Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 24/12/16

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO, 24 E 25 DE DEZEMBRO DE 2016

CONTRAPLANO TERROR

FICÇÃO CIENTÍFICA

Não é só mais um filme com zumbis

Romance em viagem espacial

Exibido no Festival de Cannes, o sul coreano “Invasão Zumbi” extrai o melhor do terror e da ação em trama política DIEGO BENEVIDES Crítica

A

pesar do título nacional genérico, “Invasão Zumbi” não é mais uma história qualquer estrelada por zumbis. Algumas peculiaridades da obra de Yeon Sang-ho tentam repensar como um filme de gênero ainda pode ser efetivo, dentro de um mercado onde produções incansáveis e descartáveis fazem qualquer coisa para amedrontar o público, nem sempre com sucesso. Felizmente, nos últimos anos algumas produções se destacaram ao oferecer experiências diferentes de suspense. “Boa Noite Mamãe” (2014), “A Bruxa” (2015) e “Hush: A Morte Ouve” (2016) são alguns exemplos de como novos olhares podem funcionar dentro de tramas simples, a partir de uma estrutura de drama em si, em sua composição mais natural. “Invasão Zumbi” traça um caminho semelhante ao se revelar um filme que mistura com competência o terror, a ação e o drama familiar em um contexto político, que pode ser acessado de diversas formas de acordo com a apreciação do público. Exibido na sessão Midnight Screenings do Festival de Cannes, a obra rodada na Coreia do Sul é a primeira em live action dirigida por Yeon Sang-ho, que tem em sua trajetória trabalhos apenas com animações. Aliás, “Invasão Zumbi” tem uma ligação direta com seu curta-metragem animado “Seoul Station”, também lançado esse ano. O longa acompanha o que deveria ser uma viagem entre um pai negligente e uma filha carente, em um trem que vai de Seoul até Busan. A jornada ganha proporções inesperadas quando surge uma epidemia

Com previsão de estreia para o dia 29 de dezembro, longa-metragem acompanha uma epidemia zumbi enquanto discute questões sociais universais, como a falta de segurança e de empatia da sociedade contemporânea

zumbi, que ameaça segurança dos passageiros e impulsiona o instinto de sobrevivência. Aqui, os zumbis não são seres fáceis de descartar. Não é uma simples pancada na cabeça que faz com que eles percam a consciência. Em busca de sangue, os zumbis têm seus próprios mecanismos, que são revelados aos poucos por meio de truques do roteiro que sempre funcionam. O principal estalo da trama é colocar os vivos não estão em conflito não apenas contra os infectados, mas também contra eles mesmos. A relação entre os passageiros representa uma sociedade de pouca empatia. O pai que ensina para a filha que, em situações extremas como essa, é “cada um por si” é o mesmo que sofre com a opressão de outros passageiros que não ligam para a sobrevivência dele.

Cenários Para criar esse contexto sólido, o roteiro insere passagens sobre a situação de caos insta-

lada na Coreia do Sul, seja por meio de flashes de programas jornalísticos ou pela exposição de diálogos que revelam um pouco sobre os personagens. “Invasão Zumbi” faz críticas ácidas ao governo que nega segurança para o seu povo e que aparentemente não está preparado para lidar com o inesperado, além de denunciar a ambição sem freio das grandes empresas. Também discute o espaço da gentileza e da humanidade em si, questionando até onde alguém é capaz de se importar com a vida do outro. O vírus que atinge os zumbis e dizima a população é como uma alegoria que desmascara intolerância de uma sociedade. As cenas de ação de “Invasão Zumbi” são frenéticas e o roteiro não tem muita piedade dos personagens, nem abre mão das reviravoltas. Realizando um dos melhores trabalhos de direção do ano, Sang-ho traz dinâmica para as sequências, tanto nos cenários

DIEGO BENEVIDES

Generation

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Janeiro no Dragão COMOJÁ VIROU tradição,o Cinemado Dragão– Fundação JoaquimNabuco, noCentro Dragãodo MardeArtee Cultura,organizaráa MostraRetrospectiva/Expectativa de 12de25dejaneiro.As duassalas receberãomaisde70 filmes,que misturamosprincipais lançamentos de2016com filmesinéditosque devemestrearem circuito em2017. A listacompletadas obrasqueirão comporaprogramação não deve demorara serdivulgada, masa Contraplanojá teveacesso aalguns títulosconfirmadosna programação. Entreos destaquesdos longas-metragensinéditosestãoo dramaportuguês“O Ornitólogo”, dirigidoporJoão Pedro Rodrigues, premiadonoFestivaldeLocarno,e “AugedoHumano”, deTeddyWilliams. Entreas retrospectivas,destaquepara novasexibiçõesde“Aquarius”,de KleberMendonçaFilho, em 4K.Aliás, o cinemabrasileiro teráuma forte

“OORNITÓLOGO” é umadasatrações confirmadasdaMostra Retrospectiva/Expectativado Dragão presençanaMostra.Vencedordo FestivaldeBrasília,odrama“A Cidade OndeEnvelheço”,deMarília Rocha, tambémintegra agrade deexibições, aoladodos documentários “Câmarade Espelhos”,deDea Ferraz,e“Precisamos Falarsobre oAssédio”, dePaula Sachetta.Acuradoria ficouporconta do críticodecinema Pedro Azevedo.

mais claustrofóbicos quanto dentro do próprio trem (e aqui vale destacar a incrível sequência de iluminação dos túneis). Ao mergulhar em um trabalho verdadeiramente artístico, o diretor provoca variadas sensações no público sem apelar para soluções fáceis. A transfiguração dos zumbis é outro acerto, assumindo um aspecto quase demoníaco de como eles perdem a humanidade e se transformam em monstros. Os efeitos especiais e visuais não deixam a desejar em relação às superproduções dos grandes estúdios. Essa naturalidade dá a impressão de que o cinema americano não alcançaria um aspecto visual tão puro, nem abrigaria características tão peculiares e inventivas do cinema de horror oriental contemporâneo. “Invasão Zumbi” é frenético, divertido, sensível e merece servir de inspiração para quem acredita que ainda é possível ver boas histórias de terror no cinema.

Em Berlim A representatividade do cinema brasileiro está confirmada na Mostra Panorama do 67º Festival Internacional de Cinema de Berlim, marcado para acontecer de 9 a 19 de fevereiro de 2017, na Alemanha. O drama “Vazante” (foto) é a primeira experiência solo da diretora Daniela Thomas, que codirigiu “Terra Estrangeira” (1995) e “Linha de Passe” (2008) ao lado de Walter Salles. “Vazante” se passa em 1821, nas serras pedregosas das Minas Gerais, que era baseada na extração de diamantes, ter entrado em colapso. Outro que também garantiu exibição na Panorama foi “Pendular”, de Júlia Murat, que acompanha um casal de artistas analisando como os limites, contradições e obsessões do relacionamento refletem no trabalho deles.

Além da Mostra Panorama, produções nacionais também já garantiram espaço em sessões paralelas. O drama “Mulher do Pai”, primeiro longa-metragem da diretora Cristiane Oliveira, será exibido na Mostra Generation, sessão que reúne filmes com protagonistas jovens. A obra já recebeu o prêmio de Melhor Direção no Festival do Rio e o Prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) na 40ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

D

epois de ser indicado ao Oscar por “O Jogo da Imitação” (2014), o diretor norueguês Morten Tyldum assumiu um trabalho de maiores proporções comerciais. Em “Passageiros”, Tyldum traz mais uma história espacial, tema que tem sido recorrente no cinema, a partir do roteiro de Jon Spaihts, autor de “Prometheus” (2012) e “Doutor Estranho” (2016). Além de contar com um orçamento generoso, cerca de US$110 milhões, valor que possibilita um design de produção e efeitos visuais impecáveis, Tyldum conta com os atores Chris Pratt e Jennifer Lawrence no centro da trama. Os dois são naturalmente carismáticos e queridos dos cinéfilos, e a química entre eles funciona dentro das limitações da trama. O argumento original de “Passageiros” é curioso, já que coloca um casal em uma situação inicialmente irreversível. Em uma viagem espacial para habitar uma colônia em outro planeta, cerca de 5 mil pessoas são condicionadas a dormir durante 120 anos, tempo que levará para a nave espacial chegar ao destino. Mas uma falha durante o trajeto faz com que Jim (Pratt) acorde antes de todos. Aos poucos, o engenheiro tenta voltar ao sono, já que não resistiria ao restante da viagem se estivesse acordado. Em certo

momento, Aurora (Lawrence) também acorda e os dois tentam reverter a crise do sono. O roteiro começa a se perder do segundo para o terceiro ato, como quem tem pressa de acabar e explicar tudo para o espectador. As razões científicas não são das mais originais e em momento algum o texto tenta oferecer questões inteligentes, ao contrário de obras como “Gravidade” (2013), de Alfonso Cuarón, um dos melhores filmes recentes sobre o espaço que misturam um roteiro esperto com certo apelo comercial. Por não saber muito bem aonde quer ir, o clima de mistério no início da projeção de “Passageiros” dá lugar a um drama romântico, com direito a todos os clichês possíveis do cinema americano. Essa virada do roteiro tenta maquiar a fragilidade da argumentação científica que a obra se propõe a fazer desde o começo. Felizmente, Pratt e Lawrence seguram o interesse pelo filme, transitando bem entre o mistério, a comédia e o drama. “Passageiros” se revela apenas uma aventura divertida, nada demais, que não surpreende, mas também não chega a ofender. É um filme que não contribui intelectualmente, mas que também não nega sua principal intenção de ser um produto de fácil consumo que, certamente, pode arrasar nas bilheterias. (DB)

Os atores Jennifer Lawrence e Chris Pratt usam carisma para sustentar ficção científica romântica que estreia no dia 5 de janeiro nos cinemas brasileiros

Paixõesmusicais

Estreante Outro estreante que também estará no Festival de Berlim é Fabio Meira, diretor de “As Duas Irenes”, o segundo longa nacional selecionado para a Mostra Generation. Meira foi roteirista do filme “De Menor”, ao lado de Caru Alves de Souza, e agora dirige seu primeiro filme solo. Na trama de “As Duas Irenes”, uma menina de 13 anos de uma família tradicional do interior descobre que o pai tem uma filha de outra mulher, com a mesma idade e o mesmo nome dela, Irene.

NETFLIX Sem passar pelos cinemas brasileiros, o filme “Sing Street: Música e Sonho” estreou diretamente na Netflix. Dirigido pelo irlandês John Carney, responsável pelos ótimos “Apenas Uma Vez” (2007) e “Mesmo Se Nada Der Certo” (2013), o longa-metragem foi indicado ao Globo de Ouro 2017 na categoria de Melhor Filme Comédia ou Musical. Carney, que já provou ser apaixonado por músicas e histórias de amor, traz na trilha sonora seu principal acerto. A trama é ambientada nos anos 1980 e acompanha um adolescente que enfrenta uma crise familiar. Ao mudar de escola, ele conhece uma garota e, para conquistá-la, monta uma banda com os colegas da escola. “Sing Street: Música e Sonho” se desdobra em camadas densas ao jogar um olhar sensível sobre a juventude.


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