Coluna Contraplano | Caderno 3 | Jornal Diário do Nordeste | 25/11/17

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SÁBADO E DOMINGO,25 E 26 DE NOVEMBRO DE 2017

CONTRAPLANO DRAMA

EM CARTAZ

Em busca de um sonho possível

O amor cura e muda o mundo

Em seu primeiro longa-metragem, o cineasta Geremy Jasper destaca questões sociais contemporâneas DIEGO BENEVIDES Crítico de cinema

A

aparência de filme indie de “Patti Cake$” o transforma em um produto de fácil empatia. A partir de personagens desajustados que buscam respirar em uma sociedade opressora, o filme de Geremy Jasper discute a formação e o fechamento dos nichos sociais, de onde saem tanto a adequação quanto o preconceito. Esse contexto também é o ponto fraco da obra. Na trama, a atriz Danielle Macdonald interpreta a sonhadora Patricia Dombrowski (ou Killa P ou Patti Cake$), uma mulher branca e sem condições financeiras que engole o bullying diário por conta de seu peso. Ela também tem o sonho de ser cantora de rap e, por mais talento que tenha, aparentemente não se encaixa no que seriam os padrões para a profissão. Onde quer que esteja, ela é bombardeada pela intolerância ao redor, inclusive de pessoas que também sofrem opressão. O roteiro evidencia as contradições do cenário compartilhado pela protagonista. Ao mesmo tempo que há uma questão evidente de intercâmbio de etnias, o filme logo trata de segregá-las. Enquanto Patti é uma mulher transgressora, suas atitudes nunca são boas o suficiente. Mesmo com talento, ela parece não se encaixar. Isso faz com que o roteiro questione, antes de tudo, o sonho de ser quem se é e os empecilhos que aparecem nessa jornada. O lado bom dos clichês é que eles podem ser atualizados de acordo com o tempo em que vivemos. A protagonista monta um grupo musical com um indiano, interpretado por Siddarth Dhananjay; um negro góti-

Exibido em importantes festivais como Cannes e Sundance, “Patti Cake$” estreia nos cinemas brasileiros a partir de 30 de novembro. Longa é o primeiro dirigido pelo cineasta Geremy Jasper, com produção do brasileiro Rodrigo Teixeira

Elenco formado por outsiders embalam “Patti Cake$”, uma história ágil, ainda que previsível, sobre aceitação social e conquista dos sonhos cos, papel de Mamoudou Athie; e com a própria avó doente, vivida pela ótima Cathy Moriarthy. Esse gueto particular de outsiders funciona pelo carisma, e o roteiro questiona justamente os motivos de ser tão difícil, em termos mais amplos, as pessoas aceitarem umas as outras.

Conflitos O fato de ser mulher e ter sobrepeso é o mais óbvio para os preconceitos vividos por Patti, bem como sua situação financeira que mostra a decadência da ideia de uma família americana perfeita. Por outro lado, o longa arrisca ao criar

um preconceito reverso de negros contra brancos, ditos incapazes de se apropriar uma arte que, historicamente, foi desenvolvida por negros. A discussão é boa, ainda que o filme não se posicione com firmeza sobre o que pensa disso. É como se a obra criasse diversas dobras políticas e sociais, mais como sugestão do que como solução. Não é uma história impossível, mesmo com os elementos fantasiosos que saltam na tela em alguns momentos, mas também não propõe novos rumos. As fronteiras são expostas sem temer, o que abre espaço para o filme ser questionado inclusive sobre sua conduta e responsabilidade ética em um contexto onde se busca pensar e se posicionar sobre inclusão e redução das intolerâncias. Ainda assim, é possível embarcar na história da protagonista. É divertido (e doloroso, às vezes) ver a jornada de Patti contra o mundo. A construção da atriz Danielle Macdo-

DIEGO BENEVIDES

Havana

diego.benevides@diariodonordeste.com.br

Thriller familiar EM CARTAZ nos cinemasdeSão Paulo,othriller nacional “Quandoo GaloCantarpela TerceiraVez RenegarásTua Mãe”,primeiro longa-metragemdirigido porAaron SallesTorres,explorao talento dos atoresFernando AlvesPintoeCatarina Abdalla.Ele interpretaInácio,um rapazhomossexualcom esquizofrenia funcional,enquantoCatarina vive Zaira,sua rigorosa mãe.Eles enfrentamuma relaçãoconturbada, quepioraquando opatriarcada famíliamorre.Tendo queconviver como caosemocional dentrodecasa e umapaixãoobsessivapor um morador,Inácio vaiem direçãoaum destinoexplosivo. Odiretor fazum trabalhointeressante nacondução dos mistériosda trama, possibilitandoo olharvoyeur dos personagens do própriopúblico pormeio signos comunsdo suspense.Atrilha sonora, noentanto,é excessivamentedidática parapontuar atensão crescente.

FERNANDO ALVESPINTO protagoniza osuspense“Quando oGalo Cantarpela TerceiraVezRenegarásTua Mãe” Tambémháuma perda ao provocar,no terceiroato, uma mudançade percepçãoqueatrapalhaa narrativa, tornando-a menosorgânica. Apesar dostropeços, otalento dedois grandes atoresconsegue segurar aatenção da plateiaaté oúltimo planodolonga. Este queé,aliás, umplanopoderoso, digno deseremoldurado.

nald cria camadas para justificar suas atitudes, especialmente quando ela precisa ser forte e contornar suas dores. A relação de Patti com a música é apaixonante e a formação de um inesperado grupo de rap tem seu charme. Talvez o filme não termine tão bem quanto começa, tendo provocado mais do que aprofundado seus caminhos políticos, mas é uma história que tem alma. O diretor Geremy Jasper conduz uma narrativa cheia de energia. Os improvisos e as batalhas musicais dão o tom pop do longa-metragem, que tem um ótimo trabalho de imagem. Ancorado em um elenco que em nada deixa a desejar, Jasper tem um primeiro filme razoável, porém carismático. E empatia é o falta em vários filmes e no mundo. Produzido pela RT Features, do brasileiro Rodrigo Teixeira, o longa foi exibido na Mostra de Cinema de São Paulo e estreia em circuito comercial a partir do dia 30 de novembro.

Independente O aguardado drama “Me Chame Pelo Seu Nome”, dirigido pelo diretor italiano Luca Guadagnino, liderou a lista de indicados ao Independent Spirit Awards 2018. A premiação elege os mais importantes filmes independentes do período. O filme de Guadagnino somou seis indicações: melhor filme, direção, ator para Timothée Chalamet, ator coadjuvante para Armie Hammer, fotografia e montagem. Inspirado no elogiado livro de André Aciman, “Me Chame Pelo Seu Nome” mostra o relacionamento entre dois jovens na Itália de 1983. A obra é produzida pela RT Features, do brasileiro Rodrigo Teixeira, que também participa do Independent Spirit Awards com os filmes “A Ciambra”, de Jonas Carpignano, e “Patti Cake$”, de Geremy Jasper.

Com direção de Carolina Jabor, o drama “Aos Teus Olhos” foi selecionado para o 39º Festival de Havana (Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano), que acontece em dezembro. Protagonizado por Daniel de Oliveira, o longa concorre com outras 19 produções na categoria melhor longa de ficção. A trama gira em torno de um professor acusado de beijar um aluno, assunto que viraliza na internet. Ainda não há data de lançamento da obra.

Acessibilidade A Ancine prorrogou o prazo para a entrada em vigor na normativa que obriga recursos de acessibilidade visual e auditiva nas salas comerciais de cinema. O normativo fixava o dia 16 de novembro para o fim da carência e determinava que 50% das salas de grupos exibidores com mais de 20 salas e 30% dos espaços de grupos com menos de 20 salas estivessem adaptadas até a data. A nova data para o cumprimento das obrigações é 16 de novembro de 2018.

A

inda jovem, Robin Cavendish é acometido pela poliomielite, que o paralisa do pescoço para baixo. Os cuidados da esposa Diana são fundamentais para melhorar sua qualidade de vida. Inspirado em fatos reais, “Uma Razão para Viver” é a primeira experiência do ator Andy Serkis como diretor. O longa evita seguir uma estrutura na qual apelar para a emoção exagerada atrapalharia o andamento da trama. Claro que é uma história tocante, que coloca o amor como ferramenta de transformação, mas o roteiro de William Nicholson dosa suas proposições, o que torna fácil embarcar na vida dessa família. O ator Andrew Garfield traz uma interpretação sólida a partir das limitações físicas. Ao atuar a maior parte do tempo apenas com movimentos na cabeça, sem deixar de expressar sensações, Garfield mostra que é um dos melhores atores de sua geração quando boas oportunidades são concedidas a ele. Ao seu lado, Claire Foy mostra o amadurecimento de Diana, uma mulher surpreendida pela destino do marido e com um filho para criar. Ao tirá-lo do hospital, onde Robin estava praticamente aguardando a morte, Diana faz uma revolução. Os dois descobrem que é mais confortável estar em casa, mas que as limitações seguem as mesmas. É quando eles começam a pensar no que hoje chamamos de acessibilidade.

Robin e Diana passam a construir mecanismos de vivência, em especial uma cadeira de rodas na qual é possível acoplar o aparelho respiratório do paciente. A estimativa de vida de Robin se estende para além do que foi previsto e ele se torna um exemplo entre outros enfermos. Se passam muitos anos em pouco tempo de filme, o que fragiliza alguns conflitos do roteiro. O primeiro ato é muito acelerado para dar tempo de incluir tantas abordagens. O recurso de mostrar a passagem de tempo por meio do crescimento do filho do protagonista fica muito óbvio, pouco ajudando na fruição da trama. Como diretor, Andy Serkis faz um trabalho poético e justo para uma primeira experiência. Ele explora as ambientações, a marcação dos personagens e os elementos cênicos, em especial o desenho de produção detalhista e a requintada direção de fotografia. A trilha sonora às vezes soa piegas, ainda que associada a um período histórico que pende para isso. “Uma Razão para Viver” é uma história inspiradora discute o amor como pilar fundamental das relações familiares, além de falar sobre a integração de pessoas com deficiência a uma rotina normal. Tantas décadas se passaram desde o triunfo de Robin e muito ainda precisa ser feito para fazer com que a vida de pessoas com limitações físicas seja possível. E tudo pode acontecer com mais amor. (DB)

Andrew Garfield e Claire Foy estrelam od rama biográfico “Uma Razão para Viver”, primeiro longa-metragem dirigido pelo ator Andy Serkis

ArquiteturadaPaz

DOCUMENTÁRIO Responsável por filmes como “O Cheiro do Ralo” (2006), “À Deriva” (2009) e “Serra Pelada” (2013), o cineasta pernambucano Heitor Dhalia mergulhou pela primeira vez no documentário com “On Yoga: Arquitetura da Paz”, exibido na última Mostra de Cinema de São Paulo. O argumento parte da interessante história do fotógrafo Michael O’Neill, que passou 10 anos desenvolvendo um projeto com grandes mestres da yoga. Dhalia e O’Neill revisitam esses cenários exuberantes da Índia e de Nova York, em uma jornada intimista e filosófica. Sem abrir mão de seu requinte da imagem recorrente, Dhalia se aprofunda nos benefícios da yoga, sem perder O’Neill do foco, que encontrou nessa prática uma nova forma de viver e fotografar. A busca pela paz é importante em um mundo cada vez mais caótico, ainda que algumas vezes o filme caia, inevitavelmente, em um tom institucional. “On Yoga: Arquitetura da Paz” está em cartaz em algumas capitais brasileiras, ainda sem previsão de estreia em Fortaleza.


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