Reflexão C
A nossa vida é uma peregrinação
aros irmãos de nossa Diocese de Guarulhos... Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! A afirmação que escolhi como título deste texto e, que se encontra em todas as versões da Oração Eucarística VI para diversas circunstancias, nos foi escrita pelo grande Santo Agostinho, o qual a completa: e como tal ela está cheia de tentações. É justamente esta a inspiração que me é dada ao coração pelo Divino Espírito diante desta circunstância adversa, inusitada, complexa e incerta em que vivemos todos nós. Porém, antes de concluir esta inspiração, vos escrevo de Roma, Cidade Eterna, que assistiu a história da construção de nossa civilização ocidental, que presenciou grandes guerras, grandes disputas filosóficas, jurídicas e políticas, mas que presenciou especialmente o derramamento do sangue dos apóstolos e mártires que se tornou adubo para fecundar a terra semeada com o broto do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo regada pelo Dom do Espírito, vindo a se tornar o coração do Cristianismo, e local que até nossos dias abriga a pessoa do Santo Padre – o doce Cristo na terra – hoje, papa Francisco. Roma é capital da Itália, o primeiro país a experimentar duramente na própria pele a desgraça da pandemia depois da própria China. Onde se tem até o momento o registro de mais de 30.000 mortos e mais de 200.000 casos confirmados da doença. De início, não nos preocupávamos, pois, quando os jornais acenavam a respeito de um novo vírus surgido na China, ninguém esperava que pudesse chegar até nós. Porém, tudo mudou quando os primeiros casos começaram a surgir no norte da Itália, e, em questão de dias já se tratava de uma situação de saúde pública nacional. Casos e óbitos aumentavam a cada dia, o que fez o governo estabelecer a ‘quarentena’, e assim, comércios foram fechados, as aulas foram suspensas e principalmente, as igrejas que não podiam mais celebrar Missas com a presença dos fiéis. Exatamente como vem acontecendo no Brasil.
Junho de 2020
Padre Leonardo Henrique Mestrando em Ciências Patrísticas em Roma
Para muitos a Igreja se calou, o que não representa a verdade, pois em primeiro lugar, o Santo Padre tem nos animado na fé e na esperança através de suas homilias e discursos, e ficará para a história a noite do dia 27 de março quando o mundo parou para ouvir as palavras do Pontífice, adorar o Santíssimo e receber a Benção Urbi et Orbi. E também são dignas de nota as ações da Igreja italiana, como o auxílio que já chega a quase 225 milhões de euros que foi repassado pela Conferência Episcopal às Caritas diocesanas e outras instituições para ajudar os mais pobres defronte a situação emergencial do Covid-19. Nós, sacerdotes do Colégio Pio Brasileiro – residência oficial dos sacerdotes brasileiros estudantes em Roma – nos recolhemos em nossos estudos e orações, permanecendo reclusos por quase três meses. Além de continuarmos nossas vidas e nossos estudos online, vivenciamos cada dia na Eucaristia a penitência quaresmal e a Páscoa do Senhor Ressuscitado celebrando por cada irmão na fé e por cada pessoa humana em suas aflições, medos e necessidades; confesso que em cada Missa pensei em todos os nossos diocesanos, principalmente diante desta situação em que os fiéis na sua grande maioria não podem participar presencialmente do Santo Sacrifício Eucarístico: rezo cada Missa como se fosse a primeira, a última e a única, e tenho certeza que as graças alcançarão a todos mesmo distantes do Altar do Senhor, pois Deus não rejeitou o seu povo (Rm 11,2). Graças a Deus os números de óbitos e contagiados por aqui apresentam uma diminuição. Novas fases estabelecidas pelo governo começam a entrar em vigor. Tanto as pessoas já podem circular pelas ruas tomadas as devidas precauções e prudências, como as Missas já podem ser celebradas com a presença de fiéis. Mas tudo é feito com calma, paciência e respeito às normas. Também nós aqui no Colégio zelamos pela prudência e pelo cuidado mútuo. E assim, continuamos nosso caminho, nossa peregrinação.
Escrevendo-vos estas palavras, tenho total consciência da difícil situação que ainda, nestes dias, se vive em nosso querido Brasil. Não pretendo aqui me perder em palavras sobre os detalhes dos números no país, sobre a dificuldade do isolamento social, e acima de tudo, sobre a ‘politização’ que sabemos estar havendo; mas quero lhes dizer o quanto rezo por nosso país (principalmente por aqueles mais necessitados, desempregados, sofredores de modo geral, pessoas vítimas do descaso, etc.) e assim concluir o pensamento com o qual comecei este texto: a nossa vida é uma peregrinação, e como tal ela está cheia de tentações. Não tenho dúvidas que muitos se pegam questionando tudo isso: “Por que Senhor?” Em matéria de fé, acredito que não seja esta a pergunta que deve ser feita, mas sim: “Para que Senhor?” “Para que passamos por isso?” “O que o Senhor nos ensina com essas adversidades?” E é justamente aí que entendemos a afirmação de Santo Agostinho: seguimos nossa peregrinação, a qual está cheia de tentações, porém nossa maturidade se forja nas tentações e ninguém conhece a si mesmo se não é tentado; Bastou o menor e mais informe elemento da natureza, um vírus, para nos recordar que somos mortais, afirmou Fr. Raniero Cantalamessa na Sexta-Feira Santa deste ano: ou seja, nos desnudou; nos fez enxergar nossas fraquezas e inseguranças; nos fez perceber o quanto somos fracos, amedrontados e fiéis de pouca fé. Por isso meus irmãos, nestes tempos de pandemia, sejamos cuidadosos, prudentes e respeitosos, e mais: nos apeguemos a Cruz, à Palavra e ao testemunho dos santos para vencermos este sofrimento, e depois desses dias que esperamos que não se prolonguem, ressuscitemos e saiamos dos túmulos de nossas casas, não para uma vida como vivíamos antes, mas para um vida nova. E que, Maria, saúde do seu povo, interceda por nós, para que um dia, vitoriosos e gratos a Deus por tudo que nos ensina, até mesmo na dor, possamos dizer como o poeta romano Virgílio: talvez algum dia nos seja agradável recordar estas coisas.
Folha Diocesana de Guarulhos
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