Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 27/01/18

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO,27 E 28 DE JANEIRO DE 2018

CONTRAPLANO NACIONAL

C Luciana Paes

e Murilo Benício estrelam longa ainda inédito em circuito comercial

O sabor do sangue Em “O Animal Cordial”, a diretora Gabriela Amaral Almeida traz alegoria sangrenta sobre a sociedade DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

P

rimeiro longa-metragem da cineasta Gabriela Amaral Almeida, “O Animal Cordial” encerrou a programação da Mostra Retroexpectativa, do Cinema do Dragão, após passar por festivais nacionais e internacionais. Integrante de uma safra de realizadores inquietos e criativos, a diretora tem uma filmografia premiada invejável, especialmente por curtas-metragens como “A Mão que Afaga” (2011) e “Estátua!” (2014). Em “O Animal Cordial”, Gabriela conta a história de um

assalto que dá errado em um restaurante. Presos do lado de dentro, os personagens são tomados por uma fúria que não importa de onde surge, importa apenas que ela existe. Esse microcosmo improvável criado pelo roteiro abriga representações de uma sociedade intolerante e violenta onde todos são vilões. Fortemente influenciada pelo slasher e pelo gore, Gabriela não poupa seus personagens do derramamento de sangue. Uma de suas habilidades é imergir o público em uma trama tão hipnótica que é quase possível sentir o sabor da comida, o cheiro do lixo e a textura do sangue de cada cena.

Narrativa O público também é cúmplice do massacre que acontece na história. É intrigante a forma como o roteiro nos faz odiar aquelas pessoas, mas não nos deixa desinteressados nelas.

Assim, também é possível nos enxergar em algumas daquelas atitudes, por mais reprováveis que elas sejam, fazendo com que o filme entre em uma relação de espelhamento entre história e plateia. Ao falar sobre uma sociedade agressora e opressora, Gabriela retrata temas extremamente atuais, como relacionamentos abusivos, homofobia, racismo e posição social, com cada tema sendo exposto em cena de forma coesa. O roteiro mostra a necessidade de discutir tais temáticas e, por meio do suspense, demoniza as atitudes de cada personagem. É curioso ver a evolução da garçonete Sara, interpretada pela ótima Luciana Paes, que inicialmente parece uma mulher submissa ao chefe, mas que ganha outros contornos a partir dos conflitos e das desconfianças que vão surgindo com o tempo.

DIEGO BENEVIDES

FORTALEZA sediaráoprocesso seletivoda regiãoNordeste dos interessadosemingressar oscursos oferecidospela EICTV– Escuela InternacionaldeCine y TV –San Antoniodelos Baños,emCuba. Interessadospodem seinscrever até 2 demarçoemuma dasespecializações oferecidas:Direção, Produção,Roteiro, Fotografia,Som, Documentário,Edição eTV eNovas Mídias. DoBrasil, serão selecionadosdequatroaseis candidatosque irãofazerparte deum grupode40estudantesdetodo o mundo,principalmenteda América Latina.O cursotemduração detrês anos.O inícioestáprevisto para setembrode2018e términoem julho de2021.Uma dasexigênciasda EICTV équeoaluno tenhaentre 22e 30anos. Duasprovasserão aplicadas,uma de conhecimentosgeraise outra específicada área deinteresse,que serãorealizas em parceriacom oPorto IracemadasArtes, quetambém

WOLNEY OLIVEIRA,diretor doFestival CineCeará, éumdos realizadores cearensesque se formarampelaEICTV promoveráuma mostradefilmes da EICTV.Consideradoumdos melhores centrosdeformaçãoaudiovisual do mundo,aEICTV foifundada pornomes comoojornalista eescritor colombiano GabrielGarciaMarquez, opoeta e realizadorargentino FernandoBirri eo teóricoe realizadorcubano JulioGarcía Espinosa,entre outros.

Violência O filme não poupa a violência gráfica e os litros de sangue que sujam o cenário. Gabriela não nega suas influências aos

Interrompido

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Cinema em Cuba

A trama investe na tensão crescente, onde a desconfiança reina e as escórias são expostas. Até mesmo o que poderia ser previsível é colocado em nova perspectiva devido à sagacidade da diretora, que dirige com mãos seguras uma história possível sobre ódio. Os elementos do suspense são trabalhados com vigor, como a trilha sonora que ambienta os atos pavorosos dos personagens e os enquadramentos detalhistas. Ao ambientar a história em apenas um cenário, a diretora torna aquilo tudo claustrofóbico e sem saída. A perspicácia com que ela explora a mise en scène daquele espaço único faz com que as cenas sejam sempre potentes.

Festival online O curta-metragem “Bonita” (“Belle à Croquer” – foto),de Axel Courtière, é um dos destaques da oitava edição do MyFrenchFilmFestival, festival online que vai exibir 30 filmes franceses, entre curtas e longas, gratuitamente para usuários de diversos países. Com uma pegada de Wes Anderson ao trabalhar as cores, os cenários e a simetria da imagem, “Bonita” conta a história de amor entre um canibal gourmet e uma vegetariana. O diretor brinca com os elementos fantasiosos dessa história, ao mesmo tempo que se utiliza de recursos da linguagem clássica. O curta é carismático por driblar a previsibilidade e ao oferecer uma nova forma de falar sobre amor, sem fazer militância gastronômica. Catherine Deneuve participa como o anjo dos amores impossíveis.

Marcelo Masagão, criador do Festival do Minuto, anunciou que o evento será interrompido por tempo indeterminado. O motivo principal é a falta de patrocínio. “As leis de incentivo refletem o que vemos em diversas áreas da administração pública no Brasil: a privatização do Estado. O dinheiro é público, mas quem o administra é o privado. São as diretorias de marketing, comunicação ou sustentabilidade que decidem qual produto cultural será viabilizado”, diz o comunicado.

grandes mestres do horror, mas sua trajetória a transformou em uma referência também. Seu jeito pessoal de estilizar uma história traz o frescor para o cinema de gênero. Outro elemento sempre bem-vindo é a forma como ela brinca com a tragédia e a comédia no mesmo quadro. Seja por meio dos diálogos ou da observação do comportamento dos personagens, a diretora está sempre interessada em oferecer reações para a plateia. Não é surpresa, então, se em algum momento “O Animal Cordial” desperte uma boa risada de constrangimento no meio de uma agressão. Gabriela não se prende ao ridículo, ela oferece o ridículo como alternativa para os absurdos que aparecem em cena. No centro da história, os atores Luciana Paes, Murilo Benício e Irandhir Santos têm os melhores momentos, dando

dignidade às suas respectivas personas, mesmo que elas sejam tudo, menos dignas. Surpreende a entrega de Benício ao interpretar Inácio, o dono do restaurante. Para defender o estabelecimento dos ladrões, ele se transforma em um bicho perigoso, cujas atitudes não precisam se justificar, apenas existir. Com previsão de estreia para esse semestre nos cinemas brasileiros, “O Animal Cordial” é mais um exemplar de um cinema independente de provocação, que transporta a plateia para uma dimensão tão absurda e tão atual. Suas problematizações funcionam especialmente em um tempo onde vemos a decaída do respeito e da tolerância com os outros. Para além das metáforas sociais, é um suspense arrojado que nasce da visão crítica de uma diretora criativa e potente.

Visages,Villages

Histórico Criado em 1991, o Festival do Minuto foi um dos pioneiros ao dar atenção às produções audiovisuais de curta duração, especificamente de 60 segundos, realizados em qualquer equipamento ou técnica, inspirando a realização de diversos festivais semelhantes em mais de 50 países. Desde então, o evento realizou mais de 300 concursos temáticos e recebeu cerca de 50 mil vídeos de todos os lugares do mundo, exibidos on-line e premiados em dinheiro.

DOCUMENTÁRIO Esse ano, a cineasta belga Agnès Varda, 89, recebeu um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra, além de ser indicada, pela primeira vez, na categoria de melhor documentário por “Visages, Villages”, codigirido com o artista urbano e fotógrafo JR. Os dois encaram uma jornada pelo interior da França para falar sobre o impacto das imagens no cinema e na fotografia tradicional. Com intensas discussões sobre a resistência da arte, o diário dessa viagem vai contar com anônimos que revelam suas histórias enquanto são fotografados e “colados” pela cidade. O resultado é uma obra extremamente carismática e que testa nossa forma de olhar não apenas para as imagens, mas também para o mundo.


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