LOUSÃ
Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente
90 ANOS COM
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90 anos com Lousã Introdução
Diário de Coimbra
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Memórias com 90 anos
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Serra impõe-se. Pela dimensão, pela serenidade, pela grandeza e imponência. Um espaço mágico, de encantamento, que conquistou nobres e plebeus, foi refúgio de artistas e inspiração de poetas. «Era o lugar dos mitos, das lendas», no dizer de Carlos Carranca. Uma Serra feita de pedra e de água, de árvores e de silêncio. Onde a vida, difícil, teimou em nascer e em renascer e que hoje constitui uma atracção sem igual. Uma Serra que abraça a Lousã e marca as suas gentes. Um povo resiliente, que nunca virou a cara à luta. Gente laboriosa e empreendedora que soube imprimir a sua marca, desbravar caminhos únicos, rasgar horizontes, chegar mais longe… primeiro. Um registo de pioneirismo que pauta o mundo empresarial, em diversos ângulos e diferentes sectores. Mas também o tecido associativo desta terra, devota de Nossa Senhora da Piedade, que soube inovar, crescer, fazer novo e diferente.
Um «chão» onde «é possível ser de novo rapaz... trepar às árvores… sonhar coisas impossíveis!», como diz o poeta. Uma terra que, afirmam as crianças, «quem visita, gosta de ficar… Para aprender, conhecer e provar!». Um concelho a que o Diário de Coimbra dedica hoje uma atenção especial, cumprindo um desígnio de proximidade que é, também, a sua marca diferenciadora desde a génese do jornal, há 90 anos. Não se trata de um trabalho de investigação histórica, que pecaria sempre por omissão. Nem de uma cronologia de acontecimentos, igualmente redutora. Antes e sim de uma “viagem” de memórias e recordações, que envolve pessoas e momentos, eventos que marcaram a história da Lousã e das suas gentes ao longo das últimas nove décadas. Retalhos de vidas que o Diário de Coimbra viveu e testemunhou e que hoje recorda, convidando os leitores a viajarem connosco nesta «aventura», voando nas «asas de condor».
FICHA TÉCNICA Dezembro de 2020 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo Coordenação editorial: Manuela Ventura
Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Manuela Ventura Fotos: Ferreira Santos, Figueiredo, Renato Ferreira, Carlos Fonseca, arquivo, arquivos pessoais e D.R.
Vendas: Marta Santos e Hélder Rocha Design gráfico: Pedro Seiça Publicidade: Carla Borges e Rui Semedo Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA
Tiragem: 10 mil exemplares Agradecimentos: Câmara Municipal da Lousã, em particular ao Dr. Vítor Maia Costa
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Opinião 90 anos com Lousã
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Diário de Coimbra: 90 anos de serviço público Luís Antunes*
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o longo destes 90 anos de história, o Diário de Coimbra tem acompanhado, de forma próxima, o desenvolvimento do Concelho da Lousã e estamos certos que, tendo também em consideração o trabalho realizado neste ano particularmente desafiante, continuará a ter um papel relevante na difusão de notícias e na valorização deste território. Tem sido através das suas páginas – impressas e digitais – que tem sido dada expressão aos diferentes momentos, projetos e obras que têm ocorrido. O principal desafio do momento e dos próximos tempos será conjugar a dimensão conjuntural (controlar a pandemia e contribuir para a atenuação dos danos) com a estrutural (cuidar do futuro). Na Lousã, ao mesmo tempo que disponibilizamos meios para fazer face aos impactos diretos e indiretos da pandemia, mantemos o rumo estratégico e estamos certos que através do Diário de Coimbra podermos informar sobre os inúmeros projetos que temos em curso ou projetados, como – por exemplo - a regeneração urbana, a modernização do Cine Teatro, a renovação da Escola Secundária e a mobilidade sustentável. Estamos também confiantes na conclu-
O principal desafio do momento e dos próximos tempos será conjugar a dimensão conjuntural (controlar a pandemia) com a estrutural (cuidar do futuro)
são do Sistema de Mobilidade do Mondego, um projeto que começa – finalmente a ser concretizado e em que a comunicação social regional, nomeadamente o Diário de Coimbra, tem tido uma ação importante, dando expressão às justas reivindicações da região. Continuaremos – ao mesmo tempo e em parceria – a lutar por melhores acessibilidades com a definição de uma alternativa à Estrada da Beira e de uma nova ligação ao IP3. Convictos que poderemos contar com o Diário de Coimbra nesta caminhada, desejamos as maiores felicidades ao jornal, aos seus trabalhadores e aos seus leitores, em particular aos Lousanenses. *Presidente da Câmara Municipal da Lousã
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90 anos com Lousã Aldeias do Xisto
Aldeia do Xisto da Cerdeira é um caso exemplar de recuperação e vivência
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Kerstin Thomas vive há 32 anos na aldeia
RENOVAR A VIDA NAS ALDEIAS DA SERRA 1988 Uma aldeia em ruínas, tomada pelas silvas, conquista o coração de Kerstin Thomas, que se empenha num processo ímpar de recuperação. Trinta e dois anos depois, a Cerdeira é um exemplo
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s casas surgem, encravadas na colina. Fazem parte da paisagem, juntamente com os telheiros, as frondosas árvores que se despem das folhas, os passeios empedrados, a fonte, o ribeiro. Ouve-se o murmúrio das águas. Tudo o resto é silêncio. «O silêncio não cansa», diz Kerstin Thomas. «Vale a pena ter uma aldeia onde os carros não entram», adianta esta moradora da Cerdeira, uma das cinco Aldeias do Xisto da Serra da Lousã. Mais do que residente, Kerstin bebeu a alma serrana e transformou-se numa acérrima defensora desta tipicidade rural, … mas com vida, com gente. Com pessoas que vivem na aldeia e que a visitem, partilhando a beleza, o encanto e magia que há mais de três décadas conquistaram o seu coração e a fizeram querer viver ali, fazer daquela a sua casa, o lar da família que viu crescer. Natural de uma pequena localidade perto de Hannover, na Alemanha, Kerstin veio para Coimbra estudar na Universidade, em 1986. Depois de uma formação em Belas Artes – Escultura em Madeira, quis aprender português e conhecer a literatura lusa. Miguel Torga já era uma referência e quis conhecer e saber mais. Reservada quando fala de si – porque gosta, isso sim, de «fazer coisas» – Kerstin lá conta que foi à Serra da Lousã com pessoas dali, que já lá não viviam, e foi assim
que conheceu a Cerdeira. Mais, “tropeçou” definitivamente nesta terra que hoje é sua e à qual pertence. «As próprias casas em ruínas tinham encanto», diz. Em 1988 instalou-se definitivamente na aldeia. «Tinha uma beleza diferente da beleza de hoje», recorda, lembrando que a natureza tinha «tomado conta de tudo», com as silvas a galgarem paredes e telhados ou o que restava deles. «Começámos a limpar» e, lentamente, a pouco e pouco, a aldeia foi ganhando um novo rosto e também novas gentes. «Não recuperámos a aldeia toda, mas fui “culpada”por trazer outras pessoas para aqui e que também optaram por fazer um investimento grande na recuperação da aldeia como um todo», diz. Hoje são oito famílias, com as suas casas e cada uma com o seu projecto. A alemã com alma serrana reconhece o abandono da Cerdeira e de outras aldeias serranas, mas não culpa ninguém. «As pessoas saíram por necessidade. A vida aqui era muito difícil» e foi isso que ditou o abandono. E ressalva que muitas dessas famílias, que «foram para Lisboa trabalhar na estiva, empenharam-se na educação dos filhos. Sabiam que a educação é importante, tinham esses valores». Ficou a terra. As casas. «Os solos não são muito férteis». Em socalcos, seguindo a encosta do monte, eram cultivados de forma artesanal, com um sistema de rega igual-
mente artesanal, adaptado às necessidades. Sobre a rocha, erguiam-se as casas. «Toda a aldeia cresceu assim, consoante as necessidades». Usando os materiais disponíveis, «o xisto, a madeira de castanho, as telhas de barro». «Um trabalho fantástico», que lhe conferiu este ar pitoresco, de casas cravadas na encosta. «Para mim é uma obra de arte», diz. Kerstin também recorda, com especial ênfase, o empenho da Câmara Municipal da Lousã em promover a recuperação destas casas. O município, explica, «tinha um livrinho muito giro, com as indicações». Uma delas, recorda, «tinha uma janela de alumínio com uma cruz», destacando o que não se podia fazer. «Havia essa preocupação, essa sensibilidade na Lousã, o que é muito interessante», sobretudo porque aconteceu «muito cedo». E houve um conjunto de pessoas, «intelectuais de Coimbra», com ligação às aldeias serranas, que «começaram a recuperar as casas», especialmente no Candal e no Casal Novo. Uma «jornada» na qual destaca o contributo do médico e etnólogo Louzã Henriques. A Cerdeira ficou fora desta rota. «Era a única aldeia que não tinha electricidade, por isso ninguém veio para cá». Ninguém não. Kerstin Thomas foi. «Sou de uma geração que sempre teve acesso a tudo, aos estudos, ao conforto, a ponto de dizer: “é isto que eu preciso”», explica, fazendo
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Aldeias do Xisto 90 anos com Lousã
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Recuperar para o futuro com qualidade e conforto
«Recuperamos com todo o respeito pelo passado, mas recuperamos para o futuro», faz notar Kerstin Thomas. Isso quer dizer, esclarece a moradora da Cerdeira, que são usados os mesmos materiais de outrora, ou seja, o xisto, a madeira e a telha de barro, mas procurando sempre «criar um grande conforto». Significa que, apesar do aspecto rústico exterior, a traça diferenciadora da aldeia, no interior, as casas são «muito modernas e confortáveis». «São casas para o futuro», faz notar, salientando que se trata de uma aldeia onde vivem pessoas e «não de um museu». «É tudo muito simples. Era um sítio simples. Continua a ser um sítio simples, mas com muita qualidade e conforto», remata.
notar que, hoje em dia, há uma nova geração em Portugal que também já é capaz de, porque partilhou muitas experiências, escolher, por exemplo, «comprar menos
Renato trabalha peças de cerâmica na roda de oleiro
coisas, mas coisas boas». Nunca se cansou? Nunca se arrependeu?, perguntamos. «Houve fases mais difíceis», reconhece Kerstin, sentada sob um dos telheiros que ergueu. «Os primeiros 17 anos foram de “resolver tudo”, de “fazer tudo”». «O saber resolver é muito importante na arte e na educação», faz notar. «É um grande treino». E esse “tudo”incluía, exemplifica, desentupir a estrada, que entupia com a chuva… 2002 representa um marco, com o início do projecto das Aldeias do Xisto. «A obra física começou, com as infraestruturas, em 2005» e a electricidade – pública, ressalva, porque entretanto os painéis solares e um gerador já garantiram a energia necessária, designadamente para os computadores – chega em 2006. Nesse mesmo ano e no anterior fez-se o empedramento dos caminhos, sob os quais está instalado o sistema de esgotos, água, electricidade e comunicações. Nesta altura «já tínhamos os vizinhos que temos hoje», ou seja, as oito famílias que habitam na Cerdeira. Só uma recuperou a casa da família. As restantes são amigos
de Kerstin, de Lisboa, que a alemã ajudou a apaixonarem-se pela sua Cerdeira e que aqui compraram e recuperaram as casas, confiando na guardiã da aldeia para evitar que fossem vandalizadas. «Afalta de pessoas nos locais permite tudo», alerta.
Arte ajuda a dar mais vida à Cerdeira Concluída a fase das infra-estruturas, avançou-se, recorda, para uma outra fase, com apoios para a recuperação de fachadas e coberturas. Um programa «bem feito, pois só se as pessoas investissem nas aldeias é que a Câmara Municipal dava esse apoio». E foi esse o passo que Kerstin e o marido, Renato, açoriano, também ele artista, quiseram dar. «A aldeia continuava com pouca vida» e era necessário mudar, porque as «aldeias têm de ter vida própria, não basta terem visitantes», considera. A opçãofoi avançar com um projecto «abrangente», que inclui uma componente de turismo, com alojamento - «importante para a sustentabilidade financeira» - conjugado com uma ampla proposta de carácter ar-
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Aldeias do Xisto 90 anos com Lousã
tístico. «Sou artista plástica», recorda. Nasce, assim, o projecto Cerdeira Home for Creativity. «Um projecto importante como conteúdo, como motivação para a aldeia», até porque «este silêncio, este ambiente é muito inspirador e quem tem sensibilidade sente-se bem». Surgem, então, as oficinas e a Casa das Artes. «Temos de criar condições para se fazerem coisas», refere. O projecto arrancou em 2014, numa altura em que «todas as casas – alojamento - estavam prontas», num programa que «tem vindo sempre a crescer e que, em 2015, contou com um novo forno, fundamental para cozer as peças de cerâmica. Um forno especial, explica Kerstin, uma vez que a zona é delicada, em termos de incêndios, e a exigência de um forno desta natureza é tremenda. Além disso não se podia «incomodar os vizinhos» com fumos, cinzas ou cheiros. «Descobrimos um mestre japonês que inventou um forno que não fazia fumo» e esta era a resposta certa para as necessidades do projecto. Funciona a lenha, consome 5 metros cúbicos de madeira para garantir a cozedura/vidragem das peças, num processo que tem a duração de 38 horas. Um forno com uma grande capacidade e que ainda tem a possibilidade de “inspirar” os cozinheiros. «Já aqui fiz chanfana», confessa Kerstin Thomas. O projecto Cerdeira Home for Creativity inclui alojamento turístico, residências artísticas, oficinas, galeria, loja, café e duas bibliotecas. Uma, explica, para a área da arte, outra para os hóspedes.«As casas não têm televisão», refere, destacando os jogos disponíveis e a actividade, “experiência criativas”, que convida a «experimentar uma arte», seja uma roda de oleiro ou fazer casinhas de xisto. «Envolve a família inteira» e «não é um mero entretenimento, aprende-se sempre alguma coisa».
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Retomar “normalidade” para o ano
“Elementos à Solta” constitui uma das referências culturais da Cerdeira
Os cursos e ateliers promovidos pelo projecto Cerdeira Home for Criativity, apesar da pandemia, têm condições para continuar. «São grupos pequenos, que envolvem 4-8 pessoas», «com dois professores», o que confere um sentido «muito personalizado» e com uma grande componente de actividades realizadas ao ar livre. Mas também há formação para formadores, com a participação de grupos de artistas, portugueses e estrangeiros. Os cursos de cerâmica são os mais significativos em termos de adesão, mas há cursos de madeira, com talha e escultura. «Todos os anos vem um artista de Inglaterra, que trabalha com madeira verde, faz bancos e cadeiras e usamos madeira de mimosa». Azulejaria, tinturaria, tecelagem, desenho na natureza são outras áreas propostas. «O programa para o ano está feito» e o objectivo é «voltarmos a fazer os nossos eventos habituais», refere Kerstin Thomas, designadamente o “Elementos à Solta”,
que arrancou em 2006, previsto para Setembro. Outra experiência interessante, testada no ano passado, em Outubro, foi o Mestres e Chef’s com gastronomia de autor e peças de cozinha de autor. O evento colocou os ceramistas a fazerem pratos, taças e copos, que foram cozidos no forno. Depois, cada visitante adquiriu as peças que entendeu e, depois, foi tempo de almoçar, «com um empratamento à chef». «Correu muito bem», diz, sempre pronta para novas experiências. “Mestres e chefs: a cerâmica e a gastronomia num encontro delicioso” é uma aposta para repetir.
Encontro de mestres e chefs deu mais vida à cerâmica e mais sabor aos pratos da gastronomia. Uma experiência pioneira, a repetir
90 anos com Lousã Aldeias do Xisto
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“Há uma grande oportunidade para as aldeias do interior”
Aldeia do Talasnal fez uma clara aposta no turismo
Empenhada em levar “a carta a Garcia”, Kerstin Thomas entende que o importante, na Cerdeira como em Casal Novo, Chiqueiro, Tanasnal e no Candal – as Aldeias do Xisto da Lousã – é que as «aldeias tenham de novo habitantes e consigam ter a sua vida própria». Mais, hoje, com a Internet, «há uma grande oportunidade para o interior e o vírus (Covid-19) veio ajudar a perceber isso. A qualidade de vida no campo é completamente diferente», sublinha, mas, adverte, «as pessoas que vêm da cidade têm de aprender a viver na aldeia e vir com essa humildade». Para quem, como Kerstin, vive na aldeia, «é muito bom ir à cidade, mas saber que posso voltar». «Sempre defendi a necessidade de criar um equilíbrio. Não preciso de isolamento, o isolamento é bom, mas não se deve ficar isolado, ainda menos quando há
Casal Novo
crianças», refere a artista, que criou os dois filhos na Cerdeira. «Já são grandes, já voaram», mas «mantêm a ligação à aldeia». «Para apreciar isto é preciso sair daqui», «ter oportunidades», «conhecer mundo» e «ter isto como background», diz. Kerstin elogia o projecto da ADXTURAgência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto que lhe permitiu conhecer outras realidades e partilhar experiências com as 27 aldeias da rede e contactar de perto com pessoas que, como ela, se empenharam na recuperação. Relativamente às restantes quatro aldeias da Lousã, destaca a grande aposta que o Talasnal fez ao nível do turismo, com restaurantes e alojamento. Relativamente ao Candal, a aldeia mais próxima, onde os seus filhos andaram na escola, faz notar que «nunca foi abandonada». O facto de ficar junto à
Chiqueiro
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estrada que liga a Lousã a Castanheira de Pera deu-lhe alguma vantagem. «Tinha estrada, telefone, uma tasca», faz notar e, além e «ser uma aldeia muito bonita, com muitos ribeiros», foi uma das aldeias onde a recuperação de casas avançou logo no início do processo, nos finais da década de 80. Casal Novo é, sobretudo, uma aldeia com casas de férias e no Chiqueiro ainda se mantém, sublinha, alguma actividade de pastorícia, bem como algum turismo. «Cada aldeia tem as suas particularidades», diz ainda. Relativamente às restantes aldeias do interior, a artista entende que a ligação entre o investimento público e privado «representa um ganho», sobretudo tendo em conta que o «investimento em infra-estruturas é muito grande». Todavia, «se não houver garantia que dê frutos, não vale a pena», considera. E defende a necessidade de, «depois da recuperação dos espaços públicos», se assistir a «um trabalho virado para os conteúdos», para que «possa haver vida nas aldeias e sustentabilidade». O turismo de natureza, a rede de caminhos pedestres, de BTT, etc, tudo isso «faz parte desses conteúdos», onde também inclui as praias fluviais, como factores de atracção, em tempo de Verão. Kerstin Thomas salienta o facto de o município da Lousã ter sido aquele que avançou com mais aldeias para integrar a Rede das Aldeias do Xisto, cinco, com Góis a suceder-lhe, com quatro, e elogia esta dinâmica de um projecto que «envolve a população», «trabalha com as pessoas». Recorda uma assembleia geral daADXTUR, onde os cerca de 200 parceiros estiveram, em directo, cada um no seu computador, a votar o Plano de Actividades. «Foi um grande exercício de cidadania e de democracia. O projecto tem essa particularidade, trabalha com as pessoas, o que é uma grande mais-valia», conclui.
Candal
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Serra da Lousã 90 anos com Lousã
VEADOSI VOLTAM A SERI OS SENHORESI DA SERRAI
Cervídeos adaptaram-se de forma exemplar e transformaram a serra na sua casa
1995 Os primeiros chegaram no dia 5 de Março de 1995. Instalaram-se, adaptaram-se exemplarmente e multiplicaram-se. Hoje são milhares. Um exemplo de sucesso
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epois de um interregno de quase 200 anos, voltou a ouvir-se a brama dos veados na Serra da Lousã.Apopulação de cervídeos, com os imponentes veados à cabeça e os mais modestos – em termos de tamanho – corços, instalou-se, cresceu e hoje em dia já existem veados e corços para caçar, alimentando a “caça maior”. Um processo que começou há 25 anos e constitui um exemplo de sucesso à escala europeia. Carlos Fonseca acompanhou a introdução de veados e de corços na Serra da Lousã desde a primeira hora. Na altura, recorda o professor do Departamento de Biologia da Universidade deAveiro, «ainda era estudante da Universidade de Coimbra». Aconteceu em 1995. Carlos Fonseca destaca o papel que o eng.º Duarte Pessoa, ao tempo director dos Serviços Florestais, teve em todo este processo. «Foi muito pela mão dele que foi possível viabilizar a vinda de veados de outras zonas do país», explica, referindo-se designadamente a Contenda, em Moura (Alentejo), e à Tapada de Vila Viçosa, onde «havia excesso de população e não se sabia o que fazer aos cervídeos». «Arranjo-lhe um destino», propôs o responsável, já a pensar na Serra da Lousã. Horácio Antunes
e Fernandes Antunes, à época presidentes das câmaras municipais da Lousã e de Penela, foram os interlocutores de eleição para o projecto que Duarte Pessoa tinha em mente. «Conseguiu o apoio dos dois autarcas», refere Carlos Fonseca, sublinhando que é então que se dá a “entrada” da Universidade de Coimbra no processo, designadamente através do grupo do qual fazia parte - Instituto de Ambiente e Vida, do Departamento de Zoologia, liderado pelo professor Amadeu Soares. Os Serviços Florestais definiram a estratégia e, «como eu estava nesse grupo, convidaram-me». 5 de Março de 1995 é uma data histórica, que Carlos Fonseca tem gravada na memória. «Chegou o primeiro grupo de veados de Contenda e de Vila Viçosa. Foram libertados na Ribeira de Porto Espinho», conta. O biólogo, natural de São Pedro deAlva, concelho de Penacova, estava lá nesse dia e tem-se mantido sempre próximo da Serra da Lousã e da população de veados e corços, fazendo parte do grupo de investigadores que há 25 anos acompanha este processo. «Os corços vieram depois», conta, sublinhando que os animais, que se podem considerar uma espécie de primos afastados dos veados, vinham de França. «Quando
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chegávamos à fronteira tínhamos três camiões com animais». Dois destinavam-se ao Montemuro e à Malcata e o terceiro à Serra da Lousã. Esta era a “encomenda” pela qual Carlos Fonseca se responsabilizava, mantendo um contacto de proximidade com a Serra da Lousã. Através dos corços, dos veados e também dos javalis. De resto foi nos javalis que se concentrou para a sua tese de mestrado e lembra, a propósito, que neste caso, apesar de se ter registado, à época, uma «população muito reduzida», acabou por «recuperar naturalmente». «Chegou a estar protegida», mas recuperou muito bem e «nos anos 80 abriu a caça ao javali». «É a principal espécie desta caça maior», refere. Voltando ao reino dos cervídeos. Depois da primeira introdução, em 1995, a operação repetiu-se nos anos subsequentes, até 1998, fixando a população “fundadora”em «cerca de 60 corças» e «120 veados», refere Carlos Fonseca, que assume o crescimento exponencial das duas espécies, que hoje já ultrapassaram as fronteiras da Serra da Lousã. «Há veados e corças entre o Mondego e o Zêzere e estão muito próximos da Serra da Estrela». Falando em números, o biólogo aponta uma população de veados que rondará os «três mil animais». Quanto aos corços, «serão milhares». «Expandiram-se muito mais do que os veados», até porque a fêmea do veado apenas tem uma cria por ano, enquanto a corça pode ter duas.Acontagem é feita, esclarece, com o recurso a vários tipos de metodologia, com a mais significativa das quais a ser a contagem dos animais na altura da brama, que acontece em Setembro, até ao início de Outubro. É a época do acasalamento, com os veados a atraírem as fêmeas, algumas das quais ainda vêm acompanhadas pelas respectivas crias. Um encontro de família que permite a contagem.
Crescimento, caçadas… e turismo Com os cervídeos a tornarem-se lentamente os reis e senhores da Serra da Lousã, Carlos Fonseca destaca alguns momentos que considera relevantes neste processo, designadamente uma publicação da revista National Geographic, que testemunhava o processo de «povoamento e o êxito que teve». Um artigo publicado em 2001, que deu a conhecer «a todo o país a existência de veados na Serra da Lousã». Pouco depois,
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particularmente em 2005, «começam a surgir queixas de agricultores», com prejuízos nas hortas e nas castanhas. Era o “ataque” dos veados que conduziu, no ano seguinte, ao início das caçadas. «Estavam previstas», afiança o investigador, fazendo notar que as caçadas são efectuadas «com grande base científica», através de «um planeamento geral para atribuição de quotas», definindo o número e animais que é possível abater em zonas de caça associativa ou municipal. As caçadas (montarias) e a possibilidade de observar os veados em ambiente natural, particularmente durante a brama, conjugaram-se para um novo ciclo. «As pessoas começaram a despertar para este património natural», refere Carlos Fonseca, que aponta o surgimento de empresas turísticas, que começaram a desenvolver um conjunto de circuitos e propostas tendo como base a vivência dos cervídeos no habitat da Serra da Lousã.
Adaptação exemplar O investigador confessa que a instalação dos parque eólicos motivou alguma apreen-
90 anos com Lousã Serra da Lousã
são, tendo em conta o ruído que desencadeiam. Todavia, o certo é que «os animais se adaptaram bastante bem». Mais do que isso, as empresas responsáveis pelas eólicas «melhoraram o acesso às cumeadas da serra», que antes apenas se fazia com recurso a viaturas todo-o-terreno e passou a ser feito por veículos “normais”. Verdade é que esta melhoria da acessibilidade também motivou, adianta, uma «maior pressão sobre o ecossistema» que, critica, «não foi acompanhada com informação sobre o que se pode ou não pode fazer». A monitorização da população de veados e corças continua a ser feita, o que permite fazer estimativas muito aproximadas relativamente ao efectivo actualmente existente. Um indicador da excelente adaptação dos animais ao novo habitat. Mas se dúvidas houver, há outros que as esclarecem. Carlos Fonseca refere a liderança que veados e corços da Serra da Lousã assumiram no ranking nacional de troféus (hastes), com uns e outros a atingirem a melhor classificação, homologada pela Comissão Nacional de Troféus.
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Celebrar os 30 anos Carlos Fonseca confessa que tinha alguma expectativa de, este ano, assinalar os 25 anos do projecto. «Ainda pensámos um programa, envolvendo palestras, deslocações a escolas, assistir à brama dos veados, uma exposição fotográfica. Um vasto programa envolvendo os sete municípios da Serra da Lousã. A pandemia evitou que alguma coisa pudesse ser feita. «Vamos esperar pelos 30 anos», diz, assumindo que o regresso dos “reis” à Serra da Lousã representa «um dos exemplos de maior sucesso a nível europeu», o que significa que há manifestamente razões para celebrar. Quando mais não seja, daqui a cinco anos.
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Serra da Lousã 90 anos com Lousã
AVENTURASI NA MONTANHAI MÁGICAI
Na Serra da Lousã encontram-se as melhores pistas do mundo de downhill
1990 Montanha Clube nasce da paixão de um grupo de amigos pelo desporto e pela serra. Contagiou o mundo, levando longe o nome da Serra da Lousã e os seus trilhos
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caminhar ou a correr, de bicicleta, de moto ou até mesmo a voar. Modos diferentes de descobrir os encantos desta “Montanha Mágica”. Rendido, um grupo de amantes da Serra da Lousã e das motos entendeu que o melhor seria mesmo partilhar esta aventura e desafiar outros para subirem ou desceram a serra. A andar, em passo de corrida, a acelerar ou a pedalar, ou ainda, lá em cima, conquistando os céus, não num voo de condor, mas de parapente. Vivia-se o ano de 1990. João Bandeira, Ana Cristina Carvalho, Manuel Gonçalves, João Lopes, Pedro Barradas, Ana Barradas, Margarida Pinto Correia e Ana Carvalho, além de amigos, estavam unidos pelo «gosto pela aventura», pela paixão pelas motos, pela magia da serra e pela organização de eventos. Uma união que deu origem ao Montanha Clube. Um projecto que arrancou em boa hora e acelerou, rápido, para o sucesso. Primeiro com as motos, as provas de enduro e os voos de parapente. Depois com o BTT. Os caminheiros posicionaram-se de seguida, o mesmo acontecendo com o trail, com o clube a organizar, desde 1995, corridas de montanha, embora a respectiva secção seja criada mais tarde. O Judo foi a última aposta, em 2013, e tem a particularidade de ser a única secção
que não tem a serra como palco, embora assuma um “raposinho” como mascote. A vertente «mais reconhecida» a nível internacional é, sem dúvida, o downhill, afirma Elisabete Vaz, presidente da direcção, recordando o grande êxito das últimas provas, no final de Outubro, princípio de Novembro, a contar para a Taça do Mundo, depois de, no ano passado, a Lousã ter sido palco de mais uma etapa do Campeonato da Europa. «Foi considerada a melhor pista de downhill a nível mundial», diz, com notório orgulho, referindo a “pressão” dos atletas para a realização de uma nova prova em 2021. «É muito difícil», afirma, tendo em conta as limitações impostas pela pandemia, designadamente a ausência de público e as muitas exigências em termos logísticos. «Estou em crer que não vai ser possível, em 2021, realizar outra prova. Mas em 2022, sim», garante Elisabete Vaz. Na “crista da onda” está, igualmente o trail, com duas provas que são uma referência, o Louzantrail e o Louzanskyrace. Marcado por «alguns contratempos» tem estado o enduro, que «sempre foi muito badalado na Lousã, mas tivemos de adiar provas, devido ao risco de incêndio». Este ano foi a pandemia que ditou o cancelamento da prova.
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À conquista dos céus, o parapente tem o seu porto de abrigo «do outro lado da serra», em Vilarinho, onde está instalado o “posto” de descolagem e aterragem, enquanto as restantes secções/modalidades do Montanha Clube funcionam no Louzanpark, em Cacilhas. Já com “pergaminhos”, o parapente começa agora a «ter mais gente», sobretudo «senhoras». Neste momento, dos 52 atletas federados, apenas se encontram quatro senhoras. Verdade é que o Montanha Clube tem procurado dinamizar esta actividade junto do público feminino, designadamente com a realização anual, em Agosto, do Paraladies. Para os amantes das caminhadas, a Secção de Caminheiros tem a resposta certa. Aqui não há federados, é o universo do «desporto informal, lúdico», que envolve um conjunto de iniciativas de relevo, desde a Descida Nocturna da Serra, por alturas do São João, que «tem sempre muita adesão», à subida ao Santo António da Neve, em Janeiro, entre outras, que culminam praticamente sempre com um “aconchego para o estômago”. «Temos cerca de 250 atletas federados», afirma Elisabete Vaz, animadora cultural e responsável por uma empresa de eventos que assumiu há pouco mais de um ano a presidência do Montanha Clube. Sem certezas quanto ao calendário de eventos do próximo ano, pois tudo vai depender da evolução da pandemia, a responsável aponta o Louzantrail, eventualmente em Março, um torneio de judo em Abril, o Encontro Nacional de Parapente em Maio, o Paraladies em Agosto e a Descida Nocturna da Serra em Junho. Para o final do ano perspectiva-se uma corrida de downhill, categoria C e o Foxenduro «ainda não tem calendário». Para Dezembro está apontada a realização do Minienduro e do “Clássico”. «A Câmara da Lousã tem sido fantástica», afirma Elisabete Vaz, elogiando o «extraordinário apoio» que o município tem garantido aos eventos promovidos pelo Montanha Clube. «Mexemos bastante com a economia local, tendo em conta o número de pessoas que trazemos à Lousã». E não se trata apenas de atletas, mas também das famílias que os acompanham. «Empenhamo-nos em receber bem», enfatiza. Uma regra que rege todos os eventos do Montanha Clube. Ao longo destas três décadas o sucesso tem sido a palavra de ordem.
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Rali de Portugal 90 anos com Lousã
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VIVÊNCIAS ÚNICAS DE UMA GRANDE PAIXÃO 1982 Renato Ferreira cresceu a ver os campeões do mundo ali ao lado, alimentando uma enorme dos automóveis. A máquina fotográfica permitiu fixar esses momentos e vivências únicas do Rali
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enorme paixão pelos automóveis juntou-se o facto de eles estarem ali, bólides e pilotos, praticamente “à mão”.As máquinas fotográficas do pai fizeram a diferença e puseram, ainda miúdo, Renato Ferreira a ver o rali com um ângulo diferente, através do “quadrado” de uma objectiva. São milhares e milhares de fotografias, memórias de uma vivência única, de um passado que não volta. De um rali que era de proximidade, de afectos, de convívio. «Um piloto saía do carro e cinco minutos depois tinha 20 ou 30 miúdos à sua volta», recorda Renato Ferreira, que assume a sua «paixão enorme» pelo mundo dos automóveis. «Em miúdo, quando me davam uma prenda que não fosse um carro, não era prenda», conta. Uma paixão que o levou, quando cresceu, a tirar uma licenciatura em Engenharia de Máquinas e, antes, em pequeno, a “correr Seca e Meca” atrás dos bólides. Mas mesmo antes de ir pelo seu próprio pé, eram os pais , sobretudo o pai, que o levava. Particularmente para o famoso “troço da Candosa”. «Os meus pais, com outros casais amigos, iam para lá. Levávamos mantas, acendíamos fogueiras e passávamos lá a noite», diz. Mas nem era preciso subir à serra, pois o Rali era “servido à discrição”, com as equipas da assistência instaladas a dois passos de casa. «No espaço onde está agora a Biblioteca era um descampado, onde jogávamos à bola e onde ficavam as equipas de assistência. Estavam ali, “à mão”, para mim e para todos os miúdos. O rali era o “ex libris”da Lousã. Tínhamos os melhores
Renato Ferreira tirou milhares de fotos às provas, ao público, aos pilotos e ao ambiente
do mundo aqui, ao nosso lado», recorda. Renato Ferreira e todos os garotos da sua idade faziam uma «verdadeira romaria» junto dos pilotos e das equipas de assistência técnica. «Um piloto saía de um carro e estávamos todos ali, logo, praticamente nem o deixávamos respirar». Um ambiente «único», «de convívio», impossível de resistir, mesmo para quem não gostasse especialmente de automóveis. Momentos incríveis que Renato Ferreira imortalizou através da objectiva. As máquinas fotográficas do pai – Estúdios Delfim Ferreira – permitiram-lhe fazer a diferença. Aos 12 anos começou a pegar na máquina e a disparar. «Ficar com uma recordação», «oferecer aos pilotos», eram os objectivos.
Pilotos e equipas técnicas reagiam, por norma, sempre bem. «Uns eram mais simpáticos, outros menos... os alemães eram mais antipáticos». Mas nada que conseguisse afastar os garotos. «Eu cresci com os campeões do mundo ali, à porta», reforça, sublinhando que, hoje em dia, com as novas regras e o novo figurino que envolve as provas, tudo mudou. «Um miúdo da Lousã, hoje com 20 anos, nunca viu um rali assim», faz notar. Renato fotografou todos os campeões, mas confessa um especial interesse por Michèle Mouton, que fez furor na década de 80. «Estava parada a consultar o mapa e não me ligava nenhuma. Tive de chamar por ela», conta. «Olhou e sorriu-me», re-
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PELOS BÓLIDES paixão pelo mundo de Portugal corda, assumindo o «fascínio» que a piloto francesa exercia sobre os “miúdos”, num tempo em que o universo dos ralis era todo ele dominado por homens. Mas, à parte isso, Michèle Mouton era «uma senhora muito interessante», «muito moderna» e, simultaneamente, «muito feminina». «Usava uma pulseirinha e tinha as unhas pintadas», faz notar. Março era o mês “fatal”. Durante praticamente três semanas os motores roncavam ali por perto. «Não havia telemóveis, mas a informação circulava a uma velocidade fantástica. Bastava alguém ver uma carrinha com os autocolantes do rali e passava a palavra». Se se ouvia um carro na serra, era a debandada por ali acima. «Tenho milhares de fotografias». Nos primeiros anos, «era mais uma brincadeira, pouco se aproveitava». Depois, a partir de 1982/3, a “coisa” tornou-se «mais séria», com Renato a trocar a máquina mais pequena por um “Reflex”, particularmente quando saía com o pai. «Cheguei a gastar 15/20 rolos de 36 num dia», conta, confessando que se sentia um «privilegiado» por ter acesso a meios que nenhum outro garoto tinha na altura.
De brincadeira… a “coisa” muito séria Em 1992, Renato Ferreira foi estudar para Arganil e passou a ver o rali de um outro ângulo. «Ainda havia mais treinos do que na Lousã», refere, e o Hotel de Arganil convidou-o a realizar uma exposição das suas fotografias. Se o público gostou, os profissionais também e foi essa experiência que o levou a receber um convite
90 anos com Lousã Rali de Portugal
para colaborar com a revista AutoSport. Outros se seguiram, designadamente de agências internacionais. Juntava-se o útil ao agradável! «De 1983 a 2000 não falhei nenhum Rali de Portugal e a partir do momento em que tive carta de condução, “fazia” o rali do princípio ao fim». Também não falhava o Rali da Catalunha.
“Continuo a gostar, mas é diferente” Hoje, o ritmo de Renato Ferreira é outro. «Continuo a ter o gosto, mas é diferente». E a diferença fundamental é que «agora vou ver o rali». A máquina leva-a sempre consigo. «Mas se estiver muito pó e se não me apetecer, depois, limpá-la toda – confessa que é muito meticuloso com o equipamento – nem a tiro. Mas se me apetecer, fotografo». «Durante muitos anos vi os carros por um quadradinho pequeno», com “timings”para cumprir, com responsabilidade, para dar resposta às agências. Agora é tempo de ver os carros sem “filtro”, de desfrutar. Sobretudo sem a preocupação com o melhor ângulo, sem pressas, sem compromissos. Todavia, as novas regras tiraram colorido às provas, impuseram a distância, limitaram o convívio. «Já não é a mesma coisa», diz. Engenheiro de máquinas, Renato Ferreira começou por trabalhar nas oficinas da Sodicentro, mantendo próxima a relação com aos automóveis. Todavia, acabou por sair e dar continuidade ao negócio da família, na área da fotografia. Hoje, com 49 anos, pensa «mudar de vida», com o “bichinho” dos automóveis a voltar a dar sinais. Mas também porque o mundo da fotografia mudou e, com um trabalho de vocação marcadamente empresarial, Renato Ferreira viu-se confrontado com muito poucos eventos, fruto da pandemia. Mais do que isso, «o trabalho de loja» não preenche por completo a sua vontade de fazer e... dá balanço à mudança.
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Exposição fez reviver memórias
Das milhares de fotos que Renato Ferreira fez, oito dezenas ganharam uma notoriedade nova, em 2019, na exposição “Memórias do Rally na Lousã”, uma iniciativa promovida pelo município da Lousã, em parceria com os Estúdios Delfim Ferreira O autor confessa-se surpreendido com a adesão do público e a notoriedade e projecção que a mostra teve. A justificação está no facto de, mais do que fotos da prova, a exposição apresentar fotografias tiradas no ambiente único que se vivia entre equipas técnicas, pilotos e público. Uma realidade que era a imagem de marca do tempo e que a sua objectiva captou - entre 1983 e 1997 - permitindo reviver momentos, recordar os protagonistas, três décadas depois. Novas iniciativas/experiências para breve? «Para já, talvez não. Não tenho nada de novo», diz, assumindo que trabalhou neste regresso do Rali de Portugal à Beira Serra, mas «não consegui fotografar nada». Todavia, Renato Ferreira entende que o desafio lançado pela autarquia, no sentido de realizar uma exposição com as fotos que os entusiastas tirem da prova, «poderá ser interessante», no futuro. Só é mesmo preciso que os bólides se voltem a fazer ouvir por terras da Lousã.
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Castelo da Lousã 90 anos com Lousã
Castelo é o maior ícone do património histórico do concelho
CASTELO REINA NO SOCALCO DA SERRA 2019 Castelo reabriu em Abril de 2019, depois de uma intervenção que apostou na acessibilidade e no reforço da segurança. O passadiço veio atrair mais visitação
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obe-se a encosta da serra, entre frondosos carvalhos, crescem teimosas acácias. Num socalco da serrania, ergue-se, majestoso, o castelo da Lousã ou de Arouce. Um “ex libris” de pedra, implantado entre o verde. Dali avista-se um mundo de fé, consagrada nas capelas dedicadas a Nossa Senhora da Piedade, que enfeitam o monte. Ou na capela e cruzeiro que recebiam os mortos, vindos das aldeias, onde não
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havia cemitérios, rumo à vila. Abaixo, correm, frescas, as águas da ribeira de São João. É uma espécie de vale encantado, que os turistas, incansáveis, demandam, muitos numa viagem a pé, que continua pelos vários percursos pedestres. Mas é também uma referência incontornável para as gentes da Lousã, um espaço icónico que ganhou nova vida, depois de uma intervenção concentrada na acessibilização e valorização. «O castelo é um elemento identitário muito forte, tem um papel relevante em termos históricos e culturais no concelho e na região», afirma Luís Antunes, presidente da Câmara Municipal. Por isso, a autarquia empenhou-se neste projecto. «Era frustrante não permitir que as pessoas desfrutassem deste elemento turístico e de referência histórica e cultural», adianta, justificando a pertinência desta intervenção, que decorreu entre 2018-19» e representou um investimento de cerca de 400 mil euros, financiados em cerca de 80%. O objectivo foi «ganhar mais notoriedade e ganhar mais vida e uma maior expressão no futuro turístico do concelho, pois passou a ser um elemento central», refere o autarca, sublinhando que o projecto foi orientado por três pilares fundamentais, centrados na sua «valorização e preservação e na garantia da segurança dos visitantes». A obra incluiu a criação de uma área de acolhimento – um Centro de Interpretação e Informação, onde o visitante é informado acerca do contexto histórico cultural, sem faltar a Lenda do Rei Arunce e da Princesa Peralta - acessibilidade directa à torre de menagem e criação de um miradouro adjacente à Praça de Armas. A adesão dos visitantes «surpreendeu». «Tínhamos boas expectativas, mas foram ultrapassadas», refere o autarca, sublinhando, igualmente, os indicadores de sa-
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90 anos com Lousã Castelo da Lousã
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Visitantes batem recorde
Obras permitem visita em segurança
tisfação decorrentes desta visita histórico-cultural com uma envolvente paisagística única, onde pontua a serra, as aldeias, o vale, as ermidas que se apreciam a partir do castelo, que também se assume como um miradouro de excelência. Mas não foi só o castelo e zona envolvente que foi intervencionada. Já depois desta obra, avançou um segundo projecto (2019-20), de melhoria da acessibilidade entre a Lousã e o Castelo e entre o Castelo e as Piscinas da Senhora da Piedade, que incluiu a melhoria da zona envolvente às piscinas e a recuperação da Casa da Natureza. A obra contemplou a construção de um passadiço, com indicadores invejáveis de utilização. «Facilita o acesso pedonal aos turistas», reconhece o autarca, destacando, igualmente, os «muito lousanenses que elegem este espaço para as suas caminhadas» e o problema de «debilidade de segurança» que se colocava em «vários pontos» da estrada que sobe a serra, íngreme, estreita e sem passeios. «Com este circuito pedonal melhorou-se a segurança» e a acessibilidade, realça. A obra representou um investimento a rondar os 400 mil euros, com financiamento de 90% do Programa Valorizar.
O castelo de Arouce remonta à segunda metade do século XI, quando a povoação foi pacificamente ocupada pelo conde Sesnando Davides, governador de Coimbra. Todavia, já antes, em 943 há referência a Araz. Em 1151 D.Afonso Henriques atribuiu carta de foral ao Castelo de Arouce. Reza a lenda que foi neste castelo que o rei Arunce, um emir ou chefe islâmico em fuga, depois de derrotado e expulso de Conimbriga, escondeu a sua filha, a Princesa Peralta, e os muitos tesouros que possuía. Talvez tenha sido em busca desse imaginário tesouro que o castelo foi, ao longo dos anos, bastante vandalizado, tendo chegado a ficar sem as ameias e a perder parte de uma das paredes. Intacta, mantém-se a cisterna, com mais de sete metros de profundidade, que abastecia o castelo de água, pese embora a ribeira, fresca, corra escassas dezenas de metros abaixo. Era necessária, esclarece o nosso guia, lembrando que possivelmente várias gerações terão vivido toda a sua vida dentro das muralhas. Considerado monumento nacional desde Junho de 1910, o castelo sofreu um conjunto de intervenções de recuperação, a cargo da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Uma campanha mais extensa decorreu a nível nacional, entre 1939 e 1950, contemplando, igualmente, o castelo da Lousã, onde foram efectuadas, posteriormente, algumas intervenções pontuais. Durante largos anos o castelo esteve fechado, com o município, mais recentemente, a garantir a sua abertura durante o dia. Todavia, a manifesta falta de segurança levou ao seu encerramento e acelerou a necessidade de uma intervenção. Em 27 deAbril de 2019 reabriu
Passadiço aproximou a vila do castelo e do Santuário da Senhora da Piedade
ao público, depois de concluídas as obras. José Manuel Almeida, «lousanense de gema», como se define, faz as visitas guiadas e confessa-se «surpreendido» com o índice de visitantes. «Mesmo com limitações – máximo de nove pessoas chegámos a ter 250-300 visitantes num fim-de-semana», diz, apontando um universo de 70 mil visitantes desde a reabertura. «Já era uma atracção, agora, com a construção do passadiço, está excelente e toda a zona envolvente fica beneficiada», faz notar, apontando para a vista sobre as Capelas da Senhora da Piedade, o Talasnal em pano de fundo e os percursos pedestres que circundam a serra. O Castelo da Lousã também faz parte da Rede de Castelos e Muralhas do Mondego, que reúne os territórios que integravam a Linha Defensiva do Mondego.
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Museu Etnográfico 90 anos com Lousã
ETNOGRAFIA EMI ESTADO PUROI Espólio de Louzã Henriques apresenta a vivência do mundo rural
1999 A Escola Conde Ferreira foi o primeiro espaço de acolhimento do espólio do Dr. Louzã Henriques, que em Junho de 2005 se mudou para a casa que pertenceu aos pais do médico
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ão cerca de quatro mil peças, que surpreendem pela grandeza, pela diversidade e pelo carácter genuíno. Representam Portugal de lés a lés, com um enfoque muito especial na mundividência rural. É a colecção de Louzã Henriques, o médico psiquiatra que, nos anos 60 do século passado, deu início a um trabalho ímpar de recolha etnográfica. Uma colecção de peças relacionadas com a vida diária das populações, como ferramentas, veículos rurais, alfaias agrícolas, que o médico acordou ceder ao município (1987), visando a criação do Museu Etnográfico da Lousã. A obra fez-se, primeiro com cerca de 300 peças, provenientes da colecção – da qual o município era fiel depositário – com algum espólio proveniente da colecção do Museu Municipal e doações. A Escola de Conde Ferreira foi o espaço escolhido para acolher este universo etnográfico, inaugurado a 7 de Junho de 1990, pelo então Presidente da República, Mário Soares. Todavia, depressa cresceu o interesse em torno da mostra e também do espólio, que ganhou dimensão, inviabilizando a sua
gestão. A autarquia avançou, então, em 2002, no âmbito da Acção Integrada de Base Territorial do Pinhal Interior, com a apresentação de uma candidatura para implantação do Museu Serra da Lousã, que integrava o Museu Etnográfico.Adquire a casa onde viveram os pais de Louzã Henriques e avança com um projecto de requalificação, de autoria do arquitecto Manuel Louzã Henriques. O novo espaço museológico foi inaugurado no dia 24 de Junho de 2005, com o nome do patrono, Louzã Henriques. O espaço manteve-se em funcionamento até 2018, altura em que encerrou para sofrer obras de remusealização da colecção, no quadro de uma candidatura ao programa Valorizar, no sentido da sua acessibilização, procurando aproximar o visitante da colecção. Reabriu a 6 de Setembro de 2020. Mesmo para quem está à espera, a enorme colecção etnográfica surpreende.Acomeçar pelo número significativo de carros de tracção animal que recebem o visitante. Originais, em tamanho real. Uns puxados por juntas, outros individuais, para bois, mulas ou burros. Uns usados para transportar uvas, outros carvão, a maioria cargas diversas. Depois as cangas. Umas simples, direitas, sóbrias. Outras engalanadas, de festa. Um equipamento multimédia ajuda a descobrir este universo de cangas. Seguem-se os arados. Formas diferentes de rasgar a terra e lançar a semente; as alfaias usadas para trabalhar a terra... enxadas,
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ancinhos, mangualde ou malho, picão, foices e foicinhas, pás de valador…. A sementeira vem a seguir, com uma demonstração educativa e pedagógica da forma como germinam as sementes de feijão, milho, linho e castanheiro. Um ciclo dedicado à Terra, centrado na vertente “Transformar”. No terceiro piso sentem-se as actividades produtivas, particularmente ligadas ao território, percorridas ao longo do ciclo anual. O Inverno apresenta a cozinha, com as panelas, a sertã, os ferros de engomar, a pipa aguadeira. O ciclo solar traz o Verão, a sardinha, as Festas de São João, e Novembro os torresmos, a Feira da Castanha e do Mel. Mas também há espaço para as artes do sapateiro, do fiar e tecer o linho, da matança do porco…Afloresta não foi esquecida, com as ferramentas usadas pelo resineiro e pelo carpinteiro. Nem o ciclo do azeite, com as talhas produzidas pelo oleiro, que também dá forma aos alcatruzes, aos moringues e às jarras do vinho ou à talha meleira. As diferentes medidas e balanças ajustam o peso e as taroas mostram como se limpava o grão e não faltam os instrumentos da queijaria e as croças, as capas de palha usadas pelos pastores em Trás-os-Montes. Um mundo mágico para descobrir.
Agricultura Lusitana: um novo olhar sobre o mundo rural “Agricultura Lusitana 2015-20 – Craft + Design + Identidade”é o título da exposição temporária que durante o próximo ano pode ser apreciada no Museu Etnográfico Dr. Louzã Henriques. Um conjunto de propostas, construções, artefactos, criados por uma vasta equipa, constituída por alunos de Design de nove universidades, politécnicos e escolas profissionais. O palco de actuação/inspiração foram as aldeias do interior serrano. Os jovens estudantes conheceram os lugares e as suas gentes, as marcas diferenciadoras da sua cultura e da sua vivência. Depois, transportaram esse conhecimento para a obra criativa, apresentando um conjunto de sugestões. Artefactos, construções em madeira, cerâmica, mas também em cestaria, em latão, em lã e em linho, em cortiça e metal. Criações que juntam o passado, o presente e o futuro, com o Design a apresentar-se como um desafio inspirador para alargar horizontes e descobrir que há vida e que há valores nas aldeias do interior do país.
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Museu Municipal 90 anos com Lousã
O PASSADO COMO ÂNCORA 2013 Antiga casa do coronel Tenreiro acolhe um vasto espólio, este ano enriquecido com obras do Novo Banco
Museu apresenta uma colecção multifacetada, com forte ligação do território
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epois de uma longa passagem pelo edifício dos Paços do Concelho e de um encerramento temporário, o Museu Municipal ganhou nova vida e a dignidade que o seu patrono e guardião de sempre, Álvaro Viana de Lemos, demandou. Uma mudança que aconteceu em Março de 2013, com a inauguração do novo espaço, na antiga casa do coronel Tenreiro, que recebeu as necessárias obras e adaptação. O Museu Municipal Prof. Álvaro Viana de Lemos – Ecomuseu Serra da Lousã é também Welcome Center das Aldeias do Xisto (desde 2014) e um espaço etnográfico por excelência, que reúne um vasto espólio histórico-cultural. A começar pela colecção que o padre Joaquim José dos Santos reuniu e que constitui o núcleo ini-
cial do Museu. Um conjunto que o professor acompanhou e organizou desde 1938, altura em que, com o Museu a funcionar na cave dos Paços do Concelho, foi nomeado como seu responsável. Patrícia Lima é a coordenadora do Museu, onde se ultima uma intervenção ao nível das acessibilidades, que pretende tornar esta património “visível” e acessível a todo o público. Por isso existe uma sinalética em braille e também um sistema áudio-guia destinado sobretudo a invisuais. Mas há mais. Designadamente um sistema multimédia que apresenta as obras e permite “manuseá-las” e “manipulá-las”, permitindo “tocar-lhes”, conferindo à visita um carácter mais didáctico e pedagógico. A estes equipamentos juntam-se, logo à entrada, duas maquetas, da Serra da Lousã
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e de uma Aldeia do Xisto. O objectivo é, na porta de entrada das aldeias serranas, permitir que quem lá não pode ir tenha uma percepção dessa realidade. Uma das salas é dedicada à história do concelho, com incursões na pré-história, objectos da romanização, baionetas e outros equipamentos que lembram as Invasões Francesas. Também ali está o que resta do Pelourinho original, recuperado por Álvaro Viana de Lemos, esculturas de matiz religiosa, designadamente uma imagem de N.ª Senhora da Piedade, do século XVII, peças de cerâmica, medidas e pesos, entre outros, numa dispersão de estilos que espelha o espírito de coleccionador que orientava alguns beneméritos, cujo espólio se encontra ali preservado. Uma sala que está a ser alvo de um olhar atento, que pretende, inspirado em Álvaro Viana de Lemos e no seu perfil de pedagogo e homem erudito, mas também um lousanense, «criar uma vivência multifacetada, sem abandonar a visão de um museu local e muito ligado ao território». A Sala de Pintura permite uma incursão na história da arte portuguesa de finais do século XVI à contemporaneidade, com obras de Carlos Reis, António Carneiro, Tomaz Pippa, Alvarez, João Reis e Pedro Ramos, J. Eliseu, Carel Verlegh, Mário Silva e Sérgio Eliseu. Desde Maio que este roteiro pictórico está enriquecido com cinco obras da colecção Novo Banco, que reúne trabalhos de Graça Morais, Luís Noronha da Costa e Manuel Amado, todos eles produzidos a partir dos anos 80, que correspondem ao desejo do Museu de consolidar o núcleo de pintura do século XX. O Museu possui um jardim com espécies autóctones da Serra da Lousã, onde se encontra uma peça de Aureliano de Aguiar, que faz arte a partir de desperdícios.
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90 anos com Lousã Museu do Circo
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MUSEU DO CIRCO É ÚNICO EM PORTUGAL 2019 No dia 28 de Fevereiro de 2019 a antiga Escola Primária de Foz de Arouce voltou a ganhar vida e um colorido diferente. A magia do circo chegou à vila. E veio para ficar
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ma tenda de circo deixa antever um mundo mágico. As pedras coloridas, cravadas no passadiço, dão mais brilho ao lugar. Ao entrar, arregalamos os olhos. Perante nós, abre-se a magia do circo. Um mundo para fazer sonhar, que transformou a antiga Escola Primária de Foz de Arouce num espaço único, que merece um olhar atento de descoberta. Sabia que já os egípcios eram adeptos das artes circenses, mas que o espectáculo, enquanto tal, foi “inventado” há 252 anos? Nada mais nada menos que por um cavaleiro inglês. De seu nome Philip Astley, um militar que, terminada a guerra, sem ter que fazer, acabou por transformar a arte equestre numa arte de palco. Sim! Os primeiros espectáculos foram realizados com cavalos, num espaço fixo. O malabarismo
juntou-se, depois, ao espectáculo, que foi sendo progressivamente enriquecido com mais magia e mais cor... Mas, ainda hoje a pista de circo tem 13 metros de diâmetro, o que corresponde ao “volteio” dos cavalos!. Estas são algumas das curiosidades, das “estórias” que o Momo – Museu do Circo tem para contar. Mas há mais. Muito mais. Detlef Shafft e Eva Cabral guiam-nos nesta viagem de descoberta. Artistas de circo, ambos, apresentam-nos fatos usados por uma das famílias mais carismáticas do circo português, os Cardinalli, e as memórias do Circo Mariano, mas também o Chapitô, a primeira escola de
artes circenses criada em Portugal, ou a família Mariani, «na quinta geração de palhaços». Já agora, fique a saber que Eunice Muñoz, a conhecida actriz, nasceu numa família de artistas de circo e, com jeitinho, até pode pegar nos sapatos do famoso Batatinha, da dupla Batatinha & Companhia. Estas são algumas das preciosidades que é possível apreciar na sala dedicada ao circo português. Um espólio variado, mas que não tem comparação com as restantes salas da antiga escola de Foz deArouce. De resto, os dois responsáveis
Detlef Shafft com os sapatos do Batatinha
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Museu do Circo 90 anos com Lousã
pela Companhia Marimbondo e promotores do Museu do Circo queixam-se da falta de informação e de documentação sobre o circo português. Detlef Shafft, de origem alemã, lembra, de resto, que só este ano o circo foi reconhecido em Portugal como um evento cultural. Mais uma descoberta, não? Um mundo de relíquias, que Detlef, um indefectível apaixonado pelo circo, foi reunindo ao longo de anos e anos. Um universo mágico, onde é possível ver uma “Faventia”, instrumento musical usado pelos artistas de circo para pequenos espectáculos, fora da temporada, para acompanhar as suas exibições. Um mundo enorme, onde cabe a música, o malabarismo, os “aéreos”, a magia e tantas coisas mais... Um mundo de curiosidades, que inclui selos dedicados ao circo, figuras que vinham nas embalagens da margarina, calendários, carteiras do sindicato, o circo mais pequeno do mundo. Recordações que lembram Bobby, «um dos maiores malabaristas do mundo», ou Anthony Galto, um génio que fez o seu primeiro espectáculo com 8 anos e «tem vários recordes mundiais». Mas também um cartaz elaborado pelo grande Picasso, caixinhas de música criadas pelo japonês Koji Murari ou um cartaz do Cirque do Soleil que saiu com um erro gráfico. Impressiona o peso de uma faca, daquelas que os lançadores usam. «Não corta», faz notar Detlef Shaff. Ou o maior livro do circo, que pesa uns módicos 7,5 kg, aponta Eva Cabral. Uma oportunidade, ainda, para
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Eva Cabral e Detlef Shafft são os guardiões deste projecto e deste património
conhecer o primeiro cartaz do circo, de origem romena, datado de 1876, ou testemunhar, através do “Le Petit Jornal” que, em 1907 já havia, em França, Palhaços d´Hospital. A visita começa com a apresentação de um vídeo e estende-se pelas várias salas, que incluem um café. «Não está aberto ao público, é um espaço de apoio aos eventos», esclarece Detlef. Um espaço dedicado a um palhaço muito especial, Grock, da «viragem do outro século», «um dos melhores palhaços de todos os tempos», acrescenta. O antigo telheiro, agora fechado, foi transformado em sala polivalente. Um enorme cartaz evoca o grande Circo Roncolli (alemão) e um pequeno palco acolhe
os eventos, sob o olhar atento de Momo, a menina-boneca, mascote do Museu do Circo. É também aqui que decorrem (quando é possível) as sessões de ioga, ao sábado, e, a partir de Janeiro, um curso de teatro. Ainda no interior, há um espaço que serve de biblioteca, escritório e camarim. No exterior, além da tenda de circo, há um palco, construído com o entulho das obras, emoldurado por um centenário sobreiro, onde se podem realizar espectáculos. Também ali se encontram as oficinas e crescem canteiros de flores. A velha nespereira, que faz parte da memória de muitas gerações de frequentaram a escola, e o plátano sem idade, são os guardiões deste Momo – Museu do Circo.
Dois mil visitantes no primeiro ano Radicado há 40 anos na Lousã, Detlef Schafft foi conquistado pelo novo circo há mais de três décadas. Trabalhou com o Circo Chapitô e fundou a Companhia Marimbondo, na Lousã. De resto, foi como artista que conheceu a esposa, Eva Cabral, de Lisboa, que, depois de concluir o Conservatório, formou, com amigos, um grupo de teatro de rua. Juntos, têm promovido um manancial de eventos ligados às artes circenses. O projecto do Museu do Circo é um dos mais recentes. Mas a proposta foi «apresentada há mais de 15 anos à Câmara da Lousã», refere. Demorou tempo, é certo, mas o município assumiu-se como parceiro da Marim-
bondo, cedendo a antiga Escola de Foz de Arouce. «Não havia nada assim em toda a Península Ibérica», afirma Detlef Shafft, que lamenta a demora do processo, pois, por uma “unha negra”, os espanhóis anteciparam-se e avançaram com um «grande museu, em Valência». O Momo – Museu do Circo foi inaugurado a 28 de Fevereiro de 2019, depois de «18 meses de obras». Os dois artistas, apoiados por amigos, empenharam-se na requalificação, contando com a ajuda de alguns profissionais e o apoio de várias empresas que forneceram tintas e outros materiais necessários.
O protocolo celebrado com a autarquia contempla a realização de um espectáculo por mês – de marionetas, malabarismo, concertos – e uma atenção especial às escolas do concelho. «Recebemos 700 crianças», conta Eva Cabral, desejosa de fazer uma grande exposição com os desenhos elaborados por estes fascinados e criativos visitantes. Para já é mais um dos projectos adiados. Como tantos outros. «No espaço de um ano, recebemos dois mil visitantes», sublinha Detlef Schafft, satisfeito com a adesão do público. «O Momo está no mapa. Já é conhecido na Europa», adianta, com satisfação.
90 anos com Lousã Cine Teatro
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CINE TEATROI GANHA NOVA VIDAI Dentro de um ano obras de requalificação e ampliação estarão concluídas
2020 Consignação da empreitada de reabilitação do edifício foi assinada em Junho
O
tempo não perdoa. Desgasta, corrói. Sobretudo quando se trata de estruturas com idade avançada. É o que acontece com o Cine Teatro da Lousã, um espaço emblemático, actualmente só reconhecível pelo esqueleto.As velhas paredes vão sofrer uma ampla intervenção e reerguer-se renovadas. Mas ao velho edifício vão juntar-se novas valências. É a requalificação do Cine Teatro, uma obra que merece uma atenção especial do executivo camarário, enquadrada num registo mais amplo, de requalificação urbana e de valorização dos espaços públicos da vila. «É um dos objectivos prioritários do Plano de Acção para a Regeneração Urbana», afirma Luís Antunes, presidente da Câmara Municipal, esclarecendo que, tendo em
conta os montantes envolvidos, o município «viu-se na contingência de não incluir o Cine Teatro nesta primeira fase do projecto, financiado pelo Centro 2020, e recorrer a um empréstimo bancário – dois milhões de euros - para concretizar esse objectivo». O autarca esclarece que este valor é superior ao montante que o Centro 2020 «disponibilizava para toda a intervenção urbana», verba esta aplicada na «reabilitação de ruas e espaços públicos». Ao todo, entre a requalificação urbanística e do Cine Teatro a autarquia estima um investimento de 4 milhões de euros. O Cine Teatro é «um espaço emblemático, uma referência em termos culturais, que serviu durante décadas a população lousanense», diz Luís Antunes. Mas o autarca destaca, igualmente, a história deste equipamento, que «tem a sua génese na sociedade civil, que se reuniu para concretizar esse objectivo». O primeiro Cine Teatro da Lousã surgiu
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em 1859, inaugurado com a peça “Frei Luís de Sousa”, deAlmeida Garrett, representada por amadores das famílias mais importantes do burgo. Por ali passaram gerações de jovens amadores da Lousã, mas também de outras localidades, inclusivamente de Espanha, e estudantes de Coimbra, e ali se realizaram «notórias recepções». Na década de 30, a imprensa local criticava o «acanhado, inestético e desconfortável» cine teatro, que considerava «uma vergonha». Dois anos depois, em 1933, assiste-se à constituição da Empreza do Teatro Clube da Lousã, Lda, «juntaram-se capitais e realizou-se, então, o grandioso projecto». As obras do novo Cine Teatro começaram em 1934, mas o «projecto era tão grandioso que (…) começaram a faltar as verbas (…) e pararam as obras». Volvidos 11 anos, «a empresa Progresso da Lousã adaptou o que já estava feito a um projecto mais prático e modesto» e, em Outubro de 1947 terminavam as obras e assistia-se à inauguração do Cine Teatro. Aconteceu no dia 4 de Outubro, com a apresentação do filme “Camões”. Com uma lotação de 741 lugares, espaçosa e ampla sala, vasto palco, belos camarins, bar, uma bela sala de baile e festas no 1.º piso, o equipamento apresentava sessões de cinema duas vezes por semana e «já podia receber grandes companhias de teatro». Alves da Cunha, Octávio de Matos, revistas do Maria Vitória passaram por aquele palco, onde também desfilaram espectáculos de ballet e música, saraus, galas. O Cine Teatro manteve-se em funcionamento até 1987, altura em que foi encerrado por questões de segurança. A Câmara decidiu proceder à sua aquisição, processo que foi concretizado em 1989. O edifício foi reabilitado e abriu a 1 de Maio de 1992, mantendo-se em funcionamento até ao final de 2018.
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Biblioteca Municipal 90 anos com Lousã
UMA DASI MAIS ANTIGASI BIBLIOTECASI DO DISTRITOI Biblioteca tem como patrono o Comendador Montenegro, um dos seus fundadores
1991 No dia 28 de Abril a Biblioteca inaugura a sua nova “casa”. Vinte anos depois ganha o nome do Comendador Montenegro, o principal obreiro da sua criação
É
uma das bibliotecas mais antigas do distrito e deve a sua génese ao espírito humanista daquele que hoje é seu patrono. Com efeito, José Elisário de Carvalho Montenegro, o comendador Montenegro, uma figura carismática, benemérito e humanista, entendeu que era importante «trazer o ensino e a cultura aos lousanenses». Funda, então, em 1868, o Instituto D. Luís I, cujo acervo era constituído por 400 volumes, doados por si e por outros beneméritos. O espólio foi instalado, na década de 40 do século passado, na cave do recém construído edifício dos Paços do Concelho, o mesmo acontecendo com o Museu, organizado por Álvaro Viana de Lemos. Duas décadas depois foi reorganizada por João Fernandes de Almeida (sobrinho), então responsável pela Comissão Municipal de Turismo. Em 1983, com a saída das Finanças e do Tribunal, o edifício dos Paços do Concelho é reorganizado e a Biblioteca Municipal instalada no rés-do-chão. Mas é em 1989 que se começa a desenhar o futuro da Biblioteca Municipal, com a construção de um edifício de raiz, fruto de um protocolo assinado entre o município e a Secretaria de Estado da Cultura/Instituto Português do Livro e da Leitura, e a sua integração na Rede de Bibliotecas de Leitura Pública, «projecto ainda hoje inovador a
Comendador Montenegro: benemérito e visionário João Elisário de Carvalho Montenegro (1824-1915) foi um homem iluminado, um benemérito e filantropo, com ideias revolucionárias e avançadas para o tempo. Foi um dos “iniciadores” da emigração lousanense para o Brasil e o promotor de notáveis melhoramentos, quer na sua terra natal, quer na nova Pátria que adaptou e onde fundou, no interior do Estado de São Paulo, com um grupo de lousanenses, a Colónia Nova Lousã. Homem de visão, com ideias democráticas e humanistas, fez da abolição da escravatura uma bandeira. Mas não se ficou pelas ideias, deu o exemplo, junto das gentes que trabalhavam nas suas terras. Também se empenhou, em Terras de Vera Cruz, na construção do caminho-de-ferro, na criação de respostas de educação e de saúde. Na Lousã, foi também o grande obreiro do Hospital de São João.
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nível europeu». O projecto ganhou forma, com salas de leitura para adultos e para jovens, átrio para exposições temporárias, arquivo histórico municipal, sala de reservados, gabinetes de trabalho e auditório. Vítor Maia Costa recorda que a tipologia da biblioteca não pressupunha a existência de um auditório, «mas a biblioteca “bateu-se” pela sua execução», alegando o «dinamismo» que podia imprimir e conseguiu levar a sua avante. O projecto acabaria por ser considerado «um modelo». O novo espaço, demoradamente visitado por Mário Soares, então Presidente da República, em Julho de 1990, foi inaugurado em Abril de 1991, já com todas as valências em funcionamento. Dois anos depois, a Fundação Calouste Gulbenkian cede o acervo da sua Biblioteca Fixa, por protocolo, à biblioteca. Outros «valiosos acervos» se seguiram, designadamente de Álvaro Viana de Lemos, Companhia de Papel do Prado, comandante Fernandes Costa, Dr. Mário de Figueiredo. De forma progressiva, foi instalado o Arquivo Histórico Municipal e em Abril de 2011 o município entendeu atribuir o nome do Comendador Montenegro à Biblioteca Municipal. «Atrair e fixar novos públicos, nomeadamente as faixas etárias do ensino escolar», constitui o «constante desafio» dos últimos anos para os responsáveis da Biblioteca, que destacam os «novos paradigmas» que se apresentam, «fruto das novas tecnologias» e o surgimento de novas bibliotecas de âmbito escolar. «Houve necessidade de adequação, adaptando-se as respostas à procura». Respostas que passaram, designadamente, pela actualização dos fundos bibliográficos para as diferentes faixas etárias, actualização dos títulos da imprensa diária e semanal, Internet livre, maior abrangência do horário de funcionamento e diversidade das actividades propostas. Os resultados são visíveis, «permitindo fixar e até aumentar o número de utentes». «As longo destes últimos 35 anos, a Biblioteca Municipal tem sido local privilegiado de cultura e de investigação, quer pelo seu acervo, quer pela apresentação de obras de carácter científico ou lúdico ou pela realização dos eventos mais diversos», adiantam. «Hoje é a biblioteca mãe da Rede de Bibliotecas do Concelho da Lousã», com «cerca de 3.500 utentes registados activos e um acervo de mais de 50 mil obras disponíveis para consulta».
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Academia de Bailado 90 anos com Lousã
Diário de Coimbra
Academia tem crescido de forma sustentada e hoje tem cerca de 400 alunos, na Lousã e concelhos vizinhos
CRIANÇAS FELIZES… COM A DANÇA! 2001 Projecto arrancou na freguesia das Gândaras, mas cresceu, ganhou corpo e conquistou a Lousã. A Academia de Bailado é hoje conhecida no país e no mundo
J
oana Ruas trocou o curso de Sociologia, tirado na Universidade de Coimbra, pela paixão que norteou toda a sua vida: a dança e a música. E também deixou Aveiro, a sua terra natal, e instalou-se definitivamente na Lousã. «Aqui sou feliz», afirma. O seu grande objectivo é que o ballet, tradicionalmente considerado uma disciplina de elite, seja acessível a todos e que as crianças «sejam felizes». O projecto nasceu quase por acaso, quando Joana Ruas foi colocada, em estágio, na
Câmara da Lousã. «Tinha uma colega que estava ligada a uma associação, na Freguesia das Gândaras, e propus-me dar aulas de ballet às crianças». Estávamos em 2001 e foram seis as crianças a quem a jovem estagiária da autarquia começou a iniciar nas “voltas” do ballet. No final do ano já eram «80 crianças» e as portas foram-se abrindo, sempre mais, acolhendo crianças de outras freguesias. A falta de condições - «o chão era em cimento» - e a boa adesão levaram a jovem
a decidir que a dança, a sua paixão de sempre, era o caminho a seguir. Assim, depois de quatro anos nas Gândaras, avançou com a sua própria escola, já na Lousã. O espaço era pequeno. «100 metros quadrados», recorda, e «mais de 120 crianças». Sempre a crescer. Joana resolve apostar na sua qualificação, como professora, o que passou por uma formação em Londres, e também pela credenciação da Academia junto da Royal Academy of Dance. Para trás ficava, definitivamente, o tra-
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balho como socióloga na Câmara Municipal. Pela frente, Joana Ruas encarava, feliz, um projecto de dança, associado à música, sempre em crescendo. «Praticamente não havia mais nada para as crianças, além do rancho folclórico», recorda, justificando o sucesso da Academia de Bailado. Um facto que a levou a investir na compra e recuperação de um edifício do século XIX, onde a Academia se instalou há sete anos. Entretanto, o horizonte de alunos alargou-se, transpôs fronteiras e do concelho da Lousã estendeu-se à vizinhança, com crianças de Miranda do Corvo, Vila Nova de Poiares, Coimbra, Pampilhosa da Serra, Arganil e Penela. Mas também com a escola a deslocar-se aos territórios e a dar ali aulas de dança, designadamente em colégios de Coimbra, na Pampilhosa da Serra e em Góis. No total «são mais de 400 alunos». Só na Lousã, o número ronda os 180. Dança criativa, ballet clássico, dança contemporânea, acro dance, pop kids, são algumas das propostas que a Academia de Bailado da Lousã apresenta. Mas também oferece aulas de música para crianças pequenas, bateria, piano (a área de eleição de Joana, que antes da Academia já dava aulas particulares de piano) e canto. Ao todo, são oito professores. Em 2015 a escola estreia-se no mundo dos concursos. «Sempre fomos muito reticentes» e «tínhamos algum receio». Mas acabaram por ir e marcar a diferença. «Começámos a concorrer e a ganhar». No país e no estrangeiro. Uma experiência nova e desafiante. «Temos crianças que nunca tinham feito uma mala de viagem», mas embarcaram, felizes, nesta aventura, rumo a Itália, Inglaterra, Malta… «Fomos campeões nacionais e vice-campeões mundiais», refere Joana Ruas com indiscutível orgulho. «Nestes concursos, somos
90 anos com Lousã Academia de Bailado
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Projecto é inteiramente lúdico. Profissionalização não faz parte do projecto
a única escola de uma vila, todas as outras são de grandes cidades», adianta. Mas nada disto lhe dá a “volta à cabeça”. Pelo contrário. «Não escolhemos os alunos, vai quem se quiser inscrever». A preparação é feita aos sábados à tarde. Mais do que prémios, «quero crianças felizes», assume. «Somos uma escola lúdica, não somos uma escola profissional», faz notar. «Encaminho quem queira ser bailarino», o que já aconteceu. Mas na Academia de Bailado pretende-se, sobretudo, tornar a dança, especialmente o ballet, «acessível a todas as pessoas», ultrapassando a ideia de que «é uma disciplina de elite». E também «não é caro», garante, apontando, designadamente, o facto de a escola ser frequentada por crianças encaminhadas pelos Serviços Sociais da Câmara, «que não pagam um cêntimo», ou “ajustamentos” que é possível fazer. Acima de tudo, «temos um grupo de pais fantásticos, que fazem feirinhas, com o objectivo de juntar dinheiro para que não falte nada».
“A terra perfeita” para este projecto A Lousã é a «terra perfeita para um projecto destes», afirma a responsável pela Academia de Bailado, que não se cansa de elogiar tudo e todos. Desde a «extraordinária qualidade de vida» que a vila oferece aos «pais das crianças» e à «comunidade fantástica», que acolheu e abraça com carinho este desafio. Também a Câmara Municipal lhe merece um rasgado elogio: «não podíamos ter melhores autarcas, muito sensíveis», afirma. O sucesso bateu à porta da escola, mas «fizemos por isso», «trabalhámos muito», assegura, assumindo com orgulho que a escola leva, hoje em dia, «o nome da Serra da Lousã e da Lousã a todo o lado».
Em 2015 a Academia estreou-se no universo dos concursos, registando assinalável êxito a nível nacional e internacional
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Linha da Lousã 90 anos com Lousã
INAUGURAÇÃO DO TROÇO DE CAMINHO-DE-FERRO ENTRE A LOUSÃ E SERPINS 1930 No dia 10 de Agosto de 1930 celebrava-se a ligação ferroviária a Serpins. Uma verdadeira festa, 24 anos depois da inauguração da estação da Lousã
Diário de Coimbra destacou a inauguração do troço e lembrava projecto para Arganil
S
ol do meio-dia, sol que escalda e entontece… A Louzã mais se agita agora, aquecida por um outro sol – o sol do seu entusiasmo e do seu contentamento… E os olhos ansiosos teimosamente estendiam-se lá para os longes, em busca de alguma coisa que há muito se espera, mas que não chegou ainda… É que, sabem-no todos, vai inaugurar-se hoje a linha férrea de Serpins!» Foi assim que o Diário de Coimbra noticiou este momento singular e de extrema importância para as gentes da terra. A esperar o «comboio inaugural», na estação da Louzã, encontrava-se «uma multidão». Todavia, continua o autor da notícia,
«o comboio vem já quasi cheio...», com gente de Coimbra, de Ceira, das Carvalhas, de Miranda, do Padrão. «Parecem, até embaixadas de todas essas estações que, alegremente, veem assistir ao baptismo da sua irmã mais nova – a Estação de Serpins». O relógio marca as 14h30. O comboio inaugural, «preparadinho» e «bem vestido», «todo enfeitado por um conjunto de “toilettes” onde há bizarria e encanto, começa a deixar a Louzã». Nas janelas, agitam-se lenços brancos, «num adeus bem sentido à sua Estação… velha, que durante 24 anos foi o ponto final de tanta caminhada». «O comboio caminha seguro e parece orgulhoso, até pelas saudações com que o
Diário de Coimbra
povo dos logarejos o vem saudar, junto da linha. Os lenços mais se agitam agora, até que, muito solene e majestosa, a locomotiva alcança a Estação de Serpins – quebrando, assim, com um isolamento que era morte para essa freguesia tão linda. Pode dizer-se que Serpins começou hoje a viver a vida, uma vida toda feita de esperanças, uma vida melhor, de certo», escrevia o Diário de Coimbra. Em Serpins a chegada do comboio foi saudada com foguetes e morteiros, misturados com os acordes da Filarmónica da Várzea de Goes, e «com os ruídos duma multidão que ali espera, de pé firme, o seu primeiro comboio. Trocam-se abraços – há alegria e contentamento», afiança o autor da peça, que não tinha dúvidas: «o povo da freguesia de Serpins ali está todo». «São mais de mil pessoas», garantia, destacando as «boas instalações» da Estação de Serpins, «ampla», «toda caiadinha de branco», que, também ela, «parece sorrir». Meia hora era o tempo de paragem, antes de encetar nova viagem. A primeira de muitas, entre Serpins-Lousã e Coimbra. Uma «faina de todos os dias» que o comboio começava agora. Os 30 minutos de espera foram aproveitados com «toda a gente a examinar tudo». A notícia, publicada no dia 11 de Agosto, dava conta das sete carruagens para passageiros que constituíam o “comboio inaugural”, que incluiu uma carruagem-salão, «onde viajavam os representantes da CP e outras entidades», entre as quais destacava: «engenheiro Barata, pela Companhia Portuguesa; engenheiro Queiroz, pela Direcção Geral dos Caminhos de Ferro, Conde de Bobonne e engenheiro Vasconcelos e Sá, pela Companhia do Mondego; José Bento da Cunha, inspector da Fiscalidade do Governo; A. Martins, inspector principal; Gui-
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Linha da Lousã 90 anos com Lousã
lherme Franquera, médico da CP, dr. Mário Ramos, pelo Grémio Regionalista da Comarca de Arganil, Associação dos Proprietários e pela Comissão Executiva dos Congressos Beirões». Uma referência, ainda, para a presença de Eugénio de Lemos, presidente da Câmara Municipal da Lousã e, também da Lousã, de Laercio Lopes, Daniel Mexia,
Fernando de Campos, Apio Barata e Francisco Lopes Fernandes. DeArganil vieram Bernardo Ferreira e Bernardo Baptista e de Miranda do Corvo Carlos Batalhão, Jaime de Almeida e Arlindo de Almeida. O chefe da nova Estação «é o sr. Alfredo Alonso, factor da Estação e Coimbra B», a locomotiva inaugural «foi dirigida pelos
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maquinistas Feliz e Soares» e a presidir à comissão organizadora dos festejos encontrava-se o «sr. Ramiro S. Cortez», esclarecia o repórter. Com um grande destaque na primeira página, o Diário de Coimbra de 11 de Agosto de 1930 lembrava que a «ligação férrea é um dos mais seguros factores do progresso e melhoramento
futuros», para Serpins, que acabava de ver chegar o comboio. «Está vencida a 1.ª etape», sublinhava o jornal, fazendo votos para que este fosse um prenúncio e que «o esforço de todos rasgue agora esses obstáculos que, obstinadamente, se antepõem à ligação com Arganil». Um desejo que não passou disso mesmo.
“O Diabo à solta” na Linha de Serpins Em Dia de São Bartolomeu “anda o Diabo à solta”, diz o povo. E foi isso o que aconteceu, no dia 24 de Agosto de 1930. Duas semanas depois da inauguração da linha entre a Lousã e Serpins, assiste-se ao primeiro acidente. Um descarrilamento que fez «destruir quase todas
as carruagens», noticiava o Diário de Coimbra, apontando para um total de 34 feridos. O acidente verificou-se por volta das 8h00, quando o «comboio n.º 402», composto por «sete carruagens», que se dirigia para Coimbra, descarrilou, «por alturas da Rogela», Acidente teve grande destaque
a cerca de 2,3 km da Estação da Lousã, escrevia jornal na edição de 25 de Agosto. No local, o repórter testemunhava o que viu: «Despojos – tudo desfeito – carruagens escavacadas, gente que chorava, cheia de sangue – gritos e lamentos – tudo desolação e terror. Apenas a carruagem da cauda descarrilou um rodado. Tudo o mais são despojos. Há 3 carruagens perfeitamente destruídas e todo o restante material se apresenta avariado. A máquina saltou para fora da linha férrea, ficando a uma distância de dois metros e meio, indo de seguida enterrar os rodados na terra», esclarecia o jornal, apontando a existência de «34 feridos». O comboio de socorro chegava por volta das 10h30, com os primeiros socorros prestados à maioria dos feridos, que «já se encontravam em tratamento no Hospital da Lousã», referia. Pelas 11h41 chegava um segun-
do comboio, vindo de Afarelos, com «todo o pessoal destinado a desocupar a via férrea e a fazer remover os destroços». No Hospital da Lousã, «invadido por uma multidão enorme» que procurava «saber da saúde dos feridos», «ficaram hospitalizadas seis pessoas, algumas das quais em estado grave. Felizmente que não se registou morte alguma», adiantava. «Dois feridos foram conduzidos ao Hospital de Coimbra e os restantes, num total de 26, receberam curativos no Hospital da Louzã», destacava o jornal, que enaltecia a actuação dos médicos Guilherme Franquesa, António Alegria e Alcino Simões Lopes, «que prestaram aos feridos todos os socorros necessários». O jornal apresentava, ainda, a lista completa dos feridos e as respectivas escoriações e, depois de uma conversa com o maquinista, aventava a possibilidade de «má construção da linha». Sim, porque «excesso de velocidade não foi com certeza», garantia o maquinista Umberto Santos. «Trazíamos a velocidade normal. (...) Comecei a sentir um ruído pela linha fora. Eram as carruagens da cauda que iam descarrilando a pouco e pouco. A máquina foi a última a fugir da via», afirmava o maquinista.
90 anos com Lousã Linha da Lousã
Diário de Coimbra
COLISÃO DE AUTOMOTORAS PROVOCA CINCO MORTOS
Foi o mais grave acidente verificado na centenária Linha da Lousã
2002 Erro humano esteve na origem do maior acidente verificado na Linha da Lousã. Aconteceu a 4 de Abril de 2002, com cinco mortos e 11 feridos, um dos quais grave
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inco mortos e 11 feridos, um dos quais em estado considerado grave, foi o balanço do mais grave acidente ocorrido na centenária Linha da Lousã, que encerrou no dia 4 de Janeiro de 2010. Aconteceu a 4 de Abril de 2002, junto à localidade de Casal do Espírito Santo. Uma falha humana colocou, ao mesmo tempo, dois comboios na linha, de via única, tornando o acidente impossível de evitar. Uma das automotoras fazia o serviço entre Coimbra e Serpins. A outra, vinda de Serpins, estava a cumprir uma aula de instrução, com 14 homens a bordo. O comboio de passageiros deveria ter aguardado pela outra automotora na Estação da Lousã, onde se faria o cruzamento das duas composições. Todavia, isso não aconteceu. Continuou viagem.Ainevitável colisão aconteceu às 13h55. Na automotora de instrução, um maquinista da CP, um instruendo e um formador da empresa Fernave tiveram morte
Falta de segurança O Sindicato Nacional dos Transportes Ferroviários veio a terreiro, criticar a falta de medidas de segurança no ramal, pela inexistência de sinalização automática. A Comissão de Utentes do Ramal da Lousã apontava o facto de a Estação da Lousã não estar a funcionar como «principal causa do acidente». Com efeito, na altura, «a estação estava encerrada, servindo apenas como ponto de cruzamento entre comboios, sendo o transporte de passageiros feito no apeadeiro Lousã A, junto ao centro da vila, enquanto que a venda de bilhetes era feita num café». O então secretário de Estado dos Transportes, Rui Cunha, que também se deslocou ao local da tragédia, sublinhava a necessidade de «requalificar toda a Linha da Lousã», lembrando a abertura de um concurso internacional para o metro de superfície (eléctrico rápido), que «contempla, também, esta linha ferroviária», afiançava.
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imediata. Na composição de passageiros morreu um maquinista e o revisor. «Era o último dia de instrução», explicava Crisóstomo Teixeira, presidente da CP, que se deslocou ao local da tragédia. De acordo com o Diário de Coimbra, o responsável admitia a existência de um erro humano. «Tudo leva a crer que o maquinista do comboio que saiu da Lousã não tenha respeitado as regras de circulação», disse, salientando que essas mesmas regras «foram cumpridas pelo outro maquinista». Uma análise que o relatório mandado instaurar pelo Instituto Nacional do Transporte Ferroviário confirmaria mais tarde. «As automotoras ficaram num autêntico “bolo”, uma amálgama de ferro, com gente a gritar e, infelizmente, com várias vítimas encarceradas nos destroços», escrevia o jornal. «A ajuda foi rápida», adiantava a notícia, assinada por José Carlos Silva. «Em três ou quatro minutos já estava no local o corpo de Bombeiros da Lousã, aos quais se juntaram, pouco depois, outras corporações, nomeadamente de Góis, Miranda do Corvo, Penacova, Condeixa e Serpins, mas nada havia a fazer. Nos destroços jaziam já quatro vítimas mortais, todas funcionários da Refer e da CP, e uma quinta viria a falecer a caminho dos Hospitais da Universidade de Coimbra, para onde foi transportada uma dezena de feridos, entre os quais um em estado bastante grave». No dia seguinte, nove feridos recebiam alta ou eram transferidos para os hospitais da sua área de residência. Permanecia internado o sinistrado mais grave, de 30 anos, que sofrera um traumatismo cranioenceláfico. Estava em coma, com respiração assistida, internado no Serviço de Medicina Intensiva. Internado mantinha-se, igualmente, um homem de 60 anos, que seguia na automotora de instrução, mas que, embora fora de perigo, carecia de cuidados especiais, em virtude das múltiplas fracturas que sofreu na face. Estava internado no Serviço de Cirurgia Maxilo-Facial. Muitos populares, escrevia o jornal, acorreram ao local do acidente. «Muitos lembravam a tragédia ferroviária de Alcafache, na Linha da Beira Alta, em 1985, onde pereceram 17 pessoas. Outras, mais revoltadas, criticavam o fecho da estação da Lousã e de Serpins e a falta dos respectivos chefes de estação – que controlavam o tráfego naquela linha – o que, para muitos populares «evitaria o acidente».
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Metrobus 90 anos com Lousã
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A CAMINHO DO METROBUS 2023 Depois de um longo impasse, mobilidade do Ramal da Lousã começa a ganhar forma, perspectivando-se que no início de 2023 a solução Metrobus esteja ao serviço da população
Troço Alto de S. João - Serpins representa um investimento de 24 milhões de euros
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Linha da Lousã encerrou a 4 de Janeiro de 2010, com o horizonte de uma substituição célere do sistema ferroviário pelo Metro. Mas as “contas saíram furadas”. Avanços e recuos, indefinição e incerteza marcaram os anos que se seguiram, com o “corredor ferroviário” substituído por um transporte rodoviário nem sempre a contento. Volvida uma década, parece que, finalmente, o longo impasse está ultrapassado e não sendo o metro nos carris, será o Metrobus a ganhar forma. «É um facto, existiram vicissitudes várias
que levaram a uma descrença relativamente à solução para uma mobilidade no ramal. Neste momento, entendo que estão reunidas as condições para concretizar a solução definida, que teve muito a ver com a perspectiva de financiamento comunitário e a recusa da Comissão Europeia de financiamento da solução preconizada anteriormente. O Metrobus foi a solução que a Comissão Europeu entendeu como a adequada e passível de ser financiada», afirma Luís Antunes, presidente da Câmara Municipal da Lousã. Para o autarca, o trabalho feito, em
termos técnicos, administrativos e políticos, representa a base da pirâmide, que começa a ganhar forma, designadamente «em termos de contratação pública», com «uma empreitada a iniciar-se, outras em concurso público, e a definição bem clara dos outros procedimentos relativamente ao troço urbano de Coimbra e os processos referentes aos autocarros e bilhética, tudo no conjunto, além dos fundos comunitários - nomeadamente a conjugação do actual quadro comunitário com a quadro 21/27 e o Plano de Recuperação e Resiliência, dois quadros plurianuais - e a própria maturidade do projecto, reforçam a convicção de que o projecto vai finalmente chegar ao objectivo para o qual foi criado: servir as pessoas em transporte público de passageiros». Luís Antunes acredita que, «o mais tardar, no início de 2023 teremos a possibilidade de confirmar, enquanto utilizadores, o sistema de transporte concretizado». O sistema de mobilidade é, claramente, «muito importante para o concelho e para a região». «Representa qualidade de vida e atractibilidade», afirma o autarca, convicto que «será com base neste projecto que se estruturará, futuramente, uma estratégia de serviço público de transporte colectivo de passageiros regional e metropolitana». O autarca da Lousã entende que, no futuro, se «justifica olhar», em termos de acessibilidade, para a Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIM-RC), encarando a cidade de Coimbra como elemento agregador e polarizador de um projecto mais global e estruturante de transporte.
Diário de Coimbra
Luís Antunes assume claramente que se perdeu uma década e isso representa consequências para as pessoas e para o território. «Há essa penalização», mas a perspectiva, neste momento, é a da concretização do projecto, através de «uma solução com qualidade para servir as pessoas e com um carácter inovador; que poderá vir a ser implementada noutras zonas do país». Acima de tudo, para o autarca da Lousã, trata-se de «fazer justiça», de «repor um direito, um serviço de que a região foi privada» com a suspensão do transporte, que teve reflexos multiplicadores, e perspectivar, com a sua concretização, um novo desenvolvimento para o concelho e para a região. «É um projecto central na estratégia de desenvolvimento», em termos de «qualidade de vida», mas também de «fluxos turísticos», diz o edil, convicto de que a «notoriedade de Coimbra», conjugada com a «maior mobilidade», poderá ter um impacto positivo na «captação de mais visitantes para a região, tendo como referência Coimbra, como Património da Humanidade».
90 anos com Lousã Metrobus
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11 de Setembro: um dia histórico Dia 11 de Setembro de 2020 viveu-se um momento decisivo para o Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM), com a assinatura do auto de consignação do troço entre o Alto de S. João (Coimbra) e Serpins. Uma data que fica igualmente para a história pelo facto de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação, ter feito “mea culpa” e pedido desculpa pelos sucessivos atrasos que a empreitada sofreu e que deixou, durante 10 anos, a região «sem alternativa de deslocação». «É um acto de justiça para com o povo», afirmou, na cerimónia realizada em Serpins. Pouco depois, em Coimbra, assistia-se à consignação da empreitada de abertura do canal da Baixa, que irá permitir a execução da Linha do Hospital. Aconstrução do primeiro troço do sistema Metrobus, entre o Alto de S. João e Serpins, representa um investimento na ordem dos 24 milhões de euros. A obra envolve a adequação de 30 km do canal existente, adap-
Empreitada foi consignada dia 11 de Setembro de 2020
tação de 13 pontes e pontões e de sete túneis e a criação de 17 paragens de via dupla para cruzamento de veículos, cinco rotundas de inversão de marcha, oito acessos de emergência ao canal e 24 intersecções rodoviárias e pedonais. Em Coimbra, a obra, orçada em mais de 3,5 milhões de euros, vai ligar a Rua da Sofia à frente ribeirinha do Mondego. As obras têm um prazo de execução de 15 e 23 meses, respectivamente.
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Paços do Concelho 90 anos com Lousã
Diário de Coimbra
MODERNIZAR OS PAÇOS DO CONCELHO 1933 Documento datado de Maio atesta que a Secretaria da Câmara já estava a funcionar, mas ainda faltava cumprir um vasto caderno de encargos em termos de decoração
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ajestoso, o edifício dos Paços do Concelho encerra uma longa história logo na sua origem, com uma década a mediar entre a aprovação do projecto do arquitecto João de Moura Coutinho e o início da construção, que arrancou em 1930, na presidência de Eugénio de Mascarenhas Viana de Lemos. Em Novembro de 1933 era comunicada ao Ministério das Obras Públicas a conclusão das obras e antes, em Maio, era passado o primeiro documento pela Secretaria da Câmara, o que atesta o funcionamento administrativo do edifício. Também em 1933 foram definidos os acabamentos e a decoração de interiores, de acordo com a “Breve Nota Cronológica” dos Paços do Concelho. Assim, em Março, foram encomendados os azulejos do átrio e das escadarias à Fábrica Constância, de Lisboa. Em Junho, Carlos Reis e João Reis propõem-se decorar o salão nobre, com telas exclusivamente pensadas para esse fim e, em Agosto, é entregue a António de Barros a execução das portas da sala de sessões e do átrio principal. No ano seguinte, em Dezembro, avança a construção do tecto e em 1935 a Câmara encomenda o projecto do jardim frontal ao engenheiro paisagista Jacinto de Matos. No ano seguinte, avançam os estuques do salão nobre e é deliberada a aquisição, na Fábrica Santana, dos painéis artísticos, em azulejo, e moldura de D. João V, presentes na frontaria do edifício, bem como os painéis para o átrio. Em 1939 o serralheiro António Gaspar de Matos é encarregue de executar a lanterna do átrio, a partir de um
Edifício tem recebido sucessivas intervenções, em nome na conservação e da eficácia
desenho de Moura Coutinho, adaptado por Carlos Reis. Nesse mesmo ano, Carlos Reis termina a tela que figura no salão nobre, “Lenda da Fundação da Lousã”, e convida o então presidente, Pedro de Lemos, a ver o trabalho no seu atelier. Também João Reis conclui o triptíco “Família, Religião e Trabalho”. O novo edifício propunha-se acolher os serviços municipais, bem como o Tribunal (mudou na década de 80) e as Finanças. Também o Museu e a Biblioteca tiveram ali a sua “casa”, primeiro na cave e depois no 1.º andar, até à mudança para as actuais instalações. Na década de 80 o edifício sofreu algumas obras de manutenção, com a rampa de acesso ao exterior a ser construída em 1990 e o elevador a entrar em
funcionamento em 2000. «O edifício tem sofrido adaptações constantes», faz notar o presidente da autarquia. As mais recentes e de maior vulto decorreram em 2016. «Foi uma necessidade, quer no que diz respeito à reabilitação e preservação do imóvel, quer no sentido de reforçar a qualidade de vida de quem ali trabalha, quer ao nível do conforto e segurança, quer ao nível da funcionalidade». O investimento total, incluindo mobiliário, rondou os 650 mil euros. «São inequívocos os ganhos», garante o edil. A remodelação também implicou uma nova filosofia de atendimento, com a concentração de todo o “front office” dos serviços municipais no Balcão Único de Atendimento.
90 anos com Lousã Carlos Reis
Diário de Coimbra
CARLOS REIS CONQUISTADO PELA BELEZA DA LOUSÃ 1863-1940 Professor da Escola de Belas Artes, o insigne pintor descobriu a Lousã e rendeu-se aos seu encantos. Construiu ali o seu atelier, primeiro, e a sua casa, depois, e imprimiu à sua obra os tons da serra e das suas gentes
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orres Novas é a terra onde eu nasci e vivi até aos 14 anos. Torres Novas domina o meu coração porque lá tem vivido minha família, morreram meus pais e ainda conservo amigos saudosos da minha infância. Mas a terra que revelou aos meus olhos belezas naturais que fizeram despertar a minha alma de artista, emoções fortes para a minha arte, foi a bela Lousã! Trata-se de uma terra onde passo o Verão fascinado pelos encantos da sua maravilhosa paisagem, na mais adorável companhia de amigos queridos, e acarinhado pelo afectuoso convívio daquele povo tão bom». As palavras são de Carlos Reis (1863-1940), o Mestre, que descobriu a Lousã e se deixou conquistar por estas terras e por estas gentes. Pelas suas cores únicas, pelos costumes, pela paisagem da serra que o inspirou e transportou para muitas das suas telas. «Chegou, viu e venceu, porque a Lousã, generosa e grata, deu-lhe muito, em paga da admiração recebida do artista. Deulhe repouso e saúde, deu-lhe inspiração e assunto, deu-lhe distracções suaves e amizades seguras», escreve Agostinho de Campos. Em 1913, Carlos Reis visita pela primeira vez a Lousã e «logo o seu espírito de artista eminente se enamora do nosso sol e da
Carlos Reis, o grande Mestre
nossa terra». Conquistado pela “Sintra dos nossos reis”, na expressão de Brito Aranha, o pintor instala-se na vila com o filho, João Reis, e alguns dos seus discípulos. «Peregrino em busca de graças que o escravizaram, de motivos inspiradores para algumas das suas mais famosas telas, o Mestre, impelido por um halo de superior poder, onde devia existir parcela da razão
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divina que os homens desconhecem, guiou seus passos para a Lousã», escrevia Carlos Sombrio, em 1941, em “O Povo da Lousã”. Do Hotel Sarmento, o mestre passou para a Pensão do Gabriel e mais tarde instala-se em casa do seu grande amigo José Dias Anastácio. Por volta de 1918 construiu o seu atelier onde trabalhava, sozinho, com o filho, João, ou com discípulos. Durante anos, “cogitou” erguer, ao lado deste espaço, na «encosta sobranceira à vila, junto à estrada que leva ao Castelo/Ermidas de Nossa Senhora da Piedade, a Alfocheira e à Serra, uma casa linda, bem portuguesa, bem da Lousã». «Cultor da beleza», o grande artista «rebuscava» relíquias pelos «velhos cantos, pelas ruínas dos solares, principalmente da Casa da Rua da Fonte, demolida em 1920». Aproveitava tudo o que pudesse ser útil, cantarias, grades, azulejos e velhas portas almofadadas de castanho. «E tudo foi guardando bem seguro de que tudo isto daria subtis encantos à sua nova casa da Lagartixa, tons de ternura que as belas coisas velhas irradiam, inconfundíveis traços de elegância dos antigos tempos». «Nós os pintores, precisamos de ter sempre objectos agradáveis para os olhos», dizia o Mestre. E foi isso que fez na casa que construiu, com projecto do artista Francisco Lopes Fernandes. «A casa de Carlos Reis é hoje a mais linda casa da Lousan», escrevia o Jornal “Alma Nova”, em Outubro de 1928. «Há nela reflexos da sua esmerada cultura artística e em toda ela se sente por igual a calma e delicada bondade do amantíssimo chefe de família que é Carlos Reis», adiantava. «Muito feliz deve ser a família que ali vive», escrevia o jornal, citando uma «pessoa simples» e destacando o «encantamento» da «simples e atraente casa de habitação», «tão simpática
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Carlos Reis 90 anos com Lousã
e alegre que até o sol parece envolvê-la com enternecimentos de enamorado». À dádiva de beleza que Carlos Reis recebeu da Lousã correspondeu com uma resposta pronta a todas as solicitações que lhe eram feitas, por particulares ou pela Câmara Municipal. Daí resulta que o seu génio criador está patente em inúmeros trabalhos de ferro forjado, executados com perícia por António Gaspar de Matos, designadamente no portão da quinta dos Herdeiros de José Dias Anastácio, no Palácio da Viscondessa do Espinhal, nas casas das quintas de S. José e Santo António de Cima. Mas também na torre da Igreja Matriz, nos motivos decorativos da Fonte do Fundo da Vila ou da Rua Dr. Pires de Carvalho, no Coreto da Alameda Carlos Reis, entre muitos outros, alguns já desaparecidos. Destaque especial merece, todavia, o edifício dos Paços do Concelho. «Será aquele em que Carlos Reis mais investiu». «Em cada espaço, desde a entrada, átrio, escadaria ao salão nobre, tudo tem a observação minuciosa, o estudo atento e antevisão estética do ilustre Mestre». Mestre que fez questão de pintar uma obra prima, “Lenda da Fundação da Lousã”, que acabaria por ser a sua última obra – que concluiu alguns meses antes da morte - para embelezar o salão nobre, onde também está um triptíco da autoria do seu filho, João Reis. Os desenhos para o tecto e para o lustre, a indicação da cor das paredes (bordeaux) e das molduras, tudo terá sido de sua autoria, criando um conjunto que prima pela harmonia. «Este conjunto é uma obra de arte por excelência, que dignifica e imortaliza o seu criador e honra a vetusta vila da Lousã e o seu povo». O “mágico da cor” rendeu-se às cambiantes da paisagem lousanense e transpôs isso para as telas, mas também cativou
Perfil Natural de Torres Novas, Carlos António Rodrigues dos Reis cedo mostrou uma extraordinária aptidão artística, mas o pai, médico-cirurgião, pensou dar-lhe «um rumo de vida mais prático» e iniciou-o na carreira comercial, colocando-o na tabacaria Nunes, no Rossio, pertencente a um parente. Foi o patrão que, «com inteligência e acerto, promoveu o ingresso» do aprendiz na Escola de Belas Artes. Matriculou-se em 1881 e as «invulgares qualidades» reveladas por Carlos Reis chamaram a atenção do então príncipe D. Carlos de Bragança, que acaba por se tornar seu amigo e protector, estabelecendo-lhe uma pensão de cinco mil libras, que lhe garantia a continuidade dos estudos, primeiro na Academia, em Lisboa, depois em Paris. De regresso ao país, Carlos Reis sucede a Silva Porto como professor de paisagem na Escola de Belas-Artes. Foi também director do Museu Nacional de Belas-Artes e primeiro director do Museu Nacional de Arte Contemporânea.
outros artistas, convidando-os a visitar e a beber as nuances coloridas da serrania. Alves Cardoso, António Saúde, Falcão Trigoso e Frederico Aires, do Grupo Silva Porto, terão sido alguns desses visitantes. De resto, terá sido esse o motivo que levou o município a colocar à disposição dos artistas que demandavam a Lousã uma
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«bela moradia». A “Casa dos Artistas”, como ficou conhecida, acolheu, entre outros, Fausto Gonçalves, Américo Dinis, Carlos Ramos e José Contente.
Homenageado em vida pela autarquia Em 1931, a Câmara Municipal da Lousã fazia uma primeira homenagem pública ao «insigne pintor» que «tem nos últimos 14 anos manifestado o seu amor pela Lousã, procurando na nossa paisagem os motivos dos seus quadros magníficos, fazendo na Lousã a sua casa e interessando-se por tudo quando representa melhoramento ou embelezamento da vila», além e «tornar conhecidas no país as belezas naturais da Lousã, sendo de sobremaneira honroso ver, assim indissoluvelmente ligada à Lousã, a notabilíssima obra do grande artista». A «prova modesta, mas carinhosa e pública da alta consideração» propunha passar a «chamar Alameda Carlos Reis o recinto vulgarmente conhecido por Parque do Regueiro». Já depois da sua morte, em 1941, a Câmara Municipal promoveu um cerimónia de homenagem, onde o então presidente, Álvaro de Lemos, destacava o «insigne e consagrado pintor (…) que elegeu a Lousã para residir e para assunto de muitos dos seus melhores quadros. A Lousã não pode jamais esquecer quanto deve à sua memória, pela exaltação que fez das paisagens e da vida popular desta região, pela mais ou menos directa propaganda que assim também fez desta terra e, sobretudo, por nos ter deixado como sentido penhor de estima, a sua última grande e valiosa composição artística, que se ostenta no Salão Nobre Municipal e fica sendo um legítimo orgulho para a Lousã e um justo motivo de admiração para quantos nos visitem», dizia ainda.
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90 anos com Lousã Carlos Reis
O país curvou-se em sua homenagem
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Projectado museu e espaço criativo para o antigo atelier
Carlos Reis com a sua última grande obra, que ornamenta o salão nobre da Câmara Autarquia quer valorizar espólio
O pintor morreu no dia 21 de Agosto de 1940 e o Diário de Coimbra dava conta da morte do «insigne artista, que nos legou uma obra originalíssima, de muito apreciada contextura plástica, que o elevou à categoria de um nossos maiores mestres na arte da pintura e do desenho», com «valiosíssimos trabalhos, consagrados pela crítica nacional e estrangeira». O jornal lembrava que o artista estava internado nos Hospitais da Universidade, devido a um «esgotamento nervoso», sendo «acometido por uma pneumonia que o vitimou em poucos dias». O funeral constituiu, adiantava o jornal, «uma grandiosa manifestação de pesar por tão infausto acontecimento e de respeitosa admiração pela memória daquele que, aos 77 anos, faleceu em pleno apogeu da sua glória, e que também era e ficou sendo autêntica glória nacional». «À entrada da Lousã – a linda vila onde Carlos Reis passou, por assim dizer, o melhor da sua vida de artista – e que desde há muito escolhera como sua terra adoptiva
– uma enorme multidão aguardava o cortejo, tendo à sua frente a vereação da Câmara Municipal, com o seu estandarte coberto de crepes». As cerimónias contaram com a participação das mais gradas figuras do mundo da cultura de todo o país e o jornal destacou, em particular, uma mensagem dirigida pelo director do Instituto Francês em Portugal, entregue ao presidente da Câmara da Louzã, Pedro de Lemos: «Associo-me à perda cruel que a Arte Portuguesa acaba de sofrer com o desaparecimento do mestre clássico Carlos Reis, cujo nome ficará ligado à história do progresso e renovação da pintura portuguesa contemporânea». Cumpridas as cerimónias fúnebres – que começaram em Coimbra – «um grupo de admiradores do insigne artista», «em derradeira homenagem», deslocou-se aos Paços do Concelho, onde «admiraram, mais uma vez, o admirável quadro por ele pintado», refere o Diário de Coimbra de 23 de Agosto.
A criação do Museu Carlos Reis constitui um «objectivo já antigo da Câmara Municipal da Lousã» que, desta forma, pretende «tornar público um espólio que a Câmara já tem» e que poderá acolher obras em poder da família e também «um acervo de obras de Carlos Reis e João Reis da Direcção-Geral da Cultura, explica Luís Antunes. O autarca da Lousã recorda que o município conseguiu adquirir o imóvel, nos finais da década de 90, que pretende recuperar. «Neste momento há uma extrema necessidade de intervenção no imóvel» onde funcionou o atelier do artista. «A Câmara já apresentou uma candidatura» nesse sentido e, além de uma componente expositiva, reunindo obras de Carlos e de João Reis, pretende que o imóvel acolha «um espaço de criação, um centro de arte, uma espécie de residência artística» que permita «rentabilizar ainda mais o espaço», mantendo viva a memória dos dois nomes consagrados da pintura portuguesa.
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Dr. Alcino Simões Lopes 90 anos com Lousã
Diário de Coimbra
MONUMENTO PERPETUA MEMÓRIA DO “MÉDICO DOS POBRES” 1982 A população correspondeu ao propósito da Junta de Freguesia da Lousã e no dia 28 de Novembro de 1982, dois anos após a sua morte, inaugurou a estátua do Dr. Alcino Simões Lopes
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ara mim e minha irmã, foi o nosso segundo pai». Palavras deAntónio Jorge Padilha Simões Lopes, sobrinho de Alcino Simões Lopes, ditas ao Diário de Coimbra no dia em que a Lousã se vergava em homenagem ao “Médico dos Pobres”, erguendo-lhe uma estátua em bronze, no jardim dos Paços do Concelho. Aconteceu no dia 28 de Novembro de 1982. Uma homenagem do povo da Lousã, que o médico serviu durante 60 anos e que este nunca consentiu em vida. Jorge Padilha recorda isso mesmo: «Ficava extremamente zangado quando alguém lhe falava numa possível homenagem. Era demasiado simples e argumentava que aquilo que fazia não era mais do que a sua obrigação». Por isso, adiantava o sobrinho, sempre recusou «terminantemente qualquer tipo de agradecimento público que lhe quisessem fazer». Uma recusa que, explicava ao Diário de Coimbra, não se aplicou apenas «às gentes da Lousã». «O próprio Governo de Marcelo Caetano quis abrir um processo para que, em vida, fosse homenageado e a recusa foi pronta e decidida. Ele interpretava este tipo de coisas como algo de ofensivo», dizia ainda Jorge Padilha. Aestátua, construída em bronze, da autoria de João Eduardo Cruz Reis Duarte, «orçou em cerca de mil contos», verba suportada através da «quotização de todos os lousanenses, entre eles os emigrantes, que não ficaram indiferentes a esta iniciativa, levada a cabo por uma comissão promotora, formada pelas mais diversas personalidades da vila da Lousã», escrevia o jornal. «Morreu o homem. Ficou a obra», adiantava, lembrando que o médico, falecido dois anos antes, a 29 de Fevereiro de 1980, foi «durante 60 anos o “pai dos pobres”», calcorreando montes e vales «onde se perdiam os seus doentes». «Os pobres, esses não pagavam a consulta e se não tivessem dinheiro, ele mesmo comprava os medicamentos que receitava».
Monumento ergue-se junto à Câmara
O “Médico dos Pobres”, como por todos ficou conhecido, «exerceu a profissão 24 horas por dia, durante toda uma vida. Por isso mesmo os lousanenses quiseram testemunhar a sua gratidão com algo que perpetuasse a memória daquele que deu tudo sem nada ter recebido em troca». «Respeito, lágrimas e palavras de agradecimento» substituíam, muitas vezes, os honorários que lhe eram devidos, apontava, na edição do dia 26 de Novembro de 1982 o jornal, numa notícia que dava conta da cerimónia que se iria realizar dois dias depois. É também nesta edição que o jornal apresenta Alcino Simões Lopes, nascido na cidade de Santos (Brasil), a 9 de Novembro de 1894, destacando a «dedicação que demonstrou à terra e ao povo da vila que o viu crescer e dar os primeiros passos na profissão, que toda a vida dignamente honrou». Recorda que os pais do dr.Alcino,António Simões Lopes e Clodomina de Sousa Lopes, com os respectivos filhos, se instalaram na
Lousã, onde o futuro médico começou os estudos primários. Em Coimbra deu continuidade aos estudos, secundários e superiores, «tendo-se formado em 1919 pela Faculdade de Medicina». Mais tarde, em 1922, «fez o doutoramento e concluiu o curso de medicina sanitária». O jornal recorda que, ainda estudante de Medicina, Alcino Simões Lopes desempenhou um papel fundamental, ajudando a «combater a epidemia “pneumónica” que se espalhou pelo concelho», razão pela qual «foi louvado, ainda como estudante, em sessão da Câmara Municipal da Lousã». «Enquanto viveu, sempre o seu esforço foi condigna e publicamente louvado, tanto em sessões camarárias como no Diário do Governo, fazendo-se jus às beneméritas obras que praticava». O jornal recorda, ainda, que «durante cerca de 60 anos» o médico esteve ao serviço do Hospital de São João, «a maior parte dos quais como director» daquela unidade de saúde. Foi também médico municipal e delegado de saúde, além de ter exercido funções clínicas na Caixa de Previdência. «Gratuitamente, prestou serviço na Misericórdia da Lousã, ao pessoal da Guarda Republicana e suas famílias, além dos inúmeros doentes pobres que atendia com diligência e boa vontade». «O seu altruísmo levou-o a renunciar a uma vida cómoda, que tinha condições de assumir, para se dedicar a tempo inteiro, sem horário e sem descanso, aos seus doentes», rematava. O concelho vestiu «o fato domingueiro e foi dizer, mais uma vez, um eterno bem-haja àquele que foi um mito para eles», acrescentava a notícia da inauguração da estátua de homenagem ao Dr.Alcino Simões Lopes, com grande destaque na primeira página. Uma referência, ainda, para as muitas entidades concelhias e os muitos amigos que fizeram questão de marcar presença na cerimónia, designadamente o conhecido médico, do vizinho concelho de Arganil, Dr. Fernando Valle.
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José Carranca Redondo
90 anos com Lousã Carranca Redondo
Carranca Redondo e José Redondo
CARRANCA REDONDO: O SENHOR LICOR BEIRÃO 1916-2005 Empreendedor e visionário, imprimiu a sua marca. Com arrojo e originalidade transformou um modesto licor num produto de referência. Mas fez muito mais do que isso. O filho, José Redondo, ajuda-nos a “conhecer” a determinação do empresário
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ramos como irmãos. Ele era o homem das ideias, com uma personalidade fortíssima. Eu executava da melhor forma que podia». José Redondo apresenta, desta forma simples, o pai, José Carranca Redondo. «Acompanhei-o desde os meus 10 anos», conta o empresário, confessando a «enorme responsabilidade» que sempre sentiu e, so-
bretudo, «a preocupação» que o acompanhou depois da morte de Carranca Redondo. «Não sabia se conseguia ter capacidade para aumentar e dar dimensão à empresa sem ele», diz. «Durante mais de 10 anos pensei nele, sobretudo quando tinha um problema mais difícil para resolver». O Licor Beirão, hoje uma marca de referência, não era, todavia, a maior preocupação
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de Carranca Redondo, que adquiriu a fábrica em 1940. «O Licor Beirão era uma pequena empresa, mais ligada à minha mãe, com meia dúzia de funcionários. Era ela quem recebia as encomendas e tratava de tudo». Aprodução rondaria as 4/5 mil garrafas/ano. O “resto”, isso sim, preocupava o empresário. Aguçou o seu engenho e fez dele um visionário e também o motor de um império empresarial. «Tivemos uma fábrica de refrigerantes», conta José Redondo, que explica o porquê. Na altura da guerra (II Guerra Mundial), «não havia açúcar» e a fábrica representava a garantia de «uma quota de açúcar. Quota que não gastava toda e que lhe permitia distribuir açúcar», ou melhor, «vender», pois «não dava nada a ninguém!». Mas o espírito criativo de Carranca Redondo desenvolveu outras ideias, como uma fábrica de brinquedos em madeira. «Chegámos a ser a segunda maior empresa do país, com cento e tal itens de brinquedos», recorda José Redondo. A explicação é simples. A empresa de licores com a sua «meia dúzia de funcionários», também produzia as caixas de madeira onde estes eram expedidos. Todavia, a produção/venda era sazonal. «Vendia-se bem na altura da Páscoa ou do Natal», mas nos restantes meses nem por isso. Manter os funcionários ocupados e «evitar despedimentos» - o que «nunca aconteceu na empresa», faz questão de sublinhar -, foi o que motivou a incursão no universo dos brinquedos, cuja memória se mantém, ainda hoje, bem visível em alguns espaços da Quinta do Meiral, onde é produzido o Licor Beirão. E dos brinquedos, a produção diversificou-se para réguas, caixas de madeiras, caixas de mini-golfe. A publicidade foi, quiçá, a grande descoberta de Carranca Redondo. A confirmá-lo está o facto de ser considerado o primeiro “Marketeer” de Portugal. «Ele entendia que
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Carranca Redondo 90 anos com Lousã
não bastava ter um bom produto, tinha que o promover». Aliás, dizia que «até as galinhas cacarejam quando põem o ovo...». E deitou mãos à obra. «Começou a colar cartazes. Saía ao fim-de-semana, com um balde de cola e um escadote». Um registo que arrancou nos anos 40/50 e se transformou, na década de 60 do século passado, na «maior empresa de afixação de cartazes ao longo das estradas».Ao verem os cartazes do Licor Beirão em posições estratégicas, várias empresas recorreram ao serviço da família Redondo. Os resultados não se fizeram esperar: «um êxito». O universo multiplicador de empresas exigia mais uma intervenção: «Em 1958 criámos uma serigrafia». Era ali que se faziam os rótulos do Licor Beirão, mas também as tampas das caixas onde seguiam as encomendas do licor, os autocolantes, todos os produtos de merchandising. Daí aos «muito milhares de t-shirts com publicidade» foi um “saltinho”. Mas também os autocolantes. Nos anos 60 o universo empresarial Redondo produziu e distribuiu, entre os taxistas de Lisboa, os famosos autocolantes com a indicação “Feche a porta com cuidado”. Foi um “ver se te avias”, com «os taxistas a pedirem-nos autocolantes». Outro autocolante com sucesso surgiu para os WC, com o alerta: “Não se esqueça de apertar as calças!”«Só se faziam coisas destas na América», refere. Um êxito que deu origem a outra empresa, nada mais nada menos que destinada a fazer os cartazes, primeiro, outodoors depois. Primeiro em madeira, depois em fibra de vidro. Vivia-se a década de 50 do século passado e o espírito empreendedor dos Redondo continuava imparável. Além dos outdoors, a empresa de fibra de vidro alargou a produção, viajando pelo mundo dos barcos e dos depósitos para líquidos (12 mil litros). «Fabricámos muito material
Perfil José Carranca Redondo nasceu na Lousã em 29 de Abril de 1916. Ficou sem pai ainda criança, o que o obrigou a começar a trabalhar aos 12 anos numa fábrica de papel. Passa por outra empresa antes de ingressar na fábrica do Licor Beirão e, mais tarde, vende máquinas de escrever. Em plena guerra, sem emprego, acaba por comprar a fábrica de licores. «Se te casares comigo, Maria, compro a fábrica de licores». Foi assim que pediu “a mão” da jovem por quem estava apaixonado. Ela disse sim, dando início a uma linda história de amor da qual nasceram três filhos - José, Suzana e Manuela – mas também um mundo de negócios, sob a égide da empresa J. Carranca Redondo, que transformou um licor digestivo no Licor de Portugal. «Era um homem determinado. Era isso que mais o definia como empresário. Era um homem duríssimo. Só chorou uma vez na vida», conta o filho. Aconteceu no dia 12 de Abril de 1969, quando José Redondo foi mobilizado para Moçambique. Um amigo comentou: “o teu filho lá foi” e ele desatou a chorar. Tinha feito tudo para eu não ir para a guerra», recorda. Empreendedor nato, comunicador por excelência, visionário, Carranca Redondo faleceu a 15 de Junho 2005, com 89 anos. Deixou um legado imenso. Sobretudo, uma família que tem o Licor Beirão no seu ADN. Depois do filho, são hoje os netos quem lidera os negócios.
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em fibra de vidro», recorda José Redondo. «Sempre na Lousã. Nunca tivemos uma fábrica noutro local». A fibra de vidro originou outra empresa, ligada à produção de sinalização rodoviária. «Os sinais de trânsito, na altura, eram de cimento, muito pesados. Eram precisos 4/5 homens para mexer um sinal. Lembrámo-nos que em fibra de vidro ficavam mais leves». E assim se fez. Vivia-se a década de 60. «Fabricámos sinais de trânsito até 1975/76. Fornecíamos praticamente todas as câmaras municipais e a JuntaAutónoma de Estradas». Mas, esclarece José Redondo, para a sinalização, além da serigrafia para imprimir, era «necessário material reflector». E esta foi a sua grande invenção. «Inventei um líquido, que não existia em mais local nenhum da Europa», diz, com orgulho. Um produto com grande capacidade reflectora, que transformou a família Redondo nos primeiros construtores de material reflector para estrada e sinalização. «Vendemos muito líquido reflector, sobretudo para Espanha e França», onde, reconhece, o produto teve mais sucesso do que em Portugal. Mas não foi só aqui que o empresário demonstrou o seu génio criador, embora insista que era mais o «executor» e o pai o «ideólogo». Com efeito, é da sua autoria o célebre slogan “Licor Beirão, o Licor de Portugal”. Estávamos em 1960, José Redondo andava na Universidade de Coimbra, onde cumpria os “preparatórios” de Engenharia Mecânica. «Os meus colegas gozaram-me imenso e diziam-me que não conseguia vender um produto dizendo que era português». Nada mais errado. «Tivemos a coragem de lançar um produto, o Licor de Portugal», afirma, com orgulho, dando conta que esse enaltecer o que é nosso, o nome de Portugal, representa um conceito que só actualmente ganhou valor. «Estávamos muito à frente!», comenta.
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Carranca Redondo 90 anos com Lousã
Aposta na publicidade
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Histórias verdadeiras que quase parecem lendas
O empresário com um dos muitos troféus que conquistou
«Sempre apostámos na publicidade», diz José Redondo, recordando a campanha feita na televisão, em 1985, com Tony de Matos. «Fomos uma das primeiras empresas a fazer publicidade na televisão», diz, com satisfação. Um percurso que continuou, marcado pela diferença, com Manuel João Vieira ou Paulo Futre ou ainda a campanha com a dupla Merkel e Sarkozy. Também foi com publicidade ao Licor Beirão que se apresentou o maior balão português de ar quente, com 37 metros. Um programa que arrancou em 2010 e que se manteve “no ar” até 2018. Percorreu Portugal e vários países da Europa. Pioneirismo também no desporto, com uma equipa de ciclismo, logo em 1958, com a equipa «a ser proibida de participar na Volta a Portugal», porque tinha uma marca. «Hoje todas as equipas têm marcas», faz notar. Ou ainda no rugby, a grande paixão de José Redondo, que mais do que patrocinador é – como dizem os filhos – “paitrocinador” do Rugby Club da Lousã, cujo Estádio tem o nome de José Redondo. Ou o apoio ao piloto de rali João Ramos, que, à semelhança de outros, é da Lousã.
Carranca Redondo e Maria, a esposa que foi a grande guardiã do segredo do licor
«Era um comunicador nato», «sem vergonha nenhuma». «Foi considerado, em 2005, o marketeer do século XX. Um homem com a 4.ª classe!», destaca José Redondo, que recorda algumas das histórias, quase lendas, que rodeiam Carranca Redondo. O empresário que percorria os cafés das mais recônditas aldeias e pedia um Licor Beirão, reagindo indignado, para não dizer furioso, quando a bebida não fazia parte do stock. «Isso é inteiramente verdade», corrobora José Redondo, que acrescenta outra versão, esta passada em Lisboa, onde o pai se deslocava com regularidade, levando alguns amigos consigo. «Ajudavam a pagar a gasolina», faz notar. Mas também ajudavam a propagandear o Licor de Portugal. «Combinavam e iam tomar o pequeno-almoço. Três pediam um galão e uma sandes de queijo, fiambre ou mista. O quarto pedia um café e Licor Beirão. O quê? Não tem?!. Indignados, saíam os quatro porta fora». A encenação resultava em pleno, pois o empresário dava ao agente as indicações necessárias. «Mas não era no dia seguinte que lá ia. Deixava passar alguns dias», refere. Também não punha o Licor Beirão no topo da lista, mas no quarto ou quinto lugar. A receita era certeira, com uma encomenda imediata. O slogan “O Beirão de quem todos gostam” mereceu críticas de um professor primário
que, zeloso da pureza da língua, alertou Carranca Redondo para a incorrecção. «Não é de quem, mas de que, pois não é uma pessoa, mas uma coisa», fez saber. Mas era mesmo “quem” que o empresário queria no slogan, num jogo de irreverência que tinha Salazar como alvo. Mas até o governante, longe de se zangar, terá achado graça à ideia. Quem não achou graça nenhuma foi o pároco de Arganil, a quem foi oferecido, como a muitos outros sacerdotes, um brinde (régua), com o slogan: “Que licor, senhor prior!”. «Mandou um postal a perguntar qual era a ligação do licor com a Igreja. A resposta não se fez tarde: «no fim-de-semana seguinte, Carranca Redondo estava à saída da missa a distribuir réguas a todos os paroquianos». O slogan aplicava-se a várias profissões: “Que licor porreiro, senhor engenheiro”, Que licor, senhor doutor”.
Empresário era um comunicador nato e desenvolveu formas originais e eficazes de promover os seus produtos, em particular o Licor Beirão
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90 anos com Lousã Licor Beirão
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UM BRINDE AO LICOR BEIRÃO 2000 Terceira geração da família entra no negócio e imprime a sua marca inovadora. O caipirão foi a estrela maior na Queima das Fitas de 2000 e os cocktail's passaram a ser uma nova forma de consumir o tradicional licor
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e digestivo, produzido e vendido na farmácia, o Licor Beirão ganhou fama e glória e hoje é, incontornavelmente, uma das marcas de referência do país. Carranca Redondo foi o primeiro obreiro deste sucesso. O filho, José Redondo, continuou o desafio. Agora são os netos, Daniel e Ricardo, que se empenham em dar um novo impulso à empresa e a elevar o nome e a qualidade do Licor de Portugal pelo mundo. Um produto que é líder incontestado, com 50% da quota de mercado de licores. Actualmente são produzidas, na Quinta do Meiral, até 30 mil garrafas por dia e 20% da produção é destinada a exportação. Em termos de vendas, nada mais nada menos que quatro milhões de garrafas por ano. Os números impressionam pela grandeza, mas nada é feito “a correr”. «O processo de fabrico do licor mantém-se exactamente como se fazia há 50/60 anos, quando “peguei”na empresa», afirma o administrador. José Redondo reconhece que há alterações, pois «as quantidades aumentaram», o que tem o seu reflexo, sobretudo, ao nível das «linhas de enchimento». De resto, têm sido as linhas de enchimento que têm merecido uma atenção muito especial, particularmente nos últimos 20 anos, com recorrentes alterações e adaptações, de forma a dar resposta às necessidades. Todavia, «o processo artesanal de fabrico mantém-se exactamente» como era feito no passado, com a «pesagem das plantas, a maceração e a destilação». A diferença, reitera, prende-se «unicamente com a quantidade». E já agora, fique a saber que, por ano, são usadas 20 toneladas de plantas e sementes aromáticas para produzir o licor. A receita continua, agora como há mais de um século, a ser o segredo mais bem guardado da família Redondo. Artesanal continua, igualmente, a ser o traço diferenciador de colocar a fita acetinada em cada uma das garrafas. Um processo que não é fácil, reconhece José Redondo, apontando para «12 a 16 pessoas» que, todos os dias, «colocam as fitas à mão». O administrador admite que chegou a pensar «retirar a fita das garrafas», pois a anulação
Quinta do Meiral concentra toda a produção da empresa
Licor Beirão e Beirão de Honra Licor Beirão e Beirão de Honra representam a produção exclusiva da Quinta do Meiral. O primeiro é o “clássico”. O segundo uma inovação. «É uma homenagem ao meu pai», conta José Redondo. O empresário explica que este produto foi lançado para comemorar o centenário do nascimento de José Carranca Redondo (1916-2005). São bebidas diferentes. As diferenças centram-se, basicamente, no teor alcoólico. O primeiro tem 22.º e o segundo sobe para os 30.º. Mais do que isso, «em vez do álcool agrícola, o Beirão de Honra é produzido com aguardente envelhecida». Do segredo da receita, José Redondo revela, ainda, que o Beirão de Honra tem «menos açúcar» e não possui qualquer corante. «Tem a cor da aguardente velha». E, para que a cor seja visível e apreciada, a garrafa deixa o tom verde da imagem de marca, apresentando-se numa vasilha transparente.
desta operação permitiria «poupar muito dinheiro». Mas acabou por deixar tudo como estava. «Agarrafa perdia a sua imagem de marca», reconhece. Para garantir este toque de distinção, são utilizados, anualmente, 1.400 quilómetros de fita acetinada. Mas a inovação é, igualmente, uma constante. «É a imagem da terceira geração», assume José Redondo, que aponta o salto que a empresa deu com a entrada dos filhos na gestão, que implicou a renovação de toda a área industrial. «Estamos em renovação constante, anual ou de dois em dois anos, nunca perdendo o foco no tradicionalismo, mas procurando melhorar sempre», refere, destacando designadamente a notória diferença dos dias de hoje relativamente ao que se fazia há 20 ou 30 anos em termos de controlo de qualidade. Na velha fábrica de licores, adquirida por José Carranca Redondo em 1940, produziam-se cerca de 70 bebidas diferentes. Um número que o génio empreendedor do empresário reduziu a «cinco ou seis», entre as quais o Licor Beirão, assim baptizado em 1929, em homenagem ao Congresso Beirão, realizado em Castelo Branco. «Era o negócio da minha mãe, com meia dúzia de empregados, que não tinha praticamente expressão no número de empresas que tínhamos», recorda José Re-
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Licor Beirão 90 anos com Lousã
dondo, sublinhando, todavia, que «a partir dos anos 80» do século passado se assistiu a um “boom”, com um grande reconhecimento e aceitação do Licor Beirão no mercado. Um processo que nunca mais parou. Com uma liderança incontestada a nível nacional, com 50% do mercado, a empresa tem apostado na internacionalização. O chamado “mercado da saudade” é aquele que «tem maior representação». Estados Unidos, França, Luxemburgo e Suíça são os países com «maiores vendas». De resto, em termos globais, as exportações «têm vindo a crescer», assumindo, actualmente, «um peso global que anda na ordem dos 20%», refere José Redondo. «Claro que o nosso objectivo é fazer com que esta percentagem cresça ainda mais, diversificando os mercados», adianta. Projectos para o futuro não faltam. «O nosso objectivo é continuar a crescer, sem nunca perder de vista aquilo que é o ADN da marca, a criatividade. A inovação tem sido, por natureza e tradição, o caminho que percorrermos há décadas e é este que pretendemos continuar a trilhar no futuro», afiança. «Apassagem à quarta geração da família Redondo é um projecto a médio prazo, que pretendemos preparar da melhor forma. Queremos deixar um legado valioso e um caminho bem traçado. Estendendo esse desejo também à equipa que estamos a formar: tornando-os autónomos a levar o nome do Licor Beirão longe, como o faz qualquer pessoa da família», remata o empresário.
Garrafas mantêm a fita acetinada que as distingue
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Inovar com respeito pela tradição
José Redondo na linha de produção
«Foi um sucesso». É assim, taxativo, que José Redondo se refere à aposta diferenciadora que a marca fez, na viragem do século, abrindo o Licor Beirão ao mundo dos cocktail’s. «O projecto deve-se aos meus filhos, sobretudo ao Daniel», que, em 2000, começaram a dedicar-se à empresa. Daniel, acabado de sair da Universidade, queria levar o Licor Beirão para a Queima das Fitas. Mas, adverte José Redondo, havia a consciência clara que «nenhum estudante ia consumir Licor Beirão simples ou mesmo com gelo». Surgiu, assim, o Caipirão, um dos inquestionáveis produtos de sucesso da empresa.Ainspiração vem da tradicional caipirinha brasileira, mas «em vez de cachaça leva Licor Beirão» e o resultado foi extraordinário. «As pessoas aderiram em força». E até mesmo aqueles que não gostavam de licores e que entendiam que o Beirão era para «uma faixa etária acima dos 50 anos», «ultrapassaram o “trauma”» e renderam-se ao caipirão. «Estávamos no início do século XXI e poucas marcas tinham grandes cocktail’s», recorda o empresário, que destaca, mais uma vez, o espírito pioneiro da marca, que deu início a um novo rumo. «Há 20 anos era um crime fazer-se um cocktail com Vinho do Porto», exemplifica, fazendo notar que, hoje em dia, é essa a tendência assumida do mercado.
Experiência com chocolate Igualmente um sucesso foi a experiência que juntou o Licor Beirão com o chocolate, num bombom que se transformou numa apetecível guloseima. Aqui trata-se não de beber, mas de “comer” Licor Beirão, apostando na inovação e na conquista de novos públicos e mercados. O resultado não deixa dúvidas e o produto, lançado há cinco anos, continua a dar que falar. «É uma forma diferente de apresentar o aroma e a qualidade do Licor Beirão a um público diferente», diz José Redondo, e o sucesso foi de tal ordem que a aposta se mantém de pé. «É uma grande aposta», muito embora se trate de um produto que requer especiais cuidados, «com uma logística muito complicada». Os bombons apresentam-se, sugestivos, dentro de uma bola, com ou sem uma miniatura de Licor Beirão, que pode ajudar a enfeitar a árvore de Natal. Mas também em frasco. Este foi lançado no quadro de uma campanha para o Dia da Mãe. O frasco “Nosso” nasceu de uma garrafa de Licor Beirão cortada, com uma tampa de cortiça, que se transforma num copo de cocktail, conferindo uma nova vida à garrafa, com a tampa a servir de base. Isto, claro, depois de o frasco ficar vazio e de os chocolates recheados com puro Licor Beirão terem feito as delícias dos apreciadores.
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Efapel 90 anos com Lousâ
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PRODUTOS PARA INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS DE SERPINS PARA O MUNDO 1978 Criada em 1978, a EFAPEL tem actualmente uma quota significativa do mercado nacional de produtos para instalações eléctricas e tem vindo a crescer no mercado internacional
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ra mais fácil comprar um electrodoméstico novo, naturalmente importado, do que uma tomada para o poder ligar à energia eléctrica». A afirmação é de Américo Duarte, presidente do Conselho de Administração da EFAPEL – Empresa Fabril de Produtos Eléctricos, S.A., e reporta-se à situação que se vivia no país há cerca de 45 anos. Era o pós-25 de Abril de 1974, um tempo de «convulsões», políticas e sociais, que motivou uma quebra acentuada da «capacidade produtiva instalada em Portugal». Uma situação real que representou, igualmente, uma oportunidade para a abertura de «uma unidade de produção de produtos alternativos aos existentes no mercado». Nasce, assim, em 1978, a EFAPEL. Serpins foi a localização escolhida. «Sete dos oito sócios iniciais eram de Serpins», explica o administrador, o único dos fundadores que era “de fora”, de Condeixa, e que se mantém. É o “homem do leme” da empresa (que tem mais três accionistas) e que representa a maior força de trabalho do concelho da Lousã, com um universo de 450 colaboradores. É o reino dos produtos para instalações eléctricas. «Temos 9.779 produtos diferentes», explica o administrador, esclarecendo que, actualmente, a EFAPEL «produz 10 séries de produtos diferenciados», com algumas variações em termos de «design»
“Construção” do artista Aureliano de Aguiar dá as boas-vindas a quem chega à EFAPEL
e de «funções técnicas», destinadas especialmente para instalações ao nível da «construção civil ou subsidiárias». Neste mundo de material para instalações eléctricas, Américo Duarte destaca a “série Logus 90”e “Siza”, bem como «todos os complementos de electrónica actualmente produzidos na EFAPEL» como alguns dos produtos que registaram um acolhimento de excelência no mercado. O crescimento sustentado tem sido, ao longo destes 42 anos, a palavra de ordem da EFAPEL. «Uma empresa tem de crescer
mantendo a harmonia da sua estrutura humana, do seu modelo organizativo e mantendo o equilíbrio económico-financeiro», faz notar o responsável, lembrando que «os investimentos nesta área são sempre muito elevados» e, por isso, «têm de ser equilibrados com a estrutura da empresa em cada momento». «Qualidade intrínseca dos produtos» e uma «adequação perfeita à necessidade das diferentes entidades instaladoras» constituem os pilares da empresa de Serpins, que destaca, igualmente, uma preo-
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cupação com a «relação qualidade-preço». Factores que se têm revelado decisivos para a conquista do mercado. «Desalojámos grande parte da concorrência, conquistando uma quota de mercado largamente maioritário», refere Américo Duarte, que se escusa a quantificar essa mesma quota. Um registo de ascensão e crescimento relevante que se verifica, igualmente, na vizinha Espanha, onde a EFAPEL implantou os seus produtos nos últimos 10 anos. «É o nosso segundo mercado», faz notar. França também é um mercado em ascensão, embora a empresa exporte para «praticamente todo o mundo», desde a Rússia à América Latina. Cauteloso, Américo Duarte faz notar que o mercado exportador tem a sua “ciência”. «Se queremos exportar, temos de criar uma estrutura comercial adequada ao país. Pode passar por agentes comerciais, muito dedicados, com a camisola da empresa vestida, ou por criarmos uma estrutura própria para trabalhar no mercado. Esta é a melhor opção, mas mais cara», explica, dando conta do que considera serem as condições fundamentais para ter sucesso. Acresce, ainda, «a oportunidade», pois «não há nenhum produto que chegue ao mercado e substitua outro que está instalado», adverte. Presente nos quatro cantos do mundo, a empresa «não pode deixar de ter os pés bem assentes na terra», sublinha e também alerta para os perigos de um «crescimento exagerado»: «o volume de negócios tem de ser adequado à estrutura produtiva e organizativa, o que determina que o crescimento tem de existir e deve existir, mas deve ser regulado e estável, consolidado». De resto, tem sido essa a estratégia gizada pela empresa de Serpins. Hoje tem 450 trabalhadores, mas «começou do zero», recorda o administrador. E a lógica
90 anos com Lousã Efapel
é que continue a crescer. «Ou cresce ou morre», salienta, advogando que este é o paradigma mesmo do desenvolvimento. Mas, na EFAPEL o modelo é cuidado e estudado ao pormenor. «Dentro da empresa há um conjunto de procedimentos que tornam possível produzir bem e com o menor preço», tendo sempre uma preocupação com «o conforto dos colaboradores». Para que isso aconteça, «tudo se mede, o que não se mede não se melhora», salienta. «Mede-se desde os custos à eficiência, tendo em vista melhorar e, se for caso disso, reinvestir em novos processos e equipamentos para atender às necessidades de competir». Américo Duarte garante que «a preocupação com as pessoas é fundamental» e disso resulta «uma preocupação com o desenvolvimento das suas competências» e com a «optimização das condições de trabalho». O objectivo, sintetiza, é ter colaboradores «motivados e competentes», que representam uma quota parte significativa do sucesso da empresa. É dentro desta mesma estrutura humana, de gente capaz e com «conhecimentos muito especializados», que a EFAPEL aposta para
Américo Duarte, fundador da empresa e presidente do Conselho de Administração
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o desenvolvimento de novos produtos, muito embora pontualmente recorra à «colaboração de terceiros». É o futuro a desenhar-se dentro das unidades da empresa, potenciando o know how instalado.
Apoio ao desporto Desde há muito que a EFAPEL “deu a mão” ao desporto, garantindo apoio aos clubes e instituições do concelho da Lousã e vizinhos. «É uma forma de ajudar a encaminhar os jovens», assume o presidente do Conselho de Administração, que destaca a importância deste tipo de actividades e o impacto social positivo que daí advém. Uma atitude que acabou por ser um primeiro passo para voos mais altos, particularmente na última década, com a empresa de Serpins a apresentar-se como patrocinador oficial da Académica-OAF, primeiro, e de uma equipa de ciclismo, depois. «É uma aposta no desporto como suporte para potenciar a nossa marca», considera. Espaço a um artista da terra A receber os visitantes, no espaço exterior da unidade fabril de Serpins, está uma enorme árvore, melhor, uma construção artística que faz lembrar uma árvore. Uma obra de Aureliano de Aguiar, um artista da Lousã que constrói as suas peças com base em desperdícios. Aqui são diversos artefactos de metal que, conjugados, cresceram e deram forma a uma original árvore. «É um artista da terra» e «o seu trabalho tem muito mérito», afirma Américo Duarte. As muitas pessoas que param em frente à empresa, a apreciar e a tirar fotos da obra de arte são o testemunho perfeito do bom trabalho feito pelo autor e do interesse que desperta. Uma obra que também contribui para criar uma «boa imagem da empresa».
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Prado - Cartolinas 90 anos com Lousã
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CARTOLINAS COM PERGAMINHOS QUE CONQUISTARAM O MUNDO 2003 Herdeira de um saber-fazer com séculos de existência, a Prado - Cartolinas da Lousã domina o mercado nacional do sector e “dá cartas” em todo o mundo no sector do papel de alta gramagem
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apel de alta gramagem. É este o nicho de mercado da Prado – Cartolinas da Lousã, uma empresa com pergaminhos que se afirmou no mercado nacional e internacional. Em síntese, estamos a falar de cartolinas, com diversas gramagens (máximo 400 gramas por metro quadrado) e, sobretudo, diferentes utilizações. Gráficas e artísticas. Desde papel para cartas, convites, envelopes, publicações, cadernos, blocos, separadores, agendas… Mas também caixas (com conteúdo relevante), sacos, embalagens especiais, etiquetas, rótulos, álbuns, catálogos e brochuras, ementas de restaurantes, molduras, álbuns de fotografia, os mais diversos bilhetes, cartões de felicitação ou cartões de visita... Aqui, no vasto domínio dos cartões de visita, o «toque muito acetinado» do Lousã Super Nova (LSN), um dos produtos da Prado – Cartolinas, conquistou os chineses. «Enviamos contentores e contentores para a China», explica Cavaco Guerreiro, Ceo da empresa. O objectivo, explica, é a produção de «cartões de visita», um produto com significado muito relevante para o povo chinês. «É um nicho de mercado», adianta o responsável, salientando que a especificidade dos produtos da empresa – e também o seu êxito – está nesta resposta adequada a diferentes nichos de mercado. Diz o ditado que “cada terra tem seu uso
Empresa produz entre 22 e 24 mil toneladas de cartolina por ano
e cada roca tem seu fuso”. Nada mais verdadeiro. Na Austrália e na Zona Zelândia, dois mercados igualmente «muito relevantes» para a empresa da Lousã, já não é o acetinado que conquista, mas a pureza da brancura do Trevim, um produto que a empresa lançou recentemente. «É um produto ultra branco, com grande qualidade. É o nosso best seller», refere Cavaco Guerreiro, que destaca o peso que estes dois países representam, uma vez que é
para ali que se destina «10% da produção anual da empresa». As cartolinas, explica, são muito usadas nestes dois países ao nível do sector gráfico, como «complemento a papéis mais finos». «É um mercado bem implantado e importante». «Vendemos no mundo inteiro. A China é um bom mercado. A Coreia do Sul e Taiwan também». As cartolinas do Prado também têm sucesso nos países do Médio Oriente, mas neste caso, como se trata de
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Prado - Cartolinas 90 anos com Lousã
Sustentabilidade ambiental é uma das preocupações da empresa
países pequenos, «um contentor de cartolina dá para dois ou três anos», brinca o responsável da empresa. AAmérica do Sul é, igualmente, «um mercado com bastante relevância, 7 a 8%, sobretudo no Chile, Colômbia, México e Peru». O papel de alta gramagem “made in” Lousã também chega à África Subsariana, mas com «baixo consumo». Em contrapartida começa a crescer nos países do Magreb, designadamente Marrocos, Argélia e Tunísia, e também no mercado de Chipre, Israel e Turquia, particularmente nestes dois últimos. «A Espanha é o nosso maior mercado, com 60%», afirma Cavaco Guerreiro, e em Portugal atinge os 90%, embora «em alguns anos seja significativamente superior». França, Alemanha, Reino Unido, Polónia e Rússia são outros dos destinos de um total de 50 a 55 países que são clientes habituais da Prado – Cartolinas da Lousã. Cavaco Guerreiro explica que cada mercado tem a sua especificidade e se em Portugal e em Espanha há uma boa receptividade a praticamente todas as gamas, em África valorizam-se mais as cores, na Austrália e Nova Zelândia mais os brancos. «Há mercados mais exigentes» e, sobretudo, «há nichos» que a empresa tem procurado conquistar.
Aposta em novas soluções «Procuramos responder à evolução das tendências do mercado», explica o responsável, assumindo que, de ano para ano o mercado do papel “encurta” em termos de consumo, com o digital a “ganhar terreno”. Uma realidade resultante da crescente aposta na “desmaterialização” que leva a Prado – Cartolinas da Lousã a procurar outras “saídas”. «Temos que ir tentando ajustar a nossa gama de produtos», criando uma oferta mais alargada ou o «reposicionamento de alguns dos produtos». O sector alimentar afigura-se como uma aposta prometedora, ao nível das embalagens. «São produtos com características especiais», refere, esclarecendo que a empresa já possui as necessárias certificações, garantindo que os alimentos podem estar em contacto com este papel. Um novo desafio e uma nova resposta. Este processo, sempre evolutivo, de procurar novos produtos, de resposta a novas necessidades, exige estudo e investigação, que é feito basicamente com o know how interno da empresa. «90% é interno», afirma o Ceo, admitindo que em alguns casos também são efectuadas parcerias externas. A empresa tem um total de 120 trabalhadores e produz entre 22 a 24 mil toneladas de papel de alta gramagem por ano. «Trabalhar de uma forma activa, no sentido de desenvolver a empresa e encarar os desafios, em termos tecnológicos, para estamos actualizados», constituem os desafios da Prado – Cartolinas da Lousã. A «informação atempada» representa outra preocupação. De resto, a empresa tem investido bastante nesta “ferramenta”, fundamental para uma gestão optimizada da produção, stocks, encomendas e clientes espalhados por todo o mundo.
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Mais antiga empresa de papel do país É uma empresa com pergaminhos, com mais de 300 anos, que se ajustou à medida dos tempos. Começou com a instalação de um “engenho” de papel, em finais do século XVII e foi crescendo. Data de 1698 o primeiro documento que confirma a produção de papel na Lousã. Todavia, é no início do século XVIII que o genovês José Maria Ottone obtém alvará do rei D. João V para a instalação de um fábrica de papel no Penedo. A água, em qualidade e quantidade, teria sido um dos factores que levou à criação desta fábrica de papel, a mais antiga do país, que se manteve sempre activa. A proximidade da Universidade de Coimbra, um dos grandes centros culturais da época, foi outra das razões. Em 1875, a empresa é integrada num processo de fusão, que cria a Companhia de Papel do Prado, que junta as fábricas de papel da Lousã, Vale Maior (Albergaria-a-Velha), Tomar e Marianaia (Tomar) e foi sob este “chapéu” que as quatro unidades funcionaram, atravessando regimes (Monarquia à República) e as duas grandes guerras mundiais. Em 1974, no pós-25 de Abril, assiste-se à nacionalização da Companhia do Papel do Prado, que é integrada no Grupo Portucel e, em 2003, sucede-se um processo de cisão, com cada empresa a ganhar autonomia. Algumas ficaram pelo caminho. Na Lousã a unidade fabril assume a designação Prado – Cartolinas da Lousã.
90 anos com Lousã AESL
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A FORÇA DA UNIÃO 2014 Em Setembro, após quase dois anos de preparação, foi criada a Associação Empresarial Serra da Lousã
Associação Empresarial Serra da Lousã funciona no espaço do Museu Municipal
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união faz a força”. A verdade do ditado tornou-se uma evidência no meio empresarial da Lousã. «Tínhamos 700 empresas, o que representa alguma dinâmica, mas faltava estarmos juntos, falarmos entre nós e, sobretudo, falarmos a uma só voz». Carlos Alves, presidente da direcção da Associação Empresarial Serra da Lousã (AESL), apresenta o retrato que se vivia no concelho. «Existiu uma associação, mas acabou por se perder», recorda, assumindo que, em situações pontuais, os empresários se juntaram e fizeram ouvir, mas sem organização e coerência de continuidade. Que fazia falta. Foram «quase dois anos de preparação», recorda, fazendo notar uma exigência desde a primeira hora: «a presença dos grandes grupos nos órgãos sociais». «Eles não precisam, têm poder... mas os grandes podem chamar os pequenos», diz. A Câmara Municipal também teve o seu papel. «Ajudou a “puxar” pelas empresas». A 24 de Setembro de 2014 surge a Associação Empresarial Serra da Lousã (AESL) para «colmatar uma lacuna que se fazia sentir». O problema não era exclusivo da Lousã. «Na altura surgiram outras associações», nomeadamente em Miranda do Corvo e Poiares. A «apresentação» foi «a nossa primeira luta», afirma Carlos Alves, recordando as diligências efectuadas junto das mais diversas entidades. «Andámos a “partir pedra” para sermos conhecidos e reconhecidos».
Hoje, «somos reconhecidos a nível regional e nacional» e, sobretudo, «temos credibilidade», diz, lembrando algumas tomadas de posição, sempre com a «bandeira da justiça» e com uma preocupação acrescida de união. Na Lousã e nas redondezas. «Sozinhos não vamos a lado nenhum. Politicamente pode ser complicado, mas a nível empresarial não faz sentido estarmos sozinhos. Se temos um problema na Lousã, esse problema também existe nas empresas de Poiares, Miranda ou Penela. Ao contrário, se estivermos bem, todos estão bem. Aos empresários interessa que os turistas e que os investimentos venham. Não interessa se é para a Lousã ou para Poiares. Interessa que seja para a região», refere. Um sentimento de união “alimentado” pela candidatura conjunta da chanfana às 7 Maravilhas da Gastronomia, que envolveu, inclusive, os municípios e consolidou este esteio de coesão no território. O facto de as associações empresariais terem sido criadas na mesma altura, ajudou a cimentar esta união, com os empresários da Lousã, Miranda, Penela e Poiares a falarem a uma só voz. «Juntos temos muito mais força», assegura o presidente. Satisfeito, Carlos Alves aponta o facto de este exemplo ser replicado na região, através do Conselho Empresarial, que já reúne 13 associações. Informação e formação são dois pilares que norteiam a AESL. «É fundamental garantirmos informação aos empresários»,
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até por questões de ordem legal, explica, apontando a resposta pronta assegurada por vários «parceiros», designadamente a ASAE, a ACT e o próprio IEFP. Relativamente à formação, destaca a importância da «transferência de conhecimento» e os protocolos da AESL com a Universidade e com o Politécnico de Coimbra. Anualmente a AESL promove um conjunto de iniciativas, algumas em parceria com o município, desde o Lousã Moda ao Lousã Outlet, festivais gastronómicos, concursos e passatempos, que mostram a dinâmica do tecido empresarial. Este ano, devido à pandemia, a grande maioria dos eventos foi cancelada e o objectivo é, para o ano, um «regresso em força». A AESL começou com um universo de 70 empresas. Hoje são 250 associados e há margem de crescimento. «Temos 700 empresas no concelho», lembra Carlos Alves. Todavia, alerta, «o importante é a sustentabilidade», e isso já existe hoje em dia.
Projectos para o futuro Projectos para o futuro não faltam. «Estamos a trabalhar numa loja online», adianta Carlos Alves, que fala com entusiasmo do projecto “Compre Cá”. Mais do que uma loja, quase se pode falar de um “centro comercial”, onde será possível encontrar «tudo o que se faz na Lousã». «Tudo vai depender da adesão dos comerciantes», adverte o presidente da AESL, que acredita no grande potencial deste projecto «inovador». A ideia é responder às dificuldades que, em termos individuais, cada empresário tem, uma vez que são muitas as exigências do comércio digital. Por outro, trata-se de criar uma plataforma diversificada em termos de oferta, sempre com a referência “made in Lousã”. O empresário acredita que o projecto vai correr bem e a ideia é replicar o conceito, alargando a área geográfica de intervenção. O sector da floresta, além de um «pulmão importantíssimo», representa «um diamante» que merece uma atenção especial, hoje e no futuro. Por isso, além da preocupação com a «reflorestação e a limpeza da Mata do Sobral», a AESL tem vindo a encetar contactos com «especialistas na área da floresta, para percebermos que novos negócios se podem fazer». «Já há algumas ideias. Estamos à procura de algum apoio do quadro comunitário», confessa Carlos Alves.
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Escola Profissional 90 anos com Lousã
STATUS: PAIXÃO PORI UMA ESCOLA DIFERENTEI
Escola Profissional mudou de casa, tem um novo projecto e até um novo nome: Status
2016 Escola Profissional ganhou novo alento e novo rumo
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atrícia Duarte e Luís Renato decidiram investir e “dar tudo” para recuperar a escola e lançar um novo projecto educativo. «Este projecto é a paixão da minha vida», confessa a directora pedagógica da Status – Escola Profissional da Lousã. «Estou cansada, mas feliz», assume, quatro anos depois de ter abraçado o projecto. Para trás fica uma «história negra», que custa recordar. «Pegámos na escola em 2016. Só tinha 16 alunos! Tinha um milhão de dívidas e nenhum activo. Até o edifício estava a cair!. A escola tinha feito um despedimento colectivo», conta. Porquê agarrar um projecto moribundo? «Percebemos que ninguém iria pegar na escola e seria o fim, a insolvência», recorda. Natural da Lousã, licenciada em Filosofia e com uma pós-graduação em Marketing, Patrícia Duarte andou por esse país fora. Deu aulas e trabalhou em multinacionais e, em 2009, juntamente com o marido, Luís Renato, empenhou-se num projecto ligado à formação e consultoria. Nascia a Konkrets, com sede na Lousã. «Regressava sempre a casa», conta. E era de “casa” que se tratava também agora. Com a Escola Profissional da Lousã perto do fim, Patrícia e o marido entenderam que tinham ali uma oportunidade. Sobretudo para ela, uma indefectível apaixonada pela área da educação. «Tínhamos experiência na área da formação para empresas, mas não era a mesma coisa. Pior não iria ser,
por isso só podia ser melhor», considera. O casal empenhou-se a fundo, ele com a gestão, ela com a responsabilidade pedagógica e, com uma casa praticamente desfeita, concentraram-se em «fazer tudo de novo». Desde recrutar professores à elaboração do projecto educativo. «Praticamente só ficámos com o alvará», explica. A escola mudou de casa, instalando-se na antiga escola primária, frente ao mercado. «Fizemos um investimento de quase 400 mil euros em obras» e mais 100 mil para a instalação da Status Arena. A directora pedagógica espera avançar com a construção da residência para estudantes, um investimento de 300 a 350 mil euros. A escola mudou de nome, assumindo a designação Status – Escola Profissional da Lousã. «Era necessário cortar com o passado», sublinha. E cortou mesmo. As diferenças estão em toda a linha. Contra os 16 alunos em 2016, hoje são 200. Mais. «Hoje não temos o “refugo”, os alunos que ninguém queria. Hoje temos alunos que acabam o 9.º ano com notas excelentes e somos a sua primeira opção». E acredita que vai conseguir cativar mais alunos, de vários pontos do país, que vão escolher a Lousã. Por isso quer avançar com as residências. O projecto pedagógico representa o “segredo” da Status. Um projecto assente «na continuidade das áreas», com cursos de Comunicação e Marketing, Multimédia, Informática - Programação e Desporto. Cursos
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que assentam numa base de «arte e tecnologia» e com ferramentas de excelência. «Comprámos portáteis para todos os alunos», diz, apontando, ainda, «o estúdio multimédia, completamente apetrechado» e o objectivo de avançar para um «canal de televisão e uma rádio escolar».
Ganhar horizontes «O projecto educativo é baseado no projecto de vida dos alunos», afirma Patrícia Duarte, o que significa que «trabalham diferentes conhecimentos», de forma «personalizada», «à medida de cada um», tendo em vista o seu projecto pessoal. E as opções são três: «seguir para a Universidade, criar a sua própria empresa ou trabalhar por conta de outrem». A primeira tem, neste momento, metade dos alunos da escola. «Acredito que vão conseguir», diz. Para os alunos que querem ir para a Universidade, a Status garante desde já uma plataforma de acesso, com professores universitários a efectuarem, online, visitas guiadas. «Outro tipo de explicações» são asseguradas pela escola. Aos alunos que querem criar a sua empresa, ser “ProStart”, «ajudamos a fazer o plano de negócio e de marketing ao longo dos três anos do curso». Ainda têm a possibilidade de ficar mais um ano na incubadora da escola. Relativamente àqueles que querem trabalhar numa empresa, trata-se de perceber qual e criar uma relação de proximidade, através da qual a empresa conhece o jovem e este conhece a empresa, trabalha nos seus produtos. «O objectivo é que nenhum aluno chegue ao final do curso sem horizontes. Ou têm a empresa deles, já criada, colectada nas Finanças, registada, ou vão trabalhar na empresa que escolheram ou entram na Universidade», remata Patrícia Duarte. «Cansada, mas feliz», Patrícia Duarte fala com orgulho de alguns dos projectos inovadores que os alunos têm apresentado, designadamente o vencedor do projecto Empreendedorismo nas Escolas da CIM-RC, o “Sneakers Move”, sapatilhas com controlo térmico e sistema de carregamento do aquecimento via smartphone, ou os bombons de mel criados por outro aluno, enquanto outros têm ganho prémios nacionais na área das curtasmetragens. Feliz, confiante neste desafio que abraçou há quatro anos, Patrícia Duarte não tem dúvidas: «Este é o projecto da minha vida».
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Misericórdia 90 anos com Lousã
Quinta do Regueiro, no centro da vila, concentra as diferentes respostas da instituição
MISERICÓRDIA: UMA OBRA AO SERVIÇO DOS OUTROS 1962 Criada em 1566, a Santa Casa da Misericórdia tem uma vasta obra social dedicada aos mais velhos e aos mais novos. Em 1962 instalou-se na Quinta do Regueiro
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uvem-se risos de crianças, de um lado. Do outro, três seniores, acompanhados por uma auxiliar, percorrem o passadiço, entre um manto verde de relva e canteiros de flores. Um intervalo na creche. Um passeio a meia da manhã. Atarefada, uma colaboradora colhe um “carrego” de nabos. Um ingrediente a utilizar na cozinha, pouco depois, na confecção das refeições.Aespaços chega um ou outro fornecedor, mas não quebra a tranquilidade do ambiente da quinta. Em pleno centro da vila, erguem-se as instalações da Santa Casa da Misericórdia. Uma antiga quinta, que mantém os traços rurais. Mas também a produção. A imensa parreira ostenta uma significativa produção de kiwis. As abóboras já foram colhidas, mas as laranjas ainda só começam a mostrar indícios de maturação. As lado, crescem verdejantes couves, sem que a sua rotina seja beliscada pelo colorido do parque infantil, instalado em frente. Mais adiante, fazem-se obras. Outras aguardam oportunidade. Numa casa como esta, há sempre coisas por fazer. Remodelações, projectos. Sempre foi assim na Quinta do Regueiro, desde que a Santa Casa da Mi-
sericórdia da Lousã procedeu à sua aquisição, na década de 60 do século XX ao dr. José Maria Cardoso, por 800 mil reis. E foi neste quarteirão que a Santa Casa da Misericórdia, fundada em 1566, por alvará de D. Sebastião, se instalou a partir de então, transitando das instalações do antigo Hospital de São João, a sua segunda sede, depois de largos anos com a Sala de Despacho a funcionar paredes-meias com a Capela da Misericórdia, erguida em 1568. E também foi para ali que transitaram algumas das valências já em funcionamento, mas, sobretudo, foram ali criadas novas respostas, ontem como hoje procurando ir ao encontro das necessidades da população. Sobretudo dos mais velhos e dos mais novos. João da Franca é o verdadeiro decano da instituição. Provedor há 28 anos, assume que a «Misericórdia é uma paixão». «Se não fosse, já cá não estava há muitos anos», sublinha. Uma «paixão», que será mais amor, dizemos nós, resultante de um “enamoramento”e de uma conquista crescente. Isto porque o provedor chegou à Santa Casa quase por acaso, quando se preparava para uma “travessia do deserto”, depois
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de ter desempenhado funções como vereador na Câmara Municipal. Todavia, um grupo de amigos lançou-lhe o desafio: «Tens de concorrer à Misericórdia». Começava o ano de 1992 e João da Franca iniciava uma nova fase da sua vida. «Entrei muito preocupado», confessa. A instituição tinha 46 funcionários e meia centena de utentes e um rol de contas para pagar. «O responsável pela contabilidade era um homem fantástico. Elaborámos um plano de pagamento a todos os credores e no final do ano tínhamos tudo pago», recorda. E também começaram as obras, que nunca mais pararam. Primeiro com a lavandaria, depois na cozinha. Foi um “arrumar a casa”e, «quando a situação estabilizou, em termos económicos, começámos a investir». «A Misericórdia desenvolveu-se», confessa, com orgulho, mas ressalvando o trabalho colectivo que lhe subjaz. «Esta obra não é minha, é das mesas administrativas que ao longo destes anos estiveram à frente da Misericórdia». Mas também os colaboradores – hoje 110 – merecem uma referência especial. «São a trave-mestra da instituição. Se não tivermos bons colaboradores, a nossa missão é muito difícil», diz, enaltecendo os «grandes profissionais» que ali trabalham e que fazem a diferença. 115/116 mil euros é quando a Misericórdia precisa mensalmente para cumprir a sua missão, com uma gestão feita ao cêntimo. «Nunca damos um passo maior que a perna», assegura João da Franca, destacando a «grande controlo» que rege a instituição em matéria de despesas e investimentos.
Respostas diversificadas na Lousã e em Foz de Arouce A Santa Casa é herdeira da primeira creche, instalada no edifício contíguo ao Hospital de São João, em 1937 e dirigida pelas Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, que transitou para a Misericórdia após a dissolução da Liga Católica Contra a Tuberculose. Na década de 60 do século passado a creche passou para a Quinta do Regueiro. Nos anos 80 arrancou o projecto do pré-escolar. Na década de 90, uma e outra valência «precisavam de obras profundas», explica o provedor, lembrando uma visita do então ministro Falcão e Cunha, que garantiu as obras, inauguradas em 1999 por Ferro Rodrigues. Actualmente são 62 as crianças da creche
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e 70 no jardim-de-infância. Em 1982 começou a funcionar a resposta de estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI), ampliada e remodelada em 1994, altura em que também foi inaugurado o novo espaço para os serviços administrativos. A ERPI tem 80 utentes e há 12 utentes numa extensão do lar. Também desde 1994, a Santa Casa tem um conjunto de 14 apartamentos, onde se encontram seniores com total autonomia. A lista de espera para a ERPI é «medonha, com mais de 100 pessoas», diz o provedor. A instituição presta, também, apoio domiciliário, actualmente com 60 utentes, serviço que, no quadro da pandemia, é assegurado aos 40 utentes do centro de dia. Em 1993, a Misericórdia descentralizou os seus serviços e estendeu as respostas a Foz de Arouce. «Foi um pedido/sugestão da Segurança Social», refere João da Franca. O projecto, envolvendo centro de dia e apoio domiciliário, arrancou com 15 e 27 utentes, respectivamente. Actualmente, a funcionar nas antigas instalações do ATL, o centro de dia mantém os 15 utentes e o apoio domiciliário reduziu para duas dezenas.
Obras na Capela e na cozinha Em Agosto começaram as obras de conservação da Capela da Misericórdia, que deverão estar concluídas no final do ano, com o apoio do Fundo Rainha D. Leonor (87 mil euros). A intervenção contempla ao retábulos laterais e o altar. Particularmente os laterais «precisam de um grande restauro», refere o provedor. A Capela foi a primeira obra da Misericórdia, erguida em
1568. Está classificada como Imóvel de Interesse Público desde 1948. Também em fase de conclusão estão as obras de remodelação da cozinha, que estava a “rebentar pelas costuras”. Um investimento de 901 mil euros, com 723 mil euros de apoio do Portugal 2020. «Estamos sempre em obras», diz, satisfeito, o provedor, porque isso representa a melhoria dos serviços prestados pela Santa Casa.
Equipa fantástica João da Franca não se cansa de elogiar a equipa de colaboradores ao serviço da instituição. «São incansáveis», afirma, reconhecendo que gostaria de «pagar melhores salários», mas não há condições. «Sagrado» é o pagamento a tempo e horas dos ordenados e aos fornecedores. «Uns e outros são fundamentais para a essência desta casa: os nossos utentes, a quem queremos dar sempre o melhor. Nesse sentido, a instituição está equipada com um gabinete médico, que integra seis enfermeiros, um médico, um nutricionista, um fisioterapeuta e dois psicólogos. Técnico superior de serviço social, animadora cultural, professores de música e de educação física fazem parte da equipa, que dinamiza um conjunto diversificado de actividades. O provedor exemplifica com o Grupo de Teatro, criado há 4/5 anos, cuja estreia aconteceu em Coimbra, no Alma Shopping, e também o Rancho Folclórico que começou há cerca de dois anos. Projectos que actualmente, devido à pandemia, estão parados. Exemplo desta dinâmica é também o Hino da Misericórdia, apresentado em 2016, na gala de aniversário, com letra de Júlia Janeiro e música do professor Valter.
João da Franca exerce as funções de provedor desde 1992
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A herança do Hospital
Festa de lançamento da primeira pedra
A Misericórdia foi a entidade gestora do Hospital de São João, projecto que arrancou em 1866, com o lançamento da primeira pedra a 24 de Junho, dia de São João e do aniversário do comendador José Elisário de Carvalho Montenegro, seu ideólogo e benfeitor. As obras ficaram prontas em Março de 1868, mas não havia meios para o colocar em funcionamento. Em 1888, sob a tutela da Misericórdia, 20 anos depois do arranque da construção, o hospital entrou em funcionamento. Em 1936 os serviços de enfermagem e a administração da unidade de saúde passam a ser da responsabilidade das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria. Médicos como Américo Gonçalves de Melo, Manuel Montezuma de Carvalho, Bissaya Barreto e Américo Viana de Lemos, deram uma grande ajuda, com cirurgias e consultas gratuitas. O Hospital, entretanto instalado num novo edifício, foi, à semelhança dos seus congéneres, nacionalizado em 1976 e ali instalado o Centro de Saúde da Lousã. «Devemos ser a única Misericórdia que teve serviços de saúde e agora não tem». João da Franca destaca outra curiosidade, que se prende com a luta do provedor Júlio Ramos Ribeiro dos Santos (1978-1985) contra o Ministério da Saúde para que o edifício fosse devolvido à Misericórdia. A contenda acabou com o Tribunal a restituir o edifício à Santa Casa e a Administração Regional de Saúde a pagar uma renda pelo espaço, situação que se manteve até Junho de 2015, altura em que a ARSC inaugurou o novo Centro de Saúde. O provedor admite que a Misericórdia está em negociações, no sentido de «arranjar parceiros» para colocar o edifício do antigo hospital ao serviço da comunidade.
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ARCIL 90 anos com Lousã
ARCIL: INCLUSÃO EXEMPLAR 1976 Necessidade de resposta para problemas dos seus filhos levou um grupo de famílias a avançar com um projecto pioneiro e inovador, que é uma referência nacional
Sede da ARCIL está instalada na antiga Quinta do Hospício
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ntónio e Olga Maio fizeram a diferença. Vivia-se o ano de 1976. Ambos professores, viram-se confrontados com o facto de terem dois filhos com necessidades especiais. Até à data «entre 1974 - 76 não havia respostas para crianças com deficiência mental», alerta Nelson Tiago, presidente da direcção da ARCIL – Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã. Aos dois pais juntou-se Emília Barata, assistente social, ligada à área da saúde, que «fez um levantamento das crianças com necessidades educativas especiais e percebeu que havia crianças até aos 12/13 anos que não tinham qualquer apoio», explica Cristina Silva, directora executiva de reabilitação. Aos dois pais juntaram-se outros e «dessa vontade conjunta» nasceu a ARCIL, a 26 de Junho de 1976. Uma instituição pioneira, que ao longo dos seus 44 anos de vida se tem empenhado em garantir apoio a pessoas com deficiência mental e, sobretudo, a encontrar ferramentas que permitam valorizar e promover a sua autonomia e inclusão social, seja no mundo da escola e da família, seja no mundo do trabalho e do emprego. Uma causa que começa a dar os seus primeiros passos e também a demonstrar que a solidariedade era uma das bandeiras.
O empresário Jorge Carvalho (já falecido), da Fábrica de Alcatifas da Lousã, numa iniciativa inteiramente pro bono, comprou a Quinta do Hospício – antiga casa senhorial, onde já tinha funcionado um hospício e um colégio – e doou-a à instituição, através da Câmara Municipal. «A casa estava muito degradada e parcialmente ocupada por pessoas que tinham regressado das ex-colónias», recorda Cristina Silva. Os moradores foram realojados e os espaços começaram a ser limpos e adaptados. «No dia 7 de Fevereiro de 1977 recebemos as primeiras crianças». Seriam «umas 15». De então para cá foi um nunca mais parar de crescer. De projectos e de respostas para todas as idades e para os mais diversos níveis de necessidades. Mas também ideias inovadoras, pioneiras, que ganharam aqui lastro para novos voos. «AARCIL foi constituída como escola de ensino especial», refere Cristina Silva, lembrando que muitos professores foram destacados para desenvolver esta ideia de escola inclusiva. «Em 1979 faziam-se as primeiras experiências de integração de crianças no jardim-de-infância da Santa Casa da Misericórdia. AARCIL foi pioneira, a nível nacional, na integração escolar», afirma, e lembra que a primeira legislação nesta matéria foi publicada em 1991.
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Mas o tempo não pára e as necessidades também não. «As crianças iam crescendo e avançámos para outras respostas», adianta a responsável pela reabilitação. Começam, então, a ser dados os primeiros passos para o mundo do trabalho. Uma serração que então existia na vila, adaptou um anexo e «começámos a trabalhar lá com os jovens». Vivia-se o ano de 1983. Era o primeiro passo para as actividades produtoras. «Entretanto, a empresa fechou e criámos a ARCIL Madeiras». Outros sugiram, depois, com o apoio da Segurança Social ou do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Entre actividades ocupacionais ou de emprego protegido. Espalhadas pela vila e pelo concelho.
Apoio garantido a universo de 1.400 pessoas No total, nas várias respostas, a instituição apoia 1.188 pessoas, número ao qual se soma o Centro de Actividades de Tempos Livres (ATL), uma resposta de apoio social às famílias, que envolve 177 crianças, entre as quais algumas com deficiência mental, em quatro escolas do concelho da Lousã, numa parceria com o município e o Agrupamento de Escolas. Ainda para crianças, destaque para o Centro de Recursos para a Inclusão, um apoio técnico a alunos com necessidades educativas especiais (NEE), desenvolvido em parceria com o Ministério da Educação, que envolve 126 crianças e jovens, dos 6 aos 18 anos, maioritariamente na Lousã, mas também na Pampilhosa da Serra, Miranda do Corvo e Góis. O Lar de Apoio para Crianças e Jovens, dos 6 aos 21 anos, foi criado em 2004. Primeiro para acolher os filhos dos utentes. Depois, de uma forma mais alargada. Muitos crianças e jovens são encaminhados pelo Tribunal. Tem actualmente 15 crianças. O lar «é a casa deles e a ARCIL a sua família». Para os adultos, a ARCIL apresenta respostas diferentes, através do Centro de Actividades Ocupacionais, que contempla desde utentes com deficiência profunda, que requerem cuidados de bem-estar, a actividades socialmente úteis e de carácter produtivo. O serviço de lar residencial para adultos – dos 21 aos 89 anos – está disperso por vários edifícios e acolhe 68 pessoas. O serviço de apoio domiciliário, criado em 2004,
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tem 28 utentes. «O objectivo é desinstitucionalizar, através de vários tipos de apoio. «Não levamos a marmita da comida», explica Cristina Silva. «Ensinamos a ir às compras, a tratar da casa, a cozinhar, fazer pagamentos. É um apoio mais pedagógico, com o objectivo de «promover a autodeterminação». A ARCIL tem também valências de formação profissional, através do Centro de Recursos para o Emprego, apoiado pelo IEFP, que actualmente conta com 125 formandos. Ou ainda através da promoção da empregabilidade, apoiando a colocação profissional (724 pessoas em 2019).
Pólo de Góis O Pólo de Góis foi criado em 2009, com a instalação de um Centro de Actividades Ocupacionais, destinado a dar resposta a utentes do concelho que até então tinham de se deslocar para a Lousã. O objectivo foi criar um «serviço de proximidade», explica Cristina Silva, que destaca a articulação com a Câmara Municipal e a Segurança Social para concretizar o projecto.
Trabalho em cerâmica
Instituição dinâmica em várias frentes A ARCIL tem 250 colaboradores e 60 são pessoas com deficiência, dos quais 53 em regime de emprego protegido. Agraciada com a Ordem de Mérito pela Presidência da República (2007), a ARCIL foi, entre muitas outras distinções, a nível nacional e internacional, reconhecida, em 2018, como uma das 10 melhores instituições europeias em termos de boas práticas de inclusão. No âmbito do projecto Erasmus, entre outras iniciativas, participou,
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no ano passado, na recriação dos Jogos Olímpicos, no «velhinho estádio Olímpico de Atenas». «Participámos e ganhámos medalhas», sublinha o presidente da direcção. Ainda na área do desporto, a ARCIL tem atletas na selecção nacional de basquetebol, cujo seleccionador é professor de educação física na instituição. Os utentes dão, igualmente, créditos na área do rugby e no trial. Desporto à parte, também também já fizeram uma peregrinação a Santiago de Compostela. A descida da Serra da Lousã em Cadeira de Rodas é uma das iniciativas emblemáticas organizadas pela instituição, que também participa nas marchas, pelo São João. «Eles adoram as marchas», sublinha a directora de reabilitação. Também há um rancho folclórico, que já cantou as Janeiras ao Presidente da República, e várias bandas de música. O Festival Nacional da Canção da Pessoa com Deficiência é outras das imagens de marca da ARCIL, que também já organizou o Festival Europeu da Canção para Pessoas com Deficiência Mental.
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Produção e trabalho como factores de inclusão
Quinta do Caimão produz legumes e fruta para consumo próprio e para venda
A nível nacional os programas de reabilitação «estavam em grande desenvolvimento» e na Lousã muito mais à frente. É criada uma empresa de recuperação de calçado (desactivada), na Quinta do Caimão (Vilarinho), desenvolve-se um projecto de produção agro-pecuária, e nasce uma empresa de cerâmica (1994). Uma unidade que produz peças decorativas e utilitárias em barro vermelho pintado à mão. «Vendíamos a nível nacional e chegámos a exportar para a Suíça e para o Chile. «No final dos anos 90 começou a decair», pois «começou a haver muito mais oferta no mercado da cerâmica decorativa», refere Luís Lopes, director executivo da ARCIL. Nos inícios da década de 90 nasce a ARCIL Saúde. «Tínhamos um serviço de fisioterapia e foi-se alargando a capacidade de resposta» para «servir a comunidade» com «novas especialidades», designadamente de medicina dentária. «Tínhamos dificuldade em conseguir consultas de medicina dentária», explica Cristina Silva, o que levou a ARCIL a contactar uma dentista que «fez uma especialidade em doentes mentais e continua, há mais de 20 anos, a trabalhar connosco». Além de fisioterapia e medicina dentária, a clínica oferece uma oferta alargada na área da medicina física e de reabilitação. Igualmente para servir a comunidade, além da resposta à instituição, estão os serviços de lavandaria (ARCIL LAV) e a ARCIL Verde, esta na área da jardinagem, ambas criadas em 2000.Antes, igualmente
virada para o exterior, em 1986, foi criada a ARCIL CARD (parada), uma empresa de cartões magnéticos, que fez furor. Os projectos continuam a surgir, apostando na diversidade. Em 2011 a ARCIL começa a explorar, em regime de concessão, o café/restaurante do Parque Carlos Reis. «Procura-se diversificar, ter experiências diferentes», sublinha Luís Lopes. «Confeccionamos os bolos, que vendemos à fatia», exemplifica, destacando a «diferença, pela qualidade e não pelo preço». No espaço funcionou um restaurante pedagógico, dois dias por semana, por marcação, com as refeições confeccionadas e servidas por formandos, que foi «um sucesso». Também o bar da sede é explorado pelos utentes. Mais recente, em 2017, é a resposta para crianças e jovens com déficit de atenção e problemas de aprendizagem e desenvolvimento. «Uma resposta multidisciplinar e especializada que não existia». Simultaneamente virada para dentro e para fora, particularmente para as empresas, está o Centro de Serviços de Manipulação. Trata-se, mais uma vez, de adaptar respostas. «Os nossos utentes envelhecem e as suas capacidades cognitivas e motoras começam a sofrer alguma degradação», mas é fundamental «que se sintam úteis, activos» explica o gestor, exemplificando com trabalhos de embalamento de produtos ou montagem de um equipamento. O Licor Beirão e a EFAPEL têm sido grandes clientes desta oferta de serviços, refere.
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Promover o aproveitamento turístico da Quinta do Caimão Os produtos da quinta são usados na cozinha da instituição, que «serve cerca de 10 mil refeições/mês». Mas uma parte significativa da produção é canalizada para o projecto “Coisas da Quinta”, criado em 2016, um programa de transformação de bens hortícolas e de fruta, através da produção de compotas e doces, mas também de biscoitos e bolos, pão de mistura, broa, pão com chouriço. Produtos que, esclarece Luís Lopes, são distribuídos semanalmente. «As encomendas são feitas, via digital, até terça-feira e entregues à quinta-feira», explica, dando conta do crescente interesse na sua aquisição. Mas a Quinta do Caimão, em Vilarinho tem muito mais potencialidades. O responsável pela gestão da ARCIL fala com entusiasmo do projecto Rural, que contempla uma quinta pedagógica e uma componente de turismo adaptada a pessoas com deficiência. «Não há nada assim na região Centro. O que existe não desonera as famílias» relativamente às «respostas de apoio». Aqui reside a diferença. Com base nas múltiplas valências e know how instalado, a ARCIL pode garantir essas respostas de forma integrada. «É criar uma estrutura adaptada, que permita dar férias aos pais, aos filhos, aos cuidadores e potenciar a vivência de actividades ao ar livre». O projecto está feito e «é sustentável», assegura Luís Lopes, desde que seja possível uma candidatura a uma linha de apoio. O investimento será superior a 400 mil euros.
Construção de novos lares A construção de novos lares residenciais é uma prioridade. Trata-se de garantir «melhores condições» a utentes e colaboradores, mas também de dar resposta a alguma “pressão”, pois «muitos utentes residem com as famílias e os pais estão a envelhecer e questionam-se: “quem vai tomar conta dos meus filhos?” Temos de dar resposta a esta situação num futuro próximo», diz o director executivo. O projecto está feito e aprovado e implica um investimento na casa dos três milhões de euros, o que representa uma «enorme despesa» e “exige” a candidatura a alguma linha de apoio.
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O MELHOR MELI DO MUNDOI
A urze confere ao Mel Serra da Lousã características únicas
1988 Porque a “união faz a força”, um grupo de apicultores entendeu juntar-se para ultrapassar os problemas comuns. Nascia assim, a 28 de Março de 1988, a Lousãmel
É
doce, de um escuro quase negro, com um aroma intenso e característico. É o Mel Serra da Lousã. Um produto único e diferenciador. «É uma bandeira da Cooperativa e da região. Leva a marca Lousã a todo o mundo», sublinha Ana Paula Sançana, directora executiva da Lousãmel – Cooperativa Agrícola de Apicultores da Lousã e Concelhos Limítrofes. Um produto DOP – Denominação de Origem Protegida, consagrado em 1994, pelo despacho n.º 27/94 de 17 de Janeiro. Para trás ficava um longo processo, que requereu muito trabalho e empenho, que envolveu a Lousãmel (direcção e apicultores), as câmaras municipais da zona abrangida, a Direcção-Geral das Florestas e o imprescindível apoio técnico e científico da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra.
Estava cumprido um passo histórico para a defesa e valorização do Mel Serra da Lousã. Um processo que tem o seu embrião em 1988, quando uma mão cheia de apicultores entendeu fundar uma cooperativa.«Sentiram essa necessidade, sobretudo para resolver os problemas», designadamente «escoar o mel» e garantir «a estabilização e controlo do preço», explica o presidente da direcção, António Carvalho. «É uma mais-valia. Todo o mel nacional é muito bom, mas um mel DOP tem garantias acrescidas para o consumidor», destaca Ana Paula Sançana, explicando que o facto de ser um mel de montanha confere-lhe características que o distinguem. «Tem um sabor mais intenso, um aroma a bosque, um índice mais elevado de sais minerais e antioxidantes». A cor «mais escura» que o caracteriza tem a ver com o facto de
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ser um mel de montanha. A urze confere-lhe o carácter único. «É o melhor mel do mundo», garante António Carvalho. «É um alimento vivo e rico», adianta Ana Paula Sançana, para quem a melhor forma de consumir Mel Dop Serra da Lousã é ao natural, «à temperatura ambiente». Não enjeita o seu uso na culinária, cada vez mais recorrente, mas alerta: «ao aquecer o mel, estamos a destruir as enzimas». Usado desde tempos imemoriais, é um alimento de eleição. «Faz bem a tudo», diz o povo. «Cada vez com mais propriedade científica entende-se que é um excelente tratamento para doenças do foro respiratório», refere a directora executiva. «Tem propriedades antibacterianas e dermatológicas», adianta. António Carvalho lembra que, no tempo de Napoleão, soldados gravemente feridos na guerra foram curados com «cataplasmas de mel». Mas também para o tratamento de queimaduras, feridas crónicas e também na estética e beleza. O processo DOP impõe um conjunto de exigências, a começar pela localização das colmeias ou cortiços. São sete os concelhos do distrito de Coimbra abrangidos: Arganil, Góis, Lousã, Miranda do Corvo, Pampilhosa da Serra, Penela e Poiares; e três do distrito de Leiria: Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande. Mas não chega. «Temos de garantir que não existe, num raio de dois quilómetros, eucalipto ou outra flora contaminante». Depois, há todo um caderno de especificações a cumprir, que define a altura em que os produtores põem as “alsas” (caixa/quadro que se coloca na colmeia) ou fazem a “cresta” (retirar o mel). O mel é depois devidamente analisado e não falta uma prova cega no processo de certificação. «Pode chumbar. Pode respeitar os parâmetros todos, mas por exemplo, não passar no sabor, na análise sensorial» feita pelos provadores, explica a directora.
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Um sector atractivo Apesar dos percalços, «a apicultura é um sector atractivo, não directamente do ponto de vista económico. É muito encarada como actividade complementar, um hobbie», e o número de apicultores tem vindo a crescer. Na Lousãmel «são mais os associados que entram do que os que nos abandonam», asseguram.Aos associados a Cooperativa garante «apoio e aconselhamento» em termos de maneio, a nível da alimentação e também sanitário. Também dispõe da mais moderna tecnologia de extracção, embalamento e processamento do mel. Os custos têm algum peso, pois é necessário alimentar as abelhas - «cada vez mais
durante mais tempo», adianta António Carvalho, cerca de oito meses – combate às doenças e pragas, além do cuidado com as instalações. «É uma actividade relativamente dispendiosa», refere a directora. Só por curiosidade, uma colmeia custa à volta de 60 euros, com abelhas duplica o preço. Para o “maneio” é necessário contabilizar 20/30 euros por colmeia. Para conseguir um retorno económico será necessário que cada colmeia produza na casa dos 20 kg.
Governo devia olhar para apicultura «O Governo devia olhar de outra maneira para a apicultura», afirma o presidente. Em seu entender, à semelhança de «outras fileiras, os apicultores também deviam ser ajudados, mas estão esquecidos, não são vistos como produtores». «Os apicultores estão a prestar um serviço à natureza. As abelhas são as sentinelas do ambiente», destaca. Se dúvidas houver, Ana Paula Sançana derrete-as: «as abelhas polinizam 80% dos alimentos que consumimos», não são, esclarece, apenas as abelhas que produzem mel, pois «existem cerca de 20 mil espécies de abelhas no planeta». As abelhas, continua, «prestam um serviço ecossistémico que tem um valor incalculável» e critica a «falta de sensibilidade» relativamente a este sector e à sua importância. Lembra que as «reservas alimentares estão a decrescer», o que já constitui uma preocupação da FAO e da ONU e se a população continuar a crescer, «daqui a 30 anos vamos atravessar uma crise de segurança alimentar». Uma perspectiva assustadora, mas que pouco tem de novo, pois já Albert Einstein advertia: «Quando as abelhas desaparecem da face da Terra, o Homem tem apenas quatro anos de vida!».
Cooperativa cresceu para dimensão nacional
Centro Interpretativo é projecto para o futuro
Preço dos transportes é calcanhar de Aquiles
A Lousãmel está instalada desde 1996 na Zona Industrial dos Matinhos. Uma estrutura construída com o apoio do município da Lousã, que sofreu obras de ampliação em 2010, para dar resposta ao crescimento do sector e às necessidades do apicultores, primeiro os da região demarcada, depois, de praticamente todo o país. «Só não temos associados do Algarve», refere Ana Paula Sançana. Este verdadeiro boom expansionista aconteceu há meia dúzia de anos, com as solicitações crescentes a chegarem de apicultores de todo o país. «Tivemos de alterar os estatutos e agora somos uma cooperativa de âmbito nacional», adianta António Carvalho. Actualmente são 492 associados. Além do Mel DOP Serra da Lousã, a Lousãmel “representa” outras regiões do país, com mel de rosmaninho, eucalipto, laranjeira ou ainda mel da floresta Laurisilva da Madeira.
O Centro Interpretativo do Mel da Serra da Lousã constitui um sonho acalentado pela Lousãmel. «Gostaríamos de ter esse equipamento para receber as escolas e explicar todo o processo de produção do mel» e dar a conhecer os produtos da colmeia, além de todo o património histórico ligado ao sector. «Espaço temos», afirma António Carvalho, apontando o terreno em frente à sede da Cooperativa. Significa que está dado o primeiro passo para um projecto «diferenciador, de futuro», que representa um investimento na ordem dos 200 mil euros. «Queremos que seja um equipamento muito interactivo, com maquetas, com muita cor», acrescenta Ana Paula Sançana. Perspectivas para a concretização? «Não sabemos», respondem. Fundamental é conseguir o financiamento necessário.
A concorrência é um problema, sobretudo de mel proveniente de países fora da União Europeia. «O mel europeu tem parâmetros muito restritos», diz Ana Paula Sançana, o que não se aplica ao mel de outros países, designadamente da China ou da Argentina. Este é um problema, mas o maior desafio para promover e levar longe o “melhor mel do mundo” é mesmo o preço dos transportes. «Conseguem pôr cá um contentor de mel por 300 euros, nós gastamos 60 euros para mandar uma caixa de mel para o Algarve», refere a directora executiva, apontando para um custo de 6/7 euros no transporte de um frasco. «O preço do transporte é um grande entrave. Como é que podemos ser competitivos?», questiona.
São, em média, nos últimos 10 anos, 60 os produtores de Mel DOP Serra da Lousã certificados anualmente. Num ano bom, a produção pode atingir 30 toneladas. Mas não é fácil chegar a esse palmarés. Sobretudo porque nos últimos anos têm-se sucedido os problemas, com incêndios, temporais, ataque da vespa asiática, que afectam as abelhas e as colmeias. Ana Paula Sançana aponta, ainda, «uma política florestal desajustada», que não tem ajudado os apicultores.
Cooperativa dá apoio ao maneio
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COMO SE FAZ UMA RAINHA? 2015 Centro de Melhoramento Genético da Lousãmel é dedicado à abelha ibérica. Um projecto que arrancou há cinco anos e tem novos desafios pela frente
Diana Duarte e Ana Paula Sançana lideram o projecto de produção de rainhas
É
única, a rainha. A geleia real que a alimentou durante 16 dias permitiu-lhe crescer mais e as hormonas transformaram o seu aparelho reprodutivo numa verdadeira máquina. Nasceu há uma semana e está pronta a acasalar. O “banco de sémen” permite-lhe fertilizar os ovos, 1500 a 2000 por dia. É só isso o que faz. É o topo ou a base (consoante a óptica) da “casa” mais bem organizada que é possível encontrar. Nada mais nada menos que uma colmeia. Numa comunidade com milhares de residentes, cabe às obreiras pôr a necessária ordem. Não são apenas elas quem trabalha, recolhendo o pólen e transformando-o no precioso mel. «São as obreiras que mandam», afirma António Carvalho, presidente da direcção da Lousãmel - Cooperativa Agrícola de Apicultores da Lousã e Concelhos Limítofes. Ana Paula Sançana, directora executiva, explica “como se faz uma rainha” e também como é que esta é “exonerada”. «As obreiras escolhem uma larva jovem, que alimentam com geleia real». Não se trata de qualquer herança. Todas as larvas são, à partida, iguais e todas elas, nos primeiros três dias, são alimentadas com este néctar. Escolhida a futura rainha, apenas
esta passa a ter o exclusivo da geleia real. As restantes ficam com uma dieta alimentar diversificada. «As obreiras constroem um alvéolo maior para a acolher» e a rainha nasce ao 16.º dia. «Seis/sete dias depois, tem maturidade para acasalar», o que deve acontecer, «no máximo, 15 dias após o nascimento». Temperatura amena e ausência de vento são algumas das condições favoráveis para o acasalamento, com diferentes machos, de forma a garantir a «heterogeneidade» da população de obreiras. São 60 a 100 mil numa única colmeia. Nascem e morrem todos os dias. Em média, uma obreira tem uma esperança de vida de 45 dias. «O trabalho mata-as», brinca António Carvalho. O certo é que são elas quem alimenta a colmeia, o mesmo é dizer, recolhem e transportam o pólen, alimentam as larvas, mantêm a casa limpa e arrumada e a verdade é que quando azáfama é menor vivem mais algum tempo. Também são as obreiras que “destituem” e “expulsam” a rainha, o que acontece quando esta deixa de ter capacidade para cumprir a sua única função, ou seja, de acasalar e pôr ovos. «Uma rainha pode viver até quatro anos, mas em produção intensiva deve ser substituída de dois em
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dois anos», aconselha. Por isso, as rainhas são “marcadas”, no tórax, com uma cor diferente todos os anos. «Este ano é azul, para o ano é branco», explica o presidente da Lousãmel. A meticulosa e exemplar organização da colmeia e o espírito inquieto das obreiras permite-lhes um controle total. O sinal está na feromona, uma glândula que produz um cheiro especial. «Quando o enxame fica órfão, deixa de haver esse cheio» e é o sinal para «produzir uma nova rainha». De preferência a partir de uma larva com um máximo de três dias, que apenas tenha sido alimentada com geleia real. Se for mais “crescida” já diversificou a alimentação e a colmeia ganha uma rainha mais cedo, mas «não tem tanta qualidade». Induzir este processo natural é o que fazem os apicultores quando querem fazer o “desdobramento”de um enxame, ou seja, aumentar o respectivo efectivo. E é também isso que se faz no Centro de Melhoramento Genético. Em causa está um projecto que arrancou há cinco anos, com o apoio da Câmara Municipal da Lousã. «Trata-se de um centro dedicado à abelha ibérica», explica Ana Paula Sançana, que obedece a vários parâmetros em termos de melhoria genética, designadamente no que concerne à produtividade, prolificidade, resistência à doença e agressividade. «Não queremos abelhas agressivas», sublinha, fazendo notar que, além do perigo da picada, «cada abelha que pica é uma abelha que morre», uma vez que o ferrão, preso ao intestino do insecto, é arrancado e a abelha não resiste. Ana Paula Sançana e Diana Duarte são as “obreiras” desde projecto, que pretende, também, garantir um «refresh genético» aos apicultores, oferecendo-lhe alternativas para a reprodução/desdobramento dos respectivos enxames. A produção de rainhas é um dos desígnios deste programa. «Desde que começámos, talvez já tenhamos produzido mais de 10 mil rainhas», adianta António Carvalho. «Oferecemos, vendemos ao preço de produção, pois o objectivo da Cooperativa é ajudarmos os produtores e desenvolver a apicultura», esclarece a directora executiva. A produção tem em conta as necessidades, pois não é possível fazer uma “reserva” de rainhas. A segunda fase do projecto contempla a «selecção de machos», zangões, que deverá começar a ser desenvolvida para o ano.
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Bombeiros 90 anos com Lousã
Diário de Coimbra
um pouco desactualizado, tendo em conta as novas capacidades e valências», refere o comandante, destacando a necessidade de avançar com a criação de camaratas e balneários femininos, em resposta à crescente adesão de senhoras à causa. «Tempos bastantes senhoras», assegura. Sete anos depois, «estamos outra vez a precisar de requalificar as camaratas femininas», alerta. Como momento negativo, negro, João Melo lembra a morte de um bombeiro, em Novembro de 2005. Franquelim Gonçalves tinha 30 e poucos anos, e ficou «gravemente ferido no combate a um incêndio, na encosta de Vilarinho. Faleceu dois meses depois». Jovens bastante qualificados têm enriquecido o corpo de Bombeiros Municipais
BOMBEIROS CENTENÁRIOS 1940 Criada em 1904, corporação de Voluntários passou para a tutela do município nos anos 40 do século passado
N
asceram, como Voluntários, em Maio de 1904, depois de um longo e moroso processo. Dificuldades que não largaram a corporação que, por falta de apoio material e de recursos humanos, estava, na década de 40 do século passado, à beira do colapso. Um momento crítico e decisivo para o futuro. «A Câmara Municipal assumiu a responsabilidade dos Bombeiros», refere João Melo, comandante da corporação, que aquando do centenário publicou, com a chancela da autarquia, uma obra sobre a história dos Bombeiros Municipais. Na altura, recorda, «os Bombeiros estavam praticamente desactivados. Nem havia voluntários, nem as forças vivas demonstravam grande interesse». «Em boa hora a Câmara chamou a si esta responsabilidade», afirma. «Os Bombeiros Municipais, que integram voluntários e sapadores, são o futuro», assegura o comandante, bombeiro há quase 40 anos. Um desafio que começou com 14 anos, num programa de ocupação de tempos livres para estudantes, promovido pelo município. «Inscrevi-me e fui parar aos bombeiros. O “bichinho ficou… até hoje!». «Somos um corpo misto, de voluntários e profissionais», explica o comandante, sublinhando que a recente legislação é «omissa», razão pela qual a corporação não alterou a sua designação. «O quadro activo é composto por «15 profissionais e 93 vo-
luntários». João Melo assume que o número de profissionais não é o desejável, mas compreende as «dificuldades da tutela». Quanto aos voluntários, «temos bastante adesão, sobretudo da juventude», diz, e elogia o empenho dos jovens, «bastante qualificados», o que representa «um grande enriquecimento do corpo de bombeiros». «Percebe-se uma grande diferença de há 20 anos a esta parte. Não é menosprezar os bombeiros dessa altura, eu também estava lá, mas a verdade é que quanto mais qualificadas são as pessoas, mais valor acrescentam à instituição», refere. João Melo – que foi subcomandante dos Municipais da Lousã entre 1996 e 2000 e assumiu o cargo de comandante em 2011 enfatiza essa mais-valia dos recursos humanos, pois hoje a actividade dos bombeiros não se resume a «combater incêndios e transportar pessoas ao hospital» e, por isso, «é cada vez mais importante termos competências diferenciadoras». Com 39 anos de serviço, João Melo recorda alguns momentos «importantes». A «inauguração do novo quartel, em Agosto de 1985», representa um marco. «Foi uma grande motivação para os bombeiros», uma vez que «sempre viveram em barracões precários». Pela primeira vez, a corporação tinha um quartel “a sério!”. Quartel que, anos depois, em 2013, foi sujeito a obras de requalificação e remodelação. «Já estava
Formação é a maior preocupação «As necessidades num corpo de bombeiros são sempre uma questão muito dinâmica» e, sobretudo, «o comandante nunca pode estar satisfeito». Uma grelha de leitura de João Melo, que aponta, especificamente, a «necessidade de mais formação a nível do socorro pré-hospitalar». Existe formação, mas na maioria dos casos, seja através da Escola Nacional de Bombeiros, seja do INEM é efectuada em regime laboral, o que dificulta o acesso. Em resultado, «os bombeiros têm de recorrer a formação privada, que tem custos elevados». «Esta é uma preocupação», assume. Do rol das preocupações, destaca igualmente a renovação da frota. Para breve está prevista a chegada de uma nova ambulância do INEM. «Já foi comprada, está a ser carroçada» «É tudo muito dinâmico», reitera, apontando a necessidade de substituir veículos de combate a incêndios. Atenção, igualmente, à Equipa de Salvamento em Grande Ângulo, criada há cerca de cinco anos e que «está em crescendo». «Aformação é difícil e onerosa», o mesmo acontecendo com o equipamento. «Temos feito algumas campanhas», designadamente a Festa das Sopas, que «tem sido um sucesso» permitindo receitas para investir em equipamento. João Melo defende que «os Bombeiros não se podem limitar a pedir à Câmara, também têm de fazer alguma coisa, envolver a sociedade civil». Esta foi uma questão que o orientou desde o início: «abrir os Bombeiros à sociedade civil. Estávamos muito fechados na nossa carapaça e hoje isso acontece, a população comunga com o corpo de Bombeiros». É assim que tem de ser, pois «existimos para servir a população».
90 anos com Lousã Bombeiros
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Meia centena de bombeiros constitui o corpo activo dos Voluntários de Serpins
JOVENS BOMBEIROS 1995 Criada em 1995 é a mais jovem corporação do distrito e nasce do “grito do Ipiranga” da secção dos Municipais
I
nstalada em 1983, com uma dúzia de elementos, a 4.ª Secção dos Bombeiros Municipais da Lousã cresceu e ganhou asas, acabando por cortar o “cordão umbilical” que a ligava à casa-mãe. Um percurso com alguns percalços. Fernando Carvalho, presidente da direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Serpins, recorda esse tempo e esse trajecto. «Não tinham instalações e apenas possuíam um carro, cedido pelos Bombeiros Municipais», já muito longe de ser novo. Além das condições bastante precárias, o trabalho e o empenho deste grupo de jovens também não tinha «o apoio suficiente, nem era valorizado» pelo quartel-sede. Ao contrário, a população de Serpins acarinhava o grupo, que foi crescendo. O presidente da direcção, que entretanto foi presidente da Junta de Freguesia de Serpins, também se empenhou nesta jornada e, em 1989, a Secção ganhava a sua própria casa, fruto do empenho e envolvimento da autarquia local. «Construímos umas instalações muito pequenas, que praticamente só davam para guardar um ou dois carros», refere. O passo seguinte foi aumentar este rés-do-chão, erguendo um piso por cima. Uma tarefa que, recorda Fernando Carvalho, contou com a ajuda dos bombeiros. Já com casa nova, havia que pensar também nas viaturas. «As viaturas enviadas para a 4.ª Secção eram todas muito velhas»,
recorda o antigo autarca local, apontando especificamente o caso concreto de uma ambulância.AJunta de Freguesia não esteve com meias medidas: «comprámos uma ambulância para ceder à 4.ª Secção». Foi um desaguisado. «O comandante queria que entregássemos a ambulância ao corpo dos Bombeiros Municipais». Mas, mais complicado, era o facto de a viatura não poder circular «sem a autorização dos Bombeiros Municipais». O resultado do “braço-de-ferro” foi ter «uma ambulância novinha em folha, parada durante meio ano». Com efeito, só ao fim de seis meses os Municipais deram o seu aval à circulação. Autorização necessária, uma vez que Serpins era uma secção, a 4.ª Secção dos Bombeiros da Lousã. «Ainda hoje temos essa viatura», devidamente recuperada», refere. A independência tornava-se uma necessidade cada vez mais apetecível… E foi esse o passo seguinte. Um grupo de serpinenses, ao qual se juntaram os bombeiros, empenhou-se na constituição daAssociação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Serpins. Em 23 de Julho de 1993, no cartório Notarial da Lousã, foi formalmente constituída a Associação. «O nascimento da associação não implica o surgimento do corpo de Bombeiros», esclarece Fernando Carvalho, explicando que esta criação carecia de um consentimento prévio da tutela (actualmente a Au-
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toridade Nacional de Emergência e Protecção Civil). «Só à terceira tentativa é que conseguimos», conta, desconfiando que o processo teria “emperrado” na Federação Distrital, que não veria com bons olhos o repartir do “bolo”da percentagem dos jogos (Totobola e Totoloto) por mais uma corporação. «Cheguei a falar com o Jaime Soares», que na altura presidia à Federação Distrital, confessa Fernando Carvalho. Certo é que depois de duas vezes com o “carimbo” “Não Autorizado”, o processo pôde avançar. «O corpo de Bombeiros começou a funcionar no dia 1 de Dezembro de 1995», após mais de dois anos de espera. «Arrancámos com o grupo de jovens que integravam a 4.ª Secção, mas, antes, fizemos uma reunião, onde os questionámos se queriam continuar nos Municipais ou ingressar nos Voluntários. Ficaram todos», recorda com satisfação, apontando cerca de duas dezenas de elementos. Estava dado o passo para uma nova era. E assim foi. «As instalações começaram a não ter condições, mas o pessoal aguentou», adianta o presidente da direcção, lembrando que, já na qualidade de presidente da Câmara Municipal da Lousã, em 2010, foi apresentada uma dupla candidatura, de um quartel novo para os Bombeiros de Serpins e da reconversão do quartel da Lousã. «As duas foram aprovadas» e a obra fez-se, com o quartel de Serpins a ser inaugurado a 28 de Julho de 2013.
Condições de excelência «Temos óptimas instalações, um quartel operacional, sem escadas, só com um piso e a garagem subterrânea», esclarece. Os bombeiros cresceram e são hoje meia centena. «Temos 14 funcionários, 12 dos quais são bombeiros», adianta Fernando Carvalho. As viaturas são 23, todas operacionais. Mas os Bombeiros Voluntários de Serpins têm outras particularidades, quase mordomias. Isto porque têm o almoço garantido todos os dias, independentemente de ser ou não época de incêndios, altura em que a refeição é, por princípio, assegurada. Aqui não. «Temos uma cozinheira que, todos os dias, de segunda a sexta-feira, garante o almoço». São em média 12 refeições diárias. Ao fim-de-semana, dia de folga da cozinheira, «garantimos os alimentos necessários, mas os bombeiros que estão de serviço têm de cozinhar», explica o presidente. Pelos vistos ninguém tem passado fome!
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Escola de Bombeiros 90 anos com Lousã
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FORMAR BOMBEIROSI E AGENTES DE PROTECÇÃO CIVILI
Formação na área dos incêndios rurais/florestais está concentrada no Centro de Formação da Lousã da ENB
1999 Necessidade de formação na área de incêndios florestais/rurais leva a Escola Nacional de Bombeiros a criar centro na Lousã
U
ma dupla necessidade, de «formação específica na área de combate a incêndios florestais» e de «descentralizar a formação», resultou na criação, em 1999, do Centro de Formação da Lousã da Escola Nacional de Bombeiros (ENB). Um espaço mais direcionado para incêndios rurais, complementado, em termos de formação, com o serviço prestado pelo Centro de São João da Madeira, centrado nos incêndios urbanos e industriais, e com a alargada panóplia de formação garantida pela sede da ENB, instalada em Sintra. Verónica Catarino, coordenadora do Centro de Formação da Lousã (CFL) recorda que, nessa altura, além da formação sobre incêndios rurais, o CFL disponibilizava outros cursos, com formadores que vinham de Sintra, designadamente nas áreas de salvamento e desencarceramento, condução fora da estrada e comunicações de operador de central. «No fundo, era a descentralização da formação», embora sempre com um enfoque na área dos incêndios rurais. Cinco anos depois, «sentiu-se a necessidade de reforçar a área do combate aos incêndios florestais», o que levou, em Março
de 2004, à criação do Centro de Formação Especializado em Incêndios Florestais, que «permitiu reforçar a qualidade e quantidade da formação específica na área de combate ao incêndios florestais», faz notar. Uma vocação que esteve na base de um conjunto de cursos, que arrancaram em 2005, para «brigadas helitransportadas, equipas especializadas que fazem a primeira intervenção», diz, recordando os “Canarinhos”, uma força especial dos bombeiros, formada na Lousã, onde também foram treinadas as equipas dos GIPS – Grupo de Intervenção, Protecção e Socorro da GNR. «A partir de 2004 foi possível reforçar esta área» e, ao mesmo tempo, desenvolver novos conteúdos pedagógicos. Exemplo disso, segundo Verónica Catarino, são os cursos de aperfeiçoamento técnico na área de incêndios rurais, nomeadamente para equipas de reconhecimento e avaliação, para apoio ao posto de comando e cursos focados «na segurança e comportamento do fogo no terreno». Trata-se, faz notar o presidente da ENB, de uma formação «orientada para chefias e comando». José Ferreira explica que uma das tónicas de formação actual «tem a ver com a tomada de decisões, a definição de uma estratégia para combate a incêndios». José Ferreira faz um escalonamento do que entende deve ser a formação de bombeiros. «A escola primária – trabalhar com os carros, como se usa uma motobomba e
uma agulheta – aprende-se no quartel – para progredir, para chegar a chefe, entra-se na escola secundária» e, então, a formação tem de passar pela ENB. Além de formação no três centros, a ENB pode deslocar formadores, embora também existam quartéis na região com capacidade para ministrar formação (bombeiro de 1.ª categoria), designadamente em Montemor-o-Velho, Penela e Oliveira do Hospital. «Se quiserem, depois, chegar a chefe, terão de ir para a Lousã, São João da Madeira ou Sintra», adianta. Existem, ainda, formadores externos – mais de 150 a nível nacional - que dão formação nos quartéis «sob orientação» da ENB. Em 2018, segundo Verónica Catarino, foram ministrados, no Centro de Formação da Lousã, 42 cursos, que envolveram 612 operacionais e em 2019 foram 31 cursos, com 438 elementos.
“Transferir conhecimento” José Ferreira destaca as parcerias que a ENB têm com instituições do ensino superior - Escola Superior Agrária de Coimbra, Laboratório de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Universidade Nova de Lisboa, Universidade de Coimbra, Instituto Ricardo Jorge - com o objectivo de «transferir conhecimento» e melhorar a formação, designadamente na área do comportamento de incêndios ru-
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rais e gestão de fogos florestais. Destaca, em particular, um curso «muito especializado», delineado por Verónica Catarino, de Planeamento de Antecipação em Incêndios Rurais, que «implica o recurso a ferramentas tecnológicas, dados meteorológicos» e geográficos que «permitem perspectivar a evolução do incêndio» e tomar medidas de planeamento. «Isto permite, a quem tem de tomar decisões, mobilizar ou desmobilizar meios», alerta. «O maior dilema de um comandante é saber que vai perder alguma coisa, pois não tem meios capazes para responder a tudo», refere José Ferreira, com largos anos de experiência como bombeiro. Mais, adverte, na maioria destas situações, «não podemos ter um treino em cenário real», mas apenas virtual e destaca o Centro de Realidade Virtual da ENB, reconhecido a nível internacional. «Essa capacitação só se consegue treinando», defende. Treino que deve incidir sobre «os cuidados a ter perante a complexidade do problema», visando dotar os formandos de «uma grande capacidade de análise». Depois, «têm de tomar uma decisão, com base na estratégia
90 anos com Lousã Escola de Bombeiros
Medir reacção ao stress Em colaboração com a Universidade de Coimbra, o Centro da Lousã – que além de Verónica Catarino tem mais quatro colaboradores/formadores está a desenvolver um projecto para «medir a reacção ao stress de bombeiros no teatro de operações». O projecto envolve uma parceria com a Faculdade de Psicologia da Universidade Nova de Lisboa e o Instituto Ricardo Jorge. «Os ensaios decorreram no último ano e vão continuar», explica. Em Março, decorreu uma formação sobre fogo controlado. definida», explica. Na área da saúde as respostas de formação também existem, «mas com autorização do INEM». «A emergência pré-hospitalar é da responsabilidade do INEM», sublinha. Todavia, faz notar, «85% da acti-
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vidade de emergência médica pré-hospitalar é assegurada pelos bombeiros». Por isso, «dentro das suas capacidades, a ENB todos os anos faz cursos para tripulantes de ambulâncias de socorro. São 5/6 cursos anuais, que podem ter 150 formandos». «AENB está obrigada a garantir a formação básica e para a progressão para quadro de comando». Todavia, tem capacidade operacional e técnica para outros cursos de especialização, mais avançados, desde que a ANPC autorize. A formação não se limita aos bombeiros. «Formamos bombeiros e todos os agentes de protecção civil», afirma José Ferreira, destacando as equipas da GNR, do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, bem como formação para empresas (Sonae, Brisa, TAP, entre outras). Ou ainda conselhos práticos, disponíveis no site da Universidade de Coimbra. A ENB está envolvida em vários projectos europeus, designadamente o IGNIS, ao nível do comando e coordenação no combate a grandes incêndios, ou o Mefisto, um programa específico para “oficiais de ligação”, num quadro de cooperação entre países.
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COTF 90 anos com Lousã
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FORMAÇÃO ESPECIALIZADA E PIONEIRA 1984 Assistia-se à inauguração do Centro de Operações e Técnicas Florestais. Instalado junto ao Aeródromo da Lousã, continua hoje a ser uma resposta “obrigatória”
É
o único centro de formação existente no país especialmente vocacionado para a formação na área da exploração florestal. Falamos do Centro de Operações e Técnicas Florestais (COTF), instalado junto ao Aeródromo da Lousã, um espaço onde passam alunos de todas as universidades e politécnicos do país, bem como de escolas profissionais com formação ligada à fileira da floresta. Mas, além dos estudantes, também os profissionais garantem ali o seu “certificado” em termos de formação. Na linha da frente estão as equipas de sapadores florestais, os profissionais do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), mas também os guardas florestais, afectos à GNR. Só relativamente aos militares, no ano passado foram 150 os formandos. Em causa está um projecto de formação especializada, cuja origem remonta ao ano de 1979, no quadro de um acordo bilateral de cooperação, liderado pela Comissão Mista Luso-Norueguesa para os Assuntos Económicos, visando a criação de um centro de formação destinado a garantir formação na área da exploração florestal, «área onde o país era deficitário em termos de oferta formativa». A doação, garantida pelo Governo da Noruega, assegurou a maior parte dos investimentos associados à construção do centro, aquisição de maquinaria e equipamentos, bem como a formação inicial dos monitores. A construção começou em 1979 e ficou concluída em 1984, com a inauguração a acontecer precisamente no dia 21 de Março, Dia da Floresta.
COTF funciona sob a chancela do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas
O investimento no COTF, noticiava o Diário de Coimbra na altura, cifrava-se em «180 mil contos», com a Noruega a garantir um apoio financeiro de «cerca de 140 mil contos». «15 mil contos por ano» era a estimativa orçamental, apresentada à época, para o funcionamento do COTF. Soares da Costa, então ministro da Agricultura, Florestas e Alimentação, enaltecia a importância deste centro e as «funções importantes» que iria desempenhar na formação profissional de técnicos e trabalhadores florestais. O então director-geral das Florestas, Cobra Quita, apontava o COTF da Lousã como «o ponto de encontro da nova era», destacando a necessidade de investir no apoio à floresta privada. Instalado «numa área florestal privativa, com cerca de 10 hectares, cedida pela Câmara Municipal da Lousã», o Centro de Operações e Técnicas Florestais «dispõe
de salas de aula e meios pedagógicos, camaratas, cozinha, refeitório e sala de convívio e tem capacidade para instalar cerca de 50 instrumentos», dizia ainda o Diário de Coimbra, que avançava, igualmente, com a informação de que o COTF iria receber do «Centro de Monserrate, a “herança da formação de motosserradores». Uma formação que, hoje, volvidos 36 anos, continua a existir e a representar uma das referências do COTF. À área das motosserras, junta-se, de acordo com João Fernandes, responsável pelo Centro, a formação de operadores de motorroçadoras e de máquinas de exploração florestal. As novas tecnologias, mas também as boas práticas e o cumprimento das normas de segurança, higiene e saúde no trabalho norteiam a formação e os programas de valorização profissional que se apresentam organizados por módulos.
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90 anos com Lousã Centro de Meios Aéreos
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MEIOS AÉREOS COMBATEM FOGOS 1969 No Aeródromo da Lousã está instalado um “posto avançado” que desde finais da década de 60 do século passado funciona como um “farol” contra os incêndios
S
empre a postos, helicóptero, piloto e cinco elementos do GIPS (Grupo de Intervenção, Protecção e Socorro) da GNR estão prontos a entrar em acção a partir do Centro de Meios Aéreos da Lousã. Trata-se de uma infraestrutura única no distrito de Coimbra, afecta àAutoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC), apta a combater qualquer incêndio rural. Em causa está uma resposta de continuidade, que funciona todo o ano, afirma Carlos Luís Tavares, responsável do Centro Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Coimbra, esclarecendo que esta medida, implementada em 2018, se prende com uma nova estratégia, definida pela ANEPC, tendo em conta a crescente imprevisibilidade meteorológica. Um novo modelo implementado depois dos violentos incêndios que assolaram o país, e muito particularmente a região Centro, em 2017. Primeiro em Junho, com um violento incêndio a deflagrar no concelho de Pedrógão Grande e a propagar-se, descontrolado, aos concelhos limítrofes, Depois, em Outubro, em plena Serra da Lousã, eclodiu aquele que já foi considerado o maior e mais demolidor incêndio registado na região. Imparável, o fogo galgou para os concelhos vizinhos, provocando uma segunda onda de morte e de destruição. Este helicóptero “residente” faz parte de um pacote, contratualizado pela Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, que está em vigor até 2024. Sucede, em termos de filosofia de actuação, à presença de um outro “heli” no Centro de Meios Aé-
Pista do Aeródromo é usada desde a década de 60 para combate aos incêndios
reos da Lousã, que ali se manteve, nos últimos anos, durante o chamado período crítico de fogos, ou seja, entre 15 de Junho e 30 de Setembro. Todavia, além deste meio aéreo, em constante alerta, o Centro de Meios Aéreos da Lousã recebe outro meio e outra equipa, que asseguram o reforço dos meios de combate e integram o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais. Trata-se de mais um helicóptero, contratualizado com a Força Aérea, que tem como missão, a partir da Lousã, dar apoio a qualquer parte do território nacional. Um meio que opera igualmente desde 2018, com dois pilotos da Força Aérea ao serviço, e cuja equipa é constituída por elementos da Força Especial de Protecção Civil. «Este helicóptero está à ordem do comando nacional e desloca-se para todo o país, onde e quando for necessário», es-
clarece Carlos Luís Tavares. O comandante operacional destaca o papel central desempenhado pela Lousã, como capital do combate aos incêndios florestais, uma vez que, igualmente no espaço do Aeródromo, funciona o Centro de Estudos Sobre Incêndios Florestais, bem como o Centro da Escola Nacional de Bombeiros, também ele especializado no combate a fogos rurais. Um desempenho já com pergaminhos. Com efeito, desde 1969 que o Aeródromo da Chã do Freixo, fruto da sua localização privilegiada, funciona como pista para o combate a incêndios, com sucessivas intervenções, sempre com o objectivo de melhorar a sua eficácia. A construção do Centro Coordenador de Meios Aéreos propriamente dito só avançou mais tarde, em 1989, representando um investimento de 18.091.135 escudos.
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Laboratório do Fogo 90 anos com Lousã
Conhecer o comportamento do fogo é um factor essencial para a estratégia e combate
A UNIVERSIDADE DO FOGO 1999 Laboratório dá impulso a projecto pioneiro a nível nacional e reconhecido mundialmente. Ali estuda-se o comportamento do fogo e a segurança de pessoas e bens
A
morte de 14 bombeiros num violento incêndio, a 8 de Setembro, em Armamar, marcou o rumo de vida de Domingos Xavier Viegas. Vivia-se o ano de 1985 e o engenheiro mecânico, doutorado em Aerodinâmica, sofria um primeiro grande embate. «Foi uma situação que me chocou muito», afirma. Dizia-se que uma mudança repentina do vento tinha alterado o rumo do fogo, apanhando os bombeiros desprevenidos. «Fiquei muito impressionado», confessa o assumido «engenheiro do vento» que, na ocasião, estudava o impacto do vento em diferentes estruturas. «Não será possível fazer alguma coisa para ajudar os bombeiros?» Foi esta a questão que o professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) colocou a si próprio. A resposta não tardou. Xavier Viegas empenhou-se em «motivar colaboradores, nomeadamente professores e estudantes» para esta problemática e em 1985/86 começou a tomar forma o que é hoje o Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, instalado no Aeródromo da Lousã. Trinta e cinco anos de estudo e investigação sobre as dinâmicas do fogo, que começaram, recorda, com o pedido de apoio às mais diversas entidades, desde os Serviços Florestais, bombeiros, empresas de celulose, «quem pudesse ter interesse nesta temática». Mas também «investigadores da Universidade de Coimbra e outras instituições». Como engenheiro mecânico, confessa que a sua metodologia de trabalho envolve
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particularmente a experimentação, o trabalho laboratorial. Todavia, «no início não tínhamos condições». Significa que, «às vezes, fazíamos ensaios no pátio das Químicas». Também «começámos a ir para a Lousã, fazer algumas queimadas experimentais». Afirmava-se a «necessidade de um espaço para fazer um laboratório». As deslocações à Lousã abriram esse caminho, com a Câmara Municipal e a Universidade de Coimbra a firmarem um protocolo para a cedência de um terreno. Faltavam, ainda, os necessários apoios, num caminho «difícil» e «moroso». «Só em 1997 conseguimos juntar algum dinheiro, sobretudo de projectos europeus, com o qual adquirimos um pavilhão metálico». Sem chão, mas com tecto, foi o primeiro espaço do laboratório, inaugurado em Julho de 1999 pelo ministro Mariano Gago. Para ali foi levado o equipamento instalado no laboratório industrial de Coimbra e começava, em força, o trabalho de estudo e investigação do comportamento do fogo. O espaço foi crescendo, à medida das necessidades. «Precisamos de estruturas de grandes dimensões, com muito espaço», sublinha o investigador. Data de 1999 a primeira construção e o processo seguiu, por etapas, com uma pequena expansão em 2001, seguida de outras, em 2004, 2008 e 2010. Em 2014, um projecto apoiado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), «permitiu reestruturar o laboratório e dar-lhe um aspecto mais prático e condições mais funcionais». Desde então, foram frequentes as adaptações, «para incorporar novas ideias e equipamentos». Em carteira está, de resto, um projecto que vai permitir adquirir novos equipamentos e ampliar as instalações.
Equipamento exclusivo Xavier Viegas faz questão de frisar o ca-
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rácter «original» dos equipamentos que, desde o início até à actualidade, se encontram no laboratório. «São equipamentos concebidos por nós», sublinha, esclarecendo que muitos deles «são únicos a nível mundial, que nos permitiram lançar temas de investigação originais» que têm inspirado outros investigadores e de instituições científicas, nacionais e internacionais. O Laboratório de Incêndios Florestais da Lousã tem, igualmente, sido o espaço de investigação para muitos trabalhos de mestrado e doutoramento. Mas também para testar produtos, materiais, num registo de prestação de serviço a diversas entidades, instituições e empresas.
Colaboração estreita com a Escola de Bombeiros Xavier Viegas regista com especial carinho a colaboração com a Escola Nacional de Bombeiros, sendo certo que o apoio aos bombeiros e a todos os agentes da protecção civil, tendo em vista a sua segurança perante o comportamento do fogo, constitui a génese de todo o trabalho de investigação
90 anos com Lousã Laboratório do Fogo
iniciado há 35 anos. Uma colaboração que ganhou direitos de cidadania em 2004, com o Centro de Estudos a colaborar institucionalmente com a Escola Nacional de Bombeiros – Centro da Lousã, na formação dedicada a incêndios rurais. «Passam todos pelo nosso laboratório», onde assistem a «um conjunto de experiências que mostram o comportamento do fogo em situações que podem pôr em risco a vida das pessoas». Uma experiência que Xavier Viegas considera gratificante, pois, «muitos comandantes voltam ao laboratório, com toda a corporação», para partilharem esta vivência. «Recebemos dezenas de visitas, com centenas de bombeiros», afirma, satisfeito. «É o reconhecimento do nosso trabalho. Mostra que o que fazemos é relevante, melhora a sensibilidade dos nossos bombeiros para estas situações», considera.
2017: “um ano marcante” Se o acidente deArmamar marcou Xavier Viegas, outros houve. Muitos. Num trabalho orientado para a necessidade de incorporar conhecimento prático, de colocar a ciência
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e o saber ao serviço da segurança dos bombeiros e agentes da protecção civil. Muitas vezes para saber os “porquês”, a pedido de várias entidades, designadamente do Governo. Famalicão da Serra, em 2006, ou os incêndios de 2013 nada têm a ver com o que aconteceu em 2017. «Um ano marcante». Com o dia 17 de Junho, em Pedrógão Grande. Depois, a 15 de Outubro, em toda a região Centro. «Pedrógão foi marcante, chocante. Nunca tínhamos ouvido falar num incêndio com tão grande número de vítimas», afirma o investigador. Xavier Viegas, juntamente com a sua equipa esteve, imediatamente após a tragédia, na “estrada da morte”, a EN 236, com a missão de «localizar as vítimas e as circunstâncias da sua morte». Na sua última lição como catedrático da FCTUC, no passado mês de Outubro, recordou isso mesmo, lembrando a localização de 30 cadáveres num troço de 400 metros de estrada. «Quem passa por isso não volta a ser o mesmo», assumiu. Da parte do Governo surgiu, recorda, «o convite para estudar este incêndio e fazer o
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Laboratório do Fogo 90 anos com Lousã
levantamento das situações relevantes». «Íamos entregar o relatório no dia 16 de Outubro, quando aconteceu a segunda tragédia», refere. Um incêndio que consumiu «mais de 200 mil hectares num só dia e em diferentes áreas», cujo estudo, igualmente solicitado pelo Governo, «obrigou a um esforço muito grande da equipa», que só o conseguiu concluir nos inícios de 2019. «Surgiram, aqui, dimensões novas e diferentes». Com 51 vítimas, a destruição de casas de habitação foi «cinco/seis vezes superior a Pedrógão», com cerca de mil. «Tivemos de colocar este estudo (habitações) de parte e virámo-nos para a destruição das zonas industriais», refere. Em causa estão as «“meninas dos olhos” da maioria do autarcas» pelo impacto que têm na criação de postos de trabalho, na economia local e na atracção de pessoas, refere. Mas, muitas vezes, «são construídas em zonas florestais, sem que haja o cuidado de assegurar que a envolvente não as expõe ao perigo de incêndio» O mesmo acontecendo dentro das zonas industriais, seja pelo tipo de produção, seja dos materiais que são manuseados. «Encontrámos uma outra área de investigação, que tem sido prosseguida por outros colegas, mas a equipa continua a trabalhar no tema», adianta.
Laboratório prepara novas intervenções
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Respostas para diferentes situações Um dos mais recentes projectos de investigação do Laboratório, em parceria com o Instituto de Sistemas e Robótica, apresentado este mês, prende-se com a criação de sistemas de protecção contra o fogo. Trata-se de «proteger pessoas, viaturas, infra-estruturas críticas, habitações». Mas há muitos outros, neste trajecto de investigação em nome da segurança contra o fogo. O investigador aponta outro sistema, destinado a proteger povoações, através do recurso a aspersores de água. Um sistema testado e instalado no Laboratório da Lousã, que no Verão foi apresentado numa aldeia de Arganil. Registe-se, ainda, o desenvolvimento de um sistema de protecção de viaturas, designadamente de bombeiros, ou ainda a resposta a uma empresa de telecomunicações, para proteger os “armários” das torres de telecomunicações. Em curso está um projecto que o investigador considera «muito interessante», uma vez que pode ajudar a resolver um problema de limpeza da vegetação em redor das habitações. O projecto envolve o recurso a robots e o objectivo da equipa é que «essas máquinas possam fazer o trabalho de uma forma autónoma», apenas com um operador à distância. «Parece-nos uma solução interessante para ajudar a resolver a limpeza em torno das casas». Igualmente inovador é um drone, com 4X4 metros, uma «máquina bastante grande e com capacidade para levantar 100 quilos». O objectivo é que o drone transporte uma agulheta, ligada a um autotanque, transformando-se numa máquina eficaz de combate aos fogos na linha da frente. «Poderá contribuir para a segurança dos bombeiros», diz Xavier Viegas.
Domingos Xavier Viegas
Solicitações do estrangeiro O investigador e a equipa têm sido solicitados, também, “lá fora”. Xavier Viegas lembra uma experiência, em 2003, com dois grandes incêndios na Austrália, que o levou a fazer várias viagens e a prestar esclarecimentos ao Tribunal de Camberra. «Quando dois incêndios muito grandes se desenvolvem muito próximos, gera-se uma propagação muito rápida, com velocidades muito grandes», refere, apontando a investigação laboratorial que sustenta esta tese. Uma linha de investigação onde a equipa foi pioneira, embora hoje seja um tema com mais investigadores, que «foi muito importante para percebermos o incêndio de Pedrógão». Outro exemplo leva-nos a Israel, em 2010. Um incêndio que se desenvolveu muito rapidamente e «apanhou um grupo de pessoas, num autocarro», daí resultando 45 mortos. Um acidente que motivou uma investigação sobre o «problema dos focos secundários», em situações «muito complexas, com muito vento». É um tema, confessa, «muito difícil», cujo estudo envolve «muito parâmetros», ao qual a equipa se dedica há vários anos.
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