90 ANOS COM
SOURE
Com o patrocínio de:
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Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente
90 anos com Soure Introdução
Diário de Coimbra
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Memórias com 90 anos
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erra de contrastes, junta os socalcos da serra com as terras férteis de aluvião. De um lado, a aridez da pedra. Do outro, a vasta planície, alimentada pelas águas dos rios Anços, Arunca e Pranto. Em comum a terra, a vocação agrícola. Nas serranias crescem os pastos, que alimentam cabras e ovelhas. Delas resulta o leite, transformado em queijo. Um sustento para a família que se guindou a um lugar de honra na economia local. Nas terras férteis, onde não falta a água, crescem verdes arrozais, milho e hortícolas. Mundos diferentes, que têm em comum uma história notável, única e diferenciadora. Uma verdadeira saga de heróis que, noutros tempos, mostraram a sua raça em refregas sangrentas. Foi na luta contra o inimigo muçulmano que Soure assumiu uma importância estratégica no tempo de Reconquista. Era a “Finis Terra”, o fim da terra, a fronteira para lá da qual reinava o perigo, a ameaça, o infiel. Uma luta sangrenta que trouxe para Soure os monges-guer-
reiros, os Templários que, aqui, pela primeira vez, lutaram pela Cristandade fora dos domínios da Terra Santa. Fizeram desta terra a sua primeira casa e para o futuro deixaram a memória de um espírito combativo e inconformado. Por certo uma herança inspiradora, que, ao longo dos séculos, tem animado as gentes de Soure e ajudado a criar verdadeiros guerreiros que, nos mais diversos domínios, têm vencido sucessivas batalhas. É a Soure que o Diário de Coimbra dedica, hoje, mais uma revista, no âmbito dos 90 anos de publicação do jornal. Um projecto editorial que nos leva a revisitar lugares, a recordar pessoas e momentos, a destacar acontecimentos que marcaram a vida do concelho e das suas gentes. Uma viagem pela história e pelas memórias, necessariamente breve, limitada e incompleta para a qual convidamos os nossos leitores. Cientes, sem dúvida alguma, que muito mais havia para dizer e para contar.
FICHA TÉCNICA Março de 2021 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo Coordenação editorial: Manuela Ventura
Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Manuela Ventura Fotos: Ferreira Santos, Figueiredo, Arquivo, D.R. Vendas: Marta Santos e
Luís Ferrão Design gráfico: Pedro Seiça Publicidade: Carla Borges e Rui Semedo Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA
Tiragem: 10 mil exemplares Agradecimentos: Câmara Municipal de Soure, em especial ao presidente, Mário Jorge Nunes e ao chefe de Divisão de Cultura, Mário João e a José Gomes Figueiredo
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Opinião 90 anos com Soure
Diário de Coimbra
Diário de Coimbra e Soure: 90 anos de compromisso por uma região Mário Jorge Nunes Presidente da Câmara Municipal de Soure
O
s noventa anos de história que carregam as páginas do Diário de Coimbra são um eloquente testemunho de serviço público do que tem sido a caminhada comum da Região de Coimbra em geral e do Município de Soure em particular, muito antes mesmo do poder local democrático que nos foi legado pela revolução de Abril. As páginas desta importante publicação são a tradução impressa dos nossos feitos e progressos mas também dos nossos anseios e momentos de provação, ler o Diário de Coimbra é por isso também uma forma única de nos conhecermos e reconhecermos como comunidade. Para os habitantes do Concelho de Soure estes 90 anos merecem-nos por isso o devido reconhecimento do percurso feito e do serviço prestado à necessidade de informação, à difusão e promoção regional e concelhia e ao serviço da liberdade na publicação da opinião justa, independente e plural; é um privilégio para mim como Presidente de Câmara poder tributar ao Diário de Coimbra os merecidos parabéns. Estamos a viver um momento
especialmente difícil para todos, que nos desafia e interpela como sociedade e que reclama o melhor – também - dos órgãos de comunicação social: nunca a verdade, a transparência, a exigência de informar e o rigor na tradução dos factos tiveram tanto impacto e influência na construção do espaço público. As novas plataformas digitais e o fluxo crescente de informação estão a criar uma nova paisagem noticiosa onde frequentemente se confunde a árvore com a floresta, ou pior ainda se criam florestas alternativas que não existem senão como factos paralelos. As democracias abertas e participadas não resistem sem comunicação livre, independente e centrada no interessa público; este importante devir na nossa região reclama por um Diário de Coimbra fiel à sua história de 90 anos, mas capaz de servir os propósitos de sempre num contexto completamente renovado. É aqui também que quero assegurar ao Diário de Coimbra que terá no Município de Soure um parceiro para a construção de uma paisagem noticiosa que puxe pela região e por tudo o que ela tem de melhor para mostrar. Temos a porta aberta para partilhar convosco a operação de regeneração urbana que temos em curso, queremos manter e divulgar de forma permanente e com total acessibilidade o caminho que estamos a fazer na intermunicipalidade para o sector das águas e saneamento, estamos disponíveis para intensificar a divulgação do que fazemos na área do
desenvolvimento económico e atrair outros agentes e investidores a Soure, queremos publicitar as nossas boas práticas em matéria de educação e ação social, queremos celebrar a potência do nosso tecido cultural e o vigor da nossa atividade desportiva…Queremos estar juntos! Parabéns ao Diário de Coimbra e saudações aos seus leitores e assinantes.
As páginas desta importante publicação são a tradução impressa dos nossos feitos e progressos, mas também dos nossos anseios e provações
Diário de Coimbra
90 anos com Soure Castelo
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CASTELO DE SOURE:I A “CASA-MÃE” DOS TEMPLÁRIOSI
Castelo tem a particularidade de estar localizado numa zona plana, na confluência de dois rios
1949 Erguido no século XI e com uma história heróica na linha avançada da defesa de Coimbra, foi classificado como Monumento Nacional em 1949 e em 2004 passou a ser propriedade do município
O
mistério está ali. Alimentado pelos enigmas e pelas agruras do tempo. Os resquícios da muralha erguem-se, altaneiros. Atorre mantém-se, vigilante, com a Bandeira hasteada, símbolo da Nação. Nação que registou, ali, nos seus primórdios, cenários sangrentos de guerra. Bem perto, se bem que agora mais distantes, correm as águas do Anços e do Arunca. Dois rios que se juntam mais abaixo e que durante séculos funcionaram como um fosso protector, natural, do Castelo. Rios estratégicos, que também serão os responsáveis por esta localização sui generis. Contrariamente à maioria dos castelos, construídos numa elevação, Soure ergueu o seu numa zona plana. Em plena várzea. Na confluência de dois rios. Muralhas protectoras de água. Aconstrução do Castelo terá sido ordenada por D. Sesnando, governador de Coimbra no século XI. Em 1111, D. Henrique e D.
Teresa atribuíram Foral a Soure, procurando atrair população para aquele lugar. Era uma zona de fronteira, uma terra de perigo. Era a “Finis Terra”, para além da qual dominava o inimigo.As investidas almorávidas levaram, inclusive, a população a abandonar Soure, em 1116, refugiando-se em Coimbra. Mas não sem que antes lançassem o fogo às suas casas, colheitas e outros bens. Era a forma de evitar que fossem tomados pelos infiéis. Uma localização tão estratégica quanto perigosa e assustadora, que terá levado D. Teresa a doar, em 1128, o Castelo de Soure aos frades-cavaleiros da Ordem do Templo. «Soure foi a primeira sede da Ordem do Templo em Portugal, estatuto que conservou durante mais de três décadas, até à construção do Castelo de Tomar, em 1160-69», escreve Fernando Tavares Pimenta, historiador e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, na obra “Os Templários em Soure – 1128-1309”, editado pelo município de Soure. Mas o investigador diz mais: «Soure foi igualmente um dos primeiros castelos possuídos pelos Templários em toda a Europa». Um facto que, considera Fernando Tavares Pimenta, «concede ao castelo de Soure uma importância histórica que ultrapassa largamente as fron-
teiras portuguesas». «Pela primeira vez, os Templários colocaram as suas armas ao serviço da Cristandade fora do espaço geográfico representado pela Terra Santa», atesta. O historiador não tem dúvidas: os Templários foram chamados para «uma das regiões mais difíceis, do ponto de vista militar, para as forças cristãs». Eram as terra de Soure. “Finis Terra”. D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, confirma, em 1129, a doação feita pela mãe e aos monges-guerreiros coube fazer deste castelo a sua “casa-mãe”. Os Templários, à época liderados pelo mestre Gualdim Pais, terão promovido a construção de duas torres quadrangulares, frente a frente no “pano” da muralha voltado a Sul, bem como a construção da torre de menagem, com alambor, a nordeste. Uma inovação arquitectónica que a Ordem terá trazido das terras do Oriente. A estrutura abaulada afigura-se como uma ferramenta importante de defesa, uma vez que dificulta de sobremaneira o acesso dos invasores. Tratava-se de fazer jus a uma das primeiras prioridades: a reorganização da defesa militar de Soure. De resto, logo em 1144 enfrentam um nova refrega com os muçulmanos, da qual resultou o aprisionamento do padre Martinho Árias. De acordo com
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Castelo 90 anos com Soure
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Fernando Tavares Pimenta, os Templários permaneceram 181 anos em território sourense e, até à transferência da sede da Ordem para Tomar, na década de 1160, «o mestre provincial residia no Castelo de Soure». Mas não se pense que a guarda do castelo envolvia muitos meios. Presume-se que oito monges-soldados constituíam a estrutura de defesa habitual. Os rios ajudavam. A fé representava mais do que um batalhão. Em 1319, o castelo passou, por ordem de D. Dinis, para a Ordem de Cristo, herdeira dos Templários., tendo-se mantido na sua posse até 1834. Nos tempos de D. Manuel a estrutura foi alvo de profunda remodelação. De resto, D. Manuel, ainda como Duque de Beja e administrador da Ordem de Cristo, mandou erguer a Igreja Matriz de Soure, que se localiza mais acima. Uma medida que, tudo indica, se prende com as cheias que assolavam a zona do castelo e muito particularmente a Igreja de Santa Maria de Finisterra, que ali existia.
2015 Os trabalhos arqueológicos efec-
Uma vida atribulada A partir do século XIX, o castelo viveu uma história atribulada. Exemplo disso foi o facto de, em 1880, a Câmara Municipal se ver obrigada a dinamitar a torre em frente à torre de menagem para evitar uma derrocada. O castelo pertencia a privados e a Câmara procurou, em 1940, negociar a aquisição do imóvel. Santiago Prezado, poeta, diplomata e deputado, ofereceu o Castelo ao município, mas a oferta não foi legalizada. Nem nessa altura (1940), nem depois, em 1965, quando a Direcção de Serviços de Monumentos Nacionais do Centro notifica Santiago Prezado para proceder a obras no edifício, cada vez mais votado ao abandono e alvo fácil de actos de vandalismo. Classificado como Monumento Nacional em 1949, por decreto publicado no Diário do Governo, a 5 de Abril, o Castelo de Soure vê-se envolvido numa hasta pública, por dívida dos seus proprietários ao Grémio da Lavoura. Marcada para o dia 5 de Novembro de 1973, com o preço base de licitação de 60.480 escudos, a venda foi, à última hora, cancelada. No dobrar do milénio, os descendentes de Santiago Prezado inscreveram o prédio a seu favor, na proporção de 1/192 avos. Só em 2004, no dia 10 de Março, foi lavrada a escritura que consagra, definitivamente, a propriedade do castelo para a posse da Câmara Municipal de Soure.
tuados nas imediações do castelo, em 1985, permitiram a detecção de cerca de duas dezenas de sepulturas da antiga necrópole da Igreja de Nossa Senhora de Finisterra. Entre ao achados, encontram-se sarcófagos, sepulturas construídas em pedra ou simples covas abertas na terra.As escavações, efectuadas sob orientação de Maria da Conceição Lopes, continuaram no ano seguinte. Também em 1986, sob a responsabilidade de Artur Manuel de Castro Côrte-Real, decorreram trabalhos arqueológicos no castelo, que permitiram definir as estruturas da antiga Igreja de Finisterra. Em 2002/3, no âmbito do acompanhamento das escavações para a construção das Piscinas Municipais e edifícios anexos à Zona de Protecção do Castelo, a cargo dos arqueólogos Gina Maria Mendes Dias e Miguel Jorge Gomes Tavares deAlmeida, foi identificado um muro em alvenaria e vestígios de um pavimento da época romana, telhas de diferentes épocas e fragmentos de recipientes cerâmicos. A continuação dos trabalhos, em 2003, permitiu a identificação de um conjunto de estruturas defensivas medievais associadas ao castelo, parte da necrópole medieval e moderna de Nossa Senhora de Finisterra, bem como estruturas habitacionais da época moderna. Grande parte deste legado encontra-se no Centro Interpretativo do Espaço Mu-
Centro de Interpretação reúne artefactos encontrados nas escavações
Centro de Interpretação permite viagem no tempo ralhado de Soure, criado no âmbito da Rede de Castelos e Muralhas do Mondego, inaugurado em 2015. Um espaço de visitação obrigatória, da autoria do arquitecto Rui Fernandes, que ocupa a antiga Casa da Flávia e permite não apenas conhecer este espólio, como perceber a sua contextualização, numa viagem pela história. As ferramentas multimédia substituem-se à imaginação e permitem perceber como seria a estrutura do castelo no seu todo e a função de cada elemento. Mas também descobrir outras histórias da História de Soure. No pequeno auditório, são projectados filmes, que ajudam o visitante a familiarizar-se com esta temática. No piso superior avista-se o espaço da necrópole de Santa Maria de Finisterra. O verde da erva vai dar lugar a imagens, de molde a permitir uma visualização dos achados que ali foram encontrados. É também neste piso que o município quer criar um núcleo museológico dedicado aos Templários. Praticamente ao lado do Centro Interpretativo, outra memória viva do legado Templário. Uma “levada”, criada pelos cavaleiros-monges, que “nasce” junto ao Paleão e atravessa a parte baixa da vila. Pelo caminho, alimentava sistemas de moagem. O canal mantém, hoje, o seu curso, caminhando por entre as casas, debaixo de algumas construções, para desaguar no rio e juntar as suas águas aos já reunidos Anços e Arunca.
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Castelo 90 anos com Soure
Preservar a memória Templária
Chaimite, oferta do Exército, assinalou 890 anos da doação do Castelo aos Templários
2019 «Estes foram os campos das batalha de Soure», considera Mário Jorge Nunes, presidente da Câmara Municipal, sublinhando o papel que historicamente o Castelo de Soure desempenhou na Linha de Defesa do Mondego e de Coimbra. Foi esta ordem de razões que levou o autarca, em 2019, quando recebeu a oferta de um “chaimite”, a entender que esta “ferramenta”bélica deveria ficar colocada ali, naquele espaço, junto ao Parque dos Bacelos, no «campo de batalha». Um contraste entre os tempos do berço da nacionalidade e a contemporaneidade. «São dois símbolos e ambos têm a ver com a nossa Pátria», atesta o autarca. «Um com o nascimento. Outro com o restabelecimento da democracia», adianta. Mário Jorge Nunes enaltece o «contraste» e o «efeito visual» que os dois elementos possibilitam, projectando para o passado e para a história. Uma mais remota. Outra mais recente. Dois elementos «simbólicos» e, simultaneamente, com um «carácter pedagógico, que o edil enaltece. O “chaimite”, assumido como «o novo monumento de Soure», foi inaugurado no dia 14 de Março de 2019. Precisamente 890 anos depois de D. Afonso Henriques ter confirmado a doação do Castelo de Soure aos Cavaleiros da Ordem do Templo. Uma oferta do Exército, que representou, igualmente, uma homenagem do município às Forças Armadas de Portugal. O “chaimite” apresenta um conjunto
de particularidades, a começar pelo facto de ter sido um veículo militar «desenvolvido e fabricado em Portugal», que foi usado para o transporte de tropas e esteve ao serviço das Forças Armadas entre 1966 e 2010. A viatura, oferecida ao município de Soure, foi «usada na revolução do 25 de Abril» e tornou-se um «ícone emblemático desta data». Disponibilizada pelo Exército, foi preparada, antes de viajar para Soure, pelo Regimento de Manutenção do Entroncamento. A cerimónia, integrada no programa Soure Templário, promovido pela autarquia, contou com a presença do brigadeiro-general Luís António Baptista, em representação do chefe do Estado Maior do Exército, general José Nunes da Fonseca. Na oportunidade, a Câmara Municipal de Soure entregou às ForçasArmadas a Medalha de Honra do Município. Foi, ainda, apresentado o livro de Fernando Tavares Pimenta, “Os Templários em Soure.1128-1309”. Esta homenagem aos Templários acontece em 2019, depois de em 2003 se ter realizado uma outra cerimónia de reconhecimento aos Cavaleiros da Ordem do Templo, com a colocação de uma lápide no castelo. Uma cerimónia que contou com a presença do grão-mestre universal da Ordem, D. Fernando Pinto de Fontes, da grã-prioresa de Portugal, D. Maria da Glória Pinto de Sousa, e do então presidente da Câmara Municipal de Soure, João Gouveia.
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Integrar a Rota dos Templários 2021 Tomar prepara-se para avançar com o Museu dos Templários, uma estrutura que pretende promover e preservar a obra única que Gualdim Pais criou naquela cidade, que sucedeu a Soure como sede da Ordem do Templo. Uma ordem de monges-guerreiros, fundada em França, em 1120, para proteger os movimentos de peregrinação aos lugares santos do Cristianismo no Médio Oriente. Uma tropa de elite, que teve um papel activo na formação do reino e na reconquista cristã. Tanto assim foi, que, depois do Papa Clemente V decidir a extinção dos Templários, em 1311, D. Dinis criou a Ordem de Cristo, que lhe sucedeu, e instalou a sua sede no Castelo de Tomar, em 1357. O objectivo de Tomar é promover este marco histórico, que tem na cidade uma referência incontornável, mas também estender esta rota a nível internacional, designadamente a Espanha (Ponteferrada), Itália (Perugia) e França (Tryes, onde nasceram os Templários). Soure quer integrar esta Rota Templária, promovendo o seu legado histórico e o estatuto de primeira “casa-mãe” dos Cavaleiros do Templo. De resto, são frequentes as visitas que os herdeiros contemporâneos dos cavaleiros-monges, vindos de vários pontos do globo, fazem a Soure, um território que é passagem obrigatória para algumas das cerimónias iniciáticas. Hoje, os cavaleiros não são os monges, que faziam votos de pobreza, de castidade e de obediência e empunhavam numa mão a espada e na outra a Cruz. Hoje a Ordem também integra mulheres, mantém os princípios cristãos, mas os seus combates são em prol de acções humanitárias e apoio a quem mais precisa. No Centro Interpretativo do Espaço Muralhado está reservado um espaço, no piso superior, a inaugurar em breve, onde Soure pretende dar a conhecer o seu legado Templário. Um ponto de passagem obrigatário da Rede de Cidades e Vilas Templárias que, além de Soure, inclui, designadamente, Tomar, Vila Nova da Barquinha (castelo de Almoural), Idanha e Constância.
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Paços do Concelho 90 anos com Soure
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PAÇOS DO CONCELHO:I UM “EX LIBRIS” QUEI ORGULHA SOUREI
Edifício da Câmara Municipal acolheu, durante décadas, os mais diversos serviços públicos
2002 Saída das Finanças, em Julho de 2002, para as novas instalações, na Avenida Abel das Neves, liberta mais espaço nos Paços do Concelho
E
legante e majestoso, o edifício dos Paços do Concelho impõe-se pela sumptuosidade, pela grandeza e pelo recorte artístico. Uma obra que data do início do século passado, com a assinatura do arquitecto Augusto de Carvalho e Silva Pinto, lançada na presidência de Francisco Azevedo Amado. Foi na chamada parte “baixa”da vila que, durante largos anos, funcionou a Câmara Municipal. Seria, de acordo com o investigador José Gomes Figueiredo, na Praça Miguel Bombarda, em frente à Igreja Matriz (monumento mandado erguer por D. Manuel I). Era chamada a “Casa da Câmara”, um espaço sem condições, o que levou os «políticos da terra, nos finais do século XIX a augurar dar a Soure um edifício novo. Queriam dar dignidade ao poder local e avançaram para o projecto do edifício dos Paços do Concelho», refere. O antigo chefe da Secretaria da Câmara
Municipal, já aposentado, recorda, ainda, o desejo de «fazer uma avenida». «Todas as terras tinham uma avenida, mas Soure, não». Numa aturada investigação, nos arquivos do município e da Biblioteca Municipal, José Gomes Figueiredo conseguiu recuperar os passos fundamentais desde processo. Assim, a 15 de Setembro de 1900, a Câmara nomeia a comissão para «escolher o melhor local para implantar o edifício ou modificar a planta que já existe». No ano seguinte, a 12 de Janeiro, a comissão propõe «a Cerca de S. Joãozinho ou Serrado de São Joãozinho», como local para erguer os Paços do Concelho. Em Março, é aprovada a planta e, em Dezembro, é apresentado o orçamento da obra, incluindo as ruas e a avenida. Já no ano seguinte, em Abril, a Câmara autoriza o presidente a assinar o auto de adjudicação da construção a António Simões Mizarela, «pela quantia de dezoito contos e setecentos mil reis». O auto de adjudicação terá acontecido no dia 17 de Abril. A acta de 2 de Agosto de 1902 avança com a necessidade de «avisar o empreiteiro sobre a marcação das fundações». Os terrenos onde se decidiu erguer o edifício dos Paços do Concelho pertenciam a
«uma família abastada», recorda José Gomes Figueiredo, que não viu com bons olhos o projecto, o que obrigou a avançar com a «expropriação judicial», em cumprimento da deliberação camarária, tomada a 7 de Novembro. Altura em que são feitas «várias críticas» a António Vaz Correia de Seabra Lacerda» pelo «seu comportamento quanto à disponibilidade do local e do preço». O Tribunal de Soure deu razão ao município, seguindo-se o recurso para a Relação do Porto e depois para o Supremo Tribunal de Justiça. Todas as instâncias deram razão ao município. A empreitada ficou concluída em 1906, na presidência de José Francisco Rodrigues. Mas já nessa altura havia “derrapagem” nas obras públicas. Com efeito, os cerca de 19 contos de reis do orçamento inicial “cresceram” de forma significativa, atingindo os 23 contos de reis. Uma das razões poderá ter a ver com o facto de as escavações para as fundações terem “esbarrado”com rocha. Uma situação que levou o empreiteiro, de acordo com a acta de 16 de Agosto de 1902, a pedir uma «revisão de preços». Um edifício que «evidencia traços do estilo neomanuelino, uma arquitectura re-
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vivalista, tipicamente romântica, que reproduz elementos característicos do estilo manuelino, nomeadamente ao nível decorativo». Os cordeamentos e os motivos vegetais são elementos típicos do estilo manuelino, um trabalho de cantaria da autoria de JoãoAugusto Machado, artista de Coimbra, que também trabalhou na decoração do Palace Hotel do Buçaco. Na fachada destaca-se a porta principal, dupla, envolta em arco e rematada com a esfera armilar, símbolo do rei D. Manuel I, do poder marítimo, político e económico associado às navegações e descobertas do século XVI. No piso superior, sobre a porta principal, uma janela dupla, com varandim rendilhado, encimado por um conjunto de símbolos, designadamente o brasão da vila de Soure, a coroa real, mas também a Cruz de Cristo, uma referência ao facto de a vila ter pertencido à Ordem de Cristo, herdeira da Ordem dos Templários, que tiveram na vila a sua primeira sede. Além da Câmara, o edifício acolheu, ao longos dos anos, os mais diversos serviços. Ali funcionou o Tribunal da Comarca, as
90 anos com Soure Paços do Concelho
Finanças, as Conservatórias do Registo Civil e do Registo Predial. A Junta de Freguesia de Soure também ali esteve instalada, o mesmo acontecendo com os serviços de Saúde. A alternância destas valências e o seu progressivo encaminhamento para sedes próprias, deixou os Paços do Concelho livres para os serviços camarários. Obras de fundo significativa não foram efectuadas, mas tem-se feito a manutenção e alguma adaptação e melhoramentos, designadamente com novas janelas e caixilharia.
A Lenda do Campo da Velha A “derrapagem”financeira da empreitada obrigou a Câmara a vender o chamado “Campo da Velha” com o objectivo de assegurar a conclusão das obras. Uma acta, datada de 1905, comprova isso mesmo. Em causa está uma vasta quinta, localizada nas actuais freguesias de Alfarelos e Granja do Ulmeiro. Reza a lenda, que a Biblioteca Municipal trabalhou eAnabela Dias ilustrou, num livro lançado pela autarquia, em Dezembro de 2018, que, num dia de muito calor, em Agosto, o rei atravessava os
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campos de Alfarelos, a caminho da Granja, quando avistou um pequeno casebre. Cansado, aproximou-se, com os seus cavaleiros, sendo recebido por uma «bela moçoila, na flor da idade». El rei pediu-lhe água e a «jovem apressou-se a satisfazer o pedido». Saciada a sede, o rei descansou no pequeno leito do casebre. Depois de um sono reparador, o monarca disse à jovem que, em paga pela sua bondade», lhe podia pedir o que quisesse. «Meu rei e senhor, gostaria que me concedesses terra que eu pudesse amanhar com o couro de um boi». O rei acedeu e a jovem foi buscar o couro de um boi, que cortou em tiras finíssimas e, com elas, circundou o terreno em volta da casa, «na extensão de várias centenas de hectares». Perplexo, o rei cumpriu, todavia, a sua palavra. Muitos anos depois, a bela moça, já muito velhinha, faleceu sem descendentes e consta que, no leito de morte, terá doado todos os seus terrenos ao município. Não há escritura, mas foi a Quinta da Velha que a Câmara de Soure vendeu para concluir as obras dos Paços do Concelho.
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Palácio da Justiça 90 anos com Soure
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FEZ-SE JUSTIÇA A SOURE E AO PALÁCIO 2014 Reforma fez temer o pior, mas a verdade é que em vez de se revelar penalizadora, como se previa em 2014, acabou por ser benéfica para o concelho, que em vez de uma, tem hoje três valências ligadas à Justiça
O
que parecia ser um golpe de morte transformou-se num tónico revigorante para o Tribunal de Soure. Com efeito, a reforma judicial acabou por trazer novas competências e serviços e conferir ao Palácio da Justiça uma importância acrescida dentro da estrutura da Comarca de Coimbra. É, nada mais nada menos, que a sede do Juízo de Execução, que transitou de Coimbra para Soure. Perdeu o estatuto de Comarca, mas depressa ultrapassou do estatuto de Secção de Proximidade para se guindar a Juízo de Competência Genérica. Mas ainda há mais. É no edifício do Palácio da Justiça de Soure que está instalado todo o Arquivo Judicial. Será um dos poucos tribunais do país que não perdeu com a reforma, empreendida em 2014. Tudo isso se ficou a dever à excelência de um edifício, construído na década de 60 com mão-de -obra prisional. José Gomes Figueiredo, antigo chefe da secretaria da Câmara Municipal e um amante da investigação histórica, acredita que a excelência da obra, erguida no espaço onde estava instalada a adega e o celeiro do Dr. Adriano Vieira Pimenta, teve “mão de Deus”. Ou para ser mais correcto, contou com o empenho especial do Dr. Manuel Nogueira, um sourense que, à época, «tinha um cargo de destaque no Ministério da Justiça. Ajudou a mexer os cordelinhos para o Palácio da Justiça ter a dignidade que tem», considera. A verdade é que essa «dignidade» veio a revelar-se a sua “tábua de salvação”. Vivia-se o ano de 2014 e a Reforma Judicial, recorda Mário Jorge Nunes, presidente da Câmara Municipal de Soure, apontava «a extinção da Comarca de Soure e declarava o encerramento do tribunal de primeira instância». 1 de Setembro era a data para consumar as alterações, que ditava a Soure o estatuto de Secção de Proximidade. Um espaço que não seria mais do que «de atendimento para certidões e aceitar expediente». Todavia, o «edifício imponente, com grande capacidade para várias valências»,
Instalações do Tribunal impressionaram a juíza-presidente da Comarca de Coimbra
impressionou de sobremaneira a juíza presidente da Comarca de Coimbra. Isabel Namora visitou o Palácio da Justiça e entendeu que «era um crime deixar aquelas instalações sem uso», lembra o autarca. Sobretudo tendo em conta «a grande carência de instalações», em Coimbra, para acolher os serviços da Justiça, o que obrigava a tutela a recorrer ao arrendamento de espaços. «Aadministração da Comarca questionou o município se estaria disponível para colaborar» com a tutela, através da realização de «obras de melhoramento e adaptação». Adecisão não se fez esperar, com o executivo a pronunciar-se, «por unanimidade», a favor dessa colaboração.
Colaboração entre o município e a tutela permitiu agilizar soluções e garantir respostas que acabaram por fazer crescer as valências do Tribunal de Soure
Tratava-se, adianta, de o município assumir «ligeiras obras de adaptação», bem como a responsabilidade da «conservação» e «adaptação às novas tecnologias». Basicamente, esclarece Mário Jorge Nunes, tratou-se de garantir a instalação de fibra óptica no Palácio da Justiça, essencial para o funcionamento do programa Citius. Só havia uma linha disponível e estava destinada aos Paços do Concelho. «Prescindimos por uns meses de ter fibra óptica e redireccionámo-la para o Palácio da Justiça», esclarece, sublinhando que, na altura, este «era um bem escasso». O município disponibilizou, ainda, o ginásio da antiga escola secundária para acolher provisoriamente o «arquivo de Justiça do distrito», além de ter feito as obras de adaptação, para que, «no espaço de um mês e meio – até 1 de Setembro – ali pudesse ser instalado o Tribunal de Execuções da Comarca, com gabinetes para três juízes e funcionários de apoio». Mais de 50 mil processos, oriundos de todos os tribunais da região, começaram a ser transportados para Soure. Um processo que, também ele, contou com o envolvimento da tutela e com o apoio do município.
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90 anos com Soure Palácio da Justiça
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Casa arrumada e trabalho feito Com a casa arrumada, o Tribunal de Execuções começou a funcionar em pleno. «Foi reconhecido o excelente trabalho de juízes e funcionários», recorda o autarca, fazendo notar, particularmente, o facto de os funcionários – que eram os da primeira instância – se terem especializado na área das execuções e garantido um desempenho que mereceu rasgados elogios da tutela. Mais do que isso, Mário Jorge Nunes está convencido que «este sucesso também contribuiu, em muito, para concretizar o objectivo de abrir a primeira instância, um tribunal de competência genérica em Soure». Um facto que vem a acontecer em 2019. Com efeito, o decreto-lei n.º 38 de 2019, publicado no dia 18 de Março em Diário da República, vem «alterar o mapa judiciário, reforçando a especialização de tribunais judiciais». Soure é duplamente favorecido, uma vez que o diploma vem consagrar que «a sede do Juízo de Execução de Coimbra é alterada para Soure», dando força legal à situação em vigor. Mas trouxe também a “novidade”, ou seja, anuncia a criação do «Juízo de Competência Genérica de Soure». Um tribunal de primeira instância, que começou a funcionar em Abril e foi oficialmente inaugurado pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, no dia 19 de Junho de 2019. «Repôs-se a Justiça no concelho de Soure», afirma Mário Jorge Nunes. Para o autarca, a Justiça representa «um dos principais pilares de um estado de direito» e «num município com a nossa história e dimensão, era importante ter o acesso rápido e adequado à Justiça que o Tribunal de Soure representa». Por isso mesmo sublinha a «importância» da parceria que se
Ministra da Justiça presidiu à inauguração do Juízo de Competência Genérica
estabeleceu entre o município e a tutela, que, inclusivamente, permitiu aumentar o número de postos de trabalho no Palácio da Justiça. «Paradoxalmente, uma reforma que iria coarctar o acesso à Justiça e lesar o concelho, acabou por nos ser favorável», faz notar. «A reforma acabou por não ser penalizadora, mas benéfica», adianta. Aliás, antes da reforma, o Tribunal de Soure tinha um juiz e um procurador. Agora, nas duas valências - Juízo de Execução e o Juízo de Competência Genérica – estão quatro juízes e dois procuradores e duas dezenas de funcionários judiciais. Nas novas funções atribuídas ao Palácio da Justiça falta referir outra. O Arquivo Distrital da Justiça. Com efeito, provisoriamente instalado no ginásio da antiga
escola secundária, toda a documentação da Comarca de Coimbra já está instalada na sua nova casa. Depois de obras de adaptação, a cave do edifício acolhe aquela valência, que criou mais duas vagas de arquivista. Sem dúvida, está é uma história com final feliz.
“A reforma acabou por não ser penalizadora, mas benéfica” para Soure, faz notar o presidente da Câmara Municipal , Mário Jorge Nunes
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Biblioteca 90 anos com Soure
Diário de Coimbra
BIBLIOTECA:I UM SANTUÁRIO DEI CULTURA E SABERI Jardins rodeiam a Biblioteca Municipal. Um espaço duplamente inspirador para a cultura e lazer
1998 Palácio da família Matoso foi transformado na Biblioteca Municipal, inaugurada a 7 de Maio de 1998. Soure foi um dos primeiros concelhos a integrar a Rede de Bibliotecas Escolares
P
aula Gonçalves é, desde sempre, a bibliotecária responsável pela Biblioteca Municipal de Soure. Natural da Lourinhã, foi estudar para Coimbra. Terminado o curso, ainda passou por Arouca, mas foi em Soure que se instalou. Chegou em 1995/6, ainda a tempo de fazer sugestões e alterar o destino de algumas salas, do projecto concebido pelos arquitectos Bandeirinha e Carlos Figueiredo. «Escolhi o mobiliário todo», recorda, com satisfação. Mas a maior emoção foi mesmo a de assistir e acompanhar o nascimento da biblioteca. O que significou?, perguntamos. «Foi o criar uma porta de acesso, com as condições que, naquela década, eram consideradas as melhores, para a comunidade usufruir de uma série de possibilidades que não existiam e têm a ver com a leitura, a informação e o lazer». Sobretudo, sublinha, «uma porta aberta para a comunidade, sem quais-
quer distinções», através de «um serviço que permitia ter “à mão” livros, música...». Entusiasmada, recorda que o primeiro computador do município foi instalado precisamente na biblioteca. O antigo palácio da família Matoso foi adquirido pela Câmara Municipal em mea-
Paula Gonçalves
dos dos anos 80 e, em 1987, o município e o Instituto Português do Livro e da Leitura firmaram um contrato-programa para a instalação de uma biblioteca municipal pública, com Soure a integrar a Rede Nacional de Leitura Pública. Paula Gonçalves elogia essa «acção nacional de promoção da leitura», liderada pelo Governo, em parceria com as autarquias, que teve em Teresa Patrício Gouveia um dos seus pilares. «Em Portugal, até então, não existia leitura pública», recorda, lembrando que apenas havia «o grande projecto da Fundação Gulbenkian, nos anos 60/70, mas não uma acção nacional em prol da leitura». O programa, lançado em 1987, representava um apoio financeiro para a construção – que tinha requisitos, designadamente secção de adultos, crianças e de audiovisual – mobiliário, equipamento e fundos bibliográficos. Hoje em dia, lamenta, «da parte do Governo não há qualquer acção em prol da leitura».
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Mas Soure já tinha acesso ao livro. «Havia uma biblioteca fixa da Gulbenkian, n.º 69, desde os anos 60», refere Paula Gonçalves. De resto, esse espólio bibliográfico foi integrado na Biblioteca Municipal, que, de quando em vez ainda recebe obras da Fundação Gulbenkian. Mal a biblioteca entrou em funcionamento, Soure aderiu à Rede de Bibliotecas Escolares. «Fomos um dos primeiros concelhos», afirma a bibliotecária. «Ainda esta não estava terminada e já andava a tentar equipar as bibliotecas escolares», recorda. Neste momento são 13 bibliotecas escolares. Apopulação percebeu o significado dessa “porta aberta”? «Sim, percebeu», considera. «Até 2003/4, a sala do audiovisual, estava sempre cheia de jovens , que viam filmes, ouviam música», exemplifica. «Foi uma novidade muito bem recebida». Quando aos computadores, foram um verdadeiro sucesso. Relativamente aos livros, Paula Gonçalves destaca a faixa etária dos 50 e poucos anos. «Serão os “herdeiros” da Biblioteca da Gulbenkian, que se mantiveram fiéis, dando continuidade ao registo de empréstimo domiciliário.
Chegar aos mais novos e aos mais velhos ABiblioteca Municipal também empreendeu, em colaboração com o município, programas de promoção de leitura, junto das escolas, do 1.º ciclo e pré-escolar, a desenvolver na biblioteca ou nas escolas. A feira do livro, a presença de escritores, lançamento de obras, concursos, foram outras das propostas. Paula Gonçalves destaca os “Sábados na Biblioteca – leitura para pais e filhos”, que se revelou um sucesso, com a adesão de um número significativo de pais e crianças, numa altura em que não havia praticamente propostas para os mais novos. «Faltavam à catequese para vir», recorda.
90 anos com Soure Biblioteca
Todavia, quando começaram a surgir alternativas, desde os escuteiros ao ballet e ginástica, o programa ressentiu-se. Referência ainda para um programa para as IPSS com creche e pré-escolar, que todos os meses participam numa actividade na biblioteca. Depois, cada criança levava um livro para casa, para a família. Em articulação com as bibliotecas escolares, foram desenvolvidos vários projectos, que tiveram um eco muito grande na comunidade, envolvendo as crianças e famílias, trabalhos nas escolas e na biblioteca. Paula Gonçalves refere os projectos dedicados à lenda do Campo da Velha, à Rainha Santa Isabel, a Martinho Árias, ou um outro, sobre as lontras, que teve o seu corolário com uma “lontra parede”. O município ofereceu
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o protótipo e cada escola decorou a sua. Aconteceu em 2016. «Tivemos mais de 60 lontras». Satisfeita, a bibliotecária refere o impacto positivo desta jornada. «Toda a gente ficou a saber que há lontras em Soure e no Baixo Mondego», sublinha, destacando, igualmente, a sensibilização para o ambiente e para a preservação da biodiversidade que este projecto implicou. De resto, muitas destas temáticas são a matéria inspiradora para o cortejo carnavalesco das escolas. Após consolidar a estrutura de oferta para os jovens, a biblioteca empenhou-se na concretização de programas para os mais velhos, a efectuar na biblioteca ou nos lares. «Era sempre uma festa, com música, conversa, histórias...». «A nossa missão é a leitura. Todos os eventos têm sempre como objectivo chegar à leitura ou a leitura como ponto de partida», sublinha a bibliotecária. «A capacidade de ler, de interpretar e imaginar, permitem fazer tudo no mundo», considera, incentivando à leitura «em qualquer suporte». Com mais de 50 mil títulos disponíveis, um universo de dois mil utilizadores, mas cerca de 500 “activos”, a Biblioteca viu a pandemia limitar as suas muitas actividades ao registo on-line. A requisição de livros pode ser feita, por telefone, e-mail ou facebook. O catálogo está disponível, on-line, e a biblioteca, em articulação com o município, garante a entrega em casa do leitor. Paula Gonçalves não vê a hora do retorno à normalidade e de ver a biblioteca, de novo, cheia de gente. «A nossa relação com o livro é muito fraca e facilmente é traída», considera. Por isso, o grande objectivo é, assim que possível, «recuperar hábito de vir à biblioteca». Pode ser para ler o jornal, ficar a olhar para as novidades ou, simplesmente para conversar. «A biblioteca é um espaço de encontro»… que não se pode perder.
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APPACDM 90 anos com Soure
APPACDM: UM OLHAR ATENTO À DIFERENÇA 2001 Autonomização relativamente a Condeixa, permitiu que a instituição ganhasse asas e crescesse, procurando sempre funcionar como uma porta aberta para a comunidade
Inclusão e abertura à comunidade são os pilares que orientam a instituição
É
um mundo diferente, de surpresas, de afectos, mas também de muitas necessidades. Um apelo constante à vida, aos valores mais profundos e marcantes do ser humano. Hoje são cerca de duas centenas de utentes e 72 colaboradores. Uma grande família que dá pelo nome de Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM). Uma casa que começou por ser um Centro Educacional, uma extensão da APPACDM de Condeixa. Em 2001, começou o processo de autonomização e em Maio de 2002 assistiu-se à criação da delegação autónoma. Nascia, assim, a APPACDM de Soure. Santos Mota foi o timoneiro deste projecto. «Já lá vão 20 anos», refere, ao mesmo tempo que recorda o convite, feito pelo então presidente da Câmara, João Gouveia, para fazer parte da comissão instaladora e “dar o salto” para uma nova realidade, da autonomia, mas também de uma «maior abertura à comunidade». Seguiu-se o convite para assumir a presidência da direcção.
Inicialmente, confessa, «com um certo receio», pois «não conhecia a realidade da deficiência intelectual». Mas depressa ganhou uma «grande paixão», mais, um verdadeiro amor por esta causa maior. «São pessoas que nos enchem a alma e o coração», afirma, com emoção, e sem dúvida alguma que esta é uma aposta que «vale a pena». «Esta é a minha segunda família», diz. A«abertura à comunidade», a «interacção» e a «desconstrução dos preconceitos – que advêm do desconhecimento» - foram a pedra de toque de um trabalho gizado pela equipa que liderou, empenhada em concretizar respostas de qualidade aos utentes e em promover a sua inclusão social. «Havia e ainda há muitos preconceitos, mas em Soure tem-se vindo a desconstruir essa resistência à diferença», afirma, com satisfação. Hoje, a APPACDM de Soure possui um lar e uma residência autónoma, que acolhem 28 pessoas. Esta última constitui uma das mais recentes apostas. Trata-se de uma casa onde se procura fomentar a indepen-
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dência. São sete os utentes desta residência, pessoas que «têm alguma autonomia» e para quem esta vivência, independente, embora sob “vigilância”, ajuda a desenvolver competências. Um projecto que o presidente da direcção gostaria de ver replicado, mas que, reconhece, «não é fácil», sobretudo porque exige uma parceria com a Administração Regional de Saúde. O Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) acolhe meia centena de jovens e adultos, com diferentes níveis de deficiência, desde moderada a severa. Trata-se de uma resposta que promove actividades socialmente úteis, que estimulem os utentes, a sua criatividade e auto-estima. «É o pilar da instituição», considera o presidente, que destaca o trabalho e apoio dos muitos técnicos, desde psicólogos, terapeutas, fisioterapeutas, que imprimem uma grande dinâmica de actividades. O serviço de apoio domiciliário é outra das respostas que a APPACDM assegura, diariamente, visando «retardar ou mesmo evitar uma eventual institucionalização».
Residência autónoma representa uma experiência bem sucedida, para pessoas com alguma autonomia que a instituição gostaria de ver crescer O Centro deActividades de Tempos Livres, CATL, destinado a crianças ditas normais e crianças e jovens portadores de deficiência mental é uma valência fundamental. No entender de Santos Mota, estas crianças têm uma experiência diferente, integradora, que lhes vai permitir, no futuro, «olhar com naturalidade para a diferença». «É uma forma de inclusão», sublinha o presidente da direcção, que recorda, a propósito, uma observação da mãe, quando, em criança, ajudava a tomar conta de um menino, vizinho, deficiente. Foi dessa experiência, em seu entender, que o filho criou esta sensibilidade essencial para a deficiência. «Talvez tenha sido», admite. O CATL funciona numa antiga escola primária e hoje «é o maior CATL do concelho», remata, com satisfação. A APPACDM avançou, igualmente, com um Centro de Recursos para a Inclusão, serviço que visa colmatar as carências de crianças com necessidades educativas especiais de carácter permanente. Uma res-
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APPACDM 90 anos com Soure
posta que envolve os agrupamentos de escolas de Soure e do Paião e conta com uma equipa multidisciplinar, constituída por fisioterapeuta, terapeuta da fala, terapeuta ocupacional, psicólogo e assistente social. A formação profissional é outra das respostas. «Muito importante para dar competências aos utentes», portadores de deficiências, mas também pessoas mais vulneráveis, que carecem de apoio e que, de igual forma, «têm necessidade de ganhar competências» e desenvolver ritmos e hábitos de trabalho, com o objectivo de assegurar a sua melhor integração social. A formação contempla as áreas de jardinagem, assistente familiar e de apoio à comunidade, costureiro/modista, assistente administrativo, empregado de mesa e cozinheiro, áreas que conferem uma qualificação profissional e escolar. Há, ainda, formação nas áreas de acompanhamento de crianças e lavandaria e tratamento de roupas que apenas conferem qualificação profissional.
Respostas nas área da jardinagem e eventos Santos Mota destaca uma outra valência da instituição que representa, em rigor, uma empresa, promovida pela APPACDM, na área da jardinagem. Trata-se da JardinSoure, um projecto apoiado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, que oferece uma ampla gama de respostas à comunidade e representa um exemplo de inclusão e integração social. Construção e manutenção de jardins, elaboração de projectos, instalação de sistemas de rega são algumas das respostas que garante. A empresa tem oito funcionários e tem clientes em Soure, Condeixa e Coimbra. «É uma valência muito importante para a integração e também uma fonte de receitas para a APPACDM», refere. Aorganização de eventos, designadamente festas de aniversário, incluindo a componente de catering e de animação, foi uma das mais recentes apostas da instituição. «Uma resposta muito procurada», particularmente aos fins-de-semana. Foi, explica, uma sugestão apresentada pela equipa técnica, a que a direcção deu o seu aval. «Comprámos algum equipamento necessário» e o projecto arrancou, registando uma aceitação muito boa e dando um contributo muito relevante para as finanças da instituição. Todavia, a pandemia veio pôr travão ao projecto.
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Desporto ignora ou esbate as diferenças e fomenta o sentido de família
Ampliação do lar é tarefa prioritária Relativamente ao futuro, Santo Mota destaca, como grande prioridade, a ampliação e requalificação do lar. De resto, foi este projecto que o levou a assumir mais um mandato à frente da direcção.Acandidatura ao programa PARES já foi apresentada, mas mesmo que não haja garantias de apoio, «temos de avançar», «é de extrema necessidade», considera. O aumento da esperança de vida, também notório nas pessoas com deficiência mental, veio desencadear situações de «algum dramatismo», faz notar. «Não se deve integrar estas pessoas num qualquer lar. São pessoas diferentes. São adultos, mas com uma idade mental diferente», alerta. Tendo em conta esta realidade, o presidente promete todo o empenho na remodelação e ampliação do lar, de molde a dar
Grupo de Danças e Cantares é um dos contributos para a integração social
resposta a mais uma dezena de utentes. O investimento está estimado em 500 mil euros.
Cultura e desporto são factores de integração Dentro daAPPACDM surgiu um conjunto de actividades culturais que alimentam a interacção com a comunidade, criando uma aliança particularmente especial, que a música, a dança e o desporto ajudam a consolidar. Exemplo disso é o Grupo de Danças e Cantares da APPACDM, que «é a imagem dos ranchos de Soure nos anos 30 do século passado». Há ainda uma Tuna e um grupo de bombos, “Os Batukes”, todos com um assinalável êxito e a despertarem sempre um grande carinho no público. Há ainda espaço para o teatro e para o futebol de 5. «Esta casa é uma confusão saudável», diz Santos Mota, que destaca o papel particularmente integrador e motivador destas actividades. A propósito de desporto, o remo merece uma atenção muito especial. «A selecção nacional era aAPPACDM de Soure», recorda o presidente da direcção, apontando o Diploma de Mérito Desportivo que a Secretaria de Estado do Desporto entregou à instituição. «Fomos vice-campeões do mundo em Itália e em Espanha e também fomos ao Japão. Só não fomos campeões do mundo». Uma prestação que acabou, depois de alguns ”qui pro quo” com a Federação de Remo. «Agora só temos remo indoor», remata.
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90 anos com Soure Misericórdia
Edifício das Saibreiras promoveu um projecto intergeracional, juntando avós e netos
MISERICÓRDIA ADAPTA-SE AOS NOVOS TEMPOS E NECESSIDADES 1986 Santa Casa abre um novo ciclo e entra numa nova era de respostas sociais. Depois da Saúde, as atenções passam a centrar-se nos mais velhos e também nos mais novos
A
obra da Misericórdia de Soure entra numa nova era em 1986, altura em que começa a funcionar o primeiro lar e centro de dia. «Foi este o núcleo central», refere o provedor. Para trás ficava uma vivência ligada à saúde, com a gestão do Hospital, e outra obra ímpar, de grande impacto social, que foi a construção de um bairro social, «destinado a pessoas sem recursos». Uma iniciativa que arrancou nos finais da década de 40. Trata-se do Bairro da Misericórdia, que representou uma resposta social muito significativa e sem paralelo na região. «Os responsáveis desse tempo tiveram visão» para resolver problemas graves que afectavam a população de Soure. As casas foram, entretanto, adquiridas pelos respectivos arrendatários, nos anos 80/90, «por preços simbólicos», recorda Manuel Martins.
O novo foco de interesse, centrado na população idosa, vai crescendo, em termos de necessidades e de resposta. Esse núcleo central transforma-se numa estrutura residencial com 56 utentes e algumas dezenas em regime de centro de dia e em apoio domiciliário. Surge, também, um projecto diferenciador, «que não é comum em Misericórdias», adverte o provedor. Trata-se de um Centro de Convívio, que «tem a preocupação de envolver a comunidade» e acolhe «pessoas com autonomia, que não querendo estar ali todos os dias, sintam que podem desenvolver actividades interessantes», sobretudo em termos culturais. É neste edifico que «estão centralizados os serviços essenciais, como a lavandaria e a cozinha, «que servem todas as valências da instituição». Também é no edifício-sede que funciona o Serviço de Fisioterapia, no quadro de um protocolo com a Adminis-
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tração Regional de Saúde, que data de 1996, destinado aos utentes da instituição, mas também aberto à comunidade. Depois das necessárias obras de remodelação e adaptação, o edifício do antigo Hospital foi transformado em residência, com capacidade para 30 utentes. «Somos um concelho envelhecido», sublinha o provedor, que faz notar o facto de a Misericórdia ter sentido necessidade de dar respostas, designadamente à zona serrana. Hoje, felizmente, tendo em conta as 11 instituições particulares de solidariedade social que existem, essa necessidade não se coloca e as respostas estão asseguradas. Em 2011, no âmbito do Programa Pares, já com Manuel Martins como vice-provedor, surge a possibilidade de construir um terceiro edifício, nas Saibreiras, com a particularidade de ter uma vertente intergeracional. Significa, explica o provedor, que além da residência para idosos, com capacidade para 60 utentes, foi instalada uma creche. Esta abertura para o mundo das crianças já tinha, anteriormente, criado outra valência, com a instalação do préescolar, na antiga Casa da Criança, fundada por Bissaya Barreto. Manuel Martins destaca o projecto de acompanhamento que se procura fazer, com a mesma educadora a seguir as crianças desde a creche ao pré-escolar. As duas unidades representam um universo que ultrapassa as 70 crianças, sempre com lotação esgotada. AMisericórdia é também a entidade coordenadora e executora do programa 4G do CLDS (Contrato Local de Desenvolvimento Social), que conta com o apoio de fundos comunitários. O “Toca a mexer”, que arrancou em Janeiro de 2019, tem duração de três anos e destina-se à população sénior. O objectivo é, através de um conjunto diversificado de acções e com o apoio de uma equipa multidisciplinar, promover o envelhecimento activo e combater o isolamento social. Um programa que o provedor considera especialmente relevante, tendo em conta que Soure «é um território com uma população muito envelhecida». Nos três espaços físicos que ocupa, a Santa Casa da Misericórdia tem actualmente 146 utentes em lar residencial, 35 em centro de dia (agora em casa, com apoio domiciliário) e 50 em regime de apoio domiciliário. Entre técnicos e pessoal auxiliar tem um universo de 130 colaboradores.
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Misericórdia 90 anos com Soure
Recuperar a história do Hospital de Soure
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Respostas culturais
Edifício-sede da Misericórdia
Edifício do antigo Hospital foi adaptado para as funções de lar residencial
Nos pergaminhos da Santa Casa da Misericórdia de Soure está a gestão do hospital. As primeiras referência datam de 1650, junto ao castelo, sucedendo-lhe outro, mais simples, localizado no arruamento da Igreja da Misericórdia, que terá sido mandado construir pelo provedor D. Pedro de Menezes, provavelmente em 1681. O edifício actual, no Senhor das Almas, foi inaugurado a 4 de Julho de 1937, com Jacinto de Oliveira Zúquete como provedor. «Uma obra sonhada e continuamente perseguida durante os seus mais de 50 anos de mandato por um dos mais ilustres provedores da Misericórdia de Soure, o dr. João Maria Matoso», refere uma nota histórica da instituição. «O hospital teve um papel decisivo em crises de saúde pública que atingiram o concelho de Soure, nomeadamente nos anos de 1856, com o surto de uma epidemia de cólera, e de 1942, com o de uma epidemia de meningite cerebrospinal», pode ler-se no documento. A dimensão e a assistência prestados pelo Hospital levou à criação, no século XVII, de uma “botica”, uma espécie de farmácia hospitalar dos tempos modernos, que seria, posteriormente, em 1853, também aberta à comunidade. Todavia, o acumular de dívidas, tornou inviável o seu funcionamento, acabando por encerrar 13 anos depois. Manuel Martins, actual provedor, refere o «impulso» que o hospital sofreu sob a égide de Bissaya Barreto. «Fez com que o
hospital fosse ampliado, dotado com bloco operatório e maternidade». Destaca, ainda, a colaboração de Bissaya Barreto e de outros médicos de Coimbra. «Naquele tempo, funcionava como um verdadeiro hospital de retaguarda», sublinha. No pós-25 de Abril, em Dezembro de 1976, com novas orientações políticas relativamente à saúde, uma comissão de gestão assumiu o Hospital da Misericórdia, no quadro da nacionalização dos serviços hospitalares, que passou a ficar sob a dependência técnica e operacional do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Ali funcionou o Centro de Saúde até Julho de 1992, altura em que o edifício foi devolvido à Misericórdia. «Muito degradado», faz notar o provedor. «A política da época não era de dar vida a estes hospitais de rectaguarda», faz notar. O edifício acabaria por ser recuperado e adaptado para lar residencial para seniores. A notória importância do Hospital levou a instituição a pedir a colaboração de uma historiadora, no sentido de ser feita uma investigação. «Percebemos que além dos transeuntes, muitos seriam peregrinos de Santiago, os registos indicam pessoas da Tocha, de zonas bem longínquas e de concelhos vizinhos, o que atesta a importância que o hospital teria». De acordo com o provedor, há muitos documentos e a Santa Casa está empenhada em proceder ao seu tratamento e a recuperar a História do Hospital da Misericordiosa de Soure.
O Centro de Convívio, uma estrutura diferenciada da Santa Casa, transformou-se num alfobre de iniciativas culturais, respostas que deram um contributo significativo para o bem-estar dos utentes. O provedor destaca o Grupo de Cantares, criado em 1988, que começou com uma dezena de elementos e tem vindo a crescer, integrando utentes das diferentes valência de lar, que asseguram, igualmente, o suporte musical. O embrião do Rancho Folclórico surge em 1995, explica o provedor, numa iniciativa das funcionárias da instituição, que prepararam um grupo para uma festa organizada pela Misericórdia que decorreu no Parque da Várzea. «Era uma réplica dos ranchos dos anos 30 e 40», com uma presença muito «à imagem das tricanas de Coimbra». «Um grupo interessante, do ponto de vista cultural, mas não tinha preocupações etnográficas», explica. Um grupo infantil, que cresceu com as crianças e passou a ter «preocupações com o enquadramento etnográfico» e carácter juvenil. A partir de 2002/3, assume-se como um grupo intergeracional, que reúne seniores, crianças e funcionários, dedicado ao folclore da região. Toda esta dinâmica ligada à música e à dança levou à criação de uma escola de música, com formação na área de cordas e acordeão. «Mas nem toda a gente gostava de folclore e danças tradicionais», faz notar Manuel Martins, o que ditou uma diversificação, com a abertura a novas possibilidades, designadamente ao nível do hiphop. «Começamos a ter aulas diárias, sobretudo à tarde, com o salão multiusos ocupado por cerca de uma centena de crianças, jovens e adolescentes, numa dinâmica cultural fantástica», que a pandemia veio interromper.
90 anos com Soure Misericórdia
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Igreja da Misericórdia A Igreja da Misericórdia, um templo datado do século XVI, com alguma intervenção no século XVII, um monumento considerado de Interesse Público. O templo estava bastante degradado com infiltrações, revela o provedor, destacando o empenho do seu antecessor, Reinaldo Ramos, na reconstrução da Igreja, há 20 anos. Primeiro com uma intervenção ao nível do telhado e, depois, com o apoio de mecenas, na preservação do interior. Nesta Igreja, refere, encontra-se um Cristo que terá vindo de uma anterior Igreja da Misericórdia, que se presume tenha existido junto à muralha do castelo. Ao lado da Igreja da Misericórdia, numa propriedade particular, em cujo frontespício está gravada uma inscrição que atesta ter sido ali o “Primeiro HospitalAsilo da Misericórdia. Num espaço disponível, anexo à Igreja,a Santa Casa avançou, em 2001, com, a construção de uma casa mortuária, pro-
Igreja sofreu obras de recuperação
curando dar resposta a uma lacuna que existia na freguesia. O bispo de Coimbra, D. Albino Cleto, procedeu à sua inauguração em Setembro de 2001.
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Comemorar os 500 anos Não há uma data precisa da fundação da Santa Casa da Misericórdia e Soure. Todavia, há referências que apontam o ano de 1520. «Queríamos comemorar os 500 anos com alguma “pompa e circunstância”», refere o provedor, para « honrar estes cinco séculos». Uma cerebração que deveria ter acontecido no ano passado e que a pandemia impediu. «Os 500 anos não se esgotam no dia 31 de Dezembro de 2020», refere Manuel Martins, optimista. «Teremos oportunidade de o fazer». E um dos momentos mais significativo dessa comemoração prende-se, precisamente, com o acervo histórico da instituição, que vai ser o elemento central de um Centro de Memória, a instalar na antiga Casa dos Magistrados, agora recuperada.
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Bombeiros 90 anos com Soure
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SEMPRE PRONTOS PARA SERVIR 1990 A década de 90 foi pródiga para os Bombeiros de Soure, que inauguram um novo quartel e abriram a 4.ª Secção, na Granja do Ulmeiro
Bombeiros procuram reforçar a fileira de voluntários
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om 130 anos de vida, aAssociação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Soure tem rejuvenescido e apostado em projectos inovadores. Se a década de 90 do século passado ficou marcada pela inauguração de um novo quartel (anexo ao já existente), e pela abertura de uma secção, na Granja do Ulmeiro, o novo milénio trouxe um conjunto de novos projectos, com uma grande aposta dirigida à juventude. A Escolinha de Bombeiros é disso exemplo. Trata-se de uma valência que os Bombeiros de Soure criaram em 2017. Uma «novidade» muito bem recebida. «Temos cerca de 40 crianças, o que é muito bom», afirma o comandante. Por opção do comando e dos responsáveis pelos infantes e cadetes, a actividade está suspensa, devido à pandemia, mas a estrutura mantém-se. «Temos mais de quatro dezenas de crianças e jovens, entre os 6 e os 16 anos», afirma, satisfeito, João Paulo Contente, destacando a grande adesão ao projecto. O objectivo, reconhece, é cativar estas crianças e jovens para, no futuro, serem bombeiros. Mas, mesmo que «não fiquem» em “casa”, o comandante enaltece
a cultura que apreendem, designadamente em «matéria de disciplina, valores de cidadania e formação em socorrismo». O espírito empreendedor que caracteriza os Bombeiros de Soure está igualmente espelhado na Fanfarra, criada a 17 de Junho de 2007, que reúne cerca de quatro dezenas de executantes. «Pertencem todos ao corpo de bombeiros, o que é caso único», afirma, orgulhoso. Os maiores de 18 anos, integram o corpo activo, os mais pequenos são os infantes ou cadetes da Escolinha de Bombeiros. Com 108 operacionais (dos quais 35 profissionais), que todos os dias “dão a cara”, garantindo o socorro de pessoas e bens, a corporação procura “reforços” e cativar “sangue novo”. Por isso, no final do ano passado foi lançada uma campanha de recrutamento de voluntários. «Conseguimos 15 inscrições», conta, satisfeito, o comandante, duas semanas antes de fecharem as inscrições. Homens e mulheres que vão, durante um ano, receber a formação necessária, no sentido darem início ao processo para aceder à categoria de bombeiro. «Normalmente só abrimos a escola de dois em dois anos», explica João Paulo Contente, recor-
dando que, apesar do Covid, a associação fez algumas «acções e sensibilização» nas duas escolas secundárias do concelho, procurando captar os jovens, tendo contado, também, com o apoio das Juntas de Freguesia. Relativamente a necessidades, o comandante aponta a «urgência de renovar a frota de saúde, na área do transporte de doentes». Temos de substituir três/quatro viaturas que «já não oferecem grandes condições». Relativamente às ambulâncias de socorro, «temos um parque estável, com duas/três ambulâncias com dois ou três anos e algumas com 15/20 anos, mas que estão operacionais, em boas condições». Apesar de Soure ser considerado um concelho de risco elevado, tendo em conta que é atravessado pela Linha do Norte e Linha do Oeste e pela A1, A17 e IC2, além de outras estradas nacionais, o que significa que «temos que estar bem apetrechados», o comandante considera que, quer ao nível de desencarceramento, quer de combate a incêndios, neste momento a corporação tem «os veículos necessários». Uma opinião corroborada pelo presidente da direcção, que reconhece a necessidade de substituir a frota de transporte de doentes. José Manuel Bernardes põe, todavia, o “dedo na ferida”. «Estamos a passar dificuldades financeiras», diz, apontando a «quebra de facturação brutal, decorrente da pandemia» que se cifra numa «redução de 42%». «Temos funcionários, despesas fixas», sublinha. O presidente elogia, de resto, o empenho e entrega do corpo activo, neste quadro de pandemia. «Andamos sempre com o “credo na boca”. Os bombeiros estão na linha da frente. Os doentes, antes de chegarem aos médicos e aos enfermeiros, estão “nas mãos” dos bombeiros», faz notar, lamentando que «ninguém veja isso». Lamento semelhante ouve-se da boca do comandantes: «As entidades da Saúde não nos reconhecem como parceiros fundamentais», afirma, sublinhando a necessidade de manter “em alta”a «motivação» destes homens e destas mulheres, que têm como lema “Vida por Vida”.
90 anos com Soure Bombeiros
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Socorro garantido às freguesias do Norte 1995 Foi em 1995 que os Bombeiros de Soure inauguraram a 4.ª Secção da Granja do Ulmeiro. Um processo que começou a ser pensado sete anos antes, tendo com conta que as freguesias do Norte do concelho, Granja do Ulmeiro, Figueiró dos Campo e Alfarelos representavam um território particularmente atingido pelos incêndios. Um facto ao qual acresce a distância relativamente à sede do concelho e também o facto de serem zonas particularmente populosas. A direcção, em articulação com os responsáveis das três freguesias começou a concertar esforços, no sentido de «criar um espaço, onde estivesse um efectivo que correspondesse com mais celeridade», recorda o comandante. Discutiu-se a melhor localização e a opção recaiu sobre a Granja do Ulmeiro. Com o apoio da Câmara Municipal e das Juntas de Freguesia, conseguiu-se o terreno e erguer o quartel. «As pessoas já existiam, já tínhamos voluntários daquela zona», refere João Paulo Contente, embora se tenha feito «alguma pressão» para arranjar mais voluntários. Inicialmente equipada com um veículo de incêndios e uma ambulância, a 4.ª Secção da Granja do Ulmeiro começou a funcionar. Meios que foram sendo reforçados e que actualmente contemplam duas ambulâncias de socorro, outras duas de transporte de doentes e três viaturas de combate a incêndios. Quanto aos operacionais, são 35, dos quais seis são profissionais. Em 2019, a Secção da Granja do Ulmeiro inaugurou um parque de viaturas, mas
Fanfarra só inclui bombeiros
o quartel «precisa urgentemente de remodelação», considera o comandante. O telhado, recorda, foi afectado pela tempestade Leslie e há toda uma intervenção que é necessário fazer, por dentro e por fora, no sentido de «dar melhores condições às pessoas». Operacionais que, «apesar de todas as limitações, continuam a cumprir, o que é um motivo de orgulho», destaca o comandante. José Manuel Bernardes garante que as obras, na cobertura e no interior, «vão avançar este ano», tendo em conta o apoio garantido pelo Governo para a reparação do telhado. O investimento , «ronda os 50 mil euros». A breve trecho, promete, «vai ser lançado o concurso público».
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“Centenário” celebrado com livro Durante largos anos, os Bombeiros Voluntários de Soure estiveram convencidos que a sua “certidão de nascimento” datava de 14 de Abril de 1934. Todavia, em 2003 assiste-se a uma verdadeira revolução no calendário. Isto porque a Associação Humanitária tem conhecimento da existência, na Biblioteca Municipal de Soure, de uma obra, “Soure, a terra abençoada da Pátria”, da autoria de Augusto dos Santos Conceição (1942), onde se refere que, em 1890, havia sido fundada a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Sourenses. Para tirar a “prova dos nove”, foi solicitada ao Governo Civil de Coimbra uma cópia autenticada dos estatutos e do alvará e descobriu-se que, afinal, o nome da instituição era mesmo Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Soure, fundada a 19 de Novembro de 1890. Uma situação curiosa, que obrigou a rever os estatutos e, sobretudo, deu uma maior longevidade aos Bombeiros de Soure, que figuram entre as corporações mais antigas do distrito. De resto, no âmbito do programa das comemorações do centenário – em rigor já eram 117 anos – A Associação Humanitária lançou, em Novembro de 2007, o livro”Das origens… à actualidade”. Uma obra da autoria de João Paulo Freitas, licenciado em História pela Universidade de Coimbra, e também bombeiro de Soure. Uma aturada investigação que conta a história da corporação e revela alguns curiosidades, designadamente o facto de Justino da Silva Gameiro ter sido o primeiro “chefe de grupo” e António Alves o primeiro comandante.
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Santos Mota 90 anos com Soure
António Santos Mota
Santos Mota e Mário Jorge Nunes
ANTÓNIO SANTOS MOTA: UM APAIXONADO POR SOURE 1924 Devoto do associativismo e homem de uma rara craveira intelectual, imprimiu a sua marca
S
empre foi um apaixonado por Soure». De forma simples, mas incisiva, Santos Mota descreve o pai. António dos Santos Mota é um sourense dos “quatro costados”. Nascido em 1924, «sempre teve uma actividade social muito activa». O desporto, a música, os bombeiros e os jornais foram algumas das suas paixões. Mas também sempre foi um indefectível apreciador e conhecedor da boa gastronomia e de bons vinhos. «É o sócio número um do Grupo Desportivo Sourense», refere o filho, recordando que foi um dos fundadores do clube de referência da sede do concelho, criado em 1947. Mas também um exímio jogador. «Dizem que era um jogador muito habilidoso». Avançado, «muito rápido, driblava muito bem» e fez história. «Foi o primeiro jogador a marcar um golo ao melhor guarda-redes da altura, o Vaz, do Sporting», conta, apontando um acontecimento que terá ocorrido no finais dos anos 40 do século passado. Ainda muito jovem, António Santos Mota integrou a Banda de Soure. «Tocava flautim», recorda o filho. Em adulto, foi dirigente da emblemática banda. «Sempre foi uma pessoa com um enorme gosto pela vida e pelo conhecimento», adianta. «Gostava
muito de ler e de escrever. Em miúdo já fazia “boletins”». Era o “bichinho” do jornalismo a crescer. Com 15 anos, juntamente com dois companheiros, empenhou-se no lançamento do “Saurium”, um jornal dactilografado, do qual apenas saíram quatro números. Foi nos tribunais, todavia, que começou a sua vida profissional e fez carreira, como funcionário judicial. Mas o “bichinho” dos jornais continua lá. No início da década de 60 torna-se correspondente de O Primeiro de Janeiro. Pouco depois, envolveu-se no projecto do Gazeta do Centro. «Chegou a fazer o jornal praticamente sozinho e foi director durante muitos anos». Mesmo já radicado em Lisboa manteve essa ligação, mas a «conciliação era difícil». A ida para Lisboa acontece em 1964. «Foi uma questão de progressão na carreira», contaAntónio José Santos Mota. O Tribunal da Boa Hora foi o seu rumo. «A delegação de O Primeiro de Janeiro era perto, na Rua do Carmo», adianta. Facto que lhe permitiu, na capital, dar continuidade a esta paixão. Ao final da tarde, quando deixava o tribunal, embrenhava-se nas “coisas” do jornal. António Santos Mota empenhou-se a sério nas lides jornalísticas, chegando a assumir
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funções como presidente do conselho fiscal da Casa da Imprensa e vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas.. «Durante 30 anos colaborou com O Primeiro de Janeiro», atesta o filho. No final dos anos 80, já com alguns sinais de crise, deixa o diário do Norte, onde nos últimos anos tinha publicado trabalhos relacionados com vinhos, uma das temáticas que mais apreciava. Uma experiência enriquecedora que renova e expande quando abraça, já depois de reformado, mas ainda por terras lisboetas, um novo projecto editorial. Tratava-se da Revista de Vinhos, para a qual entra em 1991. Pouco depois, estende a sua colaboração à revista O Escanção, lançada em 1994, da qual chegou a ser director. «Percorreu grande parte dos países europeus em concurso e provas de vinhos. Um dia disse-me: António José se soubesse o que sofri, já tinha a língua áspera… provei à volta de 200 vinhos», desabafou. Ainda na década de 90, quanto Jorge Sampaio era presidente da Câmara de Lisboa, terá convidado António Santos Mota para colaborar consigo, mas não era esse o seu projecto de vida. Pouco antes, em 1987, fundou, em Lisboa, a Associação de Defesa do Património Cultural e Natural de Soure, à qual também presidiu. Já no final do século, ajuda a lançar O Popular de Soure, o jornal da sua terra. Em 2012 regressa a Soure. Manteve vivo o exercício da escrita, mas agora com outra densidade, na forma de livro. Os vinhos continuaram a ser um mote inspirador para a publicação de “Confrarias Báquicas Portuguesas – Breve história do seu movimento associativo” e ainda “O admirável mundo do vinho – Testemunhos de um jornalista enófilo”. « Era um grande conhecedor da gastronomia e de vinhos», refere o filho, lembrando a «grande homenagem que lhe foi feita, há dois anos. Ele era muito conhecido e respeitado», confessa, impressionado Santos Mota. O terceiro livro já publicado, tem a chancela do município de Soure. “Gente de Soure - Memórias evocativas de cidadãos falecidos”, apresenta «oitenta e um indivíduos falecidos, e cujo rasto de acções que os distinguiram merecem ficar na memória dos habitantes da nossa terra e dos documentos escritos que a valorizam, apesar da modéstia informativa deste singular escrito», escreve o autor. António Santos Mota confessa, que durante meio século em Lisboa (1964
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Santos Mota 90 anos com Soure
a 2013) «tornou-se normal pelos anos adiante escrever e dar a estampa textos sobre o torrão natal e as suas gentes e volvidas tantas décadas entendi reuni-las numa enfiada de evocações, com a pertinência de serem conhecidas e reconhecidas». O objectivo, sublinha, é ajudar «a que se não esqueçam as acções (por mais simples que pareçam) em que participaram» estes ilustres sourenses e que tiveram «reflexos no bem comum». «Sempre foi um apaixonando pela cultura, pela escrita. Lia muito. Era um homem com um grande conhecimento, uma grande cultura e abertura ao mundo», refere o filho. Sinal disso, foi a forma exemplar como se adaptou a trabalhar com computadores, «com uma facilidade incrível». «Sempre teve uma vida apaixonada», adianta. Uma queda recente veio agravar o peso dos seus 95 anos. «Mas está a recuperar e continua muito lúcido», garante o filho. Pai e filho esperam melhores dias para, juntos, «darmos cabo de um cabrito e de um Barca Velha».
Amigos e compadres José Gomes Figueiredo, compadre e amigo de longa data, destaca a paixão de Santos Mota por Soure. «Sempre foi um amante de Soure» e, mesmo longe, manteve essa ligação ao torrão natal. «Um homem intelectualmente superior», adianta. José Gomes Figueiredo eAntónio Santos Mota foram vizinhos. «Vivemos no mesmo prédio. Ele no rés-do-chão, eu no primeiro andar. Dávamos-nos muito bem». E tanto assim foi que José Gomes Figueiredo e a esposa fizeram questão de convidar o filho mais velho de Santos Mota para padrinho do seu único filho. A partir de então, “compadre” foi o tratamento assumido entre os dois casais. Curioso foi também o facto de quando Santos Mota foi para Lisboa, a família de Gomes Figueiredo mudou-se para o apartamento do rés-do-chão. Sete anos mais novo que Santos Mota, o compadre recorda o seu envolvimento nos projectos teatrais e, mais tarde, a sua resposta pronta sempre que em causa estava «o desenvolvimento de Soure».
Fundador do Sourense, Santos Mota foi um craque da bola. Equipa de 1947/48
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Três filhos, três destinos
Com a esposa e os três filhos
António dos Santos Mota e Maria de Lurdes Martinho dos Santos Mota tiveram três filhos. O mais velho, Jorge Mota, seguiu a rota pelos tribunais empreendida pelo pai, mas como procurador, já reformado.António José, foi o “fugitivo” da família ao conseguir, com 15/16 anos, convencer os pais a regressar a Soure. O objectivo era um ano, mas acabou por ficar. Licenciado em Finanças, Santos Mota foi vereador da Câmara Municipal, é presidente da Junta de Freguesia de Soure e preside, há 20 anos, à APPACDM além de estar ligado a outras associações concelhias. «Herdei do meu pai a paixão pelo associativismo», confessa. Mas também a faceta musical que o levou, ainda adolescente, a fundar o grupo Anátema, que fez furor na época O mais novo é o artista da família. «Temos 13 anos de diferença», diz Santos Mota referindo-se a Nuno Rafael, Rafa, como é conhecido no mundo artístico, que o acompanhava e ao grupo Anátema nos concertos e bailaricos. Rafa começou a sua carreira ligado aos Peste & Sida, depois Peste & Siga. É o director musical de Sérgio Godinho, trabalha com os Clã, António Zambujo, Quinta do Bill, e participou, com Bruno Nogueira e Manuela Azevedo, no projecto “Deixem o pimba em paz”.
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90 anos com Soure Instituto Pedro Hispano
UMA APOSTA NA EDUCAÇÃO NA GRANJA DO ULMEIRO
Instituto começou a funcionar no ano lectivo de 1987/88 com sete turmas
1987 Projecto educativo instala-se em tempo recorde e concretiza um desejo acalentado há muito pela freguesia
A
s viagens entre Soure e Alcobaça inspiraram três professores. Manuel Ferreira, António Lourenço eAntónio Simões foram os “mosqueteiros”da ideia. A caminho de Alcobaça, onde davam aulas de História, Português e Biologia, num estabelecimento privado, os três docentes pensaram numa solução mais próxima, que lhes permitisse juntar o ensino oficial e privado, mas mais perto de casa. António Simões, director do Instituto Pedro Hispano, recorda, assim, como surgiu o projecto desta cooperativa de ensino.
«Sendo eu de Soure, sabia de uma velha pretensão da Granja do Ulmeiro em ter um estabelecimento de ensino», continua. Começaram as diligências, que passaram por confirmar, junto do Ministério da Educação, esse desejo. Mas também perceber que a ideia não fazia parte das prioridades da tutela. Estava dado o primeiro passo no sentido de instalar a escola na Granja do Ulmeiro, com um contrato de associação com o Estado. «Elaborámos o projecto e, quando o apresentámos ao Ministério da Educação, disseram-nos que, com aquele projecto, só dali a dois anos conseguíamos abrir, pois não tinham tempo para o apreciar.Acabaram por nos dar o projecto de uma escola pública», recorda António Simões, lembrando que o projecto foi apresentado em Março
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e a escola arrancou em Setembro. Professor de Biologia, António Simões lembra o contacto com o presidente da Câmara Municipal de Soure, Firmino Ramalho, que primeiro mostrou «algum receio», mas depois acabou por se juntar aos “três mosqueteiros”, numa visita pela zona que seria a área de influência da escola, no sentido de assegurar a adesão da comunidade e a abertura do estabelecimento de ensino. O director recorda, como se tivesse acontecido ontem, a deslocação à Granja do Ulmeiro, no dia 1 de Maio, com o empreiteiro, para «fazer as marcações». Nos terrenos comprados à Câmara começaram as terraplanagens e, num tempo recorde, ergueu-se a escola, com dois pavilhões (actualmente são quatro). No dia «16 ou 17 de Setembro começaram as aulas, com 210 alunos», refere. «A adesão foi muito boa», reconhece, fazendo notar a grande centralidade da Granja do Ulmeiro, que é praticamente uma passagem obrigatória para quem se desloca para Coimbra ou para a Figueira da Foz, e que tem, também, como referência, a estação de comboio. Alfarelos, Figueiró dos Campo, Granja do Ulmeiro, parte da freguesia de Vila Nova de Anços, no concelho de Soure e, no concelho de Montemor, Santo Varão e Pereira integraram a zona de influência da escola. Um figurino que se alterou, depois, com as freguesias de Montemor a deixarem de enviar alunos para a Granja do Ulmeiro. No primeiro ano de funcionamento, no ano lectivo de 1987/88, o Instituto Pedro Hispano arrancou com um total de sete turmas, do 5.º ao 8.º ano (duas em cada ano, com excepção do 8.º, que tinha apenas uma). Cinco anos depois, ou seja, quando os alunos que entraram para o 5.º ano chegaram ao 10.º a escola teve luz verde para avançar com o 10.º ano. «Foram os
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Instituto Pedro Hispano 90 anos com Soure
primeiros alunos a concluírem aqui o secundário», adianta. António Simões reconhece que a escola «teve sempre algumas dificuldades», sendo «vista de viés pelas estruturas sindicais e políticas». Talvez pelo facto de ser uma estrutura privada, suportada por uma cooperativa. Mas também refere alguns desafios, por vezes enormes, lançados pelo Ministério da Educação, que «nos pediu para abrirmos mais turmas», o que motivou uma logística complexa. «Chegámos a dar aulas aos sábados», exemplifica. Tempos áureos, com o Instituto Pedro Hispano a atingir os 680 alunos, entre o ensino dito normal, ensino recorrente e cursos profissionais, designadamente na área da Hotelaria e Informática.Actualmente são menos de metade. «320», precisaAntónio Simões. E 25 professores (já foram 80). «Temos algumas possibilidades de crescimento, mas não temos autorização para mais turmas», lamenta. Uma das possibilidade de crescimento prende-se com a centralidade da freguesia. «Há pais que vêm aqui apanhar o comboio e preferiam ter os seus filhos a estudar na Granja do Ulmeiro». Todavia, a tutela não permite. A crescente perda de alunos, em geral, representa um problema. «Soure terá uma perda de 2.500 alunos em 10 anos», refere o director, o que significa, necessariamente, «menos turmas na zona de influência da escola». António Simões entende que a tutela deveria ter aproveitado este decréscimo global de estudantes para «reduzir o número de alunos por turma», sobretudo tendo em conta o projecto de uma escola mais inclusiva, que requer uma maior e mais concentrada atenção. Mas não foi esse o caminho seguido. «Hoje trabalhamos com uma população heterogénea, com várias nacionalidades e etnias», refere. São duas as turmas entre o 5.º e o 9.º ano e uma do 10.º ao 12.º ano.
Momentos difíceis que fizeram a escola tremer O momento mais penoso na vida da escola viveu-se em 2016. «A escola recebeu a sentença de encerramento com o corte de financiamento do Ministério da Educação». Um «erro» da tutela que, a juntar aos muitos cortes nos contratos de associação efectuados na altura, contou, ainda, com uma interpretação demasiado aligeirada de um gabinete de Lisboa, que localizou a
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entre alunos e professores. Todavia, a pandemia obrigou a cancelar a viagem a Madrid e a Barcelona. O projecto continua, mas sem deslocações. O desporto escolar também continua. «Damos preferência do desportos sem contacto», como o badmington ou o atletismo. O mesmo acontecendo com os concursos de leitura, em parceria com os serviços da Biblioteca Municipal. Em fase de retoma estava um projecto que o Instituto Pedro Hispano tem com o Colégio de Jean Rostand, na zona de Poitiers, França. Um projecto de intercâmbio, que leva os alunos da Granja do Ulmeiro a partilharem a vida académica e a conhecerem o país, recebendo, depois, os colegas franceses em iguais circunstâncias. Mas que a pandemia obrigou a adiar. Exposição de trabalhos dos alunos
Granja do Ulmeiro no concelho de Montemor, um território com superavit em matéria de estabelecimentos de ensino, e que ditou o corte total do financiamento. «Quase fizemos “kamikaze”», confessa o director, uma vez que a decisão foi «continuarmos abertos», suportando o funcionamento normal sem qualquer apoio. Mais, garantindo o apoio na alimentação e em material escolar aos alunos que precisavam e a quem o Ministério Educação «virou costas». No ano seguinte, «quando nos preparávamos para encerrar», a tutela fez “mea culpa”, reconheceu o erro e voltou a validar o contrato de associação. Todavia, não apagou a má memória, nem pagou o valor em “dívida”. Nada mais nada menos que «um milhão e 400 mil euros». Um processo que ainda corre em tribunal. António Simões assume que esse ano abanou a escola, com a situação financeira a sofrer um notório revés, os professores a «não poderem receber o ordenado por inteiro» e a insolvência a perfilar-se. Uma situação ultrapassada, com um plano de recuperação, «aprovado pelos credores», mas que tem vindo a condicionar todos os projectos da escola. «O nosso principal projecto é mantermo-nos vivos», conclui.
Valências de aprendizagem Aumentar as «valências de aprendizagem» tem sido uma preocupação da escola, que está envolvida num projecto internacional de aprendizagem e troca de experiência
Memórias e afectos Satisfeito, António Simões refere o facto de os prémios para os melhores alunos, atribuídos anualmente pelo município, contemplarem sempre a escola. Um sinal de um «trabalho bem feito». E destaca, ainda, o facto de, todos os anos, os antigos alunos, já caloiros regressarem a “casa”. «Conseguem sempre reunir-se». Vêm de Coimbra, Covilhã, Lisboa, etc. E, juntos, vão visitar a escola onde crescerem. «É um sinal que a escola lhes deixou alguma coisa», afirma, emocionado, o director. No ano passado, a visita não foi possível, devido à pandemia. «Sentimos a falta», confessa, lembrando que os antigos alunos, depois dos desafios e brincadeiras com os colegas mais novos, sobretudo do 12.º ano, são sempre presenteados com um lanchinho de chá e biscoitos, que no ano passado a cozinheira não pôde preparar. Comovedor é, igualmente, o facto de alguns dos antigos alunos regressarem à escola, agora «com os filhos pela mão, para entrarem para o 5.º ano. «É reconfortante», assume o director.
Escola imprimiu a sua marca aos alunos que ali cumpriram o seu percurso e são muitos os que hoje regressam... com os filhos pela mão para entrarem no 5.º ano
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Pauliteiros 90 anos com Soure
Grupo envolve 12 dançarinos em palco, que se revezam, devido à grande exigência
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Presença nas Olimpíadas de Marbella
DESTREZA E ELEGÂNCIA DOS PAULITEIROS 1935 Regressado do Brasil, emigrante quis introduzir na sua terra uma dança especial, com retoques de capoeira
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estreza, elegância e ritmo são as condições fundamentais. Mas a força também dá jeito. Sobretudo, é preciso mexer bem os pés e as mãos. Ao mesmo tempo e de forma sincopada. E também ter a capacidade e a força para empunhar um pau com 50 cm de comprimento, três de diâmetro e meio quilo de peso – e a pontaria certeira para evitar agredir o parceiro. Qualidades somadas que, em palco, ao som da música, o Grupo de Pauliteiros de Vila Nova de Anços apresenta. Um grupo original, único na região, que arrebata o público. Pela elegância da dança e pela destreza dos dançarinos. Mas também pela simplicidade distinta do fato que envergam. Uma homenagem à terra, ao trabalho rural, desenvolvido particularmente nas eiras, a malhar os cereais. Calça preta de zuarte, camisa branca e colete preto. A meia é branca, «uma particularidade do tempo da fidalguia». Os sapatos são pretos, de sola, mas convém que tenham um revestimento de borracha, para evitar uma escorregadela infeliz e um trambolhão certeiro. À cintura, uma faixa de lã, vermelha. O mesmo vermelho do lenço tabaqueiro usado ao pescoço. Um conjunto harmónio que fica completo com a decoração dos paus. Dois para cada dançarino. Destaque merece o azul e o amarelo, «as cores da freguesia»,
explica José Galvão, antigo dançarino, que preside ao grupo e integra a tocata. O vermelho e o verde evocam as cores da Bandeira Nacional e o branco «é o símbolo da paz». Referência, ainda, para uma lista vermelha, que simboliza «a força do nosso sangue e do nosso suor». Ao palco sobem 12 dançarinos. Todos homens. Não se trata de qualquer discriminação, alerta José Galvão. Antes e sim de uma tradição que começou em 1935 em Vila Nova de Anços. A cargo dos homens, pois eram eles que, mais possantes, trabalhavam na eira, a malhar os cereais. A grande exigência física talvez tenha impedido que as senhores entrassem na dança. Aliás, José Galvão faz questão de explicar que os 12 dançarinos vão sendo substituídos, «pois é impossível aguentar uma hora com aquele ritmo». «Isto não quer dizer que as senhoras não sejam capazes», apressa-se a esclarecer. Aliás, a demonstrar o contrário está o facto de, nas suas actuações, os Pauliteiros de Vila Nova de Anços fazerem questão de convidar senhores e meninas da assistência a participarem na dança. «Dançam tal qual como nós», assegura.
Inspiração brasileira adaptada e assumida A originalidade das danças levou o Grupo de Pauliteiros de Vila Nova e Anços a fazer
uma incursão pela história para tentar perceber as suas origens. Um trabalho efectuado há uns anos, de «recolha de testemunhos, junto de algumas pessoas» que assistiram aos primórdios do grupo. Na origem estará um ex-emigrante que, de regresso a Vila Nova de Anços, depois de alguns anos no Brasil, trouxe consigo a sonoridade de uma dança com paus. «Seria uma espécie de capoeira», explica José Galvão, que «tentou implementar em Vila Nova de Anços». Não conseguiu fazê-lo com o figurino que pretendia, refere o presidente da direcção. Todavia, a ideia “pegou”, com a hipotética capoeira a ser «moldada à moda de cá» e a resultar «numa dança diferente». A 15 de Agosto de 1935 assistia-se à fundação do Grupo de Pauliteiros de Vila Nova de Anços. «Que foi evoluindo». Ao lado desta dança, «viril, mas não agressiva», garante, sempre estiveram os músicos da Banda Filarmónica da terra. Inicialmente com o ritmo dos instrumentos de sopro (saxofone, clarinete, trompete) e contrabaixo. Hoje o naipe de instrumentos é mais alargado, com clarinete, saxofone, bombardino e tuba, mas também acordeão, viola, ferrinhos, bombo e reco-reco. Tocata que é responsável por imprimir o ritmo da dança, raramente lento, muitas vezes quase frenético. Com os paus, um em cada mão, os dançarinos acompanham o
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90 anos com Soure Pauliteiros
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ritmo e imprimem uma sonoridade acrescida ao espectáculo. Batem um no outro, cruzados, ou embatem, certeiros, nos paus do parceiro. Um exercício de precisão, que não é fácil, tendo em conta que os pés não param quietos, também eles saltando e rodando ao ritmo da música.
Pequenos dançarinos ao palco O Grupo de Pauliteiros é uma das referências de Vila Nova de Anços. «Quase se pode garantir que não há uma família que não tenha pelo menos um elemento que passou pelos Pauliteiros», garante José Galvão. Uma paixão e respeito transversal a muitas gerações e que mantém viva esta arte de dança com pau. Tanto assim é que há cerca de oito anos foi criado um grupo de pequenos dançarinos. «Havia muitas crianças que gostavam de praticar». Um registo positivo, mas olhado com alguma preocupação, «não fosse alguém aleijar-se!». Por isso, explica, a «melhor forma para “controlar” a curiosidade dos miúdos» foi avançar «com uma escola», onde os mais novos aprendem esta peculiar forma de dança. Com os pés, com os braços e as mãos e «com a cabeça a ter de acompanhar o corpo todo». «Muito raramente alguém se aleija, mas pode acontecer», adverte. O Grupo Infantil envolve actualmente um universo de 18 crianças, entre os 7 e os 12/13 anos. A idade mínima prende-se, sobretudo, «com a autonomia», uma vez que o grupo faz muitas viagens pelo país e estrangeiro. A partir dos 12/13 os mais novos já começam a “saltar” para o grupo de adultos e chegam mesmo a partilhar estes dois “mundos”. O Grupo Infantil, além de dar resposta à curiosidade das crianças e descansar os mais velhos, também assegura o futuro
Grupo de Pauliteiros na década e 60 do século passado
desta forma de dançar que define os Pauliteiros de Vila Nova de Anços.
Palmarés notável Com um palmarés de actuações notável, o Grupo de Pauliteiros – que por norma tem 24 dançarinos (grupo adulto) - já participou em três Olimpíadas de Folclore em Marbelha. José Galvão esclarece que, em 2014, na primeira deslocação, o grupo representou o país. Depois, nas edições seguintes foi convidado pela organização. «Temos lá ido de dois em dois anos».
Pauliteiros têm uma escola e um grupo infantil, que garantem o futuro desta peculiar dança, que tem levado o nome de Vila Nova de Anços a todo o país e ao mundo
A internacionalização do grupo inclui, ainda, actuações em França, particularmente a região de Neuville-de-Poitou, geminada com Soure, bem como uma digressão pelo Norte de Espanha, que contemplou uma passagem por Vigo, Santiago de Compostela e Corunha. No território nacional, José Galvão destaca as muitas actuações na região algarvia, mas também uma deslocação à Madeira, ao festival do Mar, em Porto Moniz. «Não há capital de distrito onde não tenhamos actuado», diz, com satisfação. Agradecido, José Galvão faz questão de destacar «o carinho e colaboração» de toda a comunidade vilanovense, em especial de Ascenção Cordeiro, mas também da Câmara Municipal de Soure, da Junta de Freguesia de Vila Nova de Anços. «Inexcedíveis», considera, têm sido os dançarinos, os músicos e todos os elementos dos corpos sociais. «O nosso sucesso deve-se a todos eles», conclui.
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Bandas de música 90 anos com Soure
Filarmónica Vilanovense, fundada em 1878, é a mais antiga do concelho
UM HINO À MÚSICA 1878 – 1944 No espaço de 66 anos, nasceram cinco bandas filarmónicas no concelho. A mais velha começou a ouvir-se em 1878. A mais nova arrancou em 1944
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oure é, indiscutivelmente, uma terra de músicos e de música. Se dúvidas houver, basta atentar nas cinco bandas filarmónicas que existem. A mais velha é a Sociedade Filarmónica Recreativa e Beneficente Vilanovense. Fundada a 10 de Março de 1878, nunca suspendeu a sua actividade. «É uma banda centenária, que se manteve sempre no activo», faz notar a presidente da direcção, Marta Santos. A sua fundação está ligada ao teatro, uma vez que as operetas, apresentadas em Vila Nova de Anços, careciam de acompanhamento musical. “Dois garotos em Paris”, levada à cena no Natal de 1878, foi a peça de estreia. Já no século XX a banda tornou-se “parceira” do Grupo de Pauliteiros, ao qual cede os músicos que foram a respectiva tocata. Dos pergaminhos da filarmónica faz parte, a 17 de Maio de 1896, a guarda de honra ao rei D. Carlos, na estação de Alfarelos, onde tocou o “Hino da Carta”, que lhe valeu o título de Banda Real. Mas também soube saudar a República, a 5 de Outubro de 1910, tocando “AMarselhesa”. Na passagem dos 125 anos foi agraciada com a Medalha de Honra de Mérito Cultural do Concelho,
galardão aprovado por unanimidade e aclamação na Assembleia Municipal. Marta Santos é a primeira mulher à frente da direcção da centenária banda (desde Dezembro de 2018), que actualmente integra 65 músicos, com idades entre os 10 e os 60 anos e é dirigida pelo maestro Tiago Maia. A Escola de Música, criada há 25 anos, reúne 45 crianças e jovens. É nesta escola que nascem e crescem os futuros filarmónicos que, todavia, antes de ingressarem na banda, passam pela Orquestra Juvenil, onde ganham traquejo para a apresentação ao público. São habitualmente três dezenas de jovens, até aos 18 anos. Em 2011, a Filarmónica Vilanovense gravou um CD e além das actuações em todo o país, já mostrou o seu talento em Espanha e em França. Em contraponto, como banda mais nova, está o Grupo Musical Gesteirense. Fundado em Junho de 1994, data da aprovação dos estatutos, o grupo começou dois ou três anos antes, atesta o presidente da direcção, Henrique Silva. Na origem estará o desejo das gentes da Gesteira de deixarem de ter que recorrer à vizinha localidade do Cercal e à sua banda sempre que havia festa. «Foi criado um pequeno grupo» e daí nasceu a banda. O recrutamento de jovens para a
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Guerra do Ultramar e o grande surto de emigração da época, nos anos 60 do século passado, levaram a banda a ficar sem músicos e a interromper a actividade. A retoma aconteceu em 1983. Neste momento possui 46 elementos, entre os 8 e os 78 anos, “comandados” pelo maestro Ricardo Gabriel. A escola de música, criada pouco depois da reactivação, na década de 80, reúne cerca de 30 crianças e jovens. Segunda no ranking de nascimento está a Filarmónica 15 de Agosto Alfarelense. Fundada em 1896, manteve-se sempre em actividade, assumindo-se como um pólo de cultura e formação na freguesia. Em 2001, lançou o seu primeiro CD, depois de, nas comemorações do centenário, ter procedido à publicação de um livro, que conta com o contributo de vários colaboradores e recorda a história de 100 anos.Actualmente tem 46 músicos, entre os 12 e os 49 anos, com a particularidade de os elementos mais velhos serem duas mães que aprenderam música já adultas, juntamente com os filhos. Sérgio Ventura é o maestro. Há dois anos surgiu a “Big Band 15”, que reúne 22 elementos. A Escola de Música é, desde há largos anos, o grande alfobre de talentos e conta com 46 alunos de todas as idades. Em Novembro passado, no Multiusos de Soure, a Alfarelense gravou um concerto, com bandas sonoras de filmes, que colocou nas redes sociais. Terceira na “maior idade” é a Banda do Cercal, fundada a 25 de Dezembro de 1903. «Por tradição, a banda viveu sempre o Natal em família», refere Guilherme Castanheira, presidente da direcção. Nas suas origens está o poder económico de um filantropo, José Gomes Duarte Ribeiro, que, refere, «mandou os seus funcionários aprenderem música» e adquiriu os instrumentos. Na base desta decisão estará «alguma inveja» pela Filarmónica de Vila de Anços, uns bons 20 anos mais velha. Não deixa de ser curioso que foram os músicos daquela banda a dar as primeiras lições aos “novatos” do Cercal. Rivalidade e amizade a caminharem lado a lado... Guilherme Castanheira recorda as dificuldades durante a II Grande Guerra e também no período da Legião Portuguesa, aqui com a banda a dividir-se em duas facções rivais. De um lado os Caçoilos. Do outro dos Malhados. «Mas tudo foi ultrapassado e, ao longo de 117 nunca interrompemos a actividade», sublinha.
90 anos com Soure Bandas de música
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Filarmónica Gesteirense é a mais recente, criada em 1944
Banda de Soure foi constituída em Abril de 1938
Banda do Cercal fundada a 25 de Dezembro de 1903
Filarmónica 15 de Agosto Alfarelense fundada em 1896
Em 1974, antes da revolução, a Banda do Cercal inova, com a criação da primeira escola de música.«Antes eram os mais velhos que ensinavam os mais novos», refere o presidente. Uma escola que também abriu as portas às senhoras. «Fomos uma das primeiras bandas a incluir mulheres», faz notar. Escola que foi crescendo, com novas valências, designadamente, em 2018, dedicada aos seniores. No total, são mais de 60 alunos, entre os 4 e os 82 anos. A banda tem actualmente 62 músicos,
entre os 8 e os 80 anos e, no âmbito da banda e das escolas de música existe uma Big Band e um Coro Sénior, que movimentam um universo de 80 elementos. Ivo Cura é o maestro. Com 82 anos, apresenta-se a Banda de Soure. Criada em Abril de 1938, é a segunda mais recente do concelho. Francisco Santos, presidente da direcção, sublinha a dificuldade em manter os jovens, a partir dos 20/25 anos. «Um problema da sede do concelho», considera. «Seguem a sua vida», diz. Esta
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foi uma das razões que levou a direcção a avançar com a criação de uma escola de música em Degracias, onde não havia nada do género, paralelamente à existente em Soure. Um projecto que contou com o apoio da Junta de Freguesia, que cedeu o espaço e garantiu o transporte para as aulas, aos sábados. «Chegámos a ter mais de 20 elementos, incluindo dois ou três pais», refere com satisfação. A Banda tem 48 elementos, entre os 15 e os 80 anos. José Manuel Lucas é o maestro.
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Villa Pedra 90 anos com Soure
VILLA PEDRA: UM PARAÍSO NA SERRA DE SICÓ 2009 Aldeia de Cima esteve 70 anos votada ao abandono. Projecto de recuperação transformou uma casa de fim-de-semana num aldeamento turístico de eleição
Reconstrução manteve a traça, mas apostou no conforto
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om gosto, requinte, qualidade. São estas as palavras-chave que podem definir o espaço. O resto é beleza pura, inspiração da natureza. Talhada na pedra, em plena serra, a Villa estende o seu olhar a perder de vista. Um refúgio de tranquilidade e conforto. Simultaneamente rústico e aconchegante, familiar e distinto. É assim a Villa Pedra. Uma aldeia única, que depois de sete décadas de abandono, renasceu, ganhou nova vida. Hoje um espaço de eleição para quem simplesmente quer descansar, respirar ar puro, sentir o abraço da natureza. O empresário Manuel Casal encontrou a aldeia, votada ao abandono, tomada pelas silvas. «Andava à procura de uma casa de campo, para passar os fins-de-semana, e descobriu estas ruínas», conta Victor Mineiro, amigo de longa data e sócio neste projecto. Fascinado com o amontoado de pedras em que estava transformada a Aldeia de Cima, nas imediações da localidade de Cotas, Manuel Casal pediu ajuda a Victor.
«Viemos para cá. Achei a aldeia muito curiosa», «um sítio fantástico» e «muito trabalho a fazer». O «desafio» estava lançado. E começou a recuperação. Primeiro foi a casa do Loureiro, adquirida por Manuel Casal, proprietário da emblemática loja de moda Stivali, em Lisboa. Depois foi a vez de Eckhard Frank, sócio da Stivali, adquirir uma casa e avançar com a sua recuperação. Seguiu-se a terceira casa, adquirida por Victor Mineiro. O arquitecto, natural de Torres Novas, há muito radicado em Lisboa, rendeu-se aos encantos da Serra de Sicó e das suas gentes. «Vinha à quinta-feira e comecei a criar relações com o espaço e com as pessoas», recorda. Foi o grande obreiro do projecto, colocando a sua arte e o seu génio criativo na destreza das soluções de construção. Mas também no requinte que pautou a escolha do mobiliário, no toque de distinção com que seleccionou todos os elementos decorativos. No aproveitamento que fez de grades de ferro ou bolas de pedra prontas a ir para o lixo. Ou ainda nas
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velhas alfaias, ou restos de alfaias, e também de talheres, “comidas”pelo tempo, que descobriu entre as ruínas. Memórias dos antigos moradores a que Victor Mineiro deu a moldura e dignidade. Mas também transformou pequenos baldes de lata ou jarras de cerâmica em originais candeeiros, aproveitou velhas talhas, alguidares, tabuleiros. Reciclou móveis, candeeiros, tapetes, almofadas… e criou conforto e requinte, sem ostentação. «E se fizéssemos uma sociedade e abríssemos um projecto turístico?» A questão colocou-se aos três sócios depois de recuperada a terceira casa. «Não havia nada por aqui», recorda Victor Mineiro. Aliás, tanto assim era que Manuel e Victor tiveram de comprar uma roulotte para se instalarem, antes da recuperação da primeira casa. Com três casas recuperadas e um projecto pessoal transformado em projecto turístico, a Villa Pedra Natural Houses abria as portas em 2009. E a recuperação continuou. «Com o que “fazíamos” no Verão, reabilitávamos mais uma casa», recorda. Um projecto em crescendo, não isento de dificuldades. «Não foi fácil», afirma, lembrando que, nalguns casos, uma fracção pertencia a uma dúzia de pessoas. Mas fez-se e hoje todas as casas da antiga Aldeia de Cima pertencem à Villa Pedra. Um nome «fácil», «simples» e que «diz tudo». «Estamos no maciço calcário», por isso, a palavra pedra. E também na trilogia da rota românica, (Conimbriga, Rabaçal e Santiago a Guarda). Daí a “Villa”. Nem todas as casas estão recuperadas. «Estamos a fazer uma pausa», sublinha Victor Mineiro. As mais recentes aquisições/recuperações elegeram as antigas escolas primárias, feminina e masculina. «Pensámos que fazia todo o sentido, pelo seu simbolismo», refere. São 14 as casas recuperadas. Cada uma tem a sua identidade. E também um nome. Cerejeira,Amendoeira, Nogueira, Jasmim, Limoeiro, Alecrim, Loureiro, Nespereira. Nomes de árvores ou de plantas. Cada uma em sua casa. Cada qual deu o seu nome ao espaço que aconchega. Há ainda o espaço da recepção e a cozinha/restaurante. Marta Gomes, uma assistente social com raízes em Ansião, também se rendeu aos encantos da Serra de Sicó. Virou costas a Almada, em 2014, e é, juntamente com Victor Mineiro, a anfitriã dos visitantes. Os workshops que fez na Escola de Hotelaria deram-lhe os segredos para preparar pratos de eleição, sobretudo para o jantar. Comida caseira, em que
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Requinte e bom gosto
grande parte dos ingredientes crescem nas hortas e jardins da Villa Pedra. Definitivamente conquistado, Victor Mineiro instalou-se com armas e bagagens. Citadino de longa data, percebeu que a qualidade de vida não estava em Lisboa, mas nos recantos da serra e assumiu a gestão do espaço. «Descobri que é aqui que estou bem», afirma. Com gosto e dedicação. «Aqui tenho tudo e estou perto de tudo. Não me sinto nada isolado», garante.
Descanso e natureza «Quem nos procura vem em busca de descanso e de reviver o contacto com a vivência de uma aldeia. Praticamente todos nós tivemos um contacto com a aldeia, mas a maioria perdeu-o», refere. Por isso são muitas as famílias que procuram o empreendimento, sobretudo no Verão. A piscina, os muitos jardins - cada casa tem o seu e há jardins comuns – são um verdadeiro paraíso para as crianças, que se divertem em múltiplas brincadeiras. Quanto aos pais,
90 anos com Soure Villa Pedra
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Victor Mineiro rendeu-se aos encantos da Serra de Sicó
a maioria prefere manter-se em casa, desfrutando das varandas, dos jardins, da beleza e da tranquilidade da paisagem. «As pessoas não vêm à procura de diversão, de actividades. Quem nos procura quer descansar», sublinha. Todavia, há um roteiro de passeios pedestres e Villa Pedra tem parcerias com empresas que oferecem programas de canoagem, rappel e outras actividades de turismo de natureza. A «proximidade», o «ambiente familiar» criam relações de futuro e são muitos os clientes que regressam, ano após ano, à procura da “sua” casa. Um casal espanhol, reincidente há vários anos, decidiu mesmo comprar uma casa na aldeia vizinha, que pretende reabilitar. Mas os espanhóis não são de todo os principais clientes. «Temos sobretudo belgas, holandeses, ingleses e alemães», refere o gestor. O número de americanos e canadianos tem vindo a crescer, o mesmo acontecendo com os australianos e neozelandeses. Os estrangeiros representam, esclarece, 95% da ocupação.
Mas também há bastantes portugueses, sobretudo aos fins-de-semana. «Em vez de irem para um hotel, as famílias vão para a “sua” casa de férias. O pequeno almoço é servido diariamente. Diariamente, também, é feita a limpeza», explica. Cada casa tem uma cozinha, devidamente equipada e quem quiser pode preparar as refeições. A alternativa é a “cozinha/restaurante”. Marta Gomes também dá resposta positiva ao pedido para um lanche ou piquenique. Ao longo de todo o ano, há uma equipa fixa de sete colaboradores, que assegura o trabalho de manutenção e limpeza. No Verão, quando há mais trabalho, é necessário um “reforço”, com mais duas ou três pessoas. O heliporto indicia um conjunto de clientes VIP, portugueses e estrangeiros. Ninguém fala em nomes, mantendo total reserva sobre a sua identidade. Garantido, isso sim, é que todos os clientes são recebidos e tratados de forma principesca. «Villa Pedra não é mais um sítio… é o sítio», remata Victor Mineiro.
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Termas da Azenha 90 anos com Soure
OS BANHOS DA AZENHA 2000 Holandesa ficou conquistada pelas antigas termas, abandonadas há muito. Ellen Lanser quer criar um museu para preservar a história desses tempos de glória
Antigas Termas são hoje um espaço de alojamento local
H
á 23 anos, Ellen Lanser descobriu os Banhos da Azenha e ficou apaixonada. Tinha vindo de Roterdão, com os dois filhos e o marido. Terapeuta, entendeu que a vida numa grande cidade era «complicada», sobretudo com duas crianças. A família resolveu deixar a Holanda. Espanha era o destino. Mas não agradou. Daí mais um passo, rumo ao país vizinho. «Apaixonei-me por Portugal».Até hoje, particularmente pelo espaço onde se instalou, nas Termas daAzenha, na freguesia de Vinha da Rainha. Já lá vão 21 anos. A descoberta aconteceu quase por acaso. «Estava a trabalhar numa agência imobiliária, em Coimbra e andava à procura de casas para vender», conta Ellen. Nem sabe muito bem como, mas, há 23 anos, chegou às antigas Termas daAzenha. «Estava tudo abandonado, pior do que agora», recorda, com um brilho nos olhos verdes. A «atmosfera» conquistou-a, mas «não sabia que estava à venda». Entretanto, regressou à Holanda, com o marido a manter-se em Portugal, igualmente a trabalhar numa agência imobiliária. Também ele encontrou as antigas termas. Fez um telefonema a Ellen. «Conheço o sítio», disse-lhe. «Vamos comprar. Vamos viver lá!» E foi isso mesmo que aconteceu. A família adquiriu o espaço e instalou-se,
procurando, a pouco e pouco ultrapassar os anos de abandono. Nestas duas décadas, várias coisas mudaram. Ellen e o marido separaram-se. Ele regressou à Holanda. Assim como o filho mais velho. Com Ellen ficou o mais novo, Broes, agora com 26 anos. Juntos têm procurado recuperar os Banhos da Azenha e manter em alta um espaço de alojamento local. Os vestígios das antigas termas mantêm-se intocáveis. Ellen mostra algumas banheiras, bastante degradadas, para onde jorra, em cadência constante, um jacto de água. «Estas estão na mesma», refere. «Apenas mais limpas». Outras, no lado oposto do grande salão, sofreram alguma intervenção de restauro. «A água é maravilhosa. Cura doenças de pele, alivia artroses, reumatismo, etc.», afirma. Todavia, a holandesa assegura que esse não é o seu foco de ne-
Ellen Lanser
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gócio, tendo em conta as exigências inerentes ao termalismo. Por isso, prefere centrar-se na história das termas. «Tenho ouvido histórias maravilhosas», conta, num português claro, embora carregado de sotaque. «Gostava de mostrar como isto era antigamente, como funcionava nos anos 60/70», altura em que as Termas da Azenha viveram um momento áureo, «com médico», balneário e um vasto conjunto de estruturas de apoio, designadamente um “redondel” exterior, onde «as pessoas descansavam depois dos tratamentos». Hoje é uma espécie de sala de estar, cuja acústica extraordinária convida a performances musicais. «Quero fazer um museu», afirma Ellen Lanser. Um projecto sem data, que se junta à constante recuperação do equipamento de alojamento local. São quatro «casas de férias», tipo T2. Junta-lhe quatro quartos, dois simples e dois com kitchnet. Um espaço que actualmente está em obras de remodelação. Há ainda um relvado, onde os interessados podem acampar. A pandemia veio obrigar a uma paragem. Mas habitualmente há muitos turistas à procura do espaço. Particularmente holandeses, mas também belgas e portugueses. Que, por norma, voltam. «Quero atrair mais alemães», assume a empresária. Ellen e o filho não têm mãos a medir para tratar das casas de férias, do espaço comum e dos novos quartos em obras. Há ainda a horta e o espaço das galinhas. «Há sempre trabalho para fazer, mas quando se gosta, isso não é problema», afirma. A holandesa faz meditação, ioga e aplica os seus talentos artísticos na criação de mosaicos. Aliás, os mosaicos são o cartão-de-visita do espaço. «Dá um trabalhão», confessa. Cada um conta uma história. Uma é a da princesa Tcherkesse que, explica, «quando chora chove, quando ri o sol brilha». “Crescem” em quase todas as paredes. Mas o maior encanto do espaço são os campos de arroz que se estendem nas traseiras a perder de vista. «Na Primavera é tão verde, tão lindo!», diz, com emoção. A emoção que muitos dos seus hóspedes sentem. «A maioria nunca viu um campo de arroz», faz notar. E ao verde dos campos, agora inundados, juntam-se os pássaros. Garças, cegonhas, íbis. «Todos os dias tomo o pequeno-almoço a olhar para os campos. Amo muito isto!», afirma, com paixão.
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90 anos com Soure Termas do Bicanho
Complexo termal esteve abandonado mas está hoje integrado num moderno hotel
O REGRESSO DAS TERMAS 2018 Termas do Bicanho começaram a funcionar em Outubro de 2018, integradas num complexo hoteleiro de 4 estrelas, o Palace Hotel SPA & Termas do Bicanho
O
conceito das termas voltou ao concelho de Soure». Palavras de Mário Jorge Nunes, presidente da Câmara Municipal de Soure, na inauguração das Termas do Bicanho. Um complexo inserido num empreendimento hoteleiro de 4 estrelas, construído de raíz, o Palace Hotel SPA & Termas do Bicanho, que representou um investimento global de 12 milhões de euros, assumido pelo empresário Gomercindo Oliveira. O empresário, de acordo com a notícia publicada pelo Diário de Coimbra no dia 7 de Outubro de 2018, fez a visita guiada ao novo complexo, com o director clínico, Frederico Teixeira, catedrático de Terapia Geral da Faculdade de Medicina da Uni-
versidade de Coimbra, a explicar as características e particularidades das Termas do Bicanho. «São umas termas com uma água moderadamente quente, hipomineralizada, sódico-cálcica, bicarbonatada e muito silicatada», explicou, adiantando que o estudo médico-hidrológico, que se prolongou durante o período de um ano, reconheceu as indicações terapêuticas das Termas do Bicanho para doenças do aparelho respiratório e doenças reumáticas e músculo-esqueléticas. O médico apontava, ainda, um outro estudo médico-hidrológico para as doenças de pele. No passado, lembrou, as pessoas deslocavam-se para aquela zona com o objectivo de tratar esse tipo de patologias. «Vinham banhar-
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-se numas poças públicas», explicou, razão pela qual esta vertente também foi alvo de análise. O empresário Gomercindo Oliveira destacava, por seu lado, os gabinetes de tratamento, com equipamento de última geração, quer ao nível da eficácia terapêutica, quer da higienização. «Hoje sinto-me particularmente realizado, porque o conceito de termas voltou ao concelho de Soure, onde fez história no final do século XIX e início do século XX», afirmou o presidente da Câmara Municipal. Mário Jorge Nunes recordou que, no passado, houve três estâncias termais no concelho. As Termas do Bicanho passaram a estar ao serviço da comunidade. Nas da Azenha existe uma unidade de alojamento local, embora as águas não estejam certificadas, e as da Amieira aguardam por uma solução, explicava o autarca. Mário Jorge Nunes recordou um estudo, efectuado pelo município, que identificou o termalismo como uma aposta estratégica para o concelho. Estudo este que, de resto, despertou a atenção do investidor, Gomercindo Oliveira, que possui outros hotéis e termas no país. «Este estabelecimento termal veio acrescentar muito valor ao concelho de Soure», rematou o autarca. O Palace Hotel SPA Termas do Bicanho está equipado com uma das primeiras piscinas dinâmicas com água termal, possui sauna, jacuzzi, banho turco, spa, hidromassagem sequencial, camas de água, banhos de aerobanho, cascatas, leque e pescoço de cisne, corredor de marcha corrente, contra corrente. Além de um vasto programa de bem-estar, o balneário dispõe de um pacote alargado de tratamentos termais, sujeitos a receita médica, para tratamento de afecções reumáticas e músculo-esqueléticas, bem como afecções do aparelho respiratório.
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Produção de arroz 90 anos com Soure
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VALE DO ARUNCA: UM PARAÍSOI PARA O ARROZ CAROLINOI
Tractor faz uma primeira intervenção no solo, ao enterrar o restolho, o que representa uma primeira fertilização da terra
1982 Aquisição dos primeiros terrenos, em 1982, foi o “pontapé de saída” para a criação de uma estrutura empresarial, consolidada em 2003, que tem vindo a crescer em Vila Nova de Anços e em Vinha da Rainha. É o reino do arroz
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ilhares de gaivotas invadem o campo e perseguem, irritadas e estridentes, o enorme tractor que vai arroteando a terra encharcada. É a primeira operação de uma cultura exigente. Uma tradição que se implantou no Vale do Arunca. Hoje feita em moldes diferentes, com as máquinas a substituírem a força de braços. Mas sempre com muito trabalho. «Todos os dias venho ao campo», diz Feliciano Costa Leal. Com 62 anos, é um dos maiores produtores de arroz Carolino do concelho. Satisfeito, estende o olhar pelo imenso vale, em Vila Nova de Anços, onde concentra mais de 70% da produção, em 170 hectares.Arestante está a 18 quilómetros, na Quinta do Seminário, na Vinha da Rainha. Feliciano Leal começou com «meia dúzia de aguilhadas», dadas pelo pai. Ainda trabalhou na distribuição de materiais de construção e, depois, com retroescavadoras e máquinas giratórias, na construção de esgotos. As empreitadas, longe de casa, acabado de casar, levaram-no a pensar duas vezes. O pai deu um “empurrãozito”, oferecendo-lhe um tractor (usado) como
prenda de casamento. Estavam lançados os dados para se dedicar ao arroz. Aos poucos, desde 1982, foi adquirindo terras. «Há 20/30 anos estavam cerca de 100 pessoas no campo, nestas “belguitas”. Agora sou só eu». O terreno estende-se a perder de vista. Campos de arroz. «Só faço milho onde não dá para fazer arroz», explica. Campos que foi comprando e juntando, em redor as primeiras “aguilhadas” «Fiz 600 a 700 escrituras», conta, motivado pela necessidade de ganhar dimensão para as máquinas operarem. A pouco e pouco, Feliciano Leal foi fazendo o seu próprio emparcelamento e ganhando hectares para semear arroz. A maioria adquiridos, mas também alguns arrendados. «Este é o meu escritório», diz, com notório orgulho. Um “escritório”exigente, a reclamar atenção diária, que Feliciano partilha com o filho, Telmo Martins. Com 34 anos, começou há 10 a trabalhar com o pai, abandonando o último ano do curso de Agro-Pecuária da Escola Superior Agrária de Coimbra. Juntos, pai e filho, com mais três funcionários, não “têm mãos a medir”. Na verdade, enquanto Fernando dá a
primeira “volta”ao campo, com o objectivo de «enterrar o restolho», uma tarefa fundamental para «fertilizar a terra», os restantes funcionários zelam pelas máquinas. Prioridade das prioridades é preparar um tractor de rastos, necessário para “dar a volta” à terra mais alagadiça e concluir o trabalho no campo. A pouco mais de um quilómetro do terreno, encontra-se o armazém. É o centro nevrálgico das operações. Um espaço com 3.500 metros quadrados. De um lado está o enorme secador e amontoam-se milhares de quilos de arroz. Do outro, perfilam-se as máquinas, tractores enormes e possantes ceifeiras/debulhadoras. «Era uma cerâmica desactivada», conta Telmo Martins, explicando que as silvas cobriam todo o edifício. O processo de aquisição ficou concluído em 2017. Seguiram-se as obras e adaptação e recuperação para criar um estaleiro que substituísse o “curto”espaço disponível na Quinta do Seminário, adquirida há 15 anos. «O objectivo é concentrar aqui toda a actividade», explica. As obras arrancaram em Abril de 2018 e «em Setembro estávamos a secar arroz», conta Telmo. A tempestade Leslie veio
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90 anos com Soure Produção de arroz
atrasar o processo. O telhado ficou transformado «numa espécie de harmónica» e a obra teve de recomeçar de novo. Ainda não completamente concluída, concentra toda a logística necessária para os 270/280 hectares de arroz e mais de 30 de milho.
Cultura exigente e arriscada «A cultura de milho não é menos interessante que a do arroz e custa menos produzir um quilo de milho que um quilo de arroz», afirma Feliciano Leal. «O arroz é mais arriscado», observa o filho. «Exigente», sublinha o pai, apontando o muito cuidado em termos fitossanitários. «Fui um dos primeiros a proteger a seara, talvez há 30 anos», recorda, destacando a necessidade de «uma boa sanidade». Telmo aponta as «doenças da seara», sobretudo quando à humidade elevada (superior a 80%) se juntam temperaturas acima dos 24º. «É o que mais temos no Verão» e isso representa «um perigo para os campos de arroz, se não estiverem devidamente protegidos». «A seara é como o nosso corpo. Se nos cuidarmos, estamos bem. Se cuidarmos
Filho e pai com o secador ao fundo
bem da seara, temos uma produção perfeita», diz Feliciano Leal. Produção perfeita significa qualidade e quantidade, medidas pelas características do bago, que tem de estar inteiro. Isso só se consegue com a «protecção no campo» e também no secador», alerta. «Cuidar da seara, porque é da seara que vivemos» é o lema dos dois empresários, que cumprem todo o ciclo de produção de arroz. Um trabalho exigente, que começa agora, com os tractores a enterrarem o restolho.«É matéria-prima orgânica, fortalece
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a terra» e reduz a necessidade de outros fertilizantes. «Vamos aprendendo», diz Feliciano, apontando o campo que «dava 4 toneladas e hoje dá 7». «Sempre que o tempo permite», prefere «trabalhar a seco». «Fazem-se 8/10 hectares, enquanto com água só se faz um», explica. Em Março, princípios de Abril, «vamos para o campo com as alfaias adequadas – pesadas para terra seca, tractores de rasto, mais leves, para terras húmidas – para remover e oxigenar o solo». São passagens sucessivas, que procuram chegar mais fundo. «Temos um mês para preparar a terra para semear», afirma.Antes, é necessário adubar, «com azoto». Entre 20 e 25 de Abril é a altura de semear e, «para correr bem, aos 30 dias temos de ter herbicida e fertilizante feitos». Ou seja, a terra protegida e nutrida. Trinta dias que são fundamentais. «O arroz tem grande capacidade afilhativa, até 40/50%, está sempre expandir-se e quanto mais filhos tiver, mais produz», faz notar Telmo, procurando explicar, de forma simplificada, o ciclo produtivo. «Até aos 60
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Produção de arroz 90 anos com Soure
dias define-se a produção, o número de espigas. Depois é a manutenção», adianta. Mas as curiosidades não se ficam por aqui. O arroz é uma planta aquática, mas a água tem uma outra função fundamental. «É necessária, sobretudo, para assegurar a regularização térmica», tendo em conta as diferenças de temperatura que se fazem sentir durante o dia e de noite. Os 10/15 cm de água conseguem resolver a questão. As exigências para não comprometer a produção são muitas. Feliciano Leal aponta as algas e os limos que ganham espaço devido à água, mas são nefastas para o arroz. Por isso é necessário enxugar o campo. Em Agosto, é «necessário corrigir o azoto», refere. Decisivo é o «tempo». E o «olhómetro», o olhar clínico para «controlar a seara» e fazer os ajustamentos necessários. As máquinas, com GPS autoguiado, são uma ajuda preciosa.«Já trabalho com GPS desde 2005», diz o agricultor, satisfeito com esta aliança entre homem e máquina, com a tecnologia a «dar-nos uma grande ajuda para melhorar o rendimento». Agosto é um mês de nevoeiros e, por isso, é importante «ter a seara protegida». A colheita, seja Agosto quente ou frio, «só se faz em Setembro, raramente antes do dia 20. Ando um mês a colher». A ceifa também tem segredos. Nunca além dos 23% de humidade nem abaixo dos 18%. No primeiro caso, obriga a um esforço acrescido do secador, o que aumenta os custos. No segundo, «estamos sujeitos a que o arroz parta», alerta. O processo de secagem também tem “ciência. «Não pode atingir temperaturas muito elevadas. Quando tiramos o arroz não pode estar quente, só tépido».Asecagem, deve ser, aconselha, feita em ciclos e a um máximo de 40º. «Demora mais, mas garante qualidade ao produto final», acrescenta.
Aposta na qualidade «Trabalhamos para ter qualidade», afirma Feliciano Leal. «O arroz não tem qualquer conservante», diz, fazendo notar que a aplicação de herbicida é muito controlada. «Somos fiscalizados na adubação, pesticidas e fungicidas». Independentemente disso, «um falhanço pode ser fatal». Com deslocações e contactos frequentes com agricultores de Espanha e de Itália, Feliciano Leal considera que as malhas da legislação são muito mais apertadas em Portugal. «Eles usam produtos que nós deixámos de
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Feliciano Leal e Telmo Martins no parque de máquinas, junto à ceifeira/debulhadora
usar há quase 20 anos», refere. A produção aponta, em média, para um milhão e meio de quilos de arroz. Carolino, claro está. Praticamente toda a produção de Vila Nova e Anços e de Vinha da Rainha é canalizada para a indústria. A Nova Arroz, de Oliveira de Azeméis, é a compradora fiel do arroz há mais de 12 anos. Uma pequena parte da produção da Quinta do Seminário, na Vinha da Rainha, é descascada, ensacada e comercializada com a marca “Quinta do Seminário”. «Fornecemos alguns restaurantes e também vendemos ao consumidor», explica Telmo Martins, que aponta o facto de o arroz Quinta do Seminário estar à venda, em Coimbra, como produto gourmet. Esta não é, todavia, a principal vocação dos empresários, que se assumem como agricultores e produtores de arroz Carolino. «Só embalamos 1% da nossa produção», esclarecem.
“O arroz está muito barato” «Na década de 90 vendia o arroz a 100 escudos o quilo. Hoje está a 36/37 cênti-
Arroz Carolino de primeira
mos». No ano passado vendeu a 39/40 cêntimos. Este ano está nos 38 cêntimos. «O arroz está muito barato», considera. O facto de ter capacidade de armazenamento, representa um ganho. Pois quem teve de vender «à saída da terra», ficou-se pelos 34 cêntimos. «Os custos de produção são muito elevados», afirma, e o preço pago pela indústria não compensa. Em 1990/95, um hectare de arroz representava um custo de «25/30 contos. Hoje fica em 1.800 euros». «Temos apoios estatais, mas preferia não ter», caso os preços de mercado fossem mais razoáveis. As ajudas, defendem, «deveriam ser dadas por quilo de cereal produzido e não pela área de produção». «Antigamente era assim», apontam, considerando que era uma política de apoio mais equitativa e mais justa. Apesar de todos os contratempos, Feliciano Leal já tomou há muito a sua decisão. «Não posso parar». Tem o filho a trabalhar consigo e mais três pessoas. «Temos uma responsabilidade social», reconhece. E também um gosto enorme em olhar para os campos, ver a seara crescer e amadurecer Protegê-la das pragas e até mesmo dos flamingos e das cegonhas. «Chego a sair do campo às 11 da noite». Os “pirilampos solares” ajudam a afugentar as aves. «Se se instalam, fuçam tudo com os bicos». Pior, «as fezes são ácidas e onde ficam não nasce nada», esclarece. Olha com paixão o campo. Hoje são 170 hectares em Vila Nova de Aços. Uns próprios, outros arrendados. Nada que se compare à «meia dúzia de aguilhadas» que o pai lhe deu.
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Vale do Pranto 90 anos com Soure
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Pranto Jusante é o próximo desafio
25 MILHÕESI PARA EMPARCELARI E IRRIGAR OI VALE DO PRANTOI Campo do Conde representa 350 hectares onde se cultiva arroz Carolino
2021 Com financiamento garantido, projecto aguarda “luz verde” do Ambiente. Conduta de 10 quilómetros vai levar água da Fontela para os campos da Vinha da Rainha
A
dutor com cerca de 10 quilómetros vai garantir a captação de água, junto à Fontela, no concelho da Figueira da Foz, e transportála para a freguesia da Vinha da Rainha. Um investimento que ronda os 25 milhões de euros e vai melhorar substancialmente as condições para a prática agrícola no Campo do Conde e na Quinta do Seminário, terras dedicadas à cultura do arroz. Um projecto que envolve a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego (ABOFHBM) e a Câmara Municipal de Soure. «Só estamos à espera do parecer do Impacto Ambiental para lançar concurso e avançar com a obra», sublinha JoséArmindo Valente, destacando que a Quinta do Seminário, como pertence a um único proprietário, «já tem o emparcelamento feito». «Mas não tem água», adverte. Um “mal” que afecta uma área de cerca de 1.400 hectares e aflige um universo de 676 agricultores. Armindo Valente, Graça Bessa e António
Russo apresentam-nos este projecto, estruturante, estratégico para o futuro do Baixo Mondego. Trata-se, agora, de desviar as atenções do leito central, já praticamente com todos os problemas resolvidos, e atentar nos afluentes do rio Mondego. Particularmente no Pranto. A conduta adutora - que começa com um diâmetro de 1,800m e termina com 900 e será construída em polietileno estruturado - assume um papel fundamental no projecto, pois vai permitir uma gestão controlada e individual da água. Neste momento, explicam, «os agricultores, quando regam, têm de regar todos ao mesmo tempo», o mesmo acontecendo quando se trata de drenar, ou seja, enxugar os campos. Uma tarefa nada fácil, tendo em conta as mais de seis centenas de proprietários que, a bem ou a mal, têm de se entender para trancar ou abrir as comportas. O projecto, já aprovado e com financiamento comunitário garantido, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020, tem de ficar concluído até
Centrado igualmente no Pranto, a Associação de Beneficiários da Obra de Fomento Hidroagrícola do Baixo Mondego tem outro projecto em mente. Este numa fase mais embrionária. Trata-se de «uma candidatura para o projecto», esclarecem os responsáveis, que pretende envolver toda a restante área agrícola do Vale do Pranto. O primeiro passo já foi dado, com a assinatura, no início de Fevereiro, dos protocolos com os municípios da Figueira da Foz, Soure e Pombal. «São mais 1.129 hectares». 980 no concelho da Figueira da Foz, 83 em Soure e 60 em Pombal. São 5.650 prédios, que reportam a 666 proprietários do chamado Pranto Jusante, que envolve o Campo do Canal de Fora, Paúl e Frade, onde é necessária uma intervenção de fundo, envolvendo emparcelamento, rega, infraestruturas e drenagem e prevê, igualmente, a instalação de um adutor para captação e transporte de água. Ainda sem perspectivas temporais, uma vez que se trata tão só de uma candidatura, a Associação de Beneficiários sublinha a necessidade de avançar. «Temos que assumir que o projecto do Baixo Mondego é para concluir. Ninguém pode ficar para trás. Não pode haver agricultores de primeira e de segunda», afirma Armindo Valente, sublinhando que, por essa razão, «a obra tem de ser concluída». finais de 2025 (o prazo terminava em Março de 2023, mas foi estendido). «O adutor vai servir para regar não só os 350 hectares do Campo do Conde – que também não têm emparcelamento -, mas também para regar uma grande parte dos terrenos do Pranto», esclarece Armindo Valente. «1.195 hectares», precisa António Russo. «Ficam a faltar cerca de 200 hectares», acrescenta. Quais as repercussões da obra? «Essen-
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cialmente, vai permitir que agricultores que têm várias parcelas fiquem, com o emparcelamento, com uma ou duas parcelas, com outras dimensões e com outras condições», explica Armindo Valente. «Actualmente temos cerca de 1.200 prédios e vamos passar a ter 250 lotes», concretiza António Russo. Ao nível da irrigação, representa a possibilidade de, «individualmente, cada agricultor poder tomar as suas decisões, ter acesso à agua e possibilidade de drenagem sem depender de terceiros», explica Armindo Valente. Mais do que um aumento da rentabilidade ou da produção – que também poderá acontecer, tendo em conta o enorme número de valas de irrigação que quase ocupam 50% do terreno e que vão passar a ser campo de cultivo – António Russo destaca «a melhoria das condições para fazer agricultura na região», bem como a «redução dos custos de produção». Trata-se, adianta, de transformar uma zona de paúl, onde se consegue cultivar arroz, «com toda a gente a ter de fazer a mesma operação em simultâneo, numa zona seca, mantendo a
90 anos com Soure Vale do Pranto
biodiversidade» e criando autonomia de cada proprietário, à semelhança do que se faz no Vale Central». Lembra, a propósito, que independentemente da maior ou menor rentabilidade que o arroz possa ter, há toda uma cadeia económica muito significativa, a montante e a jusante, que a produção agrícola alimenta. A título de exemplo, aponta a comercialização de máquinas agrícolas, sementes, fertilizantes, adubos e pesticidas. Há, sublinha, «uma vasta cadeia económica que circula em torno da pro-
Armindo Valente localiza zona a intervir
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dução agrícola» e que é fundamental para o equilíbrio social da região.
Câmara como parceiro e promotor O envolvimento da Câmara Municipal de Soure como parceira da Associação de Beneficiário neste projecto prende-se com o facto de se tratar de «um emparcelamento integral», que envolve «uma alteração da estrutura fundiária, criação de estruturas de drenagem e caminhos». «Quem tem competência para fazer a obra de emparcelamento é a Autoridade Nacional do Regadio, a Direcção-Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR) e as câmaras municipais. A DGADR não tem disponibilidade técnica nem recursos humanos, daí a necessidade de recorrer à Câmara Municipal de Soure para ser o promotor do emparcelamento», esclarece António Russo. «Em boa hora fizemos o protocolo com a Câmara de Soure – assinado em finais de 2018 – porque de outra forma não seria possível levar o projecto a bom termo», sublinha Armindo Valente.
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Produção de leite 90 anos com Soure
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VACAS FELIZES DÃO MAIS SABOR AO LEITE 2015 Antigo Centro de Recria da quinta da Capa-Rota foi transformado numa moderna unidade de produção leiteira. A tecnologia ajuda a imprimir qualidade e confirma o sucesso do projecto
C
aminham serenas. Umas atrás das outras. Depois, aguardam tranquilamente que chegue a sua vez. Nenhuma tenta “dar o golpe”. Impera ali o sentido cívico. Sabem quando é o momento certo para avançar, mas o “pastor”ajuda, com um sinal sonoro. Entram na roda. Estão prontas para a ordenha. Acontece três vezes por dia na Quinta da Capa-Rota. Estamos na localidade de Casa Velha. Uma exploração modelar que dá pelo nome de Nc Milk. A “roda continua a rodar”. Do parque de espera, as vacas seguem para a roda da ordena. Uma ordenha rotativa, «Única na região», instalada em 2017, faz questão de sublinhar Nuno Cardoso, responsável pela gestão da exploração. À entrada, um colaborador procede à limpeza do úbere. Segue-se o “pré-diping”, um processo de desinfecção dos tetos, depois, engatam-se as tetinas.Aroda segue. 32 animais ordenhados em simultâneo. Seis a oito minutos é o tempo que demora a ordenha. O tempo da roda girar e regressar ao ponto de partida. Nova operação. O pós-diping, ou seja, a desinfecção e selagem dos tetos. Importante para quebrar o circuito de qualquer eventual infecção. Mamites, por exemplo, explica Sofia Mateus, engenheira agrónoma, açoriana, que trabalha na quinta. Terminada a operação, o animal sabe que tem de sair, passar pelo “lava-pés”e regressar a “casa”. À espera tem uma suculenta refeição. No Inverno servida uma vez por dia. Duas no Verão. Há animais que comem 50/55kg de forragem por dia. Para trás fica o leite, retirado na ordenha rotativa. 44 litros é a média de produção de cada animal. É a ordenha do “parque pós-parto”, que inclui os animais até 80 dias depois de parirem. O sistema, aferido ao milímetro, regista todos os dados. Está aqui o bilhete de identidade completo de cada animal. Indicações precisas, que quantificam todos os passos e todas as ordenhas. Por isso, Sofia retira as tetinas do úbere de um dos animais e, manualmente, recolhe uma amostra de leite, sem se importunar com o "protesto" da vaca «Está a produzir menos»,
Ordenha rotativa instalada em 2017, é a única na região
explica. Importa saber a razão. Uma análise rápida despista a existência de uma mamite. «O leite está bom», explica. «Se não estivesse ficava coalhado. As tetinas regressam ao seu lugar e continua a ordenha. Esta foi a única oportunidade para ver a cor do leite. De resto, este vai directamente da ordenha para um enorme depósito, com 12 mil litros de capacidade. 7.600 litros é a média diária de leite produzido pelas 224 vacas da raça Holstein-Frísia em fase de ordenha. Leite que todos os dias é recolhido pela Lacticoop. A ordenha é feita três vezes ao dia, explica Nuno Cardoso, destacando que o trabalho na quinta começa «às 6h00 da manhã e prolonga-se até às 22h30». «Para trabalhar
“Para trabalhar aqui é preciso gostar”, afirma o responsável pela gestão da quinta, que se queixa da crescente escassez de mão-de-obra para este sector
aqui é preciso gostar!», garante. É o seu caso. Tem o sabor e o saber do leite e das vacas no ADN. «A minha família está, por tradição, ligada à produção de leite», conta. É ali do lado, de Liceia, no vizinho concelho de Montemor. Na sala onde se encontra o tanque de recolha de leite, apresenta-se um outro depósito, incomparavelmente mais pequeno. «É para pasteurizar o leite», explica Nuno Cardoso. Leite necessário à alimentação do vitelos. Os mais pequenos estão num verdadeiro berçário. Cada um tem a sua cama, aconchegada com palha. As grades separam os “berços”, mas também permitem que os animais se vejam, se toquem se for caso disso. É a preocupação com o bemestar animal. Cada vitelo bebe uma média de 6 a 8 litros de leite por dia. À medida que avançamos no pavilhão, recentemente concluído, vão crescendo a idade e também a desenvoltura, a capacidade de interacção, a simpatia.Até aos três meses continuam a beber leite, mas têm um reforço alimentar de flocos e ração. Segue-se o desmame. Antes, até aos dois meses, faz-se o descorne. Trata-se de retirar os
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cornos ao animal. Uma operação aconselhada, em termos de bem-estar animal, explica Nuno Cardoso, e que é feita com a garantia de não provocar dor. Num verdadeiro recreio de simpatia encontramse os vitelos mais velhos, de 5-6 meses. E também os animais de recria, até aos 24 meses, que têm, inquestionavelmente mais liberdade, inclusive para dar um pulinho à pastagem. Estão ali as futuras vacas que vão entrar na ordenha. «A partir dos 22/24 meses começam a produzir leite». Os machos são vendidos. Não dão leite, não interessam à produção. Mas são poucos. «Trabalhamos com sémen sexado, que nos dá a garantia de cerca de 90% serem fêmeas», explica Nuno Cardoso. O registo anual de vitelos nascidos confirma isso mesmo: «60% fêmeas e 40% machos». Na proximidade dos juvenis, está a maternidade. São 52 animais que irão parir nos próximos 21 dias. Algumas «entre hoje e amanhã», garante. A vacaria está dividida em valências, que correspondem ao perfil do estado sanitário e produtivo do animal. São os chamados parques, que começam com o pós-parto e enfermagem, parque de alta produção, parque das primíparas (que têm o primeiro parto) e parque de baixa produção, onde se incluem os animais antes de voltarem a parir e se prepara a secagem do leite. A silagem, de milho e forragem, marca a paisagem. É o alimento para os animais, que também ocupa uma parte significativa
90 anos com Soure Produção de leite
de um grande armazém, onde é guardada a palha e o “concentrado”, produto alimentar, que contém minerais, feito à base de soja, farinha de milho, colza. Uma boa parte da alimentação vem da quinta. «Fazemos 83 hectares de milho e forragem de Inverno», explica.
Recurso humanos são um problema São sete os colaboradores que diariamente trabalham na Quinta da CapaRota, na localidade de Casa Velha, entre os quais dois engenheiros agrónomos. Um é o responsável pela área da vitelaria e administração e análise de dados, enquanto o outro assume as áreas da inseminação, reprodução e alimentação. A equipa conta, também, com a colaboração de um médico-veterinário, que dá apoio ao nível da reprodução e tratamento de eventuais maleitas ou de animais doentes. «É um trabalho muito exigente», afirma Nuno Cardoso. «Aqui não há domingos nem feriados», pois todos os dias é necessário ordenhar as vacas, preparar e dar-lhes a comida e garantir a limpeza dos respectivos pavilhões. Uma operação que é feita de quatro em quatro horas, seis vezes ao dia. Se houver mais fezes, reduz-se o espaçamento para três horas. «O nosso principal problema são os recursos humanos. Não conseguimos encontrar gente para trabalhar», desabafa, reiterando que o «gostar mesmo disto» é a condição fundamental para fazer este trabalho.
Trabalho começa às 6h00 e prolonga-se até às 22h30, garante Nuno Cardoso
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Um projecto em crescendo
Leite vai directamente para o depósito
O projecto Nc Milk, Lda surgiu em 2015, pela mão de três jovens agricultores, Vitor Faria, Miguel Coimbra e Luís Paiva, todos funcionários da Lacticoop, aos quais se juntou Nuno Cardoso. Na quinta da CapaRota funcionava o Centro de Recria de Novilhas da Lacticoop. Todavia, com a crise de 2013, a cooperativa teve necessidade de pôr termo ao projecto e colocou a quinta à venda. Os quatro, todos funcionários da cooperativa, decidiram avançar com uma proposta, sobretudo tendo em conta que era dada prioridade a quem se quisesse estabelecer como produtor de leite. O projecto arrancou em 2015, com um investimento inicial de «um milhão e 800 mil euros», esclarece Nuno Cardoso, responsável pela gestão da exploração. «Já investimos mais 200 mil euros», adianta. Em carteira está um outro projecto, no âmbito do PRODER 2020 , no valor de 350 mil euros, dedicado ao bem-estar animal. O objectivo, explica, é avançar com a construção de mais um pavilhão para maternidade, “secas” e enfermaria. Mas também uma nova nitreira se afigura necessária, para armazenar os dejectos dos animais, usados, depois, na fertilização dos campos. Indiscutível é o crescimento da exploração. «Quando começámos, em 1915, tínhamos 82 vacas em ordenha. Em 2021 temos 221 vacas a dar leite». Um «crescimento muito forte», reconhece o gestor. Todavia, a margem de crescimento, em termos de indicadores de produção, é curta. «Temos um contrato com a Lacticoop e se produzimos mais temos penalização ao nível do preço», esclarece. Preço que ronda o 32 cêntimos/litro. Da Quinta da Capa-Rota saem, diariamente 7.600 litros de leite.
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C Garden 90 anos com Soure
C GARDEN:I TER UMA HORTAI EM CASAI
Solução inovadora tem-se revelado um sucesso no mercado
2020 Produto inovador chegou ao mercado em Abril do ano passado, depois de quase cinco anos de preparativos. Um projecto revolucionário, que transporta, na sua essência um novo conceito de vida
M
arco Duarte sempre quis ter uma horta em casa. Mas o gosto contrastava com a falta de tempo. Por isso as diferentes experiências, em terra e em vasos, correram da pior forma. Mas não desistiu da ideia. Só procurou um novo conceito. «Uma horta que funcionasse comigo. Uma horta onde não matasse tudo». Praticamente cinco anos depois dos primeiros ensaios, o conceito afirmou-se. «É um orgulho», afirma o
administrador da IHT. Com os olhos a brilhar, Marco Duarte apresenta as fantásticas hortas em casa. Trata-se do C Garden – Complet Garden Solution. Um produto único e exclusivo, produzido em Soure, que chegou ao mercado emAbril do ano passado. Ligeiramente antecipado, tendo em conta o primeiro confinamento ditado pela pandemia. Em menos de um ano o produto transformou-se num verdadeiro sucesso e há novos modelos prestes a entrar no mercado, procurando “democratizar” o acesso às novas hortas citadinas, mas também a um conceito de economia circular e a um projecto que promove um reencontro com a natureza e com os outros. Foram três os primeiros modelos que a IHT lançou. Pura, Essência e Natureza. Têm
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o mesmo perfil, mas variam nas dimensões. A tecnologia é basicamente a mesma. Paulo Duarte faz a apresentação do equipamento, constituído por caixas, onde se encontra a terra e as plantes. Em pleno Inverno, crescem favas, alfaces, couves de diferentes variedades, acelgas, alho francês, aipo, entre muitos outros legumes. Cresce, também, um número considerável de ervas aromáticas, desde a salsa à hortelã e coentros, segurelha, oregãos, entre outros. Mas também há frutos, designadamente um exemplar de citrinos e vários pés de morangos. Legumes, ervas aromáticas, frutos, crescem nas diferentes caixas, a parte visível desta horta única. Por baixo, encontra-se uma caixa colectora, destinada a armazenar água e cada modelo tem o seu próprio sistema de compostagem. «Comprámos uma trituradora para aproveitar o papel», conta o administrador da empresa, explicando que para o compostor são canalizadas as borras do café, as cascas de fruta, os restos de comida, mas também as folhas velhas das plantas da horta. Compostagem que liberta «um líquido altamente nutritivo para as plantas» e que é guardado num reservatório e vai ser usado para fazer a rega, automática, através do sistema gota-a-gota. A verdade é que ali se cumpre o velho princípio: “Nada se perde, tudo se transforma”. Mais, aproveita-se e reserva-se a água da chuva e não há possibilidade de se esquecer que é dia de rega. Marco Duarte aponta, ainda, outras soluções técnicas do sistema, designadamente uma caixa de ar, que permite ventilar o espaço e consegue manter o equilíbrio térmico, evitando o frio absurdo do Inverno ou o calor escaldante do Verão. O responsável alerta ainda para «óptima posição de cultivo», pois, ao contrário de outras soluções, a C Garden não nos obriga a baixar. Estamos de pé e as plantas estão ao nosso nível. «É um equipamento sustentável», refere, apontando a poupança de água, com as caixas a recolherem e armazenaram entre 500 e mil litros de água. Mas não é só água que se aproveita. «O movimento de embalagens», designadamente plástico, fica completamente anulado e também se poupa no processo de refrigeração, pois os legumes, frescos, prontos para consumir, estão ali, à mão, na varanda, no terraço ou no quintal. À espera de serem colhidos para irem directamente para a mesa… ou para a panela, sem necessidade de serem guardados no
90 anos com Soure C Garden
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frigorífico e eliminando este consumo energético. «Não precisamos de colher a alface inteira, podemos só tirar algumas folhas», exemplifica, destacando o «impacto gigantesco, em termos ambientais» destas novas hortas.
Reencontrar a natureza e os outros Mas há mais benefícios. A começar pelo «prazer» que proporciona, mas também a redescoberta do «contacto com a natureza», com o mexer na terra, sentir e acompanhar o crescimento das plantas. Ou ainda o “desligar”de um mundo cada vez mais «virtualizado» e regressar à simplicidade de produzir parte do que consumimos. Marco Duarte destaca a componente de «saúde mental» que esta ligação à natureza permite e o contributo do C Garden para a existência de «um mundo melhor» e «pessoas melhores». «É um orgulho, algo muito motivador», assume. Com entusiasmo, Marco Duarte refere o exemplo da sua casa e da sua família. Afinal, onde tudo começou. «A minha mulher diz que agora comemos verdadeiras saladas», ultrapassadas que estão as clássicas de alface e tomate. A receita está em ir para a horta com uma taça e ir colhendo. «As folhas tenras das favas e das ervilhas são óptimas para saladas», garante.Assim como as flores das couves… Mas há também a descoberta de novos sabores, de novas plantas. As acelgas estão na linha da frente. «São excelentes», assegura. «Os nossos hábitos alimentares mudaram», confessa, satisfeito. Mas também mudou o comportamento.
Além de contribuir para um maior equilíbrio do ecossistema e para a redução da pegada ecológica, estas hortas – que podem ser transformadas em jardins – também geram um sentimento de partilha. Começou entre os colaboradores da empresa, recorda, que partilhavam entre si as respectivas produções. Depois, estendeu-se aos vizinhos. Marco Duarte, mais uma vez, refere o exemplo da sua casa e a partilha de legumes frescos e fruta que começou a fazer, oferecendo uma cesta aos vizinhos. «Alguns, em troca, ofereciam-nos sobremesas», refere, destacando esta relação com o outro, este reatar da relação entre vizinhos que este projecto também proporciona. «Sentimo-nos realizados», sintetiza. Não apenas porque o projecto foi «extremamente bem acolhido» e isso «permite que a empresa cresça, remunere os seus colaboradores», mas também porque «é uma parte activa» num processo de «felicidade e bem-estar pessoal», de promoção da qualidade de vida e do equilíbrio ambiental. Um pequeno passo para «melhorar o mundo» e tornar «as pessoas melhores». Sobretudo, «mais felizes».
“Democratizar o acesso” Apesar do sucesso imediato, «há sempre melhorias a fazer», garante Marco Duarte. Por isso, depois da primeira vaga, a segunda está pronta a entrar no mercado. Trata-se de hortas mais pequenas. «Percebemos que há muita gente que não tem espaço». Por isso, o desafio foi fazer os necessários ajustamentos, em termos de capacidade e de “layout” para o novo produto. Por outro
Marco Duarte, administrador da empresa e mentor do projecto
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Perfis em PVC e revestimentos O projecto C Garden representa um produto diferenciador e único, já devidamente patenteado, que nasce no seio da IHT – Innovative Home Technology, uma empresa criada em 2009, dedicada à produção de perfis em PVC para caixilharia e pavimentos e revestimentos compósitos, instalada na Zona Industrial de Soure. Dos três sócios iniciais apenas se mantém Marco Duarte, pois os outros venderam a respectiva quota à Efapel, em 2012. No mercado há 10 anos, a IHT tem os seus produtos em 36 países, com destaque especial para a Europa, América do Sul, África e Médio Oriente. O mercado externo representa cerca de 40% da produção. A empresa tem 24 colaboradores, grande parte dos quais especializados e com formação superior.
lado, as primeiras propostas “exigiam” que a instalação fosse feita pela empresa, o que limitou a venda a Portugal, embora com muitas solicitações “lá fora”, o que também motivou a criação de parcerias. As “novas” hortas vão obviar essa necessidade e funcionar como um maple ou outro móvel, que qualquer pessoa pode adquirir e transportar para casa e também instalar o sistema de rega, que é «extremamente simples». Trata-se de«mudar o paradigma de distribuição e democratizar o acesso ao produto», sintetiza Marco Duarte. Quanto ao mercado, o vizinho espanhol afigura-se como a primeira oportunidade, mas o responsável está confiante no seu sucesso na União Europeia e também dos EUA e Brasil, que «já manifestaram interesse». Acredita, de resto, que em França e Inglaterra terá um grande sucesso, pois trata-se de países que já têm esta “cultura de hortas”. A“terceira geração”de C Garden já começa a ser pensada pela equipa, empenhada em apresentar um produto cada vez mais perfeito. Para já, refira-se uma outra preocupação. «Estamos a trabalhar nos conteúdos», ou seja, dar informação sobre o que plantar e quando», esclarece o administrador.
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Vicometal 90 anos com Soure
IMPÉRIO DO AÇOI À CONQUISTAI DO MUNDOI
Equipamentos produzidos pela empresa de Vila Nova de Anços
2001 Vicometal nasce em 2001 com o foco centrado na produção de equipamentos para a indústria. Projecto tem vindo a crescer e a consolidar a sua vocação exportadora
É
, sem dúvida, uma das grandes empresas do concelho e uma referência na região e no país. Falamos da Vicometal, uma unidade fabril que nasce em 2001 com o objectivo de dar resposta a uma lacuna existente no mercado. «Havia produção de estruturas metálicas, naves» e também ao nível da manutenção, explica Carlos Cordeiro, mas não existia nada relativamente à produção de equipamento. Foi neste nicho de mercado que o empresário resolveu investir. E não se arrependeu, apesar de, assumidamente, ter passado um período difícil. «Foi um crescimento a pulso», sublinha. A “pulso”foi, igualmente, o crescimento e a afirmação do empresário. Carlos Cordeiro recorda o seu percurso profissional, que começou numa empresa metalomecânica industrial, a Serrano & Carvalho, emAlfarelos, logo depois de ter saído da escola. Uma empresa que, mais tarde, acabou por comprar. Mas lá chegaremos! Seguiu-se uma passagem de dois anos pela Metalúrgica Ideal Mondego. Ao serviço desta empresa foi montar uma fábrica, reabilitada, em
Avelar, a Leca Portugal. Ficou lá nove anos, a trabalhar na manutenção. «Saí para montar a minha própria empresa», recorda. Corria o ano de 2001 e Carlos Cordeiro decide adquirir as instalações («não a empresa», ressalva), da Serrano & Carvalho. Nasce a Vicometal. Ou melhor, a primeira "vaga" da Vicometal. «Comecei a trabalhar com sete pessoas. Fazíamos manutenção industrial», uma área onde o empresário tinha um reconhecido know-how. Todavia, depressa isso se revelou demasiado curto para as vistas largas deste empreendedor. «Sentimos que havia necessidade, da parte da indústria, de fabrico de equipamentos». Na altura não «havia nada». De resto, hoje também são muito poucas. «Havia empresas de estruturas metálicas, que faziam naves» e «empresas que trabalhavam na manutenção», mas ao nível da produção de equipamentos industriais a resposta era “zero. «Era tudo importado», esclarece. Era a oportunidade, que Carlos Cordeiro se empenhou em aproveitar. Surge, assim, o projecto da nova fábrica, instalada no Barroco, em Vila Nova de Anços, que abre
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portas em 2009. «Fizemos um investimento de 6 milhões de euros», refere, recordando que, um ano depois, «começou a crise, com o mercado a cair». «Passámos uns anos a patinar», confessa, lembrando esses tempos de pesadelo. Felizmente, o mercado começou a corresponder. Não em Portugal. «O mercado nacional estava parado», o que obrigou a empresa a ir para o mercado externo. Em boa hora isso aconteceu. «Foi uma aposta ganha», assume o CEO da empresa. «Hoje 60% da produção destina-se ao mercado externo», esclarece. Espanha, França, Alemanha e Bélgica são os mercados de excelência da empresa de Vila Nova de Anços, com os países escandinavos a perfilarem-se, igualmente, como bons compradores, designadamente a Noruega e a Suécia. A Finlândia é verdadeiramente um “case study”, dizemos nós. Com efeito, a Vicometal fornece equipamento para a Finlândia, designadamente para a indústria papeleira e uma boa parte dele regressa a Portugal, que continua a ser um dos grandes produtores de pasta de papel e de papel. Carlos Cordeiro já não considera este circuito “estranho”. Aliás, afiança que cada vez mais um empresário português, para se afirmar no seu país tem, primeiro, de conquistar “créditos” lá fora. Então sim, depois de mostrar um portefólio de clientes estrangeiros, designadamente franceses, vê as portas abrirem-se em Portugal. «Somos muito pequeninos», comenta, lacónico. Quem diria que o espírito “estrangeirado”, que outrora tanto marcou o país, continua, hoje, a sobrepor-se ao orgulho nacional!, atrevemo-nos nós a acrescentar. Nas instalações da Vicometal é produzido um universo multivariado de equipamentos, sempre em aço, carbono, inoxidável ou outros tipos de aço. O império do aço que ganha forma em transportadores (redlers) de tela de borracha ou corrente, silos, para líquidos e sólidos, chaminés industriais, tubagens, ventiladores, “ciclones”(separadores de partículas) e muitos outros equipamentos. A indústria papeleira e de cimento é um dos seus principais destinatários Mas também produz para as fábricas de contraplacado, de pellets e para minas. Actualmente, a Vicometal representa um grupo que congrega três empresas: Vieira Cordeiro, S.A., Pormenor Virtual, S.A. e Vicometal Montagens Industriais Espanha. No total são 120 trabalhadores no quadro e mais 30 a contrato. Uma equipa que Carlos
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90 anos com Soure Vicometal
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Investimento de 4 milhões de euros em nova fábrica
Empresa tem forte vocação exportadora
Cordeiro elogia pela entrega e pelo profissionalismo. Aliás, sublinha, uma empresa só funciona com «bons parceiros: clientes, fornecedores e colaboradores». «Se os funcionários não forem bons, a empresa não funciona. A organização depende de pessoas», remata.
«Estamos a fazer uma nova fábrica», diz Carlos Cordeiro. Ao lado da Vicometal, em Barroco, vai surgir a Vicoinox, S.A., uma unidade fabril vocacionada para a área alimentar e farmacêutica, explica. «As fundações já estão feitas», o projecto concluído e foi apresentada uma candidatura a fundos comunitários. A própria estrutura está feita. «Aproveitámos o confinamento, no ano passado, para fazer a estrutura», refere, dando conta que, numa época normal, teria sido mais simples adjudicar a empreitada a outra empresa. A nova fábrica representa um investimento de quatro milhões de euros. «Estamos à espera da licença», diz o responsável, confiante que até ao final do ano a nova unidade esteja em pleno funcionamento.
Mais uma vez, Carlos Cordeiro está atento às oportunidades. «Já começámos a fazer algumas coisas, na área alimentar, para França», designadamente para fábricas de açúcar e de bebidas (cerveja e refrigerantes). Relativamente às farmacêuticas, trata-se indubitavelmente, de um sector em expansão, particularmente na região Centro. Quer a fileira do medicamento, quer dos cosméticos «precisam de equipamentos», faz notar. É essa resposta que a Vicoinox vai assegurar. Este é o próximo desafio assumido por Carlos Cordeiro. E, de momento, chega. «O mercado muda tão rapidamente que temos de ter muito cuidado. Tudo tem de funcionar com muito rigor e muito empenho. Nada é fácil!», adverte.
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Plataforma de Alfarelos 90 anos com Soure
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DE ALFARELOS PARA OSI QUATRO CANTOS DO PLANETAI Plataforma de Alfarelos está na vanguarda dos terminais logísticos portugueses.
2000 Parceiro de negócios das principais empresas, a Plataforma Logística Multimodal TMIP de Alfarelos garante a melhor resposta no transporte de mercadorias para qualquer ponto do globo
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stados Unidos, Japão, Polónia, Israel ou Itália. Num relance rápido, são estes os destinos de um conjunto de contentores que se preparam para partir da plataforma logística de Alfarelos. Cargas diversificadas, provenientes de algumas das maiores empresas da região e também de outros pontos do país. Umas seguem de comboio rumo ao destino. Outras articulam a viagem com o porão de um navio. Por estrada, por via férrea, por mar. Rotas que cruzam o mundo. É o pulsar da economia da região e do país. Mas também uma preocupação com a eficiência e com a eficácia e um olhar muito atendo à sustentabilidade e às preocupação ambientais. «Tiramos milhares de camiões das estradas», afirma Júlio Tomás, responsável da TMIP – Transportes e Logística, Lda. Ligado durante mais de 30 anos ao mundo dos transportes, o empresário concluiu, há duas décadas, que o comboio é “o transporte”, o futuro. A “essência” de um projecto multimodal, onde cada componente cumpre a sua parte e
«acrescenta valor à cadeia logística». «Alfarelos é a capital ferroviária da Região Centro», afirma. Um estatuto que advém da sua «centralidade única», inserida no «corredor ferroviário Atlântico, localizado entre as Linhas do Norte e do Oeste e muito próximo da Linha da Beira Alta», o caminho mais curto para a “fronteira” de Vilar Formoso e a abertura às “portas” da Europa. Daí a escolha de Alfarelos para acolher a Plataforma Logística Multimodal TMIP. Instalada ao lado da Linha do Norte, junto à Estação de Alfarelos, a TMIP «permite preencher uma lacuna na logística ferroviária na área Centro de Portugal», considera. Esta localização, adianta, «permite, ainda, uma acessibilidade fácil aos principais portos portugueses e espanhóis, uma vez que possibilita ligações ferroviárias frequentes a Leixões, Lisboa, Setúbal e Sines e ainda a toda a Península Ibérica e ao Centro e Norte da Europa». No entender do responsável da empresa, a «actividade intermodal tem hoje uma importância fundamental e relevante» e
tem ganho «novos adeptos» no país e no mundo, uma vez que «assenta em paradigmas diferenciados do “institucionalizado”, aproveitando as sinergias entre os vários actores do processo», designadamente o transporte, «desde o terminal à ferrovia, à rodovia, à parte marítima, aérea, e ao operador logístico». «Desta forma, adapta-se e adapta o processo logístico entre a origem e o destino da carga, contribuindo decisivamente para o apoio às empresas exportadoras nacionais». Capacitada para manusear carga geral e carga “multimodal”, a TMIP, uma empresa certificada, tem vindo a crescer, desde a sua instalação, há 20 anos, de forma sustentada. Actualmente em obras, pretende aumentar a sua área para cerca de 120 mil metros quadrados, «com três linhas ferroviárias de aproximadamente 750/900 metros». Um crescimento que vai permitir à Plataforma Logística de Alfarelos ficar «na vanguarda dos terminais logísticos portugueses, com a maior capacidade de receber trens multimodais completos de
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750 metros», explica. «Hoje estamos capacitados, em termos de espaço, máquinas, tecnologia e pessoas, para fazer muito mais transportes intermodais», garante. O objectivo central é dar condições às empresas, grandes ou pequenas, para «chegarem de forma mais rápida e eficiente a todo o mundo, integrando as suas cadeias logísticas globais». Isto porque, em parceria com a macro logística, associada às grandes empresas, que movimentam 200 contentores, há também resposta param os mais “pequenos”, com um contentor para enviar, rumo a qualquer parte do mundo. Porque «onde cabem os grandes, também cabem os pequenos». A longo prazo, «é expectável que os benefícios trazidos pela solução intermodal sejam imensamente relevantes, tanto do ponto de vista social, como económico» e igualmente ao nível da «sustentabilidade ambiental», sustenta Júlio Tomás. «Nestes últimos anos tirámos das estradas muitos e muitos camiões», atesta. De resto, a empresa assume um «forte compromisso» com o ambiente, almejando
90 anos com Soure Plataforma de Alfarelos
«atingir a neutralidade carbónica, com benefícios para o planeta e para a actividade dos clientes». A estratégia da TMIP «comprova que é possível aumentar a competitividade económica das soluções logísticas garantindo, em simultâneo, um contributo sustentável e muito positivo para a protecção do ambiente e do clima», sintetiza. Júlio Tomás recusa comentar o avultado investimento, privado, feito na Plataforma de Alfarelos, que exige constantes “reforços”. Elogia o empenho, competência e profissionalismo da equipa que lidera e destaca o impacto «enorme» da plataforma «no desenvolvimento e crescimento da economia local e regional». Mas também na criação de postos de trabalhos, directos e «essencialmente indirectos». Na região, sublinha, existem algumas das empresas que exportam no país, «empresas estas que necessitam de transportes. Os transportes não se fazem sem pessoas e as pessoas precisam de trabalhar», sublinha. Uma «consonância de interesse e vontades, públicas, institucionais e empresariais», que é garante de um projecto «viável,
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competitivo e consolidado no tempo». Reservado, o responsável da TMIP faz questão de referir o apoio (não económico) de entidades que ajudaram a consolidar o projecto, designadamente o Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações, Infraestruturas de Portugal, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, Presidência da República e Câmara Municipal de Soure. Uma palavra, ainda, para os «parceiros ferroviários», a Medway, Takargo, Comsa, Transfesa, Renfe, SNCF e DB. «Almejamos continuar a ligar a região Centro de Portugal aos principais portos e centros económicos europeus». O que significa, concluiJúlio Tomás, «saber estar no centro do furacão».
Plataforma assegura transporte das mais diversas mercadorias para qualquer ponto do mundo, articulando e concertando soluções integradas
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Parque Empresarial 90 anos com Soure
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10 MILHÕES PARA “SILICON VALLEY” 2021 Parque Empresarial de Alfarelos/Granja do Ulmeiro vai marcar a diferença. Perspectiva-se um mundo de negócio à escala global e as primeiras empresas já estão no terreno
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ogística, retalho, comércio electrónico. São estes os sectores de referência para a Área Empresarial de Alfarelos/Granja do Ulmeiro. Não se trata de mais uma zona industrial, no sentido tradicional. Antes de um parque de elevada craveira tecnológica, onde a fibra óptica já representa o passado. Uma porta aberta ao “5 G”, que o município de Soure pretende instalar, aproveitando uma localização estratégica, que constitui uma vantagem competitiva para as empresas que ali vão operar. Com efeito, a nova área empresarial vai surgir na zona adjacente ao Parque Logístico deAlfarelos, no epicentro das principais linhas ferroviárias e rodoviárias do país, a dois passos dos portos da Figueira da Foz e de Aveiro. Mário Jorge Nunes, presidente da Câmara Municipal de Soure, fala com entusiasmo do projecto, que representa um investimento de cerca de 10 milhões de euros e se afigura como uma verdadeira âncora para o desenvolvimento do concelho. Um desafio que representa, sublinha, o «caminho do futuro», mas também uma «oportunidade» para áreas de negócios onde Soure tem pergaminhos. Exemplifica com o “cluster” do design e decoração, iniciado pela família Tralhão, e que tem uma relevância significativa na economia local, com projecção internacional, designadamente para os países de língua portuguesa. Mas há outros, designadamente ao nível do comércio electrónico, faz notar. A rede multimodal de transportes permite, exemplifica, que um contentor de equipamento venha da China, rumo ao porto de Barcelona, viajando directamente, de comboio, para o “porto seco” de Alfarelos, onde a empresa pode efectuar o embalamento e a expedição do produto para os quatro cantos do mundo. Desengane-se quem pensa que o comércio electrónico não cria ou cria poucos postos de trabalho, afirma o autarca, que aponta o exemplo de uma loja de artigos desportivos: «para vender a mesma quantidade que uma loja física, precisa do mesmo número de funcionários», afiança. Sobretudo, alerta, de mão-de-obra especializada, uma vez que, além de internet de «alto débito,
Área Empresarial pretende ser um cluster no retalho, logística e comércio on-line
que já não será a fibra óptica, mas o 5G», exige um «conjunto de aplicações informáticas», que permitem, designadamente, «acompanhar todo o percurso da mercadoria» e assegurar o processo de entregas, reclamações e devoluções. Longe do cinzentismo que caracteriza as tradicionais zonas industriais, a Área Empresarial de Alfarelos/Granja do Ulmeiro apresenta-se como um espaço agradável, onde o negócio se harmoniza com o lazer, com zonas arborizadas e ajardinadas (com sistema de rega que aproveita as águas pluviais), mas também largos e praças, ciclovia, passeio para peões, zonas de circulação diferenciadas para os pesados e para o trânsito automóvel. A construção será feita em módulos. «É como se fosse um jogo de legos», faz notar o autarca, sublinhando que este conceito permite uma articulação e um ajustamento perfeito às necessidades da empresa, permitindo ao mesmo tempo, uma «grande versatilidade na gestão da ocupação do espaço». «Como são espaços modelares, têm uma grande elasticidade. Tanto se podem instalar 16 empresas, como 60», explica o presidente, que fala com entusiasmo desta nova Área Empresarial, que, considera, pode ter como referências Silicon Valley, o Biocant de Cantanhede ou o I Parque –
Parque Tecnológico de Coimbra. A Área Empresarial tem outra particularidade. Nos espaços comuns está previsto um espaço para «alojamento temporário». Não se trata de uma incubadora de empresa. Trata-se, isso sim, de um «espaço de apoio à instalação», onde uma empresa se pode instalar e funcionar, «durante o período em que decorre a construção das suas instalações», esclarece. Mário Jorge Nunes destaca uma “lista de espera” de empresas, interessada em instalar-se no novo Parque Empresarial de Alfarelos/Granja do Ulmeiro, algumas das quais já estão mesmo a operar, em instalações provisórias, a partir daquela zona, outras que se encontram na Incubadora de Negócios e Empresas de Soure. O projecto de arquitectura «está aprovado pela Câmara» e vai avançar o projecto de especialidades. «Até ao final do ano prevê-se o lançamento do concurso», adianta o autarca, que acredita que o projecto, que representa um investimento de cerca de 10 milhões de euros, possa, no próximo ano, «estar em obra e com financiamento». O Plano de Recuperação e Resiliência pode perfilar-se como uma plataforma para o financiamento ou, eventualmente, o próximo quadro comunitário de apoio 2030.
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Associação Empresarial 90 anos com Soure
AESOURE: PORTO DE APOIO À DINÂMICA EMPRESARIAL 2007 Sete anos depois da fundação, a Associação Empresarial de Soure começa a incrementar um verdadeiro movimento associativo e a projectar o tecido empresarial do concelho
Incubadora de Negócios e Empresas tem apoiado vários projectos e há lista de espera
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apoio à instalação de novas empresas, a formação, a bolsa de emprego e informação sobre legislação são as solicitações mais frequentes dos empresários, sócios da Associação Empresarial de Soure (AESOURE). Uma estrutura criada em Outubro de 2000, mas que só sete anos depois, em Julho de 2007, deu o “grito do Ipiranga” e arrancou com um conjunto de projectos e de iniciativas tendentes a promover e apoiar o tecido empresarial do concelho. Um caminho consolidado, de forma sustentável, que tem no empresário Carlos
Cordeiro o seu actual timoneiro. Projectos não faltam. Alguns completamente inovadores. «Estamos a preparar a nossa estrutura para não ser uma simples estrutura de apoio ao investidor, mas ser, no curto espaço de tempo, uma solução activa, que disponibiliza não só os meios técnicos, mas também os meios físicos», afirma o presidente da direcção. Carlos Cordeiro concretiza, apontando, designadamente, para a disponibilização de «terrenos industriais prontos a construir, armazéns para arrendar, etc.». Mas há mais em perspectiva, procurando levar mais longe o apoio ao comércio local
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e de proximidade. Além das campanhas, de promoção de eventos, que têm vindo a ser efectuadas, a AESOURE quer dar mais um passo. «Estamos a preparar, com a nossa equipa técnica, um Gabinete deApoio ao Turismo, por forma a organizar iniciativas para dinamização e promoção do comércio e dos produtos endógenos da região», explica. 2007 foi, em rigor, o ponto de viragem, de “activação”, da AESOURE, facto que coincidiu com uma parceria, firmada com a Câmara Municipal, relativamente à organização da Feira Anual de São Mateus / FATACIS – Feira do Artesanato, Turismo, Agricultura, Comércio e Industria de Soure. Um momento que, confessa o presidente, «veio marcar decisivamente o desenvolvimento da associação», que «conseguiu sedimentar a sua posição na comunidade concelhia», além de «aumentar significativamente a sua massa associativa». De resto, a ligação à organização do certame e das festas concelhias manteve-se até aos dias de hoje, muito embora o município tenha, recentemente, chamado a si a organização das feiras tradicionais e os espectáculos, com a AESOURE a assumir toda a estrutura da FATACIS, um evento que, cada vez mais, é um espelho da «promoção empresarial concelhia, regional e nacional», uma vez que o certame «já é procurado por empresários de todo o país», atesta. A organização da FATACIS também teve um impacto interno da estrutura da AESOURE, que passou a funcionar, desde 2008, como «uma estrutura profissionalizada» (além do trabalho, pro bono, dos corpos sociais), que se empenhou, desde então, a garantir um conjunto e serviços de apoio aos associados, «afirmando-se como uma verdadeira associação interventiva no seu contexto económico-social».
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Em 2011, a associação avançou com um primeiro grande projecto financiado, aprovado pelo Modcom, de animação e dinamização do comércio do centro urbano da vila e no ano seguinte começou a organizar a “Mega Esplanada”, um evento destinado à promoção a gastronomia e da restauração, de produtores agrícolas, de artesanato urbano e dos grupos musicais. 2017 representa um marco relevante na história da associação, com a entrada em funcionamento da Incubadora de Negócios e Empresas (INES), no âmbito de uma candidatura a um projecto de apoio ao empreendedorismo. Em causa está um investimento municipal, que constitui «uma mais-valia no apoio ao investimento no concelhio», salienta Carlos Cordeiro, apontando a disponibilização de espaços para incubação de empresas, salas de formação, de reunião e de coworking. O espaço físico de acolhimento de novas empresas tem 11 salas e
90 anos com Soure Associação Empresarial
neste momento, faz notar, estão em lista de espera ou em incubação virtual «oito novas empresas». O projecto também envolve o Gabinete de Apoio ao Empreendedor, que disponibiliza várias ferramentas de apoio e acompanhamento aos empreendedores concelhios. Carlos Cordeiro destaca a centralidade de Soure como uma mais-valia, tendo em conta o acesso rápido às principais vias rodoviárias (A1, A13 e A17), a existência de «uma das maiores plataformas logísticas ferroviárias da Península Ibérica», bem como a proximidade do porto da Figueira da Foz. A tudo isto, acresce o facto de Soure ser classificado, em matéria de atribuição de fundos comunitários, um concelho de baixa densidade, o que representa «majorações e linhas de apoio idênticas às do interior». Carlos Cordeiro, presidente da Associação Empresarial de Soure
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Conselhos aos mais jovens Empresário com uma larga experiência, Carlos Cordeiro incentiva os jovens empreendedores. Sublinha os muitos incentivos e formação que actualmente existem e constituem uma ferramenta importante para transformar as ideias em negócios. Todavia, bem humorado, lembra que se não devem esquecer que «o único sítio onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário!». «Ser empresário é ser um guerreiro e quem vai para a guerra tem de estar preparado», alerta, apontando as exigências do mercado, em constante mudança, a dificuldade crescente em fidelizar clientes, a concorrência e o mercado global, sem esquecer as «pesadas» obrigações legais (fiscais, laborais, etc.). Todo o empresário «deve estar preparado para ajustar o seu plano às novas tendências», alerta. Deixa, ainda, um conselho aos mais jovens: «diminuir o risco ao máximo, planeando bem o negócio que vão criar, estudar o mercado, fazer um bom plano de negócio (estudar o meio envolvente, planear e fazer previsões financeiras).
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Produção de Queijo 90 anos com Soure
OS SEGREDOS DE UM QUEIJO ÚNICO 1993 Queijaria da Licínia é uma referência incontornável na produção de queijo. O sabor autêntico do Rabaçal tem ali um dos seus “ex libris”. Mas há mais queijos, curados, amanteigados. E ainda queijo fresco e requeijão
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udam-se os tempos, mas a tradição mantém-se. Sobretudo os sabores. A marca distintiva de um queijo produzido com paixão, com um saber acumulado de gerações, com o carinho de quem faz uma obra de arte para levar à mesa. É assim a Queijaria da Licínia, Lda. Um projecto que nasceu como apoio à subsistência da família. Mas cresceu, afirmou-se no mercado, mantendo sempre o traço distintivo de um produto artesanal, de qualidade, único. Licínia Neves é a “trave mestra” deste projecto familiar. Aprendeu a fazer queijo com a avó materna e com a mãe. A família, como era normal na época, tinha um pequeno rebanho e todos os dias fazia o queijo, que deixava a curar, sobre tábuas. «Os queijos eram uma das formas de subsistência da família, que vivia apenas da agricultura», conta a filha, Marta, também ela herdeira deste saber-fazer. Seguindo a tradição familiar, Licínia começou, ainda muito jovem, a fazer queijo. 1993 foi o ano da “viragem”. O queijo passou, indubitavelmente, a ser o seu modo e vida. «Começou a trabalhar em nome individual e a produzir Queijo Rabaçal DOP (Denominação de Origem Protegida). «Foi uma das pioneiras na certificação deste
queijo», recorda, com orgulho, a filha. A aldeia de Cotas, na freguesia de Pombalinho, onde residia, foi o local escolhido para avançar com a produção. «Os recursos eram reduzidos e, portanto, começou em pequena escala». O leite vinha do rebanho que possuía e era a sogra quem a ajudava em tudo. Desde a ordenha ao fabrico, viragem e lavagem do queijo, inclusive na comercialização. Todavia, o toque diferenciador de Licínia Neves cedo se fez sentir. As encomendas aumentavam, o que obrigou à compra de leite nas aldeias vizinhas, «com recolha diária». A produção cresceu, mas cresceu, igualmente «a vontade de fabricar novos produtos». Daí resultou, explica, o arranque da produção de Queijo Fresco de Ovelha e Cabra e de Requeijão, alguns dos produtos mais emblemáticos e premiados da queijaria. As portas dos hipermercados abriram-se, daí resultando um aumento de vendas e, consequentemente, a necessidade de crescer em termos de produção. O resultado foi, explica Marta Carvalho, o «aumento das instalações» e a criação da empresa Queijaria da Licínia, Lda. Apesar do “salto”, a queijaria continua a reger-se «por uma produção artesanal e tradicional», garante. O Queijo Rabaçal DOP representa «a ala-
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Prémios A Queijaria da Licínia tem visto os seus produtos reconhecidos, não apenas pelo consumidor, mas também pelos maiores especialistas em matéria de queijos.«Estes prémios são o reconhecimento de um esforço contínuo dos proprietários, bem como de todos o colaboradores desta empresa», afirma Marta Carvalho. O primeiro galardão foi conquistado em 2013, no Concurso de Queijos de Portugal, realizado pela Associação Nacional de Industriais de Lacticínios (ANIL), em colaboração com a FullSense. O Queijo Fresco de Mistura arrebatou o primeiro prémio, galardão que voltou a conquistar em 2015 e em 2018. Em 2014 foi o Requeijão que se afirmou, com a atribuição do primeiro prémio. Em 2015 e em 2017 o Queijo Fresco de Cabra impôs-se, chamando a si o primeiro prémio do concurso. vancagem para o crescimento da empresa», sublinha, sendo «produzido segundo o caderno de especificações para o fabrico de um produto certificado». Trata-se, faz notar, de um «queijo sazonal», cujo pico de produção acontece entre Abril e Maio. O leite «provém de produtores locais, alguns com pequenos rebanhos, outros de maior dimensão, mas todos inseridos na Serra de Sicó e cumprindo o caderno de encargos que delimita esta região para a produção deste queijo».. Quanto aos restantes queijos, não sazonais, a produção é «em grande escala», com leite proveniente de várias zonas do país, de molde a dar resposta à procura crescente. «Actualmente produzimos, em média, 7 a 10 mil litros de leite por dia», o que representa o fabrico «entre 10 a 15 mil queijos», garante Marta Carvalho.
Dos frescos aos curados Aprodução está dividida em duas grandes áreas. A Linha dos Queijos Frescos inclui queijos de mistura de leite, de ovelha e cabra, e queijos exclusivamente de leite de cabra. «Os fabricos são distintos, para diferenciar os produtos na sua consistência, textura e sabor», esclarece. a filha de Licínia. «O queijo fresco de mistura tem um sabor
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mais forte e uma consistência suave, enquanto o queijo fresco de cabra tem um sabor suave e uma consistência semi-dura», adianta. Os queijos frescos têm registado uma crescente procura no mercado e correspondem actualmente a 60% da produção da queijaria. Já na Linha dos Queijos Curados, há produção com mistura de leite e apenas com um tipo. À semelhança do que acontece com o queijo fresco, também no curado «cada tipo de queijo tem uma receita e produção distintas, de acordo com o produto que queremos obter», explica. «Um queijo amanteigado ou de pasta dura, com maior ou menor tempo de cura, confere texturas e sabores diferentes, desde um sabor suave a um sabor mais forte, ou ainda com um travo picante, característico de queijos com maturação superior a quatro meses». Destaque, ainda, para o requeijão. Feito com mistura de leite de cabra e de ovelha, «diferencia-se dos que existem no mercado», garante, enaltecendo a «textura cremosa» deste requeijão, «com particularidades distintas», ideal «para barrar e não para fatiar».
90 anos com Soure Produção de Queijo
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Uma herança que passa de pais para filhos Licínia aprendeu a fazer queijo com a mãe e com a avó e a filha segue-lhes as “pisadas”. Marta recorda que tinha apenas três anos quando os seus pais decidiram investir na produção de queijo. «Vi a minha mãe, com a minha avó, a fazer o queijo diariamente, a partir do leite do pequeno rebanho que tinham», adianta. Ao longo dos anos, sentiu as «dificuldades» que o «esforço, a dedicação e a persistência dos pais» permitiu ultrapassar e avançar para a criação de uma empresa. «Esse foco foi-me transmitido e, por ser filha única, senti sempre a responsabilidade de dar continuidade aos esforços que os meus pais foram fazendo ao longo da sua vida», confessa. Essa foi, de resto, uma das razões que levou Marta a tirar o curso de Engenha-
ria Alimentar, que classifica como «um grande instrumento para o conhecimento e gestão da empresa». Desde que começou a trabalhar na queijaria, imprimiu a sua marca. «Ajudei na criação de novos produtos», refere, mas também colocou o seu know-how ao serviço da gestão dos recursos humanos e na área do marketing. Uma aposta para o futuro. Um futuro que, tal como no passado, tem subjacente um enorme “segredo”, que faz do Queijo Rabaçal e dos restantes queijos, curados e frescos da Queijaria da Licínia uma referência. Marta Carvalho não tem dúvidas. «É a dedicação, o conhecimento, a experiência e qualidade da nossa equipa», aliada à «qualidade da matéria-prima que obtemos dos nossos produtores», que faz a diferença… o segredo destes queijos.
Projectos para o futuro
A cura é decisiva para a textura do queijo
Actualmente com 30 trabalhadores, incluindo o pessoal administrativo, a Queijaria da Licínia vende os seus produtos em pequenas mercearias e em super e hipermercados de todo o país. Mas também no estrangeiro há queijo da Licínia. Sobretudo no chamado “mercado da saudade”, designadamente em França, na Suíça e na Alemanha. O crescimento continua a ser uma realidade, tendo em conta a procura cada vez maior. Um dado que obriga a pensar em «aumentar as nossas insta-
lações», assume Marta Carvalho. Um projecto que inclui, ainda, o desenvolvimento de «novas linhas de produção, para criar produtos diferentes», mas também para «inovar no embalamento e marketing, de forma a projectar uma ainda maior divulgação da qualidade dos nossos produtos». As obras de ampliação e remodelação estão previstas para este ano e contemplam, também, a criação de uma “Loja da Fábrica” para «a venda dos nossos produtos». «É um dos pontos fulcrais», garante a jovem.
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Acidentes 90 anos com Soure
ACIDENTES NA LINHAI DO NORTE QUE FICAMI PARA A HISTÓRIAI
Colisão de Alfa Pendular com máquina ferroviária provocou duas vítimas mortais
2013 e 2020 Colisão entre Intercidades e Regional, em Alfarelos, bloqueou a linha durante mais de 60 horas, mas não provocou danos pessoais graves. Diferente foi a colisão de um Alfa Pendular com uma máquina ferroviária, de que resultaram duas vítimas mortais
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ois acidentes marcam a história da Linha do Norte no concelho. Ambos neste milénio. Os dois com uma enorme mobilização de meios. Mas apenas num houve vítimas mortais. Dois trabalhadores da Infraestruturas de Portugal que procediam a operações de manutenção. Ambos de Viseu. Um, de 50 anos, residente em Mangualde. Outro, de 57, de Vouzela. Aconteceu no dia 31 de Junho de 2020. Do acidente, que envolveu um comboio Alfa Pendular proveniente de Lisboa com destino a Braga, e uma máquina de trabalhos ferroviários, resultaram, ainda, sete feridos graves e 36 feridos ligeiros. O embate aconteceu junto à localidade de Matas, com o alerta a ser dado às 15h30. No Alfa Pendular seguiam 212 passageiros. Na máquina da Infraestruturas de Portugal encontravam-se as duas vítimas mortais. Para o local do acidente, que o Diário de Coimbra noticiou no dia 1 de Agosto, foi mobilizado um forte dispositivo de socorro,
constituído por 181 operacionais, entre bombeiros, elementos do INEM, da Cruz Vermelha Portuguesa e da GNR, mas também da Câmara Municipal de Soure, da Infraestruturas de Portugal e da CP. 74 viaturas, entre as quais dezenas de ambulâncias de várias corporações do distrito, asseguraram o transporte dos sinistrados e para o local, de acordo com o relato então feito pelo comandante distrital de operações de socorro, Carlos Luís Tavares, foi acautelada a mobilização de dois helicópteros do INEM, que acabaram por não ser necessários. A capacidade de resposta das entidades que integram a Protecção Civil foi exemplar, com o INEM a montar, junto à Linha do Norte, um posto médico avançado, onde se procedeu à avaliação e estabilização inicial dos feridos. Depois de estabilizados e com acompanhamento médico, foram transportados para o hospital.Aacompanhar os feridos estiveram duas unidades móveis de apoio psicológico. Cerca de 180 passageiros que seguiam no Alfa Pendular foram retirados do local do acidente e acolhidos no pavilhão multiusos de Soure, onde foram acompanhados por mais de duas dezenas de profissionais. Médicos e enfermeiros que se deslocaram voluntariamente para o local. No Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) foram assistidos 28 feridos, dois dos quais graves e outros dois muito
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graves. «Um dos casos que inspirava mais cuidados, devido a politraumatismos, e era maquinista doAlfa Pendular, que foi levado para o bloco operatório de emergência», relatava o Diário de Coimbra, na notícia assinada por João Paulo Henriques. «Foi a primeira vítima a ser evacuada, porque era a que nos preocupava mais. Apresentava traumatismo torácico e abdominal», explicava Paula Neto. A médica do INEM adiantava que as «vítimas mais graves foram todas evacuadas para o HUC. Dos restantes 24 feridos assistidos nos CHUC, todos ligeiros, 21 deram entrada nos HUC, entre os quais os quatro feridos graves e outros três foram assistidos no Pediátrico. O Hospital da Figueira da Foz assistiu seis feridos ligeiros. A colisão entre a máquina e o comboio, seguida de descarrilamento, provocou elevados danos na Linha do Norte, designadamente ao nível das catenárias. Os destroços eram «visíveis ao longo de uma extensão considerável da linha», escrevia o jornal, que destacava a «redobrada atenção» exigida aos operacionais de socorro à «procura de vítimas, tanto no interior das composições, como no exterior». A Linha do Norte foi encerrada. No dia 1 de Agosto começaram os trabalhos de remoção dos destroços e reparação da via férrea e da catenária, sendo a circulação, retomada na manhã do dia 2. Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, deslocou-se ao local do acidente e foi instaurado um inquérito, da responsabilidade do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF). O relatório final deverá ser conhecido em finais de Julho. Todavia, os dados preliminares atestam o que na altura foi apontado como cenário provável: o veículo de conservação de catenária (VCI 105), que circulava entre o Entroncamento e Mangualde, parou, por volta das 15h13 na via de resguardo da estação de Alfarelos, para esperar a passagem do Alfa Pendular 4005. «Por motivos indeterminados, apesar de o sinal ainda estar vermelho, o veículo de manutenção prosseguiu viagem às 15h25, entrando na linha 1, por onde iria circular o comboio de passageiros». Com a via ocupada, o sinal mudou para vermelho e foram accionados os travões do Alfa Pendular, mas, devido à curta distância, foi impossível evitar a colisão, que ocorreu às 15h26, cerca de 20 segundos
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depois do veículo de manutenção ter entrado na linha. A violência do embate provocou o descarrilamento das duas primeiras carruagens do comboio de passageiros e a máquina ferroviária foi arrastada ao longo de cerca de 500 metros.
Colisão entre regional e intercidades O outro acidente aconteceu na noite de 21 de Janeiro de 2013, na estação deAlfarelos – Granja do Ulmeiro. Um comboio Intercidades embateu num Regional, que se encontrava parado na estação. O resultado foram 21 feridos. «As chapas retorcidas e os destroços das carruagens faziam adivinhar um balanço bem mais trágico, mas o facto de o regional ir praticamente vazio terá evitado uma tragédia», escrevia o Diário de Coimbra. O comboio Regional, proveniente do Entroncamento, estava parado no sinal vermelho, à entrada da estação, quando, por volta das 21h15, o Intercidades, proveniente de Lisboa com destino ao Porto, «embateu com violência na traseira, destruindo por completo a última carruagem, onde pro-
90 anos com Soure Acidentes
vavelmente não iria ninguém», adianta a notícia, assinada por João Luís Campos. «No total iriam apenas cinco pessoas nesta composição, enquanto que no Intercidades seguiram 72». «Malas pelo ar, pessoas a escorregar pelos corredores, gritos de socorro» foi o cenário descrito pelos passageiros. Duas carruagens do Intercedidas descarrilaram, ficando tombadas sobre a via.
Diário de Coimbra deu destaque ao acidente e acompanhou situação
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Temendo-se um elevado número de vítimas, foram mobilizados para o local 146 bombeiros e 43 veículos de apoio. Inclusivamente foi accionado o helicóptero de socorro. As carruagens foram passadas a “pente fino”, de forma a garantir que não existiam mais vítimas entre a amálgama de ferros retorcidos. Dos 21 feridos, 15 foram transportados para o hospital, mas nenhum inspirava cuidados de maior. As operações de remoção, com vista à reabertura da linha não correram de feição. No dia seguinte, o forte temporal inviabilizou a retirada do material circulante e, depois,, a grua ferroviária que procedia à remoção dos escombros, tombou. Ao início da tarde do dia 23, uma grua rodoviária, de 500 toneladas foi instalada no local e dezenas de técnicos, sob uma chuva intensa, prosseguiam os trabalhos. O “pesadelo”só terminou no dia 24, com a Linha do Norte a reabrir, uma primeira via de manhã e a segunda às 17h00, depois de mais de 60 horas de total bloqueio total, o que obrigou a CP a requisitar autocarros para fazer o transbordo do passageiros ente Coimbra B e Pombal.
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Fábrica do Paleão 90 anos com Soure
FÁBRICA DO PALEÃO: UMI SÉCULO QUE FEZ HISTÓRIAI Fábrica chegou a ter meio milhar de trabalhadores. Fechou há 30 anos
1991 Em Setembro de 1991, encerrou a última secção da unidade de fiação e tecelagem. Uma das mais emblemáticas empresas da região funcionou durante 100 anos e deixou marcas profundas
J
á estou velho, mas ainda gostava de ver isto a trabalhar!» As palavras são de José Carlos Gonçalves, o guardião do que resta da antiga Fábrica do Paleão. As velhas paredes mantêm-se de pé, mas nos enormes pavilhões, agora vazios, consegue-se imaginar o que seria o ruído de cerca de 200 teares a trabalharem em simultâneo. Ao lado, fica a fiação, igualmente vazia. Um amontoado de “canelas”, à semelhança do que acontece na tecelagem, deixa antever um período de glória. Em alguns recipientes ainda há resquícios de algodão, já depois de ter sido retirado dos fardos, limpo e passado pelas cardas e laminadores. Uma velha máquina de cardar, testemunha, silenciosa esse passado heróico. «Chegámos a ter 500 trabalhadores», afirma o “ultimo Moicano”. José Carlos Gonçalves entrou para a fábrica em 1966. «Depois de vir da Guiné», onde cumpriu o serviço militar. A sua vida foi o escritório, na área da contabilidade. Ainda hoje guarda religiosamente as fichas de trabalho de dezenas e dezenas de funcionários. A empresa fechou definitivamente em 1991, altura em que encerrou a secção de fiação.
Antes, em 1982, tinha encerrado a tecelagem. Era o ponto final de uma grande empresa. O antigo “guarda-livros” manteve-se fiel à empresa onde trabalhou toda a vida. Hoje, com 80 anos, continua a ser o zelador do espaço e do património, pertencente à Sonae. Com o entusiasmo de quem conhecia profundamente a empresa, José Carlos Gonçalves guia-nos numa viagem pelo tempo e pela história. 1891. A data está inscrita logo à entrada. «Foi o ano em que começou a trabalhar», esclarece. A construção, essa começou três anos antes, em 1888.
Casa do Operário foi um centro cívico
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Na génese do complexo, com a designação de Companhia Fabril e Industrial de Soure, está a «abundância de água» e o interesse de Evaristo de Carvalho, que «procurou, e conseguiu, a colaboração de “financeiros lisboetas” e de empresários ingleses. O acordo com a Baerlein & Ca., de Manchester, foi assinado em 1888, com objectivo de criar, no Paleão, «uma unidade industrial de primeira ordem». «A secção de fiação arrancou em 1893 e a de tecelagem no ano seguinte», explica. Mais tarde, as dificuldades de tesouraria e a crise provocada pelo “Ultimato Inglês” conduziram, em 1892, à fusão da empresa do Paleão com a Real Fábrica e Fiação de Tomar, «formando um império algodoeiro no Centro do país, que rivalizava com os “grandes” de Lisboa e do Porto». Em 1940/41, a empresa passa a integrar o Grupo Fabril do Norte, EFANOR, depois de uma crise profunda, nos anos 30, altura em que se chegou a equacionar o seu encerramento. Luís Delgado assume pessoalmente a gestão e consegue levar “a carta a Garcia”. Uma segunda unidade fabril, dedicada ao linho, foi criada em 1955. Uma produção com pergaminhos no concelho, que ganhou foros de cidadania no Paleão. Ao contrário do algodão, importado de Angola, Moçambique ou Israel, o linho era produzido na região, «por todo o concelho de Soure, até à Tocha e a Quiaios». Os tecidos saíam em “cru” para a Senhora da Hora, no Porto, onde eram submetidos aos necessários acabamentos, designadamente «branqueamento e tinturaria». José Carlos Gonçalves assistiu à “ascensão e queda” da empresa. «Tivemos um período riquíssimo. Chegámos a ter 500 trabalhadores. Era uma das maiores unidades industriais do distrito», atesta, com orgulho. Para quem tenha dúvidas, garante que a Fábrica do Paleão «era mais importante» do que a Ideal, de Coimbra. «Trabalhava aqui gente do Paleão, de Soure e mesmo de outros concelhos», faz notar.
Notável obra social Reflexo e resultado dessa pujança foi a grande obra social que a fábrica promoveu a partir dos anos 50. Desde logo com a construção de um bairro, com 14 casas, onde hoje ainda habitam três casais, antigos funcionários da empresa. A Casa do Ope-
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Fábrica do Paleão 90 anos com Soure
rário era o centro cívico de eleição. «Passavam ali filmes», recorda, assumindo que a programação «rivalizava com a do Teatro Gil Vicente, em Coimbra». «A máquina de projectar ainda lá está, mas nunca houve cinema». Também ali nasceu o Clube de Desporto e Educação Física Norte Soure, onde militaram um conjunto de jogadores da Académica de Coimbra. «Não tinham lugar na equipa e fomos buscá-los». O rosário de memórias, avivado pelas fotografias, aponta João Carlos Pires Trindade, Amaro Jorge, Moreira, Nuno Campos, entre outros craques da bola. «Andámos na terceira divisão nacional», diz, com orgulho. Também foi neste “ninho” que nasceu o Rancho Típico de Paleão (ainda hoje ali sediado), a secção de atletismo, de basquetebol, a equipa de ciclismo, a orquestra típica e até um grupo de baile. A fábrica possuía secções de serralharia, carpintaria e electricidade e também um corpo de bombeiros privativo. «Cheguei a ser comandante», diz José Carlos Gonçalves, que explica a necessidade deste corpo de bombeiros, constituído por 17 homens, tendo em conta o material altamente inflamável com que trabalhavam. De resto, bastava uma pedrinha, vinda num fardo de algodão, entrar na “engrenagem” para fazer faísca e “pegar fogo”. No enorme espaço funcionava, ainda, uma mini-hídrica, que fornecia parte da energia necessária ao funcionamento da fábrica e que ali se mantém. A licença, essa já caducou há muito. Uma velha máquina a vapor - «50 toneladas de ferro» foi levada por Belmiro de Azevedo e pode ser apreciada no Norte Shopping. Outra, mais pequena, mantém-se na empresa, assim como as caldeiras, os quadros eléctricos, os três transformadores. Na enorme quinta produziam-se hortícolas, olival, vinha e também havia gado.
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José Carlos Gonçalves explica o funcionamento do sector da fiação
Cerca de três dezenas de trabalhadores cuidavam das hortas. Os produtos eram levados para abastecer a cantina da Senhora da Hora, onde o Grupo EFANOR tinha «mais de dois mil trabalhadores» No início dos anos 80 a crise começou a dar sinais notórios. «O trabalho começou a diminuir. Não havia escoamento para a produção e começaram a “amputar”. Primeiro na tecelagem. Depois na fiação», conta. «Não houve ninguém que nos acudisse na altura. A Câmara adormeceu. Ficámos encurralados!», afirma com tristeza e alguma revolta. «Havia famílias inteiras a trabalhar aqui», recorda José Carlos Gonçalves, lembrando o «bom-senso» dos gestores, entre 1982 e 1991, que tiveram o cuidado, quando marido e mulher trabalhavam na empresa, de manter o posto de trabalho de um dos cônjuges. Uma situação que se prolongou até Setembro de 1991, quando a empresa fechou definitivamente. Na altura, ainda teria 260 a 290 funcionários. A fábrica, as instalações e a quinta já per-
tenciam, então (desde 1988) ao Grupo Sonae. «Sempre lutei para ver se alguém pegava nisto, mas sem êxito», confessa, entristecido o guardião da Fábrica do Paleão. «Era uma empresa com cabeça tronco e membros. Tinha tudo. Isto era um jardim!», diz. Orgulhoso desses tempos e dessas memórias, garante que «o Paleão tinha mais movimento do que Soure!». Um passado de glória. Um século de história e de trabalho. «Já estou velho, mas ainda gostava de ver isto voltar a trabalhar», confessa José Carlos Gonçalves.
Uma mini-hídrica fornecia uma boa parte da energia que a fábrica precisava para manter a funcionar a secção de fiação e de tecelagem