Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 08/07/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 8 E 9 DE JULHO DE 2017

CONTRAPLANO NACIONAL

O (não) espaço da arte Em “Soundtrack”, diretores refletem sobre existencialismo humano em paralelo com a resistência artística DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

O

que mais diferencia “Soundtrack” das demais obras recentes do cinema nacional, até mesmo dos filmes alternativos exibidos em circuito limitado ou apenas em festivais, é por ser um projeto concebido a partir das novas cartografias do que se entende hoje por world cinema. Há um intercâmbio na concepção da obra dirigida pela dupla 300ml que confere uma sensação inicial de estranhamento. Tudo colabora para isso, como a ambientação da trama, em uma zona polar; a mistura de idiomas em cena e, em especial, a forma com que os diretores concebem a produção. Não deixa de ser filme brasileiro, mas os diretores optam por experimentar outras perspectivas pouco exploradas. O cenário isolado e frio de “Soundtrack” foi recriado em estúdio, com reprodução perfeita da imensidão da neve e do gelo que são tão importantes para as relações que ali se estabelecem. Selton Mello interpreta o fotógrafo Cris, que viaja até uma estação de pesquisa para um projeto pessoal. Ele deseja fazer autorretratos na neve e, posteriormente, expor as fotos e fazer com que o público escute as mesmas músicas que ele ouviu enquanto se fotografava. Lá, Cris encontra outros quatro pesquisadores, cada um de um ramo diferente, e precisa conviver com as dificuldades geográficas e o constante medo de desabamento do chão de gelo. Com a convivência tumultuada entre eles, especialmente com Mark, papel do ótimo Ralph Ineson, Cris se abre para discussões existencialistas desses homens solitários, bem como questões profissionais que envolvem a própria arte. O roteiro de “Soundtrack” evita os conflitos previsíveis e se abre para as possibilidades de misturar o drama, com do-

ses de humor e até mesmo suspense. Afinal, o isolamento do quinteto é pavoroso. No meio do nada, praticamente sem contato com o mundo exterior, cada um desempenha seu papel enquanto tenta administrar os outros lados de suas vidas que estão fora daquele cenário. A trama acontece com fluidez, adotando como opção a monotonia em alguns momentos que, óbvio, é característica natural do lugar onde os personagens vivem. Do lado de fora, no meio da neve, eles estão enclausurados no mundo, enquanto dentro de suas pequenas casas ele tentam manter uma rotina em comunidade.

Sentimentos A dupla 300ml faz um trabalho estético irretocável no longa-metragem, explorando os limites da imagem e, claro, do som dentro da narrativa. A obra também se mostra fruto de pesquisa ao inserir no texto diversos fragmentos de arquivo que se comunicam com perfeição com a história daqueles homens, como um áudio da viagem espacial à Lua. Destaque também para a forma com que os diretores trabalham a trilha sonora (“soundtrack”, em inglês), em especial quando os campos diegéticos se misturam em uma arriscada decisão dos realizadores, mas que pode deixar o público em estado de letargia. A melancolia com que os personagens se revelam para a câmera, bem como a raiva que às vezes não é possível ser controlada, dialoga com alguns questionamentos atuais. O roteiro mergulha nos conceitos de formação familiar e, principalmente, profissional. A chegada de Cris é vista pelos demais quase como um capricho, como se o fotógrafo estivesse em uma egotrip superficial. Seu talento é constantemente questionado pelos

Selton Mello encabeça elenco de drama existencialista, primeiro longa-metragem da dupla 300ml. Na pele de um fotógrafo que viaja para longe para um projeto pessoal, o ator esbanja competência em roteiro que abre diversas camadas

Em tom melancólico, drama dirigido por 300ml mostra outras intenções do cinema brasileiro autoral que provoca e faz pensar além

DIEGO BENEVIDES diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Brasil no mundo EM JULHO, noveobras eprojetos audiovisuaisnacionaisestarãoem cincoeventosinternacionais, apoiados pelaAncine. Aparticipaçãoteveinício noBolíviaLab,quecomeçou naúltima segunda-feira(3)etem comoobjetivo fortalecerodesenvolvimento de projetosdenovosrealizadores bolivianose ibero-americanos. O projeto“Religare”,deMarithe Azevedo,é orepresentante brasileiro noevento.De8 a16 dejulho,o FestivalInternacionalCurtas Vila do Conde,em Portugal,exibe“O Peixe”, deJonathasdeAndrade. Entreos dias 11e17, FID– FestivalInternacional de CinemadeMarselhatraz emsua programação“Baronesa”, deJuliana Antunes.Aindana Europa,oEAVE (EuropeanAudiovisualEntrepreneurs) Puentes,workshop deestímuloa coproduçõesAmérica Latina-Europa, recebe“Sul”,deDavi Pretto, de12a16 dejulho.Por fim,oDoc Montevideo, queacontece de19a28dejulho na

PREMIADO EM Tiradentes, “Baronesa”, dirigidoporJulianaAntunes, participa decompetiçãodefestivalfrancês capitaluruguaia,terá cincoproduções: “Sam”,dePaula Gomese Haroldo Borges;“Termodielétrico’,deAna Costa Ribeiro;e “TorredasDonzelas”, de SusannaLira, participamdo pitching de docs,enquanto “80Destinos”,deAlice deAndrade,e “AméricaArmada”, de AliceLanarie PedroAsbeg, estão no pitchingpara séries.

Lançamento O ator Andy Serkis, que interpreta o personagem Cesar por meio de captura de movimentos na trilogia “Planeta dos Macacos”, virá ao Brasil para lançar “Planeta dos Macacos: A Guerra”. Com previsão de estreia americana para o dia 14 de julho, a sequência foi recebida com bastante entusiasmo pela crítica internacional que já teve acesso ao filme. A cotação do Rotten Tomate, principal termômetro que mede a opinião da crítica especializada no mundo, foi de 95%, que representa a porcentagem de críticas positivas que foram divulgadas no site. No novo filme, que estreia dia 3 de agosto no Brasil, Cesar e seus macacos são forçados a um conflito mortal contra um exército de seres humanos liderados por um Coronel implacável.

Outro acerto do roteiro é mostrar a relação entre as pessoas e a música, e como cada canção, dentro de certos contextos, pode trazer novos significados para os momentos em que cada um vive. O filme poderia cair facilmente no piegas com tantos assuntos para abordar, mas a fluidez com que esses pensamentos surgem ganham o tempo certo para serem absorvidos no decorrer da projeção e, ainda bem, não adota o tom de autoajuda cinematográfica. Colabora para o êxito da obra o engajamento do elenco, encabeçado por Selton Mello, que não deixa a desejar quando atua em língua estrangeira, nem mesmo quando elabora a persona de Cris, um rapaz por vezes silencioso que, assim como todo mundo, tem seus problemas e suas vontades de ser. Completam o time um despojado Seu Jorge e atores estrangeiros que se entregam por inteiro aos papéis. As muitas camadas de “Soundtrack” podem ser dolorosas para quem questiona as mudanças do espaço e do tempo no cotidiano, as relações afetivas e o papel da arte no mundo contemporâneo. Um filme cuja grandeza vai ocupando, aos poucos e em silêncio, a mente após a sessão.

demais e é preciso que ambos os lados cedam o suficiente para que o entendimento possa surgir. Em determinada sequência, um rápido flashback mostra o momento exato em que Cris decide fazer a viagem. Essa breve cena é essencial para entender, mais adiante, os caminhos que o fotógrafo esco-

lheu para sua própria arte. “Soundtrack” ainda discute sobre a resistência artística e o papel do autor nos dias de hoje. Cris se fotografa no meio do nada em um projeto pessoal que tem tudo para dar errado, mas sua perseverança em fazer com que a fotografia imortalize, de alguma forma, seu talento é admirável.

Gramado

AnimaMundi2017

Dos mais de 400 curtas brasileiros inscritos para a 45ª edição do Festival de Cinema de Gramado, 14 foram selecionados pela comissão. Entre os destaques estão “O Quebra-cabeça de Sara” (RJ), de Allan Ribeiro; “O Violeiro Fantasma” (GO), de Wesley Rodrigues; “Telentrega” (RS), de Roberto Burd, e “Postergados” (SP), de Carolina Markowicz. A competição se restringe a esses quatro estados brasileiros. Nenhuma produção nordestina foi selecionada.

Estágio O 27º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema e a Casa Amarela Eusélio Oliveira – CAEO recebem até domingo (9) inscrições de estudantes da Universidade Federal do Ceará (UFC) para estágio remunerado de um mês no para compor a equipe de produção do evento, que acontecerá de 5 a 11 de agosto em Fortaleza. Interessados podem se inscrever por meio de formulário on-line disponível no site da Casa Amarela (www.caeo.ufc.br).

ANIMAÇÃO Comemorando 25 anos no centenário da animação no Brasil, o Anima Mundi se prepara para duas edições, uma no Rio de Janeiro, de 14 a 23 de julho, e outra em São Paulo, de 26 a 30 de julho. Nas sessões oficiais serão exibidas 345 produções de 45 países, entre elas 70 nacionais. O número chega a 470 títulos, contando com as mostras especiais e retrospectivas. O Anima Mundi é a principal plataforma de fomento à animação do País e responsável pela formação de toda uma geração de realizadores e de um público apaixonado, que assistem à vasta programação de curtas e longas adultos e infantis, dos mais variados temas, técnicas e origens.


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