TÁBUA
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Esta revista faz parte integrante da edição de hoje do Diário de Coimbra e não pode ser vendida separadamente
90 ANOS COM
90 anos com Tábua Introdução
Diário de Coimbra
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90 anos com Tábua
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o coração da Beira Serra, o planalto vê-se abruptamente entrecortado por vales profundos, onde correm rios e ribeiros. Uma terra de contrastes, onde o verde dos pinheiros, dos eucaliptos, dos carvalhos e dos medronheiros ganha mais vida, rivalizando com as encostas cobertas de vinhedos, de oliveiras ou simplesmente do pasto, igualmente verde, que alimenta os rebanhos de ovelhas. Uma terra onde o granito se fez monumento natural, com o Penedo C’ Abana ou a Pedra da Sé. Mas também pedra que ajudou a erguer palácios, solares, pelourinhos, igrejas e outros espaços de culto. Tábua, uma terra com História e de histórias, onde João Brandão levou a melhor sobre bandos de sicários e salteadores, mas acabou condenado ao degredo por um crime que não cometeu. Um herói para o povo, que se mantém vivo na memória dos tabuenses – sobretudo dos midonenses – praticamente dois séculos depois da sua morte. Memória que também tem, bem presente, a figura carismática de Sarah Beirão, uma mulher à frente do seu tempo, que marcou gerações no passado e continua, hoje, a ser uma figura inspiradora. Uma terra de tradições e de bem receber, que celebra com Vi-
nho Dão e convida os apreciadores do Queijo Serra da Estrela. Uma mesa farta, onde a broa e o triga-milho são presença garantida, o tempero elege o azeite e descobriu, na viragem do século, condições de excelência para a produção de cogumelos e de frutos vermelhos. Foram muitos os que partiram, rumo a Lisboa ou para terras do Brasil, onde mostraram o seu empreendedorismo e génio criador, afirmando-se como empresários de sucesso, mantendo uma ligação fiel ao torrão natal. Outros ficaram e vingaram no mundo dos negócios, posicionando-se como líderes incontestados a nível nacional e internacional. Este território é também a terra de eleição de muitos estrangeiros. Belgas, holandeses, ingleses, alemães, que se deslumbraram com a beleza da paisagem, se aconchegaram no abraço da natureza e quiseram ficar, fazendo desta a sua nova casa. É ao concelho de Tábua que dedicamos a revista que hoje publicamos, no âmbito do projecto que assinala as nove décadas do Diário de Coimbra. Cientes de que muito fica por dizer, convidamos os leitores a embarcarem connosco nesta viagem de memórias e a recordarem alguns dos momentos marcantes para Tábua e para os tabuenses.
FICHA TÉCNICA Janeiro de 2022 Director: Adriano Callé Lucas Directores-adjuntos: Miguel Callé Lucas e João Luís Campos Directora-geral: Teresa Veríssimo
Coordenação editorial: Manuela Ventura Coordenação comercial: Mário Rasteiro Textos: Manuela Ventura
Fotos: Figueiredo, Ferreira Santos, Santa Casa da Misericórdia de Tábua, Câmara Municipal de Tábua, Grupo Aquinos, Arquivo e D.R. Vendas: Helder Rocha Design gráfico: Pedro Seiça
Publicidade: Carla Borges e Rui Semedo Impressão: FIG – Indústrias Gráficas, SA Tiragem: 10 mil exemplares
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Opinião 90 anos com Tábua
Diário de Coimbra
Um exemplo de ambição e resiliência que nos inspira Ricardo Cruz Presidente da Câmara Municipal de Tábua
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anos na vida de um jornal regional é um marco digno de referência, pelo que em nome de todos os Tabuenses, felicito vivamente o Diário de Coimbra pelo notável trabalho de divulgação, promoção e defesa de toda a Região de Coimbra e do nosso concelho em particular. O Diário de Coimbra, pelas memórias que as suas páginas preservam, revela-se como um documento indispensável para quem pretenda fazer a história do Território, uma história na qual possamos alicerçar um futuro que desejamos de progresso e desenvolvimento. É também este o nosso propósito e o compromisso que estabelecemos com Tábua e com os Tabuenses. Estamos empenhados em dar continuidade à construção de um Concelho com um olhar nos ensinamentos do passado, das suas gentes, instituições, do potencial endógeno único e distintivo, mas ao mesmo tempo portadores da capacidade e astúcia para implementar um processo de desenvolvimento que incorpore uma visão inovadora, empreendedora,
assente no conhecimento, na criatividade e modernidade, elementos facilitadores para o aproveitamento das novas oportunidades e soluções que os novos tempos transportam. Apesar do contexto atual marcado pela pandemia, encaramos o futuro como um desafio e um estímulo adicional que nos permitirá concretizar um projeto de progresso para Tábua e corresponder à confiança que os Tabuenses em nós depositaram. Uma estratégia que terá como um das suas prioridades a atração de investimento empresarial capaz de atrair e fixar pessoas, para o que será determinante não apenas a concretização das ampliações das Áreas de Localização Empresarial de Tábua, Carapinha e Mouronho, mas também a entrada em funcionamento do Espaço CULTIVA que se apresentará como uma estrutura moderna de acolhimento de iniciativas produtivas, vocacionadas para o conhecimento, para a transição digital, para a formação e inovação social ou ainda a aposta no Turismo e na agricultura e produtos locais como setores de valorização do que de melhor Tábua tem para oferecer. Fruto dos investimentos municipais dos últimos anos e da resiliência e empenho dos nossos empresários, orgulha-nos o facto de em 2020 o concelho de Tábua ter sido o 4º maior exportador do Distrito de Coimbra, sendo o 3º em termos do saldo da balança comercial. São estes resultados que queremos reforçar.
A aposta nas pessoas, no bem-estar dos “Séniores”, na educação e formação dos mais jovens, na promoção da cultura local, onde somos um notável exemplo a nível regional, constituem outros dos desígnios da nossa ação, confirmando a atitude solidária que caracteriza as nossas populações. Contudo, para o êxito da nossa missão, a concretização deste projeto terá de se inserir num quadro de rigor financeiro e de consolidação das contas municipais, para o que será dispensada uma atenção especial às oportunidades associadas aos Fundos Comunitários, através do PRR e Portugal 2030. É com o exemplo da ambição, vontade e crença com que há 90 anos Adriano Lucas fundou o Diário de Coimbra, que queremos continuar a colocar Tábua na senda do desenvolvimento.
Orgulha-nos o facto de em 2020 o concelho de Tábua ter sido o 4º maior exportador do Distrito de Coimbra, sendo o terceiro em termos de saldo da balança comercial
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90 anos com Tábua Queijo Serra da Estrela
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A TRADIÇÃO DO QUEIJOI SERRA DA ESTRELAI
Margarida Fernandes é pastora e queijeira. Na Quinta do Passal encontra-se um dos maiores rebanhos da região
2000 Margarida Fernandes aprendeu as “voltas do queijo” com a avó e há cerca de duas décadas deu início à sua própria produção. Na Quinta do Passal cumpre-se a tradição. Faz-se queijo amanteigado, queijo fresco e requeijão
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resceu em Pinheiro de Coja e foi ali, numa família onde o gado abundava, que Margarida Fernandes aprendeu os segredos do queijo. «A minha avó fazia queijo», diz, recordando a arte de Conceição Pereira e «uma vida de trabalho», com o pai lavrador, que chegou a ter 11 bois, além de um talho e uma taberna e um rebanho de ovelhas. «Com 8/9 anos, vinha da escola e andava com as ovelhas», recorda. Uma aprendizagem que se viria a revelar bastante útil, mais tarde, quando casou. Conheceu o marido, José Fernandes, na feira, em Oliveira do Hospital. Ele, natural de Tondela, era negociante de gado e foram precisamente os animais que os juntaram.
Margarida foi à feira com uma comadre e levavam umas ovelhas que aquela tinha comprado na feira de Covelo. «Nunca tinham visto gente e fugiram-nos», conta. Os animais tresmalhados chamaram a atenção de José Fernandes, que ajudou a reuni-los e encantou-se pela jovem pastora. Um sentimento recíproco. «Namorámos um ano e depois casámos», recorda. Com o negócio montado em Tondela, o casal acaba por comprar a Quinta do Passal, em Tábua, na altura completamente votada ao abandono, cheia de mato e de silvas, sem água nem luz, razão pela qual Margarida e José optaram por viver em Pinheiro de Coja, deslocando-se diariamente para Tábua. Um processo que demorou alguns anos e que envolveu a construção da casa onde residem e a aquisição de mais terrenos, perfazendo os actuais 16 hectares. Negociante de gado, o marido abriu um talho em Coja, actualmente gerido pelo filho, e Margarida também ali dava uma ajuda. «Levava o gado ao matadouro, em Arganil. Só não matava o boi», refere, destacando o grande apoio do pai, que a acompanhava sempre
nestas diligências. Mas havia ainda o rebanho das ovelhas para levar ao pasto e tratar. «Andava com os meus filhos – Cátia, hoje enfermeira, a trabalhar em Coimbra, e Fábio, que gere o talho e um restaurante, em Coja - ao colo, a guardar as ovelhas», recorda Margarida Fernandes, lembrando uma vida dura, exigente e difícil. Mas se era assim no passado, hoje não é muito diferente. «Não há domingos nem feriados», afirma, pois «todos os dias as ovelhas têm de comer e têm de ser ordenhadas». Actualmente o rebanho da família tem 220 ovelhas de leite, o que significa que é, seguramente, um dos maiores de toda a região. Diariamente, são entre 250 a 300 litros de leite resultantes da ordenha. Ou melhor, das ordenhas, pois são duas, religiosamente cumpridas, uma às 6h00 da manhã e outra às 5h00 da tarde. Cada uma demora cerca de três horas, explica a pastora. Hoje, reconhece, o processo é mais simples, pois há sete anos implementou um sistema de ordenha mecânica, o que facilita bastante o procedimento, anteriormente todo feito
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Queijo Serra da Estrela 90 anos com Tábua
de forma manual. De cada vez são 24 ovelhas, que entram para a “canga” em simultâneo. «Cada uma sabe o seu lugar». Todavia, em cada ordenha Margarida faz questão de fazer o “repasse”, ou seja, uma “segunda volta”, manual. Importante para «as ovelhas não secarem tão depressa», esclarece. Mas também para detectar eventuais problemas. «Há ovelhas que colhem mamites» e «não se ordenha uma ovelha com os tetos estragados», faz notar. As ovelhas sabem a hora da ordenha e o percurso que têm de cumprir, o que ajuda bastante Margarida Fernandes, que, habitualmente cumpre esta tarefa sozinha. O marido ajuda, «quando pode», refere. Ou seja, quando está “livre” das muitas feiras onde, como negociante de gado, marca presença, desde Belmonte, Santarém, Guarda, Trancoso, Lajeosa ou Tondela. Feiras praticamente todos os dias, inclusive ao domingo, em Santarém. À sexta-feira tem um “rapaz”, «que ajuda a fazer as camas» das ovelhas. Além de fazer as “camas”, é necessário ter as manjedouras sempre cheias, com palha e ração, que se juntam à erva que os animais comem no pasto durante o dia. Depois de ter o gado “arrumado” no ovil e de a sala de ordenha estar devidamente limpa, Margarida Fernandes dá início a outra “demanda”: fazer o queijo. «Para casa faço oito a 10 queijos diariamente», explica. O restante leite é vendido, «há muitos anos» à queijaria Estrela Artesanal, de Lagares da Beira, no vizinho concelho de Oliveira do Hospital.
O queijo e o requeijão Ao final do dia, depois de “arrumar” o gado, que é como quem diz, depois das ovelhas ordenhadas, com cama limpa e comida na manjedoura e de fazer o mesmo às galinhas, aos patos, aos coelhos, aos dois porcos e aos muitos cães, Margarida Fernandes dedica-se a fazer o queijo. Lembra que via a avó fazer o queijo, em Pinheiro de Coja, mas, entretanto, resolveu, em 2005, participar um curso de formação, promovido pela ANCOSE – Associação Nacional de Criadores de Ovinos Serra da Estrela, com sede em Oliveira do Hospital, que lhe deu outras ferramentas, ao mesmo tempo que consolidou a aprendizagem adquirida. O leite é colocado a coalhar. A tradição diz que o Queijo Serra da Estrela é feito com cardo, a flor roxa de uma planta – que
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“Queijo fresco e requeijão são os “primos” do queijo, de consumo imediato
também cresce na quinta - que é seca e devidamente moída, num almofariz, com sal. «Uma colher de sal por litro de leite», refere. O leite é aquecido, a 30º. Num pano próprio é colocada a mistura do cardo moído e sal e o leite é coado. «Mexe-se e espera-se cerca de uma hora». No final, a coalhada está pronta para ser trabalhada. Um trabalho manual, que leva Margarida a queixar-se de dores nas costas e nas mãos que a atormentam de forma contínua e que as sessões de fisioterapia já não conseguem debelar por completo. Se for queijo fresco, o processo é mais simples, atesta. «Acoalhada vai directamente para o azincho» e praticamente pouco se espreme, contrariamente ao que acontece com o queijo para cura. «Faço muito queijo fresco», diz a queijeira, apontando as muitas encomendas que diariamente lhe chegam. Mas a produção não se fica por aqui. Depois de fazer o queijo, resta o soro, «ao qual se adiciona algum leite» e que vai ao lume até levantar fervura, mexendo sempre. Os farrapos da coalhada começam a consolidarse à superfície do enorme tacho, formando uma massa branca e cremosa, que dá origem ao requeijão, que Margarida também faz praticamente todos os dias, sobretudo à sexta-feira, altura em que as encomendas são mais do que muitas. Mas o queijo encerra outros segredos. «Se não se quiser fazer requeijão, guarda-se o soro num lugar fresco e a “nata” que cria dá para fazer manteiga», explica. A
queijeira adverte que é necessária uma grande quantidade desta “nata” para obter, depois de batida, uma pequena noz de manteiga. Mas «é um espectáculo de manteiga», garante. Encomendas, de queijo fresco ou curado e de requeijão, recebe-as todos os dias, de moradores no concelho de Tábua, dos concelhos das redondezas, mas também de Lisboa, da Suíça, de França ou de Moçambique, diz, orgulhosa pelo reconhecimento do seu trabalho e dos seus produtos. Esta é, de resto, uma das razões que a levam a olhar para a frente e, apesar do muito trabalho e de algum cansaço, a manter-se firme e com vontade de continuar. «Enquanto puder vou continuar», promete Margarida Fernandes, que orgulhosamente ostenta a sua capa e o seu chapéu de sarrubeco (burel). É, de resto, assim trajada que a encontramos na Feira do Queijo de Tábua, onde é uma presença simpática e obrigatória há longos anos.
Na Quinta do Passal produz-se queijo e requeijão todos os dias. Mas parte do leite é vendida a uma queijaria de Lagares da Beira
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Queijo Serra da Estrela 90 anos com Tábua
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Os preços não compensam
Margarida Fernandes mostra o certificado do curso de formação de queijeiras
Na Quinta do Passal a produção é contínua. Significa que há produção de leite e de queijo durante todo o ano, contrariamente ao que acontece nas explorações mais tradicionais, onde a ordenha termina praticamente por alturas do São João, recomeçando mais tarde, em meados de Setembro. «Temos o gado seleccionado», diz Margarida Fernandes. Significa que, a 25 de Março «entra o carneiro às ovelhas» e cinco meses depois começa a parição. «Temos um bom leite de Outubro a Fevereiro/Março», adianta. A parti daí, «o queijo é mais “rendilhado”», facto que se prende com a alimentação dos animais, designadamente no pasto.
Quando o ciclo do leite termina, ou seja, «quando as ovelhas estão “secas”», segue-se um novo processo de “cobrição”, que permite o nascimento de mais borregos e dá continuidade à produção de leite. «Temos sempre borregos», afirma. Animais que o marido comercializa. «Agora é uma doidice com o borrego», diz, referindo-se à boa adesão do mercado. Os espanhóis, sobretudo, chegam a pagar o borrego nacional a cinco euros o quilo, em vivo. Um bom preço, comparado com os 3,5 euros ou quatro euros pagos pelo mercado nacional. Por isso, grande parte da produção vai para Espanha. «Comemos cá o borrego congelado, que não sei de onde vem. O bom borrego vai todo para Espanha», la-
menta a pastora. A Quinta do Passal, juntamente com uma exploração existente em Tondela, pertencente ao cunhado de Margarida, representam os «maiores produtores de leite da região». Apesar da grande procura e do escoamento garantido do leite, do queijo fresco ou curado, do requeijão e da manteiga, se a houver, o negócio «não compensa!» «Já viu todo o trabalho que isto dá», questiona a pastora. «E a despesa?», adianta. «Temos de ter contabilidade organizada, como qualquer empresa», refere, enumerando um rol de despesas, onde se incluem os custos da água, da luz, dos detergentes, da alimentação dos animais, do gasóleo, que têm vindo a subir de forma imparável. Quanto ao leite, a Quinta do Passal vende-o a «um euro o litro». «Praticamente não dá para os gastos, sem contabilizar o nosso trabalho», afiança. «É uma vida de escravidão», afirma, lembrando a rotina dos animais, que todos os dias, 365 dias por ano, pela madrugada, são ordenhados e logo a seguir estão prontos para ir pelo pinhal fora, rumo à pastagem. Às 5h00 da tarde já estão a berrar», reclamando o regresso ao ovil, à sala de ordenha e, depois, à “cama feita” e às manjedouras cheias de comida. Lobos já não há, mas Margarida Fernandes teme o ataque dos cães vadios. De uma só vez, há quatro anos, «foram 34 ovelhas» que sofreram as sequelas da investida dos animais. Todos os anos tem sido assim. Algumas ovelhas conseguiram recuperar. A maioria, porém, morreu e a Quinta do Passal teve que arcar com o prejuízo. Também os javalis «são uma ameaça». «Estragam-nos o pasto todo e não há quem faça nada», lamenta a pastora.
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90 anos com Tábua Queijo Serra da Estrela
QUEIJARIA COMUNITÁRIA ESTÁ NO HORIZONTE 2022 Município está empenhado, em parceria com
a ANCOSE, em promover a fileira do Queijo Serra da Estrela, com um produto certificado, “made in Tábua”
Objectivo é criar mais valor no concelho, com produção de queijo certificado
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tradição mantém-se, com rebanhos de ovelhas a emoldurarem, aqui e ali, a paisagem. As pastagens verdejantes, fruto da abundância de água, são um alimento de excelência e os pastores - e também pastoras – mantêm a cadência ancestral, de “abrir ao gado”, levá-lo para as pastagens, regressando a “casa” ao final dia. A altura da ordenha, que também se faz ao princípio do dia. É deste leite que se faz o afamado Queijo Serra da Estrela, um legado herdado dos povos romanos que a região acarinhou. É considerado o mais antigo dos queijos portugueses e o mais reconhecido e afamado internacionalmente. Para muitos, indiscutivelmente é «o melhor queijo do mundo». Tábua faz parte da Região Demarcada do Queijo Serra da Estrela, através das fre-
guesias de Midões, Póvoa de Midões e Vila Nova de Oliveirinha. Mas nem todos os rebanhos – e ainda são bastantes – representam produção de queijo. Ou seja, uma grande parte dos pastores procedem à ordenha e vendem o leite, o que significa que não têm queijaria em funcionamento, não produzem queijo nem requeijão, outro dos produtos de excelência. Uma realidade que o município quer “inverter”. Ricardo Cruz, presidente da Câmara Municipal, aponta esta realidade específica e junta-lhe uma outra: o facto de, em Tábua, não haver queijo certificado. O investimento que as queijarias são obrigadas a fazer para obterem este estatuto, que atesta a qualidade e a genuinidade do produto, tem sido um obstáculo e, apesar de produzir Queijo Serra da Estrela DOP (Denominação de
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Origem Protegida), Tábua tem este óbice de não possuir queijo certificado. Mas as duas realidades podem convergir numa única via e desembocar numa solução a preceito. «Um desafio», como prefere chamar-lhe o autarca de Tábua, que envolve uma «parceria» com aANCOSE –Associação Nacional de Criadores de Ovinos Serra da Estrela, com sede no vizinho concelho de Oliveira do Hospital. A ideia é a «criação de uma queijaria comunitária», concretiza. Um projecto ainda embrionário, que Ricardo Cruz quer desenvolver ao longo deste seu primeiro mandato como presidente da Câmara Municipal de Tábua. «Se o leite for canalizado para a queijaria comunitária, pode ter um preço mais elevado», aventa, o que representa um benefício acrescido para o produtor. Por outro lado, esta queijaria comunitária, que possivelmente será instalada na «zona de Midões», geograficamente mais central, além de funcionar com o apoio técnico e o know how especializado daANCOSE, pretende cumprir todos os requisitos da certificação, o que significa que vai produzir, em Tábua, um Queijo Serra da Estrela certificado. Confiante na viabilidade e no sucesso da queijaria comunitária, Ricardo Cruz considera que este é um projecto para desenvolver nos «próximos quatro anos», procurando cativar alguns fundos comunitários e criando um modelo de funcionamento próximo de uma associação de produtores, «com o “chapéu” da ANCOSE». Reza a história que o rei D. Dinis criou a primeira queijaria da região da Serra da Estrela, em 1287, no concelho de Celorico da Beira. 734 anos depois, Tábua mostra o seu empenho em avançar com a instalação de uma queijaria comunitária, garantindo, desta forma, uma força acrescida à produção e à promoção de um dos produtos endógenos de referência do concelho.
Município conta com o apoio técnico da ANCOSE para desenvolver este projecto âncora para a fileira do queijo
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Queijo Serra da Estrela 90 anos com Tábua
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Feira do Queijo de Tábua foi uma das primeiras na região e tem vindo a crescer e a consolidar a sua imagem de marca
TÁBUA DE QUEIJOS E SABORES DA BEIRA 1989 Concelho foi um dos primeiros a apostar numa Feira do Queijo, como forma de promover este produto endógeno, a que associou outros, igualmente distintivos
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“força” e, sobretudo, a qualidade do Queijo Serra da Estrela produzido em Tábua levou o município a empenhar-se na organização de uma Feira do Queijo. O primeiro certame data de 1989 . Foi uma das primeiras feiras da região e imprimiu a sua marca, como um espaço de excelência onde os produtores do concelho têm a possibilidade de escoar a sua produção, inclusivamente com preços mais simpáticos. Um certame que, tendo no Queijo Serra da Estrela a sua âncora, o “ex libris” por excelência, juntou-lhe outros produtos, igualmente endógenos e pautados pela grande qualidade. O “casamento” perfeito faz-se com os néctares, Vinho Dão, claro está, uma vez que o concelho também integra a Região Demarcada do Vinho Dão e tem alguns produtores de referência. Atradição do bom fumeiro, que caracteriza toda a região da Beira Serra, depressa ganhou espaço na feira, com os chouriços, morcelas, paios, salpicões e presuntos a
conquistarem o público e a encherem o ar com o seu aroma inconfundível. Falta ainda referir o azeite, outro dos talismãs do concelho e, claro está, o pão e a broa, fundamentais para acompanhar quer o queijo, quer os enchidos. Cozido em forno de lenha, o pão de Tábua ganhou fama e glória em todo o país. Um saber-fazer ancestral, alimentado pelos rios e ribeiros, onde nos muitos moinhos (grande parte dos quais hoje em ruínas), afanosamente se moía o grão. Daí resultava a farinha, de milho, de trigo ou centeio. Amassada por quem sabe, dá origem ao pão, mas também à broa de milho. Cozidos em forno de lenha, como manda a tradição, pão e broa representam, desde há muito, outros dos produtos de excelência de Tábua. A diáspora levou muita desta arte para outras paragens, designadamente para a zona de Lisboa, onde proliferaram - e continuam – as padarias, criadas por filhos de Tábua. Uma arte que, tendo como base o forno e a farinha, se condimentou com
ovos, açúcar e outros ingredientes e cresceu para a forma de bolos e biscoitos. Uma aposta mais recente, igualmente de referência, na área da pastelaria, que “faz escola” no concelho. Todos estes produtos são os convidados de honra da Feira do Queijo de Tábua, que cresceu e se consolidou e, por isso mesmo, alterou a designação, tornando-se mais ampla e atractiva, assumindo-se como Tábua de Queijos e Sabores da Beira. Um evento de carácter anual que faz parte do calendário de certames dedicados ao Queijo Serra da Estrela que se realizam em toda a região demarcada.
A Feira do Queijo é uma montra dos produtos endógenos, que todas as semanas se encontram no Mercado Municipal Com uma dimensão mais reduzida, mas com a mesma qualidade e sabor genuíno, todos estes produtos podem ser semanalmente encontrados no Mercado Municipal de Tábua. Um espaço que foi alvo de uma profunda remodelação, em termos físicos e, sobretudo, de organização, que actualmente se apresenta como um ponto de encontro singular, de produtores e consumidores que, num ambiente quase de festa, aos domingos, vendem e compram o que de melhor se produz no concelho.
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A Broa do Morgado 90 anos com Tábua
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O BOM SABOR DO PÃO CASEIRO 1995 Há 26 anos que Maria Cristina trabalha n’ “A Broa do Morgado”. Abraçou
o projecto, “meteu as mãos na massa” e mantém viva a tradição da boa broa, da triga-milho, do centeio e dos folares
Maria Cristina Nunes continua empenhada na produção artesanal do bom pão
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arinha, água, fermento (pouco), sal (pouco) e forno de lenha são os ingredientes de sucesso para um pão caseiro de excelência. Broa de milho, triga-milho e pão de centeio com a chancela de “A Broa do Morgado”. Uma receita tradicional que Maria Cristina Nunes continua a seguir à risca e que tem um verdadeiro clube de fãs. Tanto assim é que há quem venha de Lisboa passar ao fim-de-semana e leve pão para uma temporada. Em tempo de Páscoa, ao pão, Maria Cristina junta o “bolo fino”, o folar, como é comummente designado, igualmente de “comer e chorar por mais”. Maria Cristina segue o receituário tradicional e trilha o caminho percorrido por sucessivas gerações que, a partir de Tábua, levaram longe a arte de bem-fazer o pão e a broa. Não herdou esse saber-fazer da família. «Não tenho padeiros na família», afirma, contrariamente ao que acontece com o marido, natural deAlmalaguês (Coimbra), mas com raízes em Arganil, e cujo avô e bisavô eram padeiros. Maria Cristina, natural de Almada, veio para Alvoeira, freguesia de Mouronho, com
Bolo doce adoça a Páscoa Nos fornos de “A Broa do Morgado” também se confeccionam folares. Antes da pandemia este bolo doce era feito com bastante frequência, mas «dá muito trabalho» e as solicitações deixaram de justificar o seu fabrico, que agora acontece apenas por alturas da Páscoa. A produção também segue a receita tradicional e nem falta a folha de couve que, habitualmente, em casa, se coloca no folar. «O bolo é uma massa fina e se for colocado directamente no lastro, como o pão, fica “farrusco”», explica a padeira. Para evitar que isso aconteça e para proteger o folar, Maria Cristina recorre à folha de couve. «Na altura da Páscoa tenho de pedir à minha mãe e à minha tia que me guardem as couves, pois as minhas não chegam», confessa.
dois anos. Criada pelos avós, aprendeu a gostar das «coisas antigas» e das «traições» da terra. Como na maioria das casas, também na da sua família se cozia todas as semanas o pão. Foi ali que teve a primeira aprendizagem. A segunda, decisiva, veio depois, há 26 anos. José Duarte Morgado e a esposa, a D. Maria, tinham, dois anos antes, fundado a empresa “A Broa do Morgado”, na Catraia de Mouronho, e Maria Cristina Nunes começou a trabalhar ali como empregada doméstica. Todavia, não se ficou por aí. Primeiro foi o desafio de substituir alguém que faltava, no trabalho da padaria. Depois, assumiu a venda do pão. «Ao fim de três anos, a senhora estava com algumas dificuldades e ia desistir», recorda Maria Cristina. O casal confrontou-a com a situação e questionou-a se «queria pegar» no negócio ou, caso contrário, iria para o desemprego, pois a empresa preparava-se para fechar. «Arrisquei! Aluguei a padaria!», diz. Um acordo que ainda hoje se mantém, com Maria Cristina a pagar uma renda mensal ao casal Morgado e a manter a marca e a distinção de “A Broa do Morgado”. «No início fazia tudo sozinha», contando apenas com a ajuda da mãe ou da irmã para colocar o pão no forno e para o retirar, uma tarefa que carece, necessariamente, da intervenção de uma segunda pessoa. Dois anos depois, o marido, Rui Patrício Mota, que trabalhava na Solargus, em Arganil, decidiu deixar a empresa e começar a trabalhar com a esposa. «Agora somos os dois», diz e a “terceira pessoa”, que pontualmente dá uma ajuda, é um dos filhos do casal. São três e «um dia vem um, outro dia vem outro», explica. «É uma empresa verdadeiramente familiar», diz Cristina, com um sorriso. Não dá para ter empregados!», adianta. Domingo é o dia de maior produção. Contas feitas, são mais de uma centena de broas, 200 triga-milho e talvez um quarteirão de pães de centeio. Restaurantes e supermercados – nos concelhos de Tábua,Arganil, Penacova e Carregal do Sal - são os clientes
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habituais, fiéis de “A Broa do Morgado”. Rui Mota e Maria Cristina asseguram a distribuição. Ele todos os dias, ela apenas alguns. O domingo tem um sabor especial: Maria Cristina está no Mercado Municipal de Tábua, onde tem uma banca e vende o pão que produz na Catraia de Mouronho. «Aí sou eu, directamente com o público», diz. A broa, a triga-milho e o pão de centeio chegam ao Mercado de Tábua «ainda quentinhos», fazendo as delícias de muitos clientes fiéis que semanalmente ali se deslocam. Ao domingo, o pão é cozido durante a madrugada. Na segunda-feira a padaria funciona à noite (para distribuir na terça-feira) e na quarta-feira coze-se o pão durante a madrugada, para distribuir de manhã. Neste dia coze-se também à noite, para garantir as entregas de quinta-feira de manhã. Sexta-feira volta a cozer durante a madrugada, para entregar de manhã, e durante a noite, para as encomendas de sábado. Horários “desencontrados”, que procuram dar resposta às encomendas e às necessidades dos clientes. As sobras não preocupam Maria Cristina. «Tenho galinhas e elas comem tudo», para já não falar nas cabras que também tem no quintal de casa, em Mouronho.
Quatro horas para preparar uma fornada Quatro horas é o mínimo de tempo necessário para preparar uma fornada de pão. «O forno demora duas horas a aquecer», afirma. São dois fornos a lenha, cada um com capacidade para 100 pães. A padaria tem um terceiro forno, mais pequeno, onde é colocada a lenha ainda a arder, quando os fornos principais atingem a temperatura ideal. Em caso de algum problema, funciona como forno de substituição. Aceso o forno, começam os preparativos para amassar o pão, operação que tem de ficar concluída uma hora antes de os fornos
90 anos com Tábua A Broa do Morgado
estarem “no ponto”. Farinha, água, fermento de padeiro («antigamente fazíamos nós o fermento, mas agora compramos, por causa das regras de higiene e segurança alimentar», explica) – «pouco fermento», sublinha e sal, igualmente pouco, são devidamente amassados numa amassadeira. A broa tem maior percentagem de farinha de milho, esclarece Maria Cristina, que explica a necessidade de alguma farinha de trigo: «o milho não faz liga, por isso tem de se pôr um bocado de trigo», adianta. Já agora, outra dica: «o milho não gosta de frio, não quer arca, queima!», o que significa que a «broa não deve ser congelada». Já o pão de centeio e a triga-milho podem ser congeladas sem problema. Preferencialmente num invólucro de plástico, pois «o papel absorve a humidade». A triga-milho é preparada com mais farinha de trigo e alguma de milho e de centeio e o pão de centeio, seja o mais escuro ou o mais claro, ambos têm algum trigo, quando mais não seja porque são “embolados” nesta farinha. A primeira fornada, com o forno mais quente, é sempre destinada à broa, que demora, seguramente, uma hora a cozer e precisa de mais calor. Já a triga-milho e o centeio podem cozer juntos e são mais rápidos. Se há “ciência” na preparação da massa, esse saber-fazer ganha uma consistência mais relevante quando se trata de preparar o forno, pois é fundamental saber quando é que atinge a temperatura correcta para receber a broa, num, e o pão, no outro. «Se está bem, se não está, se “decaiu” ou não», refere. Retirada a lenha e “variscado” o forno (retirada da cinza, para aquecer bem o lastro), o pão é colocado, um de cada vez, numa operação que exige sempre a presença de duas pessoas. O mesmo acontece, de resto, com a retirada do forno. Segue-se o embalamento, a colocação das etiquetas e a distribuição aos clientes.
Na Catraia de Mouronho, junto à Estrada da Beira, está instalada a padaria de “A Broa do Morgado”, com fornos de lenha e um fabrico artesanal
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A diferença está na qualidade
«O princípio de tudo é a pessoa gostar e sempre gostei das tradições antigas», diz Maria Cristina que, não descendendo de uma linhagem de padeiros, se habitou desde muito pequena à preparação semanal do pão em casa. «Gosto muito do que faço e gosto que as coisas fiquem bem», diz, assumindo que «enquanto tiver saúde» vai dar continuidade ao negócio e à tradição de bem-fazer pão e broa. Reconhece, no entanto, o «grande desgaste» que esta actividade provoca, tendo em conta que todas as operações, tirando o amassar, são feitas de forma manual, além das exigências decorrentes do funcionamento dos fornos a lenha, nomeadamente em termos de higiene e limpeza. Refere, ainda, o aumento dos preços dos factores de produção, designadamente a subida desenfreada do gasóleo e o aumento, já anunciado, da farinha, que tem dificuldade em repercutir no preço do pão que produz. «Há pessoas que apreciam o nosso pão e até telefonam a agradecer», conta, referindo alguns clientes que lhe compram o pão para toda a semana e alguns que, residentes em Lisboa, fazem questão de se abastecer na padaria da Catraia de Mouronho. Todavia, há outros que «não sabem distinguir este pão do outro», o que significa que há uma «necessidade de olhar para a qualidade» e «reconhecer a diferença» de um pão caseiro que transporta os sabores da tradição.
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Vinhos do Dão 90 anos com Tábua
Diário de Coimbra
UM BRINDE AOS VINHOS DO DÃO 1994 Na Ladeira da Santa começa, nos anos 90, um novo desafio, centrado nas castas tradicionais e na tecnologia de ponta. Um vinho de qualidade que começou a ganhar prémios e a crescer em área e em qualidade
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dentifica-se com «todos os bons beirões, que gostam de ter a sua adega para oferecer vinho aos amigos». E foi isso que Arlindo Cunha fez. Natural de São João da Boa Vista, depois de oito anos no Governo, primeiro como secretário de Estado e depois como ministro da Agricultura, regressou às origens, depois de ter feito um doutoramento em Economia e Política Agroalimentar, na Universidade de Reading, no Reino Unido. «No Governo não se tem tempo para nada», afirma. Estávamos em 1994 e Arlindo Cunha ganhava, no Parlamento Europeu, outra «capacidade para gerir o tempo» e para transformar um hectare de terreno, pertencente à família, numa propriedade actualmente com 17 hectares. Um processo que decorreu ao «longo de 25 anos» e envolveu a compra de terrenos a 27 proprietários. Nasceu, assim, a Ladeira da Santa, o vinho que recebeu o nome da encosta soalheira onde crescem as vinhas, em São João da Boa Vista. São 10 hectares de vinha, quatro de vinha nova e seis mais antiga. A vindima foi feita há muito e as cores do Outono tomam conta das vinhas. O verde começa a perder-se entre os tons amarelovivo, os castanhos garridos, avermelhados das folhas das videiras. Aqui e ali encontram-se alguns bagos, uvas resultantes de uma maturação mais tardia, que já não entraram na adega. É ali que, depois do
corte das uvas, tudo acontece. «À medida que aumentámos a vinha, aumentámos a adega», conta, orgulhoso do sucesso do projecto, liderado pelo filho, João Cunha, enólogo de formação. Hoje, além da zona de produção, que alia o modo tradicional e a melhor tecnologia, a adega tem uma sala de provas, uma zona onde os vinhos ficam a estagiar e todo o espaço destinado a engarrafamento e embalamento. As primeiras apreciações, recorda, foram decisivas. «O vinho era bom!». Tão bom que começou a ganhar prémios sobre prémios. O professor de Economia e Gestão da Universidade Católica do Porto já não consegue contabilizar a totalidade das distinções, mas recorda algumas, marcantes. «Uma dos mais importantes foi, sem dúvida, o Prémio Melhor Vinho, na Feira do Vinho, em 2017», um prémio conquistado com um vinho Grande Reserva de 2013. Em 2021, no Concurso Nacional de Vinhos, o Ladeira da Santa – Grande Reserva de 2018 foi contemplado com a Medalha Grande Ouro, sendo distinguido, ainda, com a Medalha de Ouro no Concurso Mundial de Bruxelas. A Grande Reserva de 2017, ganha a Medalha de Platina no Concurso de Vinhos Dão. «Começamos a não ter espaço para os prémios», diz, bem-disposto, destacando a preocupação da esposa, responsável pela organização desta “montra” de prémios que enfeita uma vasta parede.
Ladeira da Santa, o nome da terra, inspirou e baptizou o vinho, que tem somado prémios em concursos nacionais e internacionais O “mercado de afectos” é essencial aos vinhos e também são os amigos e a família que dão uma ajuda preciosa na altura de fazer a vindima
Diário de Coimbra
90 anos com Tábua Vinhos do Dão
Arlindo Cunha foi o mentor do projecto da Quinta da Ladeira, desenvolvido pelo filho, João Cunha, enólogo de formação
Para o antigo governante, os prémios não são mais do que o reconhecimento de uma aposta na qualidade. «Temos procurado evoluir na qualidade», diz, destacando o trabalho do filho, que conta com o apoio de um «enólogo “mais sénior”», Miguel Oliveira, da Adega Cooperativa de Silgueiros, que «nos ajuda a fazer a selecção dos vinhos», tendo em conta as respectivas castas. «Fazemos vinhos monovarietais, por exemplo de touriga nacional ou de encruzado», esta última uma casa da região do Dão, «actualmente muito famosa, mas que era praticamente desconhecida há 50 anos».
Touriga nacional e alfrocheiro são as castas de referência para os tintos. Já os brancos assentam numa mistura de malvasia fina, bical (uma casta que no Dão é conhecida como borrado das moscas), arinto, verdelho e encruzado. «A estratégia comercial tem sido com o canal Oreca, junto da hotelaria e da restauração. Não temos dimensão nem preço para ir às grandes superfícies», afirma Arlindo Cunha. O «mercado dos amigos e conhecidos» é, também, uma alavanca importante para o negócio. «Em todos os negócios é importante uma rede de contactos pessoais, sobretudo nos vinhos, que é um
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mercado de afectos», diz. E a quinta é, efectivamente, um «ponto de encontro de amigos, que vêm cá com frequência». E, muitas vezes, são os familiares e os amigos que “dão uma mão” para fazer as vindimas, ao fim-de-semana. «Não fazemos a vindima de uma só vez, vindimamos por castas», o que significa que num ou em dois dias se vindima uma parcela e na semana seguinte avança outra. Os 10 hectares de vinha actualmente em produção representam, «quando estivermos em “velocidade cruzeiro”, 60 mil garrafas», explica. «A ideia é ir crescendo de forma sustentada», refere. Em 2020, a colheita foi considerada má em toda a região do Dão. «Tivemos menos 30% da produção». «Foi um ano muito chuvoso, com muitas doenças», explica o também presidente da Comissão Vitivinícola do Dão. No último ano, apesar de muita chuva, «não foi tão mau», o que representa uma subida de 25% em relação ao ano anterior. Na Ladeira da Santa, em 2020, a produção sofreu uma quebra de 40%. «Em 2021, recuperámos um bocadinho, mas ainda não o suficiente», considera. Quanto à qualidade, «vamos ver». «Os brancos estão bons», garante.
Vinhos com carácter e com elegância A Quinta da Ladeira da Santa integra a Região Demarcada do Dão, a segunda mais antiga região demarcada de vinhos do país, depois do Douro, criada em 1908. «Logo na origem incluía três concelhos do distrito de Coimbra – Tábua, Oliveira do Hospital e Arganil», que se juntam aos 11 concelhos do distrito de Viseu e três da Guarda (Gouveia, Seia e Fornos de Algodres). Trata-se da chamada Sub-região do Alva. «Uma região que nunca teve muitos produtores», refere o presidente da Comissão Vitivinícola
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Vinhos do Dão 90 anos com Tábua
do Dão (CVD), que lembra a existência, no passado, da Adega Cooperativa do Senhor das Almas, entretanto extinta. «Em Tábua temos três produtores no mercado: Fernando Tavares Pereira, com os Vinhos Picos do Couto, Carlos Gomes, com os vinhos Donnaires e a Ladeira da Santa. Nunca houve muitos produtores profissionais, não havia essa sensibilidade, mas quem delimitou a região, em 1908, sabia o que fazia», afirma o antigo governante. Para Arlindo Cunha o vinho é, efectivamente, um bem essencial para o país. «Representa cerca de 10% do Produto Agrícola Bruto e é o sector agrícola com maior volume de exportações, que ultrapassa os 850 milhões de euros», faz notar, destacando o facto de Portugal exportar vinho para 80 países e de este ser, dentro da área agrícola, o sector «mais competitivo». «Conseguimos afirmar-nos com “gigantes”como a França e a Itália», diz. Por outro lado, tem, também um forte impacto social, uma vez que implica muita mão-de-obra, o que significa que «proporciona emprego». Arlindo Cunha preside à CVD desde 2010. Uma situação que surge na sequência da legislação de 2004, que impunha que as comissão vitivinícolas passassem a ser eleitas pelos produtores, ao invés de serem nomeadas pelo Governo, como acontecia até então. «O Dão foi a última região a
eleger os seus responsáveis. Desafiaram-me, sou produtor, sou da região, aceitei e fui o primeiro presidente da Comissão Vitivinícola eleito pelos produtores». Já vai no quarto mandato. Os Vinhos do Dão «são vinhos com carácter e elegância», afirma. O «carácter» assenta numa «boa acidez, que dá uma sensação de frescura e tem bons taninos». Elegância porque «não é um vinho demasiado alcoólico, equilibrado em termos de cor e acidez e muito aromático». É, adianta, «um vinho muito gastronómico», que casa bem como a comida «e tem uma grande capacidade de guarda». «Há vinhos com 60 anos», faz notar. Durante muitos anos, até ao final dos anos 80, a Região do Dão «era a grande região portuguesa dos vinhos tintos de qualidade», explica. «O Douro ainda não fazia vinhos de mesa» e o Alentejo tinha muito pouco vinho. «Havia os Vinhos Dão, os Verdes e a Bairrada», recorda, reconhecendo que a região do Dão teve «algum descuido» e perdeu terreno, enquanto outras cresceram e se afirmaram, designadamente o Alentejo que, após a adesão à Comunidade Europeia fez uma aposta forte e hoje representa «40% da produção nacional». Foi, pois, necessário recuperar a essência própria dos Vinhos Dão. Na base desta “reacção”esteve e continua a estar «o melhor
Alguns dos troféus conquistados pelos vinhos Ladeira da Santa
Diário de Coimbra
que temos, as nossas castas». «Foi necessário reestruturar vinhas, incentivar o surgimento de novos enólogos e qualificar enólogos para o Dão recuperar o seu lugar, que é na linha da frente». Um processo que está a ser bem sucedido. O desafio que actualmente se coloca é «aumentar a quota de mercado», que hoje representa 7%, e «valorizar, ainda, o produto, por via da qualidade e do preço», considera. Arlindo Cunha destaca, também, a importância que o enoturismo pode ter para a afirmação da região. Um registo que «está a começar», considera, embora algumas casas mais antigas tenham iniciado esse processo há bastante tempo, como acontece com a Casa da Ínsua, em Penalva do Castelo, ou a Casa de Santar. «Criámos a Rota do Vinho Dão há cinco anos e aderiram 45 produtores que estão no mercado». «O enoturismo é muito importante para os produtores», afirma, elencando duas vantagens. Por um lado «é um mercado em si mesmo, porque muitos visitantes entram, vêem e compram vinho. É um mercado de venda directa, sem intermediários». Por outro lado, é uma «forma de promover as nossas terras», diz, sublinhando a importância de «fazer circular» os turistas por todo o país, ao invés se de focarem unicamente em Lisboa, no Porto ou no Algarve.
Vinhos tintos em “estágio”
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Azeite 90 anos com Tábua
Diário de Coimbra
A TRADIÇÃO AINDA É O QUE ERA 1959 Cooperativa de Olivicultores de Meda de Mouros foi criada em Janeiro de 1959.
Há mais de meio século que é o lagar de eleição de muitos proprietários da região
Investimentos à medida das necessidades «Todos os anos fazemos algum investimento, consoante as necessidades», refere João Moura. Há cinco anos, recorda, foi o moinho, que substituiu as “galgas” e foi, igualmente, colocado um novo telhado. «Este ano foi um chão novo e mais uma batedeira», adianta. «Vamos modernizando com o dinheiro que se vai fazendo», diz ainda. Além de trabalhar durante o período da safra da azeitona, o lagar da Cooperativa de Olivicultores de Meda de Mouros também funciona como destilaria, imediatamente após as vindimas. «Fazemos aguardente», esclarece o presidente da direcção da Cooperativa. Depois da batedeira, a massa é “encapachada” e levada para as prensas
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azeitona chega, é descarregada e pesada e começa o processamento. Primeiro é lavada, depois vai para o moinho e segue para a batedeira. João Moura não tem mãos a medir. Vai conversando connosco à medida que “deita o olho” ao estado do moinho e atenta no funcionamento da batedeira. «Cada moinho leva 350 a 400 kg de azeitona», esclarece. Moinho que representa um investimento relativamente recente feito no lagar da Cooperativa de Olivicultores de Meda de Mouros, criado em Ja-
neiro de 1959. Nesse mesmo ano foram erguidas as instalações e o lagar entrou em funcionamento. Uma resposta importante, tendo em conta o grande número de olivicultores existentes na região. «Meda de Mouros sempre foi uma terra de muito azeite», refere, recordando a união de proprietários, que conduziu à criação da Cooperativa e à construção do lagar, que hoje terá «1.200 a 1.300 associados». «Antigamente a azeitona era moída com as “galgas” de pedra”», explica. Em causa estão verdadeiras mós, feitas em granito,
que garantiam o esmagamento da azeitona. Todavia, «as galgas estragaram-se». Aconteceu há cerca de cinco anos, refere o presidente da Cooperativa de Olivicultores. «Ficava mais caro o conserto do que a aquisição de uma máquina nova», adianta. E foi isso que aconteceu. As “galgas” continuam lá, suscitando a curiosidade de quem visita o lagar de Meda de Mouros, mas já não são mais do que uma peça de ornamento. Uma memória do passado, que também reflecte a evolução a que se tem assistido ao longo de meio século de acti-
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vidade do lagar. Depois de uma hora na batedeira, onde a massa aqueceu e foi batida, o preparado está pronto para “encapachar”. Um processo feito de uma forma ainda bastante artesanal. Dois homens pegam nos “capachos” e a máquina distribui a “massa” de forma homogénea. “Recheados”, estes “capachos” - uma espécie de resistentes tapetes, em formato redondo - são colocados uns em cima dos outros e seguem para a prensa, para espremer. Sucede-se, depois, a decantagem, que «separa a água russa do azeite». A separadora garante a filtragem final e o azeite é encaminhado para um depósito, onde é medido. Está pronto!. Tábua, Arganil e Oliveira do Hospital são as zonas preferenciais a que o lagar da Cooperativa de Meda de Mouros dá resposta. Mas também tem clientes de Penacova, S. Paio, São Pedro de Alva, Góis, Folques, Poiares e «até de Coimbra». «As pessoas gostam do nosso azeite», assegura João Moura. O lagar começou a trabalhar no dia 2 de Novembro e manteve-se em funcionamento até meados de Dezembro. Diariamente, das 8h00 às 20h00, excepto aos domingos. Na maioria, os clientes levam a azeitona para fazer o azeite, pagando as respectivas maquias. Mas também há quem prefira fazer a troca directa – por falta de tempo ou pela produção reduzida – deixando a azeitona e levando o azeite correspondente. No lagar de Meda de Mouros também se vende azeite ao público, a 5 euros o litro. Em média, de acordo com João Moura, no lagar da Cooperativa de Olivicultores fez-se, na última safra, uma média de
90 anos com Tábua Azeite
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Terminado o processo de fabrico, o azeite é encaminhado para depósitos e envasilhado
1.500 litros de azeite por dia. Na véspera da nossa visita a fasquia subiu aos 2.000 litros e nesse dia as contas já apontavam para os 1.800 litros. Quando à “funda”, «a média geral foi de 14 litros por 100 kg de azeitona», afirma, muito embora a azeitona de um cliente tenha atingido os 17,5%. O lagar também compra, por norma, alguma azeitona, a sócios e agricultores que têm uma produção muito grande. «Este ano é escapatório», considera João Moura, que já chegou a ter 8.000 kg de azeitona e a produzir 1.300 litros de azeite. Actualmente, o olival do presidente da Cooperativa está em fase de renovação, mas continua a ser um dos três grandes produtores de Meda de Mouros, juntamente com António Carlos e Joaquim Luís. João Moura é agricultor por “desporto”, uma vez que a sua actividade profissional
está ligada ao ramo automóvel, como batechapas e pintor, e lidera a Cooperativa de Olivicultores, que na época da safra, exige uma atenção redobrada. «É difícil arranjar pessoas para trabalhar», afirma o também presidente da Junta de Freguesia. «As pessoas não querem trabalhar», diz, lamentando que o subsídio de desemprego seja cada vez mais encarado como um “modo de vida”e não como uma ajuda transitória. «Só fazemos o que podemos. Não temos pessoal para faz mais», conclui. Terminada a produção, o azeite é recolhido pelo proprietário. Os resíduos, o “bagaço” da azeitona, é retirado dos capachos – que são lavados – e acumulado, à espera de seguir viagem, rumo à “destilaria”, a fábrica existente em Coimbra. Depois de retirados todos os resquícios de óleo e de seco, o “bagaço” regressa ao lagar cooperativo, agora como combustível, que é usado para aquecer a água da caldeira, usado no fabrico do azeite.
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Azeite 90 anos com Tábua
Diário de Coimbra
Tecnologia de ponta transformou o lagar artesanal de Tojais num dos mais modernos da região, que não tem “mãos a medir” na época de fazer o azeite
AZEITE: O OURO DOS TEMPEROS 1999 Lagar tradicional dos Tojais começa a ser transformado numa estrutura moderna, com tecnologia de ponta. Um investimento contínuo, que arrancou em 1990 e já ultrapassa o milhão de euros. Este ano há mais obra para fazer
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om azeite, amarelinho!» e com «boa funda!». Parco em palavras, Henrique diz tudo o que é preciso saber. Residente na Vila do Mato, trabalha há mais de 20 anos no lagar e a longa experiência permite-lhe fazer uma análise rápida e certeira. Depois de longas horas, o azeite está pronto e o funcionário dá “ordem” para envasilhar. A família reparte-se nos afazeres. Uns enchem os potes com o azeite novo.Asenhora vai ao escritório pagar as “maquias”. É a cobrança do serviço prestado. 60 cêntimos por litro de azeite. Mais um cliente servido, numa fila que se adensa, apesar de o lagar dos Tojais funcionar 24 sobre 24 horas. Não há mãos a medir, com carregamentos de azeitona a chegar a cada momento. Resultado de uma safra boa, que se reflecte no grande movimento que se verifica na Extrazel, um dos lagares melhor equipados da região. À tecnologia avançada, junta-se o saber-fazer e a liderança incontestada do proprietário, João Morais, que conta com a ajuda do filho, Nuno. Novidade, nesta safra, é o facto de Mariana, a filha mais nova, ter começado a dar uma
ajuda no lagar. Cada pessoa leva o azeite da sua azeitona, um facto que também contribui para fidelizar os clientes. O lagar começou a trabalhar no dia 27 de Outubro, sempre 24 sobre 24 horas e o funcionamento prolongou-se até alturas do Natal. Há zonas onde a colheita se processa mais tarde, esclarece Nuno Morais. Entre o atendimento de um cliente que vai pagar as “maquias” e outro que adquire o vasilhame para transportar o azeite, o jovem empresário fala da verdadeira revolução que o pai imprimiu ao artesanal
lagar desde os finais da década de 90. «Hoje é um dos lagares mais modernos da região», salienta, destacando o equipamento de toda a linha de produção, da «mais conceituada marca» existente no mercado, a italianaAmenduni. «Temos capacidade para processar 10 mil quilos/hora», adianta. Muitas centenas de clientes fizeram ali o seu azeite. Uns com 300/400Kg de azeitona, outros com algumas toneladas. O procedimento é igual para todos, grandes ou pequenos. A azeitona chega, em sacos ou a granel, em tractores, camionetas, motocultivadores, carrinhas ou até enchendo a bagageira de qualquer automóvel. A azeitona é descarregada para um silo subterrâneo, sob as orientações do profissional que comanda as operações, na recepção. Num tapete rolante, a azeitona sobe rumo à zona de lavagem. «A azeitona pode vir com folha, porque é erguida e lavada aqui», faz notar Nuno Morais, explicando que esta é, igualmente, uma vantagem para os proprietários, que podem não ter este trabalho. Depois de pesada, a azeitona segue para um silo. Daqui passa pelo moinho e
90 anos com Tábua Azeite
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chega à batedeira. A azeitona, preta ou meio esverdeada, é agora uma massa compacta. Nuno Morais continua a registar as contas dos clientes, a receber o valor das maquias e dar uma ou outra indicação aos colaboradores. Tem que se despachar. A meio da manhã tem que ir trabalhar para o restaurante, o NM, um projecto que surgiu em Abril de 2010, frente ao Multiusos de Tábua, dedicado à gastronomia tradicional da região, no qual também está empenhado. O jovem empresário chama, ainda, a atenção para outra particularidade da Extrazel. «Podemos fazer o azeite a quente ou a frio. Quente é o sistema que se usa normalmente, mas o frio garante melhor qualidade», explica. Depois de, pelo menos, 40 minutos na batedeira, segue-se a passagem pelo decanter e pela separadora. De um lado escorrem os resíduos, de água. Do outro, o fio amarelo do azeite acabado de fazer. Cai, em cadência harmoniosa, numa tina com capacidade para 220 litros e dali é transferido para o depósito, onde é afixado o nome do proprietário. Acaba aqui a tarefa dos colaboradores do lagar. Aos donos do azeite compete a tarefa de o retirar do depósito para o vasilhame de transporte.
À cultura de qualidade, o lagar dos Tojais soma a figura emblemática do seu dinamizador, o empresário João Morais A «qualidade» é, sem dúvida, o grande “cartão-de-visita”da Extrazel - Lagar e Destilaria. Mas Nuno Morais faz questão de destacar o papel do pai, que, além do impulsionador da grande reforma, que começou nos finais dos anos 90 do século passado, é «uma pessoa muito conhecida em toda a região». Uma presença imponente, que tem uma palavra amiga para todos os clientes, mas também o “zelador” atento, que garante que tudo corre bem. Os clientes chegam dos mais diversos locais. Há quem se desloque de Pedrógão Grande, no distrito de Leiria, para os Tojais, na freguesia de Midões. Mas também de Coimbra, de Condeixa, Mortágua, Luso, Viseu, Miranda do Corvo ou Seia. Zonas que, inclusivamente, «têm lagares bem perto». Um cliente fiel, de longos anos, desloca-se do Fundão, apesar da existência, nessa zona, de um lagar muito semelhante à Extrazel. A empresa também vai buscar car-
regamentos de azeitona e faz azeite para o lagar. Azeite que vende a 5 euros o litro, um preço fixado há seis anos e que se mantém. Qualquer pessoa pode deslocar-se ali e adquirir azeite. No dia em que lá estivemos, um domingo, com uma pequena feira realizada ao lado, o movimento foi significativo, com a particularidade de muitos estrangeiros se dirigirem ao lagar para comprar azeite. É também esta reserva significativa, guardada em imensos depósitos de inox, que abastece os proprietários que, levando a azeitona, não fazem questão de ter o “seu” azeite e procedem, no imediato, à troca. «Não têm de esperar, nem pagam maquias», faz notar Nuno Morais. A par da produção de azeite, o lagar também possui destilaria, outra actividade sazonal, que acontece durante o mês de Outubro, após as vindimas, com a feitura da aguardente. Nuno Morais prefere, sem dúvida alguma, trabalhar com o azeite. «Por tudo», diz, elencando «o convívio», os clientes fiéis que «não se importam de esperar», muitos dos quais aproveitam a cozinha para dar mais calor e sabor à espera e à confraternização.
Mais um investimento em perspectiva A cadência de investimento não pára na Extrazel. «Já devia ter sido este ano (2021)», diz Nuno Morais, referindo-se à montagem de uma nova linha, destinada ao tratamento dos resíduos da azeitona. Actualmente o lagar recorre a uma empresa de Valpaços, «a única que tem capacidade para as nossas quantidades», esclarece. O objectivo do novo investimento, que vai avançar este ano, estimado em 300 mil euros, vai permitir a transformação, nos Tojais, destas “lamas” que, depois de secas e tratadas, são usadas em aviários e para alimentação de caldeiras. Actualmente trabalham no lagar 10 pessoas, incluindo o pai, dois filhos e um sobrinho. «Precisávamos de mais gente», diz Nuno Morais, que se queixa da falta e mão-de-obra no concelho.
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Trocar Lisboa por Midões
João Morais adquiriu o lagar dos Tojais em 1996. No ano seguinte começou a trabalhar e em 1999 começou a “revolução”. Arrancou com a instalação de uma primeira linha, depois da segunda, mais tarde com a remodelação de todo o parque da recepção. «Era necessário para prestar um melhor serviço, de qualidade, aos olivicultores», diz o patriarca da família. Por etapas, ao longo dos anos, «já investimos um milhão e 200 mil euros», refere, confessando a sua paixão pelo azeite. Um amor que surgiu quando João Morais se começou a dedicar à agricultura. Antes, depois de cumprir o serviço militar, na Marinha, estabeleceu-se por conta própria, em Lisboa «Era serralheiro», recorda. A empresa, que trabalhava na área dos alumínios, chegou a ter quatro funcionários, mas a «grande concorrência» levou João Morais a pensar mudar de ramo e a regressar às origens, na zona de Midões. E assim foi. Investiu no negócio da maquinaria agrícola, com a compra e venda de tractores, enfardadeiras, entre outros equipamentos e em 1996 adquiriu 50% do lagar, que há 10 anos possui na totalidade. A qualidade “de ponta” do equipamento instalado é, sublinha, o grande segredo da qualidade do azeite que é feito na Extrazel. «Fazemos o azeite quase a frio, a 35/40º, e isso dá uma qualidade acrescida», sublinha. Qualidade que fideliza os clientes. Este ano a “funda” oscilou entre os 10 e os 20%. O recorde foi uma produção extraordinária que rendeu 21%.
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Cogumelos 90 anos com Tábua
PRODUÇÃO DE COGUMELOS ALIMENTA TODO O PAÍS
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fácil de conseguir no concelho de Tábua. Quatro dias é o tempo médio necessário para os cogumelos “germinarem” nos blocos e ficarem prontos para a colheita. Uma verdadeira “máquina de produção” que garante resposta pronta ao mercado. «Produzimos com base na necessidade, para garantir frescura», diz Klaas. Por isso mesmo, nenhuma das salas tem a lotação esgotada. «No Verão consome-se menos», adianta, sublinhando a preferência por saladas quando os termómetros atingem os 30º. No Outono e no Inverno o consumo cresce substancialmente e, vá-se lá saber porquê, no Dia dos Namorados «consomem-se imensos cogumelos».
Empresa deixou de produzir rebentos, face às exigências legais, mas tem toda a estrutura pronta para retomar a produção Klaas Zwart numa das salas de cultura, onde crescem os cogumelos
2002 Na localidade de Bar-
ras arranca, em 2002, um projecto pioneiro de produção de cogumelos. Ao shiitake juntaram-se outras espécies exóticas, que alimentam o país de Norte a Sul. Outros desafios se seguiram
A
temperatura é de 16º. As salas de cultura estão de portas abertas. Em pleno Outono, a temperatura não carece de um controlo tão rigoroso. Os cogumelos shii-take ocupam a primeira sala. «É o nosso forte», explica Klaas Zwart, sócio-gerente da Cogumelos Cultivados, que salienta o facto de a empresa de Tábua ter sido o primeiro produtor no país desta variedade de cogumelos. Sobre estruturas metálicas, com quatro níveis, estão dispostos os blocos. Trata-se de uma base feita de serradura de carvalho, onde são inoculados os esporos dos cogumelos. Cada bloco produz uma média de 800 gramas desta variedade. Importados da Holanda, os blocos chegam com um revestimento protector que, quando retirado, em contacto com o oxigénio, dá início à produção. Em escassos dias, os cogumelos
crescem e ficam prontos para colher. Na sala seguinte cresce outra variedade. Originário do Japão, o Nameko é uma das variedades mais recentes produzidas na exploração. «Quando estiver cor-de-laranja está pronto para apanhar», explica. É um cogumelo mais leve, com sabor a nozes, muito apreciado. Na mesma sala cresce outra variedade. A cultura é semelhante, com os Pleurotus Eryngii a desabrocharem. «Pode atingir meio metro», esclarece o engenheiro do ambiente, de origem holandesa, que desde meados da década de 90 está radicado na região. Apesar de crescer de forma exponencial, este cogumelo é colhido com «12/14 centímetros». «Não há embalagem» para um cogumelo com 50 cm, adianta.Aqui, cada bloco ultrapassa a média das 800 gramas. «São cogumelos mais pesados», diz. Cogumelos saborosos, que “casam” bem com massas. Nesta segunda sala a temperatura é de 14º. As portas estão igualmente abertas. A colheita de qualquer uma das três variedades é feita de forma manual. Com uma faca, «seleccionamos os que atingiram a maturação». Há, todavia, clientes que pedem um produto “mini”. «É mais caro», adverte. Pequenos ou com o tamanho ideal, a colheita representa um trabalho delicado, que exige muita mão-de-obra e que não é
Semanalmente, a Cogumelos Cultivados produz 300 kg da variedade shii-take. «Se forem 250 kg já alguma coisa correu mal», afirma. Cogumelos que se destinam a um vasto mercado. «Fornecemos grandes superfícies, a Sonae, a Makro, hotéis e restaurantes desde Braga a Albufeira», adianta. «O cogumelo deixou de ser um produto sazonal. Garantimos cogumelos durante todo o ano, com preços sem alteração», adianta. Na sala de embalamento está Patrícia, uma das funcionárias da empresa. À sua disposição estão embalagens de plástico ou, se for essa a opção do cliente, uma caixa feita com desperdícios de arroz, adquirida na Alemanha. Tanto pode embalar as variedades produzidas na empresa, na localidade de Barras, como outras variedades que a Cogumelos Cultivados importa para abastecer o mercado nacional. A sala tem cinco postos de trabalho. Numa máquina, numa zona central, colocam-se as embalagens, depois de cheias, e a caixa é automaticamente fechada com película. Falta, depois, colocar a etiqueta, que varia consoante o cliente a que se destina. Também a embalar está Francien Nijhof, esposa de Klaas. Engenheira agrónoma, igualmente de origem holandesa, está às voltas com o embalamento de rábanos. Um legume pouco comum em Portugal.
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Cogumelos 90 anos com Tábua
Parece uma cenoura enorme, mas maior e de cor esbranquiçada. «Crescem na perfeição nos terrenos arenosos da Holanda e da Bélgica», diz o sócio-gerente da empresa, que explica este “trabalho extra” que representa uma resposta a um desafio lançado pela Makro. «São legumes novos» que esta cadeia pretende introduzir no mercado e que incluem outras variedades, como o aipo ou o funcho. «São produtos que nos ajudam porque temos as despesas logísticas da viagem», diz, referindo-se à deslocação semanal de um camião, vindo da Holanda, onde são adquiridos os blocos dos cogumelos. No pavilhão, com uma área de 750 metros quadrados, uma sala está pronta para produção de rebentos de legumes. Chegamos a produzir meia tonelada de rebentos de feijão mungo por semana», diz Klaas. Um percurso que começou em 2010 e «correu muito bem». «Os rebentos só têm 4/5 dias de validade», o que se «enquadrava muito bem na nossa logística e no nosso ritmo». Rebentos de alho, de beterraba, de brócolo, de rábano, cresceram e foram colhidos numa sala própria, com equipamento e tecnologia de ponta, cuja instalações contou com o apoio da «maior empresa da Europa ligada à produção de rebentos». Todavia, a produção de rebentos foi um desafio que ficou pelo caminho, tendo em conta uma alteração na legislação, que «obrigava a um gasto mensal de 1.200 euros em análises microbiológicas». Um custo que inviabilizou o projecto. «Com esta lei não dá para continuar», diz. A estrutura continua preparada e a qualquer momento, desde que as circunstâncias o justifiquem, a «produção pode ser retomada». A empresa procede à importação de rebentos da Holanda – aproveitando a viagem e o camião - que embala e coloca no mercado.
Diário de Coimbra
Loja “bio”, café e restaurante
Ricardo Cristino é o chef do Verdelhão
«Éramos mais famosos em Lisboa e no Algarve do que em Tábua, onde ninguém nos conhecia», diz Klaas, recordando o grande esforço de marketing e relações públicas que o levou a repetidas viagens para Lisboa, onde se concentram os grandes chef e onde criou mercado, junto de cadeias hoteleiras e de restauração, que se reflectem nas duas viagens por semana que a empresa faz a Lisboa para abastecer estes clientes. Um espaço no Mercado Municipal de Tábua, em 2012, veio resolver essa questão e a Cogumelos Cultivados passou, igualmente, a ser conhecida na origem. «Correu muito bem, tínhamos filas de espera na loja», refere. Depois de cinco anos de presença e quando procurava um espaço maior, capaz de responder às crescentes solicitações, a empresa acaba por adquirir o edifício de uma antiga oficina, na zona industrial de Tábua e ali instalar, em 2018, uma loja de produtos biológicos. Além dos cogumelos de produção própria, dos importados e dos rebentos, a empresa tinha contacto de proximidade com outros fornecedores de produtos frescos e de produção biológica e carreou essa oferta para a loja, onde é possível encontrar todos os produtos bio, desde frutas, a legumes frescos, passando pelo arroz, feijão ou lentilhas, estes importados da Holanda. Não faltam, claro está, os cogumelos, nem os rebentos de legumes. «Temos clientes de Coimbra», afirma o responsável. «Uma vez que tínhamos todos os produtos, havia que cozinhá-los», afirma
Klaas, explicando de forma bem humorada o crescimento da empresa e o surgimento de novas valências no espaço da antiga oficina de automóveis. “Verdelhão”, numa alusão à ave, muito comum no país, foi o nome dado ao complexo, que inclui um café com esplanada e restaurante. «É diferente. Mais do mesmo não valia a pena!», diz o holandês, a propósito do conceito que dá forma ao espaço do café-bar. Cá fora, uma soalheira esplanada convida a passar um bom bocado e a beber um café, servido numa chávena, assente numa placa de xisto. No interior, uma mesa grande convida a confraternizar, mas os sofás e as mesas colocadas junto à parede envidraçada garantem a discrição necessária. Um espaço onde «as pessoas podem conviver, mas também podem trabalhar», refere o empresário. No primeiro andar funciona o restaurante, inaugurado nos inícios de 2020. Ricardo Cristino é o chef. Natural de Tábua, o jovem estava a trabalhar num hotel, em Oliveira do Hospital. «Passou por cá para levar produtos para o seu hotel, mostrámos-lhe o espaço e apresentámos-lhe o projecto e ele ficou entusiasmado», refere Klaas. «É um projecto com pernas para andar», assegura o jovem, decidido a «aproveitar esta oportunidade». Além do mais, está «em casa». Com 27 anos, formado na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra, Ricardo Cristino prepara a carta de Outono/Inverno do restaurante. Obrigatoriamente os cogumelos marcam presença, por exemplo com um risotto de cogumelos, um dos pratos de eleição do jovem chef. Cogumelos de Barras e arroz do Baixo Mondego, garante. Como novidades, aponta um carrée de borrego com crosta de ervas e polenta frita com legumes salteados e, ainda, javali com castanhas e cogumelos. Relativamente ao peixe, a carta vai incluir, designadamente, arroz de línguas de bacalhau e bacalhau com trouxa de couve lombarda. O restaurante tem funcionado com lotação esgotada. «Tem estado sempre cheio», afiança, satisfeito, o jovem chef. Fecha ao domingo e à segunda-feira. Serve almoços durante a semana e jantares à sexta-feira e ao sábado.
90 anos com Tábua Cogumelos
Diário de Coimbra
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Da Holanda para Portugal Klaas Zwart e Francien Nijhof acabaram o curso ao mesmo tempo. Ele Engenharia do Ambiente. Ela Engenharia Agrónoma, especializada em Agricultua Tropical. «Não foi fácil encontrar trabalho na Holanda, especialmente para a Francien», conta Klaas. Surgiu uma possibilidade, de um projecto na América do Sul, no Suriname, e o tempo de espera criou a disponibilidade para «ler os jornais». O anúncio de venda de uma propriedade, na Serra do Açor, chamou a atenção do casal. «Não percebemos o preço…. Seis hectares com uma casa», recorda. Telefonaram para perceber e «explicaram-nos que a casa não tinha água nem luz e estava em ruínas, no meio da natureza». Três dias depois, Klaas e Francien estavam em Cepos, no concelho de Arganil. «Era o que precisávamos!», afirma. O projecto de Suriname teve um ponto final. O casal instalou-se em Cepos onde reconstruiu a casa e ficou durante cinco
anos». A vivência no meio da Serra do Açor permitiu-lhes perceber que, «depois das primeiras chuvas de Outono, os portugueses vão para a floresta apanhar cogumelos». «Podemos fazer a mesma coisa», pensaram. «Na altura, em Portugal, praticamente não havia cogumelos frescos no mercado, só enlatados e nos nossos cérebros surgiu a ideia de produzir cogumelos», conta. Era necessário um espaço especial. «Começámos a procurar adegas e nas Barras havia uma quinta com adega, em bastante mau estado». Estava encontrado um novo rumo, onde a formação académica dos dois jovens se concertava para a resposta a um novo desafio. Seguiu-se a venda da casa em Cepos e a mudança, em 2000, para Barras. Foi necessário fazer algumas obras e a produção arrancou em 2002. Inicialmente, o casal fazia todo o circuito, ou seja, preparava os blocos de serradura de carvalho, onde
inoculava a “raiz” dos cogumelos. «Na sala de climatização conseguíamos criar o ambiente para o cogumelo», diz. Todavia, isso representava um esforço acrescido. «Precisávamos de muito mais condições, designadamente em termos laboratoriais». O facto de na Holanda, sobretudo na zona Sul, haver profissionais que preparavam o substrato foi a resposta certa. «Hoje há produtores de substrato e produtores de cogumelos», explica Klaas. A Cogumelos Cultivados passou a adquirir os blocos e a assumir-se como produtora de cogumelos. «Assim é muito mais fácil e com garantias, pois compramos a matéria-prima a profissionais», diz. Klaas e Francien encontraram seu espaço e têm feito crescer a empresa. Ele mais na linha da frente. Ela mais ligada à produção. Nas feiras e nos restaurantes hoje em dia toda a gente conhece o holandês. «Sou o homem dos cogumelos», diz, bem-disposto.
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Cooperativa Agrícola 90 anos com Tábua
AGRITÁBUA: APOIO DIRECTO À AGRICULTURA
Cooperativa garante um conjunto de respostas, inclusivamente em termos veterinários
1980 Criada em Maio de 1980, Cooperativa Agrícola do Concelho de Tábua sucedeu ao Grémio da Lavoura. Actualmente garante apoio a cerca de cinco mil associados
A
extinção do Grémio da Lavoura, no período do pós-25 de Abril de 1974, ditou a emergência do movimento cooperativo a nível nacional. Tábua não foi excepção e, com o apoio do Instituto António Sérgio, assistiu-se, a 20 de Maio de 1980, à criação da Agritábua - Cooperativa Agrícola do Concelho de Tábua. Actualmente tem cerca de cinco mil associados, do concelho e zonas limítrofes, prestando um serviço diferenciador no apoio ao pequeno agricultor. «Somos essencialmente retalhistas, vendemos ao pequeno agricultor», afirma Francisco Pais, encarregado da Cooperativa Agrícola, que destaca o papel da pequena agricultura, num concelho onde são escassas as propriedades de maior dimensão. A maior, com 10 hectares, é a “Ladeira da Santa”, uma exploração vitivinícola. As restantes não têm mais de dois/três hectares, embora haja duas explorações de gado bovino, em Espariz e em Midões, com al-
guma envergadura, e começam a surgir «alguns jovens agricultores», que apostam, designadamente, na cultura de morango e em hortícolas, com o recurso a estufas. Nas instalações da Agritábua, localizadas numa das entradas da vila, o pequeno agricultor encontra tudo o que precisa, desde sementes, adubos, rações para animais, produtos fitofarmacêuticos, explica Francisco Pais. Numa área coberta com cerca de mil metros quadrados, a Cooperativa possui um espaço comercial, uma espécie de supermercado, onde se encontra tudo o que é necessário para a actividade agrícola, bem como produtos de limpeza. No armazém, que funciona no mesmo espaço, encontram-se os equipamentos de maior dimensão, designadamente alguma maquinaria, que a Cooperativa também assegura aos seus associados. Nestas mesmas instalações, a Agritábua garante outro tipo de respostas, igualmente a pensar no pequeno agricultor. Assim, funciona ali a delegação de Tábua da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro. Francisco Pais recorda que este organismo se instalou ali, precisamente no quadro de uma resposta de proximidade, mas mais tarde acabou por mudar para um espaço cedido pelo município. Todavia, os clientes ressentiram-se da mudança e a Cooperativa
Diário de Coimbra
Agrícola empenhou-se em recuperar este serviço, o que aconteceu, com o eng. Carlos Santos a ser uma presença próxima e uma resposta pronta para satisfazer as necessidades dos agricultores. No complexo da Agritábua está, igualmente, instalada uma clínica veterinária. O encarregado, que está desde 1990 ao serviço da Cooperativa Agrícola, refere um acordo entre esta entidade e um médico veterinário, actualmente em fase de mudança, uma vez que o veterinário decidiu sair do país. Todavia, já há substitutos, uns «colegas de Viseu, que todos os dias prestam serviço a quem precisa», seja através de consultas efectuadas na clínica, seja deslocando-se às explorações onde se encontram os animais. A formalização do novo acordo para prestação de cuidados de veterinária está prevista para breve. A formação constitui outra das áreas em que aAgritábua dá resposta, designadamente no que se refere à aplicação de produtos fitofarmacêuticos. «Só podemos vender este tipo de produtos a quem está devidamente acreditado», explica o encarregado. A Direcção Regional deAgricultura desenvolveu, recorda, há uns anos, um amplo programa e formação, destinado a maiores de 65 anos. Entretanto, a Cooperativa também avançou, garantindo essa mesma formação a pessoas com idade inferior. Um projecto que tem tido novos desenvolvimentos e ao qual se junta a formação para condução de tractores na via pública, igualmente obrigatória nos termos da nova legislação. Relativamente ao futuro, Francisco Pais é cauteloso, pois à semelhança do que aconteceu ao longo de toda a sua história, é fundamental que a «Cooperativa se saiba adaptar às novas circunstâncias e exigências». «O futuro da agricultura pode ser risonho, mas também pode não ser», refere, lembrando que a maioria dos agricultores são pessoas com «alguma idade», o que significa que tendencialmente poderá assistir-se a um crescente abandono da actividade. Todavia, é certo que «existe um conjunto de jovens agricultores», que permite perspectivar o futuro da lavoura em terras de Tábua. «Vamos ver!», afirma», garantindo, por um lado, a «capacidade de adaptação» da Cooperativa e, por outro, a vontade real de que, amanhã, assim como aconteceu no passado e no presente, a Agritábua seja encarada como aquilo que é: «uma casa de apoio à lavoura na região».
90 anos com Tábua Restauração da Comarca
Diário de Coimbra
Dia do Município celebra a restauração da Comarca
COMARCA RESTAURADA 1973 46 anos depois da extinção, concelho recupera, em 10 Abril de 1973, a comarca. Um momento que fez história. Todavia, 40 anos depois o Tribunal voltou a estar em risco
A
través da Rádio e da Televisão o ministro da Justiça anunciou ontem ao País as beneficiações introduzidas no sistema judicial, aprovadas em Conselho de Ministros. Deste modo, são criadas ou restauradas as seguintes comarcas: Albufeira, Almeida, Alvaiázere, Armamar, Boticas, Carrazeda de Ansiães, Castelo de Paiva, Condeixa-a-Nova, Espinho, Ferreira do Alentejo, Ferreira do Zêzere, Grândola, Mação, Marinha Grande, Matosinhos, Moita, Murça, Penacova, Ponte da Barca, São João da Madeira, Sátão, Tábua, Vila Nova de Foz Côa e Vizela», escrevia o Diário de Coimbra na primeira página no dia 11 de Abril de 1973. Na página 5, o jornal dava conta do impacto da boa nova. «Causaram o maior regozijo nesta vila as palavras do sr. ministro da Justiça. Estrelejam os foguetes e ouvem-se os “claxons” dos automóveis e sirenes dos bombeiros ao mesmo tempo que o champanhe cai sobre as taças. Tábua está a viver momentos de grande euforia e ouvem-se vivas aos senhores Presidente do Conselho e ministro da Justiça», escrevia o jornal, fazendo eco da forma entusiástica como o anúncio da restauração da Comarca foi recebido. No dia seguinte, o Diário de Coimbra
dava conta da intervenção do deputado Martins da Cruz, representante do círculo de Coimbra, que no plenário da Assembleia Nacional se referiu à satisfação «das localidades do distrito de Coimbra abrangidas pela nova estrutura judicial». O deputado recordou que em 1927, pelo Decreto n.º 13 917 foram extintas algumas comarcas, facto que «perturbou dolorosamente os povos atingidos, que viram, quase de surpresa, amputados os seus direitos de terra comarcã, baixada de categoria, com as inerentes consequências». Martins da Cruz lembrou os «danos gravosos destas extinções», tendo em conta que «as pessoas do campo se embaraçam nas malhas administrativas» e a «obrigatoriedade de comparência à sede da Comarca», a que juntou os «adiamentos frequentes de julgamentos», o «peso das distâncias», as «despesas e perdas de tempo» que tornavam «proibitivo o recurso à justiça». Situação que «reclamava uma revisão urgente dos Julgados Municipais e um estudo adequado que permitisse avaliar, após mais de 40 anos de extinção das comarcas, se seriam de manter ou regressar ao sistema anterior». Salientando que a «condenação dos Julgados Municipais estava previamente feita», tendo em conta que «já o notável Prof. Dr. Manuel de
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Andrade dizia que deles emanava uma justiça menos qualificada, dando menos garantias de acerto nas decisões, embora mais acessível por mais cómoda e barata. Por outro lado, sabia-se que o movimento de alguns julgados era superior ao de muitas comarcas». O deputado lembrou o requerimento apresentado em Fevereiro de 1971, onde «solicitava ao Ministério da Justiça elementos que me habilitassem a tomar posição nesta Casa sobre a restauração das Comarcas de Condeixa-a-Nova, Penacova, Penela e Tábua». Elementos que lhe foram fornecidos «em 6 de Maio do mesmo ano», pelo Gabinete do Ministro. O parlamentar faz questão de salientar a «maior boa vontade» do ministro Almeida Costa e «o desejo latente de dar satisfação às pretensões dos povos daqueles concelhos, embora isso «dependesse do estudo que mandara efectuar» e expressa a sua gratidão pela «oportuna decisão do Governo», que representa um «alto benefício social e económico» e irá «proporcionar uma melhor administração da Justiça».
Reforma “salvou” Tribunal A reorganização do mapa judiciário, proposta em Janeiro de 2012 pelo Ministério da Justiça, quatro décadas depois de Tábua recuperar a Comarca – data que, pelo seu relevante significado acabaria por ser escolhida para assinalar o Dia do Município apontava, novamente, para o seu encerramento. Um facto que suscitou bastante polémica e levou o executivo municipal (primeiro com Ivo Portela e depois com Mário Loureiro), a esgrimirem argumentos, designadamente sobre o número de processos, que ultrapassava largamente os pressupostos definidos para o encerramento, bem como as condições de excelência oferecidas pelo edifício, defendendo a importância de manter uma resposta de proximidade em matéria de Justiça no concelho. A verdade é que a segunda versão das “Linhas Estratégicas para a Reforma da Organização Judiciária”, conhecida no dia 15 de Junho de 2012, retrocedia na posição inicialmente assumida, deixando o Tribunal de Tábua fora da “linha vermelha”do vasto rol de encerramentos em perspectiva, o mesmo acontecendo com Penacova. O Ministério da Justiça mantinha, na altura, a intenção de encerrar os tribunais de Mira, Pampilhosa da Serra, Penela e Soure.
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Centro de Recuperação de Espariz 90 anos com Tábua
CENTRO DE RECUPERAÇÃO INAUGURADO EM ESPARIZ
Projecto assistencial avançou com o financiamento do Totobola
1962 Unidade, inaugurada no
dia 25 de Novembro de 1962, tinha como objectivo ser um complemento ao trabalho de recuperação de leprosos efectuado no Hospital Rovisco Pais, na Tocha
A
quinta abandonada e o palacete do século XVIII a ameaçar ruína, localizados em Casal do Espírito Santo, foram recuperados e transformados no Centro de Recuperação de Espariz. Um projecto assistencial, mais um, com a assinatura de Bissaya Barreto, inaugurado no dia 25 de Novembro de 1962. Uma obra que tinha como objectivo funcionar como «complemento do Hospital Rovisco Pais – inaugurado 15 dias antes – permitindo libertar definitivamente do mal de Hansen quantos dali saírem clinicamente curados, proporcionando-lhes um ambiente próprio de recuperação e incutindo-lhes a certeza de que podem voltar à vida», escrevia o Diário de Coimbra. Na edição de 26 de Novembro, com grande destaque na primeira página, o jornal testemunhava o momento particularmente importante, ilustrado com uma fotografia, onde se vê Bissaya Barreto e o ministro da Saúde, Henrique Martins de Carvalho. «Já em Janeiro do próximo ano o Centro de Espariz receberá uma centena de homens, acolhendo-os carinhosamente
e proporcionando-lhes condições de retomarem a actividade», adiantava o jornal. Castro Soares, director do Instituto de Assistência aos Leprosos e inspector de Saúde e Higiene, elogiou «a magnífica instituição», fruto da «insatisfação» do Prof. Dr. Bissaya Barreto e da «sua obra grandiosa», que granjeou o «apoio» e «compreensão» do «Presidente do Conselho e do ministro da Saúde». Destacou, ainda, o facto de a obra ter sido «subsidiada graças ao rendimento das Apostas Mútuas Desportivas, do tão falado “Totobola”, e que se espera venha ainda a ser ampliada com essa contribuição, que permitirá criar as indispensáveis instalações de ergoterapia e de fisioterapia, tanto no Centro, como no Hospital Rovisco Pais». Este Centro de Recuperação pelo Trabalho e para o Trabalho «vai funcionar como escola de preparação para a vida dos exhansenianos que, há muitos anos afastados das agruras e das inclemências da vida, têm de regressar a ela», explicava Bissaya Barreto ao ministro da Saúde. «É aqui, nesta casa, que o egresso do Rovisco Pais se vai preparar para trabalhar; é nesta casa que ele vai adquirir condições físicas, morais e sociais para enfrentar a vida como ela é. (… ). Estamos, pois, num Centro de Recuperação para incapacitados físicos pela peste negra, mal que deixa, correntemente, sequelas, muitas vezes reparáveis, permitindo, então, ao doente o seu regresso à vida em condições
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sensivelmente normais. A estes doentes, curados medicamente da doença, há que tornar a sua cura integral, cuidando sim da parte somática e psíquica, mas cuidando também da sua situação social. Há que tornar o doente sociável, corrigindo as perturbações que causem o seu desajuste com as outras pessoas e com o meio em que vai desenvolver a sua actividade...», adiantava. Bissaya Barreto não escondia as dificuldades deste processo de reintegração social. «A readaptação social dos antigos hansenianos negativados vai ser de certeza um problema complicado e, até certo ponto difícil, mercê de certas perturbações psíquicas que eles apresentam com frequência, determinadas por vários factores durante a evolução do mal, verdadeiros complexos de inferioridade (…). Todas essas complicações o Centro procurará resolver e há-de resolver, exercendo, assim, uma relevante função social, em que não terá menor importância a preparação psicológica e a preparação técnico-profissional do egresso para enfrentar a sociedade, depois de negativo e reabilitado». O médico destacava que a «integração social» representava a «principal função do Centro», que se «vai realizar sobretudo com a laborterápia, isto é, com a terapêutica ocupacional», pois «a ocupação é o melhor médico natural e essencial à felicidade humana», afirmava Bissaya, evocando a máxima de Galeano. O funcionamento do Centro de Recuperação de Espariz vai permitir, explicava ainda o responsável, a transferência de «uma centena de doentes, inteiramente recuperados» do Hospital Rovisco Pais, possibilitando a abertura de uma «centena de vagas, que imediatamente vão ser preenchidas por igual número de doentes ainda contagiantes». Bissaya Barreto perspectivava, ainda, a criação de um centro semelhante destinado a mulheres e a crianças, facto que colocaria Portugal «em condições de, em pouco tempo, poder fazer a erradicação da lepra». O ministro da Saúde agradeceu o empenho de Bissaya Barreto nesta obra e «salientou que o Centro de Espariz será como que a “charneira” entre o Hospital e a vida, facultando a recuperação do doente do mal de Hansen e convencendo-os que, de facto, se encontram em condições de trabalhar, libertos da doenças e capazes de recomeçar a vida», rematava o Diário de Coimbra.
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90 anos com Tábua Misericórdia
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MISERICÓRDIA INAUGURA HOSPITAL 1955 Manuel Martins Borges
não pôde ver o seu sonho concretizado, mas foi recordado por todos na inauguração do modelar estabelecimento hospitalar, no dia 11 de Setembro de 1955
C
om a presença de milhares de pessoas, de membros do Governo e destacadas individualidades ligadas à vida da região Tábua inaugurou ontem o seu hospital”. Na primeira página da edição de 12 de Setembro de 1955, ilustrada com foto, o Diário de Coimbra dava conta do «grande acontecimento», testemunhado por um “enviado especial”. «Uma surpresa para milhares de visitantes que ficaram maravilhados com a obra». «O Hospital de Tábua está dotado com a mais moderna aparelhagem, entre a qual se destaca um aparelho de Raios X e uma modelar sala de operações. Dispõe de duas enfermarias com 12 camas cada uma e oito quartos particulares e modalidades de creche, asilo e maternidade, sendo em breve aumentado com secções para tratamentos antituberculosos e materno-infantil. Na cave encontram-se as instalações e refeitórios para o pessoal, lavandaria, tratamento de roupas, rouparia central e dos doentes, “chaufage”, cozinhas e armazéns. No résdo-chão, creche, farmácia, laboratório, agentes físicos, Raio X, gabinetes para consultas de oftalmologia, urologia, estomatologia e otorrinolaringologia e infecto-contagiosas. No primeiro andar, capela, sala de operações e partos, maternidade, quartos particulares, sala para tratamentos, cozinha de dietas, sala nobre e hospital. O hospital comporta a totalidade de 60 camas. É, sem dúvida, uma obra que honra os seus promotores e ainda todos os tabuenses que para ela contribuíram. A vila apresentava um aspecto festivo», escrevia o repórter do Diário de Coimbra. O novo Hospital da Misericórdia de Tábua foi inaugurado pelo «titular da pasta do Interior», acompanhado pelo chefe do distrito de Coimbra, recebidos numa onda festiva na Moita da Serra, que os acompanhou até à vila. Aqui, «ranchos folclóricos, bombeiros voluntários, as filarmónicas de São João
Diário de Coimbra deu destaque à inauguração da unidade hospitalar
de Areias e Candosa, juntavam-se no largo do Calhariz, à entrada da vila. Nos Paços do Concelho, o governante foi recebido pelo presidente do município, José Teles Corte Real «e logo de seguida foi descerrado o Medalhão, como homenagem do concelho de Tábua ao benemérito Manuel Martins Borges», adianta. Seguiu-se a bênção do novo Hospital, tarefa a cargo do arcebispo bispo conde, assistido pelos cónegos Brito Cardoso e Manuel Carvalho. José Quaresma de Matos, médico em Lisboa, provedor da Misericórdia, numa «brilhante oração», analisou a função dos hospitais na assistência aos habitantes da região, fixando-se particularmente nas cirurgias e fazendo votos para que se encontre uma solução, de forma que este hospital e outros que estão a ser construídos possam ter «as suas equipas cirúrgicas, fundamentais para uma assistência completa, quando se trata de valer a doentes». Albertino Ferreira, «que interpretou o sentir dos 1.500 sócios da Casa dos Tabuenses, em Lisboa», organismo que «às causas da região tem dado um esforço que nunca é demais destacar», manifestou a sua «satisfação» e de «todos os tabuenses que na capital lutam pela vida sem esquecer as terras em que nasceram» pelo facto de «ver Tábua dotada de tão inestimável benefício». Aurélio Martins, com «sotaque tão sim-
pático de quem há muito labuta por terras do Brasil», em representação da Casa dos Tabuenses no Rio de Janeiro, «manifestou toda a sua satisfação» por «assistir a uma festa de tão transcendente significado». Todos os oradores, destaca o repórter do Diário de Coimbra, «se referiram ao saudoso Manuel Martins Borges, que insistentemente advogou a ideia de se construir o hospital e se tornou o principal impulsionador dessa obra magnífica, que acompanhou com carinho extremo, quer como provedor da Misericórdia, quer como presidente da Direcção da Casa dos Tabuenses». Focaram, igualmente, «o apoio dado pelo Estado» e por «muitos tabuenses», «muitos deles residentes no estrangeiro», que deram o seu contributo para «tornar realidade a ideia do saudoso Manuel Martins Borges que, infelizmente, já não pôde ver o seu sonho transformado em realidade». Referência, ainda, para o «povo», que «tanto contribuiu para o êxito do cortejo de oferendas, realizado no ano passado e a cujo produto se deve, em grande parte, o ter-se concretizado o empreendimento agora festivamente inaugurado», concluía o enviado especial do jornal, que não terminava sem referir a visita detalhada às «instalações do modelar estabelecimento», e a festa popular, com quermesse e «frequentadíssimas» barracas de chá e de comes e bebes.
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Misericórdia 90 anos com Tábua
Diário de Coimbra
Antigo Hospital foi transformado, em 2007, numa moderna e pioneira unidade de cuidados continuados, que constitui a “jóia da coroa” da instituição
A MISERICÓRDIA É UM “MUNDO” 1933 Fundada em Abril de 1933, a Santa Casa da Misericórdia de Tábua é uma instituição recente, mas com uma história e dinâmica invejáveis
A
pobreza e as muitas carências que se faziam sentir estiveram na base da criação da Santa Casa da Misericórdia de Tábua em 18 de Abril de 1933. Uma instituição recente, comparativamente com as multicentenárias existentes na região, mas nem por isso menos actuante. Bem pelo contrário. Os pobres, os mais desfavorecidos, sempre constituíram o foco essencial que balizou a actuação da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Tábua, que também elegeu a saúde como uma área prioritária e estendeu o seu olhar protector às crianças, aos jovens e aos mais velhos. Sandra Mêna é a nona provedora e a primeira mulher à frente da instituição.Assumiu o cargo em Janeiro de 2021 e com ele uma herança de solidariedade e humanismo. «Todos os provedores foram homens bons, corajosos e preocupados com o contexto social e as dificuldades que se faziam sentir, movidos pela vontade de encontrar respostas para os mais carenciados», refere. Na pequena “salinha”, o lugar de eleição deAugustaAlbergaria (13.11.1894 – 18.07.1977), a proprietária do solar da Silhada - que doou à Santa Casa nos finais da década de 70 do século passado e onde funciona a sede da instituição e vários serviços de
apoio - a provedora recorda esta «preocupação com os mais vulneráveis» que ontem como hoje orienta a instituição, que foi procurando adaptar-se aos novos tempos e às novas necessidades. A aposta na saúde mantém-se, já não sob a forma hospitalar, que funcionou durante mais de duas décadas, mas como Unidade de Cuidados Continuados e juntou-se um olhar atento aos mais velhos, através de uma resposta de centro de dia. Um projecto que arrancou em Novembro de 1982, no rés-do-chã do antigo hospital, com capacidade para 40 utentes. Uma forma de garantir apoio aos seniores, que transitou, depois, para um edifício da Misericórdia, na Rua Dr. Fortunato Vieira das Neves. Na mesma altura começa a funcionar a estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI). Entretanto, foi construído um novo edifício, nas proximidade do largo da Silhada, onde se encontra o lar, com capacidade para 90 utentes, e o centro de dia, que devido à pandemia, tem um funcionamento mais limitado. Em 1996, a instituição avança com o serviço de apoio domiciliário. Actualmente presta apoio a um universo de 125 idosos. 1982 afigura-se como um ano marcante, pois é nessa altura que avança o projecto
da creche e jardim-de-infância, que dá resposta a crianças desde os três meses. Inicialmente, explica a provedora, esta valência funcionou no edifício-sede da instituição. Posteriormente, foi construído um edifício de raiz, inaugurado a 16 de Dezembro de 1986, onde funciona actualmente, acolhendo, no total das duas respostas, 117 crianças. A creche, sobretudo, «tem lista de espera». «Não conseguimos dar resposta a tantas solicitações», afirma Sandra Mêna, feliz porque isso representa o reconhecimento do bom serviço prestado, mas simultaneamente triste por não haver capacidade de alargar essa capacidade. O Centro de Acolhimento Temporário (CAT) para Menores surge em 1999. Uma valência instalada numa casa da Misericórdia, devidamente recuperada e adaptada. «É uma casa de bonecas», diz, com ternura Sandra Mêna, que elogia o «enorme carinho» e «apoio» de «toda a comunidade, das pessoas e das empresas» ao CAT. Esta casa de família acolhe crianças, por ordem do Tribunal e da Segurança Social. A mais nova chegou com 12 dias e ali vivem até aos 12 anos. Frequentam a creche, o jardim-deinfância e a escola primária, à semelhança das restantes crianças da mesma idade. A Santa Casa da Misericórdia de Tábua é,
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Misericórdia 90 anos com Tábua
também, responsável pelo CLDS – Contrato Local de Desenvolvimento Social, que garante apoio directo a «mais de 100 famílias» em todo o concelho. É, ainda, a entidade responsável pela equipa RSI (Rendimento Social de Inserção), que apoia mais de centena e meia de famílias e pessoas individuais, das mais variadas formas, que podem representar, por exemplo, o acompanhamento a uma consulta médica. Em parceria com outras entidades, procede à distribuição de géneros alimentares e fornece refeições confeccionadas, no âmbito do projecto “Cantina Social”.
Zelar pela saúde e sustentabilidade da instituição Diariamente, a Santa Casa da Misericórdia garante apoio directo, nas diferentes valências, a algumas centenas de pessoas. No total, são 210 os colaboradores. Um número significativo, que leva a provedora a destacar o papel que a Misericórdia desempenha na atracção e na fixação de pessoas no território. «A maioria dos nossos colaboradores reside em Tábua ou acaba por se instalar no concelho», refere, destacando um grande número de profissionais qualificados que a instituição absorve, o que também contribuiu para «enriquecer o concelho». «A Misericórdia é um mundo», remata. Orgulhosa da equipa que lidera, Sandra Mêna lembra o «trabalho extraordinário» que faz e que em tempos de pandemia foi «impressionante».Amaioria dos trabalhadores, 90%, são senhoras, mas todos deram «o seu melhor», afirma, agradecida. Advogada de profissão, Sandra Mêna adoptou Tábua como a sua terra e também foi muito bem acolhida. Depois de ter integrado a anterior mesa administrativa, assumiu, em Janeiro deste ano a liderança da instituição. Tempos difíceis, marcados pela pandemia, que a provedora gostaria de ver definitivamente sanada. «Anseios e sonhos temos tantos, mas temos de ser muito pragmáticos - e somos! - temos de pensar na sustentabilidade, não nos podemos deixar levar por uma paixão», adianta. Com todos os equipamentos a exigirem «grande atenção», em termos de manutenção e alguns edifícios a reclamarem obras, a provedora destaca a necessidade de uma avaliação rigorosa de todas as situações. Assegurado está o projecto de alteração energética na Unidade de Cuidados Continuados, que conjuga a redução de custos com uma solução ambientalmente mais sustentável.
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Saúde: do hospital aos cuidados continuados
Sandra Mêna, provedora da Santa Casa
O Hospital foi a primeira valência da Santa Casa da Misericórdia de Tábua. Uma aposta na saúde. A construção começou em 1935, com as obras do emblemático imóvel a ficarem concluídas em 1954. No ano seguinte assistiu-se ao apetrechamento, com a inauguração a acontecer no dia 11 de Setembro de 1955. Sob a tutela da Misericórdia, o Hospital funcionou até 1976, altura em que, à semelhança do que aconteceu com outras respostas similares, foi nacionalizado, passando para a administração do Estado. Em 1976, os dados da Santa Casa atestam um funcionamento exemplar, dos serviços de Cirurgia, Ortopedia, Ginecologia, Obstetrícia e oncologia. Existiam 90 camas, com «uma média de ocupação de 76 camas», um aparelho de Raio X «que tirava cerca de 1.100 radiografias e radioscopias por ano» e serviço de sangue. «Anualmente, efectuavam-se cerca de 700 intervenções cirúrgicas e diariamente procedia-se ao atendimento, em média, de 60 utentes». Números que levaram, em 1976, o então governador civil do distrito a considerar o Hospital da Misericórdia de Tábua como «o segundo melhor hospital do distrito». Sob a batuta do Estado e no quadro da reorganização dos serviços de saúde, o hospital acabou por deixar de existir. Ali funcionou, durante alguns anos, o Centro de Saúde de Tábua, mas a construção de um edifício de raiz ditou a mudança de
instalações e a devolução do espaço à Santa Casa. A braços com um edifício devoluto, marcado pelo peso dos anos, a Misericórdia entendeu, quase três décadas depois, recuperar a sua vocação assistencial na área da saúde. Assim, a 2 de Agosto de 2005 começam as obras de remodelação e capacitação do antigo hospital, com o objectivo de ali instalar uma Unidade de Cuidados Continuados (UCC). Um projecto pioneiro na região. «Foi uma obra e um investimento muito grande», refere a provedora. Do antigo hospital «praticamente só ficaram as paredes», adianta A obra ficou concluída no primeiro semestre de 2007 e a 16 de Julho desse ano a UCC começou a funcionar. Integrada na Rede Nacional de Cuidados Continuados, a UCC de Tábua oferece 76 camas, 53 de longa duração e manutenção e 23 de média duração e reabilitação. A unidade tem, ainda, uma pequena componente, residual, de camas, que funcionam a nível privado. A UCC, considerada uma referência na região, foi inaugurada no dia 15 de Setembro de 2007 pelo então Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Em Janeiro de 2010 a Santa Casa inaugurou a Unidade de Medicina Física e de Reabilitação, que constitui uma referência na região. «Tábua é muito conhecida pela reabilitação», refere a provedora, que lembra as muitas solicitações, para dentro da instituição, e para fora, a que esta valência dá resposta. A pandemia impôs grandes limitações, mas o número de consultas tem vindo a crescer significativamente, atingindo a média de 100 utentes/dia. Todavia, ainda bem longe dos 150 utentes que habitualmente servia. Uma resposta destinada aos utentes da Santa casa, mas também à comunidade local e das redondezas, nomeadamente de Santa Comba Dão, Carregal do Sal, Mortágua, Arganil e Oliveira do Hospital. A Unidade de Medicina Física e de Reabilitação tem acordo firmado com o Serviço Nacional de Saúde, com várias seguradoras, Sindicato dos Bancários e Caixa Geral de Depósitos.
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90 anos com Tábua Casa dos Tabuenses
CASA DOS TABUENSES QUER RECUPERAR A CHAMA 1932 Criado em 1932, o Gré-
mio Regional Tabuense assume, em 1940, a designação de Casa dos Tabuenses. Uma instituição actualmente meio adormecida, que quer recuperar a sua chama
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Regionalismo Beirão, este «espírito de carolice», de «amor à terra natal» tão característico das gentes da Beira Serra, também tocou Tábua de forma incisiva. Um fruto da diáspora, que levou para Lisboa muitos tabuenses, que ali se afirmaram, cresceram como empresários e fizeram questão de manter viva a sua ligação à terra natal. Uma relação solidária que desde sempre procurou suprir carências e que fez uma obra marcante. Em 1932 surge, assim, em Lisboa, o Grémio Regional Tabuense, instituição que, à semelhança das suas congéneres com uma designação semelhante, se viu obrigada a mudar de nome. «Uma imposição policial», recorda Amílcar Martins, presidente da Mesa da Assembleia Geral. A 7 de Janeiro de 1940, reunidos os sócios, aprovam a nova designação: Casa dos Tabuenses, o nome que ainda hoje se mantém. Amílcar Martins recorda o grande desígnio deste projecto, plasmado na criação da Santa Casa da Misericórdia de Tábua e no Hospital da Misericórdia. «Foram mais de duas décadas» de trabalho e empenho, em que a Casa dos Tabuenses contou, igualmente, com uma colaboração enorme da comunidade tabuense radicada no Brasil. Recorda, em particular, a acção desenvolvida por Manuel Martins Borges, que presidiu à Casa dos Tabuenses e também foi provedor da Misericórdia, uma das figuras que mais se empenhou na construção do Hospital e que morreu poucos antes desta obra estar pronta, não podendo testemunhar a grandiosidade do trabalho feito. A Santa Casa da Misericórdia, “filha dileta” da Casa dos Tabuenses – onde esta instituição tem assento – foi consolidando a sua presença e a sua intervenção social nas mais diversas áreas e a Casa dos Tabuenses, em
Antiga sede da Casa dos Tabuenses
Lisboa, acabou por perder algum do brilho e da actividade que a marcaram até à década de 50 do século passado. «Manteve-se como ponto de encontro dos tabuenses radicados em Lisboa», sublinha Amílcar Martins, que se recorda, ainda praticamente uma criança, de ver o empenho e a entrega dos mais velhos a esta causa. Uma causa que nasceu por vontade dos tabuenses radicados em Lisboa e que durante décadas representou um traço de união para esta vasta comunidade, um farol de ligação à terra natal, que continuava a promover tertúlias e a ser um ponto de encontro de Tábua e dos tabuenses, além de convidar as colectividades do concelho, que ali mostravam o seu trabalho. Um percurso que se manteve até 2013, altura em que a Casa dos Tabuenses assumiu uma realidade nova, marcada por crescentes dificuldades. «Foi a última assembleia geral», recorda Amílcar Martins, que na altura assumiu as funções de presidente da Mesa da Assembleia geral, com António Pais Almeida (que já tinha sido presidente da direcção), a presidir ao Conselho Fiscal. Foi necessário tomar decisões drásticas, de-
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signadamente deixar as instalações, na Rua dos Poiais de São Bento, em Lisboa, pois não havia condições para continuar a suportar o pagamento da renda. Sem espaço físico, a Casa dos Tabuenses não foi, todavia, extinta. Embora sem actividade, de alguma forma adormecida, a instituição continuou a existir, com os dois timoneiros teimosamente empenhados em não deixar cair este projecto, com décadas de vida e uma actividade de mérito. Confiante, Amílcar Martins acredita que agora estão reunidas as condições para «ter uma nova vida», necessariamente diferente, mas que pretende «continuar a manter acesa a chama» e «dar sequência institucional à Casa dos Tabuenses». O apoio do município será fundamental, considera, e recorda o pedido de um subsídio, no sentido de ajudar a suportar o arrendamento de um espaço físico, já não uma casa, mas uma sala. Um local que os tabuenses, radicados em Lisboa ou de Tábua, se possam encontrar e a que chamem seu. «Qualquer empresa pode fazer aqui as suas reuniões, promover os seus negócios», exemplifica o presidente da Assembleia Geral, que ficou com a “criança nos braços” desde 2013 e quer «entregar» a Casa dos Tabuenses a novos timoneiros, confiante que a «juventude» poderá imprimir uma nova dinâmica a este projecto com quase nove décadas de vida. Empenhado neste renascimento está, também, o presidente da Câmara Municipal de Tábua. «A geração de tabuenses que fazia eventos em Lisboa para arranjar dinheiro para custear obras nas aldeias já passou, hoje já não são os mesmos e a Casa dos Tabuenses tem de servir os tabuenses de outra forma», considera. Para Ricardo Cruz, hoje é fundamental manter esta casa como «um farol», que alerte as novas gerações e as cative para que «não percam a ligação à terra dos seus avós». «Temos que saber puxar estas novas gerações» para o concelho», considera. O autarca está empenhado em garantir o apoio necessário para ver a Casa dos Tabuenses ultrapassar esta “crise de identidade” e ganhar uma nova vitalidade, designadamente como «forma de promover a marca Tábua, um veículo para chamar os jovens para a terra dos avós» e, porque não, «um veículo de promoção, em Lisboa, dos produtos endógenos desta terra beirã e da marca Tábua», remata.
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Bombeiros de Vila Nova de Oliveirinha 90 anos com Tábua
GARANTIR O SOCORRO E SERVIR A POPULAÇÃO
Original quartel, que representa um “grito de modernidade”, foi inaugurado em 2009
1934 Criada como Corpo de Salvação Nacional, a Associação
Humanitária dos Bombeiros de Vila Nova de Oliveirinha continua hoje a honrar o seu compromisso de prestação de serviço público
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uma terra do interior, no meio de um «isolamento tremendo», onde os «meios eram poucos» e as «lacunas imensas» e «o Estado pouco ou nada fazia», um grupo de cidadãos reuniu-se e empenhou-se na criação de um Corpo de Salvação Nacional. «Era um conceito diferente», sublinha o presidente da direcção. Na altura, em 1934, não se tratava unicamente de garantir «protecção e socorro à população», mas igualmente de «assegurar outro tipo de apoio», designadamente «combater a fome», refere Vítor Melo. Instalada desde a origem num edifício pertencente à Comissão de Melhoramentos de Vila Nova de Oliveirinha, a corporação viveu um verdadeiro dia de glória em Abril de 2009. Com efeito, o dia do feriado municipal foi escolhido para a inauguração do novo quartel, um edifício diferente, com a assinatura do arquitecto LuísAlbuquerque. «O conceito é original a nível mundial, não tem nada a ver com a tipologia normal», refere Vítor Melo, que na altura ainda não integrava a direcção. «Não foi fácil», adianta, lembrando que o projecto esteve quase
uma década à espera de conseguir os necessários apoios. A originalidade do edifício motivou, de resto, uma verdadeira peregrinação a Vila Nova de Oliveirinha, com o objectivo de ver “in loco”um edifício diferente, que se define pelo rigor espartano da concepção e pela originalidade dos traços, que, além da operacionalidade e funcionalidade, garante uma resposta eficaz em termos ambientais, designadamente com o aproveitamento da energia solar, térmica e de águas pluviais, bem como tratamento e reutilização de águas residuais. Aobra, que representou um investimento a rondar o milhão e 300 mil euros, com a comparticipação do Estado e do município de Tábua, foi inaugurada pelo então ministro da Administração Interna, Rui Pereira, que considerou o novo quartel um «grito de modernidade» e elogiou o seu lado funcional e ecológico. Os Bombeiros de Vila Nova de Oliveirinha «passaram de uma barraca sem condições para um dos mais espectaculares quartéis da Europa e do mundo», dizia, por seu lado, Jaime Soares, à data presidente da Federação dos Bombeiros do Distrito de Coimbra.
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Se o espaço físico é um orgulho, os “homens” são, inquestionavelmente, a “alma” do bom serviço prestado à comunidade. «Os bombeiros não têm de ser vaidosos, têm de ser orgulhosos. Orgulho que vem da acção que desempenam», afirma o presidente da direcção. «Fazer muito com muito não é relevante. Fazer muito com pouco é motivo para sentir orgulho», considera, orgulhoso dos seus “homens” e do seu desempenho. «O conceito “Vida por Vida”, mantém-se em Vila Nova de Oliveirinha», afirma, confessando que colegas de outras corporações e comandantes o questionam bastas vezes «como conseguem». Aregra de ouro, sublinha, está numa entrega total. «Digo muitas vezes aos meus homens que, quando toca o telefone, não sabemos quem está do outro lado, só sabemos que é alguém que precisa da nossa ajuda, que está fragilizado e precisa de apoio e isso só se consegue se «estivermos completamente focados, esquecendo todos os problemas pessoais, familiares, com os colegas». Por isso entende que é essencial «valorizar o trabalho das pessoas, dar-lhes espaço e condições, apoiar as suas iniciativas». Esse «espírito de entrega» funciona sempre. «Pode não haver pessoas no quartel, mas a sirene toca e aparecem logo. Temos sempre resposta pronta», afirma Vítor Melo, que assume um «grande orgulho na associação». Aequipa é constituída por 16 profissionais, um número que é «o possível», tendo em conta as limitações, em termos de apoio e, sobretudo, a «responsabilidade que a Associação tem perante as pessoas e as famílias». O corpo activo tem um total de 60 voluntários. Relativamente a equipamento, Vítor Melo tem uma visão muito própria e que tem dado bons resultados. «Quando a associação necessita, ponho os pés ao caminho», diz recordando que foi «um dos primeiros a ir buscar viaturas a França», designadamente carros de incêndio. «Diziam que eu era o cangalheiro, o sucateiro, mas o tempo veio dizer que tinha razão. Hoje não há uma associação de Bombeiros que não tenha um carro destes», afirma. O responsável lembra que por «15 mil euros» conseguiu adquirir «um carro muito versátil, com pouca electrónica, que qualquer pessoa pode usar». Uma viatura destas, para o mesmo fim «custa em Portugal 200 mil euros», faz notar, apontando a desproporção de valores
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90 anos com Tábua Bombeiros de Vila Nova de Oliveirinha
e a necessidade de «ter carros versáteis» e com «grande capacidade de água» para o combate aos incêndios. «Carros robustos, simples e funcionais», adianta. O presidente lembra que, há 10 anos, quando assumiu a direcção da Associação Humanitária, definiu «um plano de reestruturação do parque automóvel». A prioridade centrou-se nas ambulâncias, vitais para o socorro, mas também para o «financiamento» e «sobrevivência» da associação. A segunda prioridade foram os veículos de combate a incêndios e, numa terceira linha, ficou um carro de desencarceramento. Uma viatura que «em Portugal custava 300 mil euros». «Fui à Holanda e, por 50 mil euros, comprei uma viatura com equipamento “top”, com 30 mil km». Um veículo que o presidente e os seus homens foram buscar, na altura em que «rebentou a pandemia em Portugal». Os três fizeram uma viagem “non stop”. Actualmente a corporação tem 10 viaturas de combate a incêndios e está bem equipada em termos de ambulâncias de socorro e de transporte de doentes.
“O Estado tem de assumir o seu papel” «Lamento que num país evoluído, que pertence à União Europeia, os Bombeiros Voluntários têm a sua existência assente numa prestação de socorro e não num valor financeiro, que trabalhasse por prevenção e não por acção. Os Bombeiros Municipais recebem um subsídio. Os Bombeiros Voluntários, se não trabalharem não têm forma de subsistência e a associação fecha», refere. Crítico, o empresário lembra que a Associação recebe mensalmente «três mil euros dos Estado», que «não dá para pagar a Segurança Social».Acorporação precisa, em média, de 30 mil euros por mês para fazer face às despesas e Vítor Melo lamenta que os bombeiros, particularmente os responsáveis pelos órgãos sociais, tenham que «andar sempre a mendigar» para conseguir «ter o mínimo de pessoas» e equipamento para «prestar o socorro às populações». «Andamos todos os dias a fazer contas. Avaria um carro, o equipamento deteriora-se e tem de ser substituído e tudo tem preços assustadores», refere, lamentando que «até IVA dos combustíveis» tenham de pagar. «Tem de haver rigor nas contas. Uma Associação de Bombeiros não pode ter uma gestão de mercearia, mas o Estado tem de assumir de uma vez por todas o seu papel. Isso facilitaria a vida dos bombeiros e as populações beneficiavam», garante.
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A Festa dos Carolos
Bombeiros mantêm a tradição de confeccionar os carolos e distribuir a broa
A tradição centenária mantém-se, desde há largos anos sob a orientação dos Bombeiros Voluntários. Em causa está a Festa dos Carolos, que tem a sua origem na distribuição que D.Augusta, uma senhora abastada, fazia todos os anos. Em terras pobres, onde pouco havia, a senhora mandava fazer os carolos (papas de milho) e cozer a broa, alimentos que matavam a fome aos mais pobres de Vila Nova de Oliveirinha e de outras localidades das redondezas. Uma oferta feita ao povo, em louvor de São Miguel, para que abençoasse os campos, de forma a que a produção fosse abundante. Com a morte da senhora, a “criada do visconde”, senhora Florinda, deu continuidade a esta tradição, que cumpriu até à sua morte. Depois, caiu no esquecimento e assim se manteve durante alguns anos. Todavia, os Bombeiros Voluntários agarraram a ideia e voltaram a confeccionar os carolos e a broa, que continuam a ser, todos os anos, distribuídos à população. É a Festa dos Carolos. «Hoje, compramos praticamente toda a farinha», explica o presidente da direcção. Farinha que é distribuída pelas famílias que têm forno a lenha, o que significa que têm capacidade para cozer a broa. Aos bombeiros compete a confecção dos carolos, em grandes panelas de ferro, na fogueira, durante o dia de sábado. No domingo, os carolos, assim como a broa, são distribuídos pela população.
Uma tradição a que a pandemia impôs um interregno, mas o objectivo é voltarmos a fazer o festival», promete Vítor Melo, que destaca a importância deste evento. Além da preservação de uma tradição local, é uma «iniciativa muito saudável», que «chama a população ao quartel» e permite estreitar este “abraço”. «Chegámos a cozer mil broas», diz o presidente da direcção, que recorda o tempo do comandante Antenor Marques Melo, seu pai, que durante muitos anos esteve à frente dos Bombeiros de Vila Nova de Oliveirinha e que acarinhava muito particularmente este evento. Vítor Melo lembra, de resto, as muitas actividades que, no passado, eram desenvolvidas, de forma a angariar receitas para os bombeiros, designadamente cortejos de oferendas. Numa zona marcadamente rural, as pessoas ofereciam um pouco de tudo, desde os presuntos, enchidos, azeite, castanhas, que eram vendidos em leilão, cujas receitas ajudavam a corporação no que mais necessitava.
Em panelas de ferro, na fogueira, os Bombeiros de Vila Nova de Oliveirinha continuam a preparar e oferecer os carolos
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Bombeiros de Tábua 90 anos com Tábua
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Quartel foi construído na década de 40 do século passado e tem sido sujeito a sucessivas obras de ampliação e remodelação
BOMBEIROS ORIGINAIS E ÚNICOS 1935 Nascidos no meio do futebol, dentro do Clube Desportivo Tabuense, criado em 1935, os Bombeiros de Tábua continuaram a inovar e a marcar a diferença ao assumirem a gestão de quatro centros de exames de condução
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uriosa é, garantidamente, a história da origem da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Tábua. Criada em 1935, a colectividade surge como Clube Desportivo Tabuense, uma associação que tinha como primeiro objectivo a prática desportiva, com destaque para o futebol. «Mais tarde decidiram instituir a Associação de Bombeiros», recorda o presidente da direcção, sublinhando que, em rigor, «os Bombeiros de Tábua nascerem do futebol», no início da década de 40 do século passado. Um projecto singular que se manteve até aos anos 60, altura em que se assiste à constituição do Grupo Desportivo Tabuense, entidade que chama a si a componente desportiva, mas mantém a sede
no quartel dos bombeiros, que só mais tarde foi transferida para o campo de futebol, onde se encontra desde então. Mas há mais surpresas: «o campo de futebol continua a ser propriedade dos Bombeiros de Tábua», afirma Mário Loureiro. O espaço onde está instalado o quartel, um edifício construído no início dos anos 40, bem no centro da vila, tem sido alvo de sucessivas intervenções, no sentido de garantir a ampliação e adaptação às novas necessidades. «A última foi concluída no ano passado», refere o presidente, que aponta um investimento na casa dos 300 mil euros, aplicados na ampliação de garagens, construção de camaratas femininas e salas para formação. Obras que vieram introduzir melhorias significativas num
equipamento «muito bem localizado» que, muito embora necessite sempre de alguma atenção, serve na perfeição as necessidades dos bombeiros. «Estamos bem servidos», considera Mário Loureiro, referindo-se às instalações, mas também às viaturas e equipamento de protecção individual. Estes últimos, «fundamentais para termos os nossos operacionais bem protegidos, sofrem um grande desgaste», o que significa a necessidade de uma reposição sistemática. Quanto às viaturas, particularmente ao nível do transporte de doentes há algumas «com muitos quilómetros», o que significa a necessidade de uma «renovação da frota». Uma prioridade para cumprir em 2022, com a aquisição de ambulâncias de transporte de doentes, garante. Ao nível da “emergência” «estamos bem, com quatro viaturas», adianta. Adepto da tese de que «é preferível ter bom equipamento a ter muito equipamento», Mário Loureiro assegura que, relativamente ao combate a incêndios, os Bombeiros de Tábua estão bem equipados. «Queremos sempre mais e melhor, mas o que temos é suficiente», diz, assumindo a preocupação constante de «renovação» e
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«modernização da frota». Em falta está um tanque de média dimensão, com capacidade para 12/14mil litros, uma vez que o existente «foi dado como inoperacional». Existe um tanque de grande capacidade e outro de pequena, «falta o de média», que será um investimento a efectuar este ano. O responsável destaca, ainda, uma viatura de desencarceramento e uma segunda, uma viatura pesada de desencarceramento e combate a incêndios urbanos e industriais do «mais moderno que há», que representou um investimento de 200 mil euros. Relativamente aos meios humanos, «não nos podemos queixar», diz, referindo a admissão de novos bombeiros, «que estão a fazer formação», pois, «para salvarem vidas é preciso aprender e, antes de mais, têm que se saber salvar a si próprios», considera, destacando a importância fundamental da formação. «Temos mantido entre 70 a 80 elementos no corpo activo», que inclui «muito jovens», facto que considera igualmente relevante. AAssociação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Tábua tem uma equipa de
90 anos com Tábua Bombeiros de Tábua
intervenção permanente (EIP) e está a negociar com o Câmara Municipal e com o Governo a possibilidade de ter uma segunda. O total de funcionários, incluindo os elementos da EIP, ronda as três dezenas.
Diário de Coimbra defendia, em 1932 criação de corpo de bombeiros
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Fanfarra cheia de jovens Criada há mais de duas décadas, a Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Tábua é, sem dúvida, um dos cartões-de-visita da Associação, que nos últimos tempos, devido à pandemia, tem estado parada. A Fanfarra tem cerca de meia centena de elementos, grande parte dos quais são bombeiros e conta com a participação de muitos jovens que «se estão a preparar para serem bombeiros», afirma, confiante, o presidente da direcção. A média etária rondará os 16/18 anos, tendo em conta o grande número de jovens, com 12/13 anos que já faz parte da Fanfarra, um “passaporte” para integrar o corpo de bombeiros.
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Bombeiros de Tábua 90 anos com Tábua
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Bombeiros também são gestores
Centro de Exames de Tábua fica localizado junto ao Terminal Rodoviário
1995 Quatro centros de exa-
mes de condução começaram a funcionar em 1995. Em 2004 a Associação revogou concessão e assumiu a gestão do negócio
Em 1993/94 assistia-se à publicação da nova legislação, que abria a possibilidade de instituições privadas sem fins lucrativos assumirem a gestão de centros de exame de condução. Uma oportunidade que a direcção daAssociação Humanitária de Tábua agarrou com as duas mãos. «Concorremos», refere Mário Loureiro e daí resultou a atribuição de quatro centros de exames aos Bombeiros de Tábua, localizados em Tábua, Portimão, Mirandela e Fundão. Centros que continuam a funcionar, com os soldados da paz tabuenses a serem a segunda entidade com maior volume de centros de exames em todo o país, quatro, imediatamente a seguir à ANIECA – Associação Nacional de Industriais de Ensino de Condução Automóvel, que possui seis. Os quatro centros privados de exames de condução começaram a funcionar em 1995 e a sua operacionalização representou, reconhece Mário Loureiro, algumas “dores de cabeça”, pois foi necessário arranjar instalações e equipamento e recrutar pessoal, desde os administrativos aos responsáveis e aos examinadores. Examinadores que, sublinha, são profissionais especializados, devidamente «credenciados pelo IMT», Ins-
tituto da Mobilidade e dos Transportes «É uma actividade paralela daAssociação», que envolve um universo de 35 pessoas e representa uma «preocupação constante», uma vez que se trata, efectivamente, de um negócio. «Tem custos, mas também tem receitas», considera Mário Loureiro. O presidente da direcção assume que, ao longo destes 26 anos, houve «alguns problemas», designadamente «um processo de corrupção, em 2002» que envolveu o Centro de Exames de Tábua e que «foi muito complicado». Um segundo processo aconteceu em 2013. «O que acontece no público, acontece no privado», faz notar. A experiência de 2002 levou a Associação a tomar medidas drásticas, assumindo, em Setembro de 2004, directamente a gestão, até então concessionada a uma empresa. «Revogámos o contrato e assumimos nós a gestão», diz Mário Loureiro. Assumindo que se trata de «uma actividade de alto risco», o presidente considera que «não se pode facilitar». «Quem achar que não é bem remunerado, tem de mudar de profissão», afirma. Esta «preocupação» decorrente da necessidade de «um acompanhamento constante, diário», que nem sequer é fácil tendo em conta a dispersão territorial dos quatro centros de exames, constitui o «ónus desta actividade». Mas, faz notar, «tem retorno». Um retorno que representa alguma folga financeira para a Associação Humanitária, que criou, com estes centros de exames,
uma forma de ter receitas próprias, contrariamente ao que acontece com a maioria das associações, particularmente no distrito, que estão praticamente dependentes de subsídios e da boa vontade de mecenas. Mensalmente, o pagamento dos salários dos funcionários da Associação Humanitários e dos profissionais dos centros de exames e dos respectivos encargos sociais, ronda os 80 mil euros, refere Mário Loureiro. O presidente recorda a «preocupação enorme» que a pandemia implicou, com dois encerramentos. «Em 12 meses estivemos fechados seis meses», o que obrigou a uma grande “ginástica”, no sentido de dar resposta aos encargos, apesar do recurso ao lay-off. O resultado desta actividade lucrativa, representa, nos quatro centros, uma facturação anual a rondar um milhão e 200 mil euros e os Bombeiros têm procurado melhorar a performance de cada estrutura. «Neste momento já temos instalações próprias em Portimão (Praia da Rocha) e em Mirandela», que no início eram arrendadas, diz. No Fundão mantêm-se as instalações arrendadas e em Tábua o espaço foi cedido pelo município. Todavia, «se tudo continuar a correr bem, estamos a pensar comprar um terreno para construir instalações de raiz ou adquirir um espaço que possa ser adaptado», adianta o presidente. Também a pensar em crescer, Mário Loureiro assume a vontade de estender a rede de centros de exames. «Se houver possibilidade de atribuição de mais alvarás, estamos interessado», afirma.
Mil exames efectuados em Tábua Mensalmente, no Centro de Exames de Tábua são realizados, entre provas teóricas (código) e práticas (condução) uma média de mil exames. Neste Centro, que funciona junto ao Terminal Rodoviário, é possível fazer todos os tipos de exame de condução, desde ligeiros, pesados, motos, tractores, veículos articulados. «Temos todas as categorias», afirma o presidente da direcção. Mário Loureiro faz notar o impacto deste movimento na vila de Tábua e os reflexos que tem no comércio e na restauração, em particular, uma vez que são muitas dezenas de escolas de condução, dos distritos de Coimbra e de Viseu, que diariamente demandam Tábua.
90 anos com Tábua Acidente
Diário de Coimbra
AUTOMOTORA COLHEU CAMIONETA QUE REGRESSAVA DE FÁTIMA 1962 Um trágico acidente na Curva da Ferradura, na Linha
da Lousã, no dia 13 de Outubro de 1962, provocou seis mortos e 22 feridos, deixando o concelho de luto
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a passagem de nível da Volta da Ferradura, na linha da Lousã, a uns quatro quilómetros desta cidade, deu-se ontem mais um trágico acidente, que custou a vida a seis pessoas e graves ferimentos em mais 22», escrevia o Diário de Coimbra na primeira página do dia 14 de Outubro de 1962. Um final de tarde trágico para um grupo de 27 excursionistas de Tábua, que se tinha deslocado a Fátima. O motorista da camioneta (pertencente à Empresa Arganilense), António Lopes Antunes, de 49 anos, residente na Carapinha, ao chegar à passagem-de-nível, «encontrando as cancelas abertas, avançou». «Quando já a frente da camioneta havia ultrapassado a linha, surgiu, vinda de Serpins, de onde havia saído pelas 18h40, a automotora 1.632», refere o jornal, descrevendo as prováveis circunstâncias do acidente. «A automotora atingiu a camioneta de lado, pela rectaguarda, arrastando-a uns 20 metros à frente e acabando por a deixar à margem da linha, para estacar um pouco mais à frente». «Alguns dos passageiros da camioneta foram cuspidos», adiantava o jornal, dando conta do «pânico indescritível» relatado por um dos passageiros. «Foi o pessoal e passageiros da automotora que primeiro ocorreram em auxílio dos sinistrados», adianta o jornal, apontando,
igualmente, os ocupantes de uma viatura que seguia atrás da camioneta. Depressa chegaram ao local do acidente os bombeiros, Municipais e Voluntários, a PSP e a GNR, com os feridos a serem transportados para os Hospitais da Universidade, que, ao saber da extensão do acidente, «chamou todos os médicos» bem como «pessoal de enfermagem». O jornal dava conta do internamento, «dada a gravidade dos ferimentos sofridos», de uma longa lista de 14 pessoas, todas residentes no concelho e identificava, igualmente, os oito excursionistas que receberam tratamento hospitalar. Das seis vítimas mortais, cinco mulheres e um homem, o jornal avançava os nomes dos dois únicos que, até ao momento estavam identificados: João Alves Correia, de 66 anos, operário, de Oliveira do Hospital, residente em Pinheiro de Coja e Augusta de Jesus Rosa, de
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42 anos, de Espariz.Aidentidade das restantes vítimas só foi possível no dia seguinte, depois da deslocação de familiares aos Hospitais da Universidade, e inclui: Maria Guilhermina, de 74 anos, natural de Paranhos, Porto, e residente em Espariz, Rita Marta dos Santos Dinis, de 65 anos, do Casal do Espírito (Espariz); Maria da Conceição Brito, de 69 anos, de Pinheiro de Coja (casada com João Alves Correia) e Deolinda Gil do Carmo, de 23 anos, de Pinheiro de Coja. Na edição do dia seguinte, o jornal lembrava que não foi a primeira vez que «naquele local fatídico se verificaram desastres, embora nenhum tivesse assumido as proporções esmagadoras» deste e chamava a atenção para a necessidade de «providenciar energicamente» a «supressão» das passagens-de-nível em nome da redução destas «tragédias chocantes» e do aumento da «segurança do público». «Desta feita, seis sepulturas já se abriram, seis vidas se perderam no choque pavoroso da “Volta da Ferradura”. Não será o facto eloquentemente expressivo para exigir as medidas que se impõem e há tampo tempo estão a ser reclamadas?. Não serão a angústia que reina em tantos lares, o desespero que neles campeia, razões suficientes para se entrar numa fase de atenção criteriosa e humana ao problema, atacando-o de frente, sem qualquer espécie de hesitação?», questionava o jornal. Dos sinistrados internados, o jornal dava conta de duas senhoras, ainda em perigo de vida, bem como da realização da autópsia das vítimas mortais, cujos funerais se realizaram no dia 16.
Diário de Coimbra noticiou com destaque a tragédia
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Incêndios 2017 90 anos com Tábua
Diário de Coimbra
SOLIDARIEDADE FEZ RENASCER “A ESCOLA DE TODOS NÓS” 2017 Incêndio de Outubro de 2017 deixou um rasto de des-
truição e dor. Dois anos depois, a Escola de Midões renascia das cinzas e o verde da esperança substituía o negro do luto
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emos de fazer alguma coisa!» Um apelo que veio do outro lado do mundo. De Xangai. Ying Jie Wen, fundador da Level Constellation, viu as imagens dantescas que a televisão apresentou. Ouviu o grito de desespero de uma população que acabava de perder tudo. Sentiu, bem longe, que o Centro de Portugal era uma terra destruída pelo fogo. Vivia-se o mês de Outubro de 2017. Dois dias, 15 e 16, foi quanto bastou para uma vaga imparável de destruição e morte. O empresário, lá longe, em Xangai, questionava Pedro Vicente, representante da multinacional chinesa em Portugal sobre o que se estava a passar. «Atelevisão diz que Portugal está a arder!», dizia. Um telefonema providencial, que colocou em marcha uma exemplar campanha de solidariedade. Pedro Vicente passou a mensagem a um conjunto de empresários, ligados à construção e fiscalização, engenheiros e arquitectos, reunidos no Salão Imobiliário de Portugal, que decorria em Lisboa. «Porque não reconstruir uma casa?», equacionaram. A verdade é que havia milhares de casas que o fogo destruiu, total ou parcialmente. Era domingo e cada um foi para sua casa com a incumbência de pensar o que poderia fazer para ajudar a região a renascer. A resposta trouxe-a o telejornal das 20h00, quando apresentou as
imagens do Presidente da República a consolar a professora Beatriz Neves, lavada em lágrimas, em frente à Escola Primária de Midões, que o fogo destruiu. «Está aqui a nossa resposta», diz Hugo Santos Ferreira, vice-presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII): a Escola de Midões, uma escolha do Presidente. Uma semana depois do violento incêndio, ainda num quatro de grande desnorte, com populações desalojadas e falta de tudo, uma delegação da APPII visitava a Escola de Midões, onde funcionava o jardim-de-infância, frequentado por 23 crianças. Uma visita destinada a uma primeira avaliação da obras, mas também para garantir à professora Beatriz, ao presidente da Junta de Freguesia de Midões, José Alberto Pereira, e ao presidente da Câmara Municipal de Tábua, Mário Loureiro, que a Escola de Midões iria renascer das cinzas. Ao mesmo tempo, dava-se «um sinal ao país de que é preciso pôr mãos à obra». A Escola de Midões passou a ser “A Escola de Todos Nós”. Um exemplo de solidariedade e união de vontades, que conseguiu mobilizar cerca de 500 mil euros em donativos e em material. A coordenação geral do projecto foi assumida pela APPII, através do vice-presidente executivo, Hugo Santos Ferreira. A Level Constellation as-
Presidente da República marcou presença na ceri
sumiu a coordenação do projecto, representada por Pedro Vicente. A Conceito Arquitectos assegurou o projecto, assinado por Diogo Freire de Andrade, e a Map Engenharia, representada por DiogoAbecassis, assumiu a empreitada, com a fiscalização a cargo de Augusto Silva, da Invescon. Semana após semana, mês após mês, a reconstrução ganhou forma e a Escola de Todos Nós foi inaugurada no dia 15 de Outubro de 2019, precisamente dois anos depois do maior incêndio da história. As crianças regressaram à escola. Não apenas as 23, alunas da professora Beatriz, mas outras tantas, mais uma turma. O padre Pedro Miranda, vigário geral da Diocese de Coimbra, abençoou as instalações e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi o convidado de honra do momento, que ao Diário de Coimbra acom-
Diário de Coimbra
mónia de inauguração da renovada escola
panhou. Midões vestiu-se de festa e virava, definitivamente, a página do Midões negro e de luto. A freguesia, uma das mais flageladas pelo fogo no concelho, renascia e as lágrimas, muitas lágrimas, eram agora de emoção e de alegria. José Alberto Pereira, presidente da Junta de Freguesia, era o espelho dessa alegria emocionada. Com as lágrimas a embargarem-lhe a voz, recordou a tragédia, mas destacou, sobretudo, a tremenda «onda de solidariedade» e o facto de, no meio de tanta gente a precisar de ajuda, a escolha destes beneméritos ter recaído precisamente sobre a emblemática Escola de Midões. Um espaço que, sublinhou, nenhum dos empresários conhecia, mas que faz parte da memória colectiva e do cantinho de recordações de cada habitante da freguesia. «Bem hajam!», disse e repetiu, emocionado.
90 anos com Tábua Incêndios 2017
Um bem-haja, também, ao Presidente da República que, numa visita breve, a 22 de Outubro, «abraçou cada um de nós, deixou-nos palavras de incentivo e ajudou-nos a levantar a nossa auto-estima». «Uma prova de que se pode fazer muito com muito pouco. Com um abraço, com um sorriso», dizia o autarca local. «Os promotores imobiliários são empresários, preocupados com o equilíbrio dos seus balancetes, mas têm coração e são solidários», garantiu Henrique Polignac de Barros, presidente da APPII. O empresário fez ainda questão de devolver à professora Beatriz a bolota que esta lhe havia dado, dois anos antes, quando ali se deslocou. «Guardei-a preciosamente durante dois anos. Esta bolota é o símbolo da reconstrução. Professora Beatriz, a sua escola está feita, só que é Uma Escola para Todos Nós», rematou. Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de marcar presença, para assinalar, de forma simbólica, os dois anos do fogo destruidor. «A escola é um símbolo do que há de mais importante no nosso país. «As casas são importantes, porque as pessoas vivem nelas, as terras são importantes, porque as pessoas vivem “apegadas” às suas terras, as empresas são importantes, porque representam trabalho, mas nada é tão importante como uma escola. A escola, a educação, representa a garantia de um futuro melhor para estas crianças e para o país», dizia o Chefe de Estado. O Presidente da República falou, ainda, da «memória» da tragédia, «que não se apaga», de «todos os que partiram cedo demais», da «onda de solidariedade que atravessou o país», com «todos a sentirem que estavam a ser chamados para ajudar a reconstruir o que foi destruído». Falou, também, da «aventura de começar de novo», muitos do «zero», «nas casas, nas terras, nas empresas». «Temos aqui um exemplo de como, todos juntos, com a força da união, se consegue!», rematou.
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A imensidão da tragédia Grande parte do concelho de Tábua foi atingido pelo fogo, que deixou um rasto de destruição e morte em toda a região Centro. O mais trágico incêndio vivido em Portugal atingiu mais de 220 hectares do território, cerca de 190 mil dos quais de massa florestal, provocou a morte de 50 pessoas, metade das quais ocorrerem no distrito de Coimbra, 70 feridos, a destruição de perto de 1.500 casas e mais de meio milhar de empresas. No concelho de Tábua, o incêndio destruiu 68 casas de primeira habitação e 24 de segunda, atingindo irremediavelmente várias casas senhorias, com grande valor patrimonial. Morreram 850 animais, ficaram destruídos centenas de arrumos agrícolas e um grande número de empresas. O concelho chorou a morte de três filhos da terra. O empresário Fernando Tavares, de 48 anos, de Midões, sofreu queimaduras graves. Internado no Hospital de São Teotónio, em Viseu, acabou por não resistir aos ferimentos. Maria Hermínia Pereira, de 65 anos, e José Baptista Pereira, de 75 anos, residentes na Quinta da Barroca, terão saído de casa para fugir às chamas. Os corpos do casal foram encontrados por vizinhos, a pouco metros de casa, que ficou intacta.
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Tragédia de Meda de Mouros 90 anos com Tábua
Diário de Coimbra acompanhou a tragédia e a dor da população
TRAGÉDIA DE MEDA DE MOUROS 1993 As lágrimas engrossaram o caudal do rio. Um Alva sereno que, em Junho de 1993, ceifou a vida de cinco crianças e da jovem educadora. Um dia negro que ninguém esquece
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passeio a Vale Mioto estava previsto há muito. Um local agradável, junto ao rio Alva, onde Dídia Miranda decidiu passar o dia com as 11 crianças que frequentavam a creche de Meda de Mouros. Quatro não quiseram ir ou os pais não deram o necessário consentimento. Sete meninos, entre os 3 e os 4 anos, acompanhados pela educadora de infância e pela auxiliar, puseram-se a caminho. Uma viagem sem regresso para cinco das crianças e para a educadora. A tragédia abateu-se sobre Meda de Mouros, com o rio Alva, habitualmente sereno, sobretudo em tempos de Verão, a mostrar a sua face negra, engolindo seis vidas. A auxiliar, Isabel Bessa, com as duas crianças sobreviventes, galgou, a correr, os dois ou três quilómetros que a separavam da aldeia para anunciar a tragédia. Aconteceu no dia 17 de Junho de 1993, um dia negro na memória das gentes de Meda de Mouros. A notícia chegou à aldeia
perto das 11h30 e o Diário de Coimbra acompanhou de perto a dor das famílias. «Chorava-se em cada casa. Ontem, hoje, sempre». E conta o que aconteceu. Dídia Miranda e Isabel Bessa levaram consigo as sete crianças que tinham a necessária autorização dos pais para o passeio a Vale Mioto. Nas margem do rio, prepararam uma breve refeição, antes da travessia para a outra margem. Cinco das crianças, «mais despachadas», acompanhadas pela educadora, puseram-se a caminho, enquanto a auxiliar ficava com as duas mais atrasadas. Dídia Miranda «colocou-se no meio da fila indiana e todos os seis, de mãos dadas, iniciaram o percurso». «Eram pouco mais de 10 metros», «com a água a tapar os tornozelo, sem grande corrente, apenas com algumas pedras», escrevia a reportagem do Diário de Coimbra. «Infelizmente não foi o melhor local escolhido, porque logo a seguir existe um baixio, onde a água ganha velocidade. A meio do percurso, aconteceu o pior.
Diário de Coimbra
«A educadora caiu de costas, arrastando as cinco crianças. Isabel Bessa ainda entrou na água para as tentar socorrer, mas as outras duas crianças seguiram-na, o que a levou a recuar, trazendo-as de novo para a margem», adiantava o jornal. «Quando voltou a olhar para o rio, já só viu os braços de Dídia Miranda ao longe, a cerca de 30 metros, junto à outra margem, num local onde a água é bastante funda. Das crianças já não avistou nenhum sinal», escrevia o jornal. «O terror» deu-lhe a força necessária para agarrar nas duas crianças e correr até à aldeia e pedir socorro. Mas nada havia a fazer. Os Bombeiros de Tábua e de Arganil resgataram o corpo da educadora e de duas das crianças, presos entre ramos, a cerca de 500 metros abaixo do local. Mais longe foram encontrados os corpos de outras duas crianças. O último corpo só foi resgatado ao fim de seis horas de buscas, a cargo de uma equipa especializada dos Bombeiros Sapadores de Coimbra.
Passeio das crianças da escola transformou-se num momento de dor impossível de esquecer O jornal identifica as vítimas da tragédia: André Alexandre Coelho Fonseca, de 4 anos (completava cinco anos dois dias mais tarde), filho de Rosa Margarida Pinto Coelho e Joaquim Pereira Fonseca; Flávio Duarte Oliveira Freitas, de 4 anos, filho de José Duarte Fonseca Freitas e de Maria de Fátima Costa Oliveira; João Fernando Alves Gonçalves, de 3 anos, filho de João Fernando Borges Gonçalves e Maria Helena Alves Gonçalves; Fábio Alexandre Ribeiro Gouveia, de 3 anos, filho de Paulo Alexandre Ferreira Oliveira e Deolinda Ribeiro Rodrigues e André Manuel Jesus Fontes, de 3 anos, filho de Rui de Jesus Manuel Fontes Pereira e de Helena Marques. A educadora, Dídia Filomena Miranda, tinha 28 anos e residia em Coimbra. O funeral das crianças realizou-se no dia seguinte, numa cerimónia presidida pelo bispo de Coimbra, D. João Alves, que levou a Meda de Mouros milhares de pessoas. Os cinco meninos foram sepultados num talhão comum, cedido pela Junta de freguesia.
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90 anos com Tábua Centro Cultural
CENTRO CULTURAL PRODUZ E MOSTRA CULTURA 2013 No dia 10 de Abril de 2013 assiste-se à inauguração do Centro Cultural de Tábua. Um espaço de excelência, que veio colmatar uma lacuna e integrar Tábua no circuito nacional dos espectáculos
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inema, teatro e música. Por ali têm passado os nomes grandes do espectáculo nacional. Inclusivamente com estreias, que ombreiam com os programas das grandes cidades de todo o país. Falamos no Centro Cultural de Tábua, uma estrutura inaugurada no dia 10 de Abril de 2013, que representou um investimento de 1,8 milhões de euros, comparticipado pelo QREN em 85%. Um dos melhores equipamentos culturais da região, inaugurado pelo então secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social, Marco António Costa, que veio imprimir uma verdadeira revolução à vida cultural do concelho, que até então não possuía um espaço digno para acolher eventos culturais de maior dimensão. Hoje é a verdadeira “sala de visitas” da vila, onde se apresentam os mais diversos eventos culturais, mas também se produz cultura, se promove a formação de jovens e de menos jovens e se desenvolve um projecto de formação artística ímpar. Com efeito, o Centro Cultural de Tábua é, também, a casa da Academia Artística do Município, do Coro Polifónico e da Academia Sénior de Tábua. António Oliveira, vereador da Câmara
Centro Cultural inaugurado em 2013
Municipal e Tábua responsável pelo pelouro da Cultura fala com entusiasmo deste espaço de eleição e da ampla oferta que garante, colocando Tábua na linha da frente da apresentação das grandes produções nacionais. O cinema representa uma dessas ofertas de “primeira fila”. «Contratualizámos com a NOS a apresentação, em Tábua, das estreias que acontecem a nível nacional», exemplifica, destacando que a apresentação desses filmes é feita praticamente em simultâneo com a sua exibição em Coimbra, Lisboa ou Porto. Sessões de cinema que se realizam todas as noites de sexta-feira. Os
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domingos estão reservados para os mais novos, com matinés infantis, que ganham uma relevância especial por alturas da Páscoa ou do Natal, com sessões especialmente dedicadas às crianças. António Oliveira destaca o investimento em recursos humanos que, nos últimos quatro anos, foram afectados ao Centro Cultural, de forma a «potenciar o aproveitamento desta infraestrutura», a que junta um técnico de programação cultural que «tem feito a diferença». «Temos conseguido captar as grandes produções nacionais», sublinha, algumas das quais figuram no cartaz dos «melhores centros culturais do país» e que «também passam por Tábua». «Temos conseguido promover uma grande oferta cultural» e o público tem «aderido de uma forma excelente», facto para o qual contribui a «localização central de Tábua», o que permite «captar público dos concelhos vizinhos». Com garantia de “casa cheia, «as grandes produtoras nacionais vêm “à confiança” a Tábua», sublinha o vereador, que recorda o espectáculo de Maria Rueff, “Zé Manel Taxista”, que "obrigou" a realizar quatro sessões em Tábua, numa sala com lotação para 300 pessoas e que constituiu uma situação única no país. Reconhecendo que toda esta situação muito particular colocou «Tábua na moda», António Oliveira destaca a vantagem de as produtoras nacionais marcarem presença no registo “à bilheteira”, o que significa que as despesas do município são praticamente nulas. «Temos algumas despesas, com a logística, algum alojamento ou refeições», refere. Uma situação que não tem qualquer comparação com a habitual compra de espectáculos. «Conseguimos uma oferta de excelência a baixo custo», concluiu, elogiando a equipa de profissionais que está destacada para o Centro Cultural e que tem dado uma resposta pronta e eficaz.
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Academia Artística 90 anos com Tábua
Orquestra Municipal e Orquestra Juvenil envolvem mais de uma centena de jovens
UMA ACADEMIA DEDICADA À MÚSICA 2012 Academia Artística do Município de Tábua avançou em Setembro de 2012. Um projecto em que a música ganhou asas e cresceu sob a batuta da Orquestra Municipal
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erca de 140 jovens músicos frequentam a Academia Artística do Município de Tábua. Alguns chegaram com 5 anos, quando o projecto começou a funcionar, e hoje, já alunos da Universidade, mantêm esta ligação à Academia, que demonstra o grande poder de mobilização da música. Com efeito, além do significativo número de alunos, sempre que há espectáculos com a Orquestra Municipal, é garantido que a lotação está esgotada. Com notório orgulho, António Oliveira, vereador responsável pelo pelouro da cultura do município, aponta a criação da Orquestra Municipal, dois ou três anos após o arranque da Academia, que conta com cerca de meia centena de músicos, e a criação, mais recente, da Orquestra Juvenil, com cerca de quatro dezenas de elementos, mais novos e com menos experiência. A Academia Artística constitui um projecto em que o município se empenhou
muito particularmente, tendo como objectivo a criação de uma banda filarmónica, uma vez que Tábua seria o único concelho do distrito onde não existia uma banda de música. A promoção do ensino da música, no quadro das actividades de enriquecimento curricular, em parceria com o Conservatório de Música e Artes do Dão, deu origem à Academia Artística, que se perspectivava como o alfobre de formação para os futuros filarmónicos. Todavia, o projecto acabou por ganhar outros contornos, novos, diferentes e dar corpo a uma iniciativa pioneira e única na região. Com efeito, recorda o vereador – que na altura não integrava o executivo municipal – com a evolução das aulas, muitos meninos e meninas demonstraram ter preferência por instrumentos musicais que não fazem parte dos naipes habituais das bandas. Um pequeno percalço que, ao fim ao cabo, acabou por conferir uma nova orientação ao projecto que, ao invés de se apresentar como mais uma banda de música,
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evoluiu noutro sentido, cresceu na amplitude dos sons e acabou por criar as condições para a formação de uma Orquestra Municipal. Um desafio que envolveu o município, mentor do projecto, as crianças e jovens aprendizes de música, mas também os respectivos pais. António Oliveira lembra o empenho e a colaboração das famílias, que desde logo se prontificaram a proceder à aquisição dos instrumentos. «Mais de 90% dos instrumentos foram adquiridos pelos pais e encarregados de educação», refere, enaltecendo esta «parceria muito interessante» que se criou, com o município a pagar aos professores e a assumir, igualmente, a aquisição de alguns dos instrumentos necessários. «Todos os dias, de segunda a sábado, há aulas de instrumento e à quarta-feira e ao sábado ensaio geral» no Centro Cultural de Tábua, onde a Academia Artística está instalada, refere António Oliveira. São cerca de 15 professores que, ao abrigo de um contrato estabelecido entre o município e a empresa Pauta Adjacente, garantem esta formação, que contempla os mais diversos instrumentos.
Orquestra Municipal tem meia centena de músicos e um crédito artístico incomensurável Brilhante, em termos de execução, a Orquestra tem recebido os mais rasgados elogios, designadamente de músicos conceituados a nível nacional, que actuaram no Centro Cultural com a Orquestra Juvenil. Paulo de Carvalho foi um dos mais recentes exemplos, não poupando elogios à jovem Orquestra e aos seus músicos. O envolvimento dos pais não se limitou à aquisição dos instrumentos. «Temos sempre casa cheia quando a Orquestra actua», diz o vereador, referindo a “dobragem” de sessões que é necessário fazer. «Estes meninos precisam de palco», diz, elogiando a grande qualidade e o empenho dos músicos, que há dois anos fizeram uma viagem de cinco dias à Eslováquia, onde deram quatro concertos. Espectáculos que foram transmitidos online e tiveram, em Tábua, «300 a 400 espectadores a assistir». É um projecto «fantástico», conclui, orgulhoso, António Oliveira.
90 anos com Tábua Coro Polifónico
Diário de Coimbra
AS VOZES DE TÁBUA
Coro Polifónico Municipal tem actualmente 44 elementos
2009 Coro Polifónico Municipal, fundado em finais de 2009,
tem cumprido um serviço notável ao serviço da música
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m conjunto de coincidências felizes, condimentadas com uma grande paixão pela música, levaram à criação do Coro Polifónico Municipal de Tábua. Fundado a 4 de Dezembro de 2009, fez a sua primeira apresentação pública a 15 de Janeiro de 2011, na Igreja Matriz de Tábua, num evento que teve como convidado o Coro daAssociação Canto e Encanto, de Canas de Senhorim. Ana Paula Neves é a directora do Coro e a sua principal mentora. «Adoro música litúrgica», confessa. Uma paixão que criou uma ligação de longa data com o coro litúrgico da sua paróquia, Midões, e a levou a fazer formação de direcção coral na Escola Diocesana de Música Sacra de Coimbra. Condicionalismos vários, de ordem formal, da organização diocesana, ditaram a criação
de uma unidade pastoral envolvendo 15 paróquias. «De repente, vi-me a ensaiar um coro onde já não éramos 12 ou 13, mas 40», recorda Ana Paula Neves. «Apaixonei-me por aquilo!», confessa. E não foi a única. Pouco tempo depois, um dos elementos de um dos coros, igualmente entusiasmado, questionou: «porque não pensarmos em criar um coro polifónico?» Ana Paula Neves tinha conquistado um aliado. Outra “coincidência”, decorrente de um problema nas cordas vocais, levaram a também, na altura, vereadora, a ter aulas de canto e aclaração de voz com o professor Cristóvão Ramalho, de Santa Comba Dão. Um encontro que resultou, pouco depois, na contratação do maestro. «No dia 4 de Dezembro de 2009 foi fundado o Coro Polifónico, com 58 elementos». Com a «selecção
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natural» ficaram 53, que continuaram a participar nos ensaios, sob a batuta do maestro Cristóvão Ramalho. «Não foi difícil juntar as pessoas. Pensei que iríamos ter quatro ou cinco elementos por naipe, mas 53 elementos foi muito bom», reconhece. Ao longo destes 12 anos, entraram novos elementos, outros saíram, alguns despediram-se da vida.Actualmente são 44 vozes, entre os 18 e os 87 anos. À época, Ana Paula Neves era vereadora do executivo municipal e entendeu que o Coro Polifónico deveria ter um estatuto municipal, o que aconteceu, e significa que o município é um parceiro fundamental. Assim, disponibilizou um espaço, no então recém inaugurado Centro Cultural, onde funciona a sede e se efectuam os ensaios, adquiriu o piano, assegura os honorários do maestro e as deslocações do grupo. Ana Paula Neves confessa, ainda, a sua preocupação relativamente à “ocupação” do Centro Cultural, no sentido de que, aquando da inauguração, estivessem criadas as condições de funcionamento, «estivesse aberto no dia seguinte», capaz de acolher espectáculos de música ou de teatro, palestras, seminários.Ainstalação daAcademia Artística e da Universidade Sénior foram, juntamente com o Coro Polifónico, projectos que ajudaram a consolidar a “marca”Centro Cultural de Tábua. «O que nos move? O gosto pela música, o incentivo que nos passa o maestro Cristóvão Ramalho e a vontade de ir mais longe, mais além», afirma a directora. Feliz, recorda um recente espectáculo com Paulo de Carvalho, no Centro Cultural, onde o Coro cantou os “Meninos do Huambo”. «Foi um momento fantástico!», diz, lembrando as «800 pessoas» que aplaudiram a actuação. Cantar Carmina Burana ou uma peça de Händel, acompanhado pela Academia Artística «é outro sonho», adianta.
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Academia Sénior 90 anos com Tábua
Diário de Coimbra
APRENDER NÃO TEM IDADE
Academia Sénior tem registado uma adesão crescente da população
à história, passando pelo desenho, pintura teatro, informática, actividade física e leitura. Os passeios e as viagens fazem parte integrante do programa e a estreia, este ano lectivo, foi uma visita a Águeda. «Foi um autocarro cheio», refere o vereador. Apandemia, que reduziu substancialmente as actividades – já retomadas a 100% parece que veio despertar um interesse acrescido pelo projecto, que desde o início contou com uma «excelente adesão da comunidade». «Habitualmente tínhamos entre 70 a 80 alunos, este ano temos 91 inscrições», refere, confessando a “abertura”daAcademia Sénior a um universo de 10 pessoas que residem nos limites do concelho, mas «fazem praticamente toda a sua vida em Tábua».
Academia Sénior é um projecto Sénior deu início às aulas em Janeiro de 2014. da comunidade e para Actualmente, tem um recorde de 91 inscrições a comunidade que tem a sua base de apoio ombater o isolamento e a solidão vívio, nas colectividades e associações das no Centro Cultural 2013 Constituída em Dezembro de 2013, a Academia
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da população com idade mais avançada e contribuir para um envelhecimento mais activo e saudável foram os objectivos que presidiram à criação da Academia Sénior de Tábua. Uma iniciativa dinamizada pelo município, que ganhou forma em Dezembro de 2013, com as aulas a arrancarem no início do ano seguinte, a 6 de Janeiro. Um projecto que se revelou um sucesso e que hoje é, também, um motor de promoção cultural do concelho. Com efeito, através dos grupos de teatro, de cavaquinhos e da “Tábua de Tradições”, os alunos da Academia Sénior garantem momentos diferentes, de animação e con-
várias freguesias do concelho. «Não estão fechados em si mesmo. Mostram o que aprenderam e as associações, comissões de melhoramento pedem-nos que os grupos se desloquem, para animarem uma tarde ou um serão», afirma o vereador responsável pelo pelouro da Cultura do município. Satisfeito com o êxito do projecto,António Oliveira elogia a excelência do trabalho desenvolvido pelo Gabinete deAcção Social, sob a orientação de Paula Duarte. Que desde o início contou com uma «excelente adesão da população mais idosa». AAcademia Sénior oferece uma variedade de disciplinas e actividades, que vão desde a música aos trabalhos manuais, das línguas
«É um projecto muito importante, do qual nos orgulhamos muito», afirmaAntónio Oliveira. Uma Academia da comunidade e para a comunidade, cujos professores e orientadores são, também «pessoas da nossa comunidade: médicos, juristas, professores, professores de música, voluntários, que fazem um trabalho pro bono», refere. Instalada no Centro Cultural de Tábua, é neste espaço que a Academia Sénior desenvolve a maioria das suas actividades de formação, de segunda a sexta-feira.Algumas iniciativas são dinamizadas na Biblioteca Municipal João Brandão, que apoia o projecto.
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90 anos com Tábua Tuna Mouronhense
A MÚSICA CENTENÁRIA DA TUNA MOURONHENSE 1935 Criada em 1914, só em 1935 a Sociedade de Recreio, União e Progresso Mouronhense se constitui oficalmente e viu os seus estatutos aprovados pelo Governo Civil
Tuna Mouronhense é uma referência para a freguesia e para o concelho
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avô foi um dos fundadores, o pai foi o obreiro da sede e Amílcar Martins renovou as instalações e lançou o fermento para consolidar e dar futuro ao projecto. Falamos da Sociedade de Recreio, União e Progresso Mouronhense, que tem o seu rosto mais visível na Tuna Mouronhense, a única existente no concelho de Tábua. Uma colectividade fundada no dia 1 de Setembro de 1914, mas cuja organização e estatutos só ganharam forma anos mais tarde, a 9 de Novembro de 1935. Amílcar Martins é, desde a década de 90, o timoneiro da colectividade, que faz parte doADN da família e constitui uma referência patrimonial da freguesia. Com verdadeira paixão recorda as origens, pouco documentadas, mas sobretudo o empenho que levou um punhado de homens – Francisco Nunes Morgado, médico, José de Moura e Paiva, farmacêutico, Luiz Diniz da Cunha, professor, Luiz Gouveia de Jesus, alfaiate, Francisco Carlos Gouveia, padeiro, António Francisco Martins (o avô), proprietário, todos de Mouronho, e Domingos Marques
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Tuna Mouronhense 90 anos com Tábua
Coelho, proprietário, de Alvoeira, e José Augusto do Vale, professor, de Espariz – a juntarem-se para criar a Tuna Mouronhense e a Sociedade de Recreio, União e Progresso Mouronhense. Era a «carolice» a funcionar, numa época complicada, que concide com o rebentar da primeira Grande Guerra. O grupo, diz, nunca deixou de fazer as suas “tocatas”, mas pouco se sabe dessa realidade. Até 1934, altura em que a Tuna «ressurgiu com o maior êxito». Uma renovação que teve em Luís Francisco Martins, pai de Amílcar Martins, o “homem do leme”. «Nunca quis assumir a direcção, era o secretário, o maestro», mas imprimiu uma grande dinâmica à colectividade, a começar pela sua organização, com a constituição da direcção e aprovação dos estatutos. Foi também sob a batuta de Luís Francisco Martins que a colectividade procedeu à construção da sede, «inaugurada com pompa e circunstância em Setembro de 1937». Entretanto, Luís Francisco Martins foi transferido para Góis, facto que, conjugado com «o desaparecimento do mundo dos vivos de alguns e o afastamento da terra natal de outros», fragilizou a tuna, que via pela frente décadas de pouca actividade. Todavia, «o gosto pela música nunca deixou de existir». Tanto assim foi que, em 1981, após o Carnaval, «o grupo de instrumentistas que então se reuniu, liderado por Américo Benido dos Santos, decidiu convocar a Assembleia Geral, constituiu corpos gerentes e avançou com a renovação da Tuna». É nesta altura que o mestre Fernando Silva, da FilarmónicaArganilense, começa a dirigir a Tuna e avança a criação da Escola de Música, que garante a formação dos jovens. Em meados da década de 90, apesar de radicado em Lisboa,Amílcar Martins assume a liderança da Sociedade, cumprindo um desígnio familiar que já vai na terceira geração. «Nas minhas mãos não há-de mor-
População acarinha Tuna Acérrimo defensor da cultura, como o esteio «essencial para alimentar o espírito», o presidente da direcção da Sociedade de Recreio, União e Progresso Mouronhense – Tuna Mouronhense não tem dúvidas sobre a importância da música na formação da população e regista, como notário agrado, o «enorme carinho» com que, desde sempre, a comunidade de Mouronho, do concelho e da região acolhe a Tuna Mouronhense. Lembra, ainda, que se trata de uma pequena freguesia, com pouco mais de um milhar de habitantes, que sempre se empenhou em manter a sua tuna. Um desafio que vem desde 1914. Chegou, recorda, a haver uma tentativa de criar uma valência de futebol, mas não teve “pernas para andar”. O mesmo aconteceu relativamente a um projecto ligado ao atletismo, que acabou por ser abraçado pela Comissão de Melhoramentos. rer!». Este foi, confessa, o seu grande desígnio e entendeu que a resposta, o futuro, estava na «formação de quadros jovens», que acarinhassem e dessem continuidade ao projecto. O resultado não se fez esperar.«Hoje temos alguns jovens licenciados em música» e, apesar de continuar ao leme, como presidente, há uma equipa «fantástica», de jovens, rapazes e raparigas, que estão empenhados no projecto. Bancário de profissão, Amílcar Martins ia com frequência passar o fim-de-semana a Mouronho. «Assistia aos ensaios da Tuna»
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e sentiu a degradação das velhas instalações, erguidas em 1937. Empenhou-se, então, com a ajuda do então governador civil, Horácio Antunes, da Câmara Municipal de Tábua e da Junta de Freguesia de Mouronho, em fazer obra. «Um arquitecto amigo fez o “boneco”» e o primeiro andar do edifício, com um amplo salão para ensaios da Tuna e para as aulas de música, com todo o conforto e condições, foi inaugurado a 6 de Outubro de 2000. Resolvidos parte dos “problemas”, a Tuna Mouronhense dá um verdadeiro salto com a contratação, em 2010, do novo maestro e responsável pela escola, Tiago Mateus, de Arganil, com formação na área, que veio imprimir uma marca de renovação e de qualidade ao projecto musical, seja ao nível da Tuna, seja da Escola de Música. Actualmente, a Escola de Música possui dezena e meia de alunos, alguns dos quais «já tocam na Tuna, mas continuam a fazer a sua formação». Quanto à Tuna, tem «cerca de 30 elementos». «Praticamene nunca actuam todos», confessa o presidente, que refere o facto de alguns terem a «sua vida longe» de Mouronho, onde regressam aos fins-de-semana e procuram ir aos ensaios. Um grupo constituído maioritariamente por crianças e jovens. «Até há bem pouco tempo tínhamos músicos dos 8 aos 86, mas actualmente os mais velhos já estão na casa dos 70 anos», diz. Convites não faltam para actuar, num registo de permuta, que leva a Tuna Mouronhense aos mais diversos palcos do país. O presidente destaca, ainda, com particular agrado, a gravação do segundo CD, que deverá ser apresentado em breve num sarau, a realizar em Tábua. O primeiro, recorda foi «gravado quase ao vivo» perante o desejo de levar este “cartão-de-visita” numa digressão efectuada, em 2005, a Paris.
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90 anos com Tábua Escola Profissional
Escola Profissional vai mudar de casa e instalar-se no Espaço CULTIVA
FORMAR PROFISSIONAIS COM VALOR(ES) 1991 Eptoliva – Escola Profissional de Oliveira do Hospital e
Tábua arranca em 1991. Projecto intermunicipal pioneiro aposta na formação de bons profissionais e bons cidadãos
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ctualmente são 46 alunos, repartidos por três turmas. Frequentam o curso de Técnico Auxiliar de Saúde, o único em funcionamento no Pólo de Tábua da Eptoliva – Escola Profissional de Tábua e Oliveira do Hospital. Quando acabarem o curso têm praticamente garantido ingresso no mercado de trabalho. Apetrechados com as ferramentas recolhidas durante os três anos de formação, consolidam os seus conhecimentos numa parceria estreita com as instituições particulares de soli-
dariedade social (IPSS) da região, com o Hospital de Tondela e mesmo fora do país, designadamente em Itália e na Áustria, ao abrigo do programa Erasmus. Numa escola pequena, onde todos se conhecem, que funciona como uma família, os professores são muito mais do que mestres. São também conselheiros, parceiros, amigos, que dão resposta às mais diversas situações, muitas das quais fora do contexto pedagógico. «A formação é fundamental», afirma Carlos Campos, coordenador do Pólo de Tábua. Com 26
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anos de experiência como professor entende que os «princípios», os «valores», são essenciais e fazem a diferença nos alunos e nos futuros profissionais. A Escola Profissional arrancou a 11 de Novembro de 1991, no quadro de um projecto pioneiro, liderado pelos municípios de Tábua e de Oliveira do Hospital (Arganil juntou-se mais tarde, mas acabaria por desistir). Um projecto intermunicipal que surge no quadro da reforma do ensino, nos anos 90. «Os municípios olharem para o território, para as empresas, e sentiram que havia uma lacuna em termos de formação profissional e avançaram com esta parceria inovadora». Foi um «juntar de sinergias» que tem revelado resultados promissores. Uma escola «aberta à comunidade» que apresenta uma centena de parceiros, no «concelho, na região e a nível nacional», que permitem sentir «o pulsar das empresas e das instituições» e perceber «quais as necessidades em termos de formação» e «os cursos mais adequados ao território», explica o coordenador. É com esta sensibilidade prática que a escola recebe os alunos. «São poucos», reconhece, mas praticamente todos estão encaminhados. E exemplifica: dos 16 que terminaram o curso no ano transacto, quatro seguiram para o ensino superior – número que, segundo Carlos Campos, tem vindo a aumentar, da mesma forma que tem crescido o número de jovens que, com 15/16 anos, escolhe o ensino profissional como primeira opção e não como solução de recurso como acontecia no passado – oito/nove estão em IPSS, dois estão à espera de contrato numa empresa de inserção, um enveredou por outra área e apenas um está “no limbo”. Esta é, de resto, a grande preocupação: abrir cursos em resposta às necessidades.
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Escola Profissional 90 anos com Tábua
Mudança de instalações para o próximo ano lectivo No próximo ano lectivo a escola vai mudar de instalações, trocando o actual edifício pelo espaço CULTIVA, na zona industrial. A operacionalização da mudança deverá estar concluída em Setembro, com o novo ano lectivo a começar na nova casa. Será também nas novas instalações que a escola vai investir nas novas salas AITEC, salas dotadas com equipamento tecnológico de ponta, que permitem novas formas de ensino e materiais didácticos. Salas que já estão a funcionar em Oliveira do Hospital, mas que não fazia sentido avançarem já em Tábua, tendo em conta a mudança de instalações. Carlos Campos admite que o “diagnóstico de necessidades”, feito junto dos parceiros apontou para carência na área de operadores da indústria alimentar, o mesmo acontecendo ao nível da comunicação, relações públicas e marketing, mas não foi possível, para já, abrir estes cursos, tendo em conta a «carência de alunos». De igual forma, em 2011 abriu um curso de Artes de Espectáculo e de Interpretação, que se revelou um sucesso, mas acabou por, depois de três ciclos de formação (até 2019), por ser excluído, face à redução do número de alunos. «Não há assim tantos alunos em Tábua», afirma o professor, que lembra o facto de o ensino público também disponibilizar a área profissional. Aliás, chama a atenção para o facto de as escolas públicas estarem
a perder cada vez mais alunos do chamado ensino regular e a aumentarem os alunos do ensino profissional. «Isso é que é preocupante», considera. «Ou os alunos estão a desistir do “procedimento estudo” ou as escolas viram ali uma forma de financiamento», considera. Apesar de a Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra (CIM-RC) reunir com os agentes educativos para definir as regras de abertura de cursos, de forma a evitar sobreposições, isso não evita que no vizinho Agrupamento de Arganil abra o mesmo curso que funciona na Eptoliva de Tábua. Por isso, e tendo em conta as novas competências dos municípios, Carlos Campos defende que o Conselho Municipal de Educação deve ter «uma voz activa e saber quais são as necessidades. Esse trabalho tem de ser feito pelos municípios, de forma a não abrir cursos onde não há necessidade». «Tem de haver uma gestão eficaz», defende. «Os alunos são os nossos clientes e temos de os servir da melhor forma possível, não é abrir cursos só por abrir», considera. «Temos que dar respostas eficazes aos alunos e às famílias». O factor positivo de serem poucos alunos resulta na possibilidade de «conhecermos todos os alunos, o que nos dá a possibilidade de os apoiar de uma forma extraordinária». «São pormenores que distinguem», diz Carlos Campos que destaca, ainda a prestação de excelência dos jovens do Pólo de Tábua em projectos regionais, nacionais e internacionais, designadamente nos concursos de empreendedorismo promovidos pela CIM-RC, onde sempre tiveram bons resultados, ou nos projectos dinamizados pela professora Donorata Pereira, igualmente com sucesso. A Eptoliva é uma Escola Amiga da Criança, galardoada com o selo de Escola Saudável.
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Centro Qualifica dá respostas diversificadas
Desde Setembro e 2020 que a escola possui um Centro Qualifica, que tem vindo a desenvolver uma acção positiva na formação de adultos e na validação e certificação de competências adquiridas em diferentes áreas, desde a metalomecânica à informática, passando pela saúde . Respostas a título individual ou para grupos de profissionais ligados a empresas ou outras entidades. Em fase de implementação está o projecto Português Língua de Acolhimento, destinado a migrantes, que arrancou em Setembro com 15 inscritos, que poderão aumentar. Um programa que pretende contribuir para a inclusão dos estrangeiros radicados no território, que se vai estender até finais de Maio de 2022. Sempre atenta a novos desafio a escola também aderiu ao Projecto Ler + Qualifica, um programa do Plano Nacional de Leitura e da Agência Nacional para a Qualificação do Ensino Profissional, destinado à população adulta que frequenta processos de reconhecimento e validação e competências.
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90 anos com Tábua Espaço CULTIVA
OPTIMIZAR CONDIÇÕES PARA ATRAIR INVESTIMENTO
2022 Falta de mão-de-obra qualificada leva município a apostar na formação e a criar um Espaço Criativo para actividades económicas, cuja inauguração está prevista para Abril de 2022
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Espaço CULTIVA quer afirmar-se como centro de formação e de apoio aos empresários
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á que preparar o futuro e preparar o futuro é permitir o acesso a formação especializada, que permite obter uma qualificação em áreas em que as empresas recrutam técnicos especializados». Palavras de Ricardo Cruz, presidente da Câmara Municipal de Tábua, que está empenhado, a montante e a jusante, em criar as melhores condições para continuar a atrair investimento para o concelho. Num território onde há manifesta carência de mão-de-obra e que acolhe muitas centenas de trabalhadores dos concelhos vizinhos, o autarca entende que é necessário investir em diferentes frentes, designadamente na formação especializada, na ampliação dos parques industriais e, inclusivamente, na criação de condições, em
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Espaço CULTIVA 90 anos com Tábua
termos de parque habitacional, para garantir qualidade de vida, capaz de atrair e fixar famílias. Uma “batalha” com várias frentes. Relativamente à componente educação, «orientada para o futuro e para responder às necessidades das empresas», o autarca está em negociações com o Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC). «Não queremos uma faculdade», afirma, taxativo. O que se pretende é muito mais prático: «soluções para as empresas», em termos de mão-de-obra qualificada, por um lado, e, por outro, permitir aos «jovens uma formação especializada para entrar no mundo do trabalho». Duas faces da mesma moeda, que se resumem na «criação de mecanismos que permitam dotar as pessoas de qualificações, apostar na especialização», refere. As áreas da automação e da robótica, tendo em conta a carência de mão-de-obra, afiguram-se, no entender de Ricardo Cruz, como áreas de formação com algum potencial. Outras haverá, por certo. Formação que vai ter a sua “casa” no Espaço Criativo CULTIVA– Criatividade, União, Laboratório, Tábua, Ideias, Valor e Artes. Um projecto em curso, que representa um investimento de um milhão de euros, e que vai transformar as oficinas do município num espaço novo, dinâmico, a fervilhar de ideias e de actividade. «É um edifício com uma funcionalidade enorme do ponto de vista da formação», perspectiva Ricardo Cruz. Isto porque, além de ser a casa para a formação avançada garantida pelo ISEC, também vai acolher a Escola Profissional - Eptoliva, actualmente a funcionar em instalações da Fundação Sarah Beirão. Também ali vai ficar instalado o Gabinete de Inserção Profissional, em parceria com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), bem como o Centro Qualifica, vocacionado para a for-
mação de adultos, seja através da Eptoliva, seja do IEFP. Também a ADI – Associação para o Desenvolvimento do Comércio Local vai ali ter o seu espaço, alargando, igualmente, o seu leque de intervenção e de parceria com as empresas ao nível da formação, conjugando propostas mais individualizadas com outras que vão mais ao encontro dos interesses e das necessidades das empresas, de forma a criar sinergias. O CULTIVAtem, ainda, espaço para acolher startup, co-working e salas de teletrabalho, procurando «dar resposta a uma nova dinâmica empresarial online», que a pandemia veio acelerar e mostrou ser possível. «Tábua aderiu à rede de teletrabalho», sublinha o autarca, salientando que o «CULTIVAoferece condições para que as pessoas que tenham casa em Tábua possam, eventualmente, regressar, pois é possível trabalhar online». A inauguração do Espaço CULTIVA está prevista para 10 de Abril de 2022, no âmbito das comemorações do Dia do Município. Além da parceria com o ISEC, o município tem outras, designadamente com a BLC3 e com a Associação Industrial da Região de Viseu, todas com a mesma lógica. «O objectivo comum é que Tábua tenha mais emprego, sobretudo tenha emprego qualificado, e crie condições para os empresários concretizarem os seus projectos. Estamos a fazer o trabalho de casa, a preparar o futuro, a apostar na qualificação das pes-
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soas», diz o autarca. A equação tem várias “nuances” e, reconhece Ricardo Cruz, uma delas prende-se com o parque habitacional. «O objectivo é formar pessoas, cativar investimentos e fixar as pessoas no concelho», sintetiza, admitindo a necessidade de uma «reflexão global e aprofundada» sobre o parque habitacional, de forma a promover a reconstrução e a recuperação, que hoje em dia se afigura mais cara do que a construção de raiz e promove, também, o abandono crescente das aldeias. O edil admite um projecto com uma sociedade de reabilitação urbana, que possa proceder à aquisição e reabilitação de imóveis para arrendar ou mesmo vender a preços mais competitivos. Um contributo para inverter a tendência actual.
Parques industriais em crescimento O Parque Industrial da Carapinha, previsto para um local onde já estão instaladas algumas empresas, vai avançar definitivamente para o ano. Este é o terceiro parque industrial do concelho, na freguesia da Carapinha, que se junta ao da sede do concelho, praticamente esgotado, que vai ser ampliado. O Parque de Sinde/Espariz acolhe as várias unidades do Grupo Aquinos e tem vindo a crescer à medida das novas apostas do Grupo. De acordo com o autarca, o município está a ponderar, em parceria com a BLC3, uma área industrial no domínio da floresta. Praticamente garantida está a transformação de um terreno com 12 hectares numa «comunidade energética». Um projecto pioneiro, com recurso a painéis fotovoltaicos e outras energias alternativas. O objectivo essencial, diz Ricardo Cruz, é «alimentar os edifícios públicos», reduzindo, assim, a factura energética e, «eventualmente, ceder a empresas».
90 anos com Tábua Biblioteca
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Biblioteca afirma-se como um espaço vivo, de encontro e de aprendizagem
A CASA DOS LIVROS TRANSFORMADA NUM ESPAÇO DE ENCONTRO 2001 A Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulben-
kian foi a única que o concelho conheceu até Julho de 2001, quando foi inaugurada a Biblioteca Municipal João Brandão
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carrinha da Fundação Calouste Gulbenkian passava amiúde pelo concelho e representava uma verdadeira festa, um banho de cultura. «Era a única coisa que tínhamos em termos culturais», recorda Ana Paula Neves, directora da Biblioteca Municipal João Brandão, lembrando os seus tempos de juventude, em Midões, onde a mãe era professora e a família se instalou. Mal podia imaginar nessa altura que, uns bons
anos mais tarde, iria desempenhar uma função essencial na instalação e organização deste santuário de livros. Uma experiência, vivida e sentida na primeira pessoa, como moradora e estudante no concelho, que a recém licenciada em História de Arte redigiu e foi transformada em “memória descritiva”que acompanhou a candidatura apresentada pelo município para a criação da biblioteca municipal. «As senhoras do Instituto Português do
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Livro acharam graça», diz, e o projecto foi aprovado. Ana Paula Neves lembra o papel desempenhado por Teresa Patrício Gouveia, secretária de Estado da Cultura à época (1986), e por Maria José Moura, responsável pela Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, na dinamização da rede de bibliotecas públicas. Mas também o querer do então presidente da Câmara Municipal de Tábua, Ivo Portela, que fez questão que a Biblioteca Municipal de Tábua tivesse o nome de João Brandão. A polémica, recorda, foi grande. Amado por uns, odiado por outros, o “Terror das Beiras”acabou, efectivamente por ser o patrono da biblioteca. «Este edifício estava em ruínas», lembra. Era o antigo edifícios dos Paços do Concelho. Foi ali que João Brandão foi julgado. À época, Tábua pertencia à Relação do Porto e quando João Brandão foi capturado, «tiveram receio que pudesse fugir durante a viagem». «Não quiseram arriscar» e, por essa razão, foi «improvisado um Tribunal» e João Brandão julgado, em Julho de 1869, condenado ao degredo, em África, pela morte de um padre. Uma figura que atravessou séculos e faz parte da memória colectiva de Tábua. Também foi Ivo Portela quem desafiou Ana Paula Neves a assumir as funções de bibliotecária. Numa altura complicada, com um filho pequeno, a viver em Coimbra, pouco depois de ter terminado uma especialização em Assuntos Culturais, entendeu que este era o desafio da sua vida. Avançou para mais uma formação, como bibliotecária e, com a equipa que muito preza, ergueu, com manifesto orgulho, «esta belíssima biblioteca», inaugurada no dia 20 de Julho de 2001 pelo então primeiro-ministro, António Guterres. Localizada no meio da vila, é um ponto
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Biblioteca 90 anos com Tábua
de passagem e de encontro, que merece um carinho especial da população. «A equipa é fantástica e o executivo deixa-nos trabalhar», afirma, destacando o leque alargado de projectos, que envolvem deste o trabalho com bebés aos seniores, a mediação da leitura e o trabalho com artes. «É preciso especializar a mão-de-obra que temos e não ter mão-deobra especializada», diz, referindo a equipa, actualmente constituída por oito pessoas (que já foi maior) uma das quais está alocada à biblioteca do Centro Escolar. «Sentimos que se naquela biblioteca não estivesse uma técnica, teria sido um esforço inglório». Mas os desafios colocam-se todos os dias. «Quando, em 2001, abrimos a biblioteca, o mais importante era o acervo documental». Hoje, as preocupações estão muito longe disso. «Hoje, a nossa grande preocupação é a vertente social, como transformar a biblioteca num ponto de encontro, onde as pessoas venham, falem, discutam temas e, no meio de tudo isso, ter a habilidade de colocar o livro». O livro, assume, «tem de ser o anfitrião», mas a verdade é clara: «se chamarmos os jovens ou os idosos para
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lerem, eles não vêm, mas se os chamarmos para conversar, eles vêm», refere. Da mesma forma que marcam presença nas mais diversas iniciativas que a biblioteca promove. «A nossa biblioteca está sempre com gente», refere, com satisfação, lembrando que, hoje em dia «as bibliotecas já não são um espaço de silêncio», antes pelo contrário. «Precisamos de ruído». O ruído dos mais velhos, das crianças, dos adultos, dos portugueses e dos estrangeiros. «A comunidade estrangeira é ávida de leitura», afirma a directora. Belgas, ingleses e holandeses, sobretudo, são frequentadores assíduos. «Vêm à biblioteca, lêem livros, tiram fotocópias, consultam a internet». «A nossa preocupação, hoje em dia, é ter a comunidade connosco, é ir ao encontro da comunidade. Não podemos ficar sentados na cadeira, a arranjar rabos balzaquianos e a cristalizar», garante Ana Paula Neves. «A biblioteca continua a ser a casa do livros, da palavra na sua raiz, mas é também a casa de muitas outras coisas. Um espaço de encontro onde se desenvolvem relações sociais e onde as pessoas se sintam bem».
Biblioteca tem um espaço dedicado às crianças e outro para crianças e famílias
Biblioteca humana e biblioteca itinerante Num registo de socialização e humanização, Ana Paula Neves ambiciona ter uma “Biblioteca Humana”. Mais do que uma metáfora, é, efectivamente, um projecto. Significa que na biblioteca podem estar algumas pessoas disponíveis para conversar sobre os mais diversos temas. «Temos na nossa comunidade gente muito interessante», afirma. Exemplos não faltam. Médicos, estrangeiros, refugiados, escritores, pessoas com uma experiência rica, diferente, que podem partilhar, dar conselhos, criar empatia, ser úteis e contribuir para a criação de um clima de bem-estar que a biblioteca pretende oferecer, afirmando-se como uma verdadeira “sala de estar” da vila de Tábua. Mas Ana Paula Neves ainda tem um outro sonho. Marcada pela vivência da biblioteca itinerante, entende que esta é uma experiência que pode continuar a ser útil no concelho. «Nunca criámos um pólo da biblioteca», diz, assumindo que a actividade desenvolvida fora da sede do concelho é bastante diminuta, apesar das deslocações aos centros de dia e às escolas e das visitas dos alunos à Biblioteca João Brandão, bem como algumas parcerias com juntas de freguesia, particularmente a de Midões, que permitem a disponibilização de algumas dezenas de livros. Mas não chega! Na busca de uma proximidade crescente, de uma relação directa com toda a comunidade, a bibliotecária encara a possibilidade de uma biblioteca itinerante como uma resposta possível e viável. Uma ideia para o futuro.
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90 anos com Tábua Biblioteca
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João Brandão esteve preso e foi julgado neste edifício, recuperado para instalar a biblioteca
“NATURALMENTE” JOÃO BRANDÃO 2001 Ivo Portela entendeu que a Biblioteca Municipal devia receber o nome de João Brandão e assim se fez
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vo Portela foi o mentor da ideia e levou o projecto avante.ABiblioteca Municipal de Tábua devia ter o nome de João Brandão. «Foi um processo natural» que cumpriu a «vontade da maioria das pessoas», recorda. O então presidente da Câmara Municipal de Tábua reconhece que houve vozes dissonantes. «Há sempre, mas não as achei representativas». Apesar disso, confessa que se «aconselhou com dois ou três professores da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra». «Nenhum levantou qualquer objecção», sublinha, adiantando que estes contactos lhe permitiram, inclusivamente, perceber melhor o contexto da vivência e da actuação de João Brandão, no quadro das sanguinárias lutas que, à época, opuserem liberais e miguelistas e que, necessariamente, deram origem a grandes crispações e inimizades profundas que, de resto, terão sido fatais
para João Brandão. «Não era um bandido como alguns dizem», sustenta o antigo autarca, que se recorda de ver, no salão de uma casa, em Candosa, um retrato de João Brandão com a esposa, «uma senhora muito distinta, uma verdadeira dama», onde também estava «a bandeira da rainha». «Arainha armou-o capitão», sublinha, lembrando que o padrinho de casamento de João Brandão foi uma figura ilustre da época, Roque Ribeiro Abranches Castelo Branco, que viria a receber o título de Visconde de Midões, também ele um liberal convicto, Ivo Portela recorda, também, a Presidência Aberta feita por Mário Soares, no início da década de 90, praticamente logo depois de ter assumido a presidência da Câmara de Tábua, que se referiu a João Brandão de forma elogiosa. Lembra que, inclusivamente, Mário Soares usou um chapéu, semelhante ao de João Brandão, um momento que teve «alguma graça». «Não fazia sentido ser outro nome que não o de João Brandão», considera o antigo autarca, que confessa que foi avançado um «outro nome, de uma pessoa que também era de Tábua», mas «acabou por ser
aprovado o nome de João Brandão» como patrono da Biblioteca Municipal, inaugurada, recorda, por António Guterres, actual secretário-geral as Nações Unidas. Além do grande peso que o nome e a figura de João Brandão têm na memória colectiva do povo de Tábua, e muito particularmente do orgulho que representa para a freguesia de Midões e para todos os midoenses, Ivo Portela lembra que o edifício onde foi instalada a Biblioteca foi a Cadeia de Tábua, em cujas celas João Brandão esteve preso. Foi também ali que se efectuou o julgamento pela morte do padre Portugal, que o condenou ao degredo em Angola. Um edifício onde «me lembro, desde miúdo, funcionou o Grémio da Lavoura». Quando avançou o projecto para a Biblioteca Municipal, «em vez de construirmos um edifício novo, resolvemos recuperar este edifício antigo», que à data estava devoluto. Foi necessário, recorda, «consolidar as paredes», um trabalho que «foi efectuado pelos trabalhadores da Câmara». Relativamente à Biblioteca, «todo o trabalho foi feito pela dra. Ana Paula Neves, que sempre foi a alma da biblioteca. Eu limitei-me a fazer a obra», conclui Ivo Portela.
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João Brandão 90 anos com Tábua
JOÃO BRANDÃO: UM ÍCONE DA BEIRA 1825-1880 Entre a realidade e a lenda, João Brandão
transformou-se num verdadeiro mito. Amado por uns, odiado por outros, é uma figura incontornável na memória das gentes de Tábua, sobretudo de Midões
Emblemático desenho que retrata a figura de João Brandão com a sua inseparavel arma de fogo
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atural da localidade de Casal da Senhora, freguesia de Midões, onde nasceu em Março de 1825, João Victor da Silva Brandão é, sem dúvida, uma figura marcante na região da Beira Serra. Particularmente em Tábua e na freguesia de Midões que, na época, era concelho. Um nome que atravessa gerações, fazendo parte da memória colectiva do povo. Para uns foi um bandido, o “terror das Beiras”. Para outros um ídolo, que esteve ao lado do povo. Não se trata de qualquer imitação de Robin dos Bosques. João Brandão, mais do que um bandoleiro, um aventureiro, foi um político e um homem de causas. Certo é o seu nascimento no Casal da Senhora, filho de um ferreiro, Manuel Brandão, devotado à causa liberal, que toda a vida esteve envolvido nas guerras sangrentas que opuseram liberais e miguelistas. Mas preocupou-se com a educação do filho, que aprendeu a ler e a escrever com o professor Bento Inácio Duarte de Almeida e, mais tarde, com o padre Joaquim Miranda, iniciou-se nos estudos do Latim e da Cultura Clássica. Em 1828, D. Miguel autoproclamou-se rei absoluto e o seu Governo lançou uma violenta acção repressiva com os liberais, que culminou em inúmeros homicídios, prisões e condenações à morte. Uma guerra fratricida que terminou em 1843, com a Convenção de Évora Monte e a vitória dos liberais. Um cenário que obrigou o pai de João Brandão a uma vida errante, fugindo às perseguições dos partidários miguelistas e a participar em acções de guerrilha. Tinha o filho com ele, o que significa que João Brandão cresceu neste clima de guerra declarada, de sangue e de morte. «Desde 1828 foi a minha família vivamente perseguida pelo governo dessa época ominosa. Alguns dos meus parentes próximos, culpados e presos como liberais, foram encerrados nos cárceres de Almeida, onde jazerem até que a liberdade vitoriosa terminasse o reinado opressor do despotismo», escreve João Brandão, na cadeia do Limoeiro. No rescaldo da derrota miguelista, a família Brandão participa, com a anuência declarada do ainda débil Estado liberal, em acções revanchistas, combatendo de forma implacável as quadrilhas miguelistas que se recusavam a depor armas. A rainha D. Maria II assina mesmo um louvor público
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aos Brandões do Casal da Senhora, em 1841. João Brandão foi recebido pelo próprio ministro do Reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães, que lhe concedeu grandes poderes para perseguir ladrões e assassinos na Beira. Na obra que escreveu no Limoeiro, João Brandão aponta um rol imenso, de mais de 200 crimes, entre assassinatos e dezenas de feridos, casas assaltadas, desde 1834 e garantia não ser o “terror das Beiras”. Pelo contrário, afirmava que tentou «enfrentar os criminosos que puseram a Beira a ferro e fogo». Terão sido inúmeros os combates, designadamente contra o bando do Caca, salteadores que aterrorizavam as gentes de Midões e de Vila do Mato. Com ou sem razão, é-lhe imputada a morte do juiz da Comarca de Midões, Nicolau Baptista de Figueiredo Pacheco Telles, seu inimigo figadal, assassinado em Agosto de 1842. A morte do ferreiro de Candosa é um exemplo macabro dos crimes imputados a João Brandão. A ordem terá vindo de Lisboa, mas para o prender não para o matar. Mas este inimigo de João Brandão foi morto de uma forma cruel, com disparos sucessivos, já depois de este se entregar, que transformaram o cadáver numa massa de sangue. Muitos outros terão morrido nas mãos deste homem que, segundo uma das muitas histórias que se contam, terá morto um pastor só para testar a sua pontaria. Entre 1849 e 1854, João Brandão foi vereador e fiscal da Câmara de Midões e em 1863 casou com D. Ana Eugénia de Jesus Correia Nobre, uma senhora distinta e com grande fortuna. Roque Ribeiro deAbranches
90 anos com Tábua João Brandão
Castelo-Branco, uma figura de grande prestígio, que preparou a revolução de 24 de Agosto de 1820 e que viria a ser agraciado com o título de Visconde de Midões, foi seu padrinho de casamento. Seguem-se «anos de grande respeitabilidade, de uma vida tranquila». João Brandão «veste sobrecasaca» e apresenta-se como «um verdadeiro cavalheiro». José Hermano Saraiva, que destacou João Brandão num dos episódios da séria “A Alma e a Gente”, enaltece «o homem primoroso» e com «uma grande capacidade de fascinar». «Não há marido que esteja descansado, tendo em conta o fascínio que exercia», refere o historiador. «É um homem com um extraordinário talento», um «homem superior» que, naturalmente «continua a ter muitos inimigos». É neste clima de aparente serenidade, que se assiste ao crime da Várzea de Candosa, que resulta na morte do padre José de Anunciação Portugal, em 1866. Nunca se soube quem matou o padre, mas os inimigos de João Brandão avançaram, sugerindo o seu nome. Foi preso e julgado. «Não sei se era um santo ou um bandido, mas sei que este julgamento foi um julgamento irregular. Com essas provas ninguém condenava ninguém. A Justiça portuguesa não se prestigiou com este julgamento. Ninguém o viu, não se encontraram provas. Na noite do crime João Brandão estava em Avô e toda a gente o viu lá», refere José Hermano Saraiva Socorrendo-se da obra de Teixeira de Vasconcellos, que acompanha o julgamento, José Hermano Saraiva atesta a «indignação» de João Brandão pelo facto de ser acusado de um crime de roubo – os três assaltantes
Casa onde viveu João Brandão, localizada no largo central de Casal da Senhora
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Perfil Natural do Casal da Senhora, Midões, onde nasceu no dia 1 de Março de 1825, João Vítor da Silva Brandão cresceu num clima de terror, resultante da luta entre liberais e absolutistas, que colocou a região a ferro e fogo. Primeiro em fuga, depois de forma legitimada, assumiu o combate político de arma em punho, capitaneando uma milícia incumbida de defender a rainha e a bandeira do reino. Pertenceu à Câmara de Midões, da qual também foi fiscal, entre 1849 e 1853. Em 1863, casou com Ana Eugénia de Jesus Correia Nobre. Preso em 1869 e acusado da morte do padre Portugal, foi condenado ao degredo e esteve preso na cadeia do Limoeiro, onde escreveu “Apontamentos da vida e João Brandão”. No dia 9 de Outubro de 1870 partiu para Angola. Onde se dedicou à produção de açúcar e de aguardente de cana. Morreu assassinado, em 1880, no Bié.
apoderam-se de 100 mil reis em libras, 25 libras de ouro - «Andei na guerra e quem nada na guerra ou matou o morreu. Sim, matei muita gente, mas roubar nunca!». Disse mesmo que na sua milícia houve dois ou três soldados que se aproveitaram das incursões que faziam para roubas. «Demiti-os! Sou um homem sério, incapaz de roubar!». Caído em desgraça, João Brandão foi condenado como mandante de um crime de roubo a pena de morte, comutada com o degredo perpétuo para África. Embarcou para Angola em Outubro de 1870, onde se dedicou à produção de açúcar e aguardente de cana, revelando-se o homem empreendedor que era e que criou uma onda de simpatia entre a população local. Apesar da distância, João Brandão continuava a incomodar o regime, que terá ordenado a sua morte. Acabou por ser assassinando em Setembro de 1880. O cadáver foi decapitado e a cabeça levada para Luanda, como prova.
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João Brandão 90 anos com Tábua
Conhecer melhor João Brandão
Centro de Interpretação seria uma forma de fomentar o estudo sobre e vida de João Brandão
Luís Pedro Ferreira, técnico superior da Câmara Municipal de Tábua, sublinha a «figura intrigante» de João Brandão. Natural de Midões, desde sempre conviveu com as histórias e as lendas que rodeiam esta personagem, um verdadeiro herói para o povo. Se algumas dessas “estórias”podem ter sentido, como a fenda na Pedra da Sé, apontada como um dos esconderijos de João Brandão, outras parecem pouco reais, como a do alçapão existente no palácio do visconde de Midões, que dava directamente para a casa de João Brandão, no Casal da Senhora.
«As datas não batem certo», quando muito, à época, o palácio estaria em construção, muito embora fosse certa a grande proximidade entre os dois liberais, considera. Também não é certo que o velho revólver em poder do Rancho de Midões tenha pertencido a João Brandão. Já a pua (ferramenta) e a bolsa fazem parte do espólio do Arquivo da Universidade de Coimbra, «Não o conhecemos bem», confessa Luís Pedro Ferreira, que assume um interesse pessoal na investigação da vida e dos feitos de João Brandão. Lembra que, embora
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muitos digam que Midões perdeu o estatuto de concelho como represália pelas atrocidades cometidas por João Brandão, não há qualquer relação entre uma coisa e outra, uma vez que foi a reforma administrativa, empreendida por Mouzinho da Silveira que veio ditar a extinção do concelho de Midões, de origem medieval, assim como de outros. João Brandão não foi claramente um Robin dos Bosques, mas teria «alguma sensibilidade» e «preocupação com pobreza», tendo em conta que «as terras eram dos senhores, mas quem as cultivava era o povo, que vivia na miséria». Povo que o começou a venerar e que o via como um defensor, um aliado. Povo que o teria, decerto, ajudado (de bom grado ou não), quando andava fugido. Povo que viu nele um aliado por declarar guerra aos grandes senhores e por combater os bandos de bandidos e assaltantes que proliferavam na região. O técnico superior da autarquia entende que é importante «reabilitar» e «conhecer melhor» João Brandão e defende que a criação de um Centro de Interpretação iria permitir isso e «impulsionar mais estudos sobre João Brandão». «Seria uma mais-valia», considera. Para Luís Pedro Ferreira, este Centro de Interpretação podia ser instalado «na antiga Câmara de Midões», um edifício que está em ruínas, junto ao Pelourinho, e que, desta forma, também seria recuperado. Este espaço de estudo e de investigação da memória e do percurso de vida de João Brandão seria, ainda, no entender do técnico, um espaço importante para esclarecer os turistas e igualmente um contributo importante para dar a conhecer esta personagem aos mais novos, muito embora, ressalve, o município, designadamente através da Biblioteca, promove um conjuntos de iniciativas que mantêm bem viva a memória de João Brandão.
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90 anos com Tábua João Brandão
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“NA CAÁTA – ONDE MATARAM JOÃO BRANDÃO” 1951 J. Albuquerque
Cardoso publica no Diário de Coimbra as “suas memórias” de João Brandão
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primeira pessoa que me falou de João Brandão em terras de África foi meu sogro – Joaquim Lino Ferrão, “O Ferrão do Bailundo – que se lembrava ainda de, em menino, ver aquele, numa charrete ir da Fazenda S. Pedro – o Cassequel actual – a Benguela, com uma filhinha de cor, a passeio ou de visita às mais conhecidas famílias da velha cidade de S. Filipe. Homem considerado pelo seu trabalho, pela honradez dos seus negócios, pelo seu porte, entrava mesmo no Palácio do Governador, onde o recebiam com mostras de simpatia. A filha, Deolinda Brandão, veio mais tarde a casar com Júlio Tavares Coutinho, de quem houve um filho, José Tavares Coutinho, que em Benguela fez época há uns 20 anos: jogou no futebol razoavelmente, jogou muito bem o boxe e ficou-me na memória porque, certa noite, num treino da nobre arte, me ocasionou fractura do cúbito esquerdo (…). Um texto da autoria de J. Albuquerque Cardoso, publicado pelo Diário de Coimbra no dia 29 de Março de 1951. «Mais tarde – continua – o velho general Faria Leal, um dos mais finos e curiosos espíritos que por aqui topei (…) falou-me também de João Brandão, em termos de apreço… Até que um dia as andanças do Quadro Administrativo deram comigo no Balombo, a chefiar o Posto. Aí, pelas falas dos antigos, brancos
e pretos, vim à conclusão de que o Homem temente célebre». J. Albuquerque Cardoso evoca, ainda, inde Midões foi, lá por Angola, um homem digno: trabalhou, educou convenientemente formação de João Vieira Mendes, que define a filha, prosperou na agricultura e no co- como «o velho Cariata», recentemente famércio e morreu assassinado no Caáta. A lecido, e que viveu no Balombo perto de tiro? Por envenenamento? Reza a lenda 60 anos, de acordo com o qual João Brandão oral, no Balombo, que terá sido envenenado teria escolhido aquele local – Caáta - para por mando de Eduardo Braga – o “Braga viver, junto às águas do “Cuto-Cota” como Ladrão”- seu ex-empregado, sócio e com- «refúgio» face à «perseguição que lhe mopadre; dizem outros, certo mais seguros viam». «Isso não está averiguado», adianta. nas suas informações, que foi abatido a Mas, «ao certo, porém, sabe-se que viveu tiro por uma força que as autoridades de ali e ali morreu e foi enterrado sem cabeça, Benguela mandaram no seu encalço até pois esta (agora socorro-me do bem intenao Balombo, com ordem para o levarem cionado livro do sr. César Santos) fora depara o litoral vivo ou morto. Desta última golada e metida em um barril de salmoura, opinião é o sr. César Santos, antigo colono para ser levada a Benguela!». de Benguela, que no seu livro “O Desventurado de Midões”, agora chegado às minhas O homem de Midões mãos, traça o perfil de João Brandão à luz foi, lá por Angola, um dos factos do seu viver no degredo africano homem digno (...) que e procura a reabilitação daquela figura tris-
prosperou na agricultura e no comércio
«(…) Não há nada, agora, na Caáta. Mas há ali, ainda, - como no Xissa, em Malange, quando se evoca Zé do Telhado – a memória de um homem que os desvairos de uma época de política sectarista no país atiraram para África e que nesse clima foi, como aquele, um homem de bem», termina J. Albuquerque Cardoso.
Texto publicado no Diário de Coimbra no dia 26 de Março
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Património natural 90 anos com Tábua
Penedo C’ Abana recebe grande número de visitantes
PAISAGEM DE CORTAR A RESPIRAÇÃO 1970 Penedo C’ Abana é classificado em 1970 como imóvel
de interesse público. Troço da antiga estrada romana recebe idêntica classificação em 1900
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rio, até ali tortuoso, comprimido pelas margens estreitas, ganha agora mundo, espreguiça-se e estende as suas águas. Um Mondego mais rio, mais sereno, mais cativante, que começa esta sua nova senda na freguesia de Póvoa de Midões e continua, com a mesma cadência, rumo à albufeira da Aguieira. O azul da extensa massa de água contrasta com o outro azul, do céu, e com o verde da floresta que cresce em ambas as margens. Aqui e ali, o granito ganha terreno, impõe-se na paisagem e confere-se um carácter verdadeiramente único. Dois penedos merecem especial destaque. Um e outro são locais de peregrinação obrigatória. Espaços de onde se avista uma paisagem de cortar a respiração. Comecemos pelo chamado Penedo C’ Abana ou Penedo Oscilante. Classificado como imóvel de interesse público em 1970, fica perto da localidade de Póvoa de Midões, na encosta sobre o Mondego. Um caminho de terra
Troço da antiga estrada romana SUBST
batida, ombreado por carvalhos e medronheiros, conduz-nos a esta imponente formação rochosa, com quatro metros de comprimento e três de altura. Uma formação ovalada, que, desafiando as leis da física, abana efectivamente. A Junta de Freguesia faz questão de manter o espaço impecável e, inclusivamente, identificou o local onde o toque permite que, efectivamente, o penedo faça jus ao seu nome e abane. O penedo é o grande atractivo do local, mas a
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paisagem que se avista do miradouro é verdadeiramente deslumbrante, com as águas do Mondego a correrem, convidativas e majestosas. Seguindo o curso do rio, mais abaixo, ergue-se outro afloramento granítico. Este verdadeiramente imenso. É a chamada Pedra da Sé. Há quem diga que a designação vem precisamente da grandiosidade dos penedos, que fazem lembrar uma Sé. Outra tese defende que dali teria sido retirada a pedra para construir a Sé de Coimbra ou a Sé de Viseu. Outra tese aponta para o marco divisório entre os terrenos que pertenciam ao Couto de Lorvão e os que pertenciam à Sé de Coimbra. Seja qual for a tese perfilhada, o certo é que a Pedra da Sé é, efectivamente, um “ex libris” do concelho de Tábua e um miradouro extraordinário, de onde se avista uma paisagem deslumbrante sobre o rio Mondego e sobre a barragem da Aguieira. Se o nível da água não estiver muito alto, é possível ver, cá em baixo, uma antiga ponte romana habitualmente submersa. Aeste monumento natural está associado um outro, de carácter histórico e cultural. A via romana, que provavelmente pertencia à estrada que ligava Bodabela, um importante centro económico e cívico do tempo do imperador Augusto, localizada no concelho vizinho de Oliveira do Hospital, a Santarém, passando por Tomar. Um troço classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1990, que tem 350 metros de comprimento e uma largura média que ultrapassa os quatro metros, o que representa uma verdadeira “auto-estrada”romana, que permitia a passagem simultânea de duas carruagens. Trata-se de uma extraordinária obra de engenharia, possivelmente construída no século I, que o município de Tábua está empenhado em recuperar e requalificar, transformando-a num ponto de atracção turística. Os trabalhos de limpeza e desmatação, devidamente autorizados e acompanhados pela Direcção Regional da Cultura do Centro, estão concluídos e a empresa arqueológica deverá dar início aos trabalhos de requalificação no início da Primavera. O presidente da Câmara destaca a importância do património natural do concelho e o trabalho que tem vindo a ser feito no sentido de o dar a conhecer aos locais e aos visitantes, através de percursos pedestres, de trilhos, ciclovias, praias fluviais, reactivação dos moinhos, onde tradicionalmente se
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90 anos com Tábua Património natural
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moía a farinha. Ricardo Cruz refere, em particular, os monumentos classificados, nomeadamente a via romana, como elementos do património que o município está empenhado em promover e em valorizar. Podem, especialmente a via romana, «ser mais um motivo para uma visita à região», considera. Para Ricardo Cruz é importante «ganhar escala», em parceria com os municípios vizinhos. «Temos aqui quase uma auto-estrada do tempo dos romanos», o que, conjugado com as «Ruínas Romanas da Bobadela e o seu Centro de Interpretação» e também com as Ruínas de Conimbriga, pode representar uma força de atracção turística. «Em vez de ficar um dia, o turista pode ficar mais duas ou três noites», considera Ricardo Cruz. Pedra da Sé permite uma visão singular sobre o rio
Requalificação do troço da estrada romana, junto à Pedra da Sé, vai avançar no início da Primavera
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Luna Hotel de Tábua 90 anos com Tábua
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DESPERTAR TÁBUA PARA O TURISMO 2020 No dia 15 de Setembro de 2020 assistia-se
à inauguração do Luna Hotel de Tábua. Um hotel de quatro estrelas que representou um investimento de cerca de três milhões de euros
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o centro da vila, no espaço ocupado, durante décadas, pelo Hotel Turismo de Tábua, apresenta-se, em 2020, uma nova e renovada unidade hoteleira, que pretende colocar Tábua na rota do turismo. Uma aposta do Grupo Luna Hotéis, que se empenhou em transformar um hotel “cansado” e obsoleto para as exigências do presente, numa resposta moderna, confortável e capaz de atrair turistas, suportada numa marca que possui unidades hoteleiras em vários pontos do país. «Comprámos todo o prédio e envolvente», recorda Vítor Pais, director do Luna Hotel de Tábua e, durante praticamente três anos, assistiu-se à reconstrução completa do empreendimento e à sua ampliação, com a criação de novas valências, designadamente parque de estacionamento e piscina exterior, que não existiam. Um investimento que rondou os três milhões de euros, que transformou o Hotel Turismo de Tábua no Luna Hotel de Tábua, inaugurado no dia 15 de Setembro de 2020. Um hotel de 4 estrelas, com 74 quartos, dos quais seis são suites, centro de bemestar, com APA, piscina aquecida, jacuzzi, sauna e ginásio; piscina exterior, restaurante, bar lounge, sala de reuniões com capacidade para 100 pessoas e parque de estacionamento. Uma aposta que alia um serviço de qualidade à simpatia e à arte de bem
receber, que, pouco mais de um ano depois da entrada em funcionamento, permite um balanço francamente positivo, com o Luna Hotel de Tábua a perfilar-se como um «destino turístico». Isto porque não basta ter um hotel de excelência, «é preciso ter um destino turístico», refere o director. «A região DãoLafões tem uma marca própria», mas a verdade é que «Tábua não é um destino turístico!», afirma. «Nunca foi!», adianta, explicando que não existe uma oferta cultural ou outra, de turismo de natureza ou de lazer». Uma oferta que, existe, sim, na zona envolvente, «a 40/50 quilómetros». Um destino turístico, esclarece, faz-se pela «oferta de um conjunto de elementos», que contemplam «o património material e imaterial, os produtos do território, os restaurantes», respondendo a um conjunto de questões como “onde ficar”, “onde comer”, “o que visitar”, “os serviços que existem”. «Tábua tem que fazer uma auto-estrada muito grande para chegar a esse ponto e se afirmar como destino turístico», considera Vítor Pais. Um desafio que passa, designadamente, por uma «restauração de qualidade, que não existe». Também «não há um posto de turismo» e «às nove da noite está tudo fechado». «Tábua ainda não sente nem vive turismo», conclui. Todavia, «a autarquia está perfeitamente
Renovado hotel veio colmatar uma lacuna em term
consciente disso, tem essa visão e tem vindo a fazer um esforço» nesse sentido. «Tábua nunca “pensou”turismo e é preciso “pensar turismo”. E um caminho para percorrermos juntos», que demora o seu tempo, assume, e onde o Luna Hotel e Tábua representa um elo fundamental. «Somos o elemento energético para fazer andar a carruagem», assume Vítor Pais, empenhado em dar o seu melhor para ajudar Tábua «a despertar para turismo».
“Serviço personalizado” garante bons resultados A capacidade de atracção do hotel apresenta, para já, resultados animadores, embora a pandemia tenha obrigado ao encerramento da unidade, que se mantém de portas
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90 anos com Tábua Luna Hotel de Tábua
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Faltam recursos humanos na área da hotelaria
mos turísticos e reforçar a aposta no sector
abertas praticamente desde Maio. Além de uma ampla oferta de qualidade, o “segredo” está no «serviço personalizado», diz o director, apontando a equipa, actualmente com 31 funcionários, que garante um «acolhimento» de referência. Uma «equipa jovem, fantástica, que sabe criar empatia com os clientes», elogia. «Estes pequenos requisitos fazem a diferença e fazem com que as pessoas se sintam em casa e voltem», afirma. Um tratamento 5 estrelas no Luna Hotel de Tábua que abre portas a um “até já” e à fidelização dos clientes. Um dado que o director associa, também, ao impacto da «marca Luna, que está em todo o país». De resto, a Tábua chegam clientes que já estiveram em hotéis do Grupo e Vítor Pais destaca particularmente a proximidade
da unidade hoteleira Serra da Estrela, que «também ajuda a alavancar este projecto». Vítor Pais faz um balanço positivo deste período inicial de funcionamento. «Temos um cliente essencialmente nacional», com 98% da ocupação da unidade imputada ao mercado nacional, designadamente turistas vindos do Norte, do Porto, Trás-os-Monte e Minho. A presença de estrangeiros é residual. «São muito poucos e de passagem», diz, apontando alguns espanhóis, mas também ingleses, belgas e holandeses, grande parte dos quais ligados aos muitos estrangeiros que estão radicados na região. Satisfeito, o director destaca a estadia média de «cinco noites», registada em Agosto. «Foi excelente», afirma, destacando
Com 31 funcionários, actualmente o Luna Hotel de Tábua depara-se com um problema de falta de recursos humanos. Uma realidade que não é característica de Tábua – embora já no passado, no Tempo do Hotel Turismo essa falta se fizesse sentir – mas transversal a toda a região Centro. «Não há recursos humanos para trabalhar no turismo», afirma, considerando que este é o «maior desafio» que se coloca actualmente a toda a indústria hoteleira. «Não há cozinheiro, não há empregados de mesa, não há pessoas para limpeza de quartos», esclarece, lamentando, ainda, a falta de «pessoas disponíveis para aprender». «Em termos de recursos humanos estamos a fazer a travessia do deserto. No caso de Tábua, é o Saara todo inteiro», brinca. As dificuldades de recrutamento “obrigam” o hotel a ter actualmente uma equipa de 31 funcionários. «Precisamos de mais um ou dois em cada departamento», reconhece o director. a presença de famílias, que ali se instalaram, «como se fosse um resort», e que, além de usarem a piscina e as várias valências de bem-estar do hotel, empreenderam pequenas viagens de visita à região. «Correu bem», sublinha, acreditando que o «“feedback” foi bom» e que esta presença de famílias, em opção de férias é uma possibilidade com horizontes de futuro.
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Sarah Beirão 90 anos com Tábua
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SARAH BEIRÃO: UMA MULHER À FRENTE DO SEU TEMPO 1880-1974 Inconformada, irreverente e interventiva, a escritora, natural de Tábua, deixou uma vasta obra literária e um legado marcado por uma participação cívica activa e por uma relevante preocupação social e filantrópica
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scritora de renome, foi uma defensora de todas as artes e fundou a primeira Casa do Artista criada em Portugal. Mulher culta e independente, foi uma consagrada feminista, que lutou pela emancipação da mulher e pelos seus direitos. Sarah Beirão foi, ainda, uma pioneira na defesa dos animais. Uma mulher de causas e de valores que sempre teve uma paixão enorme pela sua terra natal, que procurou promover e valorizar das mais diversas formas. Uma personalidade irreverente, inconformada e filantropa, que deixou a sua marca. Sarah Beirão nasceu no dia 30 de Julho de 1880, em Tábua. Filha de Maria José da Costa Mathias, natural de Sevilha (Tábua) e do médico Francisco de Vasconcellos Carvalho Beirão, natural de Casas Novas, São João de Areias (Santa Comba Dão), cedo perfilhou os ideais republicanos defendidos pelo pai e, em tempos da monarquia, fez a diferença. Em 1909, começa a envolver-se politicamente, secretariando o primeiro comício republicano efectuado em Tábua. Segue-se a inauguração do Centro Republicano Tabuense, presidido pelo seu pai. No mesmo ano ingressa na Liga Portuguesa da Paz e na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, dinamizando a constituição do núcleo de Tábua desta organização dedicada à defesa da emancipação da mulher. Um prelúdio da intervenção mais acesa que, mais tarde, em Lisboa, vai assumir, a partir de 1928, onde integra o chamado “Grupo das Treze”, que se assume como uma referência no combate à ignorância e às superstições, ao dogmatismo e conservadorismo religioso que proliferava na sociedade portuguesa e que impedia o sufrágio feminino. Integrou, ainda, o Con-
Sarah Beirão escritora e jornalista
selho Nacional das Mulheres Portuguesas, do qual foi vice-presidente e presidente da direcção. «Morreu, possivelmente, sem perceber que o 25 deAbril significava a concretização, a abertura para muitas das suas lutas relativamente aos direitos da mulher», afirma Fátima Pais, técnica superior do município de Tábua, que tem feito alguma investigação sobre a vida e a obra de Sarah Beirão. A escritora morreu no dia 21 de Maio de 1974,
menos de um mês depois da “revolução dos cravos”. Tinha 93 anos e «estava muito debilitada» e, por isso, não terá percebido que a revolução vinha consagrar «alguns dos seus anseios de vida» relativamente à mulher. Fátima Pais lembra que Sarah Beirão fez a sua formação académica e entendia que «todas as mulheres deviam ter acesso à educação, ao estudo», de forma a «terem possibilidade de crescer e singrar na vida de forma autónoma, viverem do seu trabalho, serem independentes, terem condições para viverem sozinhas, sem estarem dependentes ou subjugadas aos maridos». «Ricos e pobres devem dar às filhas uma profissão. As que não querem ou não podem tirar um curso superior, sejam encadernadoras, luveiras, modistas, rendeiras, seja o que for, que honestamente as preserve da fome e dos caprichos do acaso», dizia Sarah Beirão, na conferência “A Mulher na actual civilização”, realizada nos anos 20, no Ateneu Comercial do Porto. Com formação em artes (Design) e a trabalhar na Biblioteca Municipal de Tábua, Fátima Pais foi desde criança “despertada” para a personagem invulgar de Sarah Beirão. O seu pai, António Pais, foi o grande responsável, conta, uma vez que trabalhou, ainda jovem, com a escritora e com o marido,António Costa Carvalho. «Foi chauffeur de Sarah Beirão e secretário do comendador», recorda, numa altura em que o casal já tinha alguma idade. Jovem, acabado de cumprir o serviço militar, António Pais acompanhou o casal em várias viagens, assistiu à criação da Fundação e, inclusivamente, revelou à filha uma das facetas menos conhecidas da escritora: a de pintora. Uma informação preciosa, que levou Fátima Pais a procurar essas obras, no espólio
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Sarah Beirão 90 anos com Tábua
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Perfil Sarah de Vasconcelos Carvalho Beirão nasceu no dia 30 de Julho de 1880, em Tábua. Realizou os seus estudos académicos no Porto e aos 18 anos iniciou a sua carreira em vários jornais, com o pseudónimo Álvaro de Vasconcelos. Cedo deu início à sua intervenção política, primeiro em Tábua, depois em Lisboa, onde presidiu à Liga Nacional de Defesa os Animais (1938) e ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (1935-1941). Escreveu contos, peças de teatro e sobretudo romances: Serões da Beira (1929), Cenas Portuguesas (1930), Amores no Campo (1931, considerada a sua obra prima), Raúl (1934), Os Fidalgos da Torre (1936), O Solar da Boa Vista (1937), Clara (1939), Sozinha (1940), Surpresa Bendita (1941), Alvorada (1943), Prometida (1944), Triunfo (década de 50), Manuel Vai Correr Mundo (década de 50), Um divórcio (1950), Destinos (1955) e A Luta (1972). Com 30 anos, a 15 de Setembro de 1910, casou com António da Costa Carvalho Júnior. A 27 de Outubro de 1948 foi galardoada com o título de Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada. Sem filhos, o casal criou a Fundação Sarah Beirão e António Costa Carvalho, que deu forma à Casa do Artista, inaugurada em 1964. Sarah Beirão faleceu no dia 21 de Maio de 1974, em Tábua, com 93 anos. O seu nome está perpetuado na sua terra natal, através do Jardim Sarah Beirão e na Fundação, hoje uma IPSS. O município está empenhado em reabrir o Museu Sarah Beirão. doado à Câmara Municipal. E encontrou, efectivamente, «uma série de pinturas de Sarah Beirão». Obras que integraram uma exposição, efectuada em Julho passado, no âmbito das comemorações dos 20 anos da Biblioteca Municipal João Brandão. Na sala que tem o nome de Sarah Beirão foram expostos os quadros da escritora. «Muitas
Jardim no centro da vila tem o nome de Sarah Beirã
pessoas ficaram admiradas com a qualidade das obras», diz Fátima Pais, para quem é claro que «Sarah Beirão teve formação em pintura». Já agora, registe-se que a escritora «também tocava piano». Um dos pianos faz parte do espólio existente na Câmara. Outro está na Fundação. «Esteve sempre ligada às artes», realça Fátima Pais, que destaca as tertúlias que a escritora promovia em Lisboa, na Casa dos Tabuenses, e em Tábua. «A sua intervenção não se limitou à escrita, era também uma dinamizadora das artes», acrescenta, embora reconheça que Sarah Beirão se tornou conhecida «sobretudo pelos seus romances, pelos contos e também por algumas peças de teatro». Sarah Beira começou bem cedo, com 18 anos, a sua carreira literária, escrevendo em vários jornais, designadamente n’ “O Tabuense”, fundado pelo seu pai, no “Beira Alta”, na revista “Humanidade”, onde se serviu de um pseudónimo, um nome de homem, Álvaro de Vasconcellos. «Era normal na época», afirma Fátima Pais, que esteve para ser afilhada de baptismo de Sarah Beirão. Já com alguma idade, o casal queria que o jovem chauffer e secretário e a sua esposa ficassem ao seu serviço. Todavia, os dois jovens resolveram seguir outro rumo, mantendo, muito embora, contacto com a escritora e com o comendador. Quando nasceu a primeira filha, Fátima, o pensamento foi convidá-los para padrinhos de baptismo. «O meu pai contou-me isto há pouco tempo», refere Fátima Pais. A relação só não se concretizou por excesso de zelo dos seus pais, que não quiseram correr o risco de más interpretações e equívocos, tendo em conta que o casal não tinha filhos e, como tal, não tinha herdeiros directos.
Sarah Beirão cresceu na colaboração com jornais e revistas de maior dimensão, como O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto, Diário de Notícias, Diário de Lisboa, A Madrugada, Alma Feminina, O Figueirense, Jornal da Mulher, Jornal de Notícias, Modas & Bordados, Portugal Feminino, O Século, O Século Ilustrado, Serões, Vértice, Diário de Coimbra e nos jornais brasileiros Diário Português e Vida Carioca. No Diário de Coimbra publicou vários contos, o primeiro dos quais anunciado em Junho de 1930 – no segundo mês de publicação do jornal - “Mefistófoles no Campo”, publicado em três edições. “Um Fanfarrão”, “Juramento Fatal”foram outros dos contos divulgados pelo Diário de Coimbra, onde Sarah Beirão também assina um texto jornalístico, “OAlcazar Real de Sevilha – Quien no há visto Sevilha no há visto maravilha”, onde apresenta o seu testemunho real e sentido da visita que efectuou a este emblemático monumento.
A primeira Casa do Artista «Idealizou a Casa doArtista», conta Fátima Pais, recordando que o seu pai andou «de porta em porta a recolher as mobílias» para preparar os quartos destinados aos artistas. Uma ideia fantástica, pioneira que, anos mais tarde seria replicada, faz notar, por Armando Cortez e Raul Solnado, que, na década de 90, se empenharam na criação da Casa do Artista em Lisboa. «A ideia era, quando os artistas se reformassem, terem aqui a sua casa», explica, destacando o espírito vanguardista, «à frente do seu tempo» deste projecto. «Nos anos 60 não seria fácil», faz notar, tendo em conta um conjunto de dificuldades que, à
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época, eram mais relevantes, designadamente no que se refere a «acessibilidades, rede de transportes e, inclusivamente, oferta cultural que, naquele tempo, seria praticamente inexistente em Tábua». «Numa grande cidade, seria mais fácil do que em Tábua», adianta. E, efectivamente, a Casa do Artista, inaugurada em 1964, num solar do século XVII, na Quinta dos Freixos, onde nasceu a escritora, acabou por ver a sua vocação mudar de rumo. Uma alteração estatutária, efectuada em 1985, transformou a Fundação Sarah Beirão/António Costa Carvalho, entidade gestora da Casa do Artista, numa instituição particular de solidariedade social (IPSS). O seu desígnio manteve-se: apoio aos mais velhos, mas num sentido lato e abrangente do termo, com serviços de lar, centro de dia e apoio domiciliário. Os artistas continuam, todavia, a ter prioridade. A Fundação Sarah Beirão criou, ainda, a Casa da Criança Sarah Beirão e o Lar Sarah Beirão, em Travanca de Lagos, concelho de Oliveira do Hospital, terra natal do comendador António Costa Carvalho.
90 anos com Tábua Sarah Beirão
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Promover o nome de Sarah Beirão Sarah Beirão é uma das personalidades ilustres que o município faz questão de enaltecer. O presidente da Câmara garante que um dos objectivos do executivo é «reabrir o Museu Sarah Beirão». Em causa está um edifício doado pela escritora ao município, onde actualmente está a funcionar a Escola Profissional. A transferência deste estabelecimento de ensino para um novo espaço, na zona industrial, no edifício CULTIVA, vai permitir concretizar este desígnio. «Pretendemos criar naquele espaço o Museu Municipal Sarah Beirão e Comendador Costa Carvalho», afirma Ricardo Cruz, que pondera a instalação, no mesmo edifício, no centro da vila, perto da biblioteca, de um “welcome centre” para o turismo. A Biblioteca Municipal tem sido um dos espaços de eleição para a promoção
da escritora e da sua obra, com a realização de diversas iniciativas. Este ano foi a exposição de pintura, que deu a conhecer esta faceta menos conhecida de Sarah Beirão. Em 2013, a biblioteca promoveu uma grande exposição sobre a escritora, através de um conjunto de painéis, onde se apresentou a família, designadamente o parentesco com José da Silva carvalho, conselheiro do rei, um dos paladinos do liberalismo em Portugal (primo de Sarah Beirão), a biografia de escritora, apresentação da Fundação e dos romances e contos que publicou.
Câmara Municipal está empenhada na reabertura do Museu Sarah Beirão
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Sarah Beirão 90 anos com Tábua
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A MORTE DE SARAH BEIRÃO 1974 Doente há muito,
escritora faleceu no dia 21 de Maio de 1974
H
á muito que o debilitado estado de saúde de Sarah Beirão deixava antever o pior. Aconteceu no dia 21 de Maio de 1974. Na primeira página, ilustrada com uma fotografia, o Diário de Coimbra dá notícia do falecimento de «uma das mais ilustres colaboradores deste jornal», que, «além das suas qualidades de escritora e jornalista, sempre foi uma distinta Senhora, em toda a acepção e significado da palavra». O jornal recorda que Sarah Beira começou a suas «lides nas letras» com 18 anos, «escrevendo sob pseudónimo» para vários jornais de província. Rapidamente se destacou na sua carreira literária, «através de brilhante colaboração em revistas literárias nacionais, uma secção periódica em “O Primeiro de Janeiro”, do Porto». Refere, ainda, a sua colaboração com o Diário de Coimbra, onde publicou vários contos, jornal pelo qual «manifestou sempre particular carinho». Recorda que presidiu ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e o grande número de romances
que publicou, alguns «reeditados mais do que uma vez e que dão bem nota, pelo acolhimento que tiveram, do quanto a escritora era querida». «Utilizando um estilo simples, mas a que não faltaram os atributos essenciais a uma escritora de estirpe, Sarah Beirão conquistava todos os que a liam», refere o jornal. «Esposa extremosa», «espírito de eleição», a filha do Dr. Beirão - «denodado e integro republicano dos tempos da monarquia, que da Medicina fez um sacer-
dócio» - «foi sempre um coração generoso, que amou estranhamente as Beiras, as suas gentes humildes, e a sua vila de Tábua, que hoje a chora, e a que deixa inconfundivelmente ligado o seu nome». Sarah Beirão foi casada com o comendador António Costa Carvalho, «um intransigente democrata e lutador» -e «Tábua deve no benemérito casal a Fundação que tomou o seu nome, as valiosas doações aos seus bombeiros, a Biblioteca-Museu em acabamento», escreve o Diário de Coimbra, que refere, ainda, a criação da Casa da Criança Sarah Beirão em Travanca de Lagos, no vizinho concelho de Oliveira do Hospital, de onde era natural o comendador. O funeral de Sarah Beirão - «que iria completar 94 anos de idade» - era anunciado para esse mesmo dia, às 15h00.
Diário de Coimbra recorda o carinho da sua colaboradora
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FUNDAÇÃO SARAH BEIRÃO: UM OLHAR ATENTO AO PRÓXIMO 1964 Numa cerimónia presi-
dida pelo Presidente da República, Américo Tomás, assistia-se, em Setembro de 1964, à inauguração da Casa do Artista
A
cantora lírica Natália Barbosa de Andrade foi uma das utentes. Etelvina Lopes de Andrade, escritora, deputada da Assembleia da República, artista da rádio e defensora dos direitos das mulheres foi outra. Primeiro esteve nos órgãos sociais, depois foi utente. Situação semelhante aconteceu com Francisco Igrejas Caeiro, actor, locutor da rádio e apresentador da televisão, responsável pelo icónico programa “Os Companheiros da Alegria” e também director artístico do Teatro Maria Matos, em Lisboa, que liderou a instituição entre 1980 e 2008. Falamos da Fundação Sarah Beirão – Comendador António Costa Carvalho, um projecto com o cunho pessoal do casal, instalado na Quinta dos Freixos, que teve na Casa do Artista a sua grande obra. A inauguração aconteceu no dia 27 de Setembro de 1964 e contou com a presença do Presidente da República, Américo Tomás. Um acontecimento relevante que o Diário de Coimbra destaca na primeira página, com uma foto na qual Américo Tomás e Sarah Beirão procedem ao “corte da fita”. Num longo artigo, o jornal explica a obra altruísta dos seus fundadores, que teve o seu início a «16 de Setembro de 1960 – data que ficará registada na história assistencial do país, como um facto dos mais altruístas
Antiga Casa do Artista é hoje um lar residencial para seniores
em favor dos escritores e artistas», escrevia o Jornal, referindo-se ao desejo, então expresso por Sarah Beirão pelo marido ao ministro da Saúde e Assistência, Henrique Martins de Carvalho, de «criarem uma Fundação destinada à assistência e repouso dos escritores portugueses diminuídos física e economicamente». Uma «obra grandiosa (…) que o senhor Presidente da República, almiranteAmérico Tomás, ontem inaugurou», continuava o jornalista. Considerando a sua presença «uma obrigação», o Chefe de Estado lembrou que, três anos antes, tinha assinado o diploma que conferia a Sarah Beirão e ao marido o grau de comendador da Ordem de Benemerência, insígnias que entregou a
Costa Carvalho. Na cerimónia, que contou com a presença das mais ilustres personalidades e de vários artistas de renome, como Lúcia Maria, Laura Alves, Assis Pacheco, o escritor Luís de Oliveira Guimarães fez o elogio deste empreendimento. «O que parecia inviável realizou-se», afirmou, enaltecendo «a bondade de Sarah Beirão e de António Costa Carvalho que fez o milagre desta obra». O edifício, demoradamente visitado pela comitiva, apresentava um salão de festas com 90 m2, um terraço com 140 m2, sala de jantar e «40 quartos magnificamente mobilados». Uma grande mata, jardins e pomar rodeiam o edifício, «onde os escritores e artistas podem passear», acrescentava o
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Fundação Sarah Beirão 90 anos com Tábua
articulista, que anunciava a «primeira artista a dar entrada na Fundação: a sra. D. Cremilda de Oliveira, que foi uma das primeiras artistas dramáticas e conta 76 anos». Começava a funcionar a primeira Casa do Artista existente no país, um projecto que já por diversas vezes tinha sido tentado, sem êxito e que Sarah Beirão e Costa Carvalho conseguiram concretizar em Tábua. Todavia, apesar da solidez do projecto , foi necessário reconverter a sua função, muito embora mantendo a matriz solidária que lhe deu origem, alargando o leque de destinatários a toda a comunidade de idosos. Uma directriz consagrada a 30 de Outubro de 1985, com a aprovação da alteração dos estatutos da Fundação. Mas mantém-se firme a «vontade dos fundadores de acolher escritores ou artistas» que pretendam recolher-se em Tábua, sublinha Marisa Bernardo, presidente da direcção. Em funções desde 30 de Julho de 2021, a presidente – a primeira mulher nestas funções - lembra que este novo desafio, «necessário», para «dar resposta aos idosos que precisavam de apoio», se enquadra no «espírito solidário» e na «humildade» que definia Sarah Beirão e em nada o defrauda. Recorda, de resto, que nos finais da década de 90 abriu a Casa do Artista, em Lisboa, uma estrutura certamente mais atractiva para a comunidade de escritores e de artistas, facto que veio reforçar a ideia de um novo aproveitamento para o amplo edifício, erguido na Quinta dos Freixos. As crescentes necessidades ditaram a ampliação das instalações, inauguradas em Julho de 1997, pelo então secretário de Estado da Inserção Social, Rui Ferreira da Cunha. A obra envolveu a construção de mais 13 quartos com casa-de-banho, dois escritórios, recepção, posto médico, enfermaria, cabeleireiro, salas de espera e de reuniões, dois salões, três armazéns, lavandaria, jacuzzi, casas das máquinas, garagem e uma capela. A estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) tem actualmente capacidade para 75 utentes, acordados com a Segurança Social, e está lotada. A Fundação garante, ainda, serviço de apoio domiciliário a 20 utentes. São também 20 os utentes do centro de dia, que a pandemia veio deslocalizar para S. João da Boa Vista, «para evitar entradas e saídas, tendo em conta a ERPI». Aqui, em S. João da Boa Vista, existe uma «extensão do lar», criada em 2012,
com capacidade para acolher 16 utentes, que constitui «uma resposta de proximidade à comunidade».
Garantir mais conforto e qualidade aos utentes Marisa Bernardo está empenhada em manter a Fundação activa e garantir uma resposta de qualidade e de conforto aos utentes, por isso defende a necessidade de requalificar o edifício, que «já tem alguns anos e precisa de uma intervenção, para garantir o bem-estar dos utentes». Obras que incluem, igualmente, a criação de «mais quatro quartos» e que representam um investimento na casa dos 450 mil euros. A candidatura está feita, adianta. Outra das preocupações centra-se no vasto espaço exterior, que inclui jardins, pomar e uma vasta franja florestal.«É um espaço belíssimo, que queremos que os nossos utentes possam usufruir», diz. Um espaço que, no entender de Marisa Bernardo também poderá ser, no futuro, melhor aproveitado pelas famílias dos utentes, designadamente durante as visitas. A eficiência energética é outra das áreas que, num futuro breve, irá merecer uma atenção. Com 53 funcionários, a instituição, à semelhança do que acontece com outras entidades e empresas do concelho, vê-se confrontada com «falta de pessoal». «As pessoas não querem trabalhar nesta área», afirma a presidente, lembrando que os «idosos precisam de cuidados todos os dias», o que implica fins-de-semana e feriados. Destaca, ainda, o «bom trabalho» que todos os profissionais, nas diferentes áreas, têm feito.
Marisa Bernardo preside à Fundação
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Promover o nome e a obra de Sarah Beirão Promover o nome e a obra e Sarah Beirão é outro dos propósitos do conselho de administração da Fundação, que se tem preocupado com a reedição da obra da escritora, autora de 16 livros, dois de contos, “Serões da Beira” e “Cenas Portuguesas”, dois livros infantis, “O Raul” e “Manuel Vai Correr Mundos” e 12 romances. A mais recente reedição, feita há dois anos, foi do romance “Amores no Campo”, considerado a obra prima de Sarah Beirão, cuja primeira edição data de 1931 e que vai na 14.ª edição. Marisa Bernardo, que também é presidente de Junta de Freguesia de São João da Boa Vista, destaca a colaboração com o Agrupamento de Escolas de Tábua e com a Escola Profissional Eptoliva, designadamente com a atribuição do Prémio Sarah Beirão. Defendendo a «importância de um destaque mais institucional ao nome e à obra de Sarah Beirão», Marisa Bernardo refere que actualmente se fala muito em igualdade de género, mas a grande maioria das pessoas desconhece o pioneirismo de várias mulheres, designadamente da escritora de Tábua, na defesa dos seus direitos. Sarah Beirão foi, sublinha, uma «feminista» e uma grande defensora do acesso à educação e ao mercado de trabalho, ferramentas que considerava essenciais para garantir a sua independência. Além de criar a Fundação, o casal teve a preocupação de, em testamento, deixar um conjunto de bens que garantissem a sustentabilidade e o funcionamento desta estrutura, designadamente prédios em Alvalade e Campo de Ourique e várias lojas. Um património que, independentemente de representar um rendimento, também exige atenção, designadamente obras de modernização e manutenção, que importa acautelar.
90 anos com Tábua Aquinos
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SOFÁS E COLCHÕES QUE CONQUISTAM O MUNDO
Grupo Aquinos tem cinco unidades fabris e um centro de investigação na zona industrial de Sinde/Espariz
1985 Estofos Aquinos, a empresa criada pelos três irmãos, Carlos, António e Jorge Aquino, cresceu e multiplicou-se. 36 anos depois, o Grupo é líder incontestado do mercado, com um volume de negócios na ordem dos 370 milhões de euros
S
ão 200 camiões. Todos os dias. Chegam vazios. Saem carregados de colchões ou sofás. O destino é, sobretudo, além-fronteiras, com mais de 90% da produção carreada para exportação. Trinta países. Quatro continentes. É o mundo Aquinos a funcionar, na zona industrial de Sinde/Espariz. São cinco fábricas, às quais se junta um centro de investigação e desenvolvimento. E 1.500 funcionários. Um projecto empresarial de referência, conhecido e reconhecido nacional e internacionalmente, que começou há 36 anos. CarlosAquino, CEO e accionista maioritário do Grupo, sempre foi o “capitão da equipa”,
que conta com mais dois irmãos, António e Jorge. Jovens, dinâmicos, empreendedores, criaram uma empresa, ali, na sua terra natal, em Tábua. Carlos trabalhou numa empresa de estofagem, aprendeu a arte, ganhou-lhe o gosto e desafiou os irmãos a embarcarem nesta aventura. Nasce, assim, em 1985, a Estofos Aquinos. A primeira de muitas empresas, de um Grupo que foi crescendo à medida das necessidades. De forma sustentada, sólida, segura. Pedro Pinho, director de operações, há ano e meio no Grupo, está completamente conquistado pelo fascínio da Aquinos. «Somos indústria! Estamos aqui para produzir!», sublinha. Uma indústria que, histórica e
estrategicamente apostou no «volume», em «ganhar escala» e que se afirma como um dos maiores produtores mundiais de sofás e colchões. Os números não enganam. O Grupo tem capacidade instalada para produzir mais de um milhão de colchões/ano e dois milhões e 750 mil “assentos” (termo técnico aplicado aos sofás, que podem ser de um ou vários assentos). Mas antes de chegar ao topo, cumprem-se etapas. E foram essas etapas que, de forma consolidada, foram definindo a estratégia do grupo e a sua arte de bem-fazer. «A diferença entre o possível e o impossível está na nossa força de vontade».Aafirmação é de Carlos Aquino e além de ilustrar a
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Aquinos 90 anos com Tábua
«fascinante» personalidade do CEO, reflecte a estrutura mesma do Grupo. «Decidimos produzir os nossos componentes», afirma, apontando a criação da unidade de produção de molas e de fibra, em 2006 e, mais tarde, em 2015, a de produção de espuma. Significa que estes componentes, fundamentais para a produção, são produzidos dentro do Grupo, juntando-se ao projecto da carpintaria, o primeiro, que data de 1995. «Não produzimos a matéria-prima, apenas os componentes», faz notar Pedro Pinho, apontando a necessidade de importar, designadamente aço para a produção de molas e de produtos químicos para as espumas e para as fibras. Todavia, esta produção própria que alimenta a linha de montagem, garante uma independência significativa, alargando o circuito de intervenção e de abrangência do grupo. Um circuito que não se limitou a Tábua. Antes cresceu, igualmente, nos vizinhos concelhos de Nelas, primeiro (2014) e Carregal do Sal (2017), depois, com a produção de sofás e sofás-cama, respectivamente. Mas também galgou fronteiras. Em França, o Grupo adquire, em 2016, uma primeira empresa, de sofás com cama integrada e, em 2019, uma segunda dirigida ao segmento alto.Adquire, ainda, uma fábrica na Polónia. E novos investimentos estão para breve…
Produção assente na manufactura O “coração” do Grupo está em Tábua, onde se concentra o maior número de unidades fabris e de trabalhadores, 1.500. Nas fábricas de Carregal e Nelas são 700, em França 400 e na Polónia 250 colaboradores. A explicação é simples: por mais que as máquinas possam fazer não há máquinas que substituam a mão humana no negócio dos colchões, mas sobretudo dos sofás. «Todas as coberturas são cortadas e costuradas», exemplifica Pedro Pinho. E vai mais longe, apontando o complexo processo de estofagem. «É preciso montar o casco, colocar a espuma, colar, “vestir” e agrafar». Operações que são feitas por mãos humanas. «Um sofá não se faz com máquinas», destaca, salientando que se trata de uma indústria onde a manufactura tem um peso significativo e que, por isso, carece de muita mão-de-obra. «Somos uma empresa industrial e o produto que fazemos é feito por pessoas, não por máquinas» Se é verdade que são muitos os trabalhadores, também é verdade que há sempre
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Centro de investigação de novos produtos
São 1.500 trabalhadores em Tábua
falta. «Se hoje nos aparecessem 100 pessoas com as características que precisamos, eram contratadas de imediato», garante o director de operações daAquinos Indústria. «Temos mercado, temos necessidade, temos clientes para essa mão-de-obra», afirma. A contratação é uma das dificuldades do Grupo, particularmente em Tábua, onde os índices de desemprego são residuais. «É importante saber que as pessoas têm emprego e têm possibilidade de escolha. Isso obriga-nos a ser competitivos. É saudável», diz. O Grupo tem «permanentemente anúncios para contratar pessoas», adianta, destacando a parceria com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e outras entidades, no sentido de assegurar o recrutamento. A formação, na área da estofagem, é assegurada pela empresa. Diferente é o circuito de armazenamento e expedição onde os robots têm um papel fundamental. Isto porque a produção é embalada e armazenada, em disposição vertical, devidamente catalogada em «três armazéns automáticos, que não existem em mais lado nenhum». Para fazer face às encomendas, basta dar a ordem, o robot vai buscar o equipamento e coloca-o no tapete de expedição, pronto a entrar no camião. «Isto dá-nos uma grande atractibilidade junto do cliente», diz Pedro Pinho. A capacidade instalada de armazenamento cifra-se em 210 mil colchões e 130 mil assentos. Uma capacidade que permite «produzir e armazenar quando a procura é mais baixa e dar resposta quando há picos», explica. A época alta, em termos de procura, situa-se no segundo semestre do ano.
Uma equipa de engenheiros, designers, profissionais de marketing e técnicos trabalha no Centro de Investigação e Desenvolvimento. Trata-se de um espaço onde se desenvolvem projectos, desenham protótipos, fazem testes laboratoriais, ensaios de resistência. Um espaço de criação, onde o Grupo Aquinos ensaia novas propostas, novidades que apresenta aos seus clientes. «Somos pró-activos», sintetiza Pedro Pinho. Mas os clientes, as marcas que estão no mercado, também «têm os seus criativos, os seus designers e apresentam-nos as suas ideias e propostas. São duas vertentes. Criamos e aceitamos propostas. Nenhuma é mais importante que a outra», assegura. Apesar da «verticalização da produção», o que significa que foram criadas unidades fabris que produzem grande parte dos componentes necessários à linha de montagem, como espuma, fibra e molas, o Grupo tem que adquirir as matérias-primas, designadamente produtos químicos e aço. Por isso tem escritórios em Hong Kong e na China. É necessário, garante Pedro Pinho, lembrando que é da Ásia que vêm grande parte das matérias-primas e em volumes muito significativos.
Aposta no retalho A indústria, a produção, é o centro nevrálgico do Grupo Aquinos, onde estão concentradas praticamente todas as energias. Todavia o retalho também faz parte desde mundo imenso. Um projecto que arrancou em 2018, com a aquisição da Colchãonet, a maior rede de lojas em Portugal dedicada ao sector do descanso, acessível em mais de 30 localizações de Norte a Sul do país. Um segundo passo foi dado em 2020, com a aquisição das lojas Gato Preto, uma marca líder e com forte presença em toda a Península Ibérica, que conta actualmente com 41 lojas em Portugal e 26 em Espanha.
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Aquinos 90 anos com Tábua
Desafios para o futuro
Produção exige muita mão-de-obra
Armazéns automáticos são únicos
Numa rota de crescimento contínuo e sustentado, são vários os desafios que se colocam ao Grupo. Um, fundamental, prende-se com as «cadeias de abastecimento», designadamente no que se refere à aquisição de matérias-primas, sem esquecer os desafios em termos de mão-de-obra, tendo em conta que se trata de uma empresa de mão-de-obra intensiva. Há ainda «desafios que partilhamos com os nossos clientes», uma vez que «o perfil do consumidor está a mudar» e é necessário ter uma atenção constante e criar «capacidade de resposta». Um dos exemplos prende-se com as compras online que a pandemia veio agigantar. «Cada vez há mais pessoas a entrarem no site dos nossos clientes e menos nas lojas pelo que os nossos clientes pedem-nos ajuda», faz notar, destacando, nomeadamente, novas soluções que se terão de perspectivar em termos de
entrega ao consumidor, tendo em conta que estão a crescer o número de empresas que trabalham exclusivamente online. Outra questão prende-se com o “arrependimento” e a devolução, consagrada pela lei. «O consumidor encomenda um artigo, recebe-o em casa, não gosta e tem o direito de devolver e ser ressarcido», o que implica toda uma logística, a montante e a jusante, que tem de ser criada e para a qual o grupo está sensibilizado. «Não somos o rosto visível, esse é o dos nossos clientes, mas temos que ajudar a encontrar respostas», conclui Pedro Pinho. Outro dos desafios prende-se com a reestruturação da estrutura do Grupo, iniciada há cerca de dois anos, com o objectivo de «criar equipas de gestão focadas nas diferentes áreas», capazes de dar resposta às múltiplas necessidades de um universo empresarial que tem crescido de forma
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exponencial e que hoje é um gigante mundial na produção de sofás e de colchões. Um desafio plasmado na «necessidade de atrair quadros para Tábua e formar equipas». Um trabalho que não pode ser feito à distância. «Somos produção», lembra Pedro Pinho. Isso significa que «temos de estar aqui, temos que estar na fábrica».
Responsabilidade social Dentro de portas, não há uma criança que nasça e que não tenha um cabaz com um conjunto alargado de produtos seleccionados. No regresso às aulas, as crianças recebem, tradicionalmente, uma mochila (a pandemia obviou este “kit”, reconvertido em apoio monetário). Há formação continua para os colaboradores e as datas, designadamente o Dia da Mulher, não passam sem um “miminho”. Exemplos das acções de responsabilidade social do Grupo, que responde praticamente sempre de forma positiva aos pedidos de apoio de todas as entidades. Particularmente relevante foi, sublinhe-se, a acção que desenvolveu depois dos incêndios de Outubro de 2017, que deixaram um rasto de destruição e morte em toda a região Centro. «O fogo andou aqui à porta. Pessoas e familiares que trabalham no Grupo perderam as suas casas», diz Pedro Pinho. Mas a estas juntaram-se muitas outras, centenas de famílias, que receberem colchões e sofás oferecidos pelo Grupo. «Ajudámos, era a nossa obrigação!», diz o director de operações que, na altura ainda não fazia parte da família Aquinos. Os administradores fazem, de resto, questão de manter silêncio sobre o assunto. «Ajudámos no que podíamos», é o único comentário que se ouve, num registo «orgulhosamente discreto». Também no quadro dos incêndios, o Grupo ofereceu uma viatura aos Bombeiros Voluntários de Tábua.
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90 anos com Tábua Grupo TAVFER
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NA LINHA DA FRENTE DOS CENTROS DE INSPECÇÃO AUTOMÓVEL 1994 O empresário Fernando Tavares Pereira estreia-se no negócios dos centros e inspecção automóvel, que chegou a liderar em todo o território nacional. Hoje são 39, de Norte a Sul do país
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mpreendedor e homem de visão, Fernando Tavares Pereira percebeu que havia ali uma oportunidade. Aconteceu nos finais da década de 80 do século passado, com a publicação do diploma legal que estabelecia a obrigatoriedade das inspecções automóveis. «Qualquer pessoa podia concorrer», recorda o empresário, que chegou a liderar o sector a nível nacional. «Hoje estamos entre os três grupos mais relevantes», adianta o fundador e líder do Grupo TAVFER, que detém um total de 39 centros de inspecção, espalhados por todo o território nacional. Com um lastro empresarial de referência, capacidade de investimento e um grande "know how” ao nível da construção de pavilhões e estruturas metálicas, Fernando Tavares Pereira agarrou esta oportunidade. «Éramos auto-suficientes, não dependíamos de ninguém na área da construção civil», explica, o que significa que, após a compra dos terrenos, depressa se procedia à instalação do centro de inspecções. «Entre Julho e Dezembro de 1994 criámos 21 centros e inspecções, desde Viana do Castelo a Faro», adianta. E todos abriram até ao final desse mesmo ano. O primeiro foi na Guarda. Todavia, antes da entrada em funcionamento,
Grupo tem 39 centros de inspecção a funcionar em todo o país
foi necessário um longo ciclo preparatório de formação e qualificação do pessoal. Era uma experiência completamente nova em Portugal que envolveu uma colaboração estreita com a Direcção Geral de Viação, o Instituto Português da Qualidade e o CEPRA – Centro de Formação Profissional da Reparação Automóvel. «Foi necessário qualificar pessoas com formação superior, para depois garantir a formação de todos os funcionários», atesta. Com as marcas CIMA – Centro de Inspecção Mecânica de Automóveis, e InspeCentro – Inspecção Periódica de Veículos Automóveis, «chegámos a ter 44 centros de inspecções», recorda o empresário. Na fase de instalação, o investimento terá rondado «cerca de um milhão de contos, através da InspeCentro», a que acresce
«mais de um milhão de contos», imputados à CIMA, com a “fatia de leão”a corresponder à aquisição de equipamentos, que requerem uma atenção constante, tendo em conta a rápida evolução da tecnologia. Actualmente, o Grupo TAVFER tem 39 centros de inspecções a funcionar, o que representa um universo de cerca de 400 operacionais e um custo mensal de «dois milhões de euros/mês, sem despesas de manutenção ou equipamento». Apesar da “tranquilidade” com que decorreu o processo, tendo em conta a capacidade operativa e de investimento, o empresário recorda um “acidente de percurso”, em Oliveira do Hospital, onde se viu desapossado das acções da empresa, depois de um investimento que rondou um milhão de contos. «Um ano depois de me terem
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Grupo TAVFER 90 anos com Tábua
Garantir melhor distribuição Actualmente com 39 centros de inspecção em funcionamento, Fernando Tavares Pereira espera, mais do que concursos para instalação de novos centros, que a tutela dê abertura para a realização de «transferências». «Há regiões saturadas e outras sem centros», afirma, dando o exemplo da Figueira da Foz, que possui três centros de inspecções. Praticamente ao lado, nos concelho de Anadia e da Mealhada não há qualquer centro. O empresário também está expectante relativamente aos impostos, uma vez que, em 2015, a prestação devida ao Estado, subiu de 5 para 15% por inspecção. «A situação ainda não foi reposta», alerta, fazendo notar que o Estado recebe, tendo em conta este imposto, o IVA e a “ficha”, 50% do valor pago por cada inspecção. Aliás, esta pode ser uma das razões para o decréscimo da rentabilidade do negócio. «Já foi mais rentável», garante Fernando Tavares Pereira que, no universo de centros que gere aponta 30% que, neste momento «não são rentáveis», embora se mantenham em funcionamento. A pandemia ditou uma «quebra muito grande», da qual «ainda não recuperámos», afirma, recordando o longo período em que nos termos das regras impostas, os centros de inspecção foram obrigados a encerrar. Todavia, garante, «houve centros que não cumpriram as regras, estiveram abertos e não houve actuação da fiscalização», lamenta.
sonegado as acções, devolveram-nas, mas com quase dois milhões de contos de dívidas. Foi terrível!», diz, lembrando, com graça, que comprou duas vezes aquele centro de inspecções. «Estranhas» foram outras situações, mais recentes, com a abertura de mais um concurso para criação de novos centros, em 2013. «Foram-nos atribuídos nove centros, mas o concurso foi anulado». Foi lançado novo concurso, mas «as nossas empresas ficaram a zero». Um processo que ainda “corre” nos tribunais. No final da primeira década deste século, a TAVFER avançou para o mercado internacional, com a CIMA e a InspeCentro a demonstrarem a sua capacidade técnica e experiência em Moçambique, com a criação de sete centros de inspecções em outras tantas províncias – uma experiência pioneira - e na Argentina, com cinco centros, nas zonas de Córdoba e Buenos Aires. Hoje praticamente alienados. As alterações impostas pela lei, «cada vez
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mais exigente em matéria de segurança rodoviária», representam a necessidade de «mais investimento», refere. Todavia, o cerne do problema não está aí, pois «todos os dias é necessário renovar». O verdadeiro problema são as decisões arbitrárias e inconsequentes. A situação mais flagrante prende-se com o facto de o Governo ter antecipado – para 2016 - a entrada em vigor da directiva comunitária que obriga a inspecção das motos - e que não se concretizou. «Gastámos cerca de oito milhões de euros, temos 32 linhas montadas para motos totalmente paradas», refere o empresário. «Os sistemas estão, seguramente, ultrapassados», afirma, apontando os «equipamentos electrónicos», particularmente sensíveis a «problemas de humidade», que, certamente, não resistiram a seis anos de paragem. «Um investimento parado e que terá que ser substituído», lamenta, tendo em conta que só este ano as inspecções de motos vão avançar.
Um verdadeiro “self made man” Empreendedor nato, Fernando Tavares Pereira é um verdadeiro “self made man”que se orgulha das suas origens humildes e de uma vida de muito trabalho. «Sempre trabalhei muito!», diz, lembrando que «com 5 anos, andava nas feiras, a ajudar os meus pais». Vendiam comida e ao pequeno Fernando cabia a tarefa de servir as bebidas, «cervejas, águas, gasosas, pirolitos». «Com 7/8 anos, quando saía da escola, ia sachar o milho e regar as batatas», adianta. «Éramos oito irmãos e a vida não era fácil. Tínhamos de trabalhar para viver!», sublinha. Aos 10 anos começou a aprender uma “arte”, de serralheiro e «a fazer seguros, de vida, de carros, de motos, em Tábua, Oliveira do Hospital e Carregal do Sal». Mas não se ficou por aí. «Ajudava dois indivíduos da minha terra a vender carne e ferragens nas feiras». Em 1973, decidiu «deixar o patrão» e estabelecer-se por conta própria, com o irmão. «Na altura ganhava, como serralheiro, 500 escudos», diz, com orgulho, ciente que, à época, poucas seriam as pessoas que, na região, tinham aquele patamar salarial. Em 1974/75 cria, com 18 anos, a empresa Manuel Pereira & Irmão, a primeira do império que construiu, com projectos e empreendimentos em cerca de 70 concelhos e um total de 600 colaboradores, contribuindo para «o desenvolvimento do interior do país». Além de um trabalhador incansável, nos tempos da juventude ainda teve tempo para o
futebol. «Era o que havia». Uma paixão que o levou, mais tarde, a presidir ao Tourizense, que “levou” à terceira divisão nacional. Também teve uma intervenção associativa pertinente, presidindo à Agritábua – Cooperativa Agrícola de Tábua e à CooperativaAgrícola de Mangualde. Foi ainda presidente da Caixa de CréditoAgrícola Beira Centro, é sócio honorário de várias colectividades e recebeu a Medalha de Ouro do Politécnico de Viseu. Liderou a criação do MAAVIM – Movimento de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Outubro de 2017, que «apoiou milhares de pessoas». Fernando Tavares Pereira é também vereador (PSD) da Câmara de Tábua e integra, em quarto lugar, a lista de candidatos do PSD às legislativas. Esteve no processo de implementação dos Centros de Exames de Condução dos Bombeiros de Tábua e foi um dos promotores da criação do Núcleo de Desenvolvimento Empresarial do Interior e Beiras, ao qual presidiu, e que, entre outros projectos, teve um papel essencial na criação da BLC3. Um projecto que está empenhado em reactivar, no sentido de promover o desenvolvimento do interior. O empresário, que fundou a Escola de Estudos Avançados de Viseu, é um crítico do “vício”dos POC (programas ocupacionais) e um defensor acérrimo da formação profissional especializada. «Só com profissionais qualificados podemos querer que haja investimento no interior», sublinha.
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Aposta em diferentes sectores de actividade região do Douro e em Celorico da Beira, com o lagar instalado em Vila Nova de Tazem. Em Oliveira do Hospital, foi replantada uma área de cinco hectares de castanheiro e ao nível da floresta, Fernando Tavares Pereira destaca a plantação, no ano passado, de 50 hectares de pinheiro, em Tábua, Seia, Oliveira do Hospital, Celorico da Beira e Gouveia. Pinheiro manso e bravo, este da variedade “radeata”, que garante um crescimento mais rápido. «Dá corte a 10 anos e outro a 16», explica. Para o ano perspectiva plantar mais 20 hectares de pinheiro.
Fernando Tavares Pereira começou na área da serralharia e cresceu para o mundo
Fernando Tavares Pereira começou a sua actividade empresarial em 1974/75. Com um irmão, Manuel, criou uma empresa em nome individual, Manuel Pereira e Irmão, na área da serralharia. Foi o primeiro passo para um longo percurso. Em 1980, esta sociedade teve o seu término e nasceu, no ano seguinte, a Fertaper – Metalúrgicas Fernando Tavares Pereira. O empresário sai de Touriz e começa expandir os negócios. Primeiro para Oliveira do Hospital. Depois para toda a região Centro, para o Norte e para o mundo. Apostando, igualmente, em novas áreas. «Todos os empresários deveriam diversificar a sua actividade, porque nem sempre todas têm sucesso e todas têm o seu tempo de vida», alerta, fazendo jus à sua longa experiência. Um segundo alerta prende-se com a necessidade de reunir conhecimento. «Nunca sabemos tudo. O “sabe tudo”ainda não nasceu e nunca vai nascer», afirma. Por isso, «temos que saber o que queremos fazer e rodearmo-nos de pessoas competentes e honestas», aconselha. Depois da aposta na área da serralharia e metalurgia e da criação (1989/90) de uma fábrica de zincados e lacados para a construção civil e para o sector automóvel, em
Gouveia, o empresário investiu na construção civil, em escolas de condução e estendeu os seus interesses para a agricultura, que actualmente representa uma fatia significativa dos negócios. Com orgulho, Fernando Tavares Pereira aponta dois vinhos, tintos, galardoados com ouro nos concursos internacionais de Bruxelas e de Berlim e o segundo prémio obtido nos EUA. «Trazemos sempre medalhas de ouro de concursos internacionais», diz, apontando o Picos do Couto, Serrado e Duvalley como os néctares de eleição. Na região do Dão são cerca de 100 hectares, no Douro 70 e há duas adegas, uma em Penalva do Castelo e outra em Foz Côa. A produção ronda o meio milhão de litros , com 30 a 40% destinada a exportação. «Os vinhos têm de ser acarinhados», diz. A maçã representa outra das apostas, com 40 hectares, distribuídos por Touriz, Gouveia e Seia. «Talvez sejamos o maior produtor de fruta da região», diz, apontando, também, a aposta mais recente na produção de mirtilo e framboesa, com 10 hectares, que «tem corrido bem». O olival é outra das áreas. «Em Tábua ardeu tudo, teremos, no máximo, dois hectares», lamenta. Os 24 hectares de olival estão concentrados na
Investimentos do Grupo TAVFER têm especial relevo na zona Centro e Norte, envolvendo 70 concelhos do país A hotelaria e a restauração constituem outra das áreas de negócio do empresário, que actualmente possui três hotéis, em Seia, Celorico da Beira e na Praia da Rocha (Portimão), onde também possui um aparthotel. «Estamos a fazer um hotel em Midões», diz, referindo-se à reconversão do Palácio Valverde, que ardeu no incêndio de Outubro de 2017, empreitada que deverá estar concluída em meados deste ano e representa um investimento de um milhão e 800 mil euros. Trata-se de «um hotel de charme» que vai representar «uma mais-valia para o concelho e para a região». O sector da construção civil e do imobiliário continua em marcha, com um prédio praticamente pronto em Marvila (Lisboa), com 27 apartamentos, e ainda vários projectos em perspectiva para vários pontos do país. Os dois filhos, Nuno e Micael, são os seus “braços direitos”. Nuno está mais ligado à produção agrícola, sendo o cérebro da aposta nos frutos vermelhos e, mais recentemente, numa empresa de desinfectantes (álcool gel), com aromas. O mais novo, Micael, está mais vocacionado para a gestão hoteleira. O Grupo tem, ainda, uma central de compras.
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Mk Makinas 90 anos com Tábua
MK MAKINAS ACELERA NA PROMOÇÃO DO DESPORTO
Passeios de jipe promovem a descoberta das belezas naturais e do património da região
2006 Os desportos motorizados foram a base da associação, criada em 2006. À competição juntaram-se caminhadas, passeios, a pé, de bicicleta, de moto, jipe ou 4L
U
m grupo de amigos, amantes dos desportos motorizados, resolveu, em 2006, criar uma associação, com o objectivo de promover o desporto motorizado e dar a conhecer “fora de portas”as condições ímpares que o concelho oferecia para a prática da modalidade. Dos jipes às motos, sem esquecer as emblemáticas Renault 4L. Em registo de competição ou em passeios lúdicos e recreativos. Não faltaram as caminhadas e até descidas de carrinhos de rolamentos. Falamos da MK Makinas, uma associação dinâmica que desde 2014 tem sede junto ao Terminal Rodoviário e que também sabe conjugar o verbo ajudar, com iniciativas de carácter social e solidário. «Procurámos que a associação não estivesse unicamente focada nas quatro rodas», explica fonte da direcção. Por essa razão, ao longo destes 16 anos de vida, a MK Makinas promoveu um conjunto de outros eventos, designadamente caminhadas, a pensar em «todos os que gostam de andar a pé e estar em contacto com a natureza». O ciclismo é outra das referências da asso-
ciação, pioneira da modalidade em Tábua, com a organização de passeios e maratonas de BTT que «foram consideradas das melhores do país». Ao nível do todo-o-terreno, duas provas, realizadas em 2011 e 2012, para o Campeonato Nacional de Trial 4X4, foram consideradas «as melhores desse campeonato» e um notável sucesso marcou as as provas TABUADURA e JIPAPER, assim como o TT Mk Makinas – Motos e Quads. O Rali é outra das actividades em destaque na Mk Makinas, que é responsável pela organização do Rally de Tábua, que desde 2014 integra o Troféu Regional de Ralis do Centro e faz parte, desde 2016, do Campeonato Regional e Ralis do Centro. Uma prova que, em 2018, deu um passo em frente na organização da prova do Campeonato de Ralis do Centro, em parceria com a Escuderia Castelo Branco. No ano seguinte, o evento cresceu, igualmente em parceria com a Escuderia Castelo Branco, com a prova «a ser alargada ao concelho vizinho», dando origem ao Rali de Tábua e Oliveira do Hospital, uma prova «com mais quilómetros cronometrados, mais troços e uma maior complexidade logística, aumentando o desafio para a MK Makinas». Foi também em 2019 que a associação entrou para a Federação de Motociclismo de Portugal, facto que permitiu dinamizar a organização de provas federadas, por
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exemplo enduros e provas turísticas de motos de âmbito nacional, que representou, igualmente, «um importante marco na história da Mk Makinas». Nessa senda, está garantida a participação no Campeonato Nacional de Enduro com uma prova a realizar nos dias 12 e 13 de Fevereiro No ano transacto a MK Makinas fez a sua estreia no Troféu Nacional de Motoralis Turístico, que contou com a participação de concorrentes de todo o país e de Espanha. «Vamos também fazer uma prova este ano», prevista para a primeira quinzena de Julho, refere fonte da direcção da associação, que vai no final do mês proceder à eleição de novos corpos sociais. Em carteira está uma candidatura a uma prova «já com alguma dimensão», King of Portugal, destinada a jipes com mais propriedades de trial, que se perfila para Maio. Os passeio de “clássicos”, particularmente das emblemáticas Renault 4 L, constitui uma das áreas de eleição. Uma iniciativa com pergaminhos, que na última edição integrou o programa do Caramulo Motorfestival e contou com a participação de 45 dos míticos modelos da marca francesa. O recorde de presenças foi estabelecido em 2019, com um total de 65 Renault 4L. Mas, além da componente desportiva e lúdica, a MK Makinas tem preocupações sociais e com o bem-estar e qualidade de vida da população. E são vários os exemplos dessa intervenção cívica meritória. Assim, os mais de 60 participantes no Rali Mototurístico, realizado em Julho do ano passado, foram desafiados a ajudar, através da oferta de material escolar, que foi entregue ao CAT da Santa Casa da Misericórdia. «Questionámos o CAT e disseram-nos que as crianças precisavam de material escolar». A pensar nos seniores está o “Passeio da Memória”, um programa efectuado em parceria com as IPSS, em especial a Casa do Povo de Espariz. Trata-se de um passeio de jipe, por percursos que não têm o grau de dificuldade que habitualmente está associado o outros eventos, mas que permite que os seniores revejam locais associados aos seus tempos de juventude e à sua vida activa. «É um momento que esperam com ansiedade, que lhes traz as melhores recordações», refere fonte da direcção. Com a pandemia não foi possível dar continuidade a este projecto que, com toda a certeza, os novos responsáveis vão voltar a acarinhar.