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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO,13 E 14 DE JANEIRO DE 2018
CONTRAPLANO EM CARTAZ
DOCUMENTÁRIO
Os limites entre guerra e paz
Um crime improvável
Novo filme de Joe Wright, “O Destino de uma Nação” relembra momento histórico de Winston Churchill DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema
A
controversa figura política de Winston Churchill é tema do drama biográfico “O Destino de uma Nação”, novo trabalho do experiente diretor Joe Wright. Nos anos 1940, a Grã-Bretanha viveu à margem da invasão de Hitler, que derrubou nações outrora consideradas poderosas. Para evitar o desmanche do solo inglês, o Rei George VI, papel de Ben Mendelsohn, nomeia Winston Churchill, interpretado por Gary Oldman, como o novo Primeiro-Ministro, que será responsável por lidar com a invasão territorial dos alemães e, especialmente, manter um povo unido em tempos extremamente difíceis. O grande acerto do roteirista Anthony McCarten é fazer um recorte temporal de Churchill, sem precisar mostrar todas as fases de sua vida. Churchill já é apresentado como persona non grata entre os demais representantes políticos, mas o único que pode tentar harmonizar os interesses entre conservadores e liberais, e preservar o futuro da Grã-Bretanha. Churchill precisa encontrar alternativas no meio do caos e é constantemente reprovado pelos conselheiros, o que afeta a resistência de suas ações. Para o povo britânico, ele sugere que há margem de vitória contra os nazistas, mas em seu ambiente de trabalho a destruição em massa é evidente.
Interpretação O ator Gary Oldman faz uma rica construção do personagem, que vai muito além do autoritarismo pelo qual ficou conhecido. Apesar de determinado a resolver a situação sem precisar
Gary Oldman impressiona com a personificação da polêmica figura de Winston Churchill no drama histórico “O Destino de uma Nação”, novo trabalho do cineasta inglês Joe Wright. Ator foi premiado no Globo de Ouro pelo personagem
fazer um acordo de paz, Churchill não está seguro de suas atitudes. Ele é um homem falho, atordoado e desacreditado por todos ao seu redor. Ele tenta não ceder às pressões, até que percebe que ele pode, sim, estar errado. Essa dinâmica de Oldman é essencial para humanizar a figura de Churchill, já que é normal a romantização das cinebiografias. Com seu trabalho de composição, é possível observar as mais variadas facetas de Churchill. Ele é quase um trapalhão, mas também tem mãos de ferro e sagacidade suficiente para o cargo que aceitou ocupar. A atuação de Oldman, que já foi reconhecida em diversas premiações, como o Globo de Ouro, foge da simples caricatura. O astro entende que não deve personificar o biografado apenas pela maquiagem pesada e pela voz impostada, mas também na assimilação geral de uma figura polêmica e conhecida mundialmente. Apaixonada pelo desempenho de Oldman, a equipe do
filme acaba deixando de lado outras questões que estão no texto, mas não influenciam tanto quanto deviam. Ao interpretar a esposa de Churchill, Kristin Scott Thomas abre e fecha rapidamente a discussão sobre as marcas que ficaram no matrimônio após a dedicação cega do marido à política. Lily James interpreta a datilógrafa de Churchill, afetada com a guerra do lado de fora, mas sua presença nunca é forte o suficiente para ser justificada. Todos ficam embaixo das asas de Oldman.
Condução O diretor Joe Wright traz de volta seus longos e ensaiados planos, em um cenário menos pomposo como visto em seus últimos filmes, como “Desejo e Reparação” (2007) e “Anna Karenina” (2012), para citar alguns. Aqui, ele prefere mergulhar na sobriedade dos cenários, ainda que todos muito bem desenhados em relação à época em que se passa a tra-
DIEGO BENEVIDES
Campanha
diego.benevides@diariodonordeste.com.br
Produção plural AASSOCIAÇÃO Cearensede CríticosdeCinema (Aceccine)elegeu os melhorescurtaselongas-metragens de2017,deacordocom votação feita entreseus associados.Aentidade reúneos profissionaisdecinemae audiovisualqueatuamcom crítica no Estado.Emseu segundoan ode eleição,foram concedidoscinco destaques,entre curtase longas-metragens.“CorpoDelito”, de PedroRocha, foiomelhorentre os longascearenses,enquanto“Corpo Elétrico”,premiadaobra deMarcelo Caetano,foi odestaqueentre os longas brasileiros. Dafilmografia estrangeira queestreouemcircuito comercial ano passado,aAceccine reconheceu“O Ornitólogo”,coproduçãoentre Portugal,França eBrasil, dirigida por JoãoPedro Rodrigues.Os curtas-metragenstambém foram destacados:“Vando Vulgo Vedita”,de AndréiaPires eLeonardo Mouramateus,e“Mamata”, deMarcus
“VANDO VULGO VEDITA” foieleito o melhorcurta-metragemcearense de acordocom aAceccine Curvelo,foram osmelhorescurtas cearensee brasileiro,respectivamente. Aeleiçãodesse ano partiude64filmes indicadosnoprimeiro turno,oque demonstraqueoano passado foi marcadopelapluralidade depropostas narrativase estéticas, tantona produçãonacionalquanto internacional.
ma. Wright está menos provocador, mas ainda elabora sequências requintadas e de extremo bom gosto. Talvez “O Destino de uma Nação” nem impressione tanto como registro histórico, ainda que seja interessante ver o start da Operação Dínamo e seu desenrolar. Mas é positivo ver Wright mesclar bem o drama, a história e os toques de humor, que fazem com que o filme não canse em mais de duas horas de projeção. O maior escorrego, talvez seja o inevitável tom patriota que infesta o terceiro ato da película. Em uma determinada cena, até efetiva em termos de linguagem, Churchill se encontra com civis para discutir o que existe entre a guerra e a paz. É o momento que “O Destino de uma Nação” levanta sua bandeira de orgulho à pátria que, certamente, só serve mesmo para deixar seus conterrâneos mais tranquilos, já que o bom filme que fica é tudo, menos pelo patriotismo que aborda.
Mostra Indígena O Cine Falb Rangel, em Sobral, interior cearense, vai receber a Mostra O Índio no Cinema, que exibirá gratuitamente 22 filmes de autoria indígena ou de diretores que tenham se inspirado na cultura e realidade destes povos. A programação acontece entre os dias 16 a 18 de janeiro, com sessões a partir das 19h. O objetivo da mostra é propor um intercâmbio cultural, fortalecer e dar destaque à produção audiovisual indígena do Estado. Entre os filmes selecionados para a edição estão “Marco Vivo 2015” (2017), de Henrique Dídimo; “Política e Tradição”(2016), de Marrayuri Kuikuro e Salu Kuikuro, e “Marco Vivo Jenipapo-Kanindé 2016” (2016 –foto), produzido pelos jovens do Coletivo Audiovisual Jenipapo-Kanindé, entre outros.
A rede Telecine lançou sua nova campanha, intitulada “Vá ao Cinema”. Produzidas em parceria com a Beeld, as peças de 20 segundos incentivam o público a viver a experiência de assistir a um filme em uma sala de cinema. O mesmo personagem aparece em situações diferentes e, em cada um dos vídeos, está vestido de astronauta, cowboy ou gladiador. Além de canal de exibição, a Telecine expande sua atuação cada vez mais no apoio à realização de filmes.
P
roduzido originalmente pela HBO e disponível em suas plataformas de exibição, o documentário “Cuidado com o Slenderman” parte de um caso que chocou a imprensa estrangeira em 2014. Morgan Geyser e Anissa Weier, duas garotas de 12 anos, confessaram que esfaquearam a amiga, da mesma idade, em Waukesha, nos Estados Unidos. O crime foi motivado por um famoso personagem ficcional da internet, chamado Slenderman. Convencidas de que ele colocaria em risco suas famílias, as meninas decidiram sacrificar a amiga para, assim, se tornar uma seguidora de Slenderman. O crime foi premeditado longe dos olhos dos familiares, mas deu errado. A vítima foi abandonada para morrer sozinha na floresta após as 19 facadas, mas foi resgatada com vida. A diretora Irene Taylor Brodksy tem nas mãos uma história, no mínimo, impressionante. Para entender como funcionou a mente das garotas, a cineasta se aproxima de suas famílias e revela um pouco mais sobre a infância de cada uma. Mesmo abalados com o acontecimento, os pais colaboram com Brodksy e esse protagonismo é bem-vindo para o documentário. Além disso, a diretora expõe os depoimentos que as garotas deram para a polícia e fragmentos do julgamento que elas enfrentaram na época. Para além das questões práticas que envolvem os depoimen-
tos dos familiares, Brodsky intercala o registro real com fragmentos ficcionais. Ela materializa quem seria Slenderman de acordo com o imaginário dessas crianças. É interessante a forma com que Slenderman aparece ora diabólico, ora protetor. Brodksy também gasta um bom tempo investigando, por meio de especialistas, o surgimento de um mito no decorrer da história até os dias de hoje, com o alcance da internet. O documentário passa por uma análise sociológica e comportamental de quem seria esse vilão e como ele operaria na mente de uma criança, suscetível a acreditar em sua existência. Alguns depoimentos são feitos via Skype, o que causa estranhamento para uma produção com a assinatura HBO e revela certa preguiça da produção. Questões como bullying, atenção familiar, solidão esquizofrenia e outras questões surgem para tentar justificar o crime. O problema é não dar a atenção devida à vítima e aos seus familiares. Parece que o filme tenta, a todo momento, dar empatia às agressoras e como o crime abalou suas bases familiares. É válido, mas não é só isso. A vítima é quem precisa, mais do que ninguém, dessa empatia para superar todos os traumas que viveu. Ao buscar a inocência das jovens, a diretora acaba desviando a investigação do filme de um caminho mais ético e justo, mas ainda interessante de acompanhar. (DB)
O documentário “Cuidado com o Slenderman”, de Irene Taylor Brodsky, acompanha o crime cometido por duas crianças em nome de um ‘bicho papão’
MostraRetroexpectativa
Mercado A rede UCI fechou 2017 como a líder dos complexos de cinema com o maior público no Brasil, de acordo com a Retrank. O UCI Kinoplex Iguatemi Fortaleza subiu duas posições e ficou no quinto lugar. Atualmente, a rede atua em 13 cidades e recebeu, no total, mais de 16 milhões de espectadores ano passado. A empresa se destaca também em relação às tecnologias de seus cinemas, sendo o exibidor com o maior número de salas IMAX no Brasil, com cinco no total.
SUGESTÕES São 65 filmes, incluindo inéditos, que compõem a Mostra Retroexpectativa do Cinema do Dragão. Entre os títulos que estrearam ano passado e ganham novas exibições, destacam-se “Bom Comportamento”, de Benny e Joshua Safdie; “Na Praia à Noite Sozinha”, de Hong Sang-soo, e o cearense “Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois” (foto), de Petrus Cariry. Na bateria de produções inéditas, são imperdíveis as sessões de “Zama”, de Lucrecia Martel; “O Dia Depois”, também de Hong Sang-soo, e os nacionais “Baronesa”, de Juliana Antunes, e “O Animal Cordial”, de Gabriela Amaral Almeida. A segue até o dia 24 de janeiro, com sessões especiais também de clássicos e debates com os realizadores.