Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 16/12/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO,16 E 17 DE DEZEMBRO DE 2017

CONTRAPLANO EM CARTAZ

DRAMA

O olhar infantil sobre as perdas Ksenia Solo interpreta jovem sonhadora que parte para a Itália em busca de um encontro com o prestigiado cineasta Federico Fellini

Entre os sonhos e a realidade

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ntes de tudo, “Em Busca de Fellini” é uma carta de amor a um dos cineastas mais importantes do cinema mundial. A forma do filme transita com sutileza entre o realismo e o fantástico, permitindo que a protagonista Lucy, interpretada por Ksenia Solo, reviva as histórias do diretor, além viver a sua própria. Na trama, Lucy é uma jovem de 20 anos que foi superprotegida pela mãe Claire, papel da sempre ótima Maria Bello. Claire sempre poupou Lucy de todo e qualquer sofrimento. Ela vivia em um mundo dos sonhos onde tudo parecia perfeito. Até que Claire descobre que está doente e reconhece que a filha não está pronta para enfrentar o mundo sozinha. Ao se apaixonar por “A Estrada da Vida” (1954), obra essencial de Fellini, Lucy começa a se identificar com seus filmes. Ela parte para a Itália para conversar com o diretor, mesmo que não saiba muito bem o que dizer. O contato com o mundo exterior, as pessoas imprevisí-

Pré-indicado da Espanha ao Oscar 2018, “Verão 1993” expõe as dores e os conflitos das relações familiares DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

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pequena Frida, interpretada pela ótima Laia Artigas, tem a vida abalada após perder o pai e a mãe. Agora morando com seus tios, a protagonista canaliza a perda entre o sofrimento interno e a exteriorização de atitudes agressivas. Essa é a base de “Verão 1993”, dirigido por Carla Simón, que representa a Espanha entre os filmes estrangeiros do Oscar 2018. Feito com requinte visual, o longa explora a densidade das relações familiares. Longe da vida urbana, o novo espaço de convivência de Frida mais parece uma reabilitação. Amada pelos tios, que a abrigam com muito amor, a menina não entende muito bem o que aconteceu com a mãe e como seu destino mudará com a perda. A relação de Frida com a prima Anna, papel da amável Paula Robles, transita entre o carinho fraterno e a agressão. O roteiro se preocupa em não vilanizar ninguém, justificando todas as escolhas dos personagens pelo caráter do abalo emocional que enfrentam. Ainda que nem tudo seja justo, em especial com a pequena Anna, é compreensível. O trabalho de câmera da diretora Carla Simón explora a presença magnética de Frida, por meio de planos objetivos que tentam expor o que aquela garota passa. Ela sofre por dentro, mas talvez ainda não saiba o tamanho desse sofrimento. A ausência da mãe é irreparável e, mesmo com o amor dos tios, ela não sabe muito bem como se adaptar a uma nova realidade. A jovem atriz Laia Artigas traz o tom naturalista que a personagem precisa. A profundidade com que compõe seu personagem é impressionante. “Verão 1993” traz cenas espontâneas, quase improvisadas, daquelas duas meninas tentando conviver juntas. A câmera de Simón vaga entre as expressões faciais, os gestos mais simples e o cenário isolado e belo onde elas vivem, como forma de ela-

veis e um cenário deslumbrante fazem com que sua história de amadurecimento se inicie. “Em Busca de Fellini” busca extrair da valiosa filmografia do diretor incontáveis referências, que vão desde as locações de seus filmes, passando por nomes de personagens, reproduções de diálogos e elementos metalinguísticos. É um verdadeiro trabalho de imersão na obra de um dos diretores que revolucionaram o cinema. Lucy é uma garota inocente, às vezes até meio boba, mas aparentemente não tem medo de experimentar a vida. Sua viagem não a poupa dos pequenos fracassos, mas as conquistas dessa jornada são valiosas para sua formação como mulher. Talvez o diretor Taron Lexton exagere um pouco no tom de algumas referências, em especial do segundo para o terceiro ato, quando a história se perde um pouco, mas não deixa de resultar em um filme doce como a vida. Para os fãs do diretor, é um prato cheio respirar suas histórias mais uma vez. (DB)

LANÇAMENTO

A interpretação espontânea de Laia Artigas (acima), Bruna Cusí e David Verdaguer (abaixo) garantem a fluidez da narrativa, que já é naturalmente densa pelas temáticas da morte e das (re)construções familiares

A pequena atriz Laia Artigas entrega performance impressionante em drama familiar que reflete sobre as dores da perda Apesar da boa realização da diretora Carla Simón, parece que falta um pouco de energia no filme para torná-lo arrebatador borar os conflitos familiares que estão em campo de guerra.

Olhares É curiosa a escolha de Simón em fazer um filme solar, com tonalidades mais vivas, mesmo que fale essencialmente sobre luto. Isso faz com que a obra explore a composição dos seus personagens. A direção de fotografia traz a sensibilidade que a história precisa ao olhar para os detalhes e para o entorno, tentando tirar de dentro de cada cena o que não está visível. O roteiro da própria diretora em colaboração com Valentina Viso tem momentos inspi-

rados, como na sequência em que uma brincadeira de esconder entre Frida e Anna anuncia que não acabará bem. A fuga da garota no meio da noite também representa os sentimentos dispersos da menina, além de revelar a psicologia dos demais personagens. Aliás, todos são muito bem trabalhados em suas funções dramáticas, com destaque para Bruna Cusí, que interpreta Marga, a tia de Frida. Marga ama a sobrinha, mas as atitudes da garota desgastam a possibilidade de convivência entre elas. Mas Marga sabe que desistir não é o verbo principal e busca, dentro de sua natureza feminina, a compreensão de tudo. Os avós e os demais tios da protagonista pouco aparecem na trama, mas ajudam a entender o funcionamento daquela família. A causa da morte da mãe de Frida não é exposta com clareza, deixando a entender que ela possuía o vírus HIV pela forma com que os outros tratavam a garota. O medo de chegar perto de Frida denuncia o desconhecimento que se tinha, na época, sobre a patologia. Ainda que traga elementos de uma época de transformações da Espanha, no início da década de 1990, o roteiro se ausenta de aprofundá-los.

Ritmo Algumas cenas são longas demais, dando a impressão que o

filme é mais extenso do que realmente é. Simón não tem pressa para desenvolver sua narrativa, mas também corre o risco de deixar muitos espaços em branco, o que leva a crer que, por mais bonita que seja sua história, falta-lhe um pouco de energia. Os temas que estão em torno de Frida são resolvidos com rapidez, em especial os dilemas com a prima Anna, mas sem nunca mostrar as consequências desses problemas. Parece que a diretora poupa sua história de uma abordagem mais política e até mesmo mais aprofundada sobre a morte na família, pelo olhar de uma criança que não tem a mesma compreensão de um adulto. O longa termina com uma bela cena que expõe o acúmulo de sentimentos e angústias da protagonista e emociona com facilidade, embora não aconteça com a mesma naturalidade adotada pelo filme. São os bons momentos pontuais que mantém o interesse pela história. “Verão 1993” conquista por ter um grande coração e pela realização competente da diretora, ainda que o potencial de sua grande história não tenha ido além da expectativa. A obra também não chamou atenção da Academia, deixando-a de fora da pré-lista dos nove semifinalistas entre os estrangeiros do Oscar 2018.

As origens de Freddy Krueger

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m dos principais marcos do terror oitentista, Freddy Krueger tem sua história dissecada na obra literária “A Hora do Pesadelo: Never Sleep Again”, de Thommy Hutson, que produziu um documentário sobre o filme e voltou a entrevistar membros do elenco e da equipe, incluindo o diretor Wes Craven. A edição limitada é o registro mais completo sobre o personagem, que continua como referência para tantas produções contemporâneas. A publicação também reúne um acervo de fotos exclusivas e segredos dos bastidores do filme original, lançado em 1984. Até agora, a franquia contabiliza nove títulos, incluindo uma parceria com Jason Voorhees, que tentaram, de formas distintas, manter vivo o legado de Freddy. A primeira edição americana do livro foi bancada por meio de financiamento coletivo e a campanha na plataforma Kickstarter contou com a participação da atriz Heather Langenkamp, que encarnou Nancy Thompson, a jovem atormentada por Freddy, nos três primeiros filmes da franquia. O próprio Wes Craven assinou a apresentação do livro, antes de falecer, em 2015. “Freddy começou como um homem da vida real, que me acordou quando eu tinha cerca de 10 anos de idade”, relata Craven no texto, trazendo os detalhes de seu “encontro” com o vilão.

LIVRO

A Hora do Pesadelo - Never Sleep Again OrganizadoporThommy Hutsone traduzidoporCarlosPrimati DARKSIDEBOOKS 2017,520páginas R$69,90

“Foi um filme quase desfeito antes mesmo de propriamente ter sido feito. O processo cobrou seu preço de inúmeras maneiras e, quando olho para trás, lembro como foi difícil, extenuante em às vezes, exasperante. Por outro lado, fazer o filme também teve suas recompensas: foi tão divertido como desafiador, e mais do que apenas outro filme de terror”, continua. Assumindo o trash como característica, Craven criou um ícone do gênero. “Pode-se dizer que tudo em ‘A Hora do Pesadelo’ funcionou da maneira que deveria. Para o melhor ou para o pior, em momentos bons e ruins”, registra o diretor. (DB)


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