com comerciantes ou industriais. Na Figueira da Foz o processo é feito através de leilão – presencial ou on-line – com o pescado a ser adquirido pelo primeiro comprador a licitar através de um comando de infravermelhos. O sistema funciona de forma decrescente, o que se prende com a «rapidez do processo, necessária para manter a qualidade e frescura do pescado». Na Lota da Figueira os leilões decorrem de segunda a sexta-feira, em função das artes de pesca: cerco, arrasto e artesanal, existindo ainda um leilão de bivalves. Em lota o peixe pode ser “rejeitado” por duas ordens de razões, ou seja, por não ser licitado ou porque está impróprio para consumo humano. Neste caso, esclarecem os responsáveis, é «considerado subproduto» e «encaminhado para uma unidade de transformação», designadamente «fabricas de farinha e óleos de peixe». Quando o pescado não é licitado, pode ser novamente colocado em leilão, encaminhado para uma IPSS ou entregue ao arma-
Carlos Figueiredo e Sérgio Faias administradores da Docapesca
dor/organização de produtores. Durante o estado de emergência, a Docapesca estabeleceu um acordo com a Cruz Vermelha Portuguesa, encaminhando o pescado para esta entidade, no âmbito dos programas de ajuda social a grupos vulneráveis. Na Lota existe, ainda, o chamado “mecanismo de armazenamento”, que se veri-
fica quando, no leilão, o pescado atinge um determinado valor, abaixo do qual sai do leilão. O peixe fica, então, a cargo da respectiva organização de produtores, «que se responsabiliza pela sua estabilização e transformação – em geral congelação – para posterior venda para consumo humano», esclarecem os responsáveis da Docapesca.
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Pesca 90 anos com Figueira da Foz
COOPERATIVAI APOSTADA EMI DAR DIGNIDADEI À PESCAI Sardinha é uma referência para a pesca, na Figueira e em todo o país
1999 Cooperativa de Produtores de Peixe do Centro Litoral foi fundada a 4 de Maio de 1999. Reúne meia centena de armadores ligados aos diferentes tipos de pesca
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ignificar e elevar as pescas da Figueira no contexto nacional» e «afirmar o Porto da Figueira como um dos principais portos nacionais, pela sua centralidade e pela abundância e qualidade do pescado» constituem as traves-mestras que levaram à criação, a 4 de Maio de 1999, da Cooperativa de Produtores de Peixe do Centro Litoral. Uma associação que, de acordo comAntónio Miguel Lé, presidente da direcção, reúne meia centena de armadores, proprietários de um conjunto alargado de embarcações que operam neste porto. Seja da pesca de cerco, «que é a principal», sublinha, centrada nas espécies pelágicas, designadamente
Um sector atractivo «Hoje a pesca é uma actividade atractiva», considera António Miguel Lé, que assume, sem qualquer pudor, que «antigamente ia para a pesca – e também para pedreiro quem não tinha jeito para a escola e não sabia fazer mais nada». A realidade de hoje não tem nada a ver com isso, afiança. «Hoje a pesca é um sector extremamente interessante, com muita qualidade». Sobretudo, alerta, «só vai para a pesca quem tem a convicção de trabalhar na área». «Existem excelentes profissionais. Temos alguns jovens, mas também muitos pescadores à beira da reforma, mas tudo isso, a juventude e a experiência, é necessário» para manter os níveis de excelência da pesca nacional.
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sardinha, carapau, cavala, biqueirão, mas também embarcações de pesca artesanal, que pescam desde o salmonete, ao robalo, sargo, sável, dourada, passando, ainda, pela lampreia e pelo polvo. Com a chancela da Cooperativa de Peixe estão, igualmente duas/três embarcações de “arrasto de vara”, com 8/9 metros, que «capturam camarão da costa». «Portugal tem o melhor peixe do mundo», afirma António Miguel Lé, que entende que este é um argumento de peso para «dar dignidade e valorizar os pescadores e armadores». Mas vai mais longe, defendendo a importância estratégica do sector primário, como factor de desenvolvimento e de bem-estar. «Um sector primário bem estruturado faz a riqueza de um país», afirma. E é precisamente isso que os armadores e pescadores procuram fazer na Figueira da Foz. «Não recebemos conselhos, damos exemplos do que temos de bom nas nossas águas e na nossa cidade», adianta. Nem sempre as coisas correm de feição. «Diz um ditado: “o que está no mar é água”», recorda o presidente da Cooperativa de Produtores de Peixe, salientando que «um dia podemos pescar uma quantidade incomensurável de peixe e noutro dia nada». No “top” dos “tops”, António Miguel Lé coloca a sardinha. «É a marca da Figueira, é a marca nacional», salienta, defendo mesmo que a sardinha devia estar consagrada no «brasão nacional, como símbolo da nação». «Somos os melhores navegadores do mundo, a imagem de marca de Portugal é a pesca e a grande imagem da pesca é, sem dúvida alguma, a sardinha». No passado, recorda, «era a comida dos pobres», hoje é o «repasto de todos» e, sobretudo, motivo de confraternização entre amigos. «Complementar à sardinha está a pesca do biqueirão», que tem estado a correr particularmente bem. Pescado que «é todo para exportação», salienta. Atempestade Leslie afectou grandemente as condições de trabalho dos armadores e pescadores. «Ficámos com condições quase sub-humanas», afirma o presidente da Cooperativa, dando conta que, desde então, «pouco se alteraram». Todavia, as dificuldades têm sido ultrapassadas com «capacidade de improviso». Depois, a pandemia veio trazer um «cenário preocupante», mas pescadores e armadores continuam empenhados e a trabalhar e «os resultados aparecem», remata.
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90 anos com Figueira da Foz Pesca
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UMA VIDA DURA, ALIMENTADA PELA FÉ E PAIXÃO PELO MAR 1960 O mar está-lhe na “massa do sangue”. Uma herança de família que encarou de frente. Primeiro com o bacalhau, depois em viagens mais curtas. José Esteves é um homem do mar de corpo e alma
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assou a vida no mar. Viveu tempestades tumultuosas, sobreviveu a naufrágios, mas regressou sempre, respondendo a este grito interior que o leva a dizer: «dentro de mim está o mar». Sem nunca perder o Norte, José Esteves assume-se como um pescador, mais, um homem do mar. Um mar alto, por vezes encapelado, mas também um mar amigo, que lhe permitiu ter a sua casa e formar as duas filhas. «É uma vida dura», reconhece, mas que não trocava por coisa alguma. «O mar torna-nos mais fortes», garante. E também «mais solidários». «Se uma embarcação estiver em perigo, deitamos redes, tudo ao mar… para lhe acudirmos. Quem é que faz isso?», questiona. Em 1960, com 17 anos, José Manuel Matias Tavares, conhecido por José Esteves, fez-se ao mar. Começava a faina, precisamente pela vertente maior, a pesca do bacalhau. Foi no João Corte-Real, uma evocação do navegador que descobriu a Terra Nova. Partia da “praça de Lisboa”, onde esteve, durante nove meses, na Escola de Pesca. «Era um barco de arrasto, na altura já pouco se pescava à linha», afirma, muito embora o pai e os tios fossem desse tempo, da pesca feita nos pequenos dóris, que só regressavam ao lugre quando a embarcação estivesse cheia de peixe. Uma arte com séculos, que os portugueses praticaram nos mares gelados da Terra Nova, Gronelândia, Islândia, Dinamarca, Noruega e Península do Lavrador, que terá terminado definitivamente em 1973. «O arrasto era mais seguro», garante. Hoje praticamente nem uma nem outra são praticadas por embarcações portuguesas. «O bacalhau vem todo congelado», refere José Esteves. O João Corte-Real foi sempre o seu barco na pesca do bacalhau, um modo de vida que os irmãos – Carlos e Augusto, «grandes pescadores, campeões da frota portuguesa» – também seguiram. «A minha
Depois do bacalhau, José Esteves continuou na pesca longuínqua na costa de África
mãe andava sempre vestida de escuro, só mudava quando regressávamos a terra». Com os navios de arrasto faziam-se duas viagens por ano ou uma de oito meses. Uma vida dura, difícil, recorda José Esteves. «Era um por todos e todos por um e tinha de ser assim. Estávamos sempre com o “machado” por cima da cabeça. Se alguma coisa falhasse íamos para Angola», recorda, evocando um decreto-lei do Governo, da década de 60, que isentava os “moços” da guerra, caso cumprissem seis campanhas consecutivas no bacalhau. José Esteve recorda as memórias desses tempos difíceis, num ambiente inóspito, com temperatura abaixo dos zero graus. «Trabalhávamos quase como escravos», afirma, assumindo a «vantagem muito grande» de ter «jeito para as máquinas», o que o levava a trabalhar no convés. O irmão, Augusto, era contra-mestre e um
escalador exímio. Carlos era mestre na arte de salgar. «Fizemo-nos homens de uma forma muito dura», diz, com emoção, o também presidente da União de Freguesias de São Julião e Buarcos. «Andávamos com a mesma roupa interior durante meses» e «enquanto houvesse peixe no convés, havia trabalho para toda a gente, sem descanso». Era a tarefa de preparar o peixe, desviscerar, cortar a cabeça, tirar a língua e o fígado (para o óleo de fígado de bacalhau). Depois, o peixe era escalado (aberto ao meio) e seguia para o porão, onde se procedia à salga, uma das operações mais delicadas e importantes para garantir a preservação e qualidade do bacalhau. Ali, então, o trabalho era do mais duro que se pode imaginar. «Quem estava no porão não vinha cá acima. Os homens não saíam dali, até as necessidades faziam no sal», diz.
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Pesca 90 anos com Figueira da Foz
«Os capitães distribuíam cachaça e “tabaco de pana” (avulso), para aquecer e para dar alento aos homens. Riscávamos os dias no calendário», à espera de encher o porão, o indicativo para a viagem de regresso. Depois de meses a fio no mar. A alimentação não era “grande coisa”. «A carne, de “barrica”, não era muito apreciada. Mas tínhamos sempre a possibilidade de comer peixe fresco. Batatas e peixe. Peixe e batatas», recorda. Mas também havia uns petiscos. «Já comeu arroz de corações de bacalhau? É uma especialidade!», garante. Assim como as caras de bacalhau fritas. A comida era confeccionada «numa lata de banha», com um fogareiro a petróleo, mas o «cheirinho» até atraía, por vezes, o capitão, que «vinha comer connosco», apesar de à sua mesa haver sempre “rancho melhorado”. «Era uma escola de vida», diz José Esteves. As dificuldades da família, com o pai doente, levaram-no, menino, para uma instituição social. «Fui aluno da Fraga D. Fernando II e Glória durante quase quatro anos», o que, apesar de o obrigar a estar longe de casa, lhe permitiu aprender a ler e a escrever. E no mar alto, valeu-lhe de muito e também aos companheiros, a
quem lia e escrevia as cartas, para as mulheres, mães e namoradas, trazidas e levada pelo Navio-Hospital Gil Eanes. Como pertencia à “Reserva” da Marinha, o pescador conseguiu «deixar o bacalhau mais cedo, aos 20 e tal anos». «Não deixou saudades», assume. Mas continuou na pesca, longínqua, de longo curso, nas costas do Mediterrâneo, Norte de África, ou ao longo da costa na-
José Esteve tem agora 75 anos
Destino escrito nas ondas do mar Diz-se que as gentes do mar vivem com o “credo na boca”, alimentadas por uma fé imensa. Muito sua, que as ajuda a enfrentar as maiores tragédias e manterem-se firmes. A vida de José Esteves é disso exemplo, com as ondas do mar a talharem-lhe o destino. A mãe, residente na Cova, casou com um primo. «Esteve casada uma semana. O marido foi para o bacalhau, no Trombetas, o navio naufragou e ele morreu». «A minha mãe era uma mulher linda, uma estampa», recorda. Uma viúva do mar que o mar tratou de voltar a casar. Na verdade, o pai, Estêvão Fernandes Tavares, de Buarcos, «andava na pesca do bacalhau». Já tinha uma filha, com 10 anos, e embarcou com a mulher grávida. «Quando chegou, disseram-lhe: tens ali uma menina muito bonita, mas… a mãe morreu», conta. As “casamenteiras” apres-
José Esteves em 1961, com 16 anos
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cional. «Valeu a pena! Consegui dar formação às minhas filhas e ter a minha casa», diz. Sustos não lhe faltam, mas fala deles como se das coisas mais simples se tratasse. Como o naufrágio da traineira em que seguia, com um dos irmãos, à entrada da barra da Figueira, nos anos 70. «A minha mãe estava na praia aos gritos», mas não houve vítimas. Outros houve. «Tenho a minha fé», confessa, «mas o maior acto de fé é sermos muito solidários». Mas também regista momentos felizes, como quando, em 1984, uma enorme tartaruga «veio emalhada na rede», na costa da Mauritânia,. Pegou no animal e entendeu que ele tinha de viver. A solução foi «pedir uma piroga» a uns nativos que se encontravam perto e ir a terra deixar a tartaruga. «Talvez ainda esteja viva hoje, ou pelo menos os filhos ou os netos estão...» repara. José Esteves, hoje com 75 anos, reformou-se da pesca com 55, mas não resistiu ao apelo do mar e continuou por perto, a trabalhar no Porto. Lamenta que o Governo tenha investido mais no abate do que na renovação da frota. «Portugal era uma referência na pesca e na construção naval, hoje está nas “ruas da amargura”», diz.
saram-se a juntar os dois jovens viúvos. Mas uma segunda tragédia estava para chegar. «O meu pai era um grande especialista em escalar bacalhau e, no tempo da guerra, foi “obrigado” a ir trabalhar para os navios italianos», com o objectivo de ensinar esta verdadeira arte de bem tratar o bacalhau. «Escorregou no gelo, caiu e deve ter perfurado um pulmão», conta. Uma tragédia que aconteceu logo na primeira viagem depois do casamento. «O navio, o Júlia I ou o D. Dinis, voltou, mas o meu pai não», conta. Estêvão acabaria por chegar, mais tarde, à Figueira. «Fomos buscá-lo à estação, numa carroça». As sequelas, todavia, estavam lá: «tiveram que lhe extrair um pulmão» e nunca mais pôde ir para o bacalhau. Mas como quem nasce pescador, morre pescador, Estêvão manteve-se ligado à faina, mas na costa. O serviço prestado aos navios italianos, valeu-lhe a atribuição de uma medalha. «Mas tinha de pagar e ele recusou-se». Uma recusa que levou Estêvão a ser detido, tendo ficado preso durante algum tempo.
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Náufrágios 90 anos com Figueira da Foz
MAR CONTINUA A CEIFAR VIDAS
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Bando precatório ajuda famílias de pescadores
2015 Naufrágio do arrastão Olívia Ribau foi o mais grave dos últimos acidente registados no mar, à entrada da barra
Mergulhadores empenhados nas operações de resgate
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erde-se a conta aos homens que o mar levou. Sobretudo pescadores. Muitos com terra à vista, à entrada da barra. O mais recente e dramático episódio desta história trágico-marítima sem fim aconteceu em Outubro de 2015. Cinco mortos foi o resultado do naufrágio do Olívia Ribau. À entrada da barra do Porto da Figueira da Foz. Apenas dois dos sete tripulantes que se encontravam a bordo escaparam com vida. Pouco passava das 19h00 do dia 6 de Outubro quando foi dado o alerta. Carregado com cerca de 120 caixas de peixe, o arrastão, registado em Aveiro, procedia a manobras para entrar na barra. A ondulação era forte e uma onda maior terá entrado à ré, provocando o desequilíbrio do barco. Pouco depois, do molhe Norte avistava-se a embarcação virada e uma balsa de salvamento. Foi a bóia de salvação deAdriano Conceição, de 40 anos, e João Conceição, de 41 anos, ambos da Leirosa. Os únicos sobreviventes foram regatados por uma mota de água da Polícia Marítima, que puxou a balsa onde se encontravam os dois irmãos para uma zona com menor rebentação, junto ao molhe Sul. Carlos Santos, em licença de paternidade, foi accionado pelo comandante
do Porto e acabou ser o herói da noite. A mota de água era, garantiu na altura, o único meio possível para entrar no mar e tentar salvar os pescadores, tendo em conta as redes, caixas de peixe e cabos que se encontravam no local. Na mesma noite, por volta das 22h00, Joaquim Comboio, de 56 anos, da Cova Gala, era retirado das águas, sem vida. Os restantes quatro tripulantes eram dados como desaparecidos. Do interior do arrastão, na casa do leme, foram resgatados, dois dias depois do naufrágio, os corpos de Rui Gonçalves, da Costa de Lavos, e de António Mendonça, da Gafanha da Nazaré. No dia seguinte, ao cair da noite, numa zona de difícil acesso, igualmente no interior do arrastão, os mergulhadores recuperaram o corpo de Américo Taralheiro, da Praia de Mira. No dia 11, ao final da manhã, avistado por um rebocador, junto à Marina, foi recuperado o corpo do último pescador, Adriano Camboia, de Montemor-o-Velho. Um acidente que, mais uma vez, fez verter lágrimas de luto, mas também erguer punhos de revolta, com muitas vozes, críticas, a erguerem-se e a apontarem o dedo para o atraso e a falta de eficácia das operações de socorro. Questões que o comandante
Em Dezembro de 1932, ao largo da Figueira, naufragou a traineira “Augusto”, levando 10 pescadores para a morte. A dor e o luto tomaram conta da cidade e da região. «Ninguém deixe de acudir àqueles que não têm pão porque a morte lhes levou os braços que o granjeavam. Todos, havemos de concorrer para que a fome seja arredada, por largo tempo, desses lares», escrevia o Diário de Coimbra. Jornal de causas desde a primeira hora, empenhou-se em ajudar estas famílias, com a organização de um “bando precatório”, com grupos de estudantes, «de capas estendidas» a percorrerem «toda a cidade, penetrando em todos os bairros», empresas e instituições, a pedir ajuda para a “gente do mar”. A iniciativa ultrapassou as mais optimistas expectativas, com o cortejo a reunir bandas de música, ranchos e associações. O “bando” «terminou já noite cerrada», conseguindo reunir «mais de oito contos», congratulava-se o jornal, agradecendo a todas as entidades envolvidas. O Diário de Coimbra foi, depois, nomeado presidente da distribuição de donativos.
Nuno Leitão, da Autoridade Marítima contestou, garantindo que foi feito o «possível e o impossível» para salvar os pescadores. O responsável chamou ainda, a atenção para o facto de os sete tripulantes não usarem colete de salvação. «Isso pode ter sido a diferença entre a vida e a morte», adiantou.
Diário de Coimbra
90 anos com Figueira da Foz Conservas
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Peixe é colocado, depois de amanhado e limpo, nas latas. É o primeiro passo da preparação das conservas
CONSERVAS APRECIADAS NOS QUATRO CANTOS DO MUNDO 1992 Nascida em Buarcos, a Cofisa mudou-se para o Porto de Pesca em 1992 e em 2004 mudou de dono e de estratégia. Hoje é uma referência e a marca Vasco da Gama viaja pelo mundo
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Cofisa – Conservas de Peixe da Figueira da Foz S.A produz meio milhão de latas por dia. De atum, sardinha, cavala, mas também de polvo e lulas. É o mundo das conservas, que na Figueira da Foz tem uma história centenária. Daqui partem, em lata ou embalagem de vidro, conservas para os quatro cantos do mundo. Desde oerudito mercado da Suíça, à Alemanha, passando por Israel, Itália ou Líbia. Vasco da Gama, o navegador que descobriu o caminho marítimo para a Índia, é a imagem de marca mais conhecida das conservas “made in” Figueira da Foz. O atum é o rei nesta “safra”. «Qualquer empresa que queira ter ganhos de eficácia e escala tem de estar no atum», afirma João Carlos Pereira, director da empresa, que juntamente com o administrador, Pedro Freitas, nos guiam nesta viagem
pelo mundo das conservas. A produção contempla todos os gostos e todas as bolsas, esclarecem, apontando desde as “migas” de atum – produto muito apreciados no Magrebe – às postas e aos filetes. Cada um tem o seu espaço e o seu nicho de mercado. Assim como a embalagem. Mais vulgares são as latas rectangulares (¼ club, como são designadas) que historicamente nos habituámos a ver no supermercado, quase exclusivas do mercado nacional. Mas há mais. As redondas, com diferentes gramagens, são muito direccionadas para exportação. E as de vidro são especialmente para os produtos “top”, ou seja, os filetes. Novidade é o formato “bolsa”. «Fomos praticamente pioneiros neste segmento», esclarecem, destacando a boa adesão que este modelo, «muito prático», tem entre as gerações mais jovens.
Se a embalagem é um factor de diferenciação, a “identidade” do produto está nos molhos. «Azeite, óleo ou água» são as coberturas usadas para o atum. Mas há uma linha especial, exclusivamente produzida para uma cadeia de distribuição alemã, mais “composta”. «É uma pasta de atum, concebida para acompanhar massa», que além de atum, inclui tomate, manjericão e azeitonas. As conservas de atum produzidas na Gala percorrem o mundo, num itinerário mais alargado que o de Vasco da Gama. «Trabalhamos com 35 países», englobando praticamente toda a Europa. Um «mercado importante» é a Grécia, e também a Bulgária, bem como toda a zona do Magrebe. A Líbia merece destaque e Israel e os EUA também consomem atum Cofisa. «O segundo produto mais importante é
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Conservas 90 anos com Figueira da Foz
a sardinha». Em azeite, óleo picante, tomate e tomate picante. As embalagens são “clássicas”, rectangulares. De 120 gramas para a sardinha e de 90 g para a petinga. Portugal e Itália são os principais mercados destas conservas, que também viajam para alguns dos 35 países consumidores de atum, se bem que em menor quantidade. A Suíça tem, aqui, alguma relevância. «Produzimos para duas marcas de distribuição na Suíça», referem, esclarecendo que, aqui, à semelhança do que acontece com Inglaterra ou Áustria, o consumidor tem uma «preocupação com a sustentabilidade», razão pela qual é usada sardinha certificada MSC (Marine Stewardship Council). Relativamente à cavala, as conservas apresentam-se em embalagem de lata, rectangulares, ou de vidro, sob a forma de filetes ou inteira. Cavala que tem «muito procura no mercado italiano». Portugal está a despertar e o mercado «está a crescer», assumem. Mais “residual” é o segmento dedicado ao polvo e lulas, que «produzimos, mas com um peso mais reduzido». Comum é o processo de produção. Seja para o atum, cavala, sardinha, polvo ou lulas. Uma arte apurada durante séculos, que a linha de montagem da Cofisa faz parecer simples: uma máquina corta as postas e coloca-as na embalagem. O passo seguinte é receber o molho/cobertura e, em seguida, a embalagem é “cravada”, ou seja, recebe a tampa, e prossegue o seu caminho para a lavagem. De seguida entra no “autoclave”, a máquina que guarda o segredo de todas as conservas. Trata-se de um equipamento que conjuga basicamente dois factores, temperatura e pressão, onde o produto fica o tempo necessário para garantir que «é estável e estéril». Basicamente, a conserva está feita. Mais, o processo de conservação não tem, em si, prazo de validade. «A validade de uma lata de conserva está mais dependente do vasilhame», explicam Pedro Freitas e João Carlos Pereira. Isto porque o fabricante da embalagem, nomeadamente lata, «só garante uma validade de cinco anos», uma vez que, após este período, o metal pode começar a deteriorar-se, o mesmo acontecendo como verniz de protecção que cobre a embalagem e que «pode migrar para o produto que contém». E a confirmar que o produto em si não se deteriora, está, fazem notar, um «nicho de mercado, em França, que valoriza conservas com mais de 10 anos».
Pandemia fez crescer negócio Vasco da Gama é a marca mais conhecida da Cofisa, que também tem no mercado as marcas Cofimar, Lusíadas e 3 Mar (esta para o Norte de África). Uma grande parte da produção é, desde há largos anos, destinada à grande distribuição. Assumindo-se como uma «empresa familiar», a Cofisa tem vindo a «ganhar caminho e dimensão comercial», sublinha o director, que aponta para um volume de negócios na casa dos 50 milhões de euros. Um valor que este ano deverá crescer, em resultado da pandemia. «Vendemos mais em 15 dias do que em três meses», faz notar, referindo-se ao período de confinamento.
Aposta na tecnologia As máquinas são fundamentais na linha de produção e a Cofisa tem investido fortemente neste domínio. «Dificilmente encontramos equipamento com mais de 5/6 anos», afirma o director. «Procuramos sempre máquinas mais eficientes e com mais velocidade». EmAgosto, exemplifica, entrou em funcionamento uma nova linha, para formato redondo, que tem capacidade para fazer 450 latas por minuto» e representou um investimento «superior a um milhão de euros». Este investimento – «que tem sido contínuo» - em tecnologia de ponta é particularmente importante, não apenas em nome da eficácia e eficiência do processo de fabrico, mas também tendo em conta a «grande dificuldade em contratar mão-deobra». «Temos feito um esforço de automatização, que nos permite libertar mãode-obra para processos que não são passíveis de automatização», afirmam. Exemplos? Não há máquinas para limpar um
Alguns dos produtos Cofisa
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atum ou para descabeçar ou desviscerar cavala ou sardinha. «Tudo isto tem de ser feito à mão», asseguram. Também à mão ou, pelo menos, exigindo mais mão-deobra, estão produtos de qualidade superior, “gourmet”. A empresa tem um universo de duas centenas de trabalhadores.
De Buarcos ao Porto de Pesca A Cofisa – Conservas de Peixe da Figueira da Foz, fundada nos anos 80, começou por funcionar em Buarcos, transitando, em 1992, para o Porto de Pesca (ainda hoje se mantém o transporte, assegurado pela empresa, entre Buarcos e a unidade fabril). Integrava, então, a Cofap, grupo que, além da unidade fabril da Figueira, tinha negócios em Lisboa e nos Açores. Acabou por ser adquirida, em 2004, por José Freitas. O empresário, que lidera o grupo Freitasmar, também adquiriu a fábrica J.A. Pacheco, em Olhão, onde construiu, em 2013, uma unidade de raíz. A empresa algarvia está direccionada, explica Pedro Freitas, para «produtos de gama alta», muito dos quais quase artesanais, que exigem bastante mão-de-obra, e que se destinam a exportação. «90/95% da produção é para Itália». Aliás, além da vocação exportadora, o grupo também investiu “lá fora”, sendo detentor de 50% de uma sociedade em Itália, responsável pela produção de duas das marcas mais relevantes no mercado.
Conservas inovadoras Também há inovação nos produtos e a Cofisa acaba de entrar num novo segmento de mercado, que tem como produto base o bacalhau. «É uma linha muito recente, que avançou no dia 24 de Setembro», esclarece o director. Trata-se de bacalhau com azeite e alho. Um clássico bem português. Mas também há bacalhau com grão e feijão frade com atum. «São produtos que, sendo, para nós, novos, não são completamente inovadores», adianta Pedro Freitas. Em termos de feed-back de vendas «ainda é cedo», mas o resultado das provas revelou-se «muito positivo». De futuro, o grupo pretende «desenvolver produtos que se aproximem do conceito de refeições quase prontas», dentro desta linha. Mas também «desenvolver uma linha de qualidade superior» dentro da gama já produzida.
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90 anos com Figueira da Foz Construção naval
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CONSTRUÇÃO NAVAL: FÉNIX RENASCIDA? 2020 Empresa “herdeira” dos Estaleiros Navais do Mondego acredita que até ao final do ano os ventos começam a “correr de feição”
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insolvência dos históricos Estaleiros Navais do Mondego, decretada pelo Tribunal da Figueira da Foz, pode não ter sido o “canto do cisne”da construção naval do concelho, mas uma “Fénix renascida”. Essa é, pelo menos, a convicção de Bruno Costa, responsável pela Atlanticeagle Shipbuilding, que adquiriu a massa falida dos afamados estaleiros e acredita que pode “dar a volta” a um sector praticamente moribundo. “Know How”não lhe falta. Vontade também não. Licenciado em Engenharia Electrónica e Telecomunicações pela Universidade de Aveiro, Bruno Costa não resistiu à «paixão pela construção naval», um sector ao qual a família está ligada «há mais de 80 anos», como fundadores de dois estaleiros navais de referência em Aveiro: a Navalria e os Es- Estaleiros continuam a funcionar, mas longe da opulência de outros tempos
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Construção naval 90 anos com Figueira da Foz
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Mais de sete décadas de bons serviços
Os Estaleiros Navais do Mondego, criados em 1944, foram uma referência da indústria naval. Das suas docas saíram navios mercantes, embarcações de pesca, navios de guerra – alguns encomendados pelos EUA pontões, barcaças, embarcações de trabalho portuário, gruas flutuantes, dragas e rebocadores. Também ali foram reparados e modernizados diferentes tipos de embarcações, desde barcos de pesca a navios de investigação oceanográfica. Em 2006 a Fundação Bissaya Barreto vendeu os estaleiros à empresa espanhola Contsa SA, pelo preço simbólico de um euro, assumindo o passivo da empresa, que rondava os sete milhões de euros. Em Abril de 2011, a administração da empresa pediu a insolvência e a Sociedade Estaleiros Navais do Mondego S.A. foi declarada insolvente pelo Tribunal da Figueira da Foz em Dezembro de 2011, depois da empresa espanhola ter desistido do plano de viabilização apresentado. Com a falência da empresa, a administração do Porto da Figueira da Foz determinou a caducidade do seu alvará e a reversão a seu favor de todas as instalações e edificados. Em Maio de 2012, lançou o concurso público para a concessão de instalações destinadas à reparação naval e actividades conexas., cuja tramitação conduziu à adjudicação da proposta da empresa concorrente Atlanticeagle Shipbuilding, Lda, com a qual foi assinado o contrato de concessão, em Setembro de 2012.
“Haksolok” é um “ferry” destinado a Timor, construído em aço e alumínio
taleiros de São Jacinto. Além deste ADN, Bruno Costa esteve ligado aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, onde exerceu funções de consultor. Bruno Costa admite que a empresa passou uma vaga de dificuldades, mas acredita que a borrasca vai passar e a construção naval irá ganhar um novo fôlego na Figueira da Foz. Vontade, garante, existe. E mercado também. Quanto ao saber-fazer, não há dúvidas. A empresa tem ao seu serviço «alguns dos trabalhadores dos antigos Estaleiros Navais do Mondego» e também de São Jacinto. Neste momento, o estaleiro tem uma estrutura com cerca de 40 trabalhadores. «À medida que o trabalho aumenta, contratamos pessoal à hora», explica, assumindo não ser possível «continuar com os 150 trabalhadores» que estiveram ao serviço em 2015/16. Em termos de capacidade técnica, não tem dúvidas: «Temos capacidade para construir tudo, em aço e alumínio. Somos a única empresa que constrói em aço», refere, apontando os catamarans que actualmente atravessam o Tejo, construídos na Navalria, em Aveiro. Já dos Estaleiros de São Jacinto, lembra, saíram os “velhinhos” cacilheiros. A construção do “ferry” para Timor continua na ordem do dia. «É a maior encomenda dos estaleiros», reconhece, adiantando que a empresa está em negociações com Timor, no sentido de obter o financiamento necessário para concluir o navio e construir pontões naquele país. Mais do que isso, aponta a «negociações com Timor»,
particularmente com a região de Oé-Cussi, no sentido de uma «eventual participação na empresa», através da injecção de capital, o que iria garantir «outra robustez» aos estaleiros. «Estamos a negociar com a região de Oé-Cussi e também com o Governo», diz, assumindo que se trata de assegurar «projectos a médio e longo prazo», que garantam a viabilidade da empresa. «Queremos recuperar os estaleiros, temos um plano estratégico e, neste momento, é fundamental a negociação com o Porto da Figueira da Foz relativamente à renda». Há também, adianta, «negociações com a Câmara Municipal» e o «apoio do Governo seria muito importante», diz, apontando o exemplo do que aconteceu em Viana do Castelo. A concessão da Atlanticeagle é válida até 2037 e o empresário acredita que «dentro de semanas» vai ser possível o regresso ao trabalho e «até ao final do ano» a situação da empresa vai ficar resolvida, com o novo ano a representar um novo alento para o sector da construção naval.
“Ferry” destinado a Timor-Leste está na fase final de construção. Um navio com 71 m de comprimento e capacidade para transportar 377 passageiros e 22 viaturas
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Salgado 90 anos com Figueira da Foz
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A MAGIA DO SALGADO 2016 Em Novembro de 2016 nasce a FigueiraSal – Associação de Produtores de Sal, que assume como desígnio “salvar o salgado” de uma morte anunciada
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atural de Albergaria-a-Velha, foi no estuário do Mondego que Pedro Oliveira deu um novo rumo à sua vida. Para trás ficava o curso de Engenharia Electrotécnica, tirado em Coimbra. Mas também uma experiência profissional ligada à gestão e à grande distribuição, em Lisboa. Na casa de férias, adquirida na Figueira, Pedro Oliveira reencontrou-se consigo e com o mundo. Sobretudo, descobriu a magia do salgado. Mais, deixou-se conquistar por ele. Hoje é empresário. Gere uma marinha, mas também se assume como marnoteiro, pois há que produzir o sal e outros produtos que são a matéria-prima da empresa. O “engenheiro-estrangeiro” é também o actual presidente da FigueiraSal – Associação de Produtores de Sal, organização criada em Novembro de 2106, que pretende «salvar o salgado da Figueira da Foz» e promover as suas muitas potencialidades. “Estrangeiro”, como era chamado, Pedro Oliveira trabalhou durante um ano numa marinha. A troco de “nada”, sob a orientação do mestre Alípio. Foi assim que, estranho às coisas do sal, se inteirou deste saberfazer ancestral e lhe ganhou o gosto. De tal forma que, numa patuscada, já entrosado com a comunidade, lançou o desafio. A si e aos demais: «o giro era, agora, eu fazer uma salina sozinho». A safra acabou, e, por alturas do Natal, «o mestre liga-me e dizme: “Tenho uma surpresa para ti. No dia 2 de Janeiro vem ter comigo ao salgado”», recorda. E assim se fez. O mestre Alípio levou a sério as palavras do “estrangeiro”. Falou com o proprietário
Os gémeos, filhos de Pedro Oliveira e Jacqueline, são entusiastas das salinas
de uma marinha, na Morraceira, abandonada há sete anos, e entregou-a a Pedro Oliveira. «É a segunda maior salina. Acho que é “fruta a mais” para ti, mas estou aqui para te ajudar», disse-lhe. Estávamos em Janeiro de 2013. Seis meses depois nasciam os gémeos, os dois filhos do “engenheiroestrangeiro”, que ficou, literalmente, com três meninos nos braços. Os três cresceram, juntos. Hoje a “Salgaflor” é uma realidade. Assim como o projecto “Murraceira”. E já são os pequenos que percorrem, felizes, as motas, mostrando a salina a quem a visita. «Não sou “endógeno”, sou “estrangeiro” e, por isso, consegui ver o salgado “de
fora”», conta e, também, perceber o seu «grande potencial». Um olhar empreendedor, de um “estrangeirado”, que conseguiu perceber os problemas e perspectivar soluções. Os primeiros, explica, prendem-se com o facto de se estar perante «uma comunidade fechada, envelhecida, com alguma amargura – própria de uma vida dura – com cada um a olhar para a sua “quintinha”, individualista, pouco profissionalizada, com uma perspectiva de negócio muito caseira, sem inovação». Pior, constata, «todos os anos se perdiam marnoteiros, o que significa a perda de uma saber-fazer fundamental». Uma arte que «não se aprende na escola,
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mas na salina, a trabalhar». A técnica, é, em rigor, «muito simples: é a evaporação da água que faz o sal». Todavia, «há um saber-fazer próprio para se fazer sal marinho artesanal», sublinha. Com o diagnóstico feito, o “engenheiro” equacionou a solução: «é necessário estancar a morte do salgado, impedir que se percam mais marnoteiros e salinas em actividade, desenvolver e cuidar da actividade, dar formação e valorizar o trabalho dos marnoteiros e das suas empresas, com nova tecnologia e informação e, também, promover o salgado como um todo, envolvendo os produtos que já se fazem e outros que se podem produzir». Foi este o mote que levou à criação da Salfigueira. O primeiro passo foi uma conversa com Sónia Pinto, na altura a gestora do Museu do Sal e da salina do município. «Além de conhecer toda a cultura do salgado e a comunidade de marnoteiros, fez a ligação com a Câmara Municipal», um elo fundamental desta cadeira. «Sem o apoio da Câmara não conseguíamos fazer nada», afirma, destacando a «grande abertura e entusiasmo» da autarquia. Dado o primeiro passo, dois produtores aliaram-se ao projecto. Outros vieram, depois. «Foi fácil», confessa, reconhecendo alguma «desconfiança» e «entropia» em todo o processo. Mas avançou. Os primeiros dois anos foram de «alguma apatia», mas, de então para cá, a FigueiraSal começou a mexer, a promover iniciativas, a mostrar o potencial do salgado e, sobretudo, a agregar proprietários, produtores e marnoteiros. Neste momento são 36 associados efectivos. Mas a associação também está aberta a sócios-amigos, pessoas que, não tendo uma intervenção directa no salgado, gostam desta cultura, das tradições, da beleza dos montículos brancos de sal que crescem nas marinhas.
90 anos com Figueira da Foz Salgado
Rejuvenescer e inovar «Começam a surgir alguns produtores jovens», afirma Pedro Oliveira. E também começa a haver um olhar diferente para a produção, além do clássico sal marinho e da flor de sal, nomeadamente para as plantas halófitas. «Temos pelos menos dois jovens com vontade de produzir estas plantas, designadamente salicórnia, e com capacidade para instalar uma produção controlada», refere. O «potencial turístico» e como espaço de lazer é outra das apetências do salgado. «Já há marnoteiros a tentar desenvolver alguma actividade turística, com visitas» e o sector da gastronomia representa uma outra área «com um potencial brutal». Mas também os passeios, roteiros, observação de aves, constituem propostas com futuro, para o futuro do salgado. A Salfigueira assumiu, em parceria com a autarquia, a organização da última “despesca”, promoveu o evento “4 Estações” e para a próxima Primavera está prevista a inauguração de um spa. Uma estrutura que já existe noutros salgados, mas na Morraceira apenas funciona o “pedarium”, junto ao Museu do Sal. A formação é outra aposta. No ano passado realizou um curso, em parceria com o IEFP, com 15 participantes, mas o maior desejo é uma formação destinada aos jovens, para as férias de Verão, num curso que junte a cultura tradicional e o empreendedorismo, numa altura em que «o salgado está a bombar». «Juntava-se o útil ao agradável» e talvez daí resultassem mais interessados em explorar o salgado. Outro público são os licenciados, designadamente em Biologia, que «poderiam ter aqui uma especialização, para acrescentar valor». «Mas para tudo é preciso dinheiro», que a Salfigueira não tem.
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Cinco produtos de uma só salina
Na salina, que recebeu “afundada”, Pedro Oliveira produz hoje cinco matérias-primas, que são o alimento da empresa Salgaflor: o sal marinho, a flor de sal, a água mãe (sal marinho líquido), limos – algas que se desenvolvem na salina quando está inactiva e que são um excelente fertilizante biológico, um «negócio residual», assume - e ainda as plantas do salgado. O “engenheiro-estrangeiro”, de 41 anos, destaca, relativamente às plantas halófitas, o projecto “Murraceira”. Num espaço de 1.500 m2, está a desenvolver uma produção biológica de salicórnia (os espargos da salina) e de gramata branca (planta com folhas carnudas e salgadas).Um projecto desenvolvido em parceria com as universidades de Aveiro e Coimbra, ao longo de três anos. Para o ano está prevista a primeira extracção.
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Núcleo museológico 90 anos com Figueira da Foz
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NÚCLEO MUSEOLÓGICO PRESERVA MEMÓRIAS DO SALGADO 2007 Instalado na Salina Municipal do Corredor da Cobra, espaço guarda as memórias e uma actividade ancestral e convida a descobrir um ecossistema único
Salina em funcionamento preserva a cultura ancestral de produção do sal artesanal
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naugurado em 2007, o Núcleo Museológico do Sal afirma-se como um espaço "sui generis", simultaneamente vivo e histórico, que pretende dar a conhecer os testemunhos da relação secular do Homem com o território onde “cresceram” as salinas da Figueira da Foz. Mas também alertar e, sobretudo, sensibilizar para a importância de um ecossistema único, com elementos muito próprios em termos de fauna e de flora. São cinco os grandes temas que chamam a atenção do visitante: O que é o sal; o sal na natureza; história do sal em Portugal; a tecnologia do sal na Figueira da Foz e o ciclo de produção; e as salinas e a conservação da Natureza. O espaço museológico está instalado na Salina Municipal do Corredor da Cobra, adquirida pela autarquia no ano 2000, com o objectivo de promover a reactivação e manutenção da actividade salineira. Uma salina que se encontra em pleno funcionamento, com a produção de sal. O espaço inclui, ainda um Armazém de Sal, onde tradicionalmente era guardado o sal, mas
que também servia de albergue para os marnotos. O projecto contempla uma rota pedestre pelo salgado , que começa no Núcleo Museológico, localizado em Armazéns de Lavos, e se estende por um percurso de 4,5 km, envolvendo um território marcado pela existência secular de salinas tradicionais. Um roteiro que está homologado pela Federação Portuguesa de Campismo e Montanhismo. Há ainda uma rota fluvial, pelo estuário do rio Mondego e um observatório de aves. Num cenário que se estende numa língua de terra, entre o mar e o rio, com a Ilha da Morraceira de permeio, é possível apreciar, em diferentes épocas do ano, várias espécies de aves migratórias, vindas do Norte da Europa, como o pernilongo, o alfaiate, o borrelho grande, o borrelho de coleira interrompida, a alvéola amarela, o flamingo, a garça real, o pato real, o corvo marinho e o maçarico das rochas. A receber os visitantes e a convidá-los para um mergulho num pequeno paraíso, estão dois flamingos gigantes, concebidos
em fibra de vidro pelo escultor António Faustino. Trata-se do Martinho e da Salgadinha, que desde o final de 2015 habitam a Salina Municipal e foram apadrinhados pelos alunos da EB1 de Regalheiras de Lavos. Com um grande número de visitantes, com um destaque especial para as escolas, o espaço museológico assume-se cada vez mais como um centro de informação, educação e sensibilização dos diversos públicos para «a necessidade de preservação de uma actividade tradicional e de um produto artesanal, contribuindo, assim, de forma integrada, para a valorização deste património como factor de desenvolvimento sustentável», refere a autarquia. É também, adianta, um centro «aberto à investigação e informação sobre a riqueza da biodiversidade do seu ecossistema-tipo e uma unidade didáctica de lazer e de interactividade». Um espaço que proporciona «experiências únicas e particulares» a quem o visita, refere ainda. O Núcleo Museológico do Sal tem ainda uma outra atracção, esta a pensar na saúde. Trata-se do primeiro “Pedarium”português, a funcionar desde Agosto de 2015. Uma infraestrutura que utiliza o «sal tradicional como forma de terapia, saúde e bemestar», aproveitando a tipologia das salinas, cuja construção contou com o apoio do Fundo Europeu das Pescas. Toda a estrutura é construída em pinho não tratado, material que é tradicionalmente usado no salgado da Figueira da Foz. Uma experiência diferente e, acima de tudo, relaxante.
”Pedarium” utiliza o sal tradicional como forma de terapia e bem-estar. Uma proposta pioneira que tem registado uma excelente adesão por parte dos visitantes
90 anos com Figueira da Foz Núcleo Museológico
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NÚCLEOI MUSEOLÓGICOI DO MAR GUARDAI AS MEMÓRIASI DA COMUNIDADEI Réplicas dão a conhecer algumas das embarcações mais características e também os trajes e artefactos
2003 Instalado em Buarcos, é um “testemunho vivo” da ligação entre as gentes do concelho e o mar, mas também um pólo de incentivo à cultura científica
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Núcleo Museológico do Mar, instalado num centenário edifício no “coração” da vila de Buarcos desde 2003, e sob a dependência orgânica do Museu Municipal Santos Rocha, nasceu para ser «um testemunho vivo da ligação que existe desde sempre entre o concelho e o mar», recuperando e divulgando algumas das principais memórias históricas mais identificativas das comunidades da orla costeira da Figueira. Ocupando os quatro pisos do edifício, o seu património procura reflectir as condições e vivências particulares, preservando memórias das comunidades, impondo a sua salvaguarda, a fim de facultar às populações a fruição dos seus valores e bens. Neste contexto de história regional e local, revela também a importância social, económica e cultural das actividades ligadas às artes da pesca, «mostrando às novas gerações vivências do passado e o contexto em que o concelho se desenvolveu e cresceu». O piso 1 destina-se a mostras temporárias, mas tem igualmente cerca de duas centenas
de monografias que compõem o pólo de Buarcos da Biblioteca Municipal. O piso 2 é dedicado à pesca, representando as diversas artes de pesca que se desenvolveram ao longo da costa portuguesa, em alto mar ou na orla costeira, mas também com modelos à escala de embarcações que são utilizadas nas mais variadas artes da pesca: a traineira, o arrastão, o barco das artes da Costa de Lavos e os botes e bateiras de Buarcos. Mas privilegia ainda as actividades marítimas e as suas gentes, com alguns trajes típicos das zonas piscatórias figueirenses (espólio de Maria Jarra) e um espaço exclusivamente dedicado à faina maior, a pesca do bacalhau
Uma das artes tradicionais da pesca
à linha, sem descurar diversos artefactos, ligados à construção naval, indústria que foi próspera na Figueira. Toda a exposição é ainda complementada com fotografias de diversas épocas e de locais do concelho. O piso 3 é composto por um laboratório e sala de exposições temporárias de média ou curta duração, onde se apresenta e documenta a vida e obra de Augusto Goltz de Carvalho e o piso 4, desde 2015, é dedicado a uma nova valência, o espaço “Querer Saber”, que resulta da doação do espólio pessoal de Francisco Lacerda e Manuela Andrade Pinto. O espaço enquadra-se no espírito de preservação de património e memórias da escola e educação nacionais, dispondo de uma sala de exposição, centro de documentação/biblioteca e laboratório de ciências experimentais e tem como objectivo fundamental «a promoção da cultura científica, bem como a aproximação desta à população, potenciando o aumento do interesse, a curiosidade e a motivação dos visitantes», com especial ênfase para o público escolar, privilegiando a aprendizagem em ciências e educação ambiental.
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Museu e Biblioteca 90 anos com Figueira da Foz
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Museu e Biblioteca formam um harmonioso conjunto virado às Abadias
DIGNIFICAR O MUSEU SANTOS ROCHA 1974 Abertura do Museu e da Biblioteca “revolucionou” acesso à cultura. Instalados no parque das Abadias, nascem da “visão” de Coelho Jordão e da beneficência da Fundação Gulbenkian
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uando em 1974, a jovem Isabel Pereira (licenciada em História e especializada emArqueologia e Museologia), chegou à Figueira da Foz, esperava-a uma operação hercúlea, a de transferir o espólio do Museu para o novo espaço, acabado de construir e que iria ser o Museu Municipal Dr. Santos Rocha (e Biblioteca Pedro Fernandes Tomás). O museu que então existia, pequeno, que já nada tinha a ver com o que Santos Rocha havia criado, tinha o espólio em vários locais do edifício da Câmara Municipal. Daí que, nos anos 60, o então presidente da Câmara, Coelho Jordão, um homem que, «apesar de ser do Estado Novo tinha outra visão da cultura», sentiu a necessidade de um museu e, com o professor António Vítor Guerra (que teve um papel prepon-
derante na recolha, preservação e divulgação da cultura figueirense), foram à Fundação Calouste Gulbenkian pedir financiamento para um museu «bonito, bem feito, virado às Abadias, que tinham tido um arranjo fenomenal do arquitecto Ribeiro Telles. Era portanto, um lugar de elite», recorda a antiga conservadora. Museu construído, Isabel Pereira - já com experiência de escavações em Conimbriga, França e Inglaterra e conhecedora da «maior parte dos museus da Europa» encontra «um espaço com áreas muito grandes e muito boas, outras muito pequenas que não davam para nada». Por isso, «foi preciso estudar todas as colecções para as reinstalar. E se qualidade tive, foi a de chamar os melhores arquitectos e museólogos do país, entre os quais Fernando
Museu “nasceu” por acção de Santos Rocha A origem do Museu Municipal remonta aos finais do século XIX, devido à acção científica e descobertas arqueológicas do insigne figueirense Santos Rocha e teve vários espaços físicos, até à construção do edifício onde se encontra actualmente. Entre 1894 e 1899, procedeu-se à formação e instalação provisória na Casa do Paço. Entre 1899 e 1941 foi reinstalado e organizado no andar nobre da Câmara Municipal. Aí e até 1910 viveu uma fase áurea, fruto da acção de Santos Rocha e dos trabalhos da Sociedade Arqueológica e das publicações no seu boletim, que o colocaram no patamar das melhores instituições científicas do país. As colecções foram aumentando e em meados da década de 1960, Coelho Jordão procura uma solução, encontrando ajuda na Fundação Calouste Gulbenkian, que financiou o projecto em 50%.
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Museu e Biblioteca 90 anos com Figueira da Foz
Lanhas, Lixa Filgueiras e todo o serviço de museografia da Fundação Gulbenkian». Com essa equipa, entre 1974 e 1976 fez-se o exame do edifício e das colecções e começaram as mudanças. Assim, nasceram as duas salas de cima (seguindo o espírito de Santos Rocha), para pintura e escultura, «colecções consideradas as principais – não para mim - e que o povo gostava de ver» e outras, guardando-se a melhor instalação para a de arqueologia, «a mais cuidadosa e com maior rigor científico». Mas ao contrário do que se esperava, além do rico espólio arqueológico, encontraram também «muitas coisas do modernismo, desenho e pintura que desconhecíamos e tinham vindo de vários legados». Trabalho redobrado. Paralelamente à montagem, ao circuito, à visita guiada, Isabel Pereira quis criar uma linha editorial «forte, para dar a conhecer o museu e ao mesmo tempo fazer um núcleo de investigação, que implicava a criação de um serviço técnico, de desenhadores e restauradores e isso conse-
Museu apresenta um vasto e rico espólio arqueológico
guiu-se também». Mas não deixou de sentir «o peso da responsabilidade», apesar de ter «sempre alguém que ajudava. Não se guardavam ressentimentos e embora eu fosse considerada uma miúda, nunca tive pejo de dizer o que pensava e o que queria e respeitavam-me. E eu ouvia-os e aceitava».
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Isabel Pereira acompanhou todo o carregamento das peças. «Embalei e foi tratada colecção por colecção. O papel higiénico e o de jornais foram os mais usados para os embrulhos e andamos pelo comércio a pedir caixas». No transporte, havia uma pessoa a verificar se as caixas que saíam eram as que entravam e «tudo bateu certo». E assim se foi “compondo” o Museu Municipal Dr. Santos Rocha, com «muito trabalho, muito improviso e muita dedicação», recorda a técnica, que viu o seu trabalho recompensado quando, em 1993, o Museu Municipal foi distinguido pela Associação Portuguesa de Museologia como Melhor Museu do País, distinção entregue em 1994, aquando das celebrações do seu centenário. Hoje, já pouco resta do que foi idealizado na altura e, apesar de Isabel Pereira defender que merece «adaptações e renovações adequadas a esta nova época», é um espaço onde se “respira” história, arte e cultura e se tenta acompanhar os novos desafios.
Biblioteca rica, dinâmica e modernizada 1974 O edifício, da autoria de Isaías Cardoso, não acolhe apenas o Museu Municipal, uma vez que é também a casa de uma rica, dinâmica e modernizada biblioteca (acolhendo ainda o Arquivo Municipal), que, diga-se, foi durante décadas “itinerante” nos espaços. Em 1893, a Câmara Municipal possuía poucos livros guardados numa pequena sala da Casa do Paço. Em 1898, passam para um “gabinete” do museu, mas em 1908, uma comissão constituída por insígnes figueirenses ofereceu-se para organizar uma biblioteca pública, o que acontece e, em 1910 é inaugurada na Praça 8 de Maio. Um ano depois, regressa ao edifício dos Paços do Concelho, passa ainda pela Rua 10 de Agosto e, em 1928, já com o nome de Biblioteca Pública Municipal Pedro Fernandes Tomás, reabre no 1.º andar do quartel dos Bombeiros Municipais, mudando-se depois, em finais de 1953, para a Praça General Freire de Andrade, onde permaneceu até Agosto de 1974, altura em que se instala no novo edifício. O seu fundo bibliográfico foi crescendo
“Sala Figueirense” da Biblioteca
e se em 1908 possuía 783 volumes, em 1945 já ascendia aos 30 mil e em 1976 aos 150 mil. Actualmente, mais de 500 mil obras constituem o seu fundo bibliográfico, destacando-se o seu valor, pela especialização, de muitos dos seus espólios documentais, legados por investigadores, escritores e académicos de vulto (como as bibliotecas que pertenceram a João Gaspar Simões, Mesquita de Figueiredo, Cristina Torres, Joaquim de Carvalho, Joaquim Montezuma de Carvalho, Redondo Júnior, entre outros), enriquecem o espólio (His-
tória, Literatura, Filosofia, Teatro e outras). Na década de 90 do século passado, “abre-se” totalmente ao público e já no início deste século foi alvo de uma remodelação profunda, possuindo actualmente,salas infanto-juvenil, hemeroteca, de consulta de livros, multimédia, entre outras e a “Sala Figueirense”, com 4.500 páginas de jornais locais digitalizados, para «salvaguarda da memória local». O envolvimento com as bibliotecas escolares, a criação dos prémios Joaquim Namorado e, posteriormente de João Gaspar Simões e as “5ªs de Leitura”, foram outros passos que enchem de vida a Biblioteca Municipal. No mesmo edifício, foi criado o “Arquivo Fotográfico Municipal”, onde existem «mais de cem mil espécies fotográficas, entre as quais se destaca o “Fundo Casa Havanesa”, com cerca de 50 mil imagens, doadas pela centenária casa. Os utilizadores podem consultar, através de pesquisa informática, grande parte do espólio fotográfico já digitalizado, num espaço destinado a esse fim.
90 anos com Figueira da Foz CAE
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CAE PROMOVE CULTURA, CRIATIVIDADE E CIDADANIA 2002 Da música ao teatro, do cinema à pintura, o Centro de Artes e Espectáculos é um pólo de referência nacional
CAE renovou espaços, como o jardim interior com esculturas de Paulo Neves
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asceu na Quinta das Olaias, bem no coração das Abadias, junto ao Museu e Biblioteca, fruto da tenacidade e visão de Santana Lopes. O espaço adquiriu-o à família Lopo de Carvalho e a construção aconteceu, financiada com fundos comunitários, numa obra que ficou concluída no mandato seguinte (em 2002), com Duarte Silva (já falecido), a liderar a autarquia. Ao longo destes 18 anos de actividade, o CAE (Centro de Artes e Espectáculos) promoveu o desenvolvimento cultural, social, educacional e económico da Figueira, «afirmando-se como um polo imprescindível na formação e fidelização de públicos», salienta a directora do Departamento de Cultura e Turismo da autarquia, realçando que a grande linha programática do CAE «tem-lhe granjeado um lugar de destaque entre os equipamentos culturais de referência a nível regional e nacional, pela apresentação regular de artistas nacionais e estrangeiros, quer os de renome, quer os emergentes». Todavia, sublinha Margarida Perrolas, «o exercício de programar é exigente e não se resume a calendarizar espectáculos aleatórios “por catálogo”, em determinadas
datas. Implica estar permanentemente atento às tendências culturais. Ler, ver e ouvir muitos conteúdos artísticos nacionais e internacionais». Ou seja, programar um equipamento desta dimensão, obriga «a ter em conta a multiplicidade de públicos e promover a fruição do espaço, entendendo-o sempre como um serviço público de cultura». Daí, o planeamento de espectáculos «para um público mais receptivo a propostas alternativas, ousadas e contemporâneas», mas também «para o que gosta de espectáculos mais convencionais», e ainda para «a família, o público infantil (em articulação com as escolas) e para público sénior», defendendo sempre, garante, «a qualidade artística e diversidade cultural, o reforço na produção própria, a divulgação dos artistas locais e o trabalho em rede». Realçando o «espírito de serviço público, inerente ao seu estatuto de equipamento cultural municipal», o CAE, sustenta Margarida Perrolas, «assume-se como um espaço de aprendizagem, experimentação, aperfeiçoamento, mediação cultural, reflexão e partilha», apontando como exemplo a Escola de Artes (EACAE), que, além da sua vertente pedagógica nas áreas da música,
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Novos desafios em ambiente “Clean & Safe” Em tempo de pandemia, Margarida Perrolas fala na alteração de rotinas, «tanto profissionais como sociais, para protecção do bem maior que é a nossa saúde» e sublinha que, no período de confinamento, «o CAE renovou alguns espaços. Fez-se mais bonito, com um jardim interior renovado, onde a originalidade das esculturas provenientes do “Freixo de Santo António”, de autoria de Paulo Neves, não será indiferente aos olhares de quem por ali passa». Num palco «excepcionalmente diferente e desafiante», reprogramaram-se artistas e companhias. Ou seja, num ambiente “Clean & Safe”, o CAE enche-se de actividade cultural, como vai acontecer com o cine-concerto “Surdina” a 13 de Novembro, com o actor figueirense António Durães, a “Gala de Ópera” da Orquestra Clássica do Centro a 5 de Dezembro, ou o “Festival Termómetro”, com artistas emergentes, a 12 de Dezembro. No cinema as ofertas são múltiplas, com apresentação de obras de autores emergentes ou consagrados, nacionais e estrangeiros, à sexta-feira, contando por vezes com a presença do realizador «no sentido da efectiva proximidade entre a obra, o criador e público».
teatro, coral e dança, apresenta, anualmente, produções próprias. Isto, sem esquecer o Serviço Educativo Integrado (SEI) que permite, «de forma criativa e singular, eventos que garantem uma oferta abrangente, quer a nível formativo, quer etário». Além de continuar com formação superior, em parceria com a ESAP – Porto, acolhendo, pelo segundo ano consecutivo, a pós-graduação em Cinema e Audiovisuais. O CAE concilia «a oferta de programação e de serviços culturais disponibilizando os seus espaços para um uso plural, inclusivo e dialogante, cumprindo o seu papel de espaço e serviço público na promoção da cultura, criatividade e da cidadania».
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Sala-Museu do Ginásio 90 anos com Figueira da Foz
SALA-MUSEUI CONTA A HISTÓRIAI DO GINÁSIOI FIGUEIRENSEI
Galeria de taças e troféus é imensa. Nas vitrines guardam-se verdadeiras relíquias
2003 Troféus, galhardetes e lembranças recordam a prestação de milhares de atletas ao longo dos 125 anos do clube. Espaço foi inaugurado pelo Presidente da República, no dia 29 de Maio de 2003
O
cronómetro de José Bento Pessoa, recordista mundial de ciclismo e primeiro campeão de Espanha, está em destaque na vitrine. Mas também uma medalha, em ouro, cravejada de pedras preciosas. Fora da vitrine, encontra-se uma bicicleta do ciclista, nenhuma daquelas em que voou para a vitória, mas uma mais simples, que usava para rumar à Fábrica da Cal. Relíquias a que se juntam muitas outras. Mais antigas, como os patins do primeiro internacional português em corridas de patins, Rui Montargil, com as rodas em madeira, ou a camisola de campeã da WNBA, de Ticha Penicheiro. Um mundo para descobrir. Tesouros que fazem a história do Ginásio Clube Figueirense. Memórias e feitos de atletas de génio que imprimiram a sua marca, marcaram um tempo e, hoje, nos convidam a reviver glórias passadas ou, tão só, a conhecer os pergaminhos de uma das colectividades mais meritórias da região e do país. O espaço é amplo, de uma nobreza
sóbria e uma organização invejável. E convida a uma visita. Falamos da Sala-Museu do Ginásio Clube Figueirense, um espaço instalado no Pavilhão Galamba Marques. Sugestivo e original, que reúne os troféus, os galhardetes, as lembranças e as memórias Mas também toda a documentação. Uma história viva, devidamente catalogada e organizada. Elísio dos Santos Godinho, já falecido, foi o grande obreiro do arquivo histórico. José Rolinho Sopas mantém a
Joaquim de Sousa mostra o troféu retorcido, que é o símbolo de outra era
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chama acesa e a informação actualizada. «Isto estava tudo armazenado, conservado, mas não organizado. Não tínhamos instalações», recorda Joaquim de Sousa, presidente da Assembleia Geral do Clube. A construção do Pavilhão Galamba Marques foi a possibilidade aberta para a organização e também para a exposição. «Começámos por fazer uma Sala de Troféus», que tem o nome de Pedro Augusto Ferreira, fundador número um do clube. Mas à parte, sem a majestade estética dos troféus, mas igualmente emoldurada pelo tom bordeaux das cortinas, sucedem-se as estantes, os dossiers, os ficheiros do Arquivo.
Ginásio pretende alargar o espaço, com uma mostra de material desportivo, usado nas diferentes modalidades ao longo de mais de um século. Projecto está pronto e a oportunidade “há-de chegar «Só deve haver três salas-museu mais espectaculares em todo o país: do Benfica, do Sporting e do Porto, mas relativamente ao Arquivo Histórico, o nosso é incontornável para várias modalidades», afirma, sem esconder o seu orgulho. «Vêm cá vários investigadores», adianta, destacando a informação reunida relativamente a modalidades como o remo, o ciclismo ou a natação. «A Associação de Futebol de Coimbra, que está a preparar uns fascículos sobre a história, teve de vir aqui», adianta. A justificação para a existência de todo este espólio é simples:«os clubes tinham uma cultura de deitar todos os papéis para o lixo. Nós sempre tivemos uma cultura de guardar tudo», explica o dirigente, cujas medalhas conquistadas em nome do Ginásio também estão patentes na sala de troféus. Por cima das bancadas do pavilhão, todo o espaço foi aproveitado ao máximo para mostrar as “jóias” do Clube. Mas há troféus e fotografias espalhadas por muitos outros espaços, com destaque para as salas do treinadores e para o espaço reservado ao kickboxing. A Sala-Museu foi inaugurada pelo Presidente da República em 29 de Maio de 2003, naquela que é considerada como «uma das mais concorridas e memoráveis
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Sala-Museu do Ginásio 90 anos com Figueira da Foz
jornadas ginasistas de sempre. Logo à entrada, encontra-se um conjunto de placas e lápides retiradas de outras instalações, entretanto desactivadas. Juntam-se-lhe lápides oferecidas pelo herdeiros do comendador Augusto Silva, que figuravam na entrada da Piscina-Praia, onde a secção de Natação desenvolveu, durante largos anos, uma «brilhante actividade» e que foram retiradas aquando das obras de requalificação. Seguem-se as estantes com medalhística, peças em prata, cerâmica, vidro e azulejaria, seleccionadas entre as lembranças oferecidas ao clube e troféus conquistados pelos pupilos da casa. A fo-
tografia de Adriano Águas agiganta-se e lembra o teatro, uma das secções emblemáticas do Ginásio. São 30 e poucos os galhardetes, desde os anos 20 do século passado, que estão expostos. Uma pequena amostra dos «mais de 600» que o clube possui. Uma imponente estante apresenta taças e troféus, de todos os tamanhos e feitios. De prata, casquinha ou estanho. São os troféus que o Ginásio conquistou desde 1914. Dos anteriores resta a memória, simbólica, num retorcido troféu, patente num dos expositores centrais. É tudo o que resta da galeria de troféus, destruída pelo incêndio do Teatro Príncipe,
José Sopas: o timoneiro devotado desta embarcação Passou por várias modalidades, fez um “pezinho” no teatro, mas o remo foi a sua modalidade de eleição. Como timoneiro, como remador e como director da secção durante muito anos. José Rolinho Sopas é, hoje, com 92 anos, o guardião, o conservador e o zelador da Sala-Museu e do Arquivo Histórico do Ginásio. Uma tarefa que desempenha de alma e coração. «É uma paixão», resume, enquanto, atento, desfolha o Diário de Coimbra e recorta as notícias referentes ao Ginásio. Todos os dias é assim. A partir das 15h30, é ali que religiosamente está. Até às 17h30, 17h45. E também é ele quem, com paciência, mas sobretudo com um grande prazer, recebe e orienta os visitantes. Muitos provenientes de escolas, mas também investigadores, amantes do desporto, simples curiosos. As visitas são feitas por marcação prévia, através do telefone 233 418 765. Mesmo antes de ser atleta, José Sopas, natural do Paião, mas desde os 9 anos na Figueira da Foz, já tinha contacto com o clube. «Era aluno da Academia Figueirense, que tinha grande empatia com o Ginásio. Íamos para o pátio jogar à bola ou praticar outra modalidade», recorda. Cumprido o curso de sargento miliciano, José Sopas começou a trabalhar com o pai, proprietário de um armazém de azeite. Depois foi para a Sociedade Figueira Praia, onde foi responsável pelo Café Nicola e pelo Hotel Internacional. Sempre com o Ginásio no co-
José Sopas
ração, que representou galhardamente em muitas provas, assumindo, depois, a direcção da secção de remo. Quando se reformou, a dedicação passou a ser a tempo inteiro. Mas nada de perder a boa forma e com 90 anos sagrou-se campeão nacional de remo indoor, com «a filha e as netas» a apoiarem-no. E repetiu a façanha, no ano seguinte. Uma vitória que dedica à memória da filha. «Esta é a minha segunda família. Às vezes mesmo a primeira», confessa. «Enquanto tiver cabeça e a direcção considerar que sou válido, cá estarei», afirma, assumindo esta «enorme paixão» pelo Ginásio e pelas «memórias ginasistas». Só por si os recortes pouco valem, o “segredo” é colocá-los no sítio certo, cumprindo as orientações do guia do Arquivo.
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em 1914. As principais secções – remo, futebol, natação e basquetebol – ganham destaque nos painéis temáticos. Mas também o ténis de mesa, o xadrez, o teatro, a música e o canto coral têm o seu espaço, inclusive com uma fotografia – talvez uma das poucas que existem - do padre João Antunes, o famoso “padre boi”, de Condeixa, que dirigiu, em 1925, um orfeão do clube. Ao fundo, uma réplica da Sala da Direcção existente na sede da Rua dos Combatentes, com o respectivo mobiliário, o Estandarte do Clube e as fotografias de oito dos fundadores.
Um trabalho feito por Jorge Rigueira, um apaixonado e conhecedor destas “coisas”. Aos recortes dos jornais juntam-se todos os outros documentos. Tudo o que se possa imaginar. Desde correspondência a cartazes. Cada um é registado e guardado no local certo. «O arquivo está criado, agora só temos de o alimentar», esclarece, enaltecendo os «1.600 documentos, devidamente preservados e catalogados» e as «mais de 6 mil fotografias», «6.208» para sermos mais precisos, «todas digitalizadas». Toda a informação que envolve o Ginásio e os seus atletas e dirigentes, do passado ou do presente, está, garantidamente, ali guardada.
“A Bíblia do Ginásio” Feliz por acompanhar e esclarecer os visitantes, José Sopas ganha um especial brilho nos olhos quando mostra “A Bíblia do Ginásio”. Trata-se de uma espécie de “diário de bordo”, um livro onde está milimetricamente anotada toda a actividade do clube nos primeiros anos de vida. Um documento que hoje está devidamente encadernado, com uma capa desenhada por Francisco Simões, mas que foi «encontrado num farrapeiro», na década de 70 do século passado. O olhar clínico de um ginasista percebeu que se tratava de uma relíquia e levou o documento para o clube. «Não sabíamos quem era o autor», adianta o conservador, que teve a sorte do seu lado. «Um dia, estava a classificar uns poemas e achei que a letra não me era estranha», conta. Poemas e “diário de bordo” tinham um mesmo autor: Manuel Simões Barreto, um dos sócios fundadores do Ginásio.
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90 anos com Figueira da Foz Gala dos Pequenos Cantores
GALA INTERNACIONAL DÁ VOZ AOS PEQUENOS CANTORES 1979 Uma mensagem de ternura sem igual era levada ao palco por pequenos grandes artistas. Um desfile de canções e de emoções na I Gala dos Pequenos Cantores
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arina Feingold, de 8 anos, veio de Telavive e levou ao palco “Papa Popeye”, no primeiro dia, e “Samba”no segundo. Fez vibrar a assistência, constituída maioritariamente por crianças, e conquistou o júri. A menina de Israel ganhava a “Traineira de Prata” e afirmava-se como a vencedora absoluta da I Gala dos Pequenos Cantores. Um evento único, pela beleza e harmonia, mas sobretudo pelo simbolismo, pela mensagem de solidariedade, esperança e futuro que representa. Um espectáculo realizado em meados de Setembro de 1979, que criou raízes e marcou a Figueira da Foz. Mas a pequenita Maria Armanda foi quem mais tocou o público. Com apenas 4 anos, interpretou “Pé coxinho” e “Escola é vida”e motivou «a mais longa e prolongada ovação desta Gala Internacional», escrevia Aníbal José de Matos no Diário de Coimbra. «Foram duas divertidas canções», sublinha, e deram a Maria Armanda o direito de participar no Sequim d’ Ouro, a Gala Internacional da UNICEF. «Arevelação deste prémio foi sublinhada pelo público com fartos e carinhosos aplausos», regista. Mas as palavras mais comoventes e marcantes foram ditas depois, nos bastidores.Ao querer saber com quem vivia a pequena MariaArmanda, a resposta da menina deixou o jornalista
Maria Armanda foi a grande vedeta
sem palavras: «Vivo com os meu padrinhos. A mamã morreu e o papá não quer saber de mim!», dizia a pequenita. Rita Poeira, de Queluz, com 9 anos, conquistou, por direito, na I Gala da Figueira da Foz, uma presença no Festival da Canção
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Infantil Ibero-Americana e o prémio para a melhor letra foi para o icónico “Eu vi um sapo”, de autoria de Maria Aida Cordeiro, canção interpretada pelo Coro de Santo Amaro de Oeiras. Houve muitos mais prémios nesta I Gala Internacional dos Pequenos Cantores, que teve como júri José Firmino, delegado do Ministério da Educação e Cultura, Marcos Viana, da Comissão Municipal de Turismo da Figueira da Foz, Jorge Castilho, da imprensa escrita, Gomes Lopes, da Rádio Televisão Portuguesa, Álvaro Perdigão da Radiofusão Portuguesa, Maria Manuel Belchior Pereira, educadora de infância, e Alexandra Gomes, em representação das crianças. Mas mais do que prémios e canções, houve, sobretudo, uma «mensagem de ternura» e de solidariedade, neste palco, que juntou crianças de todo o mundo no salão de Festas do Grande Casino Peninsular. O maestro Silva Cascão, da Orquestra de Variedade do Casino Peninsular, foi o responsável pelo espectáculo, apresentado por Sansão Coelho e Teresa Cruz e transmitido pela RTP. No final do espectáculo, Carlos Beja, director da organização e responsável pela Comissão Municipal de Turismo da Figueira da Foz, fazia votos para que «todos os anos sejam anos sejam Anos Internacionais da Criança e que todos os anos possamos contribuir, como hoje, modestamente é certo, para ajudar a UNICEF». Lembrou, ainda, que dezenas e crianças da figueira da Foz tinham palmilhado a cidade de lés a lés «angariando fundos para os seus irmãos de todo o mundo». Um «gesto de solidariedade do mundo infantil» que, só por si, afirmou, justificava o evento. «Um festival a repetir, a inserir em agenda, uma presença a manter», alvitrava, por seu turno, o repórter do Diário de Coimbra, Aníbal José de Matos.
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Casino Figueira 90 anos com Figueira da Foz
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Theatro-Circo Saraiva de Carvalho, inaugurado em 1884, onde hoje funciona o Casino
GLAMOUR E REQUINTE NO CASINO FIGUEIRA 1948 Sociedade Figueira Praia assume a gestão do Casino, que se empenha em consolidar uma oferta de qualidade ímpar, somando ao atractivo do jogo, espectáculos e excelência
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.B. King, o “rei dos blues” foi um dos artistas de renome que actuou no palco do Casino. Viviam-se os anos 90 do século passado. Uma época de ouro, com espectáculos de luxo, protagonizados por nomes grandes do mundo da música, como Georges Moustaki, Gal Costa, Cesária Évora, Simone de Oliveira, Madalena Iglésias, Alice Amaro, Maria Clara, entre muitos outros. Foi também ali que se realizaram os festivais da Canção, de Cinema e de Magia, a Gala dos Pequenos Cantores, matinés infantis, bailes e, inclusivamente, garraiadas. Não havia cavalos, mas os garraios eram animais verdadeiros. «Era o único Casino no mundo onde se faziam garraiadas», faz notar Fernando Maia, director de Marketing do Casino Figueira. Foi também ali que se realizou, em Maio de 1985, um célebre congresso do PSD, onde Cavaco Silva participou, com o objectivo de “fazer a rodagem do carro” e de
onde saiu eleito líder do partido. António Jorge Lé, director artístico do Casino Figueira desfia um sem número de histórias, memórias que fazem parte da História do Casino e da memória colectiva de toda a região. E também do país! Sim, o Salão de Festas, hoje, Salão Caffé, foi palco de momentos únicos, que marcaram a vida de muitos artistas. Exemplos? Tony Carreira, este ícone da música romântica, que fez furor no Olympia de Paris, estreou-se no Casino. Foi em 1988, no Prémio Nacional da Música. Um festival onde Tony Carreira, o cantor da Pampilhosa da Serra, ainda como António Antunes, subiu ao palco e cantou “Uma noite a teu lado”. Dora foi a grande vencedora do festival, mas António Antunes dava o primeiro passo para uma carreira profissional de inquestionável sucesso. Simone de Oliveira foi uma presença assídua no Casino, onde esteve como apre-
sentadora de continuidade, quando um problema com a voz a afastou dos palcos e das canções. Mas foi também ali que regressou à música. António Jorge Lé recorda um espectáculo com Carlos do Carmo, também ele lançado por um pianista, Mário Simões, que durante anos trabalhou no Casino. Simone de Oliveira apresentou o cantor e Carlos do Carmo, durante o espectáculo, “puxou” por Simone, “pondo-a” novamente a cantar… até hoje! Momentos únicos, marcantes. Para os artistas e para o público. Vivências intensas e partilhadas. É o glamour único, que acompanha toda a história do Casino e faz deste espaço uma referência incontornável. A própria sala de espectáculos é, só de per si, uma verdadeira obra de arte, ostentando frescos de Eduardo Machado, que constituem a decoração original do Salão de Festas do Theatro-Circo Saraiva de Carvalho, que abriu 1884, anunciando uma viragem, para não dizer uma verdadeira revolução na oferta cultural e de entretenimento da Figueira da Foz. Uma cidade recente (1882) que começava, já então, a despertar para o turismo e a apurar a arte de bem receber. Apesar das sucessivas obras de requalificação a que o espaço foi sujeito, a decoração da sala manteve-se intocável. «É a sala mais bonita da Europa», garante Fernando Maia, que só não diz que é a mais bonita do mundo porque em Las Vegas existem salas de excepção.
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90 anos com Figueira da Foz Casino Figueira
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O mais antigo Casino da Península Ibérica O Casino Figueira é o grande “herdeiro” do Theatro-Circo Saraiva de Carvalho, inaugurado a 3 de Setembro de 1884. Uma época de “efervescência” e de crescimento, com o Bairro Novo a ganhar forma, pela mão da Companhia Edificadora Figueirense, a que se junta a construção do Mercado Municipal, do Coliseu Figueirense e também do Teatro Príncipe Carlos (destruído num incêndio, em 1914). Era o nascimento da “cidade do futuro”, uma terra já habituada a conviver com muitos estrangeiros, particularmente ingleses, que recorriam ao Porto da Figueira da Foz para o movimento de mercadorias, designadamente vinho. A ferrovia veio, indiscutivelmente, encurtar distâncias e cativar mais gente e surgiram, igualmente, unidades hoteleiras para acolher os forasteiros. Começam a ganhar fama as “tours”, organizadas por alguns hotéis, particularmente destinadas a turistas ingleses, que ali passavam oito dias e, a partir da Figueira, visitavam
Requinte e distinção, ontem e hoje
outros pontos de interesse na região, designadamente Coimbra, Fátima, o Luso. O Theatro Circo Saraiva de Carvalho, um projecto do arquitecto José Luís Monteiro,
com capacidade para três mil pessoas, dotado com três grandes salas e 40 camarotes, foi, até à construção do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, a maior sala de espectáculos do país e um espaço ímpar, de entretenimento na Figueira e na região. Em Dezembro de 1927, o Governo legaliza e concessiona o jogo, que também avança na Figueira, no Grande Casino Peninsular (que sucede ao Theatro Circo)– o mais antigo Casino da Península Ibérica - assumido-se como mais um atractivo que a Figueira apresentava. Até 1946, altura em que perde a concessão. Um facto que leva um grupo de figueirenses – Arménio Faria, Ernesto Tomé,Augusto Silva, João Costa, Carlos Mendes e João Simões - a juntarem-se e a criarem, em 1948, a Sociedade Figueira Praia, que recupera a concessão de jogo – a mais antiga em Portugal - e se empenha em dar ao Casino um estatuto de excelência, que o Grupo Amorim, desde a década de 90 tem procurado consolidar.
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Casino Figueira 90 anos com Figueira da Foz
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MUITO MAIS DO QUE JOGO 1990 Estratégia do Casino centra-se numa oferta diversificada, onde as “slot machine” e a sala de jogo ocupam um espaço, mas não necessariamente o lugar central
Um cartão que “dá cartas” «Temos o melhor programa de fidelização de Casinos», afirma Fernando Maia, referindo-se a um cartão lançado há 17 anos e que ainda hoje continua a “dar cartas”, a quem joga e a quem não joga, uma vez que garante um desconto de 10%, directo, seja para concertos ou outros espectáculos, no bar e no restaurante e, claro, também na sala de jogo. Uma oferta, reforçada no início de Outubro, com o cartão de fidelidade a garantir a multiplicação dos pontos obtidos por três. «Continua a ser, apesar de ter 17 anos, o cartão mais sofisticado dos cartões casino». Sala do Casino é considerada uma das mais bonitas do mundo
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ais do que um local de jogo», o Casino Figueira pretende afirmar-se como «um espaço de entretenimento», um «local onde as pessoas podem jantar, assistir a um espectáculo, divertirem-se, confraternizar, e claro, também jogar. Esta é, em síntese, a estratégia que o Grupo Amorim traçou para o Casino Figueira desde 1990. Depois de um conjunto de obras, particularmente notórias na remodelação da fachada, o mais antigo Casino da Península Ibérica arrancou, há 17 anos, com um programa diversificado, pioneiro e original, que se mantém, ainda hoje, na linha da frente. A pandemia bloqueou projectos e eventos e limitou substancialmente a oferta, que, actualmente, se resume ao jogo “puro e duro”. Uma fase que se pretende seja ultrapassada em breve e que permita recuperar o programa previsto. «Vamos sair da pandemia na “pole position”», afirma Fernando Maia, director de Marketing, confiante que estes tempos difíceis, de adversidade, vão trazer, também, «novas oportunidades», num registo «mais exigente», sem dúvida, relativamente ao
qual o Casino tem condições ímpares. «Quando as pessoas decidirem sair de casa, vamos fazer parte do “top” dos locais onde irão querer ir. Temos uma sala linda – a mais bonita da Europa -, restauração com uma oferta de gastronomia portuguesa de excelente qualidade», sem esquecer os espectáculos. Os jogos on-line, que a pandemia colocou em voga, constituem um concorrente, mas «as pessoas querem, cada vez mais, ter novas experiências, experiência sentidas», que vão muito além daquilo que o computador ou o telemóvel oferecem. Aí, sublinha, «o Casino tem “cartas a dar”, condições únicas». Para as famílias, para grupos, para as empresas. «A nossa sala de jogos não tem a porta para a rua. Aqui os menores de 18 anos podem assistir a espectáculos, concertos na Sala Caffé, ir ao restaurante, o que permite programas direccionados para a família, onde o jogo pode ou não entrar». Recorda os grandes artistas, nacionais e internacionais que já pisaram aquele palco e o show especial, produzido pelo Casino, que arrancou há três anos e teve um grande sucesso.
«Um produto de entretenimento desenvolvido por nós, que teve tanto sucesso que foi solicitado por outros espaços», diz. «Há muita gente que vem só jantar, outros que vêm só assistir a um espectáculo e que nem sequer jogam. Somos o Casino Figueira, mas somos, sobretudo um centro de entretenimento, onde as pessoas podem desfrutar de boas experiências. Somos muito mais do que um Casino!», afirma. Para o segmento empresas, além de uma localização privilegiada, bem no Centro do país, «somos os únicos que juntamos no mesmo espaço “4 em 1”, ou seja um centro de congressos único, que dispõe de salas, restaurante, espaço de animação (sala com palco e condições técnicas) e também a proposta de jogo, para quem quiser». Uma empresa que vem cá efectuar um evento, volta, porque este espaço é único». Um leque de oferta ímpar, seja para as famílias, seja para ao segmento empresarial. Um «cocktail fantástico», a que se junta uma «equipa excelente», constituída por cerca de 90 colaboradores directos (áreas da restauração, segurança e vigilância, limpeza e higiene estão concessionadas)
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90 anos com Figueira da Foz RFM SOMNI
RFM SOMNII - O MAIOR SUNSET DE SEMPRE 2013 Festival chegou, viu e venceu, com a praia da Figueira da Foz a conquistar os festivaleiros. Festa da música electrónica promete continuar a dar que falar e com muitas novidades em 2021
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Encontro marcado para Julho de 2021 «Estamos a meio de um processo de transformação digital, que já se está a reflectir na forma cada vez mais próxima e pessoal como nos ligamos aos sonhadores», refere o director de Marketing do festival. O RFM Somni é também o «primeiro grande festival» do país a «anunciar a utilização de tecnologia “cashless”». Significa que, na próxima edição, em 2021, «não existirá dinheiro físico no recinto». Um projecto que pretende «aumentar a segurança» dos festivaleiros, mas também contribuir para melhorar a sua experiência, «com a facilidade de carregar a pulseira sem sair do lugar, usando apenas o telemóvel». «Mas não vamos ficar por aqui», diz a organização, prometendo «novas formas de interacção com os sonhadores» e «novas experiências e conteúdos de entretenimento». O objectivo é manter o contacto durante 12 meses por ano, para um encontro, “cara a cara”, em Julho de 2021.
A cidade e o público renderam-se ao projecto e o RFM Somnii “veio para ficar”
É
caso para dizer que é o casamento perfeito e o RFM Somnii transformou-se, efectivamente, no “Maior Sunset de Sempre”. Um festival de música electrónica que conquistou os mais novos, mas também “pisca o olho” aos pais e “criou raízes” na Figueira da Foz. Um festival com características únicas, cujo conceito se «baseia na criação de uma experiência sensorial diferenciadora, onde elementos como a praia, o mar, os amigos e a música se reúnem e abraçam o sunset». A primeira experiência, na Figueira da Foz, decorreu em 2013 e não deixou margem para dúvidas: o RFM Somnii veio para ficar. «AFigueira da Foz reúne todas as condições para que possamos executar a nossa visão», afirma Marcos Castro, director de Marketing do festival.«A Figueira da Foz faz parte do ADN do RFM Somnii», adianta, destacando o «apoio inexcedível, desde o primeiro momento» do «município e das gentes da cidade» ao evento. «Acreditamos que este é um ponto alto da oferta turística e de eventos que a cidade tem para oferecer aos portu-
gueses e aos estrangeiros», sintetiza. «As gentes da Figueira da Foz sabem receber, é um momento mágico aquele que se vive na cidade», assume Marcos Castro, confessando que os objectivos da organização «foram cumpridos e, por diversas vezes, ultrapassaram até as nossas melhores expectativas. Não apenas em afluência, mas na experiência e no sentimento que paira no ar durante o período do festival». O objectivo «é proporcionarmos às pessoas um somnii – sonho em latim – do qual não queremos que acordem. Ou que, pelo menos, fique tão marcado nas suas memórias que irão querer regressar». E é isso que tem acontecido, ano após ano. «Creio que o que mais tem contribuído para o êxito do festival é o nosso público. Os nossos sonhadores. É por eles e para eles que continuamos a trabalhar, para criarmos memórias e sensações diferenciadoras. Somos, efectivamente, um festival de “pé na areia”, com um ambiente jovem, descontraído e informal, e um cartaz que traz a Portugal alguns dos melhores artistas
do mundo da música electrónica», adianta. «A sinergia única existente entre o festival e a cidade faz com que se distinga dos demais», diz ainda, destacando o facto de, em 2020, o RFM Somnii ter sido eleito, pela Escolha do Consumidor, como a “Festival Não-Urbano n.º 1 em Portugal”. O aumento do número de dias, a crescente preocupação com os factores ecológicos, a criação e implementação de novos conceitos, como aconteceu em 2019, «onde toda a cidade viveu o festival durante 72 horas “non stop”, com actividades durante 24 horas do dia, distribuídas entre o recinto do evento e a animação nas ruas da cidade, com a criação de novos palcos em vários pontos da Figueira da Foz, dando forma ao conceito “Cidade-festival”, têm contribuído para manter o interesse do público “em alta”. E as perspectivas para o futuro são optimistas, assume. «Apesar da pandemia, não baixámos os braços e continuamos a inovar, desenvolvendo novas marcas e produtos dentro do RFM Somnii», assegura Marcos Castro.
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Carnaval 90 anos com Figueira da Foz
Diário de Coimbra
CARNAVAL VIVE NOVO CICLO 1979 Comissão de mulheres de Buarcos empenha-se em recuperar a tradição dos festejos carnavalescos. Em 2015 a “história” repete-se e é criada a Associação de Carnaval
Associação de Carnaval assumiu, desde 2015, a realização das festividades
A
tradição dos festejos carnavalescos foi perdendo o brilho, limitando-se, nos finais da década de 70, praticamente «aos bailes organizados pelas diversas colectividades e aos grupos de crianças fantasiadas, percorrendo as ruas da cidade». Um estado de coisas que levou, em 1979, uma «comissão de mulheres buarcosenses» a propor-se «levar a efeito um monumental cortejo», na «grandiosa avenida marginal». A notícia era avançada pelo Diário de Coimbra e dava conta do «apoio das entidades oficiais», bem como de uma «recolha de fundos», além de um apelo às colectividades, grupos musicais do concelho e empresas comerciais e industriais para se fazerem «representar no cortejo com carros alegóricos». Estava, assim, dado o primeiro passo para recuperar uma tradição e, no domingo Gordo, apesar de o tempo não ajudar, o Rei Momo era recebido com “entusiasmo… e chuva”, noticiava o Diário de Coimbra no dia 20 de Fevereiro. Sua Majestade, o Rei Politikov I, chegava à estação de caminho-de-ferro e seguiu, «rodeado de foliões e de gentis folionas, até Buarcos, onde seria recebido com uma salva de 21 tiros». «Ante uma multidão a rondar os dois milhares
de pessoas, Politikov I, da varanda do “Caras Direitas”, “botou” discurso. Não senhor, não vinha para descobrir quem matou o “Salomão”da novela brasileira, nem tinha nada a ver com as trapaceiras do “Herculano”. Embora também tivesse uma costela de ilusionista… A sua missão era pura e simplesmente averiguar até que ponto o povo reagiria perante o arremesso do novo pacote de impostos, e dar-lhe um pouco de ânimo, de boa disposição», escrevia Aníbal José de Matos, o repórter do Diário de Coimbra. Foi o ponto de partida para os “anos de ouro” do Carnaval da Figueira da Foz, com o crescimento dos grupos carnavalescos e das escolas de samba. Todavia, “a história repete-se” e, em 2015, surge a Associação de Carnaval de Buarcos/Figueira da Foz. Uma nova resposta para o mesmo problema. «O nosso Carnaval estava a começar a morrer», afirma Liliana Pimentel, presidente da Associação, que juntou os seis grupos que desfilam no Carnaval e as três escolas de samba, com o apoio imprescindível do município. O objectivo era só um: dar um novo alento ao Carnaval, que «estava a ficar mais pobre», e, desta forma, ajudar a «dinamizar a cidade» numa época
baixa em termos turísticos. Cinco anos depois, Liliana Pimentel faz um balanço positivo. «Sem dúvida que resultou. Temos tido uma boa afluência de público», afirma, destacando, igualmente, a preocupação que a Associação de Carnaval tem, todos os anos, em «inovar», «melhorar» e incorporar «mais associações do concelho». Há dois anos foi o Núcleo de Carros Antigos, que integrou o desfile. No ano passado foi a Magenta que participou activamente, com artistas a pintarem ao vivo, durante todo o cortejo, no carro dos reis. Quadros que, esclarece, foram vendidos e cuja receita reverteu para apoio a instituições locais. «Além do Carnaval, queremos mostrar coisas novas a quem nos vista», explica a presidente. Para já e tendo em conta o grande volume de despesas, «não temos capacidade para caminhar sozinhos» e «o apoio da Câmara é fundamental», refere Liliana Pimental, muito embora sublinhe o número crescente de patrocínios que o Carnaval tem vindo a conquistar. Quanto ao programa, destaca o desfile das crianças das escolas do concelho, que junta à volta de mil crianças. Mas também o desfile das escolas de samba, na noite de sábado, que faz parte de um concurso nacional, bem como os corsos de domingo e de terça-feira. «Tudo isto envolve custos muito elevados», afirma, já para não falar nos carros alegóricos, que também regressaram em força ao Carnaval, que voltou a brilhar e pretende «continuar a crescer» e a afirmar-se como «um bom Carnaval», «um dos maiores a nível nacional». Marcas diferenciadoras? «Não há nenhum Carnaval com uma Avenida como a nossa, sempre à Beira Mar. Isto é logo uma mais-valia», afirma Liliana Pimentel, que promete, em nome daAssociação de Carnaval, «continuar a trabalhar para que o Carnaval seja sempre melhor». Para o ano ainda não se sabe nada, nem sequer se vai haver festejos. A responsável recorda que a Rede de Cidades de Carnaval aguarda uma reunião com a Direcção-Geral de Saúde, no sentido de ver se é possível e como realizar um Carnaval em segurança.
Diário de Coimbra
90 anos com Figueira da Foz Ensino Superior
Em Maio de 2009 a tutela ordenou o encerramento da Universidade Internacional
ENSINO SUPERIOR NÃO RESISTE À CRISE 1990 Universidade Católica e Universidade Internacional mostram interesse em instalar-se na Figueira da Foz. Projectos acarinhados, mas que não acabaram da melhor forma
O
início da década de 90 do século passado levou à Figueira da Foz o ensino superior. Em Março de 1990, a Câmara Municipal tomava conhecimento do interesse da Universidade Católica em instalar-se na região. O projecto avançou, célere e com bons indicadores, com o apoio de diversas instituições e empresas de renome. Em Outubro de 1991 o Pólo da Católica começa a funcionar, provisoriamente, no edifício do Seminário, ministrando dois cursos: Administração e Gestão de Empresas e Engenharia Industrial. Mas também em 1990 surge a possibilidade de a Universidade Internacional se instalar na cidade, processo que se concretiza no ano lectivo de 1991-91. O ensino, a investigação e a prestação de serviços no domínio do Direito, Gestão, Contabilidade e Ciências do Mar era o objectivo. A funcionar inicialmente na Avenida Dr. Manuel
Gaspar de Lemos, o edifício depressa se tornou acanhado face ao grande número de alunos que demandava a Universidade Internacional. A resposta chegou em Fevereiro de 1997, com a Câmara Municipal a aprovar o contrato de cedência das instalações do Quartel do Pinhal à Sociedade Internacional e Promoção de Ensino e Cultura, SA, o que iria permitir a instalação condigna da Universidade Internacional. Mas as coisas acabaram por não correr de feição, nem para um projecto, nem para o outro. Com efeito, a Universidade Católica, que chegou a “sonhar” com a construção de um “campus universitário”, acabaria por, em 2003, proceder à venda do terreno, localizado numa zona central da cidade, junto à Esquadra da PSP, para construção de uma unidade hoteleira de cinco estrelas por parte do Grupo Visabeira. Também não procurou soluções alternativas. «Fomos obrigados a vender para pagar o emprés-
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timo bancário. Quando comprámos fomos obrigados a ir buscar dinheiro à banca. A dívida aumentava e não estávamos a gerar receita», afirmava, em 2005, o reitor da Universidade Católica, esclarecendo que a compra foi efectuada «numa altura em que o ensino superior estava em fase expansiva e os horizontes eram diferentes». Mais tarde, confrontada com a «redução do número de candidatos ao ensino superior», a Católica acabou por abandonar o “sonho” de construir novas instalações na Figueira da Foz. «A regressão do número de alunos inviabilizava todo o projecto para a Figueira da Foz. A exploração começou a ser deficitária, deixámos de ter viabilidade na simples exploração», explicava Braga da Cruz, em Abril de 2005. Na altura, o reitor assumia, também, que, por motivos «económicos e financeiros», o pólo da Figueira da Foz «suspende as matrículas de novos alunos, a partir do próximo ano lectivo». Admitia que a decisão poderia, no futuro, levar à suspensão dos dois cursos – Gestão e Engenharia Industrial – que a instituição ministrava. Era o anúncio do fim da Universidade Católica. A Universidade Internacional resistiu mais algum tempo, mas em Maio de 2009 o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, à época tutelado por Mariano Gago, emitia um despacho ordenando o encerramento compulsivo dos estabelecimentos de ensino da Universidade Internacional – Lisboa, Figueira da Foz e também do Instituto Superior Politécnico - confirmando uma decisão provisória tomada em Agosto de 2008 que defendia igual desfecho. Uma «decisão final proferida com base no relatório da Inspecção-Geral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior elaborado no termo de um longo e cuidado processo, realizado em colaboração com a Direcção-Geral do Ensino Superior, que foram dadas à SIPEC – Sociedade Internacional de Promoção de Ensino e Cultura, S.A. - todas as garantias de contraditório previstas na lei». O despacho do Governo, com «efeitos imediatos», vincava a «manifesta falta de viabilidade económico financeira da instituição», apontando, designadamente, o «volume da dívida à Segurança Social», a «dívida fiscal acumulada» e as «dívidas a fornecedores». Era o prelúdio do encerramento.
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Centenário 90 anos com Figueira da Foz
Diário de Coimbra
FIGUEIRA FESTEJOU CENTENÁRIO DE ELEVAÇÃO A CIDADE 1982 Programa decorreu durante todo o ano de 1982, mas o momento áureo foi vivido no dia 20 de Setembro, a data do decreto régio que elevou a urbe ao estatuto de cidade Diário de Coimbra acompanhou os festejos com grande destaque
M
uito embora desde o princípio do ano a Figueira da Foz tenha estado a comemorar o seu primeiro Centenário como cidade, só ontem, efectivamente, é que a Praia da Claridade atingiu o seu centésimo ano de vida. As realizações ao longo do ano têm sido várias, umas com maior brilho do que outras, as do passado domingo e ontem foram aquelas que mais directamente tocaram aos figueirenses. Deste conjunto de festividades merecem realce o cortejo de actividades e etnográfico, representativo das freguesias do concelho, contando ainda com a participação das corporações de bombeiros (Municipais e Voluntários)». Foi assim, com destaque na primeira página, que o Diário de Coimbra noticiou, a 21 de Setembro, as comemorações, enriquecidas com as celebrações do Dia do Figueirense, que juntou velhos amigos, alguns dos quais «já cá não vinham há mais de 25 anos», refere o Jornal, destacando o descerramento de um brasão da cidade, em pedra esculpida,
na frontaria da Câmara. Na edição do dia seguinte, o jornal dava conta da sessão solene, realizada no salão de festas do Casino Peninsular, que contou com a presença de Lucas Pires, ministro da Cultura, que «veio expressamente do estrangeiro para estar presente na Figueira». «Tinha uma dívida para com esta cidade (...). Foi aqui que conheci pela primeira vez o mar. Venho a esta terra onde antes (quando era estudante em Coimbra) me deslocava bastantes vezes, pagar a dívida de ter nascido com o mar na Figueira», disse o governante. «Uma cidade que pensa no futuro tem mais vida no futuro», afirmou, considerando que nestes «cem anos a Figueira foi mais feliz que o País». «A Figueira é uma terra jovem, que através do desenvolvimento que já possui faz o País ser mais Europa. A cidade – como acontece com Portugal, que é mais belo do que rico – não se portou como a cigarra, mas sim como formiga». Joaquim de Sousa, presidente da Câmara Municipal, focou a «projecção e divulgação» «ímpar» da Figueira ao longo deste anos, destacando que «foi possível levar a efeito todas estas comemorações sem que se deixasse de fazer um metro de estrada». «As comemorações foram uma aposta no futuro e ao mesmo tempo uma homenagem ao passado», disse. «Só a rivalidade nada resolve. Deve-se fazer justiça a quem trabalha pela cidade e é figueirense; todo aquele que desenvolve e se esforça por esta terra», concluiu o autarca, citado pelo jornal. Luís Ratinho, porta-voz do secretariado executivo das comemorações, fez a resenha das actividades desenvolvidas e fez saber que a inauguração do monumento comemorativo do centenário se iria realizar no dia 1 de Dezembro. A cerimónia incluiu a entrega das Medalhas da Cidade, com o ouro municipal a distinguir Jorge Galamba Marques, Carlos Alberto Gonçalves Tavares, o padreAmérico Marques e, a título póstumo, José Nunes da Costa Redondo.
Identidade da cidade gravada no bronze «A figura de bronze que hoje aqui nos trouxe chamará seguramente a atenção das gerações vindouras de figueirenses para as gerações passadas, as dos primeiros da cidade. É esse o objectivo primordial». Palavras proferidas por Mário Neto, membro da comissão do centenário, na cerimónia realizada no dia 1 de Dezembro, na inauguração da Estátua do Centenário. Uma obra da escultora Dorita Castel-Branco, que, escrevia o Diário de Coimbra, na edição de 3 de Dezembro de 1982, «tinha como objectivo registar o momento presente da vida da Figueira da Foz». Uma obra custeada pela população, inaugurada em ambiente de festa, com a actuação das filarmónicas Alhadense, Paionense e Figueirense, as formações dos Bombeiros, Voluntários e Municipais, e uma «enorme multidão», que «ansiava tomar contacto com o motivo escultórico ainda envolto por panos com as cores da cidade».
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Dia de Portugal 90 anos com Figueira da Foz
Diário de Coimbra
FIGUEIRA DA FOZ ELEITA CAPITAL DO “MUNDO PORTUGUÊS” 1982 Pela primeira vez, as celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades realizavam-se fora de uma capital de distrito. A Figueira da Foz foi a escolhida, no ano em que comemorou o centenário de cidade
A
celebração do Dia das Comunidades na Figueira da Foz, no ano em que se comemora o seu centenário, foi para mim um ponto de honra, numa altura em que eu era deputado pelo distrito de Coimbra. Mas esse ponto de honra nasceu, efectivamente, quando, em 1979, visitou esta cidade o tenente-coronel Vítor Alves. Mas o assunto só ficaria definitivamente resolvido quando, em 12 de Janeiro de 1981, foi assinado pelo Presidente da República, o despacho». As palavras são de Joaquim de Sousa, presidente da Câmara Municipal, e constam de um suplemento especial, publicado pelo Diário de Coimbra no dia 9 de Junho de 1982, para assinalar o acontecimento. De acordo com o autarca, o pedido «foi feito com a antecedência necessária» e razões não faltavam «a pesar na balança para que o Dia das Comunidades fosse celebrado na Figueira da Foz», escreve o jornal. «A cidade merecia essa honra», dizia, à reportagem do Diário de Coimbra Joaquim de Sousa. «Pretendemos que este “Dia” se revista dum “carácter nacional”, não só porque é a primeira vez que se celebra numa cidade que não é capital de distrito, mas também porque tem estado na nossa mente (comissão local) que ele não venha a ter qualquer tónica regionalista ou bairrista”». Questionado sobre os custos do evento, Joaquim de Sousa garantia que «a comissão local vai fazer os possíveis para que o município não ultrapasse os 3.000 contos que o Orçamento Geral do Estado destina para estas celebrações». «As festas fazem-se, mas têm de criar-se receitas próprias para se poderem levar adiante», adiantava o autarca. «Peremptório», o presidente da Câmara afiançava: «o pouco dinheiro que há na Câmara não é para gastar em festas, para além daquelas que a Figueira, como zona de turismo, tem obrigação de fazer». O jornal apontava, inclusivamente, «alguns
Ramalho Eanes e comitiva cumprem o percurso entre a Câmara e a Associação Comercial
Cidade mobilizou-se e promoveu um conjunto de iniciativas tendentes a angariar receitas, de forma a não sobrecarregar o erário municipal Cerimónias transformaram a Figueira da Foz na capital das Comunidades Portuguesas no Mundo. 56 personalidades foram distinguidas com galardões
exemplos» das iniciativas destinadas a angariar receitas, designadamente a emissão das medalhas do centenário, um «engarrafamento especial de vinho», efectuado em colaboração com as Caves S. João e ainda a «subscrição pública» para «custear o monumento». «Mesmo assim é evidente que, do orçamento camarário irá sair algum dinheiro (…). Estamos convencidos que será o mínimo dos mínimos e não se deixará de fazer meio metro de estrada que seja porque o Dia das Comunidades vai ter lugar na Figueira da Foz», referia Joaquim de Sousa. «Somos pragmáticos e realistas (…). Temos de ter a noção da crise financeira que atravessamos não faria sentido que estivéssemos a despender verbas que fariam falta ao país», concluía o presidente.
Uma cidade em festa As comemorações começam no dia 9, com uma “Cidade em festa a fazer honras de capital do mundo português”, escrevia,
Diário de Coimbra
em título, o Diário de Coimbra a toda a largura da primeira página da edição de 10 de Junho. A notícia dá conta do «movimento que antecede os grande momentos», que começaram às «16,21 horas, quando uma salva de 21 tiros atroou a cidade, disparada por uma bateria da Artilharia, postada junto à Fonte Luminosa», que anunciava a chegada do Presidente da República, general Ramalho Eanes. Seguiu-se a sessão solene, nos Paços do Concelho, onde o Chefe de Estado se referiu ao centenário da cidade, frisando que «a Figueira da Foz, berço de portugueses ilustres, de raras virtudes cívicas e patrióticas, bem mereceu ser distinguida com as cerimónias que aqui vão ter lugar, transformando-a na capital das Comunidades Portuguesas no Mundo». Na mesma edição, o Diário de Coimbra apresentava o programa completo das comemorações, destacando a sessão solene, a realizar no Grande Casino Peninsular, com transmissão pela TV. Apresentava, ainda, o nome das 56 figuras que o Presidente da República iria condecorar com os diferentes galardões.
90 anos com Figueira da Foz Dia de Portugal
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Discurso de Ramalho Eanes põe a tónica na crise económica As cerimónias voltaram a merecer grande destaque na primeira página da edição de dia 12 - o jornal não se publicava no feriado - com o título “Ambiente de festa não esconde espectro económico – cultura e património glosados em vários tons”. O autor da peça destaca a visita do Presidente da República à Fimar – 82, e o piquenique, «aberto à população», onde «a sardinha assada, a feijoada, a broa e os bolos das Alhadas» eram «os petiscos mais procurados pelas milhares de pessoas presentes». A intervenção do Presidente da República era «aguardada com alguma expectativa» e Ramalho Eanes pôs a
tónica na crise económica, que definiu como «claramente preocupante». «Pela primeira vez a dívida externa ultrapassa o total das reservas de ouro e divisas. Em fins de Março, Portugal devia ao estrangeiro 128% do total das nossas reservas, de ouro e divisas, segundo os preços do mercado de Londres com o ouro a 320 dólares a onça. É, desta forma, patente a gravidade da situação económica», afirmava o Chefe de Estado. Todavia, apesar do cenário negro, Ramalho Eanes deixou uma nota de esperança: «São, no entanto, suficientes os meios humanos e as capacidades culturais que temos ao nosso alcance para enfrentar e superar essas dificuldades», garantiu.
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Ponte Edgar Cardoso 90 anos com Figueira da Foz
Diário de Coimbra
Ponte Edgar Cardoso representava uma ambição de longa data, que demorou a concretizar-se. Foi inaugurada no dia 12 de Março de 1982 e em
PONTE EDGAR CARDOSO UNE MARGENS DO MONDEGO E ATRAVESSA REGIMES 1982 O dia 12 de Março fazia história com a inauguração da ponte sobre o Mondego. Um projecto aprovado por Marcelo Caetano (1969), adjudicado pelo Governo de Mário Soares (1977) e inaugurado por Ramalho Eanes
É
a «segunda maior ponte de Portugal», que envolveu «mais de dois mil trabalhadores», ao longo de «cerca de cinco anos». Uma obra feita «exclusivamente com técnicos e mão-de-obra portugueses». Uma «verdadeira obra-prima do eminente projectista engenheiro Edgar Cardoso». Era as-
sim que o Diário de Coimbra apresentava, na véspera da inauguração, este momento marcante para a vida da cidade e da região, anunciando um suplemento especial, inteiramente dedicado ao tema. Um trabalho intitulado “Ponte da Figueira da Foz – Sonho do passado… realidade do presente”, com 24 páginas, com
textos de Fernando Pinto e fotos de Jorge Dias que, só por si, testemunha a importância desta infraestrutura, a primeira ponte “atirantada” construída no país e unanimemente considerada «uma obra marcante da engenharia portuguesa». Uma ponte com 405 metros de comprimento, torres de betão armado com 90
Diário de Coimbra
m 2005 recebeu o nome de Edgar Cardoso
metros de altura, viadutos de acesso (Norte e Sul) com um quilómetro de extensão, 500 metros de comprimento total nas “10 obras de arte especiais” que comporta e 12 quilómetros de extensão nas vias rápidas de acesso. Uma obra que representou um investimento de «cerca de milhão e meio de contos». «A ponte da Figueira da Foz é a segunda maior ponte de Portugal e encerra em si inovações que, pela primeira vez foram levadas a cabo no nosso país», escrevia o jornalista Fernando Pinto, num texto onde procurava apresentar as diferenças entre a Ponte 25 de Abril - a grande referência à época - e a ponte da Figueira da Foz. «Um dos mais importantes pormenores é que os cabos, peças sujeitas a grandes esforços, amarram na própria ponte pelo sistema de cones. Isto é, os cabos foram catrafiados
90 anos com Figueira da Foz Ponte Edgar Cardoso
primeiramente e enfiados num cone que foi preenchido com uma argamassa especial. Um outro aspecto, não menos importante, é que os cabos são peças únicas, que podem ser afinados nas selas, no alto das torres. Uma outra inovação, fruto da investigação do insigne professor Edgar Cardoso, são as ligações aparafusadas. Todo o tabuleiro metálico, com excepção das vigas principais, que são soldadas, o resto de toda a estrutura é ligada por 20.000 parafusos». Uma explicação sobre a complexidade do processo, feita com base nos esclarecimentos prestado pelo engenheiro Carvalho dos Santos, da O.P.C.A. (Nova Organização de Obras Públicas e Cimento Armado, Lda.), empresa adjudicatária da obra, que trabalhou em contra-relógio para concluir a empreitada a tempo e horas. Desde Fevereiro, «não houve domingos, trabalhou-se 24 horas diárias, mas valeu a pena», fazia notar o responsável. Sobre a “Rainha das pontes portuguesas no cenário da rainha das Praias”, Manuel Maria Sampaio, director de Estradas do Distrito de Coimbra, apontava um conjunto de dados que, só por si, eram sinal da «importância deste complexo rodoviário». A saber: «cerca de 55.000 contos» gastos em expropriações e indemnizações, «movimentados 660.000 m3 de terras» em terraplanagem, que «dariam aproximadamente para a abertura de uma estrada com seis metros de plataforma e 33 de extensão». Os pavimentos executados dariam, acrescenta o director de Estradas do Distrito, para construir «uma faixa de rodagem de 5 metros de largura e 45 km de extensão». O responsável recorda que o empreendimento «começou a ser programado em 1958, com a nomeação, no Diário do Governo, da comissão para decidir a localização da ponte. O «projecto elaborado pelo insigne mestre e consagrado especialista eng. Edgar Cardoso mereceu parecer favorável e elogioso do Conselho Superior de Obras Públicas e despacho e aprovação superior», refere. Uma proposta que foi aprovada em Novembro de 1969, pelo presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano. «A obra foi adjudicada em 17/8/77 por despacho de Sua Excelência o primeiro-ministro» (Mário Soares), escreve ainda o responsável pelas Estradas do Distrito.
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Américo Tomaz e Ramalho Eanes “Para a História de Portugal”, o autor do trabalho recorda, através de uma grande foto, o dia 17 de Abril de 1974. Um momento em que o professor Edgar Cardoso explica ao então Presidente da República, Américo Tomaz a estrutura da ponte, através da respectiva maqueta. «Esta seria a última visita de Américo Tomaz às Beiras», remata. O Presidente da República, general Ramalho Eanes, acompanhado pelo presidente da Assembleia da República, pelo primeiro-ministro, Pinto Balsemão, e por outros membros do Governo inaugurou a nova ponte sobre o rio Mondego. «À entrada da ponte, milhares de pessoas aglomeravam-se em torno da comitiva, que teve de esperar cerca de 15 minutos para que fosse possível o descerramento da lápide, que dá o nome à Ponte da Figueira da Foz e homenageia o professor Edgar Cardoso», escreve o Diário de Coimbra a edição de dia 13 de Março, em grande manchete. O programa previa, reza a crónica, que duas crianças de Vila Verde e S. Julião, descerrassem a placa, juntamente com o Presidente da República. «As crianças acabariam por não aparecer e Ramalho Eanes, pegando ao colo Alexandre Manuel Teixeira Figueiredo, 10 anos, residente naquela cidade, inauguraria, assim, a nova ponte, seguindo-se, de imediato, a sua travessia a pé». Seguiu-se a sessão solene.
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Ponte Edgar Cardoso 90 anos com Figueira da Foz
Diário de Coimbra
Mais de dois mil homens envolvidos na construção “Mais de dois mil homens construíram a segunda maior ponte de Portugal” é o título de um dos textos, publicado nas páginas centrais do suplemento. «A segunda maior ponte de Portugal, do mais especialista dos projectistas portugueses de renome mundial, professor Edgar Cardoso, é um todo harmonioso, onde estão enterrados muitos sacrifícios (incluindo a morte de dois operários), muitas preocupações e muito esforço de mais de dois mil que, desde o dia 5 de Dezembro de 1977 aqui trabalharam (e trabalham). “Só um espírito de união conseguiu que, à chuva ou ao sol, nas situações mais arriscadas que envolveram toda a obra, os prazos fossem cumpridos na complexidade e exigência do projecto”, disse-nos o engenheiro Carvalho dos Santos, director da obra, como responsável da O.P.C.A.», escrevia o jornal. A «grandiosidade» dos números chamou a atenção do repórter, que, socorrendo-se dos dados fornecidos pelos engenheiros Carvalho dos Santos e Gaspar de Araújo, elencava: 1.001.806 metros cúbicos de terra movimentados; 4.065 toneladas de aço para armaduras; 165.780 metros quadrados em cofragens; 45.641 metros cúbicos de betão; 2.171 toneladas de estrutura metálica. «O estaleiro da O.P.C.A. deu trabalho a mais de dois mil operários (80% eram residentes na região) durante mais de quatro anos». No empreendimento, trabalharam, em média, «400 homens/dia nas várias frentes de execução da obra», adiantava. Numa caracterização da ponte, o autor apresentava-a como sendo «do tipo suspenso»: «a partir de quatro torres em betão armado, com a altura de 90 metros, estão apoiados os cabos que suspendem o tabuleiro metálico, formando duas parte quase semelhantes, interligadas por um pequeno tramo central apoiado. O vão central tem a extensão de 225 metros – que é a distância entre os eixos das torres – e 206 metros a abertura completamente livre. E dois vãos laterais, cada um tem a extensão teórica de 90 metros». «Independentemente de toda a beleza que o conjunto proporciona (…) ressalta à
Inauguração da ponte atraiu um verdadeiro mar de gente
vista a grandiosidade e imponência das torres. O engenheiro Carvalho dos Santos explica como são construídas: As duas torres, no leito do rio, são elementos estruturais auto-sustentáveis, de betão armado e formadas por quatro peças rectangulares ocas, inclinadas nas duas direcções principais e interligadas e suportadas por potentes poços de fundação
Capa do suplemento dedicado à ponte que o Diário de Coimbra publicou
cravados por “havage”. No alçado da ponte essas peças unem-se duas a duas e na direcção perpendicular são interligadas por uma grande viga superior de coroação, sensivelmente ao nível das selas (situadas no topo das torres)». A explicação técnica adianta alguns pormenores, falando, também, na altura da torres que, «acima dos poços de fundação é de 84,42 metros», mas «na prática acabam por ter uma altura aproximada de 120 metros, já que as fundações atingem, em média, cerca de 40 metros de profundidade». A obra, cujo «custo global ronda os 1.500.000 contos», incluiu, além da ponte, a construção de 10 viadutos de diferentes dimensões – em média 50 m de comprimento e 20 de largura constituídos estruturalmente por pilares cilíndricos maciços, que se apoiam tanto em fundações directas como em estacas. Quanto aos tabuleiros «são sempre formados por uma laje de betão armado, com a espessura de 70 cm, pré-esforçados ou não, conforme os vãos. Quanto às estradas de acesso, que têm um comprimento de 12 quilómetros, incluem seis nós rodoviários implantados nas duas margens», rematava o texto.
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Asslato ao Banco de Portugal 90 anos com Figueira da Foz
Diário de Coimbra
ASSALTO AO BANCO DE PORTUGAL REPRESENTOU UM ATAQUE AO REGIME 1967 Um grupo de cinco opositores ao regime de Salazar, liderados por Hermínio da Palma Inácio, assaltava a agência do Banco de Portugal. O objectivo era arranjar dinheiro para financiar a resistência ao regime
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urante três meses, o grupo, constituído por Palma Inácio, Camilo Mortágua, António Barracosa, Ângelo Cardoso e Luís Benvindo, preparou o “golpe”: o assalto à agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz. Estudaram o alvo, montaram uma rede de apoiantes e cúmplices, alugaram viaturas e a avioneta para a fuga. Na tarde do dia 17 de Maio de 1967, os cinco operacionais chegaram à Figueira da Foz. O carro, um “Taunus”, estacionou na Praça General Freire deAndrade. Cardoso ficou ao volante. Os restantes entraram na agência bancária. Foi a “Operação Mondego”, um dos mais afamados golpes contra o regime de Salazar. Foram roubados 29 mil contos, em notas de mil e de 500 escudos. A maioria em notas “virgens”, que ainda não tinham entrado em circulação. As notas “corridas”, já no mercado, atingiam os 4,7 mil contos. Com os gerentes fechados na casa-forte e os clientes e funcionários encerrados na casa de banho, os assaltantes puseram-se em fuga, rumo ao aeródromo de Cernache, em Coimbra, de onde arrancaram rumo ao Algarve. Aterraram na herdade do Vale do Paço, em Vila do Bispo, onde os cúmplices o aguardavam com uma viatura, abandonada depois, na zona de Lagos, para simular uma fuga para Marrocos. Noutra viatura, viajaram para Espanha, regressando depois a Paris. Vinte dias depois da operação, começaram as prisões dos cúmplices. Entretanto Palma tentou, sem resultado, transaccionar as notas “virgens” nos EUA. Mortágua viajou para Israel para comprar armas. Nem um nem outro foram bem sucedidos. Palma foi detido, no regresso a Paris, no aeroporto de Orly, a pedido das autoridades portuguesas. Todavia, o Tribunal de Paris escusou-se a dar seguimento ao pedido de extradição. O mesmo aconteceu com os restantes elementos do grupo, com idênticas decisões tomadas por tribunais belgas e
espanhóis. Foram 23 os acusados pela Justiça portuguesa, com os principais réus julgados à revelia, defendidos pelos melhores advogados de presos políticos, como Mário Soares e Salgado Zenha. Mortágua apanhou a pena mais pesada, 20 anos de cadeia, seguindo-se Palma Inácio, 16 anos, e Barracosa e Benvindo, ambos condenados a 13 anos de prisão.
Assalto em pleno dia Um dos clientes, Elísio Ferreira dos Santos, sequestrado pelos assaltantes e uma das primeiras pessoas a sair para dar o alarme, foi o interlocutor do Diário de Coimbra, que contou ao repórter, de forma porme-
norizada todo o assalto. «Precisamente no momento em que se despedia do chefe de serviço da delegação, sr. José Castanheira, e se dirigia à porta para sair, surgiu um indivíduo bem constituído, aparentando 40 anos, de chapéu preto, bigode, óculos escuros e um estranho casaco axadrezado, que lhe pareceu até de pijama. Esse indivíduo barrou-lhe a passagem, o tempo suficiente para entrarem, acto contínuo, mais três desconhecidos, armados de pistolas metralhadoras, que rapidamente, empunhando-as, como o primeiro, obrigaram todos os funcionários e os dois clientes, o sr. Elísio Ferreira dos Santos e o médico, sr. dr. António Oliveira Custódio, residente nas Alhadas, a passarem para as dependências
Diário de Coimbra deu grande destaque ao assalto
Diário de Coimbra
90 anos com Figueira da Foz Assalto ao Banco de Portugal
interiores», escrevia o repórter. Numa extensa notícia, o autor esclarece que a testemunha foi forçada «a entrar para um lavabo, onde já se encontravam todos os funcionários, à excepção dos dois gerentes, os srs.Américo Marques Gonçalves e Martins de Almeida (…) bem como do chefe de serviço, sr. José Castanheira e do médico, sr. dr. António Oliveira Custódio. Estes quatro foram levados, sob a ameaça das pistolas metralhadoras, para junto da casa-forte. No acanhado lavabo ficaram fechados, nada menos do que 12 pessoas, incluindo duas crianças, filhas do contínuo, sr. Joaquim Ferreira, e uma mulher, a servente da delegação». «Foi sob a ameaça de mandar matar a mulher e filhos do chefe de serviço da delegação, que o “homem do chapéu preto" dizia ter à guarda de um dos seus homens, dentro de um automóvel, que intimou a que lhe abrissem dentro de cinco minutos a porta». O autor da notícia, publicada no dia 19 de Maio – o mesmo dia em que o jornal noticia um assalto de terroristas a um banco em Aden (Iémen), que provocou três mortos e seis feridos – refere ainda a ameaça, com uma navalha de ponta e mola. «Atemorizados, todos, tiveram de ceder e a casa-forte foi aberta». Seguiu-se a actuação rápida dos assaltantes, que «encheram dois sacos, com notas unicamente de 1.000$00 e 500$00, recusando as de menor valor. «Tudo se passou num ápice e os três funcionários superiores e o médico foram encerrados na casa-forte». «Depois de 30 minutos encerrado nos lavabos», Elísio Ferreira dos Santos recorda que, «num gesto de desespero», um dos funcionários «partiu o vidro» da porta, o que os fez temer que os assaltantes surgissem de um momento para o outro e disparar sobre todos. Mas, o silêncio que se fazia sentir deu-lhes confiança e «um dos fun-
cionários, mais franzino», conseguiu sair através da abertura criada pelo vidro partido. Junto à porta, adianta, estava a chave, que lhe permitiu «libertar os companheiros». Junto à caixa-forte estava, também, a respectiva chave, «embrulhada num papel». «Foram encontrar os quatro exaustos», descreve. Seguiram-se momentos de «hesitação», pois o “homem do chapéu” - «que falava português, mas com uma pronuncia abrasileirada - ameaçara matar a mulher e as crianças reféns, «caso saíssem antes das 17h30». Mas como não houvesse sinal nem deste nem dos outros três – descritos como morenos, de estatura mediana, entre os 20 e 28 anos - «15 minutos depois de se terem conseguido libertar, trataram de sair para alertar as autoridades». Alertada a esquadra da PSP, foi necessário empreender uma viagem de automóvel a Coimbra para «informar o comando», pois as «condições atmosféricas» não permitiram recorrer à comunicação via rádio, refere (terá sido um cúmplice que serrou, na ponte de Maiorca, os cabos das comunicações). O alerta estendeu-se à «Polícia Judiciária, PIDE, PVT e GNR». «Todas as saídas da Figueira ficaram sob rigorosa vigilância da PSP e todos os veículos e eram revistados», diz ainda. Pelas 19h30, «chegou ao conhecimento das autoridades que os assaltantes haviam alcançado o Campo deAviação de Cernache
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(…) para ali se apoderarem de um pequeno avião “Auster”, de três lugares, onde os quatro fugitivos se acomodaram com os dois sacos com o dinheiro. O excesso de peso era tal, que o avião quase ia afocinhando, declarou o estudante, sr. Sá e Melo, dirigente do Centro de Aeronáutica da Associação Académica», que deu o alarme no Posto da PVT. Terá sido uma manobra – voo raso - usada pelo piloto, Palma Inácio, no sentido de evitar os radares, esclarece-se. O repórter conta, igualmente, o assalto ao Campo de Cernache, com os assaltantes a amarrarem o guarda, CarlosAlbertoAlves, e a sua mulher, Maria Cândida Dias Ferreira, bem como dois pedreiros que ali trabalhavam. Abastecido com «148 litros de carburante», o avião levantou voo às «19h45», «embora a muito custo». No campo de Cernache ficou, abandonada, a viatura, «alugada ao quilómetro e sem condutor, em Lisboa», com «duas pistolas-metralhadoras, que serão de plástico». Na herdade do Vale do Paço, a sete quilómetros de Vila do Bispo, na região de Sagres, era encontrado, relata o jornal, pelas 7h00 do dia anterior, o avião “Auster”, que «estava intacto». Pouco depois, alertava o jornalista, uma avioneta sobrevoou a Vila do Bispo. Idêntico facto aconteceu, no mesmo dia, por volta das 19h00, com os aparelhos a seguirem na «direcção SulNorte», concluía.
Após o assalto, grupo fugiu para o Campo de Aviação de Cernache, em Coimbra, de onde rumou, de avião, para o Algarve, seguindo, depois, para Espanha
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Bombeiros Voluntários 90 anos com Figueira da Foz
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Fundada em 1882, apenas em 1975 a corporação dos Voluntários “conquistou” uma sede definitiva
BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS UMA RESPOSTA PRONTA 1975 Depois de oito sedes, em 1975, soldados da paz ocuparam um antigo armazém de bacalhau. É ainda ali que hoje está instado o quartel-sede, que tem recebido obras de requalificação de vulto
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rnesto Fernandes Tomás foi o primeiro comandante da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários, cuja certidão de nascimento aponta o dia 19 de Dezembro de 1882. Custódio Brás de Lemos presidia à comissão organizadora da novel associação, que surgiu depois de um incêndio numa casa, onde se verificou que o corpo municipal «não estaria devidamente apetrechado nem treinado para o combate eficaz aos incêndios». De sede em sede, os Bombeiros fixaram-se, definitivamente, no actual espaço, um antigo armazém de bacalhau, em 1975. Lídio Lopes, presidente da direcção, não viveu o momento, mas conhece a história e recorda a data. «AAssociação tinha a sua sede na Rua dos Bombeiros Voluntários, com condições muito precárias e havia
aquele edifício, disponível e devoluto. Os órgãos sociais, em particular o comandante, Hildebrando Mota, com o corpo de bombeiros, entraram nas instalações e, a partir daí, é a nossa sede», explica. O município, depois das necessárias negociações com o proprietário, a Junta do Bacalhau, ficou na posse do edifício, que doou, em 1982, à Associação Humanitária. Um espaço que, fruto do abandono a que esteve sujeito e da não realização atempada de obras, degradou-se bastante. «Houve uma altura em que dizíamos que o nosso quartel era um armazém de bacalhau, pois não tinha condições». Mas as obras foram-se fazendo, implicando um investimento de «cerca de 800 mil euros», que asseguram que, hoje em dia, o quartel «reúne todas as condições em termos operacionais». Preocupação, agora e sempre, é a «reno-
vação do parque de viaturas», tendo em conta a utilização intensiva a que os veículos são sujeitos. Este ano, graças à pandemia, as ambulâncias têm sido poupadas, pois reduziram substancialmente as solicitações, mas também as receitas dos Bombeiros Voluntários. Lídio Lopes recorda que, no início da pandemia, perspectivou «uma perda de receita à volta dos 75 mil euros». Significa que «temos um problema às costas», pois as «despesas fixas, com colaboradores/funcionários, seguros, manutenção, mantêm-se iguais», reduzindo apenas o consumo de combustível. Daí resulta um desequilíbrio que motiva preocupação. «Temos de garantir a estabilidade financeira para que as respostas ocorram com prontidão. Temos de manter um conjunto de profissionais sempre prontos a sair», afirma o presidente, apontando para um
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Secção do Paião apoia zona Sul Os Voluntários têm igualmente uma Secção Destacada no Paião, criada a 15 de Dezembro de 1996, que pretende galgar distâncias e dar «resposta às necessidades a Sul do concelho». Lídio Lopes lembra que o concelho está separado pelo rio Mondego, que a única ponte pode ficar interditada e o socorro tem de ser mantido, função que compete a esta secção, instalada numa antiga escola primária, doada pelo município em 2012. Depois de amplas obras de requalificação e adaptação, o espaço foi inaugurado a 24 de Junho de 2018. São cinco os operacionais em regime de permanência, apoiados por três viaturas, que dão resposta às necessidades em termos de saúde e asseguram a primeira intervenção em caso de incêndio.
orçamento mensal que oscila entre os 36 e os 40 mil euros, valores que estão «longe de acontecer neste momento». Apesar das dificuldades, «estamos a renovar o fardamento e o equipamento de protecção individual», esclarece Lídio Lopes, que destaca o esforço que esse investimento exige, uma vez que «não há dinheiro». Relativamente ao parque de viaturas, que conta com 54 veículos, «seria confortável se conseguíssemos repor o auto-tanque que capotou na Gala», adianta, assumindo, igualmente, a necessidade de constante atenção às ambulâncias. O corpo de bombeiros conta, neste momento, com um total e 102 operacionais.
90 anos com Figueira da Foz Bombeiros Voluntários
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Bombeiros asseguraram três dezenas de partos
Margarida festeja todos os anos o seu aniversário com os bombeiros
Margarida visita, todos os anos, no dia 18 de Setembro, os Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz. É assim desde 2008. Nessa altura, mais do que visita, foi uma situação de emergência, com a mãe prestes a dar à luz. A bebé nasceu na ambulância e, de então para cá, primeiro pela mão da mãe e agora já por manifesta vontade própria, a adolescente festeja a data do seu aniversário com a família dos Bombeiros Voluntários. Margarida foi uma das 29 crianças que, desde 2007 - altura em que encerrou o serviço da Maternidade do Hospital da Figueira – até Janeiro de 2020, nasceram ajudadas pelos Bombeiros Voluntários. E o gesto que repete todos os anos «é marcante, é um reconhecimento e, no fundo, uma satisfação para todos nós», afirma o presidente da direcção. «Traz sempre um bolo para festejar connosco», destaca Lídio Lopes, elogiando este «gesto motivador» e simpático da jovem.
O encerramento dos serviços da Maternidade e as situações recorrentes que surgiram, levaram os Voluntários a apostar, na altura, em formação específica, de forma a garantirem uma resposta eficaz às parturientes. Absolutamente oportuna foi uma ambulância, “Senhora do Ó”, vocacionada para a maternidade e para a realização de partos, oferecida pelo Casino, uma ferramenta que, juntamente com os experiências profissionais, ajudou muitas crianças a nascer em viagem, a caminho da Maternidade de Coimbra.
Encerramento da Maternidade desencadeou uma catadupa de partos realizados pelos Bombeiros Voluntários
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Bombeiros Sapadores 90 anos com Figueira da Foz
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BOMBEIROS SAPADORES: EFICÁCIA NO SOCORRO
Quartel dos Bombeiros, um sonho de décadas, foi inaugurado a 20 de Setembro de 2015
2019 Criados em 11 Março de 1865, os Bombeiros Municipais “passaram”, em Agosto de 2019 a Sapadores. O reconhecimento de uma carreira, mas, sobretudo, de uma função essencial
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capacidade de adaptação às mudanças está no ADN dos bombeiros. Temos uma necessidade constante de nos actualizarmos, de evoluirmos, porque a actividade que exercemos não é estática e o socorro é uma ciência em alteração constante». Palavras de Nuno Pinto, comandante dos Bombeiros Sapadores da Figueira da Foz, que considera que a passagem de Municipais a Sapadores vem «reconhecer uma
função essencial para os municípios», ao mesmo tempo que, em termos laborais, consagra esta carreira. Uma carreira que, particularmente na Figueira da Foz é deveras exigente, com um leque alargado de requisitos. «Temos mar, rio, porto, serra, indústrias com características peculiares», que envolvem manuseamento de químicos, «temos uma central da EDP, que também representa um grau de risco elevado», sem esquecer
a «linha férrea, duas auto-estradas e uma estrada nacional que tem um volume considerável e tráfego». Não esquecer, ainda, os muitos turistas que demandam a cidade e o concelho. Características sui generis, que definem a Figueira da Foz e que exigem resposta pronta em todas as frentes. Significa que se há incêndios – rurais ou urbanos acidentes – ferroviários ou rodoviários, no mar ou no rio – os bombeiros e as forças da protecção civil são chamados a intervir,
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90 anos com Figueira da Foz Bombeiros Sapadores
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Equipa sólida e reconhecida O corpo de Bombeiros Sapadores conta com 31 operacionais e três elementos de comando e inclui três operadores da central. Apesar de ainda se sentir «a gatinhar» nesta casa, Nuno Pinto faz um balanço «muito positivo» destes primeiro meses. Sobretudo da equipa. «O Nuno sozinho não existe», afirma, destacando «toda a equipa dos Sapadores» e estendendo este sentido de equipa aos Voluntários e a todas as forças que integram a Protecção Civil. Enfermeiro de profissão, Nuno Pinto pertence ao quadro do INEM. Nasceu para os Bombeiros em Castro Daire e está a cumprir, faz notar, uma comissão de serviço como comandante dos Sapadores da Figueira da Foz. Uma função que considera «extremamente exigente», mas que também o leva a falar com «muito orgulho» dos Sapadores. Particularmente da equipa de desencarceramento, reconhecida a nível nacional, com a conquista dos lugares cimeiros do pódio nos diferentes concursos, facto que a tem levado além fronteiras, igualmente com reconhecido êxito. «Este ano estávamos para ir a Miami», mas o Covid-19 impediu.
da mesma forma como os Sapadores têm uma actuação muito significativa no resgate de pessoas e de animais. Mas o comandante, que tomou posse no início do ano, alerta especialmente para «o que não se vê, o que não está no "front office” mas no “back office”. Trata-se de um trabalho de bastidores, de «prevenção», que «tem resultados brilhantes, mas não se vêem» e exemplifica com um recente alerta, que levou os bombeiros e a protecção civil a posicionarem-se, antevendo, designadamente, possibilidade de cheias. «Um trabalho que não se viu, porque nada aconteceu, foi 100% eficaz». Pouco visível é,
Equipa dos Sapadores tem prestação brilhante no Campeonato Nacional de Trauma
também, a prevenção de incêndios, onde o comandante dos Sapadores, também responsável pela Protecção Civil Municipal, destaca a «resposta colaborativa», assumida pelos Sapadores e Voluntários, no âmbito do dispositivo de combate a incêndios, durante o Verão, na vigilância e patrulhamento, «trabalho feito pelas duas corporações». Uma palavra, ainda, para as duas equipas de sapadores florestais do município, que «realizaram um trabalho fantástico na prevenção, limpeza e vigilância, particularmente na serra da Boa Viagem». O resultado deste trabalho em equipa é fantástico e, muito embora, ressalva, o «ano ainda não tenha acabado», o balanço já feito coloca o município da Figueira da Foz como o segundo ano com mais incêndios rurais, mas o «terceiro a contar do fim em termos de área ardida, com dois hectares», o que revela um grau de eficácia muitíssimo bom. No mesmo registo, de «intervenção silenciosa» está o apoio prestado a instituições, designadamente lares, durante a pandemia. A convivência entre Sapadores e Voluntários é perfeita. «AAssociação Humanitária dos Bombeiros Voluntários foi criada pela necessidade de complementar resposta», recorda Nuno Pinto, sublinhando que «isso quer dizer tudo». «Temos uma intervenção e resposta colaborativa. Sapadores e Voluntários, «não concorrem, complementam-se no socorro ao município e aos figueirenses e visitantes». No que se refere aos recursos, o coman-
dante destaca o «investimento que o município tem feito ao longo dos anos, muitas vezes com dificuldades, para criar condições, quer aos Sapadores, quer aos Voluntários. Temos um conjunto de recursos que não se sobrepõem, mas complementam-se». «Teoricamente, os recursos são sempre poucos, mas com este conceito de cooperação interna conseguimos dar resposta», afirma, destacando, ainda, o facto de da Protecção Civil funcionar «em sistema de rede», o que significa, também, uma «colaboração e ajuda aos municípios vizinhos, quando estes precisam, que, por sua vez, nos ajudam quando nós precisamos».
Bombeiros viveram, em Setembro de 2015, um dia histórico, com a inauguração do novo quartel, um presente de aniversário especial nos 150 anos da corporação Relativamente ao parque de viaturas, «em termos gerais tem havido renovação e vamos tendo alguma actualização de recursos técnicos, mas há situações que carecem de um investimento grande, mas são percursos a fazer com tempo e com o devido enquadramento», considera. Nuno Pinto assume que «gostaria de potenciar e dar mais ênfase» à equipa de mergulho, que já existe, mas que, tendo em conta as características do território, deveria ser potenciada.
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João de Barros 90 anos com Figueira da Foz
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PERFIL
João de Barros no seu gabinete, na Rua 5 de Outubro
JOÃO DE BARROS: POETA, PEDAGOGO E HOMEM DE CAUSAS 1881-1960 Natural da Figueira da Foz, filho do Visconde da Marinha Grande, imprimiu a sua marca como defensor de uma “escola nova”, alicerce fundamental para garantir o futuro
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ra um avô excepcional, de quem todos nós – nove netos – muita saudade temos». Palavras de António de Barros, o mais novo dos netos de João de Barros (1881-1960), que recorda os almoços em sua casa, na 5 de Outubro, em Lisboa, sobretudo depois do problema de saúde, grave, que obrigou João de Barros a deixar precocemente o
Liceu Passos Manuel, onde deu aulas durante muitos anos. «O Liceu perdeu um professor, mas nós ganhámos um avô», diz, repetindo a expressão do primo, Miguel Caetano. «Ia muitas vezes buscar os netos ao Liceu Camões», recorda. «Foi um homem de causas. Um homem bom. Trazia sempre consigo rebuçados ou outras guloseimas para dar às crianças» e
João de Barros nasceu a 4 de Fevereiro de 1881 na Figueira da Foz. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, dedicou-se ao mundo das letras, sendo autor de uma vasta obra, dispersa por várias publicações. O seu nome ficou particularmente ligado à poesia, onde se revelou um autor «sensível e inspirado», embora a sua obra seja bastante mal conhecida. Foi um entusiasta da aproximação luso-brasileira, tendo dirigido, com João do Rio, a revista Atlântida (1915-1920), que contou com a colaboração dos principais autores lusófonos da geração e 1910-1920. Fruto disso, foi eleito sócio da Academia Brasileira de Letras. Em Portugal, no domínio literário, foi um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Autores, da qual foi o primeiro presidente da Assembleia Geral. Professor de Português e Francês em Coimbra, Porto e Lisboa, distinguiu-se como pedagogo, associado ao movimento da Escola Nova e às reformas republicanas da Educação e desempenhou vários cargos no domínio da Educação, inclusive, foi director-geral do Ministério da Instrução Pública. Foi ainda deputado pelo Partido Democrático e ministro dos Negócios Estrangeiros. João de Barros foi agraciado com a Ordem Leopoldo II (Bélgica, 1920), Grã-Cruz da Ordem de Cristo (Portugal, 1923), Grã-Cruz da Ordem El Sol del Peru (Peru, 1925), Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul (Brasil, 1944). Faleceu a 25 de Outubro de 1960, em Lisboa.
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João de Barros 90 anos com Figueira da Foz
sempre se revelou generoso nos gorjetas. Foi também um «republicano convicto», uma «veia que herdou do pai, o Visconde da Marinha Grande». O neto mais novo, que tinha 16 ou 17 anos quando João de Barros morreu, confirma que o sonho do avô era seguir uma carreia na Marinha. Preparou-se para os exames, mas «reprovou, por causa da miopia». A reacção foi rápida, com João de Barros a decidir ir para Coimbra, estudar Direito. Mas foi para o ensino que, concluído o curso, se virou. Primeiro em Coimbra, depois no Porto e, mais tarde em Lisboa. E terá sido esta experiência que o levou a empenhar-se posteriormente «na reforma do ensino, nomeadamente primário, em Portugal», num combate ao analfabetismo e promoção de uma educação que preparasse verdadeiramente os jovens. A viagem que, como bolseiro, efectuou, na companhia de João de Deus Ramos, em 1907, pela Europa, permitiu-lhe beber um manancial de argumentos pedagógicos em países como a Espanha, França, Grã-Bretanha, Irlanda e Bélgica. Foi praticamente um ano de contacto com experiências pedagógicas inovadoras, que tentou, depois, colocar em prática, no âmbito do movimento da Escola Nova. António de Barros lembra o «intuito de construir uma escola diferente», que «chegou a ter o seu início no Monte do Estoril», um projecto no qual também estava envolvido o pai de Mário Soares, mas que acabou por sucumbir. Os projectos de reforma do ensino acabaram por lhe custar caro. «Teve um primeiro desentendimento com a República com o então ministro que tutelava a Educação, António José de Almeida, com quem acabaria por ter, depois, uma relação de amizade», precisamente pelas visões diferentes relativamente ao que deveria ser a «educação da República». João de Barros foi, durante a Primeira República, alto funcionário do Ministério da Instrução Pública, desempenhando, a partir de 1910, as funções de chefe de repartição, director-geral do ensino primário, director-geral do ensino secundário e secretário-geral do Ministério. «Quando veio a ditadura, em 1926, era director-geral do ensino secundário» e soube pelo jornal que tinha sido demitido. O neto recorda a história, lembrando que a avó estava a ler o jornal e viu a notícia: «diz aqui que foste demitido», alertou, quando João de Barros
se preparava para sair de casa rumo ao Ministério, onde na véspera tinha reunido com o ministro. Afastado da vida política, manteve-se fiel aos princípios democráticos e republicanos e apoiou as mais diversas causas da oposição, como o MUD – Movimento de Unidade Democrática, e as candidaturas de Norton de Matos e de Humberto Delgado à Presidência da República. «Dedicou-se depois, de alma e coração, com João de Deus Ramos, à causa da Escola João de Deus», refere o neto, lembrando que o primeiro jardim-escola nasceu em Coimbra e o segundo na Figueira da Foz, este último impulsionado pelo pai, o Visconde da Marinha Grande, Afonso Ernesto de Barros. António de Barros refere a acção fundamental que o seu bisavô teve, à frente da Misericórdia e também como um dos fundadores daAssociação Comercial e Industrial. «Era um republicano convicto, mas gostava do título de visconde, atribuído, em vida, por D. Luís. Dizia: “isto é o prémio de uma vida de trabalho”». António de Barros – que tem procurado, à semelhança do que fez o pai, Henrique de Barros, manter viva a memória do avô – destaca o desafio de aproximação ao Brasil que o avô empreendeu. Uma tarefa que, sublinha, «hoje parece fácil», mas que, na altura (a partir de 1910), era mais complexa, face ao “nativismo”que se fazia sentir nalgumas zonas, designadamente no Rio de Janeiro. João do Rio, de quem se tornou grande amigo, foi o interlocutor privilegiado dessa aproximação, que levou João de Barros quatro vezes ao Brasil e a manter uma relação de proximidade e apoio à nova geração de escritores lusófonos. Era
Republicano convicto, João de Barros conviveu de perto com o regime do Estado Novo, até pelo facto de ser sogro de Marcelo Caetano A reforma do ensino em nome de uma “Escola Nova” foi uma das causas que mobilizou o poeta e pedagogo
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a “Campanha Atlântica”, uma via de aproximação entre Portugal e Brasil, da qual o poeta e pedagogo foi o maior obreiro. Estas e muitas outras ideias foram expostas na coluna semanal que publicou desde 1921 (data da fundação do jornal) no Diário de Lisboa, até à sua morte (1960) . «Publicou 1.300 artigos», refere o neto, mas chegou a ser «proibido, pela censura, de escrever».
Relação de respeito com Marcelo Caetano Republicano convicto, democrata e maçon, João de Barros conviveu muito de perto com o regime que, inclusivamente, o destituiu e afastou da vida política. Era sogro de Marcelo Caetano, um dos obreiros e figura de proa do Estado Novo, visita frequente da casa. «Todas as quartas-feiras havia um jantar de família. Numa semana nós, a parte da família Henrique de Barros, e, na outra, a família de Marcelo Caetano. Recordo um grande respeito mútuo entre os dois», refere o neto. «Em casa dele, dissesse o que quer que fosse, Marcelo nunca ripostava, nem emitia opinião», sublinha, destacando o «enorme respeito» entre os dois.Aliás, faz notar, na vida privada, em família, «Marcelo Caetano até era uma pessoa interessante. Na vida pública era o que sabemos...». À filha, casada com Marcelo Caetano, com quem tinha uma grande proximidade, deixou, quando morreu, um pedido: «publicar os seus últimos versos», que deu origem à obra “O eterno mar”. Já depois da sua morte foram, também, a seu pedido publicados os artigos que escreveu sobre o Brasil a partir de 1943, “Adeus ao Brasil”. Pessoa “secou” todos os poetas João de Barros assumia-se antes de mais como um poeta. «Com 14 anos, escreve, à mão, o seu primeiro livro de poesia», refere o neto. Mas era «um poeta diferente». Ao contrário dos poetas do seu tempo, que cantavam o saudosismo, as tragédias, a desgraça, João de Deus «exaltava a alegria, as coisas boas da vida». Mas, uns e outros têm sido esquecidos. «Os poetas daquela altura foram “apagados” por Fernando Pessoa. Pessoa “secou” tudo», sintetiza António de Barros. Independentemente disso, faz notar a «capacidade instalada», cada vez maior, de «esquecer as pessoas e a sua obra».
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Escola preserva figura do patrono Na Figueira da Foz, onde nasceu o poeta e pedagogo (4 de Fevereiro de 1881), existe uma escola com o nome de João de Barros, à qual a família de António de Barros doou o espólio que possuía, designadamente retratos, caricaturas, livros, bem como a gravação de uma entrevista, feita por Igrejas Caeiro para o programa “perfil do Artista”, que nunca chegou a “ir para o ar”. António de Barros elogia o cuidado desta escola, em funcionamento desde 25 de Outubro de 1968, na promoção e divulgação do nome do patrono. Nas actuais instalações desde 1973, a Escola Preparatória João de Barros, passou a designar-se, em 1995, Escola EB de 2.º e 3.º Ciclos Dr. João de Barros e desde 2003 é a sede do Agrupamento de Escolas da Zona Urbana da Figueira da Foz. Há mais duas escolas, uma em Viseu e outra no Seixal, com o nome do poeta e pedagogo.
90 anos com Figueira da Foz João de Barros
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“Clássicos” acessíveis às crianças e ao povo
João de Barros em 1920 no Rio de Janeiro
A sensibilidade do poeta e as preocupações do pedagogo, empenhado em combater o analfabetismo e promover uma educação moderna, capaz de preparar as crianças e os jovens para o futuro, levou João de Barros a empenhar-se numa verdadeira odisseia. Nada mais nada menos do que adaptar os clássicos da literatura,
tornando-os acessíveis, em prosa, a todas as crianças e ao povo. A primeira, lembra o neto, foi “Os Lusíadas Contados às Crianças e Lembrados ao Povo”, em 1930. António de Barros assume que foi assim que teve o primeiro contacto com a obra maior de Luís Vaz de Camões e destaca o «fenómeno editorial» que representou, com a Editora Sá da Costa a lançar sucessivas edições. «Terá feito 70». Uma “jovem” editora, “Cultura”, também pegou no projecto, igualmente com sucesso. «Continua a vender hoje em dia», afirma António de Barros, fazendo notar que «a venda de três/quatro mil livros por ano é uma coisa fenomenal para o nosso mercado». Depois de Os Lusíadas, o poeta empenhou-se em adaptar outros clássicos, como “A Odisseia” e “A Ilíada”, de Homero, “A Eneida”, de Virgílio, igualmente “Contados às Crianças e Lembrados ao Povo”.
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Coelho Jordão 90 anos com Figueira da Foz
COELHO JORDÃO: UMI HOMEM DE VISÃO E DE ACÇÃO
Coelho Jordão em 1970, quando foi agraciado com a Medalha de Ouro da Cidade
1923-2010 Foi o grande obreiro da “cidade nova”, um projecto exemplar de urbanismo, pensado para o futuro e apostado na qualidade de vida
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ecusou duas vezes, mas acabou por “imperativo”do então ministro da Justiça – que se negava a inaugurar o Palácio da Justiça com um vice-presidente da Câmara Municipal. Empenhou-se de alma e coração nesta missão e imprimiu a sua marca à Figueira. Quer dentro da autarquia, na gestão e na relação com os funcionários, quer fora, na cidade e nas freguesias. A pensar no futuro. «Não na cidade dos 30 mil habitantes, mas sim na cidade dos 100 mil, ou mais, uma cidade para o Homem viver e não uma cidade com a política do betão», dizia. Falamos de José Coelho Jordão, presidente da Câmara Municipal entre 1961 e 1970. Entrou “coagido” e saiu a seu pedido expresso. Pelo caminho fez obra. Sobretudo, revolucionou a cidade e a sua marca ainda hoje, meio século depois, ali está. Um homem de rasgo, de visão e de acção.
O filho, Miguel Jordão, fala com notório orgulho no pai e na obra que legou à cidade e aos figueirenses. Um verdadeiro mundo, onde merecem destaque os planos de urbanização do Vale das Abadias - infraestruturas começaram em 1964 e em 1965 construía-se o primeiro edifício - do Vale do Galante - em 1966 iniciaram-se as obras de urbanização - projectos que Coelho Jordão apresentava como o «arranque da Figueira Nova». Mas também o Bairro do Cruzeiro, a Quinta do Paço, o Parque de Campismo, a Avenida do Forte de Santa Catarina, a Avenida do Mar, o Museu e a Biblioteca, a fonte luminosa, entre outras. Miguel Jordão destaca o homem «muito trabalhador e organizado», com uma «grande capacidade de criar consensos. Era uma pessoa integra nas decisões que tomava. Como pai, é uma das referências que tenho, a todos os níveis. Não fugia do que era
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como profissional: integro, criador de consensos, naturalmente um líder. Em termos de capacidade de trabalho e organização era completamente “fora de série”», diz. Miguel Jordão nasceu 10 anos depois de o pai ter deixado a Câmara, mas conhece a obra. Pelo que existe, pelas conversas com o pai, mas também pelos muitos documentos que o antigo autarca, extremamente metódico e organizado, deixou e das muitas histórias, momentos singulares que viveu e registou. O filho lembra-nos algumas. Umas são curiosidades que nos fazem sorrir. Outras revelam a tenacidade e perspicácia de um homem que, não sendo político, assumiu a defesa da “coisa” pública com um verdadeiro espírito de missão. O projecto de urbanização da cidade foi uma das traves mestras da sua intervenção e a Câmara entendeu que devia chamar a si o processo, empenhando-se na aquisição dos terrenos, designadamente nos vales das Abadias e do Galante. O hercúleo processo de aquisição de terrenos foi olhado de soslaio, considerado uma tarefa impossível. «Foi uma tarefa ciclópica, muito complicada», assumiu o antigo autarca. NasAbadias foram adquiridos 27 hectares, por 15 mil contos. As negociações envolveram 70 proprietários e 114 parcelas. «Com coragem conseguiu-se levar tudo para a frente». A Quinta do Paúl, da família Silva Pestana, foi a primeira aquisição e também foi esta família a erguer o primeiro prédio. Em duas situações, os vendedores exigiram que na escritura figurasse uma cláusula, que garantia que «quaisquer valores que fossem encontrados nos prédios vendidos, quer por motivo de demolição, quer por remoção de terras, seriam sua pertença». Uma exigência que se prendia, explicava Coelho Jordão, com o facto de se ter «transmitido, de geração em geração, que havia tesouros escondidos na Quinta da Nora, das famílias que fugiram da Figueira, aquando das invasões francesas». No Vale do Galante, foram adquiridos «68 mil metros quadrados», divididos por 148 parcelas, pertencentes a 57 proprietários, por 5 mil contos. Aqui, foi a compra de uns terrenos junto ao Palácio, que motivou uma história curiosa. A herdeira, residente em Lisboa, acedeu a vender por cerca de 1.200 contos. A escritura foi marcada e a senhora fez questão de informar que queria receber o dinheiro em notas. «E assim se fez. Combinou-se com a Caixa Geral de
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PERFIL José Coelho Jordão (19232010) nasceu no Alqueidão, licenciou-se em Silvicultura e Agronomia no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e começou a sua carreira profissional nos Serviços Florestais. Em Janeiro de 1960, tomou posse como vereador e em Agosto do ano seguinte assumiu a presidência da Câmara, que liderou até Julho de 1970. Foi vice-presidente da Junta Autónoma do Porto, técnico superior do Banco de Fomento e administrador de várias empresas, presidente do Conselho Fiscal da Fundação Bissaya Barreto e presidente da Assembleia Geral dos Bombeiros Voluntários. Foi deputado (1965 e 1974), levando à Assembleia da República os problemas do Porto da Figueira, da produção e sal, fomento florestal, regularização do Mondego para proteger a agricultura das cheias ou a pesca da sardinha. Mais informação sobre a vida e a obra de Coelho Jordão pode ser encontrada em“Figueira dos anos 60: vida autárquica por José Coelho Jordão”, disponível no Apple Podcast, Spotify e noutras plataformas de podcasts.
Depósitos para terem esta verba disponível no dia combinado e comunicou-se ao tesoureiro para ir levantar o dinheiro. Ficou lívido e declarou que não ia sozinho e desejava uma segurança boa, um polícia. Nunca tinha lidado com tanto dinheiro», segundo o antigo autarca. A escritura fez-se, na data aprazada, nos Paços do Concelho, e o dinheiro foi entregue à senhora numa pequena mala, «que a recebeu e nem sequer quis contar», contou. Ainda na Câmara, sentada no hall com os três filhos, procedeu à divisão do dinheiro pelos quatro. Explica-se, assim, «porque não queria cheques».
90 anos com Figueira da Foz Coelho Jordão
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A Avenida Marginal e a fonte luminosa
Coelho Jordão recebeu, em Setembro de 1971, a Comenda da Ordem da Liberdade
A construção da Avenida Marginal revela não apenas o espírito empreendedor e o homem de génio que Coelho Jordão foi, mas também o autarca de visão e o gestor empenhado em resolver os problemas. A construção do molhe Norte do Porto desencadeou um processo de deposição e areias e o mar, que antes praticamente batia nas casas, começou a afastar-se. «Ficou ali uma zona com possibilidades para se avançar com o prolongamento da Avenida até Buarcos», refere o filho. Colocou-se mãos à obra, com o projecto a apresentar uma avenida com 40 metros de largura e um orçamento de 10 mil contos. «A obra só podia realizar-se com a comparticipação do Estado, pois a Câmara não tinha, só por si, capacidade para isso. O meu pai levou o projecto e orçamento ao ministro das Obras Públicas – Arantes e Oliveira – para apreciação e aprovação e igualmente para obter uma comparticipação do Estado. O ministro entendeu que era uma obra importante para a Figueira e perguntou-lhe como se iria financiar este grande empreendimento». Com o seu génio criativo, Coelho Jordão tinha feito o “trabalho de casa”. «Antes de reunir com o ministro, tinha falado com o director geral dos Serviços Hidráulicos e com o presidente da Junta Autónoma de Estradas, a quem tinha apresentado o projecto e pedido comparticipação. «Disseram-lhe que sim». E
foi este “trunfo” que o autarca apresentou a Arantes e Oliveira. Significa, esclarece Miguel Jordão, socorrendo-se dos “apontamentos” do pai, que «os arruamentos que correspondiam à estrada nova, seriam assumidos pela Junta Autónoma das Estradas, o paredão de pedra, a construir na praia, para proteger a avenida das investidas do mar, seria assumido pelo director do Porto, incluído nas obras da estrutura portuária, e a construção de passeios e as zonas ajardinadas seriam comparticipadas pela Direcção Geral da Urbanização. O ministro questionou se a Câmara «não dava nada», ao que Coelho Jordão respondeu que sim, que completava a obra, assumindo os cursos da iluminação e da rede de água e esgotos. Bem-disposto, o ministro – que tinha uma grande proximidade com a Figueira - deu parecer favorável. A Fonte Luminosa, que pretendia «tornar a cidade mais atractiva», é uma espécie de “cópia” da existente na cidade de Cadiz. Miguel Jordão conta que o pai, acompanhado por alguns vereadores, se deslocaram a Espanha. «Chegaram a Cádis à noite e encontraram uma fonte luminosa que dava grande beleza à cidade». A ideia de erguer uma semelhante na Figueira nasceu logo ali. «Ainda pediram uma proposta, mas ficaria muito caro». A solução foi fácil: a fonte luminosa fez-se, mas com a “prata da casa”, ou seja, os recursos da Câmara Municipal. E continua lá.
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Coelho Jordão 90 anos com Figueira da Foz
“Trabalhou até morrer”
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Luta de titãs na Fábrica de Cimento
Com a esposa, Maria Isabel Jordão
Quando deixou a Câmara, a 31 de Julho de 1970, a seu pedido, antes de completar o terceiro mandato, Coelho Jordão foi «abrir o Banco de Fomento, em Coimbra», onde trabalhou até se reformar, com 65 anos. Todavia, manteve-se no activo, em Viseu, na administração de uma fábrica de papel da qual o Banco de Fomento era um dos principais credores. A empresa acabou por fechar, mas «ele não gostava de estar em casa» e pouco depois dedicou-se aos Estaleiros Navais do Mondego, ao serviço da Fundação Bissaya Barreto, da qual foi presidente do Conselho Fiscal . «Trabalhou até morrer», diz o filho, recordando que na véspera de sofrer o enfarte que acabaria por o vitimar, tinha participado numa reunião na Fundação. «Até ao final da sua vida teve sempre plenas capacidades, uma memória incrível e uma grande lucidez». Ainda ao serviço da autarquia, em 1967, sofreu um grave acidente de viação, numa das muitas viagens para Lisboa. O motorista, Mário Parente, faleceu. Coelho Jordão ficou gravemente ferido, com a perna esquerda decepada. Passou quatro meses no hospital e dois meses em Hamburgo, para colocação de uma prótese. Um drama que Coelho Jordão ultrapassou «com o tempo», fazendo «uma vida sem qualquer complexo», dizia.
Em Abril de 1967, o autarca apresentava a obra do Museu e Biblioteca
Mais exigente, ardilosa, a exigir mais paciência e, sobretudo resiliência, foi o processo, melhor, a luta contra a Fábrica de Cimento, que pretendia instalar um forno «com três ou quatro vezes mais capacidade e que iria comprometer toda a encosta Sul da Serra da Boa Viagem e toda a cidade turística». Na altura – 1966 – a fábrica, tinha uma produção média de 90 toneladas de cimento e pretendia guindar-se às 300 toneladas o que significaria «muito mais pó do que aquele que já se fazia sentir» e uma projecção muito mais em termos de área atingida. «Na altura a imprensa já falava no caso de Alhandra», diz Miguel Jordão, referindo-se a um opúsculo sobre este assunto que Coelho Jordão redigiu e onde apontava a luta de populações que tinham cimenteiras próximas para a sua deslocalização para locais isolados, em nome da saúde pública. Aponta, ainda o aumento exponencial da circulação de pesados, boa parte dos quais pela cidade. No documento, inédito, com preâmbulo de Adelino Pedrosa Veríssimo, antigo presidente da Câmara, Coelho Jordão dá a conhecer, a par e passo, todo o desenvolvimento do processo, inclusive com recortes de imprensa e cópia das decisões dos tribunais.
«Seria um desastre», afirmava, sublinhando que este projecto era de todo incompatível com a vocação turística do concelho. Coelho Jordão, com toda a vereação em sintonia, indeferiu o projecto, «decisão que mereceu o apoio de toda a cidade», escreve. «Tinha consciência que esta seria uma luta difícil e árdua», afirma o autarca, na introdução do opúsculo, intitulado “A Fábrica de Cimento do Cabo Mondego”, escrito em 2008. «Passados mais de 40 anos, e porque se tratava de um caso de importância capital para o desenvolvimento da cidade e da sua qualidade de vida, que aquela instalação iria comprometer e destruir irremediavelmente, é de interesse público deixar um registo do que na altura se passou e que faz parte da História da Urbanização da Figueira da Foz», afirma. O filho lembra que a fábrica pertencia ao grupo Champalimaud - «um homem muito poderoso» - e motivou um complexo processo, que se prolongou ao longo de quatro anos nos tribunais, onde não faltaram “guerras de bastidores”, “advertências”do Governo e mesmo um ministro zangado com o presidente da Câmara. «Foi uma luta muito importante, que ganhou no Supremo Tribunal Administrativo», recorda.
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Piscina-Praia 90 anos com Figueira da Foz
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PISCINA-PRAIA: UM ÍCONE DA FIGUEIRA 1953 É um dos ícones da Figueira da Foz. Um projecto do arquitecto Isaías Cardoso que teve o empresário Augusto Silva como grande obreiro
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duardo Silva, estudante de Medicina, foi o orador oficial da cerimónia de inauguração da Piscina-Praia. Vivia-se o dia 5 deAgosto de 1953 e o Diário de Coimbra destacava o “acontecimento marcante”. Referindo-se ao carinho do seu pai pela Figueira e à «influência notável» que este empreendimento iria trazer para a cidade, Eduardo Silva afirmou: «A este empreendimento (...) tem ele sacrificado tudo: o seu dinheiro, a sua tranquilidade e até o repouso no seio da família, devido a quem tão laboriosamente tem feito pela vida no desenvolvimento da sua indústria, para legar à Figueira uma obra perdurável e aos filhos que se honram e tal Pai, a tradição de um nome sério, honrado e digno». «A Piscina-praia está aí. A obra não é de quem a concebeu e realizou (...). Esta obra é de todos, porque todos se revêem nela; foi feita para embelezar, para enaltecer e realçar os encantos da nossa terra. Ela, sendo de todos, não é de ninguém – é património comum da nossa querida Figueira. Este foi o espírito que levou o meu Pai à sua execução», relatava o Diário de Coimbra, na edição de 6 de Agosto, sublinhando o recurso ao telefone para a publicação atempada da notícia. Eduardo Silva destacou um conjunto de personalidades que deram o seu apoio para a concretização «deste grandioso projecto», designadamente a Câmara Municipal da Figueira da Foz, na pessoa do sr. dr. Álvaro Malafaia, o engenheiro João Latino, a Empresa do Cabo Mondego e os Estaleiros Navais dos Mondego, bem como a «boa vontade encontrada» junto das «altas esferas oficiais», designadamente, a Direcção Geral dos Serviços de Urbanização e Direcção Geral de Saúde, os ministérios da Obras Públicas e do Interior. Um agradecimento especial, feito em nome do promotor da obra ao deputado e médico dr. José Bessa, que «pôs ao serviço da piscina o melhor da sua inteligência, dedicação e generosidade», bem como para o dr. António Sotero, pela «solicitude e bairrismo com que sempre acompanhou o meu pai, encorajando-o nos momentos de desânimo – e não poucos
Piscina-Praia espera “luz verde” para as obras de requalificação
foram – durante o longo período de construção da piscina». A última palavra foi para o arquitecto Isaías Cardoso, «autor do projecto da piscina» e para o engenheiro José Redondo «seu valioso colaborador». «A ambos pertence o melhor quinhão do que ela representa como expressão arquitectónica, elegância de linhas, beleza e unidade de proporções. Para estes talentosos colaboradores de meu pai, amigos certos em horas incertas, vai o cordeal testemunho de muito apreço e admiração», rematou. Segundo o jornal, «após a inauguração, muitas senhoras e cavalheiros começaram logo a utilizar a piscina», onde os nadadores do Algés e Dafundo e da Académica de Coimbra fizeram «várias exibições». A piscina «possui as medidas internacionais, 33,33X18 metros, torre de saltos com 5 e 10 metros; trampolim de 1,50 e 3 metros de altura; profundidades máxima e mínima, respectivamente de 4,5 e 1,2 metros; vestiários e cabinas individuais, sendo 30 para homens e 15 para senhoras. É circundada por um canal lava-pés e por uma faixa relvada e dispõe, para o público, de esplanadas circulares dos lados nascente e poente e de uma grande esplanada. De qualquer destas esplanadas se divisa um excelente panorama. Do lado Norte existe um bar-restau-
rante e um dancing. Por cima desta dependência, elegantemente mobilada, há outra esplanada, em nível superior, a utilizar pelo público em dias de festivais de natação», remata o texto.
À espera de obras de remodelação Ao longo de décadas, a Piscina-Praia, mais tarde designada Piscina-Mar, foi uma referência na região, pela originalidade do espaço, abastecido por água salgada, captada junto ao Forte de Santa Catarina, pela sua beleza e pelo seu ambiente de excelência. Seja em termos lúdicos, seja de competição, pois também ali se realizaram memoráveis competições nacionais e internacionais. Classificada como Imóvel de Interesse Público desde Fevereiro de 2002, viu retirada, por imposição legal, a sua «elegante prancha de 10 metros», palco, durante anos, de memoráveis saltos acrobáticos. Propriedade do município – adquirida por Santana Lopes - a Piscina-Mar foi recentemente alvo de um concurso, no sentido da sua concessão. O consórcio vencedor empenhou-se num projecto de remodelação do espaço, que prevê, designadamente, o aumento da área destinada a alojamento, de molde a permitir a viabilização do projecto.
90 anos com Figueira da Foz Grande Hotel
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Construído nos anos 50, hotel sofreu obras de vulto no final dos anos 70 e em 1995
A “MARCA” GRANDE HOTEL 1953 Mais de 500 convidados festejaram, no dia 28 de Junho de 1953, a inauguração do Grande Hotel da Figueira. Uma referência que atravessou décadas
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o início dos anos 50 arrancaram as obras de construção do Grande Hotel da Figueira, um projecto do arquitecto Inácio Peres Fernandes. A conclusão verificou-se em 1953, com a festa de inauguração a realizar-se a 28 de Junho, «com mais de 500 convidados». «Foi um grande acontecimento para a época», afirma Liliana Vieira, actual directora da unidade hoteleira. «Com uma decoração com obras de Thomaz de Mello, José Molina Sanchez e Martins Correia, o hotel tornou-se na grande atracção da Figueira, tendo recebido reis, princesas, políticos, empresários, embaixadores, artistas, presidentes. Serviu ainda de cenário ao filme “Casino Oceano”, com João Perry e Maria do Céu Guerra. Foi
um marco na história da Figueira da Foz.», adianta a responsável As primeiras obras de remodelação ocorreram no final dos anos 70. Depois disso, o hotel foi explorado pela empresa Figueirotéis, Lda., juntamente com outras unidades. Mais tarde esteve sob a gestão da Confortéis. E em 1995 foi sujeito a uma nova remodelação, desta feita a cargo do arquitecto António Ginestal Machado. «Fez-se uma actualização profunda, mas mantendo as linhas arquitectónicas iniciais. No ano seguinte, aderiu ao GrupoAccor e passou a designar-se Mercure», esclarece Liliana Vieira, fazendo uma viagem no tempo pela história e pela vida desta unidade hoteleira que se transformou numa referência para a Figueira da Foz e para os figueirenses.
«O interesse do grupo Accor foi sobretudo motivado pelo seu parceiro na altura, Grupo Amorim, maioritário na Sociedade Figueira Praia, SA, cujo objectivo principal era o relançamento internacional da unidade. Em termos de funcionamento mantiveram-se os principais serviços do hotel», muito embora adaptados aos «standards da marca Mercure». Uma «mudança tranquila», no entender da directora, que teve como objectivo fundamental, efectivamente, «o relançamento internacional do hotel», mas que quase se pode dizer não foi “interiorizada” pela cidade. «Para os figueirenses, não existe Hotel Mercure, mas existe sim, e sempre existirá, o Grande Hotel da Figueira», afirma. Actualmente o hotel dispõe de 102 quartos, «que proporcionam ambientes espaçosos e
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de conforto», o bar "O Leme", com «um terraço onde é possível apreciar a fantástica vista sobre o Atlântico» e o restaurante “O Astrolábio”, «onde se pode saborear o melhor da culinária portuguesa com vista para a praia». Possui, ainda, uma sala de reuniões totalmente equipada com capacidade máxima para 150 pessoas, explica a directora. Os principais mercados, de acordo com dados de Agosto deste ano, são o nacional, seguido do espanhol, francês, finlandês e alemão.
Apesar de fazer parte da cadeia Mercure há mais de duas décadas, para a Figueira e para os figueirenses é sempre o Grande Hotel
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Assembleia Figueirense 90 anos com Figueira da Foz
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A BELA E REJUVENESCIDA ASSEMBLEIA FIGUEIRENSE 1986 Colectividade mais antiga do concelho, foi palco de grandes eventos, entre os quais uma recepção ao rei D. Luís I. Depois de um quase abandono, o edifício foi recuperado em 1986
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em 260 sócios e muitos projectos, entre os quais a construção do “Salão-Jardim”, que, assegura o presidente da direcção, Mota Cardoso, «fica concluído em 2021», uma vez que já tem o projecto de arquitectura aprovado, aguardando aprovação, por parte da autarquia, dos projectos de estabilidade, de águas pluviais e estudo de condicionamento acústico. Depois, é consultar empreiteiros «e lançar a obra», orçada em cerca de 75 mil euros e para a qual já existe verba. Esta ampliação vem permitir mais espaço, para uma instituição que fervilha de actividades (agora mais moderadas devido à pandemia), designadamente com aulas de xadrez, ballet, salsa aeróbica, pilatos, danças afro-latinas, pintura, dois grupos corais (Canticus Camarae e Jograis Renascidos), Edifício está classificado como Património Municipal além de espaços de convívio dos sócios para bilhar, bridge, canastra, entre outros. das colectividades mais “desafogadas” em “Leslie”e que ali encontrou, a título gratuito, Mas os momentos de pujança nem sem- termos financeiros, já que o edifício, acolhe um local para o seu rancho e grupo de pre se fizeram sentir, já que, na década de vários inquilinos que pagam renda, como teatro ensaiarem). 70 e 80 do século passado, viveu anos de é o caso do ACP, de um café ou de uma Fundada a 15 de Dezembro de 1839, a reduzida actividade e mesmo «completo instituição bancária. Esse “fôlego”financeiro, Assembleia Figueirense só em 1880 é que encerramento» durante cinco anos, até permite-lhe ser também solidária, acolhendo conheceu as actuais instalações (classifique, em 1986, uma nova direcção (liderada outras associações, que, por um motivo cadas como Património Municipal), tendo por Joaquim de Sousa), tomou as “rédeas” ou outro, ficaram sem sede (como acon- antes percorrido sete espaços. Mas logo da instituição, restaurou-a, renovou-a e teceu com a do Saltadouro, destruída pelo nesse ano, recusa a cedência do salão nobre para recepção ao ministro das Obras reabriu-a à comunidade com intensa actiPúblicas (Saraiva de Carvalho), marcando vidade cultural. «Solidificou, senão, já não a cisão entre regeneradores e progressistas. existia», sustenta Mota Cardoso, salientando Dois anos depois, a 3 de Agosto de 1882, que, «apesar de ainda ser considerada por aquando da inauguração da linha do camuitos como uma casa de elite, aAssembleia minho de ferro da Beira Alta, recebe o rei Figueirense democratizou-se e está aberta D. Luís I, D. Maria Pia, Fontes Pereira de a todos, sócios e não sócios». Até porque, Melo e Bernardino Machado. Depois, foi acrescenta, «uma das mais-valias é que palco durante anos de bailes e recepções seja frequentada, porque os sócios já têm marcantes para a já cidade, que aconteciam alguma idade e os jovens não se sentem no seu salão nobre, ainda hoje tal como há muito virados para o associativismo e predécadas, embelezado por grandes espelhos, vejo que as colectividades irão passar um tectos altos e trabalhados e, no centro, um mau bocado». lustre adquirido em Paris em 1865, que à Palco de inúmeras actividades culturais época funcionava com velas de estearina (tertúlias, lançamentos de livros, concertos, e que foi electrificado em 1921. reuniões de empresas, entre outras), é uma Mota Cardoso, presidente da direcção
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Pavilhão Galamba Marques 90 anos com Figueira da Foz
Pavilhão é um espaço de referência desportiva e de tertúlias da família ginasista
PAVILHÃO GALAMBA MARQUES INAUGURADO EM CLIMA DE FESTA 1992 Momento – dia 6 de Julho de 1992 - foi vivido com especial intensidade pela grande “família ginasista”. Era a concretização de “um sonho com 26 anos”
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oi com inexcedível dignidade, aprumo e fé clubista que os associados do Ginásio Clube Figueirense assinalaram, no sábado, a inauguração oficial do seu pavilhão, obra grandiosa que também ostenta, muito justamente, o nome de Jorge Galamba Marques». A notícia, assinada por A. Ventura/J. Santos, tinha destaque na primeira página do Diário de Coimbra de 6 de Julho de 1992. «Uma organização elegante e eficaz», que contou com a presença de diversos membros do Governo, designadamente dos ministros da presidência e da Defesa e da Saúde, respectivamente Fernando Nogueira e Arlindo Carvalho, bem como dos secretários de Estado da Saúde, Nunes da Silva, e do Ordenamento do Território, Nunes Liberato, além, entre outros, do governador civil de Coimbra, Pedroso de Lima,
e do director-geral dos Desportos, Mirandela da Costa. Ao padre Américo Marques coube a bênção do edifício, com Fernando Nogueira a cortar a fita e Nunes Liberato e Jorge Galamba Marques a procederam ao descerramento evocativo da placa. Simões Pereira foi o primeiro orador da sessão, com o dirigente ginasista a destacar a «concretização de um sonho de 26 anos» e o «momento marcante da vida da instituição, visto que o Ginásio se tornava um dos clubes mais ricos em património, com a “satisfação acrescida de ter sido conquistado através da capacidade de servir dos seus sócios, dirigentes e amigos”. Enumerando o trajecto que conduziu ao acto inaugural, o eng. Simões Pereira enalteceu o papel desempenhado por diversas pessoas e entidades, nomeadamente o secre-
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tário de Estado, Nunes Liberato, Galamba Marques e a Câmara Municipal», adianta o jornal. Antes da intervenção da Galamba Marques, presidente da Assembleia Geral do Ginásio, assistiu-se, referem aos autores do texto, «à entrega das faixas aos atletas que se sagraram campeões na épocas de 1990-91 e 1991-92 (entre os quais os elementos da equipa que trouxe o Ginásio à I Divisão Nacional de Basquetebol)». «Com um misto de alegria e emoção, Galamba Marques, a “alma mater”da obra, considerou a data como uma página de ouro na história do Ginásio, sublinhou como seu destino preferencial a juventude e reforçou o agradecimento devido à Câmara Municipal da Figueira da Foz, ao secretário de Estado do Ordenamento do Território, director-geral dos Desportos, assim como anunciou a oferta de 500 contos por parte do governador civil de Coimbra», reza a crónica. Depois das intervenções do presidente da Câmara Municipal, Aguiar de Carvalho, e do ministro Fernando Nogueira, «as entidades oficiais assistiram ao desfile das camadas jovens ginasistas e ouviram o sonoro, emotivo e tradicional grito “Vai d’ arrinca”, entoado por um grupo liderado por esse ginasista de alma grande que é José Sopas. A Marcha do Vapor (Hino da Figueira) foi interpretada a plenos pulmões pela assistência que guarnecia as bancadas, assinalando o fim do acto festivo», referem ainda os autores da peça. O Pavilhão Galamba Marques continua, hoje, a ser a “casa”de um grupo significativo de atletas, com destaque para a equipa de basquetebol do Ginásio Clube Figueirense, que este ano disputa a ProLiga – a sua 9.ª participação nesta competição (já “militou” 15 anos na Liga). A Secção de Basquetebol do Ginásio arrancou em 1930 e a primeira partida opôs o clube figueirense ao Sport Clube Conimbricense. Também o Ténis de Mesa e o Kickboxing ocupam um espaço no Pavilhão Galamba Marques, onde estão alojados cinco jogadores da equipa de basquetebol. Há ainda um espaço, alugado pelo clube, onde se encontra instalado um ginásio, aberto ao público. Nas galerias, sobre as bancadas, está instalada a Sala-Museu e o Arquivo Histórico, dois “emblemas” diferenciadores do clube, no que se refere à história e ao património.
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90 anos com Figueira da Foz Crematório
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O PRIMEIRO CREMATÓRIO DA REGIÃO CENTRO 2008 Investimento superior a 1,2 milhões de euros representou a estreia da aposta nos crematórios de iniciativa privada. Inauguração aconteceu no dia 26 de Julho de 2008
Centro Funerário da Figueira da Foz foi, durante anos, uma resposta única na região
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ram quatro os crematórios existentes no país. Um no Porto, dois em Lisboa e um em Ferreira do Alentejo. Toda a região Centro estava a “descoberto”. «Havia uma grande lacuna na oferta desta solução de funeral por cremação», recorda Paulo Moniz Carreira, director-geral de negócios da Servilusa, situação que obrigava «a optar pela inumação ou, em alternativa, a grandes deslocações a Norte ou Sul». Mas, mais do que a distância, havia a espera. «Os crematórios existentes obrigavam, em determinados momentos, a longas listas de espera, chegando por vezes a vários dias, nomeadamente em Lisboa e no Porto», constata aquele responsável. A Servilusa entendeu criar a resposta que faltava. Vivia-se o ano de 2008, data em que avançaram os primeiros crematórios de iniciativa privada no país», instalados na Figueira da Foz, em Elvas e em Rio de Mouro. Paulo Moniz Carreira recorda que a Câmara Municipal da Figueira da Foz procedeu ao lançamento de um con-
curso público, que «previa a concepção, construção e exploração de um Centro Funerário (denominação actual), que incluía o crematório e um conjunto de serviços, com sala de tanatopraxia, duas salas de velório, sala de última despedida, cafetaria, sala de atendimento, florista e sepulturas, além do Jardim da Memória, para deposição de cinzas».
Paulo Moniz, da Servilusa
Uma infraestrutura inaugurada no dia 26 de Julho de 2008, após sete meses de obra e que representa «um investimento superior a 1,2 milhões de euros, suportados na totalidade pela Servilusa», refere o director-geral, destacando que o Centro Funerário da Servilusa na Figueira da Foz «se traduz numa oferta de conforto para a família, possibilitando a realização de velórios com maior comodidade, privacidade e espaço para se receber os familiares e amigos». Durante muitos anos foi o único crematório existente na região Centro, dando resposta pronta particularmente aos «habitantes de cidades do distrito de Coimbra, bem como de outros limítrofes, como é o caso de Aveiro». Mas, ao mesmo tempo que se assistiu, na Figueira da Foz a «uma maior procura de funerais por cremação», também começaram a surgir outros projectos, designadamente com a instalações dos crematórios de Coimbra, Leiria e Castelo Branco, entre outras. «Na Figueira da Foz e na zona Centro, como tem vindo a fazer em todo o país, a Servilusa tem vindo a dar seguimento ao seu plano de expansão territorial e na área da cremação, crescente em Portugal, cumprindo o desígnio de promover e contribuir para o desenvolvimento do sector funerário e das comunidades onde opera, nos planos económico, social e ambiental», afirma o director-geral e Negócios. Neste momento, de acordo com Paulo Moniz Carreira, Portugal «regista uma taxa média aproximada de 20% de funerais com cremação», mais de 50% dos quais se efectuam em Lisboa. Em todo o país existem actualmente 32 crematórios, com 28 instalados no continente, dos quais «oito são geridos pela Servilusa», que garante estar «atenta a novas oportunidades que possam surgir», quer ao nível de crematórios, quer de novas agências funerárias.
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Temporal 90 anos com Figueira da Foz
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Tempestade “arrasou” a cidade, deixando atrás de si um rasto dantesco de destruição
“LESLIE” DEMONSTROU A FÚRIA DA NATUREZA 2018 Foi uma das noites mais dramáticas vividas no concelho. A tempestade “Leslie” destruiu casas, arrasou zonas florestais, agrícolas e empresas e deixou o tecido associativo “de rastos”
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ificilmente a noite de 13 de Outubro de 2018 sairá da memória dos figueirenses, já que o concelho foi um dos mais afectados pela tempestade “Leslie”, estimando-se que os prejuízos tenham ultrapassado os 40 milhões de euros. Os estragos envolveram sectores agrícolas, zonas florestais, entre as quais a Serra da Boa Viagem, marítimos (portos comercial e de pesca, industria do pescado, aquacultura e pescas), danos em edifícios da administração pública e autarquias locais, colectividades, empresas e dezenas de habitações, muitas sem seguro. E nem o Hospital Distrital da Figueira foi poupado, com danos que ascenderam ao milhão de euros. Falta de comunicações e de energia eléctrica foram outras dores de cabeça, que demoraram longos dias a ser
restabelecidas. Adimensão da tragédia só seria conhecida no dia seguinte, pois os ventos que chegaram a atingir uma média de 175 quilómetros por hora, provocaram uma verdadeira “razia” num concelho que ainda tinha bem presente a memória do incêndio que, um ano antes, também o tinha afectado e toda a gente considerava um verdadeiro milagre o facto de não ter havido qualquer vítima. Na altura, a autarquia, então liderada pelo já falecido João Ataíde, de imediato se disponibilizou para prestar ajuda, quanto mais não fosse aos casos mais prementes, até porque a colaboração do Estado, então prometida, demoraria o seu tempo. Assim aconteceu, apesar das repercussões financeiras noutras áreas, que a situação provocou. Lentamente, apesar da falta de
mão-de-obra e de material, também o tecido empresarial e os particulares se foram recompondo, embora, em alguns casos, com longas “lutas” com as entidades seguradoras. Mais moroso foi o processo de recuperação das colectividades, algumas reduzidas a quase zero e, a maioria, sem seguros. Ao abrigo do programa de apoio financeiro do Governo, que assegurava 70% dos orçamentos das empreitadas e da Câmara Municipal que comparticipou com 20%, uma boa parte das associações recuperou, até porque, a autarquia “adiantou” o co-financiamento do Estado (que ainda não foi pago). Mas há algumas onde os vestígios (ainda) são bem visíveis, devido ao processo de legalização dos imóveis. As que tiveram prejuízos de menor monta, também foram apoiadas pela autarquia. Também o processo de recuperação da floresta tem sido lento e em vários pontos do concelho ainda são visíveis os estragos desta estranha fúria da natureza, particularmente nas matas nacionais. Um dos exemplos é a Serra da Boa Viagem que, apesar de todos os esforços da autarquia e dos sapadores florestais, ainda tem zonas de acesso proibido, remetendo os figueirenses para uma tragédia que gostariam de apagar da memória.
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também, dum salutar clima espiritual, da brisa e do sol da fraternidade e da harmonia social. Os figueirenses do seu tempo tinham esse entendimento – uma consciência de cidadania». As palavras são de António dos Santos e Silva, na apresentação de “A Obra da Figueira – Uma consciência de Cidadania”, publicada em 2004, a assinalar o centenário da sua fundação. Uma e outra enfrentaram desafios tremendos, multiplicando-se em esforços e inventando soluções para responder positivamente aos desafios que lhe foram propostos. Uma tarefa levada a bom porto, mas que nos anos 70 do século passado se vê confrontada com um impasse. Na Obra da Figueira, a morte de António da Silva Biscaia, que durante quase meio século serviu a instituição, criou um vazio directivo, ensombrado pelas crescentes dificuldades. Na Misericórdia, a extinção do hospital, decretada pela reestruturação dos serviços de saúde, decorrente da revolução de Abril de 1974, punha um ponto final na razão de ser da instituição. Sede da Misericórdia-Obra da Figueira funciona no antigo Convento de São Francisco
MISERICÓRDIA-OBRA DA FIGUEIRA: UMA UNIÃO PROVIDENCIAL 1970 Duas instituições emblemáticas entenderam que a “união faz a força” e, juntas, começaram a trilhar um único caminho, formando uma instituição mais forte, com uma obra assistencial de relevo
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e um lado estava uma instituição centenária, fundada em 5 de Dezembro de 1839. A primeira Misericórdia no distrito – e talvez no país - «a nascer por iniciativa laica» e, igualmente, uma das poucas que, desde a sua génese, tutelou um hospital. Mas também, desde cedo, manifestou uma atenção especial e pioneira pelas crianças, avançando, em 1911, com a construção do Jardim-Escola João de Deus, «o segundo a ser criado em Portugal». Um «espírito inovador» que A.C. Quaresma Ventura enaltece na obra “Misericórdia – Obra da Figueira – Evolução histórica – Originalidade e
Modernidade”, publicada em 2015, no âmbito das comemorações dos 175 anos da instituição. Do outro lado, “A Obra da Figueira”, uma igualmente meritória e centenária instituição. Uma obra que nasceu nos finais do século XIX, princípios do século XX. Um projecto de «um grupo de personalidades notáveis que, assumindo a responsabilidade cívica de serem cidadãos numa terra progressiva, quiseram responder, de modo dinâmico, às benesses do progresso». «É que a uma cidade apetecível para viver, não basta ter grande equipamentos, avenidas e jardins; necessita,
Despacho do secretário de Estado da Segurança Social de Agosto de 1976 dá forma legal à fusão, instituindo a Misericórdia-Obra da Figueira Cada uma das “casas”pensou no assunto e tomou a decisão: a união era o futuro. Um «objectivo estratégico», mas também um caminho longo e moroso, que começou a desenhar-se em 1970 e só teve desfecho efectivo em 6 de Junho de 1976. «Finalmente, vencidas as últimas resistências e dúvidas – bem compreensíveis, pois eram distintos o historial, o estilo e os “pergaminhos” de cada instituição – a fusão veio a concretizar-se numa assembleia geral conjunta, que teve lugar em 06/07/1976», refere António dos Santos e Silva. O despacho do secretário de Estado da Segurança Social, de Agosto de 1976, dá forma legal a esta fusão, instituindo a Misericórdia – Obra da Figueira. Uma solução que se revelou profícua, plasmada, nas últimas quatro décadas, num conjunto de projectos inovadores, com uma marcante e acentuada preocupação de natureza social, que tem os mais velhos e os mais novos sempre no centro das atenções.
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90 anos com Figueira da Foz Misericórdia-Obra da Figueira
Campus da Misericórdia reúne todas as valências da instituição
Creche e jardim-de-infância acolhem 165 crianças
Antigo Hospital transformado em lar O extinto hospital, instalado no antigo Convento de São Francisco, pertencente à Misericórdia, foi sujeito a obras de remodelação e transformado em lar (1982) e no espaço adjacente foi-se erguendo uma obra grande, concentrando diferentes respostas. «Este era o único património da Misericórdia», recorda o provedor, Joaquim de Sousa, referindo-se ao Convento, a sede da instituição, onde também funciona o Lar de Santo António. Uma infraestrutura inaugurada em Junho de 1982. «É um centro de recolhimento, assistência e convívio para a terceira idade», escrevia, na altura o Diário de Coimbra, destacando a preservação da fachada do antigo convento. A obra «decorreu entre Março de 1978 e Abril de 1982, tendo importado em 62.000 contos, verba subsidiada em grande parte pelo Estado». O Lar de Santo António, continuava o articulista, «será a casa, o lar, dos idosos do concelho da Figueira da Foz, sobretudo para os mais carenciados de meios económicos, de assistência e convívio». Numa apresentação do espaço, aponta «salas de estar, bar e refeitório, centro de convívio, para assistência dos idosos externos, bem como aposentos – quartos de 2, 3 e 4 camas – para 95 internos, posto médico e de enfermagem, farmácia e enfermaria, zona residencial da comunidade religiosa que presta serviço no lar, com
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capela privativa», além de outros equipamentos. « A Quinta da Mata é o complemento ideal do edifício, tranquila, arborizada, com terreno para jardinagem, horto, e fruticultura, onde os idosos se podem ocupar, útil e saudavelmente», remata. «Não há nada que não tenha sido mexido», refere Joaquim de Sousa, reportando-se aos 20 anos como provedor da instituição e às constantes obras que têm vindo a ser feitas, no sentido de garantir a maior comodidade aos utentes, no edifício centenário e nos restantes, que foram sendo erguidos no mesmo quarteirão. Assim, em 1991 começou a funcionar o novo Lar Silva Soares, com capacidade para 50 utentes e uma longa lista de espera, à semelhança do Lar de Santo Antó-
Joaquim de Sousa, provedor
nio. Neste edifício está instalado o anfiteatro Ernesto de Barros, com capacidade para 200 lugares, que a instituição usa para os seus eventos e disponibiliza à comunidade. Também ali funcionam os serviços médicos, no quadro de uma parceria com uma clínica. Antes, em 1987, era inaugurado o novo Lar Costa Ramos, que veio substituir o antigo Asilo das Crianças Desvalidas, criado no início do século passado. Com capacidade para acolher 40 crianças, entre os 12 meses e os 18 anos, a instituição tem, neste momento, 30 crianças e jovens. Dando continuidade aos pressupostos da sua criação, é uma valência exclusivamente dedicada a meninas. A maioria, esclarece o provedor, encaminhadas pela Segurança Social ou pelo Tribunal. A mais nova tem 11 anos. «São provenientes de famílias desestruturadas ou com graves problemas económicos», esclarece. «Neste momento, temos seis jovens a frequentar o ensino superior», destaca, com orgulho, o provedor. Joaquim de Sousa recorda o exemplo de uma jovem, que cresceu ali, concluiu a licenciatura e está radicada em Inglaterra, mas continua ligada à instituição, onde tem duas irmãs, a quem dá apoio. Mais recente, mas igualmente a dar continuidade ao projecto educativo que a Misericórdia abraçou há muito, está a creche e jardim infantil, a funcionar no Edifício António Biscaia, inaugurado a 1 de Setembro de 2008. Acolhe 165 crianças, 80 em creche e 85 no jardim de infância. A Misericórdia - Obra da Figueira oferece, ainda, serviços de centro de dia e cen-
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tro de noite - com utilização muito residual - bem como apoio domiciliário a 35 utentes. Joaquim de Sousa entende que este é um serviço que deveria ser «reforçado com equipas de saúde». «E fundamental para evitar o internamento precoce», considera. Desde 2004 que a Misericórdia – Obra da Figueira aderiu ao Helpphone, no quadro de um acordo feito com uma empresa do Porto, esclarece o provedor, destacando as qualidade deste sistema, que, através de uma aplicação no telemóvel, permite prestar todo o apoio ao utente. «Durante muito tempo foi um serviço exclusivo no distrito», destaca. A cozinha industrial garante cerca de 400 refeições diárias para os utentes, bem como 53 refeições no âmbito da cantina social (já chegaram a ser 100). Assegura, ainda, a distribuição de géneros alimentares, provenientes do Banco Alimentar, próprios e de donativos a um universo de 50 famílias. O polidesportivo, o parque infantil, a piscina e os equipamentos de fitness, constituem outros equipamentos que integram o Campus da Misericórdia, onde não se pode esquecer a horta pedagógica, as zonas ajardinadas, a incansável Fonte de Santo António, as frondosas árvores e os belos painéis de azulejo, que recordam memórias do outros tempos. Com um orçamento de um milhão e 300 mil euros (ano de 2020), a Misericórdia Obra da Figueira assume uma gestão espartana e de rigor, para fazer face aos compromissos mensais com os 128 funcionários e as dezenas de fornecedores. «Já tivemos que recorrer a algumas reservas», confessa o provedor, devido aos constrangimentos impostos pela pandemia. Uma “fotografia” semanal das contas permite acompanhar a situação económico-financeira ao cêntimo, com um rigor exemplar. «O nosso objectivo é que ninguém fique à porta», afirma o provedor, salientando o esforço da instituição em dar sempre resposta às solicitações. Um objectivo cumprido, muitas vezes com engenho e imaginação. Exemplo disso foi o que aconteceu, durante a pandemia, com o recurso a uma grua para garantir a visita de familiares aos utentes dos lares. Uma ideia que, reitera o provedor, não teve nada de original, mas, isso é certo, que foi amplamente aplaudida.
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Preservar o património da Igreja de Santo António
Igreja, “ex libris” especialmente cuidado
A recuperação e manutenção do património religioso foi, desde a origem, uma das atribuição imputadas à Misericórdia, uma vocação que se mantém, assumindo-se como a guardiã da Igreja de Santo António, também conhecida por Capela da Misericórdia. Trata-se da Igreja do antigo Convento de Santo António, fundado em 1527. Construída no ano de 1536, a capela sofreu sucessivas obras de restauro. As mais significativas terão ocorrido em 1725, 1886 e 1894. Há cerca
de um ano, a Misericórdia empreendeu uma ampla obra de recuperação, que decorreu sob a orientação do padre Carlos Noronha. «Todas as imagens e os altares foram recuperados», explica o provedor, sublinhando que esta foi a última grande obra da instituição, que representou um investimento na casa dos 100 mil euros. A Igreja de Santo António foi classificada como Imóvel de Interesse Púbico pelo decreto 95/78 de 12 de Setembro.
Cuidados de saúde e armazém solidário «Concluímos que não tínhamos vocação para gerir os serviços de saúde», afirma o provedor, destacando as dificuldades de contratação de médicos, enfermeiros e auxiliares, mas sobretudo a gestão dos respectivos horários, de molde a garantir uma eficaz resposta para todos os utentes da instituição. A resposta foi procurar ajuda externa. «Fizemos uma consulta a todas as clínicas privadas», o que culminou com a celebração de um contrato. Numa segunda fase, foi o Hospital da Figueira da Foz que prestou, durante vários anos, esse serviço de assistência, mas «acabaria por desistir». A Misericórdia fez, entretanto, nova consulta e firmou
um novo acordo com a clínica do Dr. Pedro Santos. Em parceira com o Centro Paroquial de Buarcos, a Misericórdia – Obra da figueira tem um Armazém Solidário. Trata-se de um espaço onde existe roupa para criança e adulto, calçado, brinquedos, livros e mobiliário. «Não é uma loja social», sublinha o provedor, esclarecendo que se trata de artigos que são entregues à instituição e são devidamente seleccionados. Quem precisar de apoio basta telefonar para a Misericórdia (938 394 404 ou 233 407 750) ou para o centro Paroquial de Buarcos (961 721 972 ou 233 413 861).
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Casa dos Pescadores acolhe projecto de turismo social «Não nos limitamos a vender património, também investimos», afirma o provedor, referindo-se a algumas propriedades que a Misericórdia-Obra da Figueira tem vindo a alienar, uma vez que não se afiguram relevantes para o seu trabalho e a venda representam a possibilidade de criar uma muito útil almofada financeira. Quanto às aquisições, destaque especial merece a Casa dos Pescadores, um edifício de referência, localizado em Buarcos, devoluto há muito. Aoportunidade surgiu e emAgosto de 2014, a Misericórdia – Obra da Figueira adquiriu o edifício ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. Um investimento de 450 mil euros, que a instituição contratualizou pagar ao longo de 10 anos, mas que acabou por liquidar dois anos depois. O objectivo, explica Joaquim de Sousa, é criar a Pousada Senhora dos Navegantes, um espaço de turismo social, destinado a
Casa dos Pescadores vai acolher pousada
«acolher grupos de IPSS e outras instituições, para períodos de férias», bem como para garantir o acolhimento temporário de pessoas com problemas de saúde, de molde a permitir que as famílias curadoras possam ter as suas férias. A pandemia veio bloquear as obras, que
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começaram em Janeiro de 2019, com a perspectiva de estarem concluídas no Verão desde ano. Um atraso que adiou a entrada em funcionamento da Pousada da Senhora dos Navegantes, um nome que já suscitou o azedume da Enatur e do Grupo Pestana, que avançou com um processo em tribunal, alegando que a Misericórdia – Obra da Figueira «não pode usar o termo pousada». A pousada, que conta com o apoio financeiro do Fundo Rainha D. Leonor, vai ficar dotada com 10 quartos duplos, no edifício central, e a parte lateral vai acolher um hostel, com três camaratas de quatro pessoas cada, às quais se somam três quartos, com duas camas cada. O rés-do-chão vai acolher instalações médicas e de fisioterapia. Se a pousada está adiada para o próximo Verão, o mesmo não acontece com o valioso património religioso da Capela – Oratório de Nossa Senhora dos Navegantes. Com efeito, a instituição empenhou-se em garantir a sua recuperação célere, reaberta ao culto em Dezembro de 2014 e entregue, em regime de comodato, à Paróquia de Buarcos.
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Lar Costa Ramos é o herdeiro do antigo Asilo da Infância
A Obra da Figueira: um exemplo de cidadania A Obra da Figueira nasce do empenho da sociedade civil, resultante de um sentimento particular de gratidão, depois de o ministro da Guerra assinar um despacho (Janeiro de 1897) para que as duas baterias de artilharia do regimento 3, de Santarém, se transferissem para a Figueira da Foz. Um «importantíssimo melhoramento», que a Associação Comercial, à data presidida por José Jardim enaltece. Com palavras e com actos. Além da sessão solene para receber os oficiais, lança-se o desafio a «todo o commercio, pedindo o seu concurso para a realização d’um grande bodo aos pobres, ou fundação ou qualquer instituição de beneficência, que commemore este notável acontecimento da história da Figueira», refere António dos Santos e Silva em “A Obra da Figueira – Uma consciência de Cidadania”. «Deste modo, logo na sessão, ficou expressa a motivação da criação da futura “A Obra da Figueira”: responder a um benefício importante para o desenvolvimento da cidade com uma realização de carácter social e filantrópico». O objectivo era claro: «a fundação de um asylo destinado a recolher as creancinhas que a má sorte comdemnou desde o berço às duras privações da miséria ou da orphandade». No dia 7 de Fevereiro, era lançada a primeira pedra do asilo e os estatutos da instituição, A Obra da Figueira, seriam aprovados mais tarde, a 29 de Julho de 1904. O
Asilo da Infância abriu a 11 de Fevereiro de 1906, numa cerimónia «muito concorrida e emotiva». Foram 11 as raparigas que acolheu, «algumas d´ellas saidas dos meios mais desgraçados estavam, certamente, comdemnadas à perdição», recorda o autor. Em Setembro de 1909, a instituição ganha uma nova valência, destinada a «recolher e amparar os velhos de ambos os sexos, inválidos do trabalho, naturais do concelho da Figueira ou que n´elle tenham trabalhado durante a maior parte da vida». Uma obra que, recorda o autor, resultou da «importante doação de D. Teresa da Conceição Xavier Ramos», que incluiu um «amplo edifício», uma «avultada importância destinada à adaptação» e um título de rendimento de 400 mil réis anuais. Era o Asilo Costa Ramos, assim designado em homenagem ao primeiro marido da benfeitora, já falecido, que abriu as portas a 8 de Setembro de 1909, com «seis idosas e dois idosos». Em Dezembro de 1924 José Jardim, que continuava a presidir à direcção (faleceu em Maio de 1929), manifestava a sua preocupação com as «dificuldades económicas com que a instituição se começava a debater». O novo director, António Silva Biscaia, empossado em Dezembro desse ano, avançou, escreve António dos Santos e Silva, com «inúmeras diligências, no sentido de obter receitas: peditórios por todo o
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concelho e junto do emigrantes figueirenses do Brasil, América e África; cortejos de oferendas nas freguesias, récitas, saraus, sorteios, tômbolas, quermesses, verbenas de caridade, garraiadas e festas taurinas, serões d’ arte, chás dançantes», adianta. «Com os altos e baixos de qualquer empresa humana, sempre à mercê da dedicação e da generosidade dos figueirenses, “A Obra da Figueira “ atinge, em 1954, o meio século de existência. Apesar de todas as dificuldades, continua a levar por diante o sonho filantrópico que lhe dera origem». Na altura, refere o autor do opúsculo, o Asilo Costa Ramos acolhia 79 seniores – 51 aguardavam vaga – e o Asilo da Infância tinha 54 meninas – 19 em lista de espera. Neste espaço funcionava, desde 1929, uma escola primária oficial, também aberta a alunas externas. António da Silva Biscaia morre em Fevereiro de 1970, depois de 46 anos ligado à direcção de A Obra. Uma morte que, no entender de António dos Santos e Silva, representa, também, «de certo modo», a morte do «espírito e do estilo» que conduziram à fundação de A Obra da Figueira: «Aquele modo popular de fazer caridade; aquele pressuposto de que era à Figueira (cidade e freguesias) que cabia o imperativo moral de cuidar dos seus desvalidos (velhos e crianças); aquele apelo à participação caritativa dos figueirenses, de quem a obra era; e o pouco empenho e entusiasmo na obtenção de subsídios do estado – essa entidade distante e burocrática a quem se recorria só em última instância». A solução da «grave crise directiva» e a possível integração, «sem alteração da sua finalidade e para possível alargamento da sua acção, na Misericórdia» foram os temas da assembleia geral de A Obra, realizada pouco dias depois da morte de António Biscaia. A assembleia deu o seu aval, mas o desfecho deste «objectivo estratégico» só iria concretizar-se, efectivamente, em 6 de Julho de 1976. A Obra da Figueira «terminava o seu belo percurso individual de filantropia. Ia agora juntar as suas forças às de outra instituição de vocação semelhante e secular prestígio», escreve António dos Santos e Silva, perspectivando que «por muitos mais anos, ou séculos, o espírito e o nome de A Obra da Figueira continuarão a existir, dando seiva a uma Árvore de Solidariedade, ainda mais frondosa».
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Misericórdia instalou e geriu hospital Quatro meses depois do decreto da extinção das Ordens religiosas – 28 de Maio de 1834 – a Câmara da Figueira da Fiz remetia um ofício ao ministro do Reino onde pedia o Convento de Santo António para nele instalar um hospital. Um processo que, cinco anos depois, culminou com a fundação da Misericórdia, considerada a entidade que melhor poderia garantir a administração do hospital, que se verifica a 5 de Dezembro de 1839. João da Silva Soares Menezes foi o primeiro provedor. Pela frente tinha um desafio hercúleo: «a recuperação do património religioso e o arranque do hospital». José Pinto dos Santos, na obra “A Misericórdia da Figueira e o seu Hospital”(edição da Misericórdia-Obra da Figueira, 2004) sublinha a «perplexidade» que terá acometido a primeira Mesa, «confrontada com a magnitude das dificuldades que se lhe deparam: dão-lhe a metade de um convento em ruínas, esvaziado do seu recheio, pedem-lhe um hospital novo. E sem recursos de qualquer espécie». A primeira tarefa centra-se na recuperação do património religioso, «antes que o que existe se perca de vez», refere. «Só em 1841 a Misericórdia toma em mãos o que verdadeiramente justificava a sua criação: o hospital», adianta o autor. E, como não havia uma sala que «daria para enfermaria, resolve a Mesa reparar e adaptar a casa que existe por cima da sacristia e cozinha». Duzentos e cinquenta e seis mil e duzentos reis era o orçamento, mas no cofre só havia setenta e três mil e quinhentos reis, o que leva a Mesa a «ratear por todos os mesários a quantia que faltasse para complemento a obra (…), por esmola ou por empréstimo». «A 25 de Março de 1844 é finalmente aberto o hospital, com apenas três doentes, “o máximo visto os exíguos recursos da Santa Casa não permitirem o internamento de mais”». O Hospital começava a funcionar e, ao mesmo tempo, entrava em funcionamento uma verdadeira “máquina” solidária para reunir o dinheiro necessário à sua manutenção. Um desígnio cumprido, à custa de imaginação e esforço. José Pinto dos Reis lembra o acordo com os negociantes ingleses estabelecidos na vila, por cada navio entrado no porto e o pagamento de uma “taxa”por cada pipa de vinho ou aguardente
Hospital inaugurado em Março de 1844
que ali embarcasse. Também uma “praça de touros” foi um “argumento” para reunir fundos, bem como cortejos de oferendas, verbenas, espectáculos, a venda da flor, quermesses, um leilão de jóias em depósito (Fevereiro de 1959), jogos de futebol, sorteios. Quaresma Ventura, em “Misericórdia – Obra da Figueira”, destaca, em 1934, um sorteio cujos prémios eram atribuídos em função dos números da Lotaria de Natal. «Havia em disputa cinco prémios valiosos, sendo o primeiro um automóvel Ford» e os restantes uma telefonia, uma máquina de escrever, um relógio de ouro, e «um adereço de pedras finas». No mesmo ano, o hospital era apresentado com orgulho: «modesto mas asseado», onde «felizmente nada lhe falta para exercer a sua missão sublime: 7 enfermarias, 10 quartos particulares, 2 bancos onde se fazem mais do um milhar de curativos por mês, salas de operações e autópsias, laboratórios de electroradiologia e de análises clínicas, etc». Apesar dos momentos áureos, com a instalação do aparelho de raio x, laboratório
de análises, reformulação do banco, incremento das cirurgias, instalação do um dispensário antituberculoso, serviço de cardiologia e a participação de nomes sonantes da medicina, o espectro da crise ia dando sinais. “O Hospital da Figueira terá de fechar se não se lhe acudir sem demora”, noticiava “A Voz da Justiça”, em Março de 1924. Em 1967, o então provedor, Severo da Silva Biscaia, assumia um «défice orçamental» de «400 contos», refere Quaresma Ventura. O mesmo provedor dava conta de algumas remodelações e da necessidade, transmitida à tutela, de «remodelar (ampliar) o Hospital ou então construir um novo edifício (no campo da mata), cujo custo oscilaria entre os 15 e os 16 mil contos». «Através de pequenos legados, esmolas e outras generosas contribuições e graças a uma administração rigorosa e dedicada, a Misericórdia não se ficou pelo sonho de um punhado de homens de boa vontade, antes se tornou uma realidade», refere José Pinto dos Reis. O autor destaca como, com a «benemérita colaboração dos irmãos Ferreira de Loureiro e o generoso contributo do provedor Afonso Ernesto de Barros, foi possível fazer surgir das ruínas o Convento de São Francisco um hospital modelar para a sua época». Diz ainda que, «após a administração do Visconde da Marinha Grande - Afonso Ernesto de Barros, que dedicou mais de 50 anos da sua vida à instituição – a marcha imparável do progresso deixou para trás o Hospital da Misericórdia, não deixando dúvidas sobre o seu destino». Em finais de 1971, um relatório da Direcção Geral dos Hospitais é bem expressiva da «estagnação do hospital: a lotação era, então, de 95 camas. Em 1887 era de 90...», escreve. Na reunião de 11 de Dezembro de 1974, o provedor, Severo Biscaia «anunciava a próxima retirada dos serviços hospitalares da Misericórdia e inquietava-se com a situação dos doentes idosos», propondo que se oferecessem as instalações para «nelas funcionar um lar-hospital para os alojar». O hospital, continua o autor de “A Misericórdia da Figueira e o seu Hospital” acabaria por ser extinto em 15 de Dezembro de 1975. Antes, em Junho de 1970, a assembleia geral da instituição aprovava, «por unanimidade», a proposta de união com A Obra da Figueira, recorda Quaresma Ventura.
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90 anos com Figueira da Foz Hospital
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HOSPITAL DISTRITAL PREPARA INVESTIMENTOS DE MAIS DE 8,5 MILHÕES 1975 “Nasceu” para outras funções, mas foi sendo adaptado e modernizado e hoje é uma referência regional. Obras vão permitir mais eficiência e melhor resposta à população
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o final da década de 40, esteve para ser colónia balnear, mas o edifício acabou cedido ao então Ministério da Saúde eAssistência para integrar o Hospital Ortopédico e de Recuperação (até à data designado HélioMarítimo), mas depois de mais de 10 anos fechado, um grupo de profissionais decide colocar as instalações ao serviço da comunidade, aquando de um surto de cólera que assolou o país. É depois convertido em Hospital Distrital Polivalente, permitindo a junção da ex-Casa da Mãe ao ex-Hospital da Misericórdia, sendo que a transferência de todos os serviços desta instituição para o novo estabelecimento hospitalar, veio a acontecer em Maio de 1975. Localizado na Gala (freguesia de S. Pedro), o Hospital Distrital da Figueira da Foz (HDFF) abrange os concelhos da Figueira e de Montemor-o-Velho e parcialmente, os de Soure, Cantanhede, Mira e Pombal, sem prejuízo do disposto pelas redes de referenciação hospitalar, no contexto do Serviço Nacional de Saúde. A sua base de actuação é «a prestação de cuidados de saúde de qualidade à população em geral, acessíveis em tempo oportuno», sem perder de vista, a sustentabilidade económica e financeira, «através da promoção da eficiência, na utilização dos recursos e da eficácia nos resultados». O actual modelo organizativo do HDFF assenta numa filosofia departamental, com uma lotação de 154 camas, distribuídas por Área Cirúrgica (70), Área Médica (63), Pediatria (9) e Unidade de Internamento de Curta Duração (12). A Urgência Médico-Cirúrgica, com urgência de adultos e de pediatria, funciona 24 horas por dia. Desde Setembro de 2018 tem como presidente do conselho de administração, Manuel Teixeira Veríssimo, vogal executivo Ana Raquel, directora clínica Maria Susana Magalhães e enfermeiro-director Miguel Dias da Cruz. Previsto há vários anos e sucessivamente
Modernização do Hospital é um desafio e um trabalho contínuo
adiado por “obstáculos” diversos, a construção do novo bloco operatório começa agora a concretizar-se, obras «já em marcha» e que rondam os 3,5 milhões de euros, comparticipadas com fundos comunitários e verba do próprio hospital. O prazo de execução é de 18 meses, para uma infraestrutura considerada «fundamental, porque o bloco está com uma capacidade diminuta para responder a todo o potencial de produção e aos doentes com necessidades de cirurgia». Palavras do presidente do conselho de administração, que acrescenta que em fase de concretização está ainda «a climatização dos Serviços de Ortopedia e Especialidades Cirúrgicas», intervenção patrocinada pela EDP. Também em curso está o projecto de Eficiência Energética, no valor de dois milhões de euros, que conta com investimento do HDFF e 50% de comparticipação de fundos comunitários (POSEUR). Teixeira Veríssimo elenca ainda o processo de modernização administrativa, também em curso, que implica um investimento de três milhões de euros e envolve “passos” como o “Hospital sem papel”, a instalação de
quiosques (concretizada) onde os utentes podem fazer o seu registo de consultas e pagamentos, entre outras operações, permitindo ainda «grandes avanços nos sistemas de receitas electrónicas». Processo em «boa velocidade», para continuar em 2021. Em “andamento” está igualmente um projecto «para redimensionamento e melhoria do parque de estacionamento», em fase de candidatura para a exploração, que deverá ficar concluído este ano, esperando ainda o responsável hospitalar «que fique definida a readaptação» daquele espaço. Em cima da mesa, mas (ainda) sem financiamento, que Manuel Teixeira Veríssimo espera se concretize em 2021, «é a substituição de todos os telhados nas zonas de apoio, que são de amianto. Há anos que existe verba no Orçamento do Estado, temo-nos movimentado para a tentar obter, que ainda não chegou», disse. Em suma, conclui, «são obras com verbas aprovadas de mais de 8,5 milhões de euros», num trabalho que tem de ser «continuo, particularmente num hospital antigo como este, que vai precisar sempre de outros investimentos».
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Águas da Figueira 90 anos com Figueira da Foz
Desafio: reduzir o preço da água Criada em 1999, a Águas da Figueira surgiu com o propósito de dar solução ao «ciclo urbano completo da água», numa altura em que o país passou a ter «metas comunitárias muito apertadas, de 95% no abastecimento de água e 70% no saneamento». Os municípios, recorda João Damasceno, procuraram as melhores soluções para atingir essa meta, numa altura em que «não havia fundos comunitários». A Câmara da Figueira da Foz, à época presidida por Aguiar de Carvalho, entendeu optar pelo «regime da concessão do serviço». «Foi um salto qualitativo», garante, lembrando que, «nos primeiros 10 anos, através do regime de concessão, a Figueira «atingiu todas as metas comunitárias e uma performance no abastecimento e no saneamento que cumpria os melhores modelos». «Nos primeiros 10 anos fez-se um investimento fortíssimo, de 48 milhões de euros», que permitiu criar as infraestruturas e «atingir os melhores indicadores». De então para cá, nos últimos 10 anos, a aposta é na eficiência, através das melhores soluções tecnológicas. O sistema de concessão e uma vez que não houve fundos de apoio, acabou por ter um ónus: o agravamento do preço. João Damasceno reconhece isso. «É a parte “negra”», diz, mas tem vindo a melhorar. «Há 10 anos a Figueira tinha a água mais cara do país, agora estamos em 50.º lugar», refere, salientando que também aqui houve «um salto» em termos de redução do preço, que vai continuar a fazer-se sentir para o ano (menos 0,57%). O que é possível porque «gerimos as “coisas” ao cêntimo». Quando à qualidade, nada a dizer. «Os dados do regulador apontam 99,5% de cumprimentos, quase 100%», remata.
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GESTÃO EFICAZ DA ÁGUA 1999 Os 10 primeiros anos de vida da Águas da Figueira foram dedicados ao cumprimento das metas da União Europeia. Na última década, o investimento centrou-se na eficiência e na eficácia
Empresa pretende fazer chegar sistema “Conta-Gotas” aos 42 mil clientes até 2023
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oi alertado para uma avaria no autoclismo do quarto-de-banho de sua casa que não imaginava existir? Ou foi para o “pinguepingue” da torneira da cozinha que foi chamado a atenção? Um e outro fazem parte de uma lista de alertas que a Águas da Figueira faz aos clientes sempre que se verificam perdas ou roturas. Surpreso? É a tecnologia ao serviço da eficácia e, neste caso, da poupança, na conta e na água. Uma resposta possível graças a uma solução tecnológica, que a empresa começou a implementar há quatro anos. Trata-se do “Conta-gotas”, o serviço de telemetria da Águas da Figueira. João Damasceno, director-geral da empresa, esclarece que as perdas de água provocadas por uma avaria no autoclismo podem atingir os 20 a 23% e o pingar de uma torneira pode «encher quatro cafeteiras de litro» num dia. Números que são mais relevantes se pensarmos que muitas das habitações da Figueira da Foz ficam fechadas durante alguns meses. «Nós avisamos», salienta o responsável, que destaca a im-
portância deste serviço. A comunidade também reconhece, de tal forma que a Águas da Figueira, aumentou substancialmente a sua notoriedade. Dados de um consultor externo, num inquérito de satisfação aos 42 mil clientes da empresa, registaram um grau de satisfação exemplar. «Éramos a pior empresa e, em dois anos, passámos para o primeiro lugar». «70% das pessoas responderam que o serviço estava muito melhor», adianta o directorgeral.Um projecto que faz parte do trabalho desenvolvido nos últimos anos, que tem «como foco a eficiência» e, que, com recurso a «soluções tecnologicamente avançadas», permitiu operacionalizar este serviço de telemetria e avisar os clientes das fugas e roturas. «Temos níveis de rotura e fuga na ordem dos 55 litros por ramal/dia», esclarece, apontando para um «nível de perda de 17%», um indicador que considera muito positivo, em comparação, por exemplo, com a EPAL, que tem uma média de 150 litros/ramal. O sistema “Conta-gotas” foi implementado há quatro anos e neste momento
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abarca «mais de 10% dos clientes». «Contamos, em 2021, atingir os 50% e, nos dois anos seguintes, chegar à totalidade» dos 42 mil clientes da empresa, esclarece João Damasceno, sublinhando que esta é uma «aposta para o futuro». Igualmente para o futuro é a «digitalização de todo o serviço, para que o cliente possa ter acesso a tudo sem se deslocar à loja. É um salto muito grande, que pretende facilitar a vida ao cliente», destaca. O futuro também passa por dar continuidade à «substituição das estações elevatórias de esgotos por soluções de última geração». «Vamos continuar a investir», diz João Damasceno, referindo uma operação que já permitiu resolver um conjunto de problemas, designadamente de odores, que se faziam sentir na Torre do Relógio, Ponte Ga-
90 anos com Figueira da Foz Águas da Figueira
lante, Muralha de Buarcos, ou mesmo descargas na ilha da Morraçeira ou na Praia de Buarcos. «Temos 150 estações elevatórias de esgoto» e, nos últimos 10 anos, a empresa tem «investido muito» nesta área. João Damasceno destaca o facto de a Águas da Figueira ter «adaptado» a sua estrutura «para receber efluentes industriais». «Era algo que estava esquecido», mas que, com «uma visão de futuro, se resolveu, com as empresas a encaminharem os seus efluentes para as nossas estações de tratamento». Um processo que contou com o necessário “agrement” prévio da Câmara, pois a Águas da Figueira «tinha a concessão do tratamento de efluentes domésticos, mas não tinha de tratamento de efluentes industriais». Seguiu-se um contacto com todas as empresas, pois «cada caso é um caso», e a
Combate às perdas é uma prioridade da empresa
celebração de protocolos para o tratamento de efluentes industriais, da mais diversa natureza, exigiu uma «adaptação das nossas estruturas». Um processo supervisionado pela entidade reguladora e pela Câmara. O sistema, assegura, tem funcionado bem. «Prova disso é
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que este ano, durante toda a época balnear, não se registou nenhum incumprimento em qualquer das praias do concelho». Mais, a «praia do rio era conhecida como a “praia do cagalhão” e hoje é uma praia com Bandeira Azul», faz notar. «Isso reflecte que todo o sistema está a funcionar bem». Recorda, de resto, que este ano, designadamente as empresas conserveiras tiveram, devido à pandemia, um aumento substancial da laboração, o que se reflecte ao nível dos efluentes. «Foi a prova de fogo para o sistema, e funcionou bem», conclui. Também com os olhos postos no futuro estão «projectos inovadores», designadamente no tratamento de efluentes com micro-algas, em parceria com algumas indústrias, bem como a recuperação de fosfatos nas ETAR.
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ACIFF 90 anos com Figueira da Foz
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ACIFF CONFIANTE NO FUTURO E NA DINÂMICA EMPRESARIAL 2019 O ano passado (re)iniciou a feira de actividades. Conciliar indústria, turismo e sustentabilidade ambiental são os desafios do futuro
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egalmente constituída em 1835, a ACIFF (Associação Comercial e Industrial da Figueira da Foz), foi a terceira associação empresarial do país (a seguir à de Lisboa e do Porto). Instalada na Casa do Paço, tem acompanhado o desenvolvimento do tecido económico, pugnando pelo progresso e dando voz aos empresários. Nuno Lopes é o actual timoneiro de uma nau que tem sofrido alguns “rombos” e que gerações de figueirenses têm tentado consertar. Todavia, o ciclo “vicioso” vai-se repetindo e, tal como no passado, há obstáculos difíceis de ultrapassar. Aludindo a um relatório de 1894, realça que, à época, se identificavam três graves problemas: «o assoreamento da barra, falta de condições da linha-férrea e o afastamento dos sócios da associação. Continua actual», refere, focando a «mais-valia» da proximidade do porto com a linha-férrea e o facto «das pessoas estarem unidas. O que faz a força é a união, mas foi-se perdendo terreno e, passados tantos anos, estamos na mesma situação». Para as ligações ferroviárias há projectos e para o porto, tem havido «reuniões entre o município e a administração portuária, porque consideramos fundamental o aumento de calado e maior possibilidade de manobras, vitais para barcos de maior envergadura e que permitirão aumentar a capacidade da indústria de exportar e importar em maior quantidade». É uma obra «ímpar», suportada por fundos europeus e «financiada por privados», sinal de que «a Figueira acredita nesta obra e que vai chegar a bom porto», diz, esperançado que, no início de 2021 haja uma data para o início dos trabalhos. Outra esperança do presidente da ACIFF, é a ampliação do Parque Industrial, porque «tem havido procura e precisamos de investimento novo. Nos últimos dois anos encontramos duas barreiras: não éramos competitivos financeiramente e os terrenos
Nuno Lopes é presidente da ACIFF
ou não tinham dimensão necessária ou eram extremamente dispendiosos, comparados com concelhos vizinhos. Temos de ter condições físicas, localização, infraestruturas modernas e lotes a preços competitivos. No passado, perdemos uma série de investimentos e hoje estamos a pagar isso muito caro». Conciliar o desenvolvimento industrial com o turístico é algo que o dirigente defende, e por isso, enaltece os projectos de “união” entre campos de arroz, o salgado e a Serra da Boa Viagem e a ligação à Praia de Quiaios pelo Cabo Mondego. «Vai levar algum tempo, mas há projecto, caminho e meta. A Figueira tem a ganhar com esses projectos (e mobilidade suave, preservando a natureza)», mas, adverte, são de longo prazo e devem ser continuados «mesmo que mude a ACIFF ou a cor da Câmara, porque se for a retalho, agora faz um, depois vem outro e muda tudo, destruímos a cidade». Espera ainda «uma maior ligação da cidade ao mar», apontando como exemplo, uma piscina oceânica, entre a Torre do Relógio e o Oásis, proposta da Associação do Bairro Novo.
Ao contrário do que possa parecer, com a pandemia, a ACIFF saiu «reconhecida». A equipa técnica soube responder ao “desafio”, apoiando «quem era e não era sócio», sobre medidas disponíveis, projectos (“Figueira On”, “Selo Free Covid”) e acções de formação. «As dificuldades tornam-nos mais fortes, muitos associados já não se reviam na ACIFF, não sentiam valor acrescido, e neste momento é o contrário»,diz. Quanto ao futuro, Nuno Lopes pretende dar continuidade à “Figueira Sea”, uma feira do mar e da sustentabilidade, que se iniciou em 2019 e veio “substituir” a feira de actividades económicas que a ACIFF promoveu durante anos, com assinalável êxito. «Está tudo interligado. Temos de ter uma cidade segura, sustentável e se queremos desenvolver o turismo, é importante ter atenção à pegada ecológica. A ideia é que, em cada ano, cada empresa tenha a preocupação de inovar, sensibilizar e despertar para a preocupação da poluição dos oceanos, do ar e dos solos».
Incubadora: mar de oportunidades Na Incubadora de Empresas, no Parque Industrial (em que a ACIFF é parceira da autarquia), dezenas de jovens desenvolvem os seus projectos, na maioria auxiliados pelos técnicos do Laboratório do Marefoz (aí instalado) da Universidade de Coimbra. E é com orgulho que Nuno Lopes fala nas empresas vencedoras de alguns prémios, como a criação em “cativeiro” de ouriços do mar, de filtros através das algas marinhas, uma delas num projecto-piloto integrado no arroz para exportar para a China. Mas há também projectos – com verbas avultadas – de aquacultura, que, considera, «irá crescer imenso». Com a Universidade de Coimbra e outros pólos de investigação, realça, «está a fazer-se um trabalho para que possam surgir empresas nessa área, sempre a pensar que a economia do mar vai ser o futuro».
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90 anos com Figueira da Foz Minas de Carvão
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UNIDOS PELAS MINAS DE CARVÃO 1967 Exploradas durante dois séculos, as Minas do Cabo Mondego encerraram definitivamente em 1967 depois de um grande incêndio, em 1961
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anuel e Deolinda fizeram, há pouco, 50 anos de casados. Cresceram juntos no Bairro dos Mineiros (Bairro de Santa Bárbara), no Cabo Mondego. Ambos são filhos de mineiros. José Azevedo, pai de Manuel, e Serafim dos Santos, pai de Deolinda, foram alguns dos últimos braços activos das minas de carvão. Em causa está a mais antiga exploração portuguesa, em laboração desde meados do século XVIII. José Azevedo veio de Braga. Serafim Santos trabalhou no Couto Mineiro do Pejão, em Castelo de Paiva, e nas Minas S. Pedro da Cova, em Gondomar. Vivia-se o ano de 1947/48 quando se instalaram, com as famílias, no Cabo Mondego. Ambos trabalhavam na mina. Na linha da frente, a abrir caminho. «Eram eles que escoravam a mina», esclarece o casal. A ferramenta era uma machada e a madeira o material usado. Os gasómetros dos dois mineiros estão religiosamente guardados. Assim como o capacete de José, feito em couro, rígido, mas ainda sem luz. «Nesse tempo ainda não havia», esclarece. «Era o gasómetro que dava luz», alimentado por carbureto. «Se a luz apagava, era sinal que não havia oxigénio. Se fosse azul era logo dado o alerta, pois significava que havia gás», “grisu”, o mesmo será dizer risco de explosão. Deolinda devia ter 6 anos quando se deu uma grande explosão na mina. «O colega do meu pai morreu e ele ficou cheio de marcas na cara e sem orelhas. Sempre me lembro dele assim», diz. Quando saiu do hospital, regressou ao complexo mineiro, mas fora da mina. «Foi tomar conta do paiol» até à reforma. Manuel nunca trabalhou nas minas, mas palmilhou as galerias vezes sem conta, na companhia do pai, chefe de equipa, responsável pelas cofragens. «A mina tem cinco galerias», uma das quais «debaixo do mar», conta. José Oliveira, que faleceu há cerca de dois anos, foi o último mineiro do Cabo Mondego. Mas havia mineiros de outros sítios, refere o casal. De Quiaios, Murtinheira, Vais, Boa Viagem, Buarcos, Senhora da Encarnação. «Os “serranos” e os de Quiaios,
santa padroeira dos mineiros - (onde o casal continua a viver), cada um destinado à sua zona, onde as famílias coziam o pão. Também era no bairro, igualmente construído para servir o complexo mineiro, que funcionava a pré-escola e a escola. As casas eram atribuídas consoante o agregado familiar e, apesar dos mineiros as poderem comprar, ficava em aberto uma prestação. «Só ao fim de 10 anos a escritura podia ser feita», recorda o casal, esclarecendo que esta cláusula visava «manter ali os trabalhadores». Pelo menos uma década. Quando a mina fechou, o pai de Manuel Azevedo, assumiu, com «mais duas equipas», a tarefa de «tapar todas as bocas e chaminés». «São 6/7 bocas e 4/5 chaminés», refere, destacando a de Santo Amaro, com «20 metros». «Foi tudo fechado com cimento».
Manuel Azevedo mostra um gasómetro
os “cacheiros” não entravam por esta boca da mina, mas por uma chaminé», dizem, dando ideia da dimensão do complexo mineiro. «Trabalhavam ali mais mil e tal homens». Todos os dias, 24 sobre 24 horas, por turnos. «As “vagonas”- como designam as vagonetas - levavam os homens e traziam carvão, entulho e madeira». Antes de entrarem, todos os mineiros retiravam a sua chapa, que voltavam a colocar quando terminava o turno. Era o “relógio de ponto”, mas, sobretudo uma forma de saber que ninguém tinha ficado perdido na mina. «Era uma vida muito dura. Os mineiros morriam cedo. Eram velhinhos aos 50 anos», refere Manuel. «O gás roía-lhes os pulmões. Era a silicose», aponta Deolinda, lembrando que, além da reforma, quer o pai, quer o tio (igualmente mineiro) recebiam uma «pensão» por causa desta doença. Fora da mina «havia tudo: refeitório, caserna para os homens que não tinham família, posto médico, barbeiro, sapateiro», inclusive uma moagem para moer o grão, recordam, apontando, também, os seis fornos, erguidos no Bairro de Santa Bárbara –
Dois séculos de actividade Reza a história que terá sido um cidadão inglês, radicado na Figueira, a dar início à exploração, a partir de 1773. Durante mais de dois séculos, com altos e baixos, as minas do Cabo Mondego foram sempre exploradas. Quase um século depois da entrada em funcionamento, em 1874, a empresa mineira lançou o “Americano”, um mini-comboio que percorria os cerca de 6 km que mediavam entre a mina e a estação da caminho-de-ferro, transportando carvão e também passageiros. Com incontáveis “altos”e “baixos”o “golpe de misericórdia” das minas chegou em 1962. Vivia-se o mês deAgosto e um violento incêndio, na casa das bombas de uma das galerias, junto ao “poço 3”, veio decretar o encerramento desta galeria e a inviabilização dos trabalhos de exploração. Duas semanas depois do incêndio, rezam os relatos da época, ainda havia fumos, sinal que o incêndio continuava activo no interior da terra. Apesar da inundação, o fogo manteve-se latente, nos veios de carvão e, em Dezembro, voltou a dar sinal. A tentativa de debelar as chamas foi o “canto do cisne” da laboração das minas, que encerraram definitivamente em Fevereiro de 1967.
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Fábrica da Cal 90 anos com Figueira da Foz
Diário de Coimbra
CENTENÁRIA FÁBRICA DA CAL 2013 Exploração começou no início do século XIX e a produção foi bastante relevante. Fábrica encerrou em 2013
Fábrica da Cal está ao abandono, desde o final da exploração
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ilho de mineiro, foi na Fábrica da Cal, também no Couto Mineiro, que Manuel Azevedo encontrou o seu posto de trabalho depois de cumprir a tropa. Durante 35 anos tomou conta dos moinhos. Com manifesto orgulho, fala nos 14 fornos, com capacidade para três toneladas, onde a pedra era cozida, depois de britada. Um trabalho, de “enfornar”, que começou por ser feito à pá, com os fornos a serem cheios um de cada vez. Depois, foi mecanizado, de tal forma que «um homem sozinho tomava conta disto tudo», afirma. «A pedra sozinha não arde. Uma tonelada de pedra pede meia tonelada de carvão», faz notar, esclarecendo metodicamente o processo de produção, a partir da pedra, acabada de chegar da pedreira, até à obtenção da “farinha”. Manuel Azevedo começou a trabalhar na Fábrica da Cal em 1975 e ali se manteve até 2010, altura em que, com 62 anos, entrou na reforma. Trabalhava por turnos. “Pegava” três dias às 8h00 e tinha um dia de folga. Seguiam-se três dias a começar às 16h00 e uma folga, para terminar a “semana” com três dias a entrar à meia-noite e mais um dia de folga. «A fábrica trabalhava 24 horas e chegámos a produzir 40 mil sacos por dia», recorda. Mas quando saiu já não era assim. «Já pouca cal fazíamos, a fábrica funcionava com um único turno».
A exploração de cal hidráulica arrancou no Couto Mineiro do Cabo Mondego em 1801, com a construção do primeiro forno vertical. O objectivo era aproveitar «as favoráveis matérias-primas existentes e o carvão extraído da mina». Todavia, «apenas com o aparecimento da Companhia de Carvões e Cimentos do Cabo Mondego, a partir de 1938, é que começou a dar-se importância ao desenvolvimento do fabrico de cal hidráulica», refere Manuel Joaquim Moreira dos Santos. O autor da obra “O Complexo Industrial do Cabo Mondego – sua origem e evolução através dos tempos”, explica que, na década de 60/70, quando se assiste ao fim da exploração do carvão, a Fábrica da Cal sofreu «uma grande remodelação e incremento, com a instalação da “hidratação”(1961/62), da moagem n.º 3
Manuel Azevedo com a réplica que fez
(1962), ampliação da ensacagem, com máquinas “Haver” de quatro bicas (1963 e 1970), novo silo de cal pronta (1965), “preparação mecânica da matéria-prima”(1968), mecanização da “enforma”(1969) e moagem n.º 4 (1970)». A mecanização fez-se a montante e a jusante, uma vez que também o transporte da matéria-prima, das frentes da pedreira «deixou de ser manual e rebocada por “vagonetas” rebocadas por locomotiva Diesel, e passou a ser carregada por pá carregadora e transportada por camião para a instalação de britagem». Medidas que, de acordo com o autor, profundo conhecedor do processo, uma vez que foi director da Companhia de Carvões e Cimentos do Cabo Mondego, tornaram possível atingir, na década de 1961/70, a média anual de 59 mil toneladas, com um mínimo de 45.900 toneladas em 1964 e um máximo de 100.100 toneladas no ano de 1970». Um desenvolvimento que continuou, nas décadas seguintes, já sob a tutela da Cimpor.Afábrica, localizada numa zona ambientalmente sensível, acabaria por entrar em declínio e encerrou em Março de 2013. Restavam, então, 28 trabalhadores.
Réplicas preservam património Depois de se reformar, Manuel Azevedo dedicou-se à bricolage e “não tem mãos a medir”. Apaixonado por barcos, constrói réplicas perfeitas que lhe emolduram a sala e muitas outras que “embarcaram” para vários destinos. Traineiras a salvavidas, barcos de arrasto ou “transatlânticos”, todos ganham vida nas suas mãos. Mas a Fábrica da Cal deixou-lhe a marca de uma vida de trabalho e, por isso, também se empenhou em recriá-la. Madeira e esferovite foram as matérias-primas e, ao longo de um mês, a memória e o engenho de Manuel Azevedo caminharam lado a lado para erguer esta Fábrica da Cal em miniatura. E também construiu uma réplica perfeita do edifício-sede da empresa mineira, onde funcionavam os escritórios e o complexo social de apoio, com a caserna, posto médico, refeitório, barbeiro, sapateiro e moagem.
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Fábrica de Cimento 90 anos com Figueira da Foz
Enorme chaminé, em Buarcos, mantém viva a memória da unidade fabril
FÁBRICA DE CIMENTO: A ÚLTIMA APOSTA 1950 No dia 16 de Setembro de 1950 assistia-se à inauguração oficial da unidade fabril, que acabaria por encerrar em 1984
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nova fábrica ocupa uma área aproximada de 100 mil metros quadrados e tem uma capacidade de produção de 200 toneladas diárias, tendo entrado hoje mesmo em pleno funcionamento», escrevia o Diário de Coimbra na edição de 17 de Setembro de 1950, a propósito da inauguração da Fábrica de Cimentos da Companhia de Carvões e Cimentos do Cabo Mondego. Uma cerimónia que contou com a presença dos ministros da Economia e da Defesa e de um representante da Presidência da República, entre o vasto rol de convidados, recebidos pelos membros do conselho de administração da empresa, António de Sommer Champalimaud, Afonso Henriques de Sobral Mendes, Álvaro de Magalhães Júnior, Manuel Magalhães e Carlos de Noronha e Távora. A nova unidade está «dotada do mais moderno equipamento técnico, dispõe de
vias de acesso e de uma linha eléctrica de 30.000 vóltios para o seu serviço», acrescentava o autor da peça, destacando, com orgulho, o facto de se tratar de uma obra totalmente portuguesa, «desde o estudo à realização, exceptuando, naturalmente, os maquinismos». «Foi construído um silo que armazena cerca de 1.500 toneladas de matéria já devidamente homogeneizada e donde passa a massa gremelosa ao forno rotativo, com 88 metros de comprimento por 3 de diâmetro». Depois da bênção do forno rotativo, «seguiu-se uma visita ao bairro operário, com 36 moradias e à camarata com 130 camas, para mineiros solteiros. Trata-se de uma admirável obra realizada pela Sociedade Construtora Osmar, Lda., desta cidade», remata o autor da peça, que apresentava, ainda, os engenheiros Joaquim Torcato Álvares Ribeiro como director do posto, e Amílcar Marques como director técnico
Diário de Coimbra
do Couto Mineiro. No ano seguinte, um despacho do ministro da Economia autoriza a Companhia de Carvões e Cimentos do Cabo Mondego a instalar uma segunda linha de fabrico, com capacidade anual de 100 mil toneladas de cimento. Ao mesmo tempo, indefere o requerimento da empresa para prorrogação do prazo para instalar uma fábrica de chapa de vidro, autorizada em 1946. A Fábrica de Cimento continuou, todavia, a funcionar «com o seu único forno rotativo», na década de 1951/60, refere Manuel Joaquim Moreia dos Santos, na obra “O Complexo Industrial do Cabo Mondego – sua origem e evolução através dos tempos”. O autor, que foi director da Companhia de Carvões e Cimento do Cabo Mondego, e, mais tarde pertenceu ao primeiro conselho de gerência da Cimpor (1976 a 1979) faz notar a “estabilização”da produção, «à roda de 100 mil toneladas por ano», «vendo o tempo fugir, sem que fosse tomada, de facto, a decisão de ampliação das suas instalações com uma segunda linha, autorizada superiormente desde 1951». E continua: quando, nos finais da década de 60, «parecia ter chegado finalmente o momento de se vir a concretizar a sua ampliação, pela instalação da segunda linha fabril, viu serem embargadas as respectivas obras, já em fase de desenvolvimento, em Novembro de 1968, por intervenção da autoridade policial, a solicitação da Câmara Municipal», que vetou a empreitada. A “machadada” final foi dada pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em Outubro de 1970, que deu razão à autarquia. Ficava, assim, «definitivamente perdida a batalha em prol da Fábrica de Cimento», remata. A Fábrica de Cimento encerrou definitivamente a sua laboração em Fevereiro de 1984. Esta mesma indicação figura na placa instalada no sopé da imensa chaminé, localizada na Praceta Indústrias Cabo Mondego, em Buarcos, onde funcionou a fábrica. Apesar de as letras terem perdido a tinta, a inscrição recorda a instalação do «forno rotativo para uma linha de produção de 100 toneladas». «Inaugurada a 16 de Setembro de 1950, encerrou a sua laboração em Fevereiro de 1984», remata. A chaminé manteve-se erguida e preservada, por sugestão da Ordem dos Arquitectos, para simbolizar a primeira obra de betão construída em Portugal: a Fábrica de Cimento.
90 anos com Figueira da Foz Prego de Ouro
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“PREGO DE OURO” DISTINGUE LOCAL “ÚNICO NO MUNDO” 2016 Falésia da Murtinheira é reconhecida pela comunidade científica internacional como a “base do andar Bajociano”. Cerimónia reuniu figuras nacionais e internacionais
Cabo Mondego considerado Monumento Natural
Cerimónia realizou-se no dia 24 de Julho de 2016
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24 de Julho de 2016 escrevia-se mais uma página na história do património natural e esta com um carácter único. Falamos da colocação do “Prego de Ouro” - GSSP– Global Statigraphic Section and Point numa das falésias da Murtinheira, o único local no mundo que corresponde à base do andar Bajociano (176 milhões de anos), reconhecido pela comunidade científica. A testemunhar o momento estiveram figuras de proa da ciência, como os responsáveis da Comissão Estratigráfica do Jurássico da União Internacional de Ciências Geológicas, Stanley Finney e Sthephen Hesselbo; o presidente do Comité Nacional para o Programa Internacional de GeoCiências, Abreu Sá, aos quais se juntaram responsáveis da UNESCO, da Universidade, do Instituto Nacional de Conservação da Natureza e Florestas, entre outros. Stanley Finney e Sthephen Hesselbo destacaram o grande interesse deste património, que consideraram «uma referência internacional na geologia de todo o mundo», sublinhando a necessidade de a comunidade local «perceber a importância deste sítio». Numa cerimónia que o Diário de Coimbra acompanhou, Helena Henriques, docente
da Universidade de Coimbra e uma das investigadoras que mais lutou pela preservação e reconhecimento do Cabo Mondego, recordou o percurso que, ao longo de décadas as várias equipas desenvolveram para a classificação deste espaço. «É um local único no mundo, que representa este intervalo de tempo», explicou, realçando que esta ocorrência natural, pela sua raridade e representatividade, «exige conservação e manutenção», assim como toda a zona envolvente. «O que está à volta precisa de um plano de requalificação ambiental», defendeu, apontando as potencialidades educativas e na área do geo-turismo. O então presidente da Câmara, João Ataíde, enalteceu o esforço da comunidade científica e considerou esta «uma oportunidade de ouro» para «um grande envolvimento na valorização do espaço». Confiante, garantiu o seu empenho na «classificação de geo-parque», tendo em conta o «potencial imenso» do Cabo Mondego. Pedro Machado, presidente do Turismo do Centro, destacou as «particularidades relevantes» do sítio e o reforço que representa na «oferta integrada do Centro do país», que pretende ver a afirmar-se pela «autenticidade e genuinidade».
O decreto regulamentar 82/2007 consagra a “excepcional importância”, reconhecida “nacional e internacionalmente” do Cabo Mondego. «Os afloramento jurássicos do Cabo Mondego constituem um conjunto de excepcional importância, nacional e internacionalmente reconhecida. Além dos elevados valores presentes nos domínio da paleontologia e amonites, da peleoecologia de ambiente de transição, da sedimentologia e da paleoicnologia dos dinossauros, este conjunto sobressai, em particular, no domínio da estratigrafia. O perfil geológico da passagem aaleniano-bajociano, consagrado como estratotipo de limite pela International Union of Geological Sciences, constitui um padrão internacional de referência, que materializa e representa um limite específico do tempo geológico, o que acontece pela primeira vez em Portugal». Assim reza o Decreto Regulamentar n.º 82/2007, publicado no Diário da República de 3 de Outubro de 2007, que consagra o Cabo Mondego como monumento natural. «A qualidade exemplar do registo geológico dos afloramento emersos e submersos, expostos de forma contínua e correspondendo a um intervalo de 50 milhões de anos, conjugada com a situação geográfica estratégica, que proporciona excelentes condições de observação e estudo, conferem ao Cabo Mondego um valor científico, pedagógico e didáctico inexcedível, para além do seu grande interesse geomorfológico e notável qualidade paisagística», acrescenta.
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Cabo Mondego 90 anos com Figueira da Foz
Diário de Coimbra
HISTÓRIA COM 200 MILHÕES DE ANOS QUE O MUNICÍPIO QUER VALORIZAR 2020 Ambiente, turismo, investigação e conhecimento científico conjugam-se num projecto múltiplo, que também quer promover a coesão do território
É
uma “jóia da coroa”que a Câmara Municipal da Figueira da Foz quer valorizar, promover e preservar. São vários os projectos em carteira, que contemplam as acessibilidades, o ambiente, o turismo, mas também a investigação e o conhecimento. «O Cabo Mondego tem um passado que remonta há 200 milhões de anos», afirma o presidente, Carlos Monteiro, que está empenhado em dar uma atenção especial a esta zona do concelho, um “fim de terra” único, que não é nada mais nada menos que um parque jurássico de referência. «As primeira pegadas de dinossauro foram aqui descobertas», lembra o autarca. E se bem que estes testemunhos não sejam particularmente relevantes pela majestade, a verdade é que «estão lá». Da mesma forma como estão lá os testemunhos desta história natural com milhares de anos. Um conjunto de monumentos, fósseis e geológicos, que «provêm do tempo do Neolítico». Mas o Cabo Mondego apresenta, igualmente, testemunhos mais recentes, centenários, estes com a intervenção humana, resultantes de múltiplos investimentos industriais que tiveram o Cabo Mondego como porto de abrigo. Carlos Monteiro lembra que ali foi instalado «um dos primeiros complexos industriais do país», com a exploração das minas de carvão. Depois, e como «o carvão era pouco energético», a necessidade de rentabilização ditou a instalação de uma fábrica de produção de energia eléctrica. Seguiu-se uma fábrica de vidro e Bernardino Machado, enquanto ministro das Obras Públicas, em 1890, autorizou a produção de aço, que nunca terá avançado». Mais tarde sobreveio a produção de cal hidráulica. «Há aqui uma vasta história», afirma Carlos Monteiro, apontando para as muitas galerias, uma herança das minas, que ali existem, muitas das quais cheias de água e algumas mesmo escavadas debaixo do mar.
Cabo Mondego é um espaço único e com reconhecido potencial
Um espaço ímpar, que está prestes a ganhar uma nova vida. A começar pelas acessibilidades. De carro, a pé e de bicicleta. De acordo com Carlos Monteiro, a autarquia está a ultimar os preparativos para avançar com a ligação à Murtinheira, através da antiga estrada de “Enforca Cães”. «Será uma estrada panorâmica, para circular a 30 à hora, e que vai aproximar a parte Norte à Figueira, através de uma ligação mais rápida e panorâmica». O projecto, afirma, «está concluído, faltando apenas algumas autorizações», mas o concurso «será lançado ainda este ano», representando um investimento de 600 mil euros. Junto à antiga fábrica está prevista a passagem da ciclovia, que faz parte da rede europeia Eurovelo, um projecto com a chancela da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIM-RC), que garante a ligação de Buarcos à Murtinheira e a Quiaios. Um convite para passeios de bicicleta e a pé. «São duas ligações, ambas panorâmicas, uma para carros e outra para bicicletas e passeios», esclarece o autarca,
que destaca, igualmente, o papel que estas vias irão desempenhar no «aumento da coesão do território». «Quando estas passagens estiverem concluídas, a ligação de Buarcos a Quiaios e à Murtinheira será muito mais célere, e, sobretudo, muito mais bela», afiança. Carlos Monteiro destaca, ainda, o facto de o PDM permitir, para aquela zona, a instalação de «algum equipamento turístico», que tem excelentes condições para ser potenciado. Sublinha, também, os contactos da autarquia com a empresa Morro Vermelho, proprietária da antiga Cimpor. «É nossa intenção, havendo interesse em termos de ensino superior, que alguns dos edifícios possam ser utilizados como espaços de trabalho, de investigação laboratorial». Seria, considera, «uma forma de valorizar o espaço e aproveitar a mais-valia que o Cabo Mondego representa em termos de conhecimento científico virado para a chamada “economia azul”. «Esse trabalho está a ser feito. Estamos em contacto com instituições universitárias», assegura o presidente da autarquia.
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Diário de Coimbra 90 anos com Figueira da Foz
Aníbal José de Matos
António Quaresma Ventura
Diário de Coimbra
José Santos
DE “BRAÇO DADO” COM A FIGUEIRA 1930 Desde a sua fundação, o Diário de Coimbra sempre deu uma atenção muito especial à cidade e ao concelho da Figueira da Foz
U
m mês depois de ter iniciado a sua publicação, o Diário de Coimbra assumia publicamente o seu desejo de estar ao lado da Figueira da Foz e dar à cidade o seu contribuo. «Concorrer para a propaganda da Figueira e impulsionar o seu progresso económico e social», dizia. Um “desideratum”expresso na edição de 27 de Junho de 1930, que anuncia Mário Azenha como correspondente do jornal na cidade e a «conceituada Casa Havaneza, do dedicado figueirense e nosso estimado amigo, sr. José dos Santos Alves», encarregada da «missão de agente».«Mário Azenha é por demais um nome querido e apreciado pela Figueira que lhe deve relevantes serviços e assim a embaixada do Diário de Coimbra não podia ficar mais bem confiada», escrevia o jornal «São dois nomes que são duas garantias e bastante valiosas para a obra que o Diário de Coimbra se propõe efectivar em prol do progresso e desenvolvimento económico da Figueira e da sua região», sublinhava. Um registo de proximidade que o Diário de Coimbra fez questão de manter até aos dias de hoje. A Mário Azenha, «jornalista brilhante», seguiram-se outros colaboradores, que ao longo dos anos foram, diaa-dia, dando conta, nas páginas do Diário de Coimbra, dos factos mais relevantes
que marcaram a vida e a evolução da Figueira da Foz. Destacamos apenas alguns desses nomes, de um passado mais recente, que muitos dos leitores decerto recordam. Aníbal José de Matos foi um deles. «Trabalhei 40 anos para o Diário de Coimbra», afirma, recordando um percurso que começou nos anos 60. «Foram anos muito preenchidos», afirma, desfiando um rosário de memórias e vivências, que o levaram, exemplifica, a Salamanca, para a «cobertura de um torneio internacional de futebol». «Corri o país todo», particularmente a acompanhar os jogos de futebol da I e II Divisão. Mas se o Desporto e o acompanhamento da Naval o levou a muitos estádios, Aníbal José de Matos assume-se como um «jornalista de clínica geral», razão pela qual sempre fez de tudo um pouco. Exemplifica a cobertura de um congresso, realizado na Figueira, que lhe valeu a atribuição do Prémio Nacional de Agências Portuguesas de Viagens e Turismo, «religiosamente guardado», que foi receber a Viana do Castelo. Antigo chefe de repartição administrativa dos Serviços Municipalizados da Figueira da Foz, Aníbal José de Matos só em 1996 pôde assumir-se como jornalista profissional e apresentar a respectiva carteira. Mas o “bichinho” já vinha de longa data.
«Vem de família», refere, e conta que o pai foi director de O Figueirense e o tio um dos fundadores do jornal. Além do Diário de Coimbra, também colaborou com o Comércio do Porto e com a Rádio Difusão Portuguesa e fundou o «último jornal desportivo que se publicou na Figueira, o Figueira Sport». Quase a celebrar os 85 anos, Aníbal José de Matos toda a vida escreveu e também publicou vários livros. «Ultimamente, a vista atraiçoa-me um bocadinho», confessa, mas vai mantendo vivo o blogue, “Presente”, que criou há 14 anos.
“Actualidade e interesse” José Santos e António Quaresma Ventura reforçaram, a partir dos finais da década de 70, este projecto de proximidade que o Diário de Coimbra abraçou na Figueira da Foz. «As pessoas estavam habituadas a saber as coisas – através da imprensa local – 15 dias depois. Ver a notícia de um acidente logo no dia seguinte foi uma coisa extraordinária», recorda António Ventura. De raíz um homem da rádio começou a sua carreira na antiga Emissora Nacional e durante 30 anos trabalhou na Rádio Difusão Portuguesa (RDP), primeiro em Lisboa e depois em Coimbra – lembra o «fenómeno» que se vivia na época:
Diário de Coimbra
«Coimbra e a Figueira da Foz estavam muito próximas, mas simultaneamente muito afastadas. Em Coimbra, as pessoas não sabiam o que se passava na Figueira e vice-versa», uma situação tanto mais relevante quanto a “elite” de Coimbra «tinha casa na Figueira». Uma conjugação de factores que criaram um apetite especial para a leitura do jornal, para uma proximidade dos leitores e também das “forças vivas” locais. Uma nota que teve reflexos a outros níveis, com a Figueira a guindar-se a outros patamares e a ganhar espaço nos telejornais, «graças às notícias do Diário de Coimbra», adianta. José Santos lembra o «espírito fechado» de então, que trouxe algumas dificuldades. «Só podíamos assistir a uma reunião de câmara por mês, que era pública». Era presidente da autarquia, na altura, o reverendo José Manuel Leite que não permitia «fazer a cobertura» das outras reuniões do executivo. A solução, recorda, passava por «falar com alguns vereadores» e escrever a notícia. Numa das ocasiões, do noticiário da página da Figueira até constava o bolo
90 anos com Figueira da Foz Diário de Coimbra
A proximidade do Diário de Coimbra com a Figueira da Foz foi uma marca imprimida desde a génese do Jornal, há 90 anos, em 1930 A actualidade, a “informação na hora” foi um factor decisivo para a receptividade e adesão dos leitores ao Diário de Coimbra
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de aniversário da secretária do presidente. O autarca «ficou picado», afirma José Santos, recordando que o somatório de “investidas”acabou por levar o edil a «abrir a porta das reuniões» aos jornalistas. Com Joaquim de Sousa, o presidente que se seguiu, foi diferente. «Tinha outra abertura, outra experiência... tinha sido secretário de Estado», recorda A. Ventura. «A notícia funciona com dois ingredientes: a actualidade e o interesse», considera A. Ventura. «Principiámos com a actualidade, dar as coisas em cima da hora. Depois, foi o “boom”do interesse», recorda, destacando o acompanhamento dado ao intenso movimento cultural e associativo. As Jornadas de Teatro do Lions, o Festival Internacional de Cinema, o Festival Internacional de Magia (que lançou Luís de Matos) são alguns dos exemplos que apontam, lembrando a ajuda «preciosa» prestada por alguns colaboradores, designadamente António Pedro Pita, na área do cinema, e Deolindo Pessoa, no teatro, que deram, com o seu “olhar clínico”, uma «credibilidade acrescida» à informação.
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Diário de Coimbra 90 anos com Figueira da Foz
Os próprios eventos começaram a ter um efeito multiplicador. «Coimbra não tinha uma sala capaz e a Universidade remetia para aqui muitos congressos», recordam, lembrando o carácter pioneiro dos congressos de medicina do trabalho. Mas também de outros eventos. «O primeiro Ciclo de Gastronomia e Cultura surgiu na Figueira, em 1984», lembra A. Ventura, destacando as duas figuras de proa, Marcos Viena e João de Lemos, que acabaram por «criar uma crónica de crítica gastronómica a um prato da Figueira», adianta José Santos. Crónicas reunidas num livro, editado pelo município. O «bom relacionamento» com todas as entidades permitiu consolidar os laços e a informação. «Muitas vezes o carro dos bombeiros parava à minha porta e ia com eles», refere José Santos, que recorda a informação, dada em primeiríssima mão, aquando um descarrilamento do “foguete” em Taveiro, em meados dos anos 80. «Fui buscar o Formidável ao Casino e conseguimos chegar a Taveiro», antes mesmo da equipa que estava de serviço, à noite, no Diário de Coimbra, uma vez que «as estradas
estavam todas cortadas». «Nos últimos 200 metros, tivemos que atravessar uma vinha e o Formidável caiu duas ou três vezes, mas chegámos lá», recorda. Dificuldades? «Muitas, mas ultrapassadas com prazer», diz A. Ventura e confessa: «o meu maior prazer sempre foi estar no café e ver, ao lado, as pessoas a lerem o que tinha escrito». E evoca as palavras de Miguel Torga: “As árvores não sabem explicar os seu frutos, mas gostam que lhos comam”. É assim, também, com os jornalistas. «Os jornais esgotavam», atira José Santos, que recorda, ainda, uma viagem a Bruxelas, para acompanhar a equipa dos Jogos sem Fronteiras. «Estava no hotel e chamaram-me. Tinha o embaixador de Portugal à minha espera. Era assinante do Diário do Coimbra, tinha lido a notícia sobre a nossa presença e fez questão de nos ir cumprimentar e de nos apresentar a cidade». Uma das muitas histórias que viveu ao serviço do Diário de Coimbra.
Carrinha transportava bolos e.... notícias Num tempo em que não havia telemóveis
Diário de Coimbra
nem Internet, a logística para fazer chegar as notícias à redacção era simultaneamente simples e complexa. Um trabalho feito pela carrinha da Pastelaria Império, que ficava ao lado das instalações do Diário de Coimbra que tinha uma filial na Figueira. «A carrinha trazia os bolos e levava as notícias», que «tinham de estar prontas até às 14h30». A viagem «chegava a demorar 3 a 4 horas» e houve mesmo notícias que se “perderam”. A alternativa era um autocarro da empresa Moisés, também com instalações perto do Diário de Coimbra. José Santos recorda um “incidente” com as fotos de uma aterragem forçada de um avião da Força Aérea na Costinha, perto de Quiaios. Depois de «quatro horas para chegar ao local e tirar as fotos», seguiu-se a operação de montagem da gravura – que tinha começado a ser feita na Figueira – remetida para Coimbra no autocarro. «A viatura avariou e foi substituída, mas o motorista esqueceu-se de levar o envelope com as gravuras». Resultado, às tantas da noite, andava José Santos na Pedrulha, à procura do autocarro para recuperar as gravuras. E conseguiu!
O jornalismo no feminino Vinda de Braga, chegou à Figueira em 1982, numa altura em que as “rádios-pirata” começavam a dar que falar e foi na Rádio Clube Foz do Mondego que Bela Coutinho começou a sua carreira profissional. Primeiro a fazer programas, com «outras pessoas», depois sozinha. Quando arrancou o projecto de informação na rádio, coube-lhe o desafio, tendo em conta as “luzes” de um curso de Jornalismo que frequentou. O gosto pela escrita levou-a, mais tarde, a aceitar um reptum do Jornal de Notícias, do qual foi correspondente até ao ano de 2000, altura em que reforçou a equipa do Diário de Coimbra, que ainda contou com a colaboração de Paulo Gonçalves e Rogério Neves. «Durante muito anos fui a única mulher no Jornalismo, na Figueira da Foz», recorda, lembrando o desafio que representou o assegurar uma página de informação todos os dias, e o «grande apoio» de José Santos. «O grande prestígio e o respeito» pelo Diário de Coimbra também ajudou. «Apresentar-
Bela Coutinho
-me como jornalista do Diário de Coimbra representava um “livre-trânsito”», sublinha. Na sua já longa carreira, Bela Coutinho recorda o «ritmo alucinante» imprimido por Santana Lopes, enquanto presidente da Câmara Municipal. «Chegámos a ter
conferências de imprensa às onze da noite, marcadas com uma hora de antecedência», refere, mas também os vários acidentes, particularmente «com vítimas mortais», que «nos marcam sempre». O acompanhamento do pulsar da cidade, a proximidade com as muitas colectividades do concelho, as «tradições curiosas», os “segredos” da gastronomia – como a hortelã na feijoada – são algumas das “memórias” que destaca. Bela Coutinho aponta, ainda, o acompanhamento da comunidade piscatória, recordando, «com carinho, as saídas de mar, para melhor conhecer a faina», mas também os momentos tráficos, decorrentes de naufrágios. Ainda “a bordo”, lembra as viagens nos navios-escola “Sagres”e “Creoula”, que proporcionaram uma experiência única, o mesmo acontecendo com a visita ao Parlamento Europeu ou a cobertura da Europeade, em Espanha. Um trabalho de todos os dias, «sem rotinas», que continua «a apaixonar», garante.
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90 anos com Figueira da Foz Verallia
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VERALLIA:I A MAGIAI DO VIDROI
Instalações da antiga Vidreira da Fontela ganharam uma nova vida e a Verallia é actualmente uma empresa “top” no mercado
1987 Multinacional instala-se no país e escolhe a Figueira da Foz como espaço âncora. As suas garrafas, garrafões e boiões representam 40% do mercado nacional
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arecem línguas de fogo, que brotam compassadamente do forno, a uns bons metros de altura. Descem numa sintonia perfeita, na cadência certa. A tecnologia é posta à prova e não falha. Certeiras, as gotas rubras entram no molde e, no sopé desta “montanha” de maquinaria, “nascem” milhares de garrafas. São dois fornos, a trabalhar em simultâneo. 11 linhas de produção, sempre, sempre a mostrar trabalho. 24 horas por dia, sete dias por semana.Ainterferência humana é quase nula, mas há um olhar sempre atento a supervisionar todo o processo. A segurança é a palavra de ordem e ninguém ali entra sem que esteja equipado com os adereços necessários. Sobretudo botas de biqueira de aço, fato de protecção, protectores auriculares, óculos. O termómetro sobe, ultrapassando os valores de um clima tropical. Mas é nos fornos que se sente a força do calor, com 1.500/1.600 graus. A temperatura que permite a fusão das matérias-primas. Uma realidade só
acessível através das imagens transmitidas pelas câmaras. É um mundo fantástico, surpreendente, onde a magia acontece a toda a hora. Não por artes de malabarismo, antes pela eficácia da técnica. Tecnologia de ponta que substitui a força de braços e faz parecer simples um complexo processo de fusão, primeiro, e de modelagem, depois, descoberto pelo Homem há mais de cinco mil anos. Areia, soda e calcário são as matériasprimas base que permitem a criação do vidro, um elemento fundamental que faz parte integrante das nossas vidas. Na Verallia é isso que acontece. Cria-se vidro sob a forma de garrafas, garrafões, boiões. Para vinhos de mesa, do Porto, espumantes. Mas também para aguardentes e licores, cerveja, águas, refrigerantes, sumos ou azeite. Um mundo onde há muito para descobrir. Se tem dúvidas, faça o teste: «quatro em cada 10 garrafas que tem na despensa da sua casa ou que encontra nas prateleiras
do supermercado são “made in” Figueira da Foz». «Temos uma quota de mercado de 40%», afirma, com notório orgulho, Célia Carrasqueiro, directora de recursos humanos da empresa. Uma unidade fabril de referência, que surgiu em Portugal em 1987, quando o Grupo Saint-Gobain decide adquirir as instalações da antiga Vidreira da Fontela, um ícone no seu tempo. Uma decisão que se prende, sobretudo, com a «localização estratégica». Célia Carrasqueiro recorda que, na altura, a Saint Gobain «andava à procura de uma localização física em Portugal», onde não tinha qualquer fábrica ou ponto de venda. A antiga Vidreira «era “ouro sobre azul”, pela centralidade», junto a um porto de mar, com uma linha de caminho-de-ferro que chegou a passar dentro da fábrica. Mas também muito próximo dos clientes de eleição: «as cervejeiras, os vinhos, os espumantes». A meio caminho entre o Douro e o Alentejo, a Figueira da Foz revelou-se o local certo.
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Verallia 90 anos com Figueira da Foz
A multinacional “herda”a casa e também alguns profissionais da antiga vidreira, mas muda radicalmente a trajectória. À produção de vidro plano, garrafas e garrafões, sucede-se uma aposta centrada na produção de garrafas. O método arcaico é substituído por tecnologia de topo. Em 12 de Outubro de 1987, seis meses depois de fechar negócio, a Saint-Gobain tem a funcionar as primeiras quatro linhas de produção e apresenta a sua primeira garrafa. De então para cá, o crescimento tem sido uma realidade, mas sempre «alicerçado em dois grandes pilares: tecnologia de ponta, mas amiga do ambiente», salienta a responsável, há 24 anos ligada à empresa. O que justifica o investimento de muitos milhões, mas também as oito certificações que ostenta, e que vão desde a qualidade à inovação, passando pelo ambiente, segurança e saúde, higiene e segurança alimentar e sistema de gestão de energia. As preocupações ambientais e o desejo de reduzir a pegada ecológica são visíveis no investimento para a redução das emissões gasosas, mas também no cuidado em usar vidro reciclado como matériaprima. «70% é o mínimo. Oscila entre 70 a 90%», adianta Cátia Carrasqueiro. Mas a recolha de vidro em Portugal está muito longe de satisfazer as necessidades. «Vêm barcos do Norte da Europa», sobretudo do Reino Unido e da Bélgica, com carregamentos de toneladas de vidro usado que vai ser utilizado no “casco”, como matéria-prima para a fusão, depois da necessária triagem, limpeza e moagem, que vai permitir criar um novo vidro. A empresa possui dois fornos, com 220 metros quadrados cada, que representam uma «capacidade de extracção de 220/230 toneladas/dia de vidro». Na forma de garrafas, garrafões ou boiões. Os mais pequenos com 6 cl, destinadas ao Martinito. Os maiores, de 5 litros. Podem ser de cor branca, branco azulado, âmbar, castanha ou verde. O conteúdo dita a diferença. São «milhões de unidades» fabricadas por dia, de tal forma que é difícil contabilizar e o mais fácil é mesmo falar em toneladas, de vidro, em forma de garrafas. «O vidro é o futuro. É 100% reciclável e a reciclagem não tem limites. É um produto inócuo, protege dos raios ultra-violeta e de agressões e enobrece qualquer produto», refere Cátia Carrasqueiro. A responsável assume que, hoje em dia, a empresa «não
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tem capacidade de resposta para tantas encomendas», o que considera «reconfortante» para quem ali trabalha, pois mostra a «solidez» do projecto e «uma empresa com futuro». Futuro que passa, já no próximo ano, pela reconstrução do forno um (têm uma vida útil média de 10 anos), o que representa um investimento de «muitos milhões de euros». No ano seguinte será a vez do forno dois e de toda a linha de produção. «Significa uma fábrica nova», que deverá ficar pronta em 2022/23.
& Criatividade, destinado a alunos do ensino superior, depois de uma experiência bem sucedida em França e em Espanha. Este ano, tendo em conta a situação peculiar, foi efectuada uma edição ibérica. Trata-se de um desafio «muito importante», porque «não há barreiras», explica Cátia Carrasqueiro, o que significa que os designers «não têm limites» e, por isso, «nascem modelos super inovadores», alguns dos quais são mesmo «aproveitados» e «apadrinhados» por clientes da empresa, convidados a integrar o júri.
Respostas para todos os gostos A produção da Verallia destina-se basicamente ao mercado nacional. «90 e muito por cento é para o mercado interno», no quadro de uma estratégia do grupo, que tem fábricas em vários países e aposta nas sinergias de grupo, quando necessário. Todavia, tem uma equipa pronta a estudar as necessidade e dar a melhor resposta ao cliente. É a Sala Inovação, que, de forma criativa e original, apresenta soluções, com imagens 3D, que permitem visualizar o produto, por exemplo, na prateleira de um supermercado. O grupo também possui uma “Selective Line”, produzida em França, com catálogo, que representa a “gama alta”, onde se incluem, exemplifica, embalagens com pêlo ou com brilhantes, garrafas que brilham no escuro. «Embalagens que enobrecem o produto», afirma.
Olhar para quem precisa Jornadas de higiene e segurança, dia da família (Maio), jantares de Natal (extensivos a todos os colaboradores reformados), Dia da Mulher, são algumas das iniciativas organizadas pela empresa, que também tem uma significativa acção de responsabilidade social. De uma forma directa, por exemplo, com 500 mochilas com material escolar às crianças do 1.º ciclo, entregues no regresso às aulas. Ou ainda de 500 cabazes de Natal distribuídos pelas famílias mais carenciadas, referenciadas pelas juntas de freguesia. Uma campanha que assinala, este ano, 10 anos e que, por isso vai duplicar a oferta, com mil cabazes de Natal. Durante a pandemia, a empresa garantiu apoio ao Hospital da Figueira da Foz, Bombeiros e à Cruz Vermelha. Mas a responsável lembra, com especial alegria, a pintura que os colaboradores da empresa fizeram, há anos, no Hospital Pediátrico. «É muito fácil ajudar», garante.
Concurso de design Em 2013 a Verállia lançou, em Portugal, a primeira edição do Concurso de Design
Dos fornos sai o vidro em estado líquido
Garrafita vai à escola “Garrafita vai à Escola” é um projecto de sensibilização para a reciclagem que arrancou em 2018. «É uma tentativa de conseguirmos os 90% de vidro reciclado de que precisamos», diz, meio a sério, meio a brincar Cátia Carrasqueiro. Uma campanha destinada aos mais jovens – que «são bons professores» - que esclarece e informa através de jogos de tabuleiro. No ano passado foram mais de 30 as escolas visitadas. Cátia Carrasqueiro faz um apelo directo à reciclagem e à colocação do vidro usado nos vidrões. Praticamente todo o vidro é reutilizável. As excepções, sublinha, são o vidro com chumbo, ou seja, o cristal e a cerâmica – que não fundem à mesma temperatura – lâmpadas fluorescentes e o vidro de automóveis também é excepção.
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A melhor equipa está aqui «Temos a melhor equipa de toda a Verállia!». Quem o diz é a directora dos recursos humanos da empresa da Fontela, que assume o seu grande orgulho nesta «família». «Somos os melhores», enfatiza, fazendo notar que «a tecnologia é igual, o processo de fabrico é idêntico», o mesmo acontecendo com a matéria-prima. «O que faz a diferença é a equipa. Somos uma família e juntos construímos o futuro!», adianta. Com alguma emoção, Cátia Carrasqueiro recorda a madrugada que se seguiu à tempestade Leslie, em 14 de Outubro de 2018. «O temporal arrasou a Figueira da Foz, mas a maior preocupação de todo o pessoal foi a de se apresentarem no dia seguinte, de manhã, na empresa. Todos sofreram danos. Ninguém os chamou, mas eles vieram. Isso é ser família», conclui, orgulhosa.
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Ideias “fora da caixa”
As garrafas mais pequenas, de 6cl
A empresa possui «250 trabalhadores directos» e um número muito significativo de indirectos, subcontratações e prestação de serviços. A segurança é, desde sempre, «uma prioridade». Daí uma aposta em «tecnologia de ponta, que proporcione, dentro das contingências desta indústria, as melhores condições de trabalho, para
evitar a exposição, riscos desnecessários», destaca Cátia Carrasqueiro. Aliás, uma das regras da empresa é que cada trabalhador tenha sempre «um minuto de segurança e de qualidade». Trata-se de uma «espécie de balneário», para usar uma terminologia do mundo do futebol, que é fundamental para «mudar o chip» e manter o espírito “sempre alerta”. Mas há mais práticas e ideias “fora da caixa”que fazem parte da rotina da Verallia, uma empresa onde é prática corrente fazer ioga, ioga do riso, tai chi e exercícios ergonómicos. Um fisioterapeuta assegura, cinco vezes por dia, para cada turno, 15 minutos de exercício, com alongamentos e correcção postural. Cátia Carrasqueiro aponta, ainda, o ginásio, muito bem equipado, e com um personal trainer, que define um plano individual para cada utilizador, além das aulas de grupo. Ginásio que, no entender da directora, se tem revelado um factor de «grande motivação» e «captação de talentos jovens».
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Ernesto Morgado 90 anos com Figueira da Foz
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PATO REAL: GERAÇÕES DEDICADAS CRIARAM A EXCELÊNCIA DO ARROZ 2005 A funcionar desde 1920, a empresa Ernesto Morgado sofreu várias “revoluções” ao longo do seu percurso. A mais recente começou em 2005, com a terceira geração
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derrota na batalha de La Lys, na I Guerra Mundial, e os desentendimentos políticos subjacentes, mataram o sonho do sargento de artilharia Ernesto dos Santos Morgado. Um adeus à tropa que acabou por criar as condições para o surgimento de uma empresa centenária. Uma referência incontornável, ontem e hoje, para as gentes do Alqueidão. Tão só a mais antiga empresa de descasque de arroz do país e líder incontestada no mercado de arroz Carolino. Ernesto Marques Morgado, presidente do conselho de administração, orienta-nos nesta viagem pela história da empresa, fundada pelo avô, que cresceu e se transformou, com uma aposta clara na inovação e na tecnologia. Sempre presente, desde a origem, em 1920, está uma cultura de qualidade. Em nome do arroz. O antigo sargento teve de traçar um novo rumo para a sua vida. «Estava a começar o cultivo de arroz no Vale do Pranto», explica o neto, e a ideia de construir uma fábrica de descasque ganha forma. Luís dos Santos Morgado, pai do antigo militar, acompanha a obra e financia o projecto. «Emprestou dinheiro ao meu avô para arrancar com a fábrica», explica o professor de Inteligência Artificial, que acaba de se reformar do Instituto Superior Técnico, e já tem mais de 400 páginas escritas sobre a história da empresa, que envolveu vários sócios, dentro e fora da família. «Por 17 mil escudos», em 1920, compra, «em segunda mão», um descasque de arroz, uma moagem de cereais, uma serração e uma “locomóvel”, máquina de produção de energia (a electricidade só chegou a Alqueidão nos anos 30). Em 1928, o empresário empreende uma «grande remodelação», com a montagem de «uma fábrica “a sério”, com equipamento comprado em Espanha». Em Setembro de 1935, a empresa sofre a primeira grande crise. «O meu avô faleceu, subitamente, com um septicemia». A avó, natural de Aveiro, professora primária, a dar aulas na
Tecnologia de ponta é usada em todo o ciclo de tratamento do arroz
aldeia próxima do Negrote, viu-se confrontada com o desafio da sua vida. «Tinha duas hipóteses: ou tomava conta da fábrica, mas não sabia nada do negócio; ou vendia ao cunhado», recorda Ernesto Morgado. A solução veio do pessoal da fábrica: «não venda, que nós ajudamos», prometeram. E Maria Rodrigues Morgado assume a liderança da fábrica. Mas mais um revés a esperava. «Três semanas depois morre o guarda-livros, um primo de 21 anos, o único que sabia alguma coisa do negócio». Maria Rodrigues Morgado tinha 36 anos, um filho de 13 anos e uma fábrica para gerir. «Era uma mulher tenaz e determinada. Resolveu não deixar o ensino» e, de manhã, dava aulas no Negrote, e passava a tarde na fábrica. «Passado um ano, o meu pai, que estudava em Aveiro, com 14 anos, com o 3.º ano do liceu concluído, decide vir ajudar a mãe», recorda o filho, lembrando que Ernesto Rodrigues Morgado era «muito bom» em Matemática e Física e «aos 18 anos geria toda a empresa». Foi o «grande homem desta casa», diz.
O rasgo de um homem Ernesto Rodrigues Morgado trabalhou desde os 14 aos 80 anos na empresa. Foram
68 anos de dedicação. «É o grande obreiro desta casa», sintetiza o filho. «Faleceu em 2003 e ainda hoje as pessoas falam dele». «Era um homem muito inteligente, que aumentou 10 vezes a capacidade da fábrica. Era um verdadeiro engenheiro sem o ser. Chegou a transformar máquinas, vindas da Alemanha, cujas fábricas adaptaram as alterações que introduziu». Em 1961, recorda, «tomou uma decisão de rasgo: comprar uma fábrica totalmente nova», de origem alemã, aproveitando a abertura de Salazar, de aumento das quotas a quem apostasse na remodelação das fábricas. No Alqueidão nasceu uma “fábrica de raíz”. «Seguiram-se os anos dourados da empresa, desde 1961 a 1974». “Lurdinhas”, como era tratada a esposa de Ernesto Morgado, era «uma relações públicas nata». «Organizava as festas da aldeia e toda a gente gostava muito dela. Ainda hoje, as pessoas choram quando falam dela». Maria de Lurdes Marques Morgado faleceu em 1979, com 48 anos. «A partir daí, o meu pai transformou a empresa na sua amante». Os dois filhos passaram a figurar como sócios-gerentes, mas era o pai «quem geria». Em 2003, com a morte do pai, Ernesto
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Ernesto Morgado 90 anos com Figueira da Foz
Morgado assume a liderança. «A empresa tinha uma imagem estupenda, junto dos clientes, da banca. A marca tinha reputação, quota de mercado». Todavia, «quem viesse à fábrica pensava que estava à beira da falência», assume. Mas o professor do Técnico não ficou de um momento para o outro com o “menino nos braços”. Trabalhava na empresa desde 1986, deslocava-se «regularmente» ao Alqueidão e criou uma «equipa de confiança, um conselho de gestão consultivo». O presidente do conselho de administração conta com a ajuda da irmã, Margarida Morgado Russo, administradora, e do cunhado, João Manuel Russo, director comercial. Há ainda um terceiro administrador, Jorge Oliveira. Doutorado em Química, revelou-se uma “peça chave” para a revolução que se seguiu. «Já no tempo do meu pai queríamos remodelar a fábrica, mas ele tinha medo, pôs sempre objecções ao investimento». Depois de dois anos com «resultados excelentes», a remodelação avançou. «Parecia a II Guerra Mundial. Nada ficou como estava», excepto o descasque, que se manteve no mesmo local. E a chaminé de apoio à máquina a vapor, que funcionou até 1961, e cuja conservação custou 50 mil euros. As obras decorreram entre 2005 e 2007, sempre em laboração. «Só parámos dois dias, em Agosto, para mudar a alta tensão». Com a mais eficaz e inovadora tecnologia, a unidade de descasque funciona quase sozinha, com um ligeiro toque humano, aqui e ali. Particularmente no sector de empacotamento, onde outrora eram precisos mais braços, agora são os robots que, céleres, mostram a sua precisão e eficácia, verdadeiros “Rolls- Royce” do empacotamento. O funcionamento é perfeito e o ciclo do arroz cumpre-se com uma precisão infalível. Desde a recepção e encaminhamento para os silos, o descasque, o branqueamento, o retirar das pedras, palhas, metais ou o grão partido. O arroz, escolhido milimetricamente, fotografado grão a grão, segue o seu curso. Desde o silo ao pacote, devidamente rotulado e colocado na palete. Carolino, Agulha, Vaporizado ou, ainda, Basmati, Thai Jasmin ou Carnoroli. Exactamente como nos surge no supermercado. Sempre Pato Real. Uma fábrica moderna, equipada com tecnologia de ponta. Um investimento que se estendeu até 2009 e ultrapassou os 8,5 milhões de euros.
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Futuro: manter qualidade e crescer
Um mini-descasque é usado para fazer testes
Entre 12 a 18 mil toneladas de arroz branqueado saem, por ano, da empresa do Alqueidão, que tem uma capacidade instalada para 40 mil toneladas. No ano passado, foram 16 mil toneladas, das quais cerca de 11 com a marca Pato Real, 2,5 para exportação e o restante para marcas de distribuição. A grande “fatia” da matéria prima vem do Vale do Mondego, mas também do Tejo e do Sado. Do estrangeiro chegam as variedades que não se produzem nos solos lusos. Quanto aos produtos de valor acrescentado, no ano passado foram vendidas 500 mil unidades. «Este ano esperávamos vender 800 mil. Estávamos com um crescimento brutal», confessa o empresário. Todavia, a Covid-19 veio “estragar” estes planos. No mercado externo, o Médio Oriente assume algum relevo, com o arroz a levar um tratamento especial, com óleo. Durante a pandemia, o arroz branqueado da Ernesto Morgado teve uma solicitação anormal por parte de países como a Alemanha e a Áustria. Além do mercado nacional, também a Espanha é um bom cliente, o mesmo acontecendo com o chamado “mercado da saudade”, em países como a Suíça, Luxemburgo, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos da América. Com 66 trabalhadores, os desafios para o futuro são simples: «Continuar a manter o arroz branqueado com boas vendas, pois representa o maior peso na facturação», com os produtos de valor acrescentado a atingirem 5%. «Daqui a uns
anos pode ser diferente», considerada Ernesto Morgado. Capacidade existe. «Podemos fazer seis milhões de embalagens por ano», assegura. E a quarta geração da família já está perfeitamente entrosada na dinâmica da fábrica. Exemplo disso é Carolina Morgado, licenciada em Gestão de Empresas pela Universidade Católica, que lidera a área do Marketing e Comunicação e está duplamente habilitada com os sabores do arroz, pois também a família do marido, italiano, está ligada ao sector.
De braço dado com a comunidade Desde sempre a empresa teve uma relação de grande proximidade com as gentes da terra e isso continua a acontecer, com a fábrica a patrocinar a Escola de Música da Filarmónica de Alqueidão. Inicialmente, a empresa pensou criar bolsas de estudo, mas o pedido foi muito claro e direccionado para a formação musical de todos os jovens. A Escola Ernesto Morgado ajuda a «tirar as crianças da rua e a formarem-se em algo que é bom, um complemento à educação, que ajuda a criar regras, disciplina, espírito de equipa», refere Ernesto Morgado. Uma iniciativa que garante a continuidade da banda, que tem nas suas fileiras um conjunto muito significativo de jovens. Todos os anos, a Filarmónica do Alqueidão mostra a sua gratidão, deslocando-se à empresa, em Abril, no dia do aniversário, para um concerto especial à Ernesto Morgado.
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Refeições de arroz prontas a ir à mesa 2007 A “revolução” tecnológica quis ir além do descasque do arroz e avançou para a cozinha, com a confecção de pratos tradicionais A “revolução” tecnológica modernizou a empresa, mas também demonstrou que era necessária menos mão-de-obra. «Não queríamos lançar 13 pessoas no desemprego», afirma Ernesto Morgado, sublinhando a relação de grande proximidade que sempre existiu entre a fábrica, os trabalhadores e a localidade do Alqueidão. «Somos família». E se dúvidas houver, recorda que, na matança do porco, a primeira refeição era «com os trabalhadores da fábrica e suas famílias. Os amigos só vinham no dia seguinte». Ou as excursões que, todos os anos, os pais organizavam para o pessoal da fábrica. A solução foi, mais uma vez, inovar. Agora através da cozinha, usando o produto final, arroz Pato Real, como ingrediente obrigatório. Jorge Oliveira, natural de Alqueidão - «filho do meu professor da escola primária e afilhado da minha mãe» - professor de Engenharia Química na Universidade de Cork, na Irlanda, veio dar um contributo decisivo. Mais recentemente juntou-se-lhe outra doutorada, Fátima Machado, directora de inovação. João Simões é o director da cozinha. A cozinha industrial para produtos de valor acrescentado é montada entre 2007 e 2008. Um desafio gigantesco: criar pratos sem conservantes e sem aditivos, com o sabor de um prato acabado de cozinhar. São refeições prontas ou quase prontas. Uma resposta para quem não tem tempo para cozinhar. Mas também uma forma perfeita de resolver o drama do tempo de cozedura e da quantidade de água que o arroz, nas suas diferentes categorias, exige. Mais, o produto mantém-se com a qualidade inalterável, sem necessidade de refrigeração, durante um ano. AErnesto Morgado estreia-se, assim, num novo nicho de mercado, assumindo-se como empresa pioneira na preparação e comercialização de refeições prontas. Um produto pioneiro e inovador, «sem qualquer aditivo, sem conservantes. É tudo natural», sublinha o empresário.
Ernesto Morgado, presidente do conselho de administração, neto do fundador
Uma novidade que “cai” num mercado muito tradicionalista, que começou por olhar de soslaio para um arroz de pato ou de polvo que apenas precisa de ir um/dois minutos ao micro-ondas. «Ultimamente tem vindo a melhorar», refere, sublinhando a muito boa receptividade do mercado espanhol, a produção para marcas brancas e ainda a resposta que as máquinas de “vending” poderão representar, uma vez que se trata de «produtos saudáveis e de grande qualidade». O ciclo das refeições começou com uma linha de arroz pré-preparado e desidratado, pronto em 10 minutos, bastando juntar água e azeite. Um produto gourmet, com uma embalagem requintada, lançado em 2007, mas que foi descontinuado, face à “sobreposição” do Pato Real Minuto, que, ao invés de um acompanhamento, apresenta uma gama de refeições completas,
prontas a comer, bastando dois minutos no micro-ondas ou um bocadinho mais em banho-maria. Ou até mesmo no forno. As variedades são muitas: de tamboril, polvo, bacalhau, pato, carne à jardineira, caril de frango, do mar, com feijoada de chocos, strogonoff de frango. Às refeições completas, junta-se uma nova gama de acompanhamentos de arroz, com coentros, legumes, milho, integral, entre outros. «Não havia nada assim», reconhece Ernesto Morgado, que destaca a inovação deste novo ciclo produtivo da empresa, que garante o mérito a todos os cozinheiros. «Tínhamos a tecnologia, porque não fazer outras coisas?» A resposta veio com uma linha de sopas, onde pontua o creme de ervilhas com hortelã e o creme de cenouras com coentros. Mas na “forja”, que é como quem diz, no laboratório de testes, alguns, outros já na cozinha, estão novos produtos, designadamente sopa com tofu, de abóbora, grão-de-bico, feijão e espinafres. «O objectivo é termos seis sopas», refere Ernesto Morgado. Na mesma linha surgem as saladas mediterrânicas e a linha “Nutriminuto”, toda com cereais integrais, que junta ao arroz, quinoa, vegetais e sementes integrais ou cereais. No total, para já, são 33 produtos, prontos-a-comer, que mantêm o bom sabor tradicional e um prazo acabado de cozinhar. Sobretudo, sem conservantes ou aditivos.
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Garça Branca 90 anos com Figueira da Foz
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VIDAS ANCORADAS NO ARROZ 2003 Orizicultor mantém viva a tradição familiar e acrescentou-lhe valor, com a criação, há 17 anos, da marca “Garça Branca”
O
pai já se dedicava ao cultivo de arroz e Jorge Vieira seguiu-lhe as pisadas. Um caminho que começou ainda em criança, a ajudar o pai e que “cresceu”depois de «sair da escola», com 14 anos, conta. Hoje, com 62 anos, semeia 33 hectares de arroz, nos campos do Vale do Arunca. Nos campos de Maiorca, onde reside, este foi ano de semear milho, grande parte do qual encaminha para a Cooperativa de Montemor. Já o arroz é diferente. Semeia, colhe, descansa e ensaca. Até criou uma marca, “Garça Branca”, em homenagem às aves que enfeitam os campos de arroz. Um projecto que arrancou em 2003. Ao fundo da Rua do Cotovelo, em Maiorca, é fácil localizar a empresa familiar, pois os dois silos, onde se guarda o arroz, agigantam-se e impõem-se pela sua presença. «Têm capacidade para 75 toneladas cada um», explica. «Agora estão quase vazios. Só um vai a meio», adianta. Ainda sem a colheita concluída, o orizicultor perspectiva que o ano seja «mais ou menos» e vai “dando conta” do arroz que já tem em casa. A primeira preocupação é a secagem do cereal, feita no secador, durante um período a rondar as 12h00. «Depende da temperatura e da humidade», faz notar. Depois, é passado pelas “tararas”, equipamento que garante a limpeza do grão. «Tira as impurezas, sementes e ervas daninhas que andam na seara», ficando, então, pronto para ir para os silos. Mas falta, ainda o descasque. Operação que começa com uma nova ida à “tarara”, entrando, depois, na “tulha”, de onde vai para o “descascador”, onde o grão é descascado e posteriormente branqueado. O farelo, resultante do branqueamento, «destina-se aos animais» e, mais à frente, o grão é separado pelo calibre, com a “trinca”(arroz partido) a sair de um lado e o arroz do outro. Está cumprido o circuito. Segue-se o ensacamento. Uma tarefa onde Jorge Vieira conta com a preciosa ajuda do neto, David Gonçalves. Mas também os irmãos dão uma ajuda, assim como os sobrinhos, refere. Uma ajuda que se vai revelar fun-
Jorge Vieira explica o funcionamento do sistema de descasque
David Gonçalves assume o “circuito” de empacotamento
damental, uma vez que David entrou este ano no curso de Comunicação e Multimédia da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Leiria. O sonho do jovem é ser jornalista. Jorge Vieira descasca e branqueia o arroz que produz, mas também presta esse serviço a outros produtores, sempre que solicitado nesse sentido. Com a sua produção abastece vários restaurantes da região, particularmente da Figueira da Foz. Mas também tem muitos clientes particulares. «As pessoas acham que é um arroz diferente. Dizem que nunca comeram um arroz tão bom como este!», diz, com simplicidade. Por
isso, os pedidos chegam, frequentes, de todo o país. «Recebo telefonemas desde Bragança a Tavira, a pedir arroz», diz ainda. «Até emigrantes cá vêm comprar», adianta, com orgulho, o neto David. Ainda sobre o arroz, Carolino, claro está, Jorge Vieira apresenta as muitas variedades: Carnaroli, Nemesi, EuroSis, Luna, Lusitânea, Sirio, Ariete, Tito e Gladio só para falar em algumas. «É tudo arroz Carolino, mas existem muitas variedades», sublinha. Umas com um grão mais longo, outras um arroz mais branco e outras, ainda, com mais goma. Quando à escolha, tudo depende da uso que se quer dar ao arroz!
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Soporcel 90 anos com Figueira da Foz
Soporcel tem vindo a modernizar as suas unidades industriais
SOPORCEL: DA PASTA À PRODUÇÃO DE PAPEL 1984 O projecto destinado a Angola acabou por ficar inviabilizado com a revolução de Abril de 1974 e a Figueira ganhou uma nova fábrica, inaugurada em Outubro de 1984
O
maior projecto industrial concretizado nos anos 80». Foi assim que Luís Deslandes, presidente do conselho de Administração da Soporcel – Sociedade Portuguesa de Celulose, apresentou a empresa. Aconteceu no dia 18 de Outubro de 1984, numa cerimónia presidia pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes. «Prestaremos o maior contributo para o desenvolvimento de Portugal», disse, estimando que o contributo da unidade fabril para o Produto Interno Bruto (PIB) rondaria os «90 milhões de contos ano». O Diário de Coimbra enaltecia o investimento de «45 milhões» na operacionalização da unidade, já em funcionamento - com «uma capacidade de produção de 800 toneladas diárias», preparando-se, em breve, para atingir «um milhar». 85% da produção tinha como destino a exportação. A empresa «criou 500 novos postos de trabalho» e «insere-se na primeira linha das grandes unidades mundiais produtores de celulose». Começava, assim, um grande projecto empresarial, que se instalou na Figueira
fruto de um conjunto de circunstâncias fortuitas. Reza a história que o objectivo era instalar uma unidade de produção de pasta branqueada de eucalipto em Angola (Alto Catumbela, Lobito). Vivia-se o ano de 1973 e a Celangol – Celulose de Angola, S.A.R.L, morria pouco depois de nascer. Com efeito, o 25 de Abril de 1974 veio trocar todos os planos. Parte do equipamento destinado à empresa estava em vários portos europeus, com encargos daí decorrentes, e o Governo entendeu nomear um grupo de trabalho para avaliar a possibilidade de instalar uma nova fábrica em Portugal. Em Novembro de 1979, a Celangol dava origem à Soporcel – Sociedade Portuguesa de Celulose, S.A.R.L. e em Outubro do ano seguinte definem-se os princípios para a instalação da nova indústria. Salvaterra de Magos e Figueira da Foz foram as propostas colocadas sobre a mesa. Em meados de 1981, entre as freguesia de Lavos e Marinha das Ondas, começavam as terraplanagens. Em Outubro chegavam ao Porto da Figueira os primeiros equipamentos e a 24 de Junho de 1984 – com seis
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meses de antecipação face à data prevista – arrancava a produção de pasta branqueada de eucalipto, com a unidade a ser inaugurada a 18 de Outubro. Na cerimónia, o presidente do conselho de administração dava conta de conversações com um «prestigiado grupo financeiro britânico que, se se concretizarem, darão à Soporcel uma nova dimensão internacional». Era o “prenúncio” da participação do grupo inglês Wiggins Teape na estrutura accionista da empresa, que se vem a concretizar em 1985, com a aquisição de 42,8% do capital da Soporcel e compromisso assumido de «desenvolver um projecto de fabrico de papel», além de promover a produção florestal. O projecto continua a crescer e a ganhar dimensão e em 1988 é aprovado o investimento para a construção da primeira fábrica de papel, que começa a funcionar a 13 de Maio, inaugurada a 18 de Outubro, pelo Presidente da República, Mário Soares. Um investimento de «cerca de 50 milhões de contos», construído «junto à unidade produtora de pasta de papel» noticiava o Diário de Coimbra a 19 de Outubro, apontado uma capacidade de produção de 250 mil toneladas/ano e a criação de «mais 200 postos de trabalho». Na preparação da equipa, «a empresa investiu mais de dois milhões de contos». A nova estrutura apresentava-se como «uma das mais modernas e sofisticadas unidades de produção de papéis finos não revestidos do mundo, com uma velocidade de aproximadamente mil metros por minuto, 9 metros de largura e dimensionada para produzir 220 mil toneladas de papel por ano. O arranque da primeira unidade papeleira da Soporcel, dedicada à produção de papel para escritório e impressão em offset, implicou, igualmente, a entrada em funcionamento de uma nova caldeira a fuelóleo e de um novo turbogerador, que garantiram o fornecimento de energia à nova fábrica de papel. A evolução e o investimento continuou, sempre. Em 2004, designadamente foi instalada uma nova e moderna caldeira de recuperação e em 2010 arranca um novo turbogerador. Em 2001 assiste-se à fusão da Portucel e da Soporcel, que passa a gerir um complexo industrial em Cacia, de produção de pasta de celulose e energia, e dois complexos industriais de produção de pasta, energia e papel, na Figueira e em Setúbal, hoje sob a tutela da The Navigator Company.
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CELBI SOB O SIGNO DO SUCESSO 1965 A 19 de Junho de 1965 lançava-se a primeira pedra de uma unidade fabril de excelência, que desde a primeira hora afirmou a sua vocação exportadora e de liderança
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rata-se de um investimento superior a um milhão e trezentos mil contos, a despender com as actividades industrial e florestal. Cerca de 90% deste quantitativo será constituído por capitais importados e aproximadamente quinhentos mil contos serão despendidos em Portugal.Arealização deste projecto criará emprego, na indústria, para 250 pessoas que, com raras excepções, serão de nacionalidade portuguesa. Anualmente, além da compra de mais de cem mil contos de madeira, a empresa terá de adquirir quarenta mil contos de outras matérias-primas, 90% das quais serão de origem nacional. Prevê-se que a colocação da pasta fabricada nos mercados internacionais forneça ao País mais de trezentos mil contos de divisas estrangeiras por ano». Foi com estas palavras que, no dia 19 de Junho e 1965, Gunnar Ojermark, administrador-delegado da Celulose Billerud, apresentou a fábrica, cuja primeira pedra foi lançada nesse dia, na Leirosa. De acordo com a notícia publicada pelo Diário de Coimbra, o engenheiro sueco, com uma vasta experiência no sector da celulose, explicou a associação da Billerud com a Companhia União Fabril, «para levar por diante este projecto». «ACelulose Billerud propõe-se promover, tanto quanto possível, a reflorestação com espécies de crescimento rápido, folhosas e resinosas», dizia ainda o administrador-delegado. «A nossa unidade industrial vai produzir 80 mil toneladas por ano de pasta celulósica para viscose e a quase totalidade do produto fabricado destina-se à exportação», escrevia o Diário de Coimbra, citando o engenheiro sueco, que deu conta das qualidades da madeira de eucalipto, «ideal para o fabrico de pastas». Dava ainda conta do «novo método de tratamento da madeira, pelo processo de sulfato com pré-hidrólise e branqueamento em 5 fases, que dá origem a celulose quase pura». Um processo desenvolvido pelo Instituto de Investigação Billerud, que seria usado na fábrica da Leirosa, associado aos «mais modernos melhoramentos introduzidos na tecnologia desta indústria».
Empresa é líder de mercado e exporta mais de 90% da sua produção
A cerimónia, escrevia o jornal, decorreu no Grande Hotel da Figueira da Foz, seguindo-se, na Leirosa, o lançamento da primeira pedra, com a bênção do arcebispo-bispo-conde de Coimbra, Sena de Oliveira. Seguiu-se um cocktail, no Casino e, «em acto de magnífico significado social, foi oferecido, em Leirosa, um jantar aos habitantes da localidade, num total de cerca de mil pessoas». A19 de Junho de 1965 traçavam-se, assim, os princípio básicos que, ao longo destes 55 anos geriram a unidade fabril, que começou a funcionar em 1968. A Celulose Billerud mudou de designação e de associados, mas manteve uma estratégia assente na produção sustentada, vocacionada para o mercado exportador, apostada na qualidade, na inovação tecnológica, mas também uma preocupação com o equilíbrio florestal e com uma relevante intervenção social. Ontem, como hoje, são estes os princípios que regem a Celbi – Celulose da Beira Litoral, que tem conseguido, com inovação e tecnologia e uma equipa de excelência, afirmar-se como um dos principais produtores europeus de pasta de papel. É o «melhor produtor europeu de pasta de fibra curta e está entre as mais competitivas à escala mundial». Um produto que se distingue pela «resistência, boa opacidade e elevada porosidade». Características que a
recomendam para a «produção de papéis finos para impressão, papéis laminados decorativos e papéis ou cartões destinados a servirem de suporte a impressões de elevada qualidade». Produz cerca de 800 mil toneladas de pasta por ano, 95% das quais se destinam a exportação. Em 2019, bateu mais um recorde de produção e venda, com 780.013 toneladas de pasta de papel. É considerada a «fábrica mais eficiente» e uma «referência mundial» relativamente ao uso de água. Mas também em matéria de energia. A empresa produz, por co-geração, toda a energia de que precisa para laborar, e investiu na produção de energia a partir de biomassa, contribuindo para a descarbonização. No ano passado, entrou em financiamento uma nova Central Termoeléctrica a Biomassa, que injecta energia na rede do Sistema Eléctrico Público. Juntos, os dois sistemas têm uma capacidade de produção de energia que «permite alimentar uma cidade com 150 mil habitantes». Ao nível da investigação e desenvolvimento, a empresa, que integra o grupo Altri desde 2006, tem como parceiros várias universidades e mantém uma proximidade grande com a comunidade local e particularmente com as crianças e jovens da freguesia e do concelho. A limpeza da Praia da Leirosa já se tornou uma bandeira, assim como o apoio à escolas.
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Torre do Relógio 90 anos com Figueira da Foz
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O POSTAL DA TORRE DO RELÓGIO 1942 Projectada em 1942, a primeira torre de relógio contemporânea do país cedo se transformou numa referência e hoje é um ícone que define a Figueira da Foz
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embro-me de ir com o meu avô afinar o relógio». Palavras de José Morais, gerente da Óptica Morais, empresa que está umbilicalmente ligada à Torre do Relógio, com a oferta do relógio e a garantia da sua manutenção. Uma tarefa que se fazia com a cadência certa, «de 15 em 15 dias». Uma operação que obrigava avô e neto a subirem a extensa escada e, chegados ao cimo, tratava-se de «aferir o óleo da máquina, ajustar as molas e ver se tudo estava a funcionar bem». Uma manutenção preciosa para manter o ritmo afinado do relógio e garantir a pontualidade de todos aqueles se regiam pelas horas da torre. Em causa está um projecto do arquitecto João António de Aguiar, que data de 1942, e foi construído sob a direcção dos engenheiros Henrique Óscar Ferreira e José Nunes da Costa Redondo. Apresentava-se como um novo monumento, destinado a embelezar a requalificadaAvenida Marginal, para onde se perspectivava a construção de diversos equipamentos sociais e culturais, designadamente o paredão e as respectivas escadarias de acesso à praia, uma esplanada, um restaurante-bar e uma torre de sinalização marítima, com um relógio e cabinas sonoras. Parte das estruturas não foram avante, mas a Torre do Relógio ergueu-se, afirmando-se pela sua «imponência geométrica modernista», mas também pelas particularidades da construção, uma vez que os seu obreiros «prescindiram do betão armado, para utilizar uma técnica mista de vigas de aço e alvenaria de pedra».
Torre é um ícone da cidade
A empreitada terá demorado, de acordo com os registos da época, cinco anos a construir e em 1949 foi-lhe adicionado o relógio que a definiu para o futuro. Relógio ao qual está associado o nome da Óptica Morais, e muito particularmente do seu fundador, Henrique Morais, que foi quem comandou as operações no que ao relógio diz respeito e, sublinhe-se, desembolsou «200 contos», valor que, na altura, representava uma pequena fortuna. O neto recorda o desempenho de um familiar, o engenheiro Munoz de Oliveira, que estava à frente do Porto e presidiu, de-
pois, à Câmara Municipal (1958-1960), que se movimentou no sentido fazer «algo diferente», o que acabou numa «parceria entre o meu avô e a Câmara Municipal» e na «oferta do relógio – da marca Roamer – à cidade». Se o objectivo inicial da construção da torre, com mais de 20 metros de altura, se prendia, além de uma questão estética, com a sinalização marítima, este segundo desígnio acabaria, com o crescente afastamento do mar, por cair por terra. Todavia, os altifalantes que ali foram colocados permitiram, durante anos, transmitir as emissões radiofónicas para um vasto universo de banhistas. O antigo relógio, oferecido por Henriques Morais, foi substituído por outro, mais moderno, digital. «Penso que no tempo de Santana Lopes», refere José Morais, que, juntamente com a mãe, Helena Morais, assegura a gerência da empresa, fundada em 1920. A celebrar o seu centenário, a Óptica Morais recorda com orgulho este monumento marcante, da histórica da empresa e da cidade, ao qual o seu nome está associado. «É uma honra enorme estarmos associados a este símbolo, fazer parte desta história», afirma José Morais, que destaca o facto de a família sempre ter assumido uma atitude muito activa e interventiva, envolvendo-se desde sempre nas «iniciativas sociais e culturais da cidade». A Torre do Relógio foi classificada em 2005 como marco da história arquitectónica e da evolução urbanística da cidade da Figueira da Foz.
POSTO POS TO DE TURISMO T Tourist ourist Office Office
Coordenadas Coor denadas 40º 8’ 59.8”n 8º 51’ 58.5”w 40.149944, -8.866250
NÚCLEO DE ARTE ARTE CONTEMPORÂNEA
LARANJEIRA S ANTOS SANTOS OBRA ARTÍSTICA ARTÍSTICA ESCULTURA E DESENHO ESCUL LTURA T DESEN
Castelo En Engenheiro ngenheiro Sil Silva v va Hor ário: 09h30 | 13h00 – 14h00 | 17h30 Horário: NACLS Encerra Encerra às terças-feiras terças-feiras | 233 209 500 NACLS figueir aturismo@cm-figfoz.pt figueiraturismo@cm-figfoz.pt www .cm-figfoz.pt www.cm-figfoz.pt