8 | Caderno3
DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO,6 E 7 DE JANEIRO DE 2018
CONTRAPLANO EM CARTAZ
DRAMA
As lembranças que permanecem Com direção de Michael Almereyda, “Marjorie Prime” reflete sobre o valor da memória e a dor da perda
Nova animação da Disney/Pixar, “Viva - A Vida é uma Festa” mergulha na cultura mexicana para criar história sentimental sobre família e ancestralidade
DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
Aventura entre dois mundos
L
ançado em novembro do ano passado nas plataformas digitais, “Marjorie Prime” é a adaptação da famosa peça teatral escrita por Jordan Harrison. A trama se passa em um futuro não muito distante, onde uma família compartilha seus dias com hologramas de pessoas que já morreram como forma de suprir a ausência. O longa se utiliza de elementos conhecidos da ficção científica para motivar os dramas dos personagens. A diferença principal é que ele deixa de lado os grandes aparatos visuais para focar exclusivamente no andamento dos conflitos do roteiro. É um mundo de alta tecnologia, onde é possível “trazer de volta” um ente querido, mas visualmente não é tão diferente do que temos hoje. Os cenários são naturalistas e, com exceção de um telefone celular e dos próprios hologramas, a trama parece ser ambientada nos dias atuais. O roteiro adaptado por Michael Almereyda, também diretor da obra, é carregado pelos extensos diálogos do espetáculo teatral. Almereyda, no entanto, evita fazer de “Marjorie Prime” um teatro filmado. A sensibilidade de sua câmera passeia pelos poucos cenários e expõe a psicologia dos personagens, sem perder o ritmo de um drama que se aprofunda gradativamente nas questões familiares. As muitas camadas do longa fazem com que a história ganhe novos contornos, em especial no segundo ato. Inicialmente, o roteiro foca em Marjorie, papel de Lois Smith, uma idosa que sofre física e psicologicamente. Para reduzir seu martírio, ela
E
Os atores Tim Robbins e Geena Davis integram elenco inspirado de “Marjorie Prime”, que mistura ficção científica e drama familiar. História é baseada em peça teatral criada por Jordan Harrison que explora os mistérios e os limites humanos
convive com o holograma de seu marido falecido, Walter, interpretado por Jon Hamm. É uma versão mais nova de Walter, na forma que ela mais se lembrava dele. Ao redor dos dois, estão a filha Tess, vivida pela sempre ótima Geena Davis, e seu marido Jon, papel de Tim Robbins. Eles são essenciais para escavar as memórias da família, enquanto refletem o quanto as dores e as alegrias o transformaram com o tempo. A partir do segundo ato, Tess e Jon ganham novas funções, uma sacada inesperada, mas completamente bemvinda para reforçar a proposta circular da história.
Conflitos “Marjorie Prime” é sobre uma infinidade de questões. A durabilidade das lembranças e a passagem do tempo são as mais evidentes, já que os personagens gastam muito tempo discutindo suas memórias. Em determinado momento, Tess explica que a memória é
uma reprodução do que aconteceu, mas cada vez que lembramos de algo, ela enfraquece. O que fica na nossa mente são versões de algo que nunca mais teremos, de algo que não é palpável e passível de novas interpretações à medida que o tempo se distancia delas. Também é sobre a vivência do luto. A despedida de quem se ama é coberta por uma tecnologia que, por melhor que seja, ainda é falha. Os hologramas ocupam a ausência física. Eles estão programados com algumas memórias para responder às interações com quem está vivo. Mas eles são falhos. Eles precisam ser alimentados com novas informações, para que aprimorem seu funcionamento. A cada segmento da história, os personagens se prendem e desprendem a uma imagem que está ali para diminuir a tristeza. Mas eles sabem que é uma enganação. O roteiro acerta ao não humanizar essas “máquinas”, justamente para
DIEGO BENEVIDES
Números
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Circuito de cinema SOBRAL vaireceber,nos dias 13, 20e27 dejaneiro,oprojeto“Circuito deCinema”,que possibilitaoacesso à culturae lazerpara comunidades carentesdo município,quenão possuemcinemascomerciais. Asexibiçõesdos filmes vão acontecer aoar livre,a partirdas18h,nos bairros ResidencialJatobá, Terrenos Novos/VilaUnião eParqueSanto Antônio.Aestruturaserámontada em ruase praças ambientadascom cadeiras,paletes ealmofadas. Aprogramaçãocomeça com amostra decurtasinfantis“CineRiso”,que exibirácurtas-metragens como“Pode meChamar deNadí” (2009),deDéo Cardoso,e “CalangoLengo -Morte e VidaSem VerÁgua” (2008),de FernandoMiller. Logoapós, às 19h, serãoexibidos filmes para opúblico de todasasidades. Aprogramação exibiráobras como"OAuto da Compadecida"(2000),de GuelArraes; "Mulheresdo Brasil"(2006), deMalu
“OAUTODA COMPADECIDA”,deGuel Arraes,integra programação decinema nointerior doCeará deMartino;"Narradores deJavé" (2004),deElianeCaffé, e "Nise- O CoraçãodaLoucura" (2015), deRoberto Berliner,entre outros. Paracompletaraexperiência, oprojeto “CircuitodeCinema”, idealizado pelo InstitutoEcoa(Escola deCultura, Comunicação,Ofícios e Arte),vai distribuirpipoca para os espectadores.
que seja possível desdobrar os efeitos colaterais da dificuldade de aceitar a morte e o processo intenso de luto dos personagens. Toda essa dinâmica é sustentada por quatro ótimos atores, que se entregam ao sentimentalismo de seus personagens, sem transformá-los em melodrama barato. Os diálogos inspirados do roteiro muitas vezes soam devastadores, inclusive nos questionando o sentido da própria vida. “Vamos todos fingir que viveremos para sempre”, diz Marjorie em determinada cena. A sequência final coroa “Marjorie Prime” como uma imersão no comportamento humano. Ainda que traga elementos futuristas, a obra nos coloca na perspectiva do agora. É um belo trabalho de construção dramática que parte de um material original curioso que, no cinema, se transformou em um filme que não esconde o quanto pode ser doloroso para quem assiste.
Lançamentos Mais quatro livros sobre cinema serão lançados esse ano pelas Edições Sesc São Paulo. Em dois volumes que totalizam mais de mil páginas, os livros “Nova história do cinema brasileiro I” e “Nova história do cinema brasileiro II” se debruçam sobre a produção nacional de 1910 a 1950 e da contemporaneidade, respectivamente. Já “Cinema como arqueologia das mídias”, de Thomas Elsaesser, é uma compilação de diferentes artigos que avaliam o impacto das tecnologias digitais na história do cinema. Por fim, a aguardada obra “Pós-fotografia, pós cinema: o devir das imagens contemporâneas da arte”, organizado por Beatriz Furtado e Philippe Dubois (foto), ensaios que refletem a respeito da fotografia e do cinema na era da manipulação digital.
A Paris Filmes fechou o ano com saldo positivo. A empresa cresceu 89% em público nos cinemas e 98% em arrecadação em relação a 2016, com lançamentos de filmes como “La La Land – Cantando Estações”, “Power Rangers”, “A Cabana”, “Jogos Mortais: Jigsaw” e “Extraordinário”. Os 29 lançamentos internacionais da Paris levaram mais de 15,4 milhões de espectadores aos cinemas, contabilizando uma renda total aproximada de R$224 milhões.
m constante produção de filmes animados, não é surpresa ver o apuro visual que a Disney/Pixar investe em suas produções. Em “Viva - A Vida é uma Festa”, as cores que brilham são deslumbrantes, ainda que a utilização do 3D não faça muita diferença na imersão do público. Dessa vez, a proposta é explorar a cultura mexicana, especialmente o tão famoso Dia dos Mortos. O diretor Lee Unkrich e o codiretor Adrian Molina contaram com uma equipe de pesquisa para transportar o verdadeiro sentido da data para a animação. De acordo com os costumes, o Dia dos Mortos é uma data para celebrar a memória e o amor pelos familiares que já morreram. É um momento de festa, onde os mundo dos vivos e o dos mortos se cruzam. O garotinho Miguel é apaixonado por música, mas sua família oprime seus dons artísticos. De forma mágica, Miguel é transportado para o mundo dos mortos, onde vai confrontar seus ancestrais e lutar para ser um verdadeiro músico. Lá, ele conhece um pouco mais sobre seu passado e aprende novos valores que transformarão sua visão de futuro. “Viva - A Vida é uma Festa” é o que se espera de uma animação da Disney, e isso tem dois lados. O primeiro é que, como animação infantil, faz um ótimo trabalho de encantamento do público, seja pela qualidade do desenho de produção da obra,
ou pelas canções que se tornam clássicas imediatamente. Por outro lado, é um filme que não está ali para correr riscos, mesmo que se proponha a falar de um assunto “mais sério”. Esse segundo lado é evidenciado principalmente pela memória ainda recente de outra animação, “Festa no Céu” (2014), de Jorge R. Gutiérrez, que teve uma boa repercussão internacional e oferece basicamente o mesmo universo de “Viva - A Vida é uma Festa”. E mais, discute ancestralidade, afeto familiar e cultura mexicana de forma muito mais densa, onde a cultura mexicana não é apenas um cenário, mas o principal motivador da trama. As comparações são inevitáveis. e faz “Viva - A Vida é uma Festa” parecer um pouco atrasada. Ainda assim, é uma animação que traz um protagonista carismático, um cachorrinho adorável e familiares desajustados divertidos. Algumas referências são bem colocadas, como os diálogos sobre o legado de Frida Khalo. É um filme indefeso que tenta mostrar para os pequenos que a morte é consequência da vida. Mesmo sem sair da zona de conforto, a Disney/Pixar ainda tem influência comercial, o que faz de “Viva - A Vida é uma Festa” um dos favoritos da temporada de premiações do cinema. Uma obra sentimental que ainda emociona pelo modo de produção Disney que não se preocupa em arriscar. (DB)
AvidadeMaudLewis
Cannes O Festival de Cannes divulgou que a atriz Cate Blanchett presidirá o júri da 71ª edição, que acontecerá de 8 a 19 de maio. Blanchett será a 12ª mulher a ocupar a presidência. Nada mais justo, não apenas por seu talento, mas também pelas iniciativas sociais que têm se envolvido. A mais recente foi a criação do Time’s Up, ao lado de outras estrelas, para ajudar vítimas de assédio sexual, tema que escandalizou a indústria cinematográfica em 2017 após uma série de denúncias.
BIOGRAFIA Após participar de festivais internacionais, a biografia “Maudie - Sua Vida e Sua Arte” chegou ao mercado de home video americano. A trama gira em torno da artista folk Maud Lewis que, desde cedo, sofre de artrite reumatóide que prejudica partes de seu corpo, Maud é vista com carinho pela cineasta iraniana Aisling Walsh. A competência da atriz Sally Hawkins na construção de personagens profundos faz com que a biografia evite qualquer melodrama exagerado para focar no processo criativo da artista. Parte de uma sociedade patriarcal e opressora, Maud canalizava suas emoções em telas de pintura. Pena que o filme evite entrar em discussões políticas mais profundas. A relação com o intragável Everett Lewis, interpretado pelo ótimo Ethan Hawke, mais parece abusiva do que amorosa, mas faz com que a protagonista surja como artista. No fim das contas, um bom filme que tira Maud de trás das cortinas e a apresenta para o mundo inteiro.