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dezembro 2014 / janeiro 2015
Valdemar Figueredo Queremos pastores de mercado ou de carne e osso? p. 24 Philip Jenkins Cristianismo pode acabar no Oriente Médio p. 32 José Dilson Omissão da Igreja favorece violência p. 50
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MILHÕES A maior perseguição religiosa de todos os tempos
R$ 11,90
• São mais de 150 mil cristãos mortos por ano • No último século, vítimas chegaram a 50 milhões • Intolerância ameaça também o Brasil
ISSN 1982-3614
Edição 44 - Ano 8 CristianismoHoje.com.br
dezembro 2014 / ja neiro 2015
Conteúdo 6 Nota do editor
CULTURA
Quem tem ouvidos, ouça Carlos Fernandes
8 Respondendo Rep r odu ç ã o
Os leitores se manifestam por e-mail, nas redes sociais Twitter e Facebook e no site da revista
13 Destaques
Universidade da Família: boa literatura e congressos sobre este tema essencial da vida cristã
62 Destaque
Na sociedade brasileira, ateus são mais rejeitados do que usuários de drogas / Eleições-2014 consagram maior bancada evangélica da história do Congresso / Mulheres do Caminho: orações e apoio a cristãs que sofrem perseguição
64 Conversa
O jornalista, teólogo e escritor Maurício Zágari fala sobre seu novo livro, Perdão total
65 Resenhas
PERSPECTIVAS 24 Mosaico
O artesão e o burocrata Valdemar Figueredo
25 Vida plena Medo do medo
Esther Carrenho
26 Lectio
Os três pilares da vida cristã Osmar Ludovico
28 Os outros seis dias Questão de coerência Carlo Carrenho
30 Arte e fé
Um convite existencial e espiritual
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Antigo Testamento interlinear hebraico-português / Missão integral / Conversa franca sobre cura O carpinteiro O medalhão perdido
Matéria de Capa
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À beira da extinção Avanço da perseguição religiosa pode eliminar o Cristianismo do Oriente Médio Philip Jenkins
66 TESTEMUNHO
“A cura não veio do jeito que eu queria” Patrícia Bretas
O século da perseguição Estigma da intolerância religiosa Da Redação já é marca deste início de milênio
Andando e chorando A Igreja sofredora precisa de apoio e orações para continuar fazendo a obra de Deus sob as mais Ronaldo Lidório duras condições
Nelson Bomilcar
Entrevista 50 “A intolerância cresce de forma gigantesca” O missionário José Dilson diz que omissão da Igreja é que desencadeia a perseguição Por Carlos Fernandes
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46 54 58
Guiados pela grande nuvem Projeto Evangelho Global Por que a tradição é vital para a compreensão Gerald McDermott das Escrituras Bem aventurados os falidos Eu quase gostaria que a nossa família estivesse financeiramente mal de novo Caryn Rivadeneira
“Sobrevivi ao ebola” A missionária americana Nancy Writebol fala sobre sua experiência com a epidemia que Morgan Lee assusta o mundo
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Em O carpinteiro, Silvestre Kuhlmann traz musicalidade inspirada, poesia consistente e conteúdos essenciais da fé cristã
F oto T estemunho : A r qui v o pessoa l
Prefeita de Houston (EUA), homossexual, impõe censura prévia a pregações / Quase 50% dos evangélicos não creem na Bíblia como verdade literal / Abaixoassinado pede ao Senado lei contra uso vexatório de símbolos sagrados
ONLINE
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10 Panorama
C ent r o : Rep r odu ç ã o
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NOTÍCIAS
dezembro 2014 / ja neiro 2015
Nota do Editor
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ocê, cristão, já sofreu perseguição ou intolerância por causa da crença que professa? Já teve direitos suprimidos, foi discriminado ou mesmo vítima de algum tipo de violência por crer em Jesus? Se a resposta é não, ou limita-se a meros constrangimentos e piadas, sinta-se feliz e seja grato a Deus. Neste exato momento, cerca de 100 milhões de pessoas, irmãos seus e meus em Cristo Jesus, pagam alto preço por sua fé. Eles vivem em países ou regiões onde dizer-se servo de Jesus pode acarretar todo tipo de sanção, desde a deserção por parte dos pais e o repúdio dos amigos até as mais cruéis formas de tortura e morte. Em pleno século 21, conhecido como a era da informação, da pós-modernidade e da valorização dos direitos individuais, pelo menos 65 nações impõem severas restrições à expressão religiosa. As maiores vítimas são os cristãos, repetindo o que vem acontecendo desde o primeiro século, quando o Império Romano elegeu os “do caminho” – como os crentes no Jesus recém-ressurreto eram conhecidos – como alvos preferenciais. Em grande parte do mundo de hoje, sobretudo na África, no Oriente Médio e na Ásia, a chamada Igreja perseguida padece sob governos totalitários, tiranos sanguinários, grupos armados e sociedades onde a Bíblia é um livro proscrito. Desde a derrocada do comunismo, nos anos 1980, o principal algoz da Igreja tem sido o extremismo islâmico. Essa doutrina brutal se confunde com políticas de Estado anticristãs e motiva radicais como os grupos Estado Islâmico, que alastra-se sem controle no Iraque e na Síria trucidando cristãos, ou Boko Haran, que espalha o terror na África em nome da Sharia, a interpretação mais violenta do Corão. Mas mesmo em nações do chamado mundo livre, na Europa ocidental, Estados Unidos ou América Latina, a intolerância religiosa tem revelado sua face sinistra e ameaçado aquele que é um dos mais fundamentais direitos do homem: o de crer livremente. Esta edição de CRISTIANISMO HOJE é voltada para este importante tema da agenda contemporânea. Através do depoimento de especialistas, muita pesquisa e informação colhida tanto no campo missionário como no noticiário mundial, produzimos reportagens, artigos e colunas que retratam um pouco do que tem acontecido e sinalizam a possibilidade de que, em futuro próximo, a tão profetizada perseguição à Igreja torne-se uma realidade global. Sem alarmismos, mas com fatos – como a prisão de pastores, a censura a pregações e a pressão de grupos de interesse, com apoio oficial e acadêmico –, a revista revela que o sofrimento dos crentes ao longo da história tem se repetido hoje, e com maior intensidade. Nos últimos cem anos, mais cristãos foram mortos unicamente em virtude de sua fé do que em todos os séculos anteriores. Trata-se, portanto, de uma reflexão oportuna e necessária. E, como diz a Bíblia, fica a recomendação: quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
Quem tem ouvidos, ouça CARLOS FERNANDES Editor-executivo
Siga CRistianismo Hoje no Twitter @cristianismohj www.cristianismohoje.com.br Conteúdo cristão para mudar as pessoas que mudam o mundo Cristianismo Hoje é uma publicação bimestral da Cristianismo hoje Editora Ltda produzida pelo CECOM - Centro de Estudos da Comunicação.
Conselho Editorial Alzeli Simas • Betty Bacon • Carlos Buckzinsky • Carlos Queiroz • Eleny Vassão • Eude Martins da Silva • Henrique Ziller • Key Yuasa • Marcelo Augusto Souto • Mario Ikeda • Nataniel Gomes • Ricardo Bitun • Richard Werner • Ronaldo Lidório • Volney Faustini • Ziel Machado • Waldimir de Carvalho • William Douglas Diretor Márcio Cardial
CENTRO DE ESTUDOS DA COMUNICAÇÃO. Rua Sepetiba, 416 – Sala 2 Vila Romana CEP 05052-000 São Paulo (SP) Tel.: (11) 3879-8200
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Quem somos Cristianismo Hoje é uma publicação evangélica, nacional e independente, que tem como objetivo informar, encorajar, unir e edificar a Igreja brasileira, comunicando com verdade, isenção e profundidade os fatos ligados ao segmento cristão, bem como o poder transformador do Evangelho a todos os seus leitores
Editor-chefe e Publisher Marcos Simas – MTb 35185
A revista tem uma parceria com Christianity Today International, um dos mais importantes grupos de mídia cristã do mundo, com 4 revistas impressas. 5 revistas digitais e mais de 40 sites e blogs
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Produção Gráfica Gustavo Gabriel Rodrigues - pcp@cecom.inf.br
Editor-executivo Carlos Fernandes – MTb 17336
Colunistas Carlo Carrenho • Esther Carrenho • Nelson Bomilcar • Osmar Ludovico • Rubinho Pirola • Valdemar Figueredo Colaboradores desta edição Carin Rivadaneira • Gerald McDermott • Marguerite Shuster • Ronaldo Lidório Diretor de arte Rafael Murad - contato@designderevista.com.br SAC Assinaturas assinatura@cristianismohoje.com.br Publicidade Almir Lopes - (11) 9-8191-9912 - almir.lopes@cristianismohoje.com.br Informações faleconosco@cristianismohoje.com.br Caixa postal 107.088 Niterói (RJ) – CEP 24360-970
Editor de cultura Marcos Stefano
Distribuição A revista Cristianismo Hoje é distribuída em bancas pela Fernando Chinaglia.
Jornalistas desta edição Morgan Lee • Philip Jenkins
CTP e impressão Gráfica EDIGRÁFICA
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Respondendo Podem falar o que quiserem, mas contra fatos não há argumentos. A Universal cresce a cada dia e continua ganhando almas, resgatando aqueles que são rejeitados pela sociedade. Conheci a verdade da salvação lá e lá estou até hoje, com o desejo de ganhar almas. Enquanto perdem tempo criticando a Iurd, nós estamos na missão de ganhar almas e arrancá-las das garras do inferno. Daniela Santana (
via Facebook)
Este Templo de Salomão é o mesmo que virar as costas ao sacrifício de Jesus. Rafael Paulino (
via Facebook)
Antes fosse só a Igreja Universal. Acontece que ela fez escola e, hoje, há uma legião de igrejas apóstatas. O espírito de religião tomou conta de tal forma que o Cristianismo passa
A CASA dos absurdos (CH 43)
longe do púlpito dessas igrejas. Não se trata
O novo templo da Igreja Universal é a maior prova de que o Evangelho, no Brasil, está definitivamente corrompido pela ganância e pelo interesse financeiro. Ricardo de Nicolla (
via Facebook)
Sinceramente, às vezes penso que, no Brasil, está faltando perseguição religiosa para valer. Assim, haveria outra reforma protestante, para trazer de volta o verdadeiro Cristianismo neste país. Miriam Almeida (
via Facebook)
Du Silva (
via Facebook)
Em um país democrático, com Estado liberal e uma sociedade cada vez mais secular, podemos falar em reforma da Igreja?
Humor - Rubinho Pirola
de ficar repetindo o nome de Jesus, mas de retomar os princípios do Cristianismo autêntico, que estão perdidos e abandonados. Marcelo Kropf (
via Facebook)
Falaram tanto dos católicos e hoje fazem um “vaticano” no Brasil… Roberto Alves Tesch (
via Facebook)
Por mais que desaprovemos essa obra, devemos tomar cuidado com as palavras ditas. Já não basta o que o mundo pensa, diz e faz contra nós? Se não for para a edificação do Corpo de Cristo, melhor nos calarmos. Elzir Gomes Filho (
via Facebook)
Jesus nunca pregou esse tipo de prosperidade. A verdadeira prosperidade é viver uma nova vida em Cristo e ser feliz em toda situação. Zuza Batista (
via Facebook)
AGUDO COMO PUNHAL [Entrevista com Luiz Felipe Pondé] Luiz Felipe Pondé fez uma análise madura e inteligente do fenômeno evangélico contemporâneo: “Na medida em que os evangélicos formam a base do PT, católicos socialistas e evangélicos oportunistas se dão as mãos
O editor-executivo gostaria de receber comentários e sugestões do leitor. Email: editor.ch@cristianismohoje.com.br
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institucionalmente”. Que tristeza! Cirene Serpa (
via Facebook)
Notícias
Divulgação
U m pa n o r a m a da I g r e j a , da r e l i g i ão e da s o c i e da d e
Testemunha
Reaproximação Quando arcebispo da capital argentina, Buenos Aires, Jorge Bergoglio mantinha constantes encontros com evangélicos, ocasiões em que conversavam sobre a fé e oravam juntos. Como papa Francisco, ele mantém o caminho de reaproximação, quase 500 anos depois da Reforma Protestante. Ano passado, em visita ao Brasil, ele fez questão de orar o Pai Nosso com crentes da Assembleia de Deus numa comunidade pobre do Rio de Janeiro. O líder católico tem se encontrado com pastores de várias confissões. Em julho, na Igreja Evangélica da Reconciliação, denominação pentecostal italiana, pediu desculpas pela perseguição católica movida aos evangélicos durante o regime de Benito Mussolini (1922-1943), quando o protestantismo chegou a ser proibido. “Eu sou o pastor dos católicos e peço o seu perdão por aqueles católicos que não compreenderam e foram tentados pelo diabo”, disse Francisco. Separadas por enormes diferenças teológicas e doutrinárias, católicos e evangélicos parecem ter deixado para trás antigas animosidades. O anúncio de que o padre Marcelo Rossi – ícone do movimento da Renovação Carismática – sofre com a depressão motivou uma corrente de solidariedade e orações dos evangélicos brasileiros por sua saúde nas redes sociais e nas igrejas
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Notícias
Panorama
Museu gay
Arquivo
O governo paulista anunciou a ampliação do Museu da Diversidade Sexual. Criada em 2012, a instituição – que só tem paralelo em Berlim, na Alemanha, e São Francisco, nos EUA – vai ocupar espaço privilegiado num casarão centenário, no coração de São Paulo. Além de exposições e eventos sobre a temática homossexual, a casa vai abrigar espetáculos, palestras, biblioteca e o acervo pessoal de personalidades do universo LGBTT.
Pela dignidade do sagrado A psicóloga cristã Marisa Lobo e o deputado federal Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) organizaram um abaixo-assinado pedindo ao Senado Federal a criação de uma lei que criminalize o uso vexatório de símbolos religiosos. Segundo o parlamentar, o objetivo é coibir o escárnio a cruzes, bíblias e quaisquer objetos que remetam à fé, como tem acontecido em diversas manifestações promovidas pela militância gay Brasil afora. O documento pode ser acessado e assinado no endereço www.citizengo.org/pt-pt/12080.
Além da vida Um estudo da Universidade de Southampton, na Inglaterra, mostrou que muitos pacientes têm algum tipo de lembrança sobre o período em que estiveram clinicamente mortos. Entre os sobreviventes de paradas cardíacas, 55 pessoas – 40% dos casos – disseram ter alguma percepção ou lembrança dos momentos anteriores à ressuscitação. Um homem disse ter observado, de fora do corpo, os esforços da equipe médica para reanimá-lo, relatando os procedimentos com detalhes.
De todas as tribos Mais 18 idiomas de pequenos grupos étnicos ganharam sua tradução da Bíblia no último ano. É o caso do toba, falado por 25 mil pessoas na Argentina; do krio, com 495 mil falantes em Serra Leoa; e do altai, usado na Rússia por uma comunidade com 75 mil pessoas. Segundo as Sociedades Bíblicas Unidas, já há traduções para cerca de 2,6 mil línguas do mundo, sendo que 500 contam com a Bíblia completa. Contudo, cerca de 4 mil idiomas e dialetos não possuem sequer um Novo Testamento.
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Houston, uma das principais cidades dos EUA: perigo à liberdade religiosa
A fé sob risco Houston, importante cidade do estado do Texas com mais de 2 milhões de habitantes, está no centro da escalada contra a liberdade religiosa nos Estados Unidos. A prefeita Annise Parker – que é homossexual assumida – apresentou uma proposta para que pastores e padres sejam obrigados a submeter seus sermões a avaliação prévia pelo Conselho Municipal. A ideia é coibir o “discurso homofóbico” dos religiosos, e já há processos contra cinco pregadores, por suposta ofensa aos gays. A medida, que fere frontalmente a Constituição do país, gerou estupefação. Quatrocentos pastores da cidade buscam judicialmente a suspensão da proposta, considerada censura à fé. Russel More, presidente da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa da Convenção Batista do Sul, indigna-se: “Nunca daremos a César o que é de Deus”. Christina Holcomb, advogada da Aliança em Defesa da Liberdade, classifica o ato como uma “verdadeira inquisição”. Já no estado de Idaho, dois ministros cristãos que administram uma capela para casamentos foram notificados pela Procuradoria de que teriam de realizar cerimônias de uniões homoafetivas sempre que solicitados. Em caso de recusa, estarão sujeitos a multa de US$ 1 mil (cerca de R$ 2,5 mil) e até 180 dias de prisão. “É um absurdo que pastores sejam obrigados a contrariar suas crenças religiosas”, protesta Tony Perkins, presidente do Conselho de Pesquisas da Família.
cristianismohoje.com.br dezembro 2014 / janeiro 2015
O papa e Darwin A teoria da Evolução e do Big Bang são reais e não contradizem fé cristã, disse o papa Francisco. Para o líder católico, Deus deu à sua criação a capacidade de se desenvolver e evoluir. “Lendo o Gênesis, corremos o risco de imaginar que Deus era um mágico com uma varinha capaz de fazer tudo. Mas isso não acontece”, frisou. “Ele criou os seres vivos e permitiu que se desenvolvessem de acordo com leis naturais.”
Por dentro do Vaticano O vasto acervo da Biblioteca Apostólica do Vaticano será disponibilizado a internautas do mundo todo. A empresa NTT Data Corporation lançou um aplicativo para permitir fácil acesso a mais de 4 mil documentos de valor inestimável sobre o Cristianismo. O projeto será concluído em 2018, mas já pode ser acompanhado pelos sites www.vaticanlibrary.va e www.digitavaticana.org.
Religião a cabo Mais de 4,8 mil horas por mês. Este é o tempo dedicado a programas cristãos nas emissoras de TV a cabo. São cerca de 160 horas diárias – um aumento de 50% nos últimos dez anos. O que chama a atenção
é o crescimento na locação de horários em emissoras que, em tese, deveriam oferecer programação educativa e cultural. Programas evangélicos e católicos já superam o tempo destinado às atrações esportivas.
Crise de fé no púlpito Um em cada 50 clérigos anglicanos no Reino Unido acredita que Deus é apenas uma construção humana, e 20% dos sacerdotes da denominação não acreditam que existe um Deus pessoal. A pesquisa YouGov aferiu, ainda, que 40% deles acham que outras religiões também levam à salvação.
Datas Vem aí o 14º Congresso Anual de Igreja em Células, entre 19 e 22 de março em Águas de Lindoia (SP). Mais informações com o Ministério Igreja em Células: Fone (41) 3276-8655; e-mail celulas@celulas.com.br e site www.celulas.com.br.
Desde a concepção O Novo Código Civil argentino foi aprovado, em outubro, com novidades oriundas da pressão da Igreja. O texto estabelece que a vida humana começa no momento da concepção, o que dá um novo balizamento nas discussões sobre o aborto e as pesquisas com células-tronco embrionárias. Além disso, o novo texto legal não contempla a fecundação póstuma – ou seja, quando o pai ou a mãe já morreram, mas deixaram óvulos ou espermatozóides congelados.
A Igreja sobrevivente é o tema do 42º Encontro Sepal, de 4 a 8 de maio, em Águas de Lindoia. Informações e inscrições pelo fone (11) 3745-4590 e também no site www.lideranca.org/42encontro
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Notícias
Estética do bem
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Esteticistas paquistanesas estão ajudando vítimas de atentados com ácido. Os autores das agressões, que causam cegueira e chegam a desfigurar as mulheres, são homens – inclusive maridos e parentes próximos. O salão de Musarat Misbah, na cidade da Lahore, já atendeu centenas de mulheres e recebe doações para pagar cirurgias nos casos mais graves. “Como é um problema feminino, quase sempre os casos são abafados”, lamenta Musarat.
A “graça” de Malafaia No último processo eleitoral, o pastor Silas Malafaia provocou muita polêmica. Comentando os debates na TV entre a petista Dilma Rousseff e seu adversário, Aécio Neves (PSDB), Malafaia debochou no twitter: “Vão aplicar a lei Maria da Penha contra Aécio por bater em mulher kkkkkkkkk”. Noutro post, o pastor saiu com esta: “Já esta saindo uma ordem de prisão contra Aécio por espancamento a mulher, pede pra ele não matar Dilma kkkkk”. Vários internautas criticaram o religioso por fazer piada com o grave tema da violência contra a mulher.
Oscar para Davi A Warner Bros. anunciou a produção de um filme sobre o rei Davi baseado no livro David – The divided heart (“Davi – O coração dividido”), do rabino David Wolpe. “Davi é o herói e o anti-herói mais complexo da Bíblia. Não há figura bíblica mais cinematográfica”, define o rabino. O premiado cineasta Ridley Scott também está desenvolvendo o projeto de um longa sobre o segundo rei de Israel.
Infidelidade em alta O site Victoria Milan, que intermedia encontros extraconjugais para pessoas casadas, realizou uma pesquisa entre mais de 3,5 mil pessoas declaradamente infiéis para saber como elas lidam com a fé. Para 76% dos usuários, Deus perdoa as escapadas, desde que praticadas “por uma boa causa”, como para “esquentar” o casamento com uma traição – e 45% deles oram a Deus, pedindo perdão. Mas, para 54% dos entrevistados, o perdão do cônjuge traído é mais importante do que o divino.
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Céu, inferno e salvação
Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas LifeWay revelou as percepções de católicos e evangélicos sobre importantes temas doutrinários da fé cristã: O céu é real para 90% dos evangélicos e 75% dos católicos O inferno existe para 66% dos evangélicos; 55% dos católicos dizem o mesmo 67% dos católicos creem que, além da fé em Jesus, outros caminhos levam à salvação. Entre os evangélicos, o índice cai para 19% 50% dos católicos não acreditam na Bíblia como uma verdade literal, contra 49% dos evangélicos Entre os dois grupos, 52% dos entrevistados dizem que não há necessidade de se pertencer a uma igreja para manter vida espiritual
cristianismohoje.com.br dezembro 2014 / janeiro 2015
Ateus no armário Rejeição ao ateísmo no Brasil supera a repulsa a usuários de drogas De acordo com o Instituto Rosa Luxemburgo e a Fundação Perseu Abramo, 42% dos brasileiros sentem aversão aos ateus – quantidade maior do que a daqueles que dizem rejeitar viciados em drogas. Dentre eles, 17% declararam sentir “ódio ou repulsa” e 25%, antipatia. “Ao dizer que é ateu, você pode perder o emprego, a admiração, o prestígio, os amigos e enfurecer as pessoas”, lamenta Henrique Charles, biólogo de 37 anos. De acordo com o último Censo, apenas 0,39% (740 mil) dos brasileiros se declaram ateus, embora a quantidade de pessoas sem religião tenha subido para 9% da população. “É preciso ter muita valentia para se dizer ateu no Brasil”, afirma Daniel Sottomaior, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, que tem 13 mil associados e 350 mil seguidores no Facebook. “Por isso, há muitos ateus no armário.”
“Os evangélicos são tratados como idiotas abduzidos, que não perceberiam que seu pastor não passa de um pilantra” • Reinaldo Azevedo, jornalista político, blogueiro e colunista da revista Veja
Games “abençoados” Estúdio prepara videogames baseados em heróis bíblicos As milenares aventuras bíblicas chegaram ao PlayStation, o mais popular videogame do mundo. Liderado pelos americanos Ruben e Efraim Meulemberg, o estúdio Tornado Twins submeteu à fabricante Sony um projeto com adaptações das histórias do rei Davi, Sansão e Daniel, entre outros heróis da Bíblia. Os jogos terão muita ação e luta, bem no estilo que agrada aos amantes de games. A promessa dos produtores é de que todas as situações vividas pelos personagens serão fiéis ao relato bíblico.
Aprendendo a liderar Instituto Haggai abre inscrições para cursos da temporada 2015 O Instituto Haggai, organização cristã internacional dedicada ao treinamento de liderança, já está com inscrições abertas para a temporada 2015 do curso de Liderança Avançada no Brasil. A ênfase é nas áreas de liderança e evangelismo, visando renovar o compromisso do líder cristão e oferecer ferramentas para que ele use todo o seu potencial para fazer diferença na sociedade. Os cursos acontecem na cidade de Campinas (SP), nas seguintes datas: 21 a 26 de março; 18 a 23 de julho; 19 a 24 de setembro; e 21 a 26 de novembro. Para outras informações e inscrições, basta acessar o site www.haggai.com.br.
Reprodução
DESTAQUES
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A Igreja Mars Hill, em Seatle (EUA), anunciou a dissolução de seu amplo ministério, que contava com 12 congregações e dezenas de outras igrejas associadas. Segundo comunicado assinado pelo líder Dave Bruskas, a organização será dissolvida, com venda de patrimônio, dispensa dos ministros e emancipação das igrejas locais. Considerada uma das principais expoentes do movimento denominado “igreja emergente”, a Mars Hill foi liderada, durante anos, pelo pastor e conferencista Mark Driscoll, cujo ministério entrou em crise desde que ele admitiu a prática de plágio em livros de sua autoria e fraudes nos números de vendagem de suas obras. Além disso, ele foi acusado por membros e líderes da comunidade de autoritarismo, abuso espiritual e ministração de ensinos antibíblicos. Em agosto, o Conselho da denominação já afastara Driscoll de suas funções, expedindo uma nota em que dizia esperar que o pastor “procure ajuda para a superação de seus problemas emocionais e espirituais”.
• Kaká, jogador de futebol do São Paulo e da seleção brasileira, em comunicado que divulga sua separação da empresária Carol Celico
Repensando o desafio Sétima edição do Congresso Brasileiro de Missões reúne 1,2 mil pessoas em São Paulo Cerca de 1,2 mil pessoas de todo o Brasil e exterior participaram da sétima edição do Congresso Brasileiro de Missões (CBM), realizado entre os dias 6 e 10 de outubro. Com o tema Despertando a visão missionária da Igreja brasileira, o evento foi realizado pela Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB) e pela
Associação de Professores de Missões do Brasil e teve como palestrantes os pastores Chris Wright, Jeremias Pereira, Silas Tostes e Valdir Steuernagel, entre outros, além da participação de agências missionárias, líderes e organizações não-governamentais de orientação cristã. Um dos destaques do encontro foi o lançamento da Bíblia Missionária de Estudo, fruto da parceria com a Sociedade Bíblia do Brasil e que levou 14 anos para ser produzida. A obra destaca as perspectivas missionárias da Palavra de Deus, com textos de especialistas e Russell Shedd, Bárbara Burns, Samuel Escobar e Timóteo Carriker.
Incesto legalizado Governo alemão estuda autorizar o sexo entre irmãos O Conselho de Ética do governo alemão, em decisão polêmica, afirmou que o sexo entre irmãos “deve ser legal”. O órgão determinou, ainda, que o direito que os irmãos adultos têm sobre a autodeterminação sexual é mais importante que a “ideia abstrata de proteção à família”. A nova medida, que ainda precisa passar pelo Parlamento, trata de “relações sexuais consentidas” entre parentes próximos. A Alemanha segue, assim, o exemplo de outras nações da Europa ocidental, como Luxemburgo, Holanda, França, Bélgica e Portugal, nos quais as novas leis civis têm relativizado o antigo tabu do incesto.
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Arquivo
Mega-igreja de Seatle (EUA) não resiste à crise do ministério de seu ex-líder, Mark Driscoll
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O fim da Mars Hill
“Decidimos nos separar. Da nossa união temos dois filhos que muito amamos. Em reconhecimento à importância de cada um na vida do outro, o respeito, a gratidão e a admiração seguem recíprocos”
Atrás das grades O Brasil é o quarto país do mundo em população carcerária, atrás de EUA, China e Rússia:
550 mil 200 mil 3 vezes
são os detentos nas prisões brasileiras são presos provisórios, que não deveriam estar na cadeia foi o aumento do número de presos em 20 anos
Fonte: Ministério da Justiça
cristianismohoje.com.br dezembro 2014 / janeiro 2015
Crescem relatos de muçulmanos que se encontram com Cristo enquanto dormem Cresce o número de relatos daquilo que seria um grande milagre: a conversão de muçulmanos ao Cristianismo graças a… sonhos com Jesus. De acordo com o pastor Frank Costenbader, editor do site Isa dreams (“Sonhos de Isa”, nome árabe que se encontra no Corão e refere-se a Jesus), “tem havido uma explosão de testemunhos desse tipo na internet”. Um saudita que não revela o nome por medida de segurança contou que sonhou que estava indo para o inferno, quando Cristo se apresentou a ele e disse que podia salvá-lo do terrível destino. O homem procurou a explicação com cristãos e se converteu. Já a jovem bósnia Emina Emlonic se viu, em sonhos, no meio de um árido deserto. Em dado momento, uma cruz emergiu das areias. “Caí de joelhos diante dela”, conta a adolescente. O traço comum dos relatos é o sentimento de paz que as pessoas têm após os sonhos. “Isso é muito diferente do que impõe o sistema cheio de medos do Islã”, compara Costenbader.
Reprodução
Sonhos que salvam
“Mais alto que eu, só Deus e os passarinhos. A dúvida era saber se Deus também avoava ou se ele está em toda parte, como a mãe ensinava” • Trecho do poema Brincadeiras, do poeta Manoel de Barros, morto em novembro aos 97 anos
A família em questão Pastores participam de encontro no Vaticano a convite do papa Francisco Os pastores americanos Rick Warren, líder da Igreja de Saddleback, e Russel Moore, presidente da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa da Convenção Batista do Sul dos EUA, participaram, a convite do papa Francisco, da Conferência sobre o Matrimônio e a Vida Familiar, realizada
em novembro no Vaticano. Os dois evangélicos, juntamente com outros líderes protestantes, católicos e representantes judeus, sikhs e muçulmanos, discutiram as novas configurações sociais e os desafios contemporâneos à família. O encontro veio na sequência da 3ª Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Família, presidida por Francisco e que tratou, entre outros temas, da aceitação de fiéis católicos divorciados na comunhão e da presença de homossexuais na Igreja.
Apesar da popularidade do papa Francisco na América Latina – ele conta com a simpatia de 90% dos brasileiros e 98% na Argentina, onde nasceu –, a frequência às missas vem caindo progressivamente na região:
37% dos católicos brasileiros vão à igreja uma vez por semana
Fé na rede
15% dos fiéis romanos na Argentina fazem o mesmo
Cerca de 20% dos evangélicos falam de Jesus no Twitter e Facebook, diz estudo
9% dos católicos do Uruguai vão à igreja regularmente
De acordo com o Centro de Pesquisas Pew, especializado em análises demográficas e religiosas, um em cada cinco americanos compartilham sua fé através da internet – sobretudo nas redes sociais, como Twitter e Facebook. A maioria desse grupo está entre os 18 e 29 anos de idade. Percentual semelhante é o daqueles que assistem, toda semana, a programas evangélicos de TV e rádio. Só que, neste caso, o perfil etário é mais elevado. De acordo com os pesquisadores, o padrão reflete as diferenças geracionais mais amplas na adoção de tecnologia e consumo de mídia. Por outro lado, 40% dos evangélicos pesquisados garantem que compartilham sua fé em cenários da vida real, através do bom e velho testemunho pessoal.
Hitler e Cristo Fiéis pedem retirada de quadro que mostra o líder nazista de igreja na Alemanha
Jesus e Hitler: quadro exposto em igreja da Alemanha vem causando indignação Um quadro da época nazista está causando polêmica na Igreja Christus, na cidade de
Hof, na Alemanha. A pintura, de 1939 – ano do início da II Guerra Mundial, no apogeu do regime do III Reich –, mostra Adolf Hitler ao lado de Jesus, numa cena bíblica. O fürher veste uma túnica sobre a farda cinza e aparece de frente para o Mestre. De acordo com o pastor Martin Göelkel, que dirige a congregação, os fiéis têm reclamado muito ultimamente e pedem a retirada da obra. “Algumas pessoas têm chamado este lugar de nazista”, diz o religioso. Para os membros, o maior assassino em massa da história não pode figurar em uma casa de culto cristão. Göelkel, contudo, tem outra opinião: para ele, o quadro não é uma homenagem a Hitler, e sim, a representação da força de Jesus que “resiste aos soberbos e dá sua graça aos humildes”.
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Compromisso com Cristo Ministério Nova Geração investe em estratégias para manter os jovens na fé Criado com o objetivo de equipar, inspirar e incentivar as igrejas a construir famílias saudáveis e a formar jovens comprometidos com Cristo, o ministério Nova Geração realiza, entre os dias 10 e 11 de abril, a sua Conferência Nacional, com apoio do grupo Willow Creek Brasil. A ênfase do encontro é discutir e promover estratégias para frear os elevados índices de adolescentes e jovens que se desviam da fé. De acordo com pesquisas recentes, cerca de 50% das pessoas criadas nas igrejas se desviam do Evangelho na época da faculdade, e muitos não retornam à fé. Mais informações: facebook.com/novageracaobr.
• Luciana Tamburini, fiscal de trânsito do Rio de Janeiro, ao juiz de Direito João Carlos Correa, parado numa blitz em flagrantes irregularidades, dirigindo carro sem placas ou documentos e sem portar carteira de habilitação. Ele deu voz de prisão a Luciana, ao ser informado que teria o carro rebocado, e ainda processou a agente por “desacato”. Em segunda instância, a Justiça fluminense condenou a funcionária a pagar indenização de R$ 5 mil a Correa por desrespeitar a “importância da função pública de um magistrado”
Tragédia nas Bahamas Acidente com avião mata o pastor Myles Munroe, sua mulher, uma filha e outras oito pessoas
O pastor Myles Munroe: morte trágica nas Bahamas
40 mulheres! Igreja Mórmon admite publicamente que seu fundador foi polígamo Depois de anunciar a revisão de vários princípios doutrinários, como a proibição do acesso de negros ao sacerdócio, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias admite, agora, que seu fundador, o americano Joseph Smith, era mesmo polígamo. Criador do mormonismo, movimento religioso que tem cerca de 6 milhões de seguidores nos EUA e presença em mais de cem países, inclusive nto Brasil, Smith defendia um retorno às práticas do Antigo Testamento e seus patriarcas, que, segundo a Bíblia, tinham várias mulheres. Agora, o Quórum dos Doze Apóstolos, órgão diretivo da igreja, revelou que Smith teve quase 40 mulheres, inclusive uma adolescente de 14 anos. Ao longo de sua história, os mórmons entraram em vários conflitos legais com autoridades civis por tentar manter a prática da poligamia, hoje proibida em todo o Ocidente.
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Líder do Ministério da Fé, sediado nas Bahamas, o pastor, escritor e conferencista internacional Myles Munroe morreu, junto com a mulher, Ruth, a filha, Charis, e outras seis pessoas de sua relação no choque de seu jato particular com um guindaste, no dia 9 de novembro. A tragédia, que matou ainda os dois pilotos da aeronave, ocorreu no aeroporto internacional das Bahamas. Nascido naquele país do Caribe, Munroe era graduado em Artes e
Educação e em Teologia, tendo um título de doutor honorário pela Universidade Oral Roberts, nos EUA. Autor e coautor de mais de 100 livros e bíblias de estudo, ele era popular por suas mensagens baseadas no desenvolvimento pessoal e na prosperidade do cristão. O pastor Munroe participou de diversos eventos e congressos no Brasil, como os organizados pelas igrejas Sara a Nossa Terra e Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
Perto do fim Convenção Batista Brasileira prepara dissolução da centenária Juerp De acordo com O jornal batista, a Convenção Batista Brasileira (CBB) estuda dissolver a tradicional Junta de Educação Religiosa e Publicações, a Juerp. Os membros do Conselho Diretor da editora batista, fundada em 1907 – e que até os anos 1960 chamava-se Casa Publicadora Batista – vão decidir se a entidade continuará a existir depois
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de um sucessivo período de crises e esvaziamento, que se intensificou nas duas últimas décadas. Ao longo de todo o século 20, a publicadora foi responsável pela produção de boa parte da literatura da denominação batista, suprindo o mercado editorial evangélico brasileiro com obras de grande qualidade e farto material de estudo bíblico e teologia.
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“O senhor é juiz, mas não é Deus”
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Ao mestre, com carinho Igreja brasileira lamenta a morte do pastor e professor Carlos Osvaldo Pinto
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O pastor Carlos Osvaldo: erudição, rigor acadêmico e vocação pastoral
ustamente no chamado Dia do Mestre, comemorado no último 15 de outubro, o Brasil evangélico perdeu um de seus grandes professores de Bíblia e Teologia. Aos 64 anos, morreu o educador cristão e pastor batista Carlos Osvaldo Pinto, cujo nome se confunde com o de instituições como o Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) e a editora Mundo Cristão. Osvaldo, que era casado e tinha três filhos, morreu depois de uma viagem ministerial à Hungria. Já no voo de volta, no dia 7 de outubro, o pastor sentiu-se mal, com fortes dores e febre, sendo socorrido logo após o desembarque. Levado às pressas ao hospital, ficou constatado que sofrera uma falência renal, seguida de infecção generalizada. Menos de uma semana depois, estava morto. Carlos Osvaldo vinha lutando há anos contra um câncer, mas ultimamente teve uma melhora em seu estado geral de saúde. Por isso, sua morte causou choque entre os evangélicos brasileiros, que se acostumaram a vê-lo como uma referência, tanto na ética quanto na vida cristã. “Osvaldo representou o melhor tipo de erudição – aquele
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que consegue ultrapassar os limites do conhecimento humano para enxergar o seu papel mais nobre: o serviço”, define o presidente da Mundo Cristã, Mark Carpenter. Osvaldo integrou o Conselho da editora durante quase duas décadas e, ultimamente, era vice-presidente. Segundo Carpenter, o pastor sempre defendeu uma interpretação conservadora das Escrituras. “Ele costumava ser pragmático na abordagem, mas seu ecletismo cultural não o isolava no campo de suas especialidades. Além disso, possuía rara combinação de erudição e humildade, e conseguia inspirar seus alunos e leitores tanto pela excelência de sua didática como pelo carinho pastoral.”
RIGOR E ESPERANÇA Carlos Osvaldo ingressou no Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) em 1969, formando-se bacharel em 1973. Exerceu o pastorado por um breve período e logo se transferiu para os Estados Unidos, onde aprofundou seus estudos em Teologia, Antigo Testamento e Hermenêutica, além
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de línguas bíblicas. De volta ao país em 1979, tornou-se professor e deão acadêmico no SBPV. Dez anos depois, voltou aos EUA, onde fez doutorado em Filosofia, com ênfase em Exposição Bíblica, no Seminário Teológico de Dallas. Em 1993, assumiu o cargo de diretor no Palavra da Vida, no qual permaneceu até 2010, quando tornou-se chanceler da instituição. Mestre dedicado, era muito querido pelos alunos e professores e constantemente solicitado a colaborar com publicações, trabalhos acadêmicos, igrejas e ministérios. Além disso, Osvaldo deixou farta obra literária, na qual se destaca a profundidade acadêmica do estudioso e a ortodoxia de sua fé (ver quadro) “Antes de conhecer Carlos Osvaldo pessoalmente, conheci-o por seus textos e seus alunos como um mestre cuidadoso, rigoroso e consistente no seu ministério de ensino”, lembra o pastor Ziel Machado, da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo. “Tempos depois, tive o privilégio de conviver com ele e confirmei o que sabia a seu respeito. Mas me surpreendi, também, com seu senso de humor apurado”. Machado observa, também, a maneira como o colega se comportou nos últimos anos: “Fui edificado por sua maneira confiante, tranquila e cheia de esperança com a qual enfrentou sua luta final. Ele foi um mestre, inclusive na dor.”
OBRA RICA • Foco e Desenvolvimento (Antigo Testamento / Novo Testamento) – Editora Hagnos • Fundamentos para Exegese do Antigo Testamento – Edições Vida Nova • Fundamentos para Exegese do Novo Testamento – Edições Vida Nova • Estudos no vocabulário Grego do Novo Testamento (coautoria) – Vida Nova • Ensaios nos livros Chamado para servir (Vida Nova); Paulo: sua vida e presença (Editora Vida); e Perspectivas no movimento cristão mundial (Vida Nova)
Arquivo de família
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Amigas de fé
Mulheres do Caminho mobilizam a Igreja para orar e apoiar cristãs que vivem sob perseguição religiosa
Afegãs, ocultas pelas burcas, com seus filhos: perseguição religiosa é mais aguda contra as mulheres
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esde 2009, milhares de cristãs do mundo todo têm estado lado a lado com suas irmãs que sofrem por sua fé. É o Women to women (no Brasil, chamado de Mulheres do Caminho), ministério ligado à missão Portas Abertas Internacional e que atua mobilizando pessoas em todo o mundo para interceder, socorrer e encorajar mulheres que vivem em contextos rigorosos de perseguição religiosa e discriminação – sobretudo, no mundo islâmico, onde, além do papel inferior e de submissão normalmente imposto ao gênero feminino, declarar-se crente em Jesus piora ainda mais as coisas. O nome do ministério faz menção à época do livro de Atos dos Apóstolos, quando os primeiros cristãos eram conhecidos como os “do caminho”. Hoje, em muitos lugares, seguir a Jesus é tão perigoso, ou ainda mais, do que foi naquele tempo. As mulheres cristãs são vítimas de discriminações e humilhações de todo tipo. Não raro, acabam presas sob condições cruéis, são afastadas dos filhos ou mesmo mortas com a concordância de maridos, irmãos e pais.
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Women to women foi inspirado pelas viagens do missionário Ben Companjen, irmão do presidente emérito de Portas Abertas, Johann Companjen, ao Leste Europeu, então dominado pelo comunismo de doutrina ateísta, nos anos 1970. Lá, sua esposa, Didi, costumava se reunir com mulheres em países como a Romênia, então sob intensa repressão religiosa. Do relato das necessidades e dificuldades daquelas cristãs, que hoje se repetem por dezenas de países de todo o mundo, surgiu a ideia de levantar a Igreja mundial para orar por elas. “Aqui no Brasil, o objetivo de Mulheres do Caminho é unir cristãs brasileiras para interceder por nossas irmãs que são perseguidas. Isso é feito por meio de encontros, visita a igrejas, reuniões de oração e viagens de campo”, explica Elizabeth Banov, coordenadora do ministério e membro da Igreja Evangélica Cristã Presbiteriana, em São Paulo. “Quando nos envolvemos com a causa da Igreja perseguida, nossos problemas se tornam menores aos nossos olhos, pois presenciamos os dramas que outras mulheres, crentes como nós, têm de enfrentar”.
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ENVOLVIMENTO Segundo Elizabeth, Mulheres do Caminho já conta com 5 mil parceiras de oração em todo o país, que se reúnem periodicamente. Elas são mulheres de todas as idades, classes sociais e profissões – inclusive muitas donas de casa e estudantes –, e pertencem a diferentes denominações. “Uma de nossas prioridades é despertar a Igreja brasileira, falando mais de perto às mulheres, para o envolvimento com essa parte do corpo de Cristo que tanto sofre”. Através da mobilização promovida pelo ministério, mulheres perseguidas têm sido ajudadas com aconselhamento, assistência jurídica, cursos profissionalizantes e sustento financeiro, sem esquecer das pequenas concessões à vaidade feminina, como aulas de higiene e beleza. Muitas vezes, quando os homens morrem ou são presos por sua ligação com o Cristianismo, são elas que assumem a liderança das igrejas e das famílias. Juntamente com outras integrantes de Mulheres do Caminho, Elizabeth já esteve em diversos países onde há perseguição religiosa em diferentes graus de intensidade, como Marrocos, Egito, Iraque e Cuba, além dos territórios sob administração da Autoridade Palestina. Nessas ocasiões, além de visitar mulheres e suas famílias, elas tomam conhecimento da realidade nua e crua da intolerância. “Oramos, cantamos e testemunhamos juntas com aquelas irmãs. São momentos preciosos e emocionantes”, conta. Algumas vezes, esses cultos têm de ser feitos de maneira discreta, já que as nativas podem sofrer sérias conseqüências caso sua participação seja descoberta. Com a experiência desses encontros e de farto material informativo sobre a Igreja perseguida, Mulheres do Caminho têm percorrido igrejas e organizado eventos para atrair novas parcerias de oração. “Nós, brasileiras, nem sempre valorizamos a liberdade que temos. Com as nossas súplicas, podemos fortalecer aquelas irmãs para que esperem no Senhor e para que saibam que, apesar de tudo, ele reina sobre suas vidas.”
UNIDAS EM ESPÍRITO
Quem quiser conhecer mais sobre Mulheres do Caminho ou receber uma visita de representantes do ministério em sua igreja pode fazer contato através do e-mail mulheresdocaminho@ portasabertas.org.br e do site www. portasabertas.org.br/ministerios/
Arquivo
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Força total Eleições de outubro consagram maior bancada evangélica da história legislativa
Reunião da Frente Parlamentar Evangélica, em Brasília: representatividade aumenta em 2015
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bancada evangélica no Congresso Nacional cresceu, em média, 14% após as últimas eleições. A representação das igrejas passou de setenta para 80 deputados. A partir de janeiro de 2015, o Parlamento brasileiro terá 16% de congressistas evangélicos, embora os números ainda não sejam definitivos. Considerada desde já a maior bancada da história do Legislativo pela Frente Parlamentar Evangélica (FPE), o grupo inclui 17 partidos, com predomínio das legendas de centro-direita. São Paulo e Rio de Janeiro elegeram, juntos, 28 deputados crentes, seguidos pelo Paraná, com oito representantes evangélicos. E a renovação foi grande: ao todo, 39 deputados ligados a igrejas não se reelegeram. A Assembleia de Deus, hoje dividida em várias convenções e grupos autônomos, é a denominação de 23 deputados. Em seguida, vem a Igreja Universal do Reino de Deus, com nove parlamentares. Seguem-se os batistas, com seis representantes. O deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), que teve polêmica passagem pela presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, foi reconduzido ao cargo com expressiva votação – cerca de 400 mil votos. Afinado com a Universal, o deputado Celso Russomano (PRB)
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conquistou espantosos 1,5 milhão de votos, levando para o Congresso, a reboque, mais quatro crentes, devido ao quociente eleitoral. De acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), órgão que analisa a atuação dos congressitas em Brasília, o novo Congresso é o mais conservador desde 1964. No entender de especialistas em ciência política, apesar dos diferentes interesses eclesiásticos e identidades partidárias, os crentes costumam votar em bloco quando o que estão em pauta temas relativos à moral e aos costumes, unindo-se a congressistas católicos. No entender do diretor do órgão, Antônio Augusto Queiroz, o aumento da bancada evangélica e da presença de políticos considerados conservadores poderá dificultar o debate sobre união homoafetiva, legalização do aborto e descriminalização da maconha – temas que aqueceram o debate político nos últimos meses.
as manifestações populares de 2013. Para o partido da presidente reeleita Dilma Rousseff, os protestos que pediam mudanças na política foram minimizados nas urnas. Ao mesmo tempo, a legenda lamenta a redução do número de parlamentares afinados com causas sociais, sindicalismo, feminismo e os direitos da comunidade LGBT – curiosamente, assuntos que o próprio PT escamoteou o quanto possível durante a campanha, sobretudo durante a acirrada disputa entre Dilma e Aécio Neves (PSDB) no segundo turno. “Sou contra projetos de lei progressistas. Uma grande parcela da sociedade concorda comigo”, pontifica o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cotado para assumir a presidência da Câmara na próxima Legislatura. É dele a autoria de um projeto que pune a discriminação contra os heterossexuais, espécie de antídoto contra o fortalecimento da militância gay. Posturas assim tendem a fazer barulho no plenário. “A bancada evangélica é bastante organizada e tem liderança e apoio muito fortes”, diz o cientista político David Fleisher, da Universidade de Brasília. “Também batemos recordes nas Assembleias Legislativas estaduais. Estamos surpresos”, diz a assessora jurídica da FPE, Damares Alves. “Hoje, as pessoas sabem as propostas legislativas que tramitam e pensam duas vezes antes de votar”. Lembrando que a bancada no Congresso pode até crescer com a chegada de suplentes, ela frisa que, ao contrário do que se diz, o cristão é um eleitor consciente. “Ele pensa duas vezes na hora de colocar seu voto na urna quando fica sabendo que temos na Câmara projetos de lei para legalizar o uso da maconha, assim como uma proposta como o PL nº 727/2014, que concede anistia ao traficante preso por vender a droga.”
PRESENÇA CRISTÃ
As três principais denominações representadas no Congresso a partir de 2015 são:
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deputados
deputados
“ELEITOR CONSCIENTE” Logo depois do resultados do pleito legislativo, o Partido dos Trabalhadores divulgou um texto lamentando a eleição de deputados evangélicos, militares e ruralistas, dizendo que eles se identificam com causas “reacionárias”. O texto também fala sobre
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Fonte: Frente Parlamentar Evangélica
Foto: Arquivo
Notícias
Pon tos de v ista acerca da fé con t empor â ne a e da espir it ua lida de
divulgação
PERSPECTIVAS
Dos Editores
A César o que é de César
Nunca antes na história deste país um processo eleitoral foi tão discutido, despertou tantas paixões e mobilizou de tal forma a opinião pública. As eleições gerais de 2014 mostraram que as redes sociais vieram mesmo para ficar – foi através delas que milhões de brasileiros se expressaram, criticando ou defendendo os candidatos de sua preferência. E, contrariando o antigo estereótipo de que os crentes são alienados politicamente, os evangélicos mostraram a cara e a fé. Numa campanha em que a religião foi tema central – tanto na disputa pelo Planalto, na qual a evangélica Marina Silva (PSB) chegou em terceiro lugar, como na corrida pelo governo do Rio, que tinha o presbiteriano Anthony Garotinho (PR) e o bispo da Igreja Universal, Marcelo Crivella (PRB), na disputa –, é possível afirmar que a consciência política da Igreja evoluiu. Mesmo que, muitas vezes, as discussões se polarizassem em torno de questões menores e os interesses pessoais dos líderes prevalecessem sobre a ideia de interesse comum, as eleições-2014 foram um passo avante de uma sociedade onde o conformismo é marca. Nenhum evangélico foi eleito para cargo executivo; porém, mais do que nunca, ficou clara a importância do segmento religioso na política nacional, tanto para o bem, como para o mal. A Igreja saiu vencedora. Fica a expectativa de que, nas próximas disputas, os evangélicos, que já são quase um quarto da população brasileira, votem de maneira mais consciente, dando a César o que é de César e jamais sonegando a Deus aquilo que deve ser dele, e exclusivamente dele
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PERSPECTIVAS
Mosaico
Valdemar Figueredo é doutor em Ciências Políticas e pastor da Igreja Batista Memorial da Tijuca, no Rio de Janeiro
O artesão e o burocrata Há pastores de mercado e pastores de carne e osso
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este mundo conturbado, em que tudo que é sólido se desmancha no ar, qual a missão da Igreja? Na tentativa de responder a semelhante pergunta, é inevitável que analisemos o papel do pastor. Modelos pastorais são mudados o tempo todo. Sujeitos suados correm atrás das adaptações; entre o primeiro e o último ano do seminarista na escola de pastores, o mundo terá dado muitas voltas. Em quatro anos, muita coisa pode mudar – e a Igreja acompanha as mudanças, trocando de pele e de rosto. Dificilmente os aspectos do salão de culto continuarão os mesmos. Existe uma obsessão pelo templo. Joseph Schumpeter (1883-1950), um dos maiores economistas do século 20, teria na Igreja Evangélica do Brasil uma excelente amostragem do que chamou de destruição criativa. O que define a competitividade no mercado é a capacidade inovadora. Neste diapasão, a eclesiologia não está definida pela cristologia, mas pela idolatria. Igreja, como balcão de negócios, é aquela em que o bom pastor está atento às tendências do mercado. O bezerro de ouro exige culto – e há quem diga que suas mandigas funcionam. Jesus, segundo as Escrituras, é o fundamento da Igreja. Quem pergunta pela origem para orientar a missão da Igreja, hoje, há de deparar-se com a seguinte conclusão: Cristo não é da Igreja, mas a Igreja é de Cristo. A profissionalização do ministério pastoral desumaniza o sujeito e racionaliza a igreja. Temos observado empreendimentos eclesiásticos considerados bem sucedidos, enquanto que seus pastores jazem machucados. Com o tempo, o brilho nos olhos some, a mensagem se desgasta, a devoção empalidece.
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Agora profissionais do púlpito, os gestores eclesiásticos desenvolvem a pressa do mercado e abandonam o exercício da espiritualidade contemplativa. Tudo se torna rápido e raso, ao invés de ser lento e profundo. Os temas das pregações passam a atender às demandas da hora; meras refeições instantâneas, com aquele gosto metálico padronizado. A Bíblia aberta, parecendo o cozer de uma refeição substanciosa no fogão a lenha – como aquela prosa simples, em que a Palavra de Deus se entrelaça com a vida, numa deliciosa densidade –, vai se tornando rara. Ficam para trás as reflexões sem exibicionismo intelectual e sem as espertezas da auto-ajuda maquiada de ajuda do alto. A Igreja, no poder do Espírito Santo, sabe silenciar para ajustar o gesto à palavra. Há pastores de mercado e pastores de carne e osso. Ao contrário daqueles, os pastores humanizados são comunitários e resistem à tentação de se distinguirem. Às vezes, a pressão para que o pastor se desgarre e ocupe os lugares
Adoraria assistir, entre nós, à retomada daquele tipo de ministério que mais se aproximava da ideia do trabalho de um artesão do que do profissionalismo dos burocratas
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altos vem das próprias ovelhas. Então, cabe aos ministros não arredarem pé das planícies. Quem quiser seguir celebridades que atravesse a rua. Os ambientes denominacionais tornam-se tóxicos quando promovem aquelas feiras de vaidades em que o poder é disputado a tapa. Vale tudo nessas arenas, da dança da cadeira até a puxada pura e simples de tapete. É lamentável que estruturas que são cruéis com a teologia da prosperidade estão, porém, promovendo a teologia da ostentação. Pancadão cheio de duplo sentido (para não falar outra coisa). Como diria o apóstolo Paulo: “Foge disso e cumpre o teu ministério com temor a Deus e respeito ao teu próximo.” É impressionante ver os congressos para pastores e líderes que acontecem Brasil afora, com uma frequência e um gigantismo cada vez maiores. São megaeventos onde o alardeado louvor ao Senhor dá espaço ao culto a egos. É tanta falação das celebridades evangélicas que não sobram espaços para que os presentes se expressem. Dos microfones e nas rodinhas à volta dos ícones do momento, o que se ouve é o clericalismo, num festival de generalidades. Mulher não fala, e as editoras patrocinam modismos e tendências. A teologia está contida na área vip por cordinhas de plástico que imitam correntes. Seria ótimo participar de grandes plenárias intercaladas com pequenos grupos de partilha: descobriríamos que tem mais gente honrada e simples na condução da Igreja de Jesus Cristo. Adoraria assistir, entre nós, à retomada daquele tipo de ministério que mais se aproximava da ideia do trabalho de um artesão do que do profissionalismo dos burocratas.
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Vida Plena
Esther Carrenho é psicóloga clínica e membro da Comunidade de Jesus em Campo Belo, São Paulo
Medo do medo Sentir medo é uma capacidade emocional com a qual já nascemos
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entir medo é uma capacidade emocional com a qual já nascemos. E, possivelmente, é o primeiro sentimento que um recém-nascido experimenta ao deixar o útero materno. No entanto, é também um dos sentimentos que mais tememos assumir e expressar de alguma forma. Camuflamos e disfarçamos o medo para que outros não percebam a insegurança que temos diante de muitas situações e processos na vida – e isso é particularmente ruim quando não aceitamos as situações de insegurança que levam os outos a sentirem medo, sobretudo as crianças. O mais saudável é reconhecer, diante delas, que é normal sentir medo e que mesmo os adultos, inclusive seus pais, têm seus temores. Muitos têm medo de pensar, de sentir, de falar, de calar. O temor da rejeição, da perda e da morte nos acompanha ao longo da vida. Enfim, tememos viver. A banda gospel Catedral retrata bem esta realidade em sua canção Medo: Eu tenho medo de desejar Eu tenho medo de querer Eu tenho medo da solidão Eu tenho medo da companhia Eu tenho medo de não mais te ver Eu tenho medo de te ver um dia Eu tenho medo do medo Eu tenho medo de não ter medo E não ter medo é perigoso, mesmo. Há uma certa dose de medo que nos ajuda a preservar a vida. É o medo de ser atropelado ao atravessar uma rua que nos leva a olhar bem dos dois lados, só fazendo a travessia quando o sinal verde para os pedestres é ativado. É o medo do desamparo na velhice que nos leva a reservar recursos para quando nos faltar a capacidade física ou mental para o trabalho. O medo
ancestral da morte nos leva a evitar, tanto quanto possível, situações perigosas. Só que o medo começa a se tornar patológico quando as circunstâncias vividas não justificam a intensidade da insegurança; ou, então, quando existe uma situação inevitável e o medo ganha uma proporção tão grande na vida que a pessoa se sente paralisada e não consegue mais ir adiante. O tipo de medo que deve causar preocupação é aquele que bloqueia o indivíduo, impedindo-o de tomar decisões e de agir. Que dizer, então, daquele medo sem fundamento, que nos acomete quando as circunstâncias são seguras mas que, mesmo assim, nos assombra? As Escrituras Sagradas estão cheias de relatos sobre homens tidos como baluartes da fé e líderes bem sucedidos que tiveram medo, como Abraão e Josafá. E até Cristo Jesus, que era Deus humanizado, ficou amedrontado. A diferença está na forma como cada um lidou com esse sentimento. Abraão, no Egito, teve medo de ser morto por causa da beleza de Sara, sua mulher; então, mentiu, dizendo que ela era sua irmã. O rei Josafá teve medo
Deus sabe que somos medrosos. É exatamente por isso que, em diversas passagens, as Escrituras nos passam uma mensagem clara: “Não temas”
quando descobriu que o exército que vinha para atacar seu povo era muito maior que o seu. Apavorado, ele convocou todo o povo para um jejum coletivo e orou em público pedindo ajuda divina, reconhecendo a própria limitação e a impotência do seu exército em guerrear contra o poderio bélico do inimigo. Cristo, por sua vez, ficou cheio de pavor no Getsêmani e o admitiu aos discípulos com quem tinha maior intimidade. Então, orou, pedindo ao Pai que retirasse a cruz do seu caminho; mas, em seguida, se dispôs a fazer o que tinha que ser feito – a vontade do Pai, e marchou em frente, rumo à morte na cruz, para nossa redenção. Abraão é o exemplo negativo diante do medo. O patriarca se acovardou, não enfrentou a situação e empurrou sua mulher Sara para o perigo, tentando proteger a si mesmo. Bem diferente foi a atitude de Josafá, que não fugiu e expôs seu medo diante do povo que liderava e do próprio Deus. Melhor ainda foi Cristo, que, enquanto Deus homem, reconheceu seu medo, confidenciou-o aos mais próximos, abriu-se para o Pai e, corajosamente, enfrentou o que tinha que ser enfrentado. Corajoso não é aquele que não sente medo, pois isso também é patológico. Corajoso é aquele que, mesmo com medo, avalia a situação e, se concluir que é algo que tem de ser enfrentado, vai em frente. Deus sabe que somos medrosos. É exatamente por isso que, em diversas passagens, as Escrituras nos passam uma mensagem clara: “Não temas”. A mesma Bíblia nos garante que teremos o cuidado do Pai em toda e qualquer situação. Portanto, cabe a nós, como filhos de Deus, confiar nele e dizer, como o Rei Davi: “No dia em que eu temer, confiarei em ti.”
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Lectio
Osmar Ludovico é mentor espiritual e professor do Seminário Servo de Cristo
Os três pilares da vida cristã É importante ter a convicção de que cremos numa pessoa, e não numa doutrina
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experiência de fé e vida cristã tem três pilares: a teologia, a mística e a missão. A fé cristã não é uma religião de mistério, com rituais subjetivos. Ela tem uma revelação escrita, construída ao longo da história – e, portanto, possível de ser estudada, verificada, pesquisada, articulada e explanada. Nisso consiste a teologia. As Escrituras Sagradas têm lugar na biblioteca e na academia, onde nos debruçamos sobre os textos nos idiomas originais e relacionamos a revelação com a história, a geografia e a arqueologia, sendo possível uma verificação de sua veracidade. Os antigos chamam esta via afirmativa de catafática, ou seja, as cogitações e o discurso sobre Deus; assim, com a oração, ela é mais discursiva e teológica, como o livro de Romanos. Daí, surge a Teologia como disciplina, mas também os dogmas, as doutrinas, as declarações de fé, os credos, as confissões. Construímos, dessa maneira, os pressupostos inegociáveis que balizam a nossa fé. Mas também surge o academicismo teológico, com suas discussões estéreis e que não alcançam a vida. Quanto mais nos distanciamos do chão da vida, mais discutiremos o sexo dos anjos. É imprescindível estudar as Escrituras e a história da Igreja com profundidade; daí, a importância das escolas dominicais, dos comentários e dicionários. Precisamos de bons teólogos, exegetas, apologistas e expositores da Bíblia. É importante ter a convicção de que cremos numa pessoa, e não numa reta doutrina. O Logos, ou a Palavra, é uma pessoa, e não uma informação. E, acima de tudo, precisamos saber que uma boa teologia é aquela que nos levar a cair de
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joelhos diante da cruz e que gera em nós um processo que nos leva a sermos mais parecidos com Cristo. Há, também, a mística. Os antigos chamam esta via de apofática, pois, face ao mistério de Deus e a nossa limitação e finitude, é preferível a via negativa, isto é, reconhecer ao Senhor por aquilo que ele não é. Deus é inominável, inescrutável, inefável, insondável. A mística é a experiência da devoção. Ela acontece no quarto secreto ou na capela, onde, no silêncio e na solitude, buscamos uma experiência do amor incondicional e imerecido de Deus– algo que não podemos retribuir –, que é derramado nos nossos corações. A oração se torna poética e afetiva como o livro de Cantares; ou, então, oração contemplativa, sem palavras e silenciosa – o caminho para se experimentar uma alegria indizível, que as palavras não alcançam. O primeiro passo da mística é descer. É encontrar Deus dentro de nós – o Deus que habita o coração do abatido e contrito. É quando cessamos de procurar Deus fora de nós – nos rituais, nos programas, na experiência extraordinária – e
A teologia nos leva a conhecer e crer em Deus; a mística, a cultivar uma relação de amor com ele; e a missão nos lança no serviço ao próximo
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entramos no nosso coração, onde o Senhor se esconde por trás da nossa agitação, da nossa superficialidade do fazer e do ter. Isso se torna possível quando fechamos a porta do nosso quarto e entramos no secreto, conforme a recomendação de Jesus. Aprendemos, assim, a nos distanciar das distrações, das interrupções e da rotina, levando-nos a aquietarmos nossa alma e nos libertarmos da ansiedade e da nossa obsessão de agradar pelo desempenho. Já a missão é o compromisso pessoal e eclesial de se colocar a serviço de Deus para levar ao mundo a mensagem da salvação, que transforma as pessoas, a sociedade e a cultura. Ela nos leva a ser instrumentos de Deus na construção de um mundo melhor, mais pacífico, justo e solidário, entendendo que o conceito de ser abençoado, nas Escrituras, é o de se tornar benção para todos. A missão é a compreensão e o compromisso como chamado de servir ao próximo com nossos dons, talentos e recursos. A vocação surge quando o nosso projeto de vida encontra o projeto do Reino e as nossas vidas se tornam sal, luz e sinal de esperança num mundo conturbado. Muitas vezes, enfatizamos um ou dois desses três pilares em detrimento de outros. Ora, se a teologia tem a primazia, tornamo-nos excessivamente dogmáticos e racionais. Se a mística prevalece, tendemos a ficar demasiadamente subjetivos e isolados. Por outro lado, quando a missão tem a primazia, corremos o risco de nos lançarmos em empreitadas heroicas e inconsequentes. São três pilares e precisamos dos três. A teologia nos leva a conhecer e crer em Deus; a mística, a cultivar uma relação de amor com ele; e a missão nos lança no serviço ao próximo.
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PERSPECTIVAS
Os outros seis dias
Carlo Carrenho é economista, jornalista e consultor editorial com especialização em Editoração
Questão de coerência Por que não pregar, também, contra a corrupção e a mentira?
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e, no Brasil, um evangélico for chamado de “crentinho escroto”, a pessoa que o agrediu terá cometido um crime. Da mesma forma, se ela incitar terceiros ao ódio e à discriminação com frases como “os crentes são o câncer da sociedade”, também será um infrator; no caso, estará ferindo a lei nº 7.716, que estipula em seu primeiro parágrafo: “Serão punidos os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Por outro lado, se alguém questionar as práticas do Cristianismo e mesmo afirmar que a fé cristã, muitas vezes, leva seus seguidores a atitudes inapropriadas, não terá cometido crime algum. Do mesmo modo, um líder muçulmano que pregue que Jesus Cristo não é Filho de Deus e que os cristãos, por não seguirem Alá, são infiéis: nesses casos, não há discriminação, nem preconceito. Na prática, há uma grande diferença entre a discriminação e a crítica a alguma ideologia ou atividade. Qualquer cristão se sente mais seguro ao ser protegido por uma lei que puna atos de preconceito contra sua preferência religiosa.Por isso, é de causar indignação a luta de certos setores e líderes da Igreja Evangélica brasileira contra o Projeto de Lei nº 122, o PLC 122. Ele altera o texto da lei nº 7.716, criminalizando, também, a discriminação contra mulheres, idosos, deficientes e homossexuais. Não há alteração nenhuma das penas ou da especificação dos crimes: o dispositivo apenas estende a outras categorias de pessoas a proteção antes gozada apenas por grupos étnicos ou religiosos. O primeiro parágrafo, segundo o texto atualmente em discussão, ficaria assim: “Serão punidos,
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na forma desta Lei, os crimes de ódio e intolerância resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero ou condição de pessoa idosa ou com deficiência.” Como bem disse o jornalista Ricardo Alexandre em seu blog no portal R7, não dá para entender como um cristão pode ser contra a criminalização da homofobia. Afinal, ela, na prática, apenas estende aos homossexuais uma proteção que nós, cristãos, já temos. O argumento de que a liberdade religiosa seria cerceada cai por terra. Não se trata de proibir a igreja de condenar a homossexualidade como pecado, mas de impedir que seus líderes discriminem os homossexuais e incitem os fiéis ao ódio e ao preconceito. Nada, enfim, que o próprio Jesus não condenaria. Outro argumento contra o PLC 122 é que um cristão não poderia, por exemplo, demitir uma babá apenas por ela ser lésbica. E deveria poder? Se ela é uma boa babá, qual o problema? Caso contrário,
É espantoso que alguns líderes evangélicos vociferem suas bravatas na TV e no Congresso
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para sermos coerentes, teríamos de aceitar que cristãos sejam demitidos ou descartados nas vagas de emprego exclusivamente pela sua opção religiosa. Queremos isso? Seminários também não poderia rechaçar alunos gays por sua preferência sexual. Está certo. Eu não gostaria de ser vetado em um curso de filosofia onde todos os professores são ateus só porque sou cristão. Se a lei vale para o evangélico, tem de valer para o gay também. Outra questão do projeto que deixa alguns crentes desesperados é a garantia de acesso e manifestação de afetividade dos gays em locais públicos. Todavia, aqueles mais sensíveis à visão de dois homens de mãos dadas não precisam mais se preocupar. Na última alteração do projeto no Senado, relatada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), o seguinte trecho foi incluído na lei: “(…) resguardado o respeito devido aos espaços e eventos religiosos”. É espantoso que alguns líderes evangélicos nem queiram discutir o projeto e ainda vociferem suas bravatas na TV e no Congresso. Eles não estão, como afirmam, preocupados com a liberdade religiosa, mas sim, em garantir que possam continuar seus ataques preconceituosos, discriminatórios e de incitação ao ódio contra uma minoria frágil. E, se os gays pecam, não pecam necessariamente mais que os outros. Neste sentido, por que tais líderes evangélicos não pregam também contra aqueles que desrespeitam o oitavo e o nono mandamentos? Por que não pregam contra a corrupção e a mentira de suas próprias igrejas ou dos políticos com os quais se associam? Talvez porque não sejam machos o suficiente.
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PERSPECTIVAS
Arte e fé
Nelson Bomilcar é músico, escritor, missionário do Instituto Ser Adorador e co-pastor na Comunidade Batista Vida Nova, em São José dos Campos (SP)
Um convite existencial e espiritual O mundo necessita e carece de arte
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omos criados por Deus à sua imagem e semelhança para desfrutar da criação e do belo em todas as dimensões existenciais. E fomos formados com criatividade – somos capazes, como nenhuma outra criatura, de expressar nossas percepções e de apreciar o que foi criado pelo grande artista do universo. Arte é terreno do sagrado; o caminho da arte é, portanto, de expressão existencial e espiritual. Por isso, a arte e a espiritualidade estarão sempre ligadas. A arte é caminho de profundidade existencial. O detalhe é que nem sempre entendemos seus significados pelos insondáveis mistérios da alma do ser humano, na integração do raciocínio e emoções: vamos, simplesmente, aprendendo a apreciá-la e nos tornamos todos, mesmo que não o reconheçamos, críticos e avaliadores das expressões de arte. O conceito de arte é extremamente subjetivo, inesgotável; portanto, muito amplo. Na literatura, na pintura, nas artes plásticas, na música, na dramaturgia, no cinema, no artesanato e em todas as expressões de arte, vamos conhecendo mais da experiência humana. Numa cosmovisão cristã, vemos a arte como manifestação do poder criador e criativo do Deus trinitário. Arte também é a expressão da criatividade do homem, recebida do seu Criador. O homem criado à imagem e semelhança de Deus faz arte para viver ou vive para fazer arte em todas as suas direções relacionais, satisfazendo suas necessidades existenciais, espirituais e emocionais. Genericamente, a arte deve ser compreendida em pelo menos quatro aspectos: a cultura na qual floresce, o período
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histórico em que se expressa, a motivação do artista e a sua herança e vivência pessoal. O homem cria a arte para experimentar da vida; para que o mundo saiba o que pensa; para divulgar as suas percepções e crenças; para usufruir, estimular e distrair a si mesmo e aos outros, tendo prazer nas coisas criadas. Outras manifestações da arte são interessantes por possuírem um caráter educacional e instrutivo, voltado para crescimento pessoal e comunitário. Assim, o artista explora novas formas de olhar e interpretar objetos e cenas no tempo, estilos de vida e culturas no espaço e história. O mundo necessita e carece de arte! Ela é um caminho de diálogo, de aproximação, de apreciação e de expressão existencial. A arte expressa percepções diversas do ser humano – e, portanto, o aspecto estético do belo passa à visão do ser humano algo do divino, da criação e da vida. Francis Schaeffer, filósofo e pensador cristão, escreveu que a visão e a compreensão de Deus deve ser o início de tudo no exercício da arte. Sua fala encontra eco na visão de Agostinho, que afirmava ser a arte a expressão da alma
Os cristãos deveriam estar espalhando e promovendo a arte e anunciando, através dela, a realidade do artista divino e seus propósitos para o homem e sua criação
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humana diante da criação e do Criador. Temos exemplo da junção entre arte e espiritualidade na vida de Mathias Stom, um dos mais importantes pintores holandeses do século 17. Ele estudou pintura e viveu em Roma de 1630 a 1633, onde aprendeu o estilo de Caravaggio, com um acervo de muitas pinturas importantes. Em uma delas, o artista flamengo descreve um momento difícil e dramático na vida de Abraão, envolvendo a esterilidade de Sara. Sua percepção é desafiadora ao descrever a fé, a ambiguidade da vida humana e a sexualidade. Outro exemplo contemporâneo vem da literatura. Ler os livros da brasileira Adélia Prado é um convite para enriquecedor exercício existencial e espiritual. A finitude do homem, a presença do ser divino e a espiritualidade da poetisa são elementos presentes e contagiantes em suas reflexões. Através da palavra, ela faz questionamentos e assertivas, revelando a simplicidade e a profundidade das pequenas coisas da vida e do cotidiano que trazem cor e brilho à vida – e, assim, ela nos faz desfrutar dela de maneira mais intensa e recompensadora. No contexto da Igreja, os cristãos deveriam estar fazendo o mesmo: espalhando e promovendo a arte e anunciando, através dela, a realidade do artista divino e seus propósitos para o homem e sua criação. O Evangelho precisa cada vez mais destes artistas em todas as áreas de expressão. Somos livres em Cristo para trilhar seus caminhos com beleza, verdade e santidade. A arte não precisa ter uma função religiosa, sabemos; no entanto, ela é um terreno separado também para a manifestação da sua glória e beleza.
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Matéria de capa
Cristãos, yazidis e curdos fogem do norte do Iraque para escapar da morte: êxodo contemporâneo
À beira da extinção Avanço da perseguição religiosa pode eliminar o Cristianismo do Oriente Médio Por Philip Jenkins
Unicef
Professor de História e Estudos Religiosos na Universidade de Baylor e professor emérito de Ciências Humanas na Universidade Estadual da Pensilvânia, ambas nos EUA
ara os cristãos do Oriente Médio, 2014 foi um ano catastrófico. As piores histórias têm vindo do Iraque, onde o Estado Islâmico (na verdade, um grupo terrorista apátrida, de inspiração islâmica) tem perseguido barbaramente antigas comunidades cristãs, como os assírios, os caldeus e os sírios ortodoxos. Como uma lembrança terrível da barbárie nazista contra os judeus durante a II Guerra Mundial, casas cristãs são marcadas com a letra árabe “”ن, de “nazarenos” – seguidores de Cristo – ou com a letra “R”, de rwafidh, termo que designa os protestantes. Os moradores dessas casas viram alvos potenciais de toda sorte de abusos, violência e até assassinato. O número de cristãos iraquianos declinou rapidamente desde a primeira Guerra do Golfo, em 1991, mas os sobreviventes acreditaram, por muito tempo, que poderiam manter sua identidade cultural e sua fé. Ao longo do último ano, contudo, a esperança desmoronou. Os militantes islâmicos já controlam a região de Mossul, antes um reduto cristão, desde junho. Quem não se converter ao Islã é simplesmente expulso ou morto. Até 2003, cerca de um milhão de cristãos viviam no Iraque. Hoje, os números não podem ser comprovados, mas eles não passariam de 400 mil. Além disso, o Estado Islâmico amplia seus domínios sobre
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amplas porções de território, ignorando a soberania síria e iraquiana. Mesmo que o extermínio total dos crentes não seja o seu objetivo final, as comunidades cristãs, algumas delas milenares, correm o risco de serem completamente destruídas. O fim do Cristianismo no Oriente Médio, portanto, mão está tão longe de acontecer – e boa parte do mundo ainda não se deu conta disso. A única comunidade cristã que ainda parece estar segura são os coptas, de talvez oito milhões, e que constituem uma maioria sólida em alguns distritos do sul do Egito. Mesmo assim, depois das crises dos dois últimos anos no país africano, os conflitos civis e a violência islâmica parecem ameaças iminentes. Os conflitos que se desenrolam hoje, na verdade, fazem parte de uma longa história. O Islã ganhou poder sobre o Oriente Médio no século 7, a partir da expansão maometana, e logo os muçulmanos se tornaram a maioria esmagadora na região. Os cristãos viviam sob o domínio político muçulmano, mas a Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria, no Egito, e a Igreja do Oriente de Bagdá permaneceram como forças do Cristianismo global, e mantiveram essa posição por mais de 500 anos. Só a partir do século 14 é que a perseguição se tornou sistemática e violenta. No entanto, ainda durante muito tempo depois dessa data, as minorias foram capazes de sobreviver e até prosperar em
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INIMIGO DESTRUTIVO O quanto isso pode piorar? Todos os cristãos locais sabem a resposta. Eles não se esqueceram da experiência dos judeus, que viviam naquela região apenas um século atrás, e que agora simplesmente desapareceram de praticamente todas as nações do Oriente Médio, exceto Israel. A Igreja do Oriente, ancestral dos assírios e caldeus, ilustra perfeitamente tanto a longa sobrevida de uma crença como a profunda crise atual. Em terras dominadas por muçulmanos, a única voz religiosa pública era o chamado dos imãs do alto dos minaretes. Os cristãos, entretanto, resistiram durante séculos. Eles mantiveram seu testemunho fiel, embora reconhecessem as severas limitações impostas. Através das experiências difíceis, aprenderam a identificar o núcleo irredutível de sua fé,
deixando de lado práticas adicionais. Não podiam evangelizar, mas mantiveram os cultos de adoração, que permaneceram no centro de sua vida espiritual. Nos mosteiros, guerreiros espirituais faziam suas orações e estudavam. Contanto que os monges orassem e os sacerdotes fossem responsáveis pela liturgia, a Igreja permaneceria intacta e a situação poderia durar, em teoria, até o dia do Juízo Final. Os mosteiros sobreviventes costumavam ficar em lugares remotos, e suas fortificações eram formidáveis. O Egito ainda tem essas lendárias fortalezas de oração, como o mosteiro de Santo Antônio e de Santa Catarina, no Sinai. Até os nossos dias, os cristãos iraquianos se aglomeravam ao redor de Mar Mattai (São Mateus) e Rabban Hormizd, que datam do fim da era romana. A despeito de tudo, a Igreja persistiu teimosamente até os tempos modernos, quando novos militantes surgiram com a disposição de destruí-la. Cristãos foram mortos em massa, e os sobreviventes precisaram fugir de seus países por um tempo ou para sempre. Foi só nesse momento que as igrejas deixaram de funcionar. Isso aconteceu com os armênios há cem anos e vem acontecendo com os cristãos sírios do Iraque nas duas últimas décadas.
REMANESCENTE FIEL Como o Estado Islâmico tem demonstrado, a logística prática de destruição de igrejas não é muito complicada: ocupa-se militarmente uma região, matando
ou expulsando todos os que praticam a fé considerada ofensiva. Muito diferente, no entanto, é a maneira como esses cristãos perseguidos entendem tal destruição. Ao longo dos últimos mil anos, os cristãos precisaram perguntar repetidamente: Por que Deus permite que seus seguidores sofram derrota, dominação, exílio e escravidão? Eles podem encontrar algumas respostas no precedente bíblico, ao olhar para os profetas hebreus, que viam o seu próprio reino ser derrotado por falta de fé e por trair o pacto nacional. Vistos por esse prisma, até mesmo os piores desastres podem ser entendidos como um castigo de Deus sobre os pecadores, embora nenhuma evidência sugira que as igrejas em questão estejam em pior estado do que outras que têm desfrutado de prosperidade e segurança no Ocidente. Porém, está profundamente enraizada na tradição judaico-cristã a ideia do remanescente fiel, a comunidade que sobrevive às tribulações para seguir aos comandos mais precisos de Deus. Talvez o exílio que parece, inicialmente, um pesadelo, possa fazer parte desse plano maior, à medida que os cristãos desalojados vão levando o seu testemunho a outras terras. Não há como ler a Bíblia sem perceber como o exílio e a experiência da diáspora foram capazes de espalhar poderosamente a fé em cantos distantes do planeta. Em todo o mundo ocidental, crescentes comunidades cristãs do Oriente Médio estão bastante preparadas para cantar sua canção em terras estrangeiras.
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números significativos. Em 1914, os cristãos ainda somavam dez por cento da população de toda a região que vai do Egito até o Irã (a Pérsia de então), e a maioria das cidades grandes abrigava várias crenças e denominações. Isso não significa que os governantes otomanos eram tolerantes; eles apenas aceitavam o que parecia ser a ordem natural das coisas. Isso mudou rapidamente durante a Primeira Guerra Mundial. Massacres e expulsões começaram a remover as outrora grandes comunidades armênias e gregas da Anatólia (Turquia). Os genocídios e a fome eliminaram mais de dois milhões de cristãos armênios, assírios e gregos entre 1915 e 1922. As nações árabes emergentes também perseguiam cristãos. A divisão da Palestina e a crise dela decorrente reduziram maciçamente outros grupos cristãos antigos. A história do Oriente Médio cristão é cheia de contradições e colapsos. Até o final do século passado, o Cristianismo na região tinha dois grandes centros: o Egito e as terras interligadas da Síria e do Líbano, que abrigam hoje muitas igrejas refugiadas. Agora, a contínua guerra civil ameaça estender ainda mais o poder muçulmano. As bandeiras negras do Estado Islâmico têm aparecido no Líbano, na Síria e no sul da Turquia. O político libanês Walid Jumblatt alertou que tanto cristãos quanto o seu próprio povo druso estão “à beira da extinção”.
Cristãos oram em igreja libanesa: temor pelo aumento da perseguição religiosa
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Muito mais difícil é a pergunta de por que Deus permitiria que o Cristianismo desaparecesse completamente de uma terra em particular. Sim, as igrejas se deslocam para novos lugares onde possam avançar; mas, como ficam suas terras natais? E as igrejas que são totalmente destruídas, sem deixar nenhum vestígio? O Todo-Poderoso não intervém milagrosamente para proteger seu rebanho, como mostra tantas vezes o relato bíblico? Da mesma forma como acontece hoje no Iraque, muitas vezes os opressores avançaram até alcançar o monstruoso objetivo de eliminar os cristãos. Deus, efetivamente, pode parecer silencioso em algumas ocasiões. Em outras, as pessoas simplesmente não se preocupam em ouvir a sua voz. Acontece que tudo depende da nossa percepção de tempo. Com efeito, o que para nós parece um ato definitivo de aniquilação pode ser muito diferente diante de uma escala de tempo divina. Vistos através do calendário da eternidade, esses anos de aparente aniquilação poderiam ser compreendidos mais apropriadamente como períodos de gestação. Mesmo quando igrejas institucionais desaparecem, seus fiéis permanecem de
maneiras muito diferentes. Um dos fatos menos estudados da história cristã é o dos crentes remanescentes escondidos, que se agarravam à verdade, mas aceitavam, de fachada, o regime vigente. Como Anatoly Lunacharsky, o frustrado ministro da Educação soviético, reclamou em 1928: “A religião é como um prego: quanto mais você bate, mais ele entra na madeira”. Às vezes, entra tanto, que não se consegue mais vê-lo. No Japão do século 17, por exemplo, a destruição brutal da Igreja não evitou que grandes grupos de kakure kirishitan (“cristãos escondidos”) mantivessem sua fé em reuniões sigilosas. Na verdade, algumas dessas comunidades clandestinas sobreviveram por quatro séculos e existem até hoje, desfrutando de plena liberdade de crença. Podemos ver o mesmo fenômeno na China e, também, em todo o Oriente Médio. Na Síria, as estimativas do tamanho da população cristã anterior à crise atual variavam entre 5% e 15%. A crença e prática sigilosas, subterrâneas, serão muito mais difíceis sob o regime islâmico, mas esses cristãos sempre foram capazes de suportar longos períodos difíceis, até a volta de tempos mais calmos.
FORÇA E FRAQUEZA Mesmo durante os piores períodos, a fé sobrevive. Mesmo no cada vez mais intolerante Oriente Médio, os cristãos, como um todo, não estão apenas sobrevivendo, mas experimentando crescimento. Até na Arábia Saudita, que oficialmente proíbe o Cristianismo e é apontada pelas fontes oficiais como uma nação “100% muçulmana”, a presença de cristãos têm aumentado. É que, a cada ano, milhares de estrangeiros pobres, oriundos da África e da Ásia – com destaque para os imigrantes filipinos –, chegam para trabalhar. Como eles não existem oficialmente como cristãos, não têm nenhum direito de praticar a sua fé, mesmo em particular. Mas eles existem. Segundo algumas estimativas, a população cristã da Arábia Saudita é de cerca de cinco por cento dos quase 30 milhões de habitantes. Os cristãos, em sua maioria, trabalhadores imigrantes, somam provavelmente sete por cento da população dos Emirados Árabes, e 10% da população de Barheim ou do Kuwait – e estas são nações onde o Cristianismo mal existia 100
14 séculos de relações conturbadas Desde a expansão islâmica do século 7, as relações entre cristãos e muçulmanos já desencadearam uma série de guerras e conflitos As forças islâmicas invadem a Espanha, país de maioria cristã
As Cruzadas cristãs chegam a Jerusalém
Francisco de Assis se encontra com o sultão do Egito e tenta, sem sucesso, convertê -lo e acabar com as Cruzadas
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Maomé anuncia as visões que teriam dado origem ao Islã
Exércitos muçulmanos começam conquistam a Síria, a Palestina e o norte da África, onde viviam muitos cristãos
Na Batalha de Tours, exércitos francos derrotam o califado muçulmano Omíada, que se estendia da Espanha até a Ásia Central
Exércitos cristãos expulsam os muçulmanos da Península Ibérica
Na Batalha de Hattiu, Saladino, à frente de 30 mil homens, derrota os cristãos
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Militantes do Estado Islâmico ostentam seu poderio militar: ameaça ao Ocidente
as igrejas da Síria e do Iraque retornando à condição próspera de que gozaram meio século atrás. Isso, porém, é muito diferente de dizer que o Cristianismo, como tal, enfrenta a extinção naquela região, ou que a Igreja de Cristo pode deixar de existir. Olhando para essa história, é possível aplicar a famosa observação, normalmente
A Grécia, da maioria cristã ortodoxa, torna-se independente dos turcos otomanos
O aiatolá Khomeini inicia a Revolução Islâmica no Irã, pregando a destruição do modo de vida do Ocidente e inspirando o terrorismo anticristão
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atribuída a Otto von Bismarck, o chamado “Chanceler de Ferro”, que governou a Alemanha entre 1871 e 1890: “O Cristianismo nunca é tão forte quanto aparenta; mas também não é tão fraco quanto parece”. Nos termos de Deus, palavras como força ou fraqueza podem mesmo ter significados surpreendentes.
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1918
2001
2014
O sultão otomano Mehmet II toma Constantinopla, derruba o Império Romano do Oriente e faz do Islamismo a religião oficial
Napoleão Bonaparte conquista o Egito dos muçulmanos
O Império Otomano cai após a I Guerra Mundial. A Grã-Bretanha passa a administrar a Palestina e outras regiões do Oriente Médio
Radicais da rede terrorista islâmica Al-Qaeda e xe c u t a m o atentado do 11 de Setembro contra os Estados Unidos. Forças americanas invadem o Iraque e o Afeganistão
No caos formado após a saída das forças ocidentais, surge o califado Estado Islâmico, que ocupa vastos territórios no Iraque e na Síria e massacra cristãos
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T r a d u ç ã o : J u l i a Ra m a l h o
anos atrás. Israel e Palestina, juntos, têm uma população de cerca de 10 milhões de habitantes, dos quais talvez cinco por cento sejam cristãos – árabes, armênios, russos, africanos e filipinos. Junto com as comunidades existentes na região do Golfo, esses são os novos e crescentes centros da crença e prática cristãs do Oriente Médio. É claro que esses sinais de crescimento não podem, nem por um segundo sequer, desviar nossa atenção da terrível situação que os cristãos de outras partes do Oriente Médio estão enfrentando. Pessoas estão sendo assassinadas, estupradas, escravizadas e transformadas em refugiadas, e os governos ocidentais não têm opção, a não ser intervir a favor delas – a única discussão é sobre como podem fazer isso. A intervenção armada, iniciada em setembro por forças comandadas pelos EUA, pode, sim, ter êxito no combate aos jihadistas. A longo prazo, as igrejas ocidentais, sem dúvida alguma, têm um papel a desempenhar na assistência a seus irmãos, quer seja em seus países de origem ou em suas novas diásporas. Mesmo com uma forte intervenção – seja militar, diplomática ou humanitária –, é difícil, contudo, imaginar
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Manifestantes protestam contra leis restritivas ao Cristianismo no Paquistão: em todo o mundo, 100 milhões são perseguidos pro sua fé
O século da perseguição Estigma da intolerância religiosa já é marca deste início de milênio Da Redação pesar de todos os avanços econômicos, sociais e tecnológicos deste mundo pós-moderno, uma sombra assustadora se abate sobre a humanidade. Não se trata da devastação ambiental ou da escalada armamentista, embora tais temas, evidentemente, causem grande preocupação. É uma tragédia nem sempre notada, mas que tem provocado mais vítimas do que guerras, catástrofes naturais ou surtos de doenças mortais. Nunca antes na história, tantos seres humanos viveram sob aquela que pode ser considerada a mais dura restrição: a de não poder crer livremente, professar a própria fé e viver de acordo
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com o que se acredita ser a verdade. Em pelo menos 65 nações, existe hoje severa perseguição religiosa. São lugares onde os governos arvoram para si o poder de determinar a crença que seus cidadãos podem ou não seguir. Em muitas outras regiões, nas mais variadas latitudes, é a própria sociedade que manifesta rejeição à fé, hostilizando quem a professa. E, apesar de constituírem o mais numeroso grupo religioso do mundo, com cerca de 2,2 bilhões de adeptos, os seguidores do Cristianismo, a única crença verdadeiramente global, são os mais atingidos pela intolerância. Ao longo do século passado, mais cristãos foram martirizados do que ao longo de toda a história da humanidade – aí incluídos desde a brutalidade do Império Romano e suas arenas cheias de leões famintos até o regime comunista
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de inspiração soviética, que executou ou lançou nas prisões da Cortina de Ferro multidões de crentes. Foram cerca de 50 milhões de mortos, e o número tenebroso só aumenta. Hoje em dia, ao redor do planeta Terra, um cristão é assassinado por causa de sua fé a cada cinco minutos, menos tempo do que o leitor levou para ler esta reportagem até aqui. Estima-se que, hoje, pelo menos 100 milhões de seguidores do Cristianismo, das mais diversas confissões, sofram com a perseguição religiosa. Ela se manifesta de todas as maneiras possíveis e imagináveis, desde o cerceamento a direitos básicos, como trabalho e educação, passando pelo repúdio familiar e social, até chegar a extremos como a tortura e execução, como as perpetradas pelos terroristas do Estado Islâmico, ultrarradicais muçulmanos que mutilam, decapitam e
até crucificam cristãos. A opressão se repete em contextos culturais e políticos dos mais diversos, sobretudo dentro da chamada Janela 10-40, imensa região imaginária que vai da costa ocidental africana até o Extremo Oriente e na qual se concentram as populações menos evangelizadas do mundo. Na África, a ação de milícias muçulmanas como o Boko Haran, da Nigéria, provoca êxodos populacionais de comunidades cristãs. Em outros países africanos,
como Níger, Burkina Faso, Sudão e Mali, organizações terroristas querem impor a Sharia – lei islâmica baseada em interpretações radicais do Corão – à força, tendo a Igreja como alvo. No Oriente Médio e no sul da Ásia, crises políticas e o caos provocado pela queda dos governos do Iraque e do Afeganistão, depois da intervenção militar americana da década passada, pioraram ainda mais a já precária situação dos cristãos, que veem suas comunidades se reduzirem a cada ano. Na Índia, é a
violência perpetrada por radicais hindus que fustiga os seguidores de Cristo. Entre 2008 e 2010, cerca de 50 mil cristãos foram trucidados ou forçados a fugir, sobretudo na região de Orissa, situação que ganhou o noticiário internacional. Isso, sem falar na comunista China, protagonista de uma das maiores perseguições movidas contra a Igreja nos últimos tempos, no período da Revolução Cultural iniciada em 1968, e ainda hoje um regime ultrafechado à fé cristã.
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Sacerdote celebra funeral de vítimas do Boko Haran: extremismo islâmico ameaça comunidades cristãs da África
APOIO À IGREJA “Infelizmente, e ao contrário do que se poderia imaginar para o século 21, temos observado um aumento expressivo na intolerância e perseguição religiosa ao redor do mundo”, diz o pastor João Marcos Soares, diretor-executivo da Junta de Missões Mundiais da Convenção Batista Brasileira (JMM), uma das principais agências missionárias do país. “Vai se tornando cada vez mais perigoso servir a Cristo em determinados contextos, principalmente nas regiões dominadas por radicais islâmicos”. O dirigente da JMM, agência à qual são ligados cerca de 700 missionários que atuam em sessenta países, destaca que, além das populações locais, submetidas a toda forma de opressão, também os missionários estrangeiros estão sob forte risco. “Ao contrário do que acontecia em outros tempos, o extermínio
de cristãos é hoje executado de forma planejada por grupos terroristas organizados.” “A Sociedade Internacional para os Direitos Humanos afirma que cerca de 80% de todos os atos de discriminação religiosa no mundo de hoje são direcionados aos cristãos”, aponta o secretário de Portas Abertas Brasil, Marco Cruz. Entidade internacional fundada pelo missionário holandês conhecido pela alcunha de Irmão André – codinome adotado quando contrabandeava bíblias através das fronteiras comunistas, entre os anos 1950 e 70 –, Portas Abertas apoia a Igreja perseguida ao redor do planeta e atua, entre outras áreas, no suporte a cristãos locais e obreiros estrangeiros em campos onde há conflito religioso. Outra área em que a organização se destaca é na denúncia internacional de casos de violência e perseguição, bem como na pressão sobre governos e autoridades, ações institucionais e de defesa
dos direitos dos cristãos – como no caso de Helen Berhane, que ficou presa durante três anos em um contêiner na Eritreia, sofrendo todo tipo de violência. “Ano passado, lançamos mundialmente a campanha Apoie a Síria e colhemos mais de 400 mil assinaturas de cristãos de todo o mundo numa petição que foi levada ao Parlamento britânico e também à ONU, em Nova Iorque, nos manifestando contra a situação de perseguição aos cristãos naquele país”. No país árabe, a comunidade cristã é atacada tanto pelo governo do ditador Bashar Assad como pelos rebeldes que tentam derrubá-lo. O recente caso do missionário brasileiro José Dilson Alves da Silva, preso por seis meses no Senegal entre 2012 e 2013 (ver entrevista mais adiante nesta edição), também mereceu a atenção da organização.
Ameaças no horizonte Especialista em história da Igreja Evangélica brasileira, o pastor presbiteriano Alderi Souza de Matos lembra as dificuldades à expressão da fé protestante no país. Embora reconheça a liberdade religiosa de que os brasileiros gozam hoje, ele alerta que as coisas podem mudar:
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Católica Romana era a religião oficial do país. Acontece que, com a República, houve um enorme fortalecimento institucional do catolicismo no país; assim, embora o novo regime tenha implicado no fim da união entre Igreja e Estado, a Igreja Romana, livre da tutela sufocante do Império e mais alinhada com o Vaticano, se voltou com agressividade inédita contra os protestantes brasileiros.
Em que momento isso se tornou mais evidente?
CRISTIANISMO HOJE – Historicamente, no Brasil, quais foram os piores momentos da Igreja Evangélica em relação à supressão das liberdades religiosas? ALDERI DE SOUZA DE MATOS – Paradoxalmente, houve mais intolerância contra os evangélicos depois da proclamação da República do que antes, quando a Igreja
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Um período especialmente difícil foi o Estado Novo de Getúlio Vargas [19371945]. Nessa época, foi aprovada uma Constituição Federal autoritária, conhecida como “Polaca”, que assegurou vários privilégios à Igreja Católica, como o seu reconhecimento como a religião do povo brasileiro e o controle da educação religiosa nas escolas públicas. As autoridades nem sempre se esforçavam para garantir os direitos religiosos dos protestantes, que eram frequentemente desrespeitados.
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Hoje, de que maneiras essa pressão se manifesta? Sem dúvida, a perseguição aberta e física ficou para trás. Mas hoje existem formas mais sutis de discriminação religiosa, como o apoio institucional e financeiro do Estado à Igreja Romana – isso fica especialmente evidente nas visitas papais ao Brasil. Além disso, agenda do governo de esquerda que controla o país há 12 anos inclui a restrição crescente à expressão religiosa na esfera pública, como já ocorre de maneira estarrecedora nos Estados Unidos.
O senhor enxerga riscos de supressão da liberdade religiosa no país? No momento, há uma grande medida de liberdade. Porém, pode se perceber algumas ameaças no horizonte. Além da questão da dificuldade ao trabalho evangélico em áreas indígenas, existe o temor de que uma eventual aprovação da chamada lei anti-homofobia implique em sérias dificuldades para as igrejas evangélicas.
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Portas Abertas elabora, todos os anos, a classificação dos países por perseguição religiosa (ver quadro), levantamento que leva em conta diversos indicadores, como a existência de políticas oficiais de repressão, hostilidade social contra os cristãos e presença da Igreja, entre outros. “O país onde há maior dificuldade de se pregar e viver o Evangelho é a Coreia do Norte”, destaca. “Pelo 12º ano consecutivo, este é o local onde a perseguição é mais extrema. Estima-se que milhares de pessoas estão presas em campos de
trabalhos forçados pelo simples fato de terem sido denunciados por serem cristãos. Ali, a adoração somente é permitida ao ditador Kim Jong-un e seus antepassados.”
PRÓ-ATEÍSMO E ANTI-EVANGELHO Marco Cruz sabe que a intolerância religiosa é uma realidade que ameaça a todos. E nem mesmo no chamado mundo livre, a situação é de tranquilidade. No Ocidente
Campeões da intolerância
Todos os anos, a missão Portas Abertas divulga a classificação dos países em relação à intolerância religiosa. De acordo com os dados de 2014, as quinze nações que mais perseguem os cristãos são 1 – Coreia do Norte 2 – Somália 3 – Síria 4 – Iraque 5 – Afeganistão
6 – Arábia Saudita 7 – Maldivas 8 – Paquistão 9 – Irã 10 – Iêmen
11 – Sudão 12 – Eritreia 13 – Líbia 14 – Nigeria 15 – Uzbequistão
cada vez mais secularizado, o princípio da laicidade do Estado tem sido confundida com políticas oficiais pró-ateísmo e anti-Evangelho – e o problema é que, em contextos assim, tudo pode vir a acontecer, mesmo aqui no Brasil. “É cada vez mais raro o ensino religioso cristão nas escolas. Símbolos cristãos já foram banidos de vários espaços públicos. Devemos estar preparados para a perseguição, pois a Bíblia afirma que todas as pessoas que almejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidas”, assevera. No 7º Congresso Brasileiro de Missões, organizado em outubro pela Associação das Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), foram relatados casos de expulsão ou mesmo violência a missionários atuantes entre as tribos no norte do país. A questão indígena é apontada por missionários como um foco de intolerância religiosa no país. “Dizer que não existe perseguição religiosa e restrição à evangelização no Brasil não é verdade”, afirma o presidente da AMTB, Cassiano Batista da Luz. “Cresce o consenso, entre acadêmicos e dentro de alguns setores do próprio governo federal, de que o Evangelho é nocivo a determinadas culturas, como as indígenas”. Ele reclama da expulsão de agências e missionários das áreas indígenas, mesmo daquelas onde prestam importantes serviços sociais. “Já tivemos até uma equipe de saúde, com médicos e enfermeiras missionários, que servia em contexto inóspito da Amazônia, sem qualquer ônus para os cofres públicos, expulsa de forma truculenta e
A RQUIVO
Escravas sexuais
Menina segura cartaz onde se lê: “Salvem nossas crianças e mulheres”
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O influente jornal britânico Daily Mail e a organização internacional Humans Rights Watch denunciaram mais uma prática do Estado Islâmico – grupo terrorista ultrarradical que já domina amplos territórios no Oriente Médio – contra as minorias religiosas da região. Além das execuções sumárias e do massacre de vilas inteiras, os extremistas estão promovendo o leilão de escravas sexuais. Dados não confirmados revelam que os criminosos já teriam capturado cerca de 7 mil mulheres cristãs e yazidis, inclusive meninas na faixa dos 12 anos. O celular encontrado com um miliciano morto em confronto tem cenas de um desses leilões, em que homens armados falam sobre uma adolescente de 15 anos, que não aparece nas imagens mas estaria à venda. Em dado momento, os criminosos promovem uma espécie de disputa com lances em dinheiro. Prevista no Corão (Sura 4.24), a escravidão sexual é justificada pelo livro sagrado do Islã em tempos de guerras santas, como a que o Estado Islâmico acredita estar lutando.
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Sofrimento por Cristo M I S S ÃO POR T A S A B ER T A S
desrespeitosa por integrantes da atual administração da Funai”, protesta. Cassiano acredita que a Fundação Nacional do Índio e alguns procuradores do Ministério Público Federal abrigam uma visão abertamente discriminatória e anti-cristã . Por isso mesmo, a AMTB tem buscado aumentar o diálogo; mas, ao mesmo tempo, adota medidas. A entidade tem parceria institucional com a Associação Nacional de Juristas Evangélicos, a Anajure, que é ligada a organizações internacionais que se dedicam à liberdade religiosa, tema que tem recebido maior atenção ao redor do mundo. “Além de continuarmos nesse processo de diálogo e, quando necessário, ações judiciais em defesa da liberdade religiosa e de pregação, devemos nos lembrar também de que é necessário revermos constantemente as nossas estratégias”. A maior delas, contudo, deve ser travada no ambiente espiritual. “Sabemos que o Cristianismo é visto como especialmente nocivo dentro desse contexto, pelo fato de reivindicar exclusividade. Pregamos um único Deus e um único caminho até ele, e isso é execrado pela sociedade atual”, conclui.
Os números da perseguição religiosa no mundo são uma vergonha para a humanidade. Estima-se que, a cada cinco minutos, um cristão é morto por causa de sua fé em algum canto do mundo:
80% dos atos de violência e discriminação religiosa atingem os cristãos
100 milhões de pessoas são cristãos perseguidos 165 mil cristãos são assassinados por ano 65 nações impõem restrições oficiais à expressão da fé cristã
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Matéria de capa
Arquivo
Andando e chorando
A Igreja sofredora precisa de apoio e orações para continuar fazendo a obra em Deus sob as mais duras condições Por Ronaldo Lidório
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nquanto louvamos a Deus em nossas confortáveis casas e templos, e podemos anunciar o Evangelho de forma aberta nas ruas, lugares públicos e redes sociais, pelos canais de TV e emissoras de rádio, mais de 100 milhões de cristãos, irmãos nossos, habitam em países e regiões onde há hostil perseguição à Igreja de Cristo. Um em cada três cristãos mundo afora sofre algum tipo de intimidação por sua fé. Boa parte deles estão sujeitos a toda forma de opressão e violência pelo simples fato de se identificarem com Jesus de Nazaré. Eles são conhecidos como a Igreja sofredora. Essa perseguição existe nos mais diversos níveis. Ela vai desde o constrangimento, a pressão familiar e a ridicularização até o sequestro, encarceramento, tortura e morte. Nesses lugares, a perseguição religiosa vem das mais diversas esferas: social, emocional, espiritual ou física. Um número cada vez maior de cristãos passa
a integrar os chamados “deslocados” a cada ano. São aqueles que deixam suas cidades, terras e casas e passam a viver em outras regiões, em busca de liberdade. Outros são obrigados a deixar para trás suas referências e se tornam refugiados, vivendo em campos humanitários onde recebem apenas o básico para cada dia, ou menos que isso. Estive, dias atrás, em um encontro de igrejas menonitas no sul do Brasil. Seus antepasados chegaram ao nosso país fugindo de uma grande perseguição aos cristãos na Rússia. Famílias inteiras foram dizimadas e comunidades, destruídas; muitos desapareceram ou foram enviados para os campos de trabalho na Sibéria. Os que fugiram foram abrigados em países como o Canadá, os Estados Unidos e o Brasil. A vida dos menonitas russos passou rapidamente de um estado de boa liberdade e aceitação social para terrível perseguição. Em outros lugares, a perseguição ao Cristianismo é um processo, quando uma porta é fechada de cada vez. Mesmo em países onde há plena liberdade religiosa, como o nosso, a Igreja precisa estar atenta aos sinais de mudança. Cresce
no chamado mundo livre um outro nível de cerceamento, mais sutil – mas igualmente limitador –, que é a intimidação ideológica, acadêmica ou sociopolítica às expressões de fé. Na verdade, a perseguição, normalmente, está mais próxima de nós do que imaginamos. A Palavra de Deus é clara nesse sentido. As Escrituras afirmam que aqueles que viverem em Cristo serão perseguidos (II Timóteo 3.12). A Bíblia também alerta que alguns sofrerão perseguição por causa da justiça, conforme Mateus 5, e que isso envolverá não apenas o sofrimento do corpo, mas também a difamação pessoal e moral. Em meio à perseguição, somos ensinados a guardar a Palavra de Deus (João 15.20) – e, à medida que a Igreja é perseguida, o Senhor a fortalece para, mesmo no dia mau, permanecer inabalável (Efésios. 6.13). E em momentos como este, de forma paradoxal, a Igreja que sofre é a mesma que se encontra em posição de dar grande testemunho de Cristo. Em Atos 8, a Igreja primitiva passou por forte perseguição. Ensina a Palavra que o sofrimento era físico, emocional e espiritual. No verso 1, o autor
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Há, neste exato momento, cristãos sendo fortemente perseguidos, encarcerados e executados fala que a Igreja “sofria perseguição” usando o vocábulo diogmos, que indica uma dor física. No verso 2, lemos que a igreja “pranteava” a morte de Estêvão, do grego kopeton, que significa dor na alma – um sofrimento emocional, portanto. Por fim, no verso 3, vemos que Paulo “assolava” a igreja – e o vocábulo aí utilizado é elumaineto, também usado em João 10.10 para se referir à ação do diabo tentando destruir o povo de Deus. Fica claro que, nesse caso, o padecimento era de natureza espiritual.
CUMPLICIDADE Há, neste exato momento, cristãos sendo fortemente perseguidos, encarcerados e executados em nações como Iraque, Síria, Eritreia, Argélia e Coreia do Norte, dentre muitas outras. Segundo a missão Portas Abertas e relatórios de perseguição às minorias da Organização das Nações Unidas, há um crescimento de facções terroristas independentes cujo foco é o ataque a grupos minoritários, como os cristãos, em vastas regiões da África e da Ásia. A Coreia do Norte é o país que apresenta a mais intensa intolerância religiosa no mundo contemporâneo. Não por acaso, destaca-se há sete anos no topo da classificação de países por perseguição, editada por Portas Abertas Internacional. Encontros cristãos são proibidos e somente realizados sob alto risco e custo. Há pouquíssimas bíblias no país e, assim, poucos cristãos têm seu próprio exemplar da Palavra de Deus. No Irã, a missão Voz dos Mártires notifica a forte intimidação sobre aqueles que professam sua fé em Jesus. À medida que a Igreja cresce por lá, também aumenta a perseguição. Na década de 1990, muitos líderes cristãos iranianos foram assassinados. A Eritreia passa pela época de mais intensa perseguição religiosa em sua história. A distribuição de Bíblias não é permitida; há cerca de 12 anos, todas
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as igrejas evangélicas foram fechadas por ordem governamental. Cerca de 2 mil cristãos foram presos por se reunirem para louvar a Deus. Muitos são mantidos em condições sub-humanas, confinados em celas subterrâneas ou contêineres de metal. No Egito, um recente relatório sobre os direitos humanos apontou para a perseguição semivelada dirigida aos cristãos coptas, que não conseguem permissão para construir igrejas ou orar em casa. Nas média, quatro ataques são registrados, todo mês, contra o grupo no país. Com a mudança no governo egípcio, como resultado do movimento Primavera Árabe, em 2011, os cristãos chegaram a pensar que a situação iria melhorar, mas hoje o que se observa continua sendo a intolerância. No Iraque, a situação é mais aguda: milhares de cristãos continuam a fugir da violência, tanto na capital Bagdá quanto em Mossul, deixando para trás suas casas à procura de um incerto refúgio no Curdistão e outras áreas de fronteira. Os cristãos no Iraque, que eram 1,4 milhão em 1987, hoje não passam de 500 mil. Além da supressão da liberdade de crer, esses cristãos deslocados enfrentam severa provação, pois se encontram em solo estranho, sem emprego, recursos ou amigos. No norte da Índia, a perseguição contra os cristãos deslocou um grande número de pessoas a partir de 2009, com o avanço de radicais hindus. A maioria ainda não pôde voltar para suas casas. Igrejas foram queimadas e há um sentimento de insegurança generalizado. As restrições para se partilhar de Jesus atingem os mais diversos países e áreas. A perseguição transita desde algumas reservas indígenas da Amazônia, passando pelo Norte da Nigéria até o distante Afeganistão. Entretanto, em meio a estas perseguições e sofrimento, de alguma forma que não compreendemos, Deus produz
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valentia e perseverança nos seus filhos. O Senhor abre largas portas para que Jesus se torne mais e mais conhecido. Temos notícias que no Iraque, com todas as ações de extremo terrorismo produzidas pelo Estado Islâmico, diversos muçulmanos moderados (que também têm sido perseguidos pelos extremistas) passaram a buscar a verdade nos ensinos bíblicos. Algo semelhante tem sido registrado no Irã e na Argélia. À medida que o cerco aperta, Deus transforma o cenário e produz a verdadeira libertação de dentro para fora. Aliás, foi isso que aconteceu na Igreja primitiva. Segundo Atos 8, em meio a todo o sofrimento, a comunidade cristã foi dispersa por toda parte. Com isso, o Evangelho também se espalhou, pois aqueles crentes proclamavam a Cristo, e multidões de converteram. O Senhor operou sinais de maravilhas, e, por fim, houve grande alegria em Samaria com a chegada do Evangelho de Cristo. Esse é um dos textos mais paradoxais de toda a Bíblia; ele começa, no verso primeiro, narrando uma grande perseguição, e termina, no versículo 8, com uma grande alegria. Parece que tal modo de operação de Deus continua o mesmo hoje. Em meio a grandes perseguições, o Senhor tem produzido também grandes alegrias. Talvez por isso, quem sai andando e chorando enquanto semeia volta sempre com alegria trazendo os frutos colhidos, pela graça do Pai. Precisamos orar mais pelos nossos irmãos que sofrem ao redor do mundo. E, também, nos envolvermos com ele, seja por meio do encorajamento distante ou do abrigo próximo. Precisamos apoiar os movimentos de Deus nas regiões mais espiritualmente áridas, onde a fé é duramente perseguida. Há igrejas no Egito, Iraque, Indonésia e Nigéria, entre tantos outros lugares, que anseiam por cumplicidade para encorajar os seus e levar o Evangelho um pouco mais adiante. É hora de abrirmos os olhos e vermos tanto o sofrimento dos irmãos que padecem quanto os campos, que estão brancos para a ceifa.
Ronaldo Lidório é pastor presbiteriano, teólogo e doutor em Antropologia. Serve como missionário filiado à APMT e WEC, participando de vários projetos entre os segmentos menos evangelizados
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Projeto Evangelho global
Guiados pela grande nuvem Por que a tradição é vital para a compreensão das Escrituras
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Por Gerald R. McDermott
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ma das grandes preocupações de cristãos sinceramente interessados em conhecer a Palavra de Deus é o de estudar a Bíblia livres de influências que prejudiquem sua interpretação. Esses crentes – entre os quais se incluem desde recémconvertidos até aqueles que têm décadas na fé – escolhem essa abordagem justamente ao estudarem as Escrituras. Eles aprenderam, em Mateus 15, a não ser como os fariseus, acusados por Jesus de valorizarem mais a tradição humana do que a Palavra de Deus. Eles também tentam acatar a advertência de Paulo para não sucumbirmos às “filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens”
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(Colossenses 2.8); então concluem, portanto, que a Palavra ensina que a tradição da Igreja – e todas as perspectivas e interpretações humanas que ela agrega – não deve contribuir com nossa compreensão das Escrituras. É realmente isso que a Bíblia nos ensina? Ora, o próprio Paulo elogiou os coríntios por manterem os preceitos ensinados por ele. O apóstolo também exortou os tessalonicenses a permanecerem firmes e a reter as tradições que lhes foram ensinadas, “seja por palavra, seja por epístola” (II Tessalonicenses 2.15). Além disso, Paulo pediu a Timóteo que passasse adiante a tradição que o jovem líder havia aprendido com ele e que pedisse aos
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outros que fizessem o mesmo. Em diversos momentos, ele afirmou uma tradição oral, que nunca foi registrada nos evangelhos. Quando Jesus criticou os fariseus, ele não estava condenando todas as tradições, nem mesmo aquelas próprias daquele grupo. O Filho de Deus estava denunciando as tradições que faziam a Palavra de Deus vazia (Marcos 7.13). A condenação de Jesus, em Mateus 15, por exemplo, era dirigida contra os fariseus que fingiam dedicar os seus bens ao templo para que não precisassem ajudar a seus próprios pais idosos, esquivandose, assim do mandamento contido em Êxodo 20.12: “Honra teu pai e tua mãe”. No entanto, Jesus também disse, em uma declaração esquecida por muitos cristãos, que as pessoas deveriam aprender com as tradições orais dos fariseus: “Observai-as e fazei-as” (Mateus 23.3). A Igreja primitiva reconheceu que precisava das tradições quando enfrentou a heresia do gnosticismo. Mestres gnósticos alegavam que o Deus do Antigo Testamento e a matéria física eram maus, e que a salvação vinha pelo conhecimento, e não através da morte e vida de Jesus Cristo. A imagem que tinham de Deus e da salvação era radicalmente oposta àquilo que os apóstolos pregavam. O teólogo primitivo Irineu dizia que os apóstolos transmitiam não somente alguns escritos, mas também uma maneira de lê-los – e que só seguindo determinada forma de ler os textos era possível se ater à ortodoxia. Mais tarde, nas tentativas de entender a divindade, a Igreja primitiva finalmente estabeleceu uma tradição trinitária: Deus como ser divino em três pessoas. A palavra
First published in Christianity Today, copyright © 2014. Used by permission, Christianity Today International
“Trindade” e o agora clássico “três pessoas em um só Deus” não estão na Bíblia. Quase todos os cristãos, no entanto - inclusive os evangélicos –, acreditam que o Espírito Santo guiou a Igreja primitiva durante essas discussões, fazendo-a chegar a esse consenso. Os líderes lembraram seus ouvintes de que Jesus prometeu que havia coisas que os apóstolos não estavam prontos para ouvir naquele momento, mas que seriam reveladas mais tarde, à medida que o Espírito os guiasse “em toda a verdade”, conforme João 16.12-13. Essa compreensão da divindade usou palavras não bíblicas para explicar conceitos escriturísticos e têm orientado todos os cristãos desde então.
SOLA SCRIPTURA O que dizer, entretanto, da doutrina protestante consubstanciada na expressão sola Scriptura? Martinho Lutero, que ensinou essa doutrina, não disse que apenas as Escrituras são a nossa autoridade, e que as tradições humanas nunca deveriam substituir a Bíblia? Na verdade, Lutero ensinava que os cristãos precisavam de uma tradição correta, a fim de interpretarem a Bíblia. Ele criticou tradições teológicas medievais apelando às tradições anteriores: Agostinho, os credos e os grandes concílios da Igreja, os quais, segundo o reformador, eram guias confiáveis para a compreensão da Palavra de Deus. Portanto, para Lutero, sola Scriptura significa que as Escrituras devem ser nossa principal autoridade, mas ainda precisamos da ajuda dos credos, concílios e teólogos para interpretá-las corretamente. Caso contrário, correríamos o risco de usar a Bíblia para distorcer o Evangelho, como fez a Igreja medieval. João Calvino, que também pregava a prevalência da Bíblia, inspirou-se nos pais primitivos, como Irineu, Cipriano, Crisóstomo e Agostinho, para reforçar seu ensino de temas bíblicos. Muitos dos oponentes de Calvino, como o antitrinitário Michael Servetus, também usaram a Bíblia para defender a sua causa. Calvino, no entanto, os usou para mostrar a seus leitores que Servetus estava interpretando as Escrituras de maneira equivocada. Ainda assim, muitos evangélicos insistem em dizer que leem a Bíblia sem influência da tradição. Eles não se dão conta de que muitas de suas visões sobre
questões como mulheres no ministério, papéis de homens e mulheres na obra do Senhor, ceia, batismo e fim dos tempos, por exemplo, são formadas pelas comunidades cristãs das quais fazem parte. Em todos os casos, evangélicos de diferentes origens usam textos parecidos, mas são levados a interpretações diferentes. Não que isso seja algo ruim: o corpo de Cristo é uma comunidade, e em cada parte desse corpo as crenças são passadas por meio de textos e de pessoas com autoridade. Luteranos e evangélicos reformados têm confissões que os ajudam a interpretar a Bíblia. Da mesma maneira, grupos como os pentecostais, em geral, e os batistas têm declarações de fé que governam suas crenças e práticas. Nos dois últimos séculos, muitos protestantes tentaram se livrar das tradições passadas como tentativa de voltar ao Evangelho de Jesus, antes que ele fosse corrompido pela tradição da Igreja. Eles levantavam a bandeira da sola Scriptura, imaginando estar acima das tradições. Eles não se davam conta de que estavam interpretando a Palavra a partir de suas próprias tradições iluministas – e não foi nenhuma surpresa, portanto, que a sua busca pelo Jesus histórico ilustrava um Salvador que se parecia muito com eles. A verdadeira questão não é se a tradição influencia a nossa interpretação da Bíblia, mas que tradição faz isso. E a melhor maneira de julgar qual é essa tradição é compará-la regularmente à grande tradição – outro nome paraa“grandenuvemdetestemunhas”,citada em Hebreus 12.1, ao longo dos séculos. É o que C.S. Lewis chamou de “Cristianismo puro e simples”, o consenso de crenças e comportamentos que a Igreja concordou nos últimos dois mil anos. Claro que há muitas coisas na tradição acerca das quais os escritores discordam, como o número e significado dos sacramentos e a localização da autoridade eclesial; no entanto, há uma unidade de visão em tantos outros pontos entre os chamados pais (como Irineu, Atanásio, Crisóstomo, Agostinho e Máximo, o Confessor), os teólogos medievais – como Anselmo e Tomás de Aquino –, e os reformadores, Jonathan
Edwards, John Wesley, John Henry Newman e Dietrich Bonhoeffer, para citar alguns. Os credos também fazem parte da grande tradição. Lutero, Calvino e seus sucessores valorizavam os credos como sendo resumos valiosos da fé ortodoxa. O teólogo britânico Donald MacKinnon (1913-1994) observou que os grandes credos ortodoxos nos protegem contra a ingenuidade daqueles que se consideram intelectualmente superiores e livres para alterar a ortodoxia histórica. O erudito evangélico contemporâneo Scot McKnight explica que os credos são encontrados no Novo Testamento (por exemplo, em I Coríntios 15.1-8 e 22-31) e que os credos posteriores, como o de Niceia, são exemplos de uma maneira de contar a história de Jesus enfatizando o que era mais importante.
“SEMPRE EM REFORMA” No entanto, a grande tradição não é apenas uma fonte de compreensão da doutrina bíblica e da moralidade, embora precisemos dela mais do que nunca, para entendermos questões como sexo e casamento. Ela é também uma ótima fonte para o aprendizado da adoração a Deus e sobre o que significa ser um verdadeiro discípulo. O americano Jaroslav Pelikan (19232006), historiador da Igreja, distinguiu tradição como “a fé viva dos mortos” do tradicionalismo, considerado “a fé morta dos vivos”. Contudo, como podemos prevenir que a tradição vire tradicionalismo? Houve momentos, como o final da era medieval, em que parece que as tradições distorciam o Evangelho e, portanto, precisam de purificação. A melhor maneira de “testar os espíritos”, conforme recomendado em I João 4.1, é fazer como Lutero e Calvino fizeram, com a ajuda da grande tradição. Eles apelaram à “regra da fé”, expressa nos credos e pelos primeiros concílios ecumênicos. Os reformadores não concordavam com todas as declarações de cada concílio, mas só com aquelas que haviam sido aceitos pela igreja ao longo da História. Em Constantinopla (381 d.C.), por exemplo, o
A verdadeira questão não é se a tradição influencia a nossa interpretação da Bíblia, mas qual tradição faz isso
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que durou não foi a autoridade patriarcal sobre a Igreja, mas a sua declaração da divindade do Espírito Santo. E o que ficou de Calcedônia (451) não foi apenas a regra de que as mulheres não podiam ser diaconisas até que completassem 40 anos, mas que Jesus é, ao mesmo tempo, Deus e homem. Consultar a tradição não significa que a linguagem exata e cada formulação de todos os credos e dogmas tenham que permanecer exatamente iguais. Os protestantes têm invocado uma Igreja “sempre em reforma”, reconhecendo a necessidade de uma abertura constante ao Espírito. Há, entretanto, uma diferença entre desvendar a lógica interna dos credos e dogmas da ortodoxia histórica e descartar tudo o que é oposto à cultura atual. Nós podemos, por exemplo,
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nos opor a maneiras culturais de explicação da substituição penal na cruz, reconhecendo que existem vários temas concernentes à expiação nas Escrituras; porém, não devemos nunca omitir o que é, ao mesmo tempo, fundamental ao ensino bíblico e ofensivo ao espírito cultural de hoje – o fato de que somente através do sacrifício de Cristo Deus satisfez a sua santa ira contra o pecado. Precisamos da grande tradição hoje mais do que nunca. As maiores questões enfrentadas pelas igrejas evangélicas de hoje são as mesmas com as quais se bateram os cristãos ao longo dos últimos tempos: Todos são salvos? O que é o casamento? Cristo é realmente o único caminho até Deus? Para cada uma dessas questões, os protestantes liberais desconsideram completamente a
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tradição. A tentação para muitos evangélicos, por outro lado, é interpretar a Bíblia da maneira que mais lhes agrada, sem olhar para trás. Alguns consideram que o conceito de Lutero acerca de sacerdócio universal significa que podemos interpretar a Bíblia por conta própria, que o mais importante é termos um relacionamento pessoal com Jesus e que doutrina e códigos morais carecem de maior importância. Verdade seja dita: a grande maioria dos evangélicos se importa com a doutrina e a moralidade, mas quer decidir, por si memos, o que significam. Eles rejeitam a noção de que a Igreja é uma comunhão viva de santos, com autoridade sobre cada crente. Nesse protestantismo à moda nova era – onde não importa em que você acredita ou o que faz, desde que esteja em contato com algum tipo de atmosfera espiritual –, a cultura vence o Evangelho, e nós, crentes, acabaremos por seguir os passos dos protestantes liberais, a menos que passemos a levar a grande tradição a sério.
Gerald R.McDermott é professor de Religião no Roanoke College (EUA) e pesquisador associado do Centro Jonathan Edwards, da África do Sul
Tradução: Julia Ramalho
Precisamos da grande tradição hoje mais do que nunca. A tentação para muitos evangélicos, por outro lado, é interpretar a Bíblia da maneira que mais lhes agrada, sem olhar para trás
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Entrevista – JOSÉ DILSON ALVES DA SILVA
Divulgação
O missionário José Dilson, em culto com senegaleses: “Brasil também corre risco”
“A intolerância cresce de forma gigantesca”
Por Carlos Fernandes
O missionário José Dilson Alves da Silva, que passou cinco meses preso no Senegal, diz que
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omissão da Igreja desencadeia a perseguição ara quem passou seis meses em uma prisão imunda e superlotada no Senegal, entre novembro de 2012 e abril de 2013, a disposição do pastor presbiteriano José Dilson Alves da Silva de voltar logo ao campo missionário chega a surpreender. Ligado à Associação Presbiteriana de Missões Transculturais (APMT), ele e a colega Zeneide Novaes ficaram detidos por falsas acusações de exploração e maus tratos aos menores carentes que atendem no Projeto Obadias, uma das várias iniciativas de orientação cristã e social que coordenam em solo africano. Posto em liberdade após intensa pressão internacional sobre o governo do Senegal, Dilson passou por um período de descanso e recuperação no Brasil. À CRISTIANISMO HOJE, o missionário conta nesta entrevista como ficou sua situação legal perante a Justiça senegalesa e analisa o panorama de perseguição religiosa que, segundo ele, aumenta em todo o mundo – e, também, no Brasil. Confira:
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A intolerância existe e está crescendo de forma gigantesca. Vemos isso em países do Oriente Médio e da África, onde são feitos atos cruéis, matando publicamente os cristãos CRISTIANISMO HOJE – No último dia 17 de junho, saiu uma sentença inocentando-o das acusações que lhe eram atribuídas. O senhor ainda tem alguma pendência com a Justiça do Senegal? JOSÉ DILSON ALVES DA SILVA – Graças
crianças muçulmanas ao Cristianismo”, incitando o ódio de muitos contra nós. Depois de ter saído da prisão, sofri duas agressões, inclusive na companhia de minha família.
a Deus, não há mais pendências e até recebemos um documento do juiz dizendo que fomos julgados e nada existe contra nós. Podemos entrar e sair do país livremente.
As autoridades não agiram?
Quais foram as acusações que lhe fizeram? Formação de quadrilha, maus-tratos, sequestro, tráfico e desvio de menores. Cada uma delas, se confirmada, poderia me levar a uma condenação de cinco a 10 anos de prisão. A queixa que me levou à cadeia foi formulada por um pai muçulmano que ficou furioso quando viu que seu filho estava em um centro evangélico. Abrigamos o garoto, que vivia na rua, por estar ameaçado de morte. Quando ofereci que o levasse de volta para casa – pois cremos que ainda é o melhor lugar para se viver, ao lado do pai e da mãe –, depois de alguns meses conosco, ele recusou, dizendo que não queria porque agora seu filho não era mais muçulmano. Aquele homem saiu de nossa propriedade e foi diretamente a uma delegacia, onde registrou queixa dizendo que havíamos sequestrado seu filho e o convertido ao Cristianismo. Ao contrário do que acontece aqui no Brasil, onde as crianças saem de casa devido a problemas na família, vícios e outras situações, no Senegal elas acabam “doadas” por suas famílias a lideres religiosos, que as transformam em escravas. Essas crianças são obrigadas a mendigar e, quando não levam dinheiro, são maltratadas, espancadas ou até mortas por seus exploradores. Alguns jornais publicaram, em letras garrafais: “Pastor brasileiro converte
A polícia não deu a mínima. Entendo que nossa luta não é contra carne nem sangue, mas contra principados e potestades no reino celestial. Posso dizer que o estresse e os traumas psicológicos ainda levarão tempo para serem totalmente apagados. Todos nós sofremos. Eu sofri; minha família sofreu; outros missionários, amigos e irmãos queridos muito próximos de nós também sofreram. A Igreja do Senhor sofreu. Os meninos que estavam no projeto também sofreram muito – talvez, foram os que mais sofreram. Foram momentos angustiantes para todos, mas, graças a Deus, tudo passou. No entanto, levaremos um bom tempo até a perfeita cura e restabelecimento.
E o que mudou em sua vida e ministério depois de sua prisão no Senegal? Bem, reavaliamos cada um dos nossos projetos e todo o ministério, de uma forma geral. Ao contrário do que muitos pensam, nossa visão para o Senegal tem se ampliado. Sofremos, é verdade; no entanto, não permitimos que aquela prisão acorrentasse os nossos sonhos e a nossa visão. – ao contrário, isso nos mostrou que vale a pena lutar pelos nossos ideais e por aquilo que cremos. E os projetos ainda seguirão, pois cremos que a visão de acolher e ajudar os pequeninos teve o seu início no coração de Deus.
O Senegal não figura entre os países que mais perseguem os cristãos. Porém, no norte da África e em quase todo o Oriente Médio, a influência do Islã e de grupos
radicais de orientação muçulmana re-presenta grande ameaça à Igreja Cristã. Como missionário, de que maneira o senhor enxerga esse recrudescimento da intolerância religiosa? Para certas religiões, é uma questão de honra extirpar da família, até mesmo com a morte, um filho ou parente próximo, quando este se converte ao Cristianismo. Há grupos que estão dispostos a tudo para não permitirem o avanço do Evangelho. Na história, o Cristianismo sempre teve que lidar com a intolerância em diferentes patamares. Sempre houve mártires e aqueles que pagaram um alto preço pelo avanço do Evangelho, e sempre existirão. Jesus já nos advertiu de que, se perseguiram a ele, também perseguiriam a nós. Grupos como o Estado Islâmico, Al Qaeda, Hamas, Boko Haram e outros não poupam esforços para eliminar os cristãos, sejam nacionais ou estrangeiros – e tais grupos são vistos, muitas vezes, como heróis.
Como o senhor avalia a questão da intolerância religiosa no mundo de hoje? A intolerância existe e está crescendo de forma gigantesca. Vemos isso em países do Oriente Médio e da África, onde são feitos atos cruéis, matando publicamente os cristãos. Infelizmente, a perseguição não vem somente de grupos radicais islâmicos ou de comunistas, como na Coréia do Norte, cujo governo tem prendido e matado cristãos. Sem muito protesto de nações fortes como o Brasil, fecham-se olhos para a violência praticada contra os cristãos, especialmente evangélicos.
E aqui no Brasil, onde, constitucionalmente, há democracia e plena liberdade religiosa, existem manifestações de perseguição? A intolerância está ganhando terreno de forma sutil em nosso país. Se nós, evangélicos, não abrirmos os nossos olhos e não ficarmos atentos a essas sutilezas, daqui
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Se nós, evangélicos brasileiros, não abrirmos os nossos olhos e não ficarmos atentos, daqui a muito pouco tempo não poderemos pregar em nossos púlpitos, dizendo: “Assim diz o Senhor” a muito pouco tempo não poderemos pregar em nossos púlpitos, dizendo: “Assim diz o Senhor”; teremos é que pregar sermões que agradem a minorias sedentas de atos pecaminosos e condenados pela Palavra de Deus. Quem fala de moral, justiça e princípios, é ridicularizado. Estamos vivendo a cultura do avesso, pois o que era certo virou errado, e o errado virou certo. Leis estão sendo criadas para amordaçar aqueles que desejam viver segundo os princípios da Palavra. O Brasil está andando a passos largos para o mesmo caminho que seguiram outras nações, e pior ainda – sem muito protesto daqueles que poderiam de fato protestar, que são justamente os protestantes. A nossa concordância e aceitação passiva ainda nos levarão a sérias consequências. Perderemos
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a bênção da liberdade em nosso país se não fizermos uma apologia da nossa fé. Nós, evangélicos, temos nos calado, enquanto o mal avança. Temos medo da arena e dos leões do século 21.
O que o senhor enxerga como principais entraves à profissão da fé cristã genuína no Brasil? O nominalismo cristão – o costume de se professar a fé em Cristo, pertencer nominalmente a uma igreja, mas não se comprometer com a prática da Palavra de Deus –, para mim, é um grande mal. Ele conduz à ruína espiritual. No Brasil, só haverá uma diferença efetiva na sociedade quando os evangélicos, que têm crescido muito numericamente, se tornarem, em sua maioria, praticantes da Palavra de Cristo. Assim,
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deixaremos de ter uma fé nominal para vivermos um Cristianismo genuíno.
Quais são seus projetos no momento? Tenho orado e buscado a vontade de Deus. Saí do Senegal com novos sonhos em meu coração e uma visão ampliada para o avanço do Reino. Desejo, acima de tudo, dar continuidade ao Projeto Obadias, e sonho com a implantação de uma universidade cristã. Tenho viajado muito pelo Brasil, compartilhado em igrejas e grupos, principalmente agradecendo pelo apoio durante todo este tempo em que estivemos na prisão. É muito bom poder abraçar aqueles que tanto oraram pelo carinho, apoio e todo o envolvimento da família da fé. Este é um tempo de recuperação das forças e de atualização. A visão não morreu e a chama não se apagou!
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Depoimento
Bem aventurados os falidos Eu quase gostaria que a nossa famĂlia estivesse financeiramente mal de novo Por Caryn Rivadeneira
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azia mais de um ano que eu não a via. Nós costumávamos ter boas conversas quando nossos filhos estudavam juntos; porém, agora, a sua expressão facial, enquanto vinha em minha direção, me fez querer fugir. Ela se aproximou, segurou meus ombros e, com aquela expressão horrível no rosto, exclamou: “Sentimos tanto a sua falta! Que pena que vocês precisaram sair!”. Eu respirei fundo e respondi: “Não é uma pena, muito pelo contrário”. Ela pegou minha mão e eu continuei: “Não, é sério. Colocar nossos filhos na escola pública foi da vontade de Deus. Foi difícil sair da antiga escola, mas a nova está sendo uma bênção”. Ela deu uma piscadinha e disse que era bom eu conseguir dizer aquilo. “Eu não estou dizendo por dizer. Essa é a verdade”, respondi. E era mesmo. Nossos filhos precisaram sair da escola particular porque não tínhamos mais dinheiro para pagar a mensalidade. Passamos anos enfrentando dificuldades, como desemprego e despesas médicas; porém, eu já vinha sentido Deus nos chamar à escola pública de nossa comunidade havia um bom tempo. A minha amiga, obviamente, não conseguia acreditar nisso, assim como as outras pessoas que sentiram pena de nós por causa de nossas dificuldades. E elas não acreditavam devido a uma crença silenciosa que foi tomando conta do meio cristão. Trata-se de uma crença implícita, que esteve presente em todas as ocasiões nas quais algum cristão me disse para ter fé e manter meus filhos na escola particular porque “Deus iria prover”. É uma crença que os cristãos não admitem e defendem claramente, mas que adotam de forma sutil; uma convicção de que Deus confirma a nossa fidelidade acrescentando zeros em nossas finanças, nos mantendo saudáveis e nos dando cônjuges e filhos. Essa crença nos leva a ter como verdade que, apesar de Deus nos permitir alguns retrocessos ou quedas ocasionais, sua vontade é sempre melhorar, aperfeiçoar e alavancar a vida de seus filhos. É uma crença que não aceita um Deus que não tenha consideração pelo nosso conforto e que não consegue imaginar um Pai celeste que deu tanta riqueza a Salomão
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mas que permite que tantos crentes vivam na pobreza; uma crença que não dá espaço para um Deus que pode nos tirar coisas para nos enriquecer de maneiras que nada tenham a ver com saúde ou riqueza. A maioria de nós rejeita explicitamente o chamado evangelho da prosperidade; ainda assim, essa doutrina foi se infiltrando ao longo do tempo, desde as suas raízes pentecostais, passando pelos pastores das mega-igrejas e alcançando até as alas mais conservadoras da fé evangélica. Atravessou fronteiras raciais e econômicas e se assentou em nossos corações, amarrando-nos em um laço que não queremos desfazer.
Anos de banquete Eu, certamente, gostava da provisão generosa que o Senhor sempre nos deu e acreditava que nossos rendimentos eram a maneira com que Deus nos abençoava, recompensando nossa fé e nossas ofertas. Meu marido é muito inteligente e trabalhador, e nós havíamos entregado a sua empresa para um Deus que abençoa esse tipo de engenhosidade. E foi isso que o Senhor fez. No primeiro trimestre do novo negócio, ganhamos mais do que em todo o ano anterior. No entanto, depois de sobreviver ao nosso angustiante desespero financeiro – quando a economia derrubou um negócio outrora próspero, seguido dos nascimentos dos nossos filhos e de outras despesas médicas –, passei a duvidar de que os nossos anos de prosperidade, de muito dinheiro, de férias luxuosas, de compras e escolas particulares caras fossem, de fato, bênçãos. Ao relembrar os nossos anos de banquete, eu precisei me esforçar para enxergar Deus na minha vida. Ele estava lá, é claro; mas eu quase não percebia a sua presença, pois estava muito ocupada conferindo a gorda conta bancária ou planejando as compras do fim de semana. Depois, chegou a época em que sequer sabíamos como pagaríamos as nossas despesas e morríamos de medo de perder nossa casa. O dia mais desesperador de todos foi quando meu marido me contou que estávamos falidos, sem dinheiro e sem crédito. Confesso que questionei a veracidade das palavras de Jesus. Que pão nosso de cada dia? E aquela história de “pedi, e dar-se-vos-á”? E a afirmação
de que o bom pai dá peixes aos filhos, e não cobras? Quando penso naqueles dias em que eu cheguei ao fundo do poço, sem fé e desesperada, é aí que me lembro da presença e da bondade de Deus. Antes daqueles dias, eu não conseguia entender por que Jesus dizia que os pobres – de espírito ou dinheiro – eram bem-aventurados. Ou por que seria tão difícil para um rico entrar no Reino dos céus. Não conseguia entender tais coisas porque cresci em um lugar bonito e agradável. Eu frequentava uma igreja onde tínhamos piedade dos pobres e onde os ricos eram tementes ao Senhor. Quando ouvia falar em “bênção”, geralmente era algo ligado a boa saúde e prosperidade. Trata-se de uma compreensão muito baseada no Antigo Testamento, na noção de que Deus abençoava materialmente seu povo, como fez com Abraão, Salomão ou Jó. No meu círculo de amizades, era comum ouvir alguém comentando a viagem de férias ao exterior, a compra da casa de praia ou a festança da filha de 15 anos sem medo de sofrer qualquer censura. Embora a ajuda financeira na hora exata da necessidade tenha a ver com a provisão de Deus, como o pão nosso de cada dia, a prosperidade ininterrupta das casas de veraneio, das promoções no emprego e da saúde perfeita faz com que nunca precisemos buscar a Deus para nada – o que acaba nos afastando dele. Os tempos fáceis e confortáveis não nos colocam de joelhos, buscando refúgio no poder e na misericórdia do Senhor. Essas dádivas da vida não fazem com que levantemos nossas mãos em louvor por sua provisão milagrosa; ao menos, não com a mesma intensidade como quando passamos por dificuldades, como a falência, a doença ou a solidão.
“Evangelho do desespero” O desespero tenta nos esmagar. Para aqueles que seguem a Jesus, no entanto, até mesmo os momentos mais desgastantes espiritualmente podem ser uma bênção, se nos colocarmos nas mãos do Senhor. O livro de Salmos fala bastante sobre isso, assim como os escritos de Paulo. Depois de seu tempo na prisão, ele escreveu: “(...) até da vida desesperamos (...) para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que
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O desespero tenta nos esmagar. Para aqueles que seguem a Jesus, no entanto, até mesmo os momentos mais desgastantes podem ser uma bênção Embora nossa família não esteja totalmente livre de problemas financeiros, sou grata porque o pior já passou e nós agora podemos trabalhar para pagar as dívidas e o resto de nossas contas em dia. Porém, à medida que nos afastamos dos nossos piores momentos, eu temo perder contato com Deus. Até agora, entretanto, o Senhor tem me mostrado que eu não tenho nada a temer. Embora tenhamos “prosperado” um pouco financeiramente, Deus não removeu o espinho do desespero ou a necessidade de clamar por socorro nas
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angústias da vida. Deus não apagou o fogo da minha crise financeira, mas nos conduziu durante todo esse processo de superação. E, como bem sabia Isaías, eu não morri queimada. Aquele que me chama pelo nome me salvou. A bênção que encontrei é uma que o evangelho confortável da prosperidade não poderá nunca oferecer. É uma paz que prosperidade nenhuma pode proclamar; são boas novas para o desesperado e o falido.
Caryn Rivadeneira é escritora
Tradução: Julia Ramalho
ressuscita os mortos” (II Coríntios 1.8-9). De fato, pois quando enfrentamos o desespero corretamente, ou seja, entregando-o a Deus, ele nos conduz à presença do Senhor como nenhuma outra coisa faria. Ter que depender de Deus, aprendendo a fixar nossos olhos nele e experimentar da sua presença e de seu sustento – encontrando paz em meio ao caos – é uma bênção. Para experimentar isso, porém, precisamos confessar o poder que a teologia da prosperidade tem sobre nós. Precisamos substituí-lo por um Evangelho diferente; pelo Evangelho do desespero, por assim dizer. Seria o mesmo Evangelho que Davi encontrou nos poços de lodo, o Evangelho que Paulo descobriu na prisão. Foi esse Evangelho que eu descobri naquelas noites em que pensei que sucumbiria diante das contas que não conseguíamos pagar. É o mesmo que outras pessoas encontraram ao enterrarem seus entes queridos cedo demais, ou ao sofrerem durante uma noite inteira e encontrarem alívio pela manhã através das misericórdias renovadas sobre suas vidas e da presença e sustento misteriosos de um Deus bondoso.
Entrevista especial
Divulgação / SIM
A missionária Nancy Writebol: “Tudo é uma questão espiritual”
“Sobrevivi ao ebola” Por Morgan Lee
A missionária americana Nancy Writebol fala sobre sua experiência com a epidemia que assusta o mundo
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ameaça provocada pelo vírus ebola passava despercebida pelos americanos até que a enfermeira da organização missionária Servindo em Missão (SIM, na sigla em inglês) Nancy Writebol e o médico Kent Brantlly, do ministério Samaritan’s Purse (“Bolsa do Samaritano”), foram diagnosticados com a doença, no mês de julho. Nancy, que tem experiência em trabalhos no Equador e na Zâmbia, se mudou para a Libéria com o marido, David, em 2013. Logo no primeiro mês tratando pacientes infectados, ela descobriu que também havia contraído o ebola. Como o casal não apresentou nenhuma melhora na África, eles foram levados de volta para os EUA, onde foram tratados com ZMapp, uma droga experimental polêmica. Ambos se recuperaram completamente. Nancy, que atualmente vive na Carolina do Norte com David, conversou com o correspondente de Christianity Today Morgan Lee sobre o tratamento, a ação de Deus enquanto ela estava doente e o que pensa daqueles que protestaram contra o seu retorno aos Estados Unidos. Desde então, o pior surto já registrado provocou mais mortes na África – elas já chegam a 5 mil – e vem apavorando o Ocidente, com casos pontuais sendo registrados tanto nos EUA como na Europa. Mesmo assim, ela quer voltar para lá. “Precisamos entender que tudo é uma questão espiritual. Fazemos parte de uma batalha espiritual pelas almas das pessoas”, diz.
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CHRISTIANITY TODAY – Como é um hospital liberiano quando há uma epidemia? NANCY WRITEBOL – Não havia equipamentos de proteção e os enfermeiros trabalhavam sem luvas e sem máscaras. Nós, do SIM, tínhamos a vantagem de estar em parceria com o Samaritan’s Purse, que havia trazido tudo de que precisávamos para proteger nossos profissionais de saúde. Mas ainda existia o medo de trabalhar em uma unidade isolada, lidando com as pessoas. Demorou um tempo para que os enfermeiros percebessem que podiam estar protegidos ao sair e entrar, sendo desinfetados.
Como a cultura e a religião afetam a assistência médica na África? Na cultura africana, normalmente, depois da morte de uma pessoa eles fazem uma lavagem do corpo; portanto, há muito contato com os cadáveres – e é justamente quando o contágio atinge seu auge. As pessoas não queriam levar seus familiares infectados às unidades de isolamento, porque sabiam que se tratava de uma sentença de morte. Então, em vez disso, tentavam escondê-los em casa. Era difícil para eles entender que não deveriam sequer tocar nos corpos dos entes queridos mortos.
Segundo a mídia, os africanos das regiões infectadas, por acreditarem fortemente no poder de cura da fé, não seguiam as práticas da medicina ao interagir com amigos e parentes contaminados. Isso é verdade? Nós vimos isso. Havia pessoas propagandeando que, se você bebesse determinada água ou se procurasse tal curandeiro, ficaria livre do ebola. Era difícil convencer os membros da comunidade e fazê-los entender que essas coisas traziam prejuízo, em vez de ajuda. É, na verdade, uma questão de confiança.
Qual foi a reação da Igreja liberiana ao ebola? Muitas igrejas estão tentando ajudar a educar as pessoas sobre o ebola. Por
exemplo, em igrejas como a que nós frequentávamos, os cultos dominicais são como os dos EUA, onde apertamos as mãos e cumprimentamos as pessoas. Porém, nos estágios iniciais do ebola, os pastores diziam, logo no início: “Não vamos apertar as mãos”. As pessoas se cumprimentavam de maneiras diferentes.
Por que os pastores locais seguiram os conselhos da comunidade médica? Eles tinham confiança e anos de convivência com o hospital montado pela missão SIM lá. Isso não quer dizer que não havia pessoas contra; mas havia uma relação construída entre pastores que trabalhavam com o nosso hospital, a igreja e a nossa liderança. Quando se está tentando educar as pessoas, muitas vezes tudo depende da relação que se tem com a liderança.
A senhora alguma vez perguntou a Deus por que ficou doente? Acho que nunca perguntei isso. Sei, apenas, que senti uma enorme paz do Senhor. Isso não significa que eu não passei por momentos difíceis. Todos nós, na Libéria, sentimos que, na semana em que o doutor Brantly e eu estávamos pior, havia uma batalha espiritual acontecendo. Enfrentamos dias muito difíceis, mas durante esses momentos, o Senhor trouxe à minha mente a sua Palavra e a sua paz. A pergunta que fiz foi: “Como? Como eu peguei ebola?”. Não há resposta para isso. Nós estávamos tomando todas as precauções.
Até que ponto a senhora já havia pensado sobre essas questões teológicas, simplesmente por estar recebendo tratamento durante várias semanas? Eu me senti segura em todos os momentos. Eu confiei em Deus e sabia que éramos as mãos e pés de Cristo ali. Eu já havia experimentado da paz do Senhor bem antes de contrair o ebola. Depois disso, o meu relacionamento com o Senhor se aprofundou no conhecimento de que ele está no controle. Ele tem nossos dias contados.
A senhora teve algum conflito pessoal ou espiritual pelo fato de ter sobrevivido ao ebola enquanto tanta gente, inclusive crentes africanos, morreu com a doença? É difícil lidar com isso. O principal de tudo é que nós não conhecemos a mente de Deus e não sabemos por que ele permitiu que eu sobrevivesse e que alguns dos meus irmãos africanos, não. A única coisa que tenho a dizer é que Deus é maravilhoso e que nós não conhecemos seus pensamentos. Portanto, não podemos limitar o Senhor, dizendo como ele deve agir. Deus permitiu que sobrevivêssemos e há muitos irmãos e irmãs africanos que estão sobrevivendo ao ebola, mas é como o câncer ou qualquer outra doença: alguns sobrevivem, outros não. Eu confio naquilo que o Senhor está fazendo e na maneira como ele trabalha. Ele trouxe conscientização sobre a crise de ebola, o que ajudou na elaboração de uma vacina e de um soro que talvez ajudem; e trouxe conscientização para os outros países da África que estão sofrendo com isso.
As missões Samaritan’s Purse e SIM são responsáveis pela maior parte da infraestrutura na área de saúde da Libéria? Sim. O governo administra um hospital, embora eu não conheça seus números. Há, também, hospitais católicos e clínicas particulares. Mas a nossa unidade era o único centro de ebola aberto em junho. Depois, os Médicos sem Fronteiras se juntaram a nós em nossa propriedade, mas nós somos a maior unidade de tratamento do ebola no país.
É mais difícil combater a doença quando muitos dos profissionais de saúde não são liberianos? Nosso hospital tinha cinco médicos ocidentais, mas também havia sete ou oito médicos da Libéria trabalhando ao lado deles. Há uma grande confiança em nosso trabalho, mas veja o ataque contra profissionais da saúde
Eu tenho muita preocupação com o vírus do ebola. Precisamos tomar precauções sérias 59
que aconteceu recentemente na Guiné e os casos ocorridos na Libéria. Há uma falta de confiança em profissionais de saúde estrangeiros.
Qual foi a sua reação quando ouviu sobre os protestos de alguns americanos contra a sua volta aos EUA? Até aqui, há uma falta de conhecimento a respeito do vírus. Se você colocar a pessoa em uma unidade isolada dentro do avião, sendo trazida por profissionais usando equipamentos apropriados de proteção, há uma chance muito pequena de contágio. Todas as precauções foram tomadas. Mas entendi que muitas pessoas não compreendiam a situação. É uma questão que ainda precisa ser entendida, até mesmo
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em nosso meio profissional. Algumas pessoas diziam, ao me encontrar: “Não se aproxime!”, mesmo depois dos centros de controle terem anunciado que não estávamos mais com o vírus da doença.
A senhora pensa em voltar? Sim, possivelmente em 2015. Eu gostaria de rever as pessoas que trabalharam ao nosso lado e encorajá-las. Não sabemos, porém, como estará essa epidemia. Eu tenho muita preocupação com o vírus do ebola. Precisamos tomar precauções sérias.
O que a senhora aprendeu na Libéria que pode mudar a maneira como as pessoas reagem à crise? Deus nos chamou para estar na Libéria.
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Nós nos preocupamos de verdade com nossos irmãos africanos e com o que eles estão enfrentando. Frequentávamos uma igreja liberiana e vivíamos em comunhão com eles. Fazer parte do corpo de Cristo naquela parte do mundo foi uma bênção para nós. Nós morávamos na mesma área conjunta onde ficava o hospital, a estação de rádio e a escola. Havia uma igreja lá também, mas nós íamos a uma das igrejas liberianas da comunidade, para conhecermos melhor as pessoas de lá. Precisamos entender que tudo é uma questão espiritual. Fazemos parte de uma batalha espiritual pelas almas das pessoas. Vivemos para que elas venham a conhecer a Cristo como seu Salvador.
Tradução: Julia Ramalho
Nós não conhecemos a mente de Deus e não sabemos por que ele permitiu que eu sobrevivesse e que alguns dos meus irmãos africanos, não
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RIQUEZA DE SONS Sou Jesus, filho do carpinteiro, Encho a alma e o corpo inteiro Dou forma ao que deformado. Nasceu, pra ficar transformado
Os versos de O carpinteiro, faixa-título do CD do cantor e compositor Silvestre Kuhlmann, revelam a simplicidade da obra transformadora operada por Jesus Cristo na vida daquele que crê – simplicidade que se revela, também, na música suave do artista. Especialista em violão erudito e membro da Comunidade de Jesus, em São Paulo, Kuhlmann tem mais de 250 composições e chega ao seu 11º álbum cantando a Palavra de Deus, a fé, a espiritualidade e a devoção em estilo bem brasileiro. Os arranjos, ao som de violão, flauta, percussão e viola caipira, dão ao trabalho aquele clima gostoso de cadeira de balanço na varanda e cheirinho de terra molhada. Riqueza de sons que anuncia o amor do Criador da vida
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Cultura
Destaque
A base de tudo
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Universidade da Família publica literatura e promove treinamento e capacitação na área de família
Conferência da Universidade da Família: eventos da entidade já envolveram 300 mil famílias
A
família é a base da sociedade. De tão repetida, essa afirmação virou lugar-comum; mas, é a pura verdade, especialmente no contexto cristão. Primeira instituição da espécie humana, surgida lá no Éden com Adão e Eva, é na família que a vida se desenrola em seu começo, meio e fim. Valorizada, questionada e analisada, a família motiva um sem-número de obras literárias. Por conta das recentes transformações sociais, que colocam em xeque o modelo tradicional de família, novas discussões sobre a chamada célula mater da sociedade vêm à tona. Por isso, a iniciativa de organizações como a Universidade da Família são mais que bem vindas nestes turbulentos anos pós-modernos. No começo da década de 1990, as coisas eram bem diferentes. Na época, o casal Jorge e Márcia Nishimura estava passando por séria crise conjugal. Após longa busca, tiveram acesso a alguns livros do pastor Jaime Kemp, do Ministério Lar Cristão. Foram diligentes na busca de um novo relacionamento com Deus e na aplicação da visão que descobriam em seus estudos. Dessa forma, não só salvaram seu casamento como, também, se tornaram referência para outros casais com dificuldades.
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Logo, os dois passaram a ser procurados por gente com os mais variados problemas e necessidades. Em 1992, depois de muita oração, eles contam, decidiram abrir a Universidade da Família (UDF). Situado em Pompeia, no interior de São Paulo, a UDF é uma verdadeira usina projetada para pensar em soluções para a família. Não é uma simples editora, mas uma instituição que trabalha para equipar a Igreja. Em parceria com ministérios internacionais, ela desenvolve cursos, realiza seminários, faz eventos e promove treinamentos por todo o país em igrejas, escolas, organizações não-governamentais, prisões e empresas. Os temas são bem variados e abrangentes: como casamento, criação de filhos, discipulado de homens e mulheres, finanças, orientação vocacional,
educação sexual e liderança. Segundo dados do próprio ministério, em pouco mais de 20 anos, os cerca de 50 seminários e cursos, como Veredas antigas, Educação de filhos e o Negócios à luz da Bíblia, já reuniram mais de 1 milhão de participantes e envolveram 300 mil famílias em 10 mil igrejas pelo Brasil. Números que devem aumentar com o recente lançamento da TV Família, canal fechado da organização.
PRINCÍPIOS E VALORES Apoiando essas ações, a Universidade da Família ainda produz conteúdo. São apostilas, livros, DVDs e CDs que são usados nos treinamentos e constituem material de referência para estudos sobre o assunto. Foi assim que chegaram ao mercado A família, de Jack e Judith Balswick; A fé começa em casa, de Mark Holme; Quando Deus escreve sua história de amor e Romance à maneira de Deus, ambos de Eric e Leslie Ludy; e Veredas antigas, de Craig Hill – livros que se tornaram leitura obrigatória para quem vai se casar, para os que estão casados e para quem deseja construir uma família sólida. Outras obras prometem seguir o mesmo caminho: Geração perdida e Descrentes, de David Kinnaman; e O Casamento é uma obra-prima, de Al Janssen. “Em muitos aspectos, temos inovado; mas não é esse nosso objetivo. Aprendemos que a verdadeira vida e o modelo ideal para a família estão na Bíblia”, explica André Nunes, responsável pelo ministério com casais da UDF, junto com a mulher, Clarisa. “Nosso papel é ensinar às famílias a guardar e praticar esses princípios e valores”. Para tanto, a UDF trabalha em parceria com pastores e igrejas. “Treinamos obreiros para que eles ministrem e ensinem com propriedade. No fim das contas, acreditar na família é voltar às Escrituras. Esta é a maior de todas as revoluções.”
De mãos dadas com a família Entre os lançamentos da Universidade da Família, destacam-se: • A fé começa em casa, de Mark Holme • Quando Deus escreve sua história de amor e Romance à maneira de Deus, de Eric e Leslie Ludy
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• Geração perdida e descrentes, de David Kinnaman • O Casamento é uma obra-prima, de Al Janssen
Cultura
Conversa Maurício Zágari
“Perdão, uma decisão”
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Em seu novo livro, Maurício Zágari trata de um tema essencial à vida cristã “Escrevi Perdão total para a realidade nacional, a partir de uma percepção do que acontece aqui”, conta o jornalista, editor e teólogo Maurício Zágari. Depois de uma bem sucedida jornada na seara ficcional, na qual se destacou com obras premiadas, Zágari, que é membro da Igreja Cristã Nova Vida em Copacabana, no Rio de Janeiro, e veicula o blog Apenas 1, chega agora com este lançamento da Mundo Cristão sobre tema essencial para a vida cristã. Lembrando que o perdão bíblico depende muito mais de atitude do que de sentimentos, ele falou com CRISTIANISMO HOJE: O escritor e jornalista Maurício Zágari: “Temos uma Igreja, em grande parte, impiedosa”
CRISTIANISMO HOJE – Nos últimos tempos, “pedir perdão” e “perdoar” viraram assuntos secundários na vida de muitos cristãos. Porém, você os apresenta como uma volta à essência do Evangelho. A Igreja brasileira precisa dar mais atenção ao assunto? MAURÍCIO ZÁGARI – Escrevi Perdão total para falar desse que é um dos mais urgentes e fundamentais conceitos que Jesus ensinou. O perdão é uma das colunas do Evangelho. Remova o perdão e não há Cristianismo. Apesar disso, tenho visto em eventos, palestras e pregações que muitos precisam aprender a perdoar aos outros – e a se perdoar. A Igreja brasileira direciona suas atenções para assuntos periféricos e secundários da fé, esquecendo-se de pregar e ensinar sobre o processo que vai do pecado, passa pelo perdão e conduz à restauração. O cristão comum não aprende sobre perdão; logo, o compreende mal e não o vive. Temos uma Igreja, em grande parte, impiedosa. Multidões de cristãos vivem esmagados pelo ressentimento, por não perdoar a quem lhes fez mal; outros carregam sentimento de culpa por não conseguirem pedir perdão. Isso é uma tragédia.
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Muitas obras já tratam desse tema. Por que um novo livro? Primeiro, é um livro escrito por um brasileiro, para a realidade brasileira, a partir de uma percepção do que está ocorrendo na Igreja do país atualmente. Segundo, a obra é fruto de uma profunda e detalhada análise do que a Bíblia trata sobre o tema, mas escrita numa linguagem propositadamente coloquial, sem rebuscamentos acadêmicos, para que mesmo os leitores mais humildes consigam compreender. Terceiro, trabalho com textos curtos por um motivo muito prático: não quero apenas dar informações, mas levar o leitor a refletir, mudar atitudes e viver o perdão.
Quais erros as pessoas cometem com relação ao perdão? Há quem diga que não consegue perdoar porque está muito machucado... Há tantos erros que é difícil listar todos. Pessoas não se perdoam por não se sentirem perdoadas, sem compreender que o perdão parte de um entendimento, e não de um sentimento. Muitos acreditam que é possível não perdoar sem que haja consequências, quando reter o perdão tem resultados gravíssimos; supõem que alguém que pecou e se arrependeu se tornou indigno ou incapaz de atuar na obra de Deus. Sem perdão, qualquer erro gera feridas profundas na alma de
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todos os envolvidos e afastamento de Deus. Como Paulo, reconheço que, embora seja filho de Deus e habitação do Espírito Santo, sou pecador e dependente da graça de Deus. Assim, olho para os irmãos com amor e misericórdia, reconhecendo, como diz o Salmo 103, que todos somos pó. Espero que Perdão total nos ajude a agir como médicos da graça, e não como carrascos da desgraça.
Como você avalia o momento do autor cristão nacional? As editoras têm investido mais no autor nacional nos últimos anos. E esta é uma mudança que faz sentido, pois um escritor nacional compreende melhor as necessidades dos brasileiros do que um inglês ou americano. Sem desmerecer os autores estrangeiros, que tanto nos abençoam com seus escritos, acho que as editoras devem publicar, também, obras de quem conhece e vive as nossas mazelas particulares. A literatura cristã é riquíssima no Brasil e ainda há muito espaço para se avançar, como na área de ficção cristã, que nos Estados Unidos cresce de forma avassaladora mas, aqui, representa menos de 1% do que publicamos. Se criarmos a cultura de leitura de obras desse gênero, nossos filhos, que estão lendo Harry Potter e Crepúsculo, lerão obras cristãs.
Lançamentos
dignos de nota “Muitas igrejas são clubes de folclore religioso, divorciadas das necessidades humanas reais das pessoas que as rodeiam. Assim, um evangelho espúrio somente pode dar como resultado uma conversão espúria” Carlos René Padilla, na nova edição do clássico Missão integral
ANTIGO TESTAMENTO mulher INTERLINEAR HEBRAI- CD10 faixas Elen Lara CO-PORTUGUÊS Empreender Música Volume 2 – Profetas anteriores Edson de Faria Francisco 688 páginas Sociedade Bíblica do Brasil (SBB)
Uma das coleções mais audaciosas em termos de estudos bíblicos e teológicos já lançada no Brasil está ganhando seu segundo volume. Depois de publicar o livro com o Pentateuco do Antigo Testamento interlinear hebraico-português, a SBB acaba de lançar os Profetas anteriores: Josué, Juízes, I e II Samuel e I e II Reis. A obra procura traduzir literalmente cada palavra e expressão do texto hebraico, seguindo seu sentido original e usando como base a Bíblia Hebraica Stuttgartensia. Além dela, Edson de Faria Francisco, linguista, doutor em hebraico e professor da Universidade Metodista de São Paulo, apresenta junto ao texto as versões Almeida Revista e Atualizada e a Nova Tradução na Linguagem de Hoje.
CONVERSA FRANCA SOBRE CURA Bill Johnson e Randy Clark 208 páginas Chara Editora
Bill Johnson e Randy Clark são líderes conhecidos no ministério de cura sobrenatural. O primeiro dirige a Igreja Bethel, em Redding (EUA), denominação conhecida por seu crescimento explosivo e ênfase em sinais e maravilhas. Clark notabilizou-se como protagonista do movimento que se tornou conhecido como “Bênção de Toronto”, baseada no carisma sobrenatural do Espírito Santo. Conversa franca sobre cura é baseado em duas entrevistas informais feitas pelos autores entre si – e o resultado são testemunhos íntimos que trazem experiências e revelações dos dois religiosos. Entre outras coisas, eles falam sobre a visão que têm do tema da cura, sua contemporaneidade e legitimidade – e, também, dos perigos dos erros e abusos cometidos em sua busca.
MISSÃO INTEGRAL Edição revista e ampliada Carlos René Padilla 248 páginas Editora Ultimato
Publicado originalmente na década de 1980, Missão integral, do equatoriano René Padilla, lançou as bases do movimento que se tornou conhecido como “missão integral”. Apesar de ser reconhecido como um clássico da missiologia contemporânea, há tempos o livro estava esgotado. Agora, a Ultimato o relança em nova edição, revista e ampliada. Um dos mais importantes nomes da teologia latinoamericana, Padilla discute temas caros a uma sociedade caracterizada pela desigualdade – como justiça, transformação social, Evangelho e Reino de Deus. Os perigos da relação entre a Igreja e o mundo são um dos destaques da obra, enriquecida por um prefácio atualizado do autor.
(62) 3233-6917 e (62) 9243-5092
Mulher, terceiro disco da musicista goiana Elen Lara, mostra porque a Música Popular Brasileira Cristã pode ser comparada àquele tesouro da parábola de Jesus: tem um valor inestimável, mas ainda precisa ser encontrada e devidamente valorizada. Com uma mescla de ritmos e harmonias nacionais, que vão do samba e da bossa nova ao chorinho e ao maxixe, suas dez composições, algumas inéditas, desvendam com poesia e sensibilidade a alma e a fé femininas. A maioria das canções são fruto de uma parceria entre a cantora, os arranjos vocais de seu marido Dámon Farias e a produção de Bruno Rejan. É o caso de Menina Mulher, Sara e Pecadora. Mas o álbum também traz uma composição instrumental, Poême, e Melodia Sentimental, um clássico do maestro Heitor Villa Lobos.
O MEDALHÃO PERDIDO Filme / DVD 90 minutos Áudio e legendas: Português e inglês Graça Filmes
Ao visitar um orfanato, Daniel (Alex Kendrick, de Corajosos, Prova de fogo, A virada e Desafiando gigantes) percebe que a relação entre as crianças não anda nada bem e resolve contar-lhes a história do jovem aventureiro Billy Stone (Billy Unger) e sua melhor amiga, Allie (Sammi Hanratty). Juntos, eles encontram um misterioso medalhão que os leva a uma viagem no tempo. Depois de atravessar mares, superar armadilhas e perigos de todo tipo, defrontam-se com o vilão Cobra (Mark Dacascos). Eles precisarão compreender o poder da verdade de que Deus criou cada um com inestimável valor e propósito único.
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Testemunho
“A cura não veio do jeito que eu queria” Arquivo pessoal
A pianista Patrícia Bretas conta os efeitos do câncer sobre a sua vida
Q
uando recebi o diagnóstico de um agressivo câncer de mama, pouco mais de um ano depois de perder minha mãe para a mesma doença, foi terrível. A primeira pergunta que fiz foi aquela: “Por que logo eu, Senhor?”. O mais difícil foi me imaginar cadavérica, caquética, internada à morte num hospital aos 50 anos de idade, sabendo que tenho um marido que me ama e dois filhos jovens e preciosos. O câncer é como uma bomba na cabeça do paciente, de sua família e dos amigos. Soubemos que meu caso era de um tipo dificílimo de ser tratado, pelo avanço e aspecto do tumor. Logo, acalmei meu espírito e senti paz. Era uma certeza de que o Senhor estava comigo, mesmo tendo permitido aquela doença triste. Lembrei-me da Bíblia, que eu lera a vida inteira, assim como dos cânticos e hinos lindos e tocantes que eu aprendera na igreja, e vi que era hora de colocar aquela tão falada fé no Deus do impossível em prática. Eu não queria morrer e nem definhar; assim, mantive um modo de vida propositivo, sempre contando com a cura – mas sabia e falava que, se fosse para eu morrer com esta doença, eu diria até o fim que Deus é bom e me ama. E acho que passei esta certeza para meu marido, meus filhos, minhas irmãs, outros parentes e amigos. Foram centenas de pessoas que se importaram comigo, e eu nunca havia recebido tanto amor! Na verdade, todos nós pedíamos ao Senhor uma cura sobrenatural, sem intervenção de tratamentos ou drogas. Mas, não foi assim que aconteceu. É claro que chorei algumas vezes, sobretudo no princípio. Chorei sozinha nos meus momentos a sós com Deus; chorei com meus queridos. Entretanto, nunca
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deixei me dominar pelo medo e pela desesperança. Nunca. Fiz a mastectomia com uma raspagem completa, além da retirada de 16 linfonodos da axila esquerda – seis deles, atingidos pelo carcinoma. Perder uma mama é terrível. Ver os cabelos caindo também foi triste. Eu não queria que ninguém me visse sem cabelos e não quis usar lenços, porque me sentia ainda pior. A solução foram as perucas, os bonés com cabelos anexados e, assim, ir vivendo. A recuperação foi espantosa, e eu via que aquilo era um progresso. Desde a cirurgia, a cada dia em que eu melhorava a cicatrização, me livrava dos drenos ou conseguia me mover melhor, era uma grande conquista. E, para a glória de Deus, três semanas depois da cirurgia, pude voltar a tocar piano no culto da minha igreja. Foi uma bênção! Depois, começaram a quimioterapia e a radioterapia, e acho que me saí muito bem, pois não tive uma internação sequer. Como eu não poderia ver a ação do Senhor em minha vida com todo este processo? Ele me fez passar pelo vale da morte e estava comigo o tempo todo. Estou mais feliz e completa hoje do que antes de saber do câncer. Através da doença, me aproximei mais do Senhor e da família e passei a valorizar mais o tempo passado com as pessoas do que aquele gasto com a profissão ou qualquer outra atividade. Quero viver em paz, com serenidade, alegria e tempo para as coisas boas da vida e, certamente, a primeira delas é dar o melhor de mim ao Senhor. Patrícia Bretas é pianista clássica, professora da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Igreja Batista da Orla Sul, no Rio de Janeiro
cristianismohoje.com.br dezembro 2014 / janeiro 2015