Revista NC 82

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TECNOLOGIA

4 PONTOS QUE AMEAÇAM O FUTURO DO JORNALISMO. POR ADRIANA GARCIA

www.revistacomunicacao.com.br

ISSN 1678-4847

Edição 82 R$ 16,00 Ano XI

OS CAÇA-PINÓQUIOS

A VERDADE E A MENTIRA DOS POLÍTICOS E DA MÍDIA

Sucesso na web, os Portais de Checagem analisam em tempo real a veracidade de tudo o que é dito

REGULAÇÃO DA MÍDIA: NOVO DESAFIO DE DILMA

DEBATE A PEQUENA GRANDE IMPRENSA DO INTERIOR VAI SOBREVIVER À CRISE?




sumário sumário

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Entrevista

CHEQUEADO/DIVULGAÇÃO

Laura Zommer, do Chequeado: checando verdades e mentiras

Leia a revista Negócios da Comunicação em seu dispositivo móvel (IOS, ANDROID ou acesse pelo LEITOR WEB)

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20 REGULAÇÃO DA MÍDIA Promessa Dilma contra oligopólios

26 EDITORAS MÉDIAS

Estratégia Sobrevivendo com garra

32 RELAÇÕES PÚBLICAS

Brasil Multinacionais estão chegando

36 DIREITO AUTORAL

Clipping A tentativa em busca de acordo

4

38 42 46 50

38 JORNAIS DO INTERIOR

Workshop 380 títulos mirando o futuro

42 NEW YORK TIMES

Demissões Dezembro com PDV em Manhattan

46 FÉ DOMINA A TELA

Religião Líder absoluta da programação

50 Memória empresarial

Passado Fortalecendo imagem e reputação

06 E-MAILS

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PINGUE-PONGUE,  com Caio Turqueto

08

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PINGUE-PONGUE,  com Edouard Hieaux

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MINERAÇÃO DE DADOS

AMEAÇAS AO FUTURO DOS JORNAIS   por Adriana Garcia

Negócios da Comunicação

Por Alessandro Lima


comunicação Conselho Editorial Alberto Dines, Edimilson Cardial, Eugênio Bucci, João Batista de Andrade, Joaquim Faria Botelho, Miguel Jorge, José Marques de Melo e Paulo Nassar

Redação Editor: Celso Kinjô celso.kinjo@revistacomunicacao.com.br Gerente de Operações Débora Nascimento debora.nascimento@revistacomunicacao.com.br Colaboradores: Antonio Carlos Santomauro, João Marcos Rainho, Lucas Vasques e Marcelo Daniel (texto); Rafael Murad (edição de arte); e Paulo César Salgado (tratador de imagens) Diagramação: DR Design de Revista Projeto Gráfico: Agência Voraz Foto de capa: Cia de Foto/Divulgação Gerente de Publicidade: Almir Lopes (11) 3879-8224 publicidade3@revistacomunicacao.com.br Circulação e Assinaturas: debora.nascimento@revistacomunicacao.com.br Produção Gráfica: Gustavo Gabriel Rodrigues pcp@cecom.inf.br Produção de Pdcast Voice Design Institute Presidente: Jorge Cury Neto

Negócios da Comunicação não se responsabiliza por ideias e conceitos emitidos em artigos ou matérias, que expressem apenas o pensamento dos autores, não representando necessariamente a opinião da direção da revista. A publicação se reserva o direito, por motivos de espaço e clareza, de resumir cartas, artigos e ensaios. A revista Negócios da Comunicação é uma publicação mensal do CECOM: CENTRO DE ESTUDOS DA COMUNICAÇÃO. Rua Sepetiba, 416 – Sala 2 – Vila Romana CEP 05052-000 – São Paulo (SP) Tel.: (11) 3879-8200 www.cecom.inf.br www.revistacomunicacao.com.br www.facebook.com/NegociosDaComunicacao Tiragem e circulação auditadas pelo:

Inovação e

Egydio Zuanazzi/Estúdio Sampa

Publisher e Diretor Geral: Márcio Gonçalves Cardial marcio.cardial@revistacomunicacao.com.br

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REGULAÇÃO

Dois grandes fatos marcam o fim de ano jornalístico, por sinal um ano carregado de eventos que mobilizaram e colocaram a imprensa na berlinda. Apenas para citar, as manchetes de 2014 se dividiram entre Copa do Mundo e eleições, mensalão e Petrobras. E a temporada de polêmicas continua. O primeiro grande fato é o crescimento do jornalismo de verificação, denominação que se refere ao exercício de checar a veracidade, ou não, do que dizem políticos, autoridades e especialistas. Com a multiplicação de mídias e de interlocutores, ficou em plano secundário a checagem de informações, um fundamento basilar do jornalismo. Apenas para citar um exemplo prosaico, algum veículo deu-se ao trabalho de apurar a viabilidade de construção do aerotrem, eterna promessa do eterno candidato Levy Fidelix? Escravo do marketing, o ex-prefeito Celso Pitta, de São Paulo, fracassou rotundamente em seu projeto messiânico de levar transporte de qualidade à periferia da zona leste, com o Expresso Tiradentes, até hoje em gestação – e lá se vão duas décadas de dinheiro jogado pela janela. Na Argentina, a experiência intitulada Chequeado – que significa checado, em português – não apenas representou uma contribuição inovadora ao jornalismo, como vem produzindo mudanças no comportamento dos políticos – da presidente Cristina Kirchner aos líderes da oposição. Desde que o portal chequeado.com passou a verificar a veracidade do declaratório, carimbando adjetivos que vão de ‘verdadeiro’ ao ‘falso’, em uma prática que inclui o exame das manchetes dos principais jornais portenhos, todos passaram a, digamos, refletir antes de discursar. Os olhos fiscalizadores do Chequeado estão muito abertos para desmoralizar qualquer declaração leviana. Em entrevista exclusiva a Negócios da Comunicação, a diretora Laura Zommer mostra as mudanças trazidas pelo site, que já tem seguidores no Brasil, caso do blog Preto no Branco, do jornal ‘O Globo’. Já em sua primeira entrevista após festejar a reeleição, a presidente Dilma anunciou a intenção de levar adiante o projeto de regulação econômica da mídia. Fez questão, a mandatária, de frisar a palavra ‘econômica’, para esclarecer que a intenção do seu governo não é mexer em conteúdos ou impor qualquer tipo de censura, mas estabelecer normas que proíbam monopólio ou oligopólio. Dilma quer ampla discussão com setores da opinião pública, por meio de audiências públicas e reuniões setoriais. Estratégia similar foi desenvolvida por sua colega Cristina Kirchner, que aprovou a ‘Ley de Medios’ em 2009 e desde então abriu guerra com os principais grupos de imprensa da Argentina. Se até a Inglaterra curvou-se ao império da regulação para evitar abusos, é o raciocínio da presidente, por que o Brasil ficaria de fora?

o leitor conversa conversa com ocomleitor

negócios da

Celso Kinjô

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NEGÓCIOS DA COMUNICAÇÃO – WWW.REVISTACOMUNICACAO.COM.BR

AVENTURAS DE UM REPÓRTER MULTIMÍDIA: LOURIVAL SANT’ANNA, DO ESTADÃO

encontramos são de outra natureza, ligadas à cultura e ao atraso político institucional. Meus cumprimentos! J. L. Cavalcanti Espínola, Fortaleza, CE

www.revistacomunicacao.com.br Edição 81 R$ 16,00 Ano XI – 2014 ISSN 1678-4847

e-mails e-mails

ENTREVISTA

Artur Grynbaum, Grupo O Boticário

CEOS APOSTAM EM ANO XI – NÚMERO 81 – CECOM: CENTRO DE ESTUDOS DA COMUNICAÇÃO 2014

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ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO Ferramenta decisiva para negócios, é o consenso

DISCUTINDO A RELAÇÃO

De jornalistas para assessores: como conquistar redações

PRÊMIO VENCEDORES CONTAM COMO SE COMUNICAR BEM COM JORNALISTAS

À Redação Cumprimento a redação pelo bom nível das matérias que vem publicando, me colocando a par dos principais temas ligados à comunicação. Publicitário que sou, no Nordeste, me ressinto da falta de informação e interlocução a respeito. Gostaria, por isso mesmo, que a revista voltasse seus olhos, mesmo que fosse uma vez ou outra, para a realidade das agências de comunicação desta parte do Brasil. Não que elas não atuem a contento, até pelo contrário, mas as dificuldades que

Excelente a edição que apresentou o Prêmio Empresas que Melhor se Comunicam com os Jornalistas. Pela apresentação dos setores, é possível traçar um mapa da evolução das práticas de relacionamento, que são cada vez mais determinantes para o sucesso das marcas e das celebridades. Particularmente, chamou-se a atenção para o histórico das montadoras, que não têm rivais em matéria de RP e lobby. Bernard K. Warshavsky, Campinas, SP Gostei da revista que trouxe a festa do prêmio. Bem feita, informativa, com muitas fotos pelas quais dá para perceber o sucesso da iniciativa da revista. Espero estar presente na próxima! Hudson A. Veiga Brittes, São Paulo, SP

Com meus votos de boas festas à equipe de Negócios da Comunicação, tomo a liberdade de sugerir uma reportagem sobre o nível de debates nas redes sociais. Quando a política entra no meio, é um Deus nos acuda, tantas são as provocações e os xingamentos. Será que foi para isso que foi criada a internet? Pio Rodrigues Matosinho, Belo Horizonte, MG

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CHAPARRO, MESTRE EMPREENDEDOR Aos oitenta anos, o professor Manoel Carlos Chaparro inaugura loja virtual com reedição de seu livro ‘Jornalismo – Linguagem dos conflitos’, lançado há treze anos em Portugal. Em versões impressa e digital, e com expectativa de viver “pelo menos até os 105 anos”, Chaparro, que mantém o blog ‘O Xis da Questão’, e tem destacada atuação como professor e escritor, resume: “Sou movido pelas energias do futuro. A opção de eu mesmo publicar o que escrevo está vinculada à convicção de que, sem publicar, não existem ideias nem textos que transformem”. O professor diz ter se tornado editor e livreiro para “socializar o que penso e pensarei, o que escrevo e escreverei”. Embora vá comercializar livros impressos, Chaparro aposta nos e-books, e o foco temático da Edições Chaparro é o Jornalismo “como componente essencial nas relações de poder do mundo globalizado”. E vai mais longe: “Não nos interessa a visão corporativa da profissão, mas as complexidades que o jornalismo incorporou no mundo moderno”.

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ARQUIVO PESSOAL

tecnologia tecnologia Adriana Garcia é jornalista, consultora na área de Design Thinking com ênfase em Mídia, e cofundadora do Orbitalab, um projeto focado em acelerar a inovação na área de Comunicação no Brasil. Tem mestrado em Jornalismo, Mercado e Tecnologia pela ECA-USP.

Jornalista é treinado para competir, não para colaborar (quem deu o furo? quem ganhou o prêmio?). Compartilhar, dividir, colaborar são palavras difíceis na rotina da redação

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Negócios da Comunicação

Sobre flautistas

e startups

4 questões que ameaçam o futuro dos jornais

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Pediram-me para escrever neste artigo sobre se os jornais, grandes ou pequenos, irão vencer, ou não, os desafios impostos pela tecnologia. Acredito que eu não poderia responder a essa pergunta nem que tivesse uma bola de cristal. O que me arrisco a fazer, muito humildemente, é comentar as minhas impressões sobre o tema por ter passado os últimos dois anos no Vale do Silício, berço das plataformas que representam a principal ameaça à continuidade dos jornais em seu modo de produção e modelo de negócios como os conhecemos desde o auge da Revolução Industrial. O que eu sei é que, para além dos desafios impostos pelas novas formas de distribuição, circulação e monetização de notícias pela internet, paira um grande problema cultural em quase todas as redações do país. Isso acontece porque a tecnologia sempre caminha muito mais rápido que a mentalidade. Quando falamos de cultura, estamos pensando aqui na longa duração, para citar um conceito trazido

ao campo da História pela francesa escola dos Annales. Quais seriam então, as questões culturais cruciais para que o jornalismo de jornal pudesse se tornar relevante no ruidoso ecossistema de informação das redes? O primeiro problema tem a ver com o modo como os jornalistas mais experientes se enxergam dentro da redação, e muitos dos jovens também. É difícil para um jornalista que cresceu no meio de produção industrial (veja bem, um jornal é, em última instância, uma fábrica) admitir que ele é apenas um “peão” que detém um pedaço bem pequeno do processo do produto que ele fabrica diariamente. Ele é alienado do processo total, não se comunica com outras áreas (e geralmente tem ojeriza a isso) e não entende que hoje, sem estratégia, seu conteúdo simplesmente pode passar despercebido e morrer na praia. No digital, o modo de produção vem todo para a mão do produtor de conteúdo, desde sua concepção, geralmente em times multidisciplinares, até a definição de estratégias de distribuição e


análise de resultados. Ou seja, tanto os jornalistas como os executivos de jornal devem deixar de pensar “matéria” e pensar “produto”. O segundo problema tem a ver com a formação do profissional em si. O jornalista é treinado para competir, não para colaborar (quem deu o furo? quem ganhou o prêmio? quem está na capa ou na homepage? quantos likes a matéria ganhou?). O jornalista não tira satisfação do dinheiro que ganha. Ele a retira, em geral, ao alimentar seu ego através do reconhecimento de seus pares. Colaborar, dividir, compartilhar são palavras difíceis na rotina da redação. Não é assim no mundo da tecnologia. Apesar de o Vale do Silício ser o suprassumo do capitalismo, a cultura de start ups é, em grande parte, de colaboração. Você colabora até onde pode, para que a soma das partes seja maior do que elas individualmente. Você lança um produto ou serviço e compartilha o que aprendeu. Você é ajudado hoje, então amanhã terá que fazer o mesmo com os outros. É o que se chama de “pay it forward”, que forma um componente muito forte da cultura, ou ecossistema local. A colaboração no digital não se dá no conceito de “editorias”, mas em times pequenos (seis ou sete integrantes no máximo) com pessoas de áreas diferentes (texto, foto, vídeo, marketing, tecnologia, vendas, design, etc.) e, por que não, pessoas de fora da organização, trabalhando por projetos com tempo delimitado, num ritmo de produção intenso com entregas rápidas para testes com os usuários. Até porque o conceito tradicional de “editoria” não atende mais às necessidades daqueles que deveriam ser a maior preocupação dos jornais para sobreviver - os usuários. O terceiro problema tem a ver com algo muito importante na vida do jornalista: como ele lida com o erro. Não existe nada mais vexatório e desmoralizante para um repórter que publicar uma correção, e muitas vezes os erros podem ter consequências desastrosas para as fontes, o que torna o assunto bastante complicado. Some-se a isso a

forma derrotista como a cultura latina enxerga o fracasso e pronto, temos um tabu a enfrentar. Acontece que no digital, ou no mundo das startups de tecnologia, o erro faz parte constantemente da rotina. Você planeja, produz e testa o mais rapidamente justamente para entender o que funciona ou não, e faz o que se chama iterações para seguir adiante, preservando o que serve e descartando o que não serve (um dos problemas das redações mais enxutas que estão esgotando cada vez mais os jornalistas das trincheiras da reportagem é que os jornais simplesmente não estão sabendo o que cortar, o que a meu ver é fundamental se queremos criar redações relevantes. Isso só é possível mediante uma cultura de testes constantes com usuários, não apenas na análise das métricas de audiência). Finalmente, o quarto problema tem a ver com a forma como jornalistas enxergam a questão do dinheiro e da prosperidade. Para jornalistas praticantes, céticos que devem ser para questionar o poder, não seria exagero dizer que dinheiro é uma coisa bastante suja. A coisa complica quando, ao tentar deixar de enxergar árvores (matéria) para enxergar a floresta (produto), o objetivo de todo o esforço é fazer (sim, ele) o dinheiro brotar. Isso passa por entender, inclusive, como fazer planos de negócios, para poder trazer seu ponto de vista de uma maneira informada para as discussões que se dão dentro da empresa. Não fazê-lo é abdicar da possibilidade de adotar uma postura protagonística sobre como encaminhar a indústria nos próximos anos. Isso porque, embora alguns ainda não tenham percebido, hoje toda empresa é uma empresa de mídia (toda empresa, de qualquer setor, deve se relacionar com seus clientes digitalmente para ser relevante, o que passa por investir em conteúdos próprios para atingir esse fim, retirando do mercado parte da publicidade que financiava os jornais). Ao mesmo tempo, toda empresa jornalística é uma empresa de tecnologia. Quem

não a enxergar assim, e não adotar os métodos de produção ágil das startups, que nada mais são do que experimentações para levar o método científico para a área dos negócios, esses sim, temo, estarão fadados ao fracasso. Entender o processo de produção no digital na sua totalidade, e o contexto no qual estamos inseridos, é fundamental para que o tipo de jornalismo que é o mais importante para a sociedade, aquele que contribui para a democracia, continue a acontecer com vigor. Afinal, o papel do jornalista, em última instância, é para a sociedade semelhante à do flautista de Hamelin. O que queremos é que, quando ele toque sua flauta, traga a luz do dia e leve embora consigo, ao som de sua música, todos os ratos da cidade.

Empresa que não adotar métodos de produção ágil das startups (que são experimentações para levar método científico para a área de negócios) estará fadada ao fracasso

Negócios da Comunicação

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CHEQUEADO/DIVULGAÇÃO

entrevista

Laura Zommer, diretora: “Não se aceita mais o discurso da autoridade, só porque é uma autoridade

Carimbando verdades

E MENTIRAS Na Argentina dividida, o site chequeado.com imprime rótulos nas declarações CELSO KINJÔ de políticos: Verdadeiro, Falso, e outros sete tons intermediários

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Antes, a verdade estava nas redações. Agora, o cidadão pode ir às fontes para obter suas próprias conclusões

momento, a verdade vai estar fora, ou seja, através de cidadãos que poderão checar as fontes que lhe foram dadas, se essas informações são verdadeiras ou não. Isso possibilita que ele, cidadão, de forma ativa, possa alcançar as próprias conclusões. Hoje, falamos para a comunidade: essas são as verdades que temos, mas vocês mesmos têm de checar se isso é real. A comunidade deve assumir um papel ativo nessa checagem. O portal ‘Chequeado’ recebe solicitações de direito de resposta, por alguém que se considere criticado injustamente?

Com que frequência? Já sofreu processos na Justiça? Quantos? ‘Chequeado’ tem um método público de oito passos para fazer suas checagens (leia box ‘Ponto a ponto’ na pág. 14), que começa pela consulta à pessoa que é o objeto da verificação. Desse modo, o direito à réplica não resulta necessário, porque a versão da pessoa checada está incluída na matéria. De todas as formas, se a pessoa checada, após a publicação, enviar mais observações ou comentários, sempre publicamos na coluna ‘Atualização’, porque nosso objetivo é melhorar a qualidade do debate público, zelar para CHEQUEADO/DIVULGAÇÃO

q

Qual o balanço desses cinco anos de jornalismo inovador, praticado pelo site www.chequeado.com, que tem setenta mil seguidores? Destaque pontos importantes da trajetória. Sem dúvida, o trabalho é inovador, mas não apenas porque seu método se baseia na verificação do discurso e no jornalismo de dados, que vem a ser uma combinação pioneira. É inovador porque supõe um novo contrato de leitura com a comunidade. Explicando melhor: a autoridade não está na mídia nem no jornalista: está no cidadão, que pode checar o que foi dito. ‘Chequeado’, além disso, tem um modelo de financiamento inovador que outorga autonomia e independência editorial plena, e propõe um modelo de informação aberta e transparente, e busca que os cidadãos se envolvam no processo de produção dos conteúdos, propondo pautas, mas também fornecendo dados ou participando em checagens coletivas. Somos a primeira organização, na Argentina e no continente, a fazer isso, até porque decidimos fazer o checking, a verificação, de forma diferente, e vou explicar como é isso. É o que chamamos de checking cruzado, ou alinhado com o jornalismo de dados – e não de datas. Não fazemos o que é usual em países tradicionais como Estados Unidos, Inglaterra ou França, que para conquistar a audiência, o leitor, oferecem o contrato tradicional do jornalista com a autoridade. O que fazemos é checar para os leitores aquilo que os jornais trazem. Vamos fazer uma coisa que, na verdade, não facilita a vida do cidadão, mas o obriga a ter um papel ativo, mais complexo, para não ficar com a resposta fechada. Queremos que a discussão exista, queremos oferecer dados para que o leitor possa refletir e aprofundar a discussão. O que fazemos é: segundo apuramos, os dados são assim, vamos entregar este link para você verificar se as coisas são assim ou não. Entregamos as noticias e os links, para que a própria pessoa possa chegar a uma conclusão. A novidade está em que, antigamente, a verdade estava no interior das redações dos jornais. Agora, neste

Página do chequeado.com: fazendo checking cruzado, alinhado com o jornalismo de dados

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entrevista

Na Argentina, governo e mídia estão em guerra, o que leva jornais a publicar opiniões como informações que circulem mais e melhores debates, enriquecer – e não fechar – as discussões. Nestes cinco anos, concluindo, não tivemos nenhuma reclamação e nenhum processo judicial (mais detalhes, consulte http://chequeado.com/metodo) Vamos acabar com o mito de que o jornalista, o redator, é o dono da notícia. Vamos entregar ao cidadão o direito de decidir se a notícia coincide com a realidade ou não. O fato é que as notícias não são dadas por uma única fonte, e a comunidade pode verificar e conferir essas fontes, além de outras. A comunidade pode afirmar ou negar a notícia. Um outro aspecto fundamental é que, na Argentina, governo e meios tradicionais de comunicação há cinco anos travam uma briga feroz. Isso tem levado a uma polarização das notícias. E aí são

publicadas muitas opiniões, como se fossem informações. Isso tem que ser levado em conta obrigatoriamente, quando se lê os jornais. O fato de colocar os acontecimentos, com uma análise do que seria a informação e do que seriam as posturas de uma empresa privada, quando se faz esse tipo de análise, então, nós estamos inovando, porque ninguém está habituado a receber dados de modo a poder fazer uma comparação. Principalmente porque se trata de informações divergentes. Nesse caso, vamos trabalhar com cruzamento de dados. Somos referência para o governo, porque temos credibilidade; também somos referência para a sociedade, que dispõe de mais dados para verificar. Ao cruzar todos esses dados, nos consideramos inovadores, porque não existe

outra fonte que atue dessa maneira, que coloque as opiniões de forma separada. Há uma outra característica importante dessa nova era. Não se aceita mais simplesmente o discurso de autoridade, pela autoridade, e da mesma maneira as pessoas não vão acreditar em um jornal simplesmente porque é o ‘Clarín’, para citar um jornal. Isso não acontece mais. Qualquer um pode recorrer à internet para combater a desinformação. Os líderes não vão deixar de usar fatos em favor de suas estratégias, para contar a história que melhor lhes convier. Isso não vai mudar, mas a comunidade pode escolher não tolerar esta trapaça intelectual, de os governantes dizerem o que querem, impunemente. Um exemplo. Ao falar de um financiamento, damos o que pensa o governo e o que pensa a imprensa, e deixamos que o leitor tenha suas conclusões, por sua conta. Procuramos oferecer esses dados da forma mais intensa possível para que o maior número de pessoas, por meio do que a tecnologia nos propicia, possa se informar. Sem dúvida, nada seria possível se não fosse a internet, as redes sociais. Não existiria um sistema com tantos recursos para fazer todo esse trabalho. A propósito deste ponto, o endereço http://www.chequeado.com/acerca-de-chequeadocom.html enuncia seus propósitos:

Ponto a ponto, como se faz a verificação Os oito passos para uma checagem são estes: 1. Selecionar uma frase do contexto público; 2. Ponderar a sua relevância; 3. Consultar a fonte original (que pronunciou a frase); 4. Consultar a fonte oficial; 5. Consultar fontes alternativas; 6. Situar a frase dentro do contexto; 7. Confirmar, relativizar ou desmentir a afirmação; 8. Qualificar. O site ‘chequeado.com’ seleciona afirmações de personagens da vida pública, uma mescla de políticos, economistas, empresários, sindicalistas, jornalistas, entre outros, sem discriminar sua orientação partidária ou ideológica. As declarações que forem objeto da checagem deverão ter sido expressadas em documentos, meios de comunicação ou ambientes públicos. Essas afirmações ganharam relevância, para a agenda pública, pelo protagonismo de quem as fez, pelo tema ou por sua repercussão midiática. Consideram-se protagonistas, na agenda pública, altas autoridades do Estado e do governo, que merecem atenção especial do portal. Entre os jornais checados, quatro são mais observados:: ‘Clarín’, ‘La Nación’,

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‘Pagina 12’ e ‘Tiempo Argentino’. Também constam do rol os principais programas da TV aberta e uma seleção de programas políticos da TV a cabo e do rádio. É solicitada a participação de internautas leitores através de sugestões de checagens. A verificação do chequeado.com não se limita ao pé da letra nem emprega fontes anônimas – elas são sempre citadas. Sempre é agregado um contexto que ajude a entender a declaração pesquisada. Por contexto, ‘chequeado.com’ situa o marco socioeconômico, histórico e cultural e, se for o caso, nacional e internacional. Não são checadas declarações em torno das quais não existam dados nem especialistas que comprovem ou não a sua procedência. Um comitê editorial composto pela equipe de redação analisa o grau de relevância do material diariamente disponível. Não são objetos de verificação opiniões, comentários e enunciados de compromissos, a não ser quando se sustentem em dados e fatos cuja veracidade seja passível de comprovar. Por fim, ‘chequeado.com’ não emite opinião.



entrevista “Chequeado.com’ é um site não partidário, cuja finalidade é fazer um cotejo informativo das declarações de políticos, economistas, empresários e pessoas públicas, meios de comunicação ou outras instituições formadoras de opinião. Recorre às fontes mais confiáveis e, quando necessário, a especialistas da matéria investigada, para poder determinar em que medida as declarações analisadas são consistentes com os fatos reais ou os dados comprováveis a que se referem. A intenção de ‘chequeado.com’ é ajudar a reduzir a margem de impunidade intelectual naquilo que se diz, se escreve, se promete, se critica ou se oculta. Também espera contribuir, desse modo, para melhorar o nível de conhecimento e compreensão dos acontecimentos públicos e a aumentar o nível de transparência, seriedade e profundidade do debate para enriquecer a qualidade do debate na Argentina. ‘Chequeado.com’ busca defender o direito do cidadão de contar com uma informação fidedigna e clara, para que possa avaliar e julgar melhor os temas que fazem parte dos debates centrais da sociedade. Este direito, pilar do sistema democrático, fica relegado aos meios de comunicação pela urgência própria do trabalho jornalístico ou por motivos vinculados a interesses particulares.

Nossa intenção é reduzir a margem de impunidade intelectual naquilo que se diz, se escreve, se promete, ou se oculta O compromisso de ‘chequeado.com’ é que suas verificações estejam justificadas nos fatos concretos e não nas preferências ideológicas, nos preconceitos, nos interesses setoriais, ou na mera arrogância, negligência ou superficialidade. ‘Chequeado.com’ deseja que o site se converta em fonte confiável para os jornalistas, a elite dirigente, as referências sociais e, especialmente, para os cidadãos preocupados com o empobrecimento do debate público. Também queremos que os leitores de ‘chequeado.com’ participem ativamente do conteúdo da página, propondo checagens, trazendo suas próprias experiências de detecção de dados falsos na seção ‘Chequeado de los Lectores’, imaginado como

espaço interativo de checagem, e advertindo sobre possíveis erros nas verificações da equipe de investigação do site. Consideramos que uma adequada revisão dos discursos daqueles que assumem uma representatividade na sociedade servirá também para que os usuários contem com uma ferramenta chave para discriminar o importante do acessório, numa atualidade que frequentemente se apresenta confusa e na qual a saturação de canais informativos costuma prejudicar a compreensão dos fatos. ‘Chequeado.com’ não irá buscar com suas investigações o descrédito das instituições nem dos profissionais da política, do jornalismo, das ciências sociais ou qual-

OS CARIMBOS QUE ASSUSTAM OS POLÍTICOS E ATÉ A MÍDIA Concluída a verificação de uma declaração, o portal escolhe entre nove qualificativos para carimbar: 1. VERDADEIRO; 2. VERDADEIRO +: afirmações apoiadas em dados numéricos, que, após serem checados, não apenas ratificam como reforçam o seu teor; 3. VERDADEIRO MAS...: afirmação consistente segundo os dados disponíveis, mas omite algum elemento do assunto ou seu contexto; 4. DISCUTÍVEL: não ficou claro se a afirmação é verdadeira ou não. A conclusão irá depender de variáveis pelas quais se faça a análise 5. APRESSADO: a afirmação poderia ser verdadeira, mas é resultado de uma projeção, e não de um dado objetivo da realidade; 6. EXAGERADO: a afirmação não é estritamente correta, mas sim o conceito ou tendência à qual se faz alusão; 7. ENGANOSO: a afirmação pode coincidir parcialmente com alguns dados, mas, intencionalmente ou não, ela foi manipulada para gerar uma mensagem específica; 8. INSUSTENTÁVEL: a afirmação deriva de investigações com falta de sustentação ou com graves erros metodológicos, ou então é impossível de ser checada;

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9. FALSO: a afirmação demonstrou ser falsa, ao ser cotejada com fontes e dados mais sérios e confiáveis. Um exemplo de declaração que mereceu o rótulo de FALSO foi estampada em 4 de dezembro passado, pronunciada pelo ministro da Corte Suprema da Argentina, Raul Zaffaroni: “Entre 2002 e 2012, entre homicídios, trânsito e suicídios, o Brasil perdeu mais de dois milhões de habitantes”. O ministro qualificou o número de “genocídio por gotejamento, em mais um capítulo da rivalidade de vizinhos”. Na verdade, segundo Chequeado, a soma das mortes foi de 1,08 milhão. Tomou por base o ‘Mapa da Violência’, do Ministério da Saúde do Brasil, que registra; “Entre 2002 e 2012, morreram 555.884 vítimas de homicídio, 427.053 foram vítimas fatais de acidentes de trânsito e 97.984 se suicidaram”. Total de 1.080.921 pessoas mortas. Metade do anunciado por Zaffaroni. A presidente é um alvo preferencial, por sua visibilidade e temperamento forte. Em setembro, afirmou que a Argentina “tem o salário mínimo mais alto da América Latina”. Carimbo de VERDADEIRO, MAS... O ‘Chequeado’ mostrou que o dado era parcial. Alem disso, apontou que uma comparação sobre a capacidade de compra do salário mínimo colocaria a Argentina em posição bem inferior, com US$ 534, abaixo do Brasil (US$ 832) ou Chile (US$ 746).


quer outro setor analisado. Pelo contrário, tentará fortalecer seu relacionamento social em sua busca de recuperar as melhores tradições de trabalho nesses campos e destacará as boas práticas nessas profissões. Confiamos que este site, seja por sua difusão ou pelo uso, sirva para que os próprios usuários encontrem um espaço para propor temas, fatos e dados para verificar. E queremos que seu conteúdo se difunda, para que o propósito de ‘chequeado.com’ possa se desenvolver muito além do âmbito da internet). O portal cita nominalmente as experiências que inspiraram sua criação: ‘Fact Check’, ‘Channel 4 News Fact Check’, ‘Politifact’ e ‘Les Décodeurs’. A equipe sente estar realizando um trabalho pioneiro, que já produziu seguidores como o blog ‘Preto no Branco’, de O Globo, ‘La Silla Vacía’ (lasillavacia.com), da Colômbia,

Se as pessoas se sentirem molestadas, vai acontecer o que nós chamamos de aumentar o custo da mentira

‘Poligrafo’, do Chile, ‘El Observador’, do Uruguai? O ‘Preto no Branco’ (http://oglobo. globo.com/blogs/preto-no-branco/) utiliza a mesma forma que nós utilizamos para checar as noticias. Nós nos encontramos quando recebemos o prêmio Gabriel García Márquez (na categoria Ino-

vação, além de outro prêmio do Fundo Regional para Inovação Digital na América Latina e Caribe). No Brasil, existe outra experiência que se chama ‘Truco!’ (http://apublica.org/truco), de uma organização que se chama Agência Pública (de Reportagem e Jornalismo Investigativo), em São Paulo.

MARATONA DE CHECAGENS NO G20 COROA O CRESCIMENTO No início dos anos 1990, a rede CNN decidiu agitar a campanha eleitoral americana, disputada entre George Bush, o pai, e Bill Clinton, que seria o vencedor. “Não achei uma ideia boa”, lembrou Brooks Jackson, designado para integrar a equipe de jornalismo investigativo da emissora. O trabalho era simples, aparentemente. Consistia em exibir propagandas dos candidatos, checar as declarações e impor o veredito com dois adjetivos opcionais: ‘Verdadeiro’ ou ‘Falso’. “E se o presidente Bush (que pleiteava a reeleição) disser algo não verdadeiro? Terei de colocar o selo ‘falso’ na cara dele?” Exatamente, decretou o diretor do programa. Iniciativa ousada, a ‘Ad Police’, algo como ‘polícia da publicidade eleitoral’, por isso mesmo repercutiu muito entre os jornalistas. Havia uma percepção forte, àquela época, de que os políticos falavam à vontade, sem freios nem receio de serem questionados, muito menos desmentidos. “Afirmações sem fundamento eram jogadas ao público sem nenhum decoro”, afirma Jackson. Outras emissoras aderiram ao formato, que no entanto não durou mais que o tempo da campanha, em 1992. Mas Jackson tinha pegado gosto pela checagem, e convenceu a Annenberg Policy Center, de Washington, a montar uma entidade que se dedicasse a monitorar o declaratório no mundo político, envolvendo discursos, debates no Congresso, entrevistas. Assim nasceu o FactCheck.org, cuja estreia se deu na campanha presidencial de 2004, quando George W. Bush, o filho, foi reeleito. “A obrigação de qualquer jornalista ou órgão de imprensa – explica Jackson – era basicamente desmentir as falsidades de uma maneira direta.” Ele atribui o sucesso da iniciativa ao caótico ambiente da internet, que torna muito difícil filtrar informação verdadeira da falsa informação. “Tudo é colocado como declaração e a maioria acredita em qualquer coisa”, fundamenta o jornalista. O acirramento dos ânimos – como se verifica nos Estados Unidos que têm agora um Executivo presidencial democrata e um Congresso de maioria republicana – estimula a mentira como tática para destruir o inimigo.

Daí a importância de mecanismos para balizar o jogo. Em 2005, outro jornalista, Bill Adair, lançou o PolitiFact, que deu certa espetacularização à checagem, com medidores de verdades e mentiras. Rótulos como ‘meia verdade’, ‘quase falsa’, figuram no repertório do site, que introduziu também o ‘Truehometer’, um termômetro das verdades declaradas. Ou das mentiras. A ‘Folha de S.Paulo’ aproveitou a recente campanha presidencial e colocou o seu ‘Mentirômetro’. Claro que medir credibilidade através de carimbos não é a melhor solução, mesmo porque há frases verdadeiras com sentido falacioso – e nisso nossos políticos são pós-graduados. Como celebrizou Tancredo Neves, “não sou a favor nem contra, muito pelo contrário”. “Ranquear é útil porque ajuda o leitor a entender o que se quer dizer, sem a obrigação de encarar um texto longo e difícil”, defende Bill Adair, que fundamenta o raciocínio: “A checagem tem sido uma força disruptiva na política americana. Os políticos costumam citar as checagens do PolitiFact e vêm tomando mais cuidado com o que dizem, porque sabem que estão sendo monitorados”. O mesmo ‘Politifact’ exibe o ‘Obameter’, onde se pode visualizar quantas das centenas de promessas do presidente, feitas na campanha de 2012, foram cumpridas efetivamente. Pelos encontros internacionais realizados este ano – foram três – pode-se calcular o funcionamento de cinquenta portais de checagem. Desses, nove participaram da ‘I Maratona Internacional de Fact-Checking’, na Austrália, em novembro. Aproveitando a reunião do G20, os portais Chequeado, argentino, o brasileiro Preto no Branco, Politicfact.com, The Washington Post FactChecker, ambos dos EUA, FactCheckEU, da União Europeia, Pagella Política, da Itália, Africa Check, da Africa do Sul, Dogruluk Payi, da Turquia, ABC News Factcheck, da Austrália, verificaram os discursos dos chefes de Estado ali presentes. Surgiu, na maratona, a intenção de formar uma agência internacional de troca de checagens.

Negócios da Comunicação 15


entrevista

A nossa intenção é ir além de incomodar os líderes, queremos impactar a comunidade, que mais gente esteja atenta ao que informamos

diagnóstico compartilhado, todos veem de uma forma positiva, com bons olhos, pois se trata realmente de informação. Voltar às fontes do jornalismo, mas empregando a tecnologia. Para que o cidadão não precise acreditar apenas porque eu falei, mas porque as fontes que ele próprio pode checar confirmam isso. Antes era assim, desse jeito: ‘vou te contar o que me contaram mas não posso falar quem me contou’. Agora, mudou, é uma tarefa ainda mais importante em países divididos, como é o caso da Argentina. Se sou a favor de Cristina (Fernández de Kirchner), acredito nas coisas que ela diz, mesmo que me pareçam estra-

nhas. Mas, se não gosto dela, tampo os ouvidos e não ouço. Não é um problema individual, mas coletivo, é um grave problema para a democracia. Se nós não conseguimos concordar em fatos básicos, então não se consegue avançar em nenhuma discussão. Queremos convencer as pessoas de que elas devem se importar mais com os fatos, que fiquem aborrecidas quando alguém diz coisas mentirosas, impunemente. Por isso, em um sentido estamos voltando à base do jornalismo, à verificação do declaratório, em um contexto de excesso de informação. Como resultado desse trabalho, isto é, com as pessoas se sentindo moCHEQUEADO/DIVULGAÇÃO

Quando nós mesmos começamos o ‘Chequeado’, ninguém pensava que seria desse modo. Num primeiro momento, um economista (Jose Alberto Bekinschtein) e um físico (Julio Aranovich) especularam: por que não se pode checar o que o jornalista está falando, se em outras profissões isso acontece? No mundo privado, todos os profissionais são checados. Quando surgiu ‘Chequeado’ (fundado pelo economista, pelo físico e por um químico, Roberto Lugo) comentou-se que iríamos investigar os jornalistas. Nada disso, não estamos checando os jornalistas, mas sim as fontes. Se existisse um governo militar, por exemplo, checar o que escrevem os jornalistas poderia ser interpretado como uma censura. Não, não queremos isso, achamos que todos podem ter suas fontes de informação, para permitir que haja outras fontes de informação. Não me refiro só ao poder formal dos governos. Há outros poderes, como se sabe, na Argentina, Colômbia, ou México. E há outras formas de checar. Para todos, especialmente na Argentina, foi uma tranquilidade, dada a polarização, porque se perdeu muito a veracidade das informações, de todas as partes. Mas todos os meios aceitaram de forma positiva a existência de ‘Chequeado’. Como é um

A equipe do Chequeado: jornalistas jovens e brilhantes, segundo a diretora Laura Zommer (terceira a partir da esquerda)

16 Negócios da Comunicação


FactCheck.org lançou a moda: dirigido por Brooks Jackson, atribui o sucesso à internet, que misturou tudo

Não nos perdemos em questões menores. A Argentina tem problemas muito graves para ficar nos problemas periféricos, não nos interessa checar coisas sem importância. É preciso checar aquilo que realmente é importante. De forma geral, a maioria aceita. Apenas uns poucos não nos aceitam. POLITIFACT/DIVULGAÇÃO

O ‘Chequeado’ está em outras mídias, além da internet? Sim, estamos colaborando com vários outros meios. Publicamos uma coluna em ‘La Nación’, aos domingos, temos programas em três emissoras de rádio, uma AM e duas FM. Interessante é que checamos matérias do ‘La Nación’, e até já demos alguns (carimbos de) ‘Falsos’. Mas o jornal continua com a coluna do ‘Chequeado’. Para o meio (jornalístico), portanto, é algo positivo, pois vai elevar a credibilidade. ‘Chequeado’ também verifica o que a presidente fala. Para a nata do jornalismo, essas verificações caem bem porque coincidem com o que eles pensam. Para a oposição, também funciona bem.

FACTCHECK/DIVULGAÇÃO

lestadas pelas mentiras, intencionais ou por desídia, vai acontecer o que nós chamamos de aumentar o custo da mentira, vai reduzir a impunidade intelectual dos políticos, consequentemente, a democracia sairá fortalecida, o povo voltará a ter discussões decentes e não empobrecidas sobre política. Nesse momento, não amanhã, não no ano que vem, mas num processo mais longo, talvez os líderes comecem, então, a ser mais respeitosos, mais cuidadosos. Enfim, a checagem fez o jornalismo voltar às origens, questionando fontes.

PolitiFact.com, do jornalista Bill Adair: rótulos mais chamativos, como o ‘Obameter’

A atitude dos políticos em geral mudou com as verificações do ‘Chequeado’? Sobre os políticos, não posso responder. O que temos são alguns comentários de políticos que dizem precisar ser muito cuidadosos com o que vão falar, porque hoje em dia sabem que já não podem falar impunemente. Ou seja, o ‘Chequeado’ existe para isso. Alguns políticos, se pudessem nos contratar para revisar o que eles vão falar, certamente o fariam. Nesse sentido, da atitude dos políticos, me sinto otimista. Acho que os líderes sempre manipularam os dados da forma que lhes era mais conveniente. Na área social, política, econômica, em qualquer área. Sempre manipularam. Fizeram isso de forma descarada quando os dados poderiam incomodar a sociedade. Só que ‘Chequeado’ trabalha bem mais além do que para impactar os líderes. A nossa intenção é impactar a comunidade. O que nos interessa é que muito mais gente esteja atenta ao que informamos do que aquilo que podemos fazer com os líderes. Seguramente, quando se trabalha com número maior de pessoas, os políticos necessariamente se tornam mais cuidadosos. Negócios da Comunicação 17


A equipe é formada por apenas oito pessoas. Quantos são jornalistas? Sim, somos oito. Todos – menos eu – estão no seu primeiro emprego. É uma equipe de jovens, brilhantes e bem formados, com menos de trinta anos – menos eu, claro. Agora, fazendo exclusivamente a parte jornalística, nem são oito, são quatro. Os outros quatro se dedicam, um, a Desenvolvimento Institucional; outro, a Educação; um terceiro cuida da administração, e um quarto faz de tudo. Não imagino que esse trabalho viesse a ser feito por um grupo maior do que, digamos, quinze pessoas – mesmo se houvesse dinheiro, o que não acontece. Nem no caso dos jornalistas, que temos formação lógica, formação semelhante. Nós precisamos – isso é muito importante – de outros profissionais que representem a comunidade, para poder checar a veracidade das informações. Podemos estar com um grupo pequeno porque temos uma comunidade que responde e checa, nos dá as informações daquilo que foi proposto, das notícias que foram dadas.

O francês les décodeurs, do ‘Le Monde’: um dos quatro portais que inspiraram o Chequeado

US$ 12 mil, 20% acima do objetivo de US$ 10 mil. Há planos para repetir a experiência de crowdfunding, até sonhar a viabilização por esse sistema de contribuições espontâneas? Em 2013, 37% da folha de oito pessoas foram pagas graças a pequenos doadores? PAGELLA/DIVULGAÇÃO

E como é o modelo de negócios de ‘Chequeado’? Em setembro, vocês promoveram um crowdfunding que rendeu

LE MONDE/DIVULGAÇÃO

entrevista

Pagella Política, da Itália: participante da recente maratona durante a reunião do G20, na Austrália

18 Negócios da Comunicação

Vou contar desde o início. No primeiro ano, em 2009, os três fundadores colocaram o dinheiro. No ano seguinte, eles, os três, e mais vinte amigos, que ingressaram com doações, bancaram o orçamento. No terceiro ano, 2011, eu me incorporei (contratada como Diretora Executiva, é jornalista, advogada e professora com pós-graduação em Comunicação Política), e a minha primeira iniciativa como executiva de direção foi tornar o Chequeado independente dos fundadores. Não porque eles não quisessem dar o dinheiro, ou que não se interessassem. Eu considerei que seria importante modificar o modelo de negócios, porque eles, os fundadores, poderiam ficar inviabilizados, ou incapacitados. Desenhei, então, uma proposta de financiamento que considerei a mais diversificada possível. Esse financiamento consiste em quatro fontes. A primeira são doações individuais: as pessoas pagam mensalmente, trimestralmente, ou anualmente (acessar https://www.donaronline.org/chequeado-com/donantes-fieles). Uma outra fonte são doações de empresas ou fundações(*): contrariamente ao que se


O GLOBO/DIVULGAÇÃO

Preto no Branco, do jornal O Globo: lançado na campanha eleitoral, blog é inspirado no Chequeado

relaciona com ecologia, baleias e florestas, bem mais amenas que nossos problemas. Não há uma cultura de organizações apoiadas publicamente que trabalhem com prestação de contas públicas, mas estamos mudando isso. CHEQUEADO/DIVULGAÇÃO

possa pensar, as empresas que contribuem nunca pediram para não falarmos delas, ou não investigá-las; algumas empresas foram checadas, e nós demos a notícia contra a própria empresa, e nem por isso ela deixou de participar; o que não admitimos são empresas que não aceitem que falemos seu nome; já nos fizeram essa proposta de anonimato, e não aceitamos. Uma terceira fonte são projetos de cooperação internacional, através das embaixadas, consulados, entidades. Temos acordos com Canadá, Nova Zelândia, Estados Unidos. Em geral, para conseguir esses financiamentos, precisamos apresentar projetos, e estamos fazendo isso. A quarta fonte são atividades próprias, com a organização de fóruns e eventos relacionados à verificação do discurso público, além dos espaços em outras mídias. Em 2014, promovemos duas oficinas de formação de jornalistas em cooperação com a Unicef. Outro ponto que seria importante é publicidade, porque estamos em várias mídias, rádio, jornal, e dessa forma podemos ampliar o espectro de cobertura. Quanto ao crowdfunding, a maioria das ações se

Vídeo do ‘Chequeado’: checagem de discurso da presidente Kirchner (veja em: https://www. youtube.com/watch?v=MKTuFwzvryA&authuser=1

Juridicamente, ‘Chequeado’ se subordina à Fundação La Voz Pública para La Verificación del Discurso Público, organização não governamental, não partidária e sem fins lucrativos. Em 2014, o orçamento foi de 2,040 milhões de pesos (equivalentes a US$ 250 mil, ou R$ 600 mil), valor investido basicamente na equipe de trabalho, recurso mais valioso e realmente decisivo para garantir o profissionalismo e o impacto do trabalho realizado. Uma pequena porcentagem é destinada a gastos de infraestrutura, aluguel, conexões de internet e outras despesas. Com tudo isso, seguimos precisando de mais recursos, especialmente para pagar pessoal e colaboradores. Do orçamento deste ano, nossos gastos ficaram mais próximos de US$ 350 mil a US$ 400 mil, do que aqueles US$ 250 mil do orçamento. (*) Algumas empresas e instituições que contribuem para o ‘Chequeado’: Coca-Cola, Danone, DirecTV, HSBC, LAN, La Nación, Petrobras, PwC, Syngenta, Yahoo News; embaixadas dos Estados Unidos, Nova Zelândia; Fundações Konrad Adenauer, Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI), National Endowment for Democracy (NED), Universidad de San Andrés (UdeSA). Negócios da Comunicação 19


Elza FiúzaABr

legislação

Dilma, em entrevista logo após ser reeleita: “Qualquer setor é regulado. Por que a mídia não pode ser?”

Regulação da mídia

VOLTA À PAUTA

ANTONIO CARLOS SANTOMAURO

Desafio para o segundo mandato, a fixação de regras para o funcionamento da mídia eletrônica é prometida pela presidente Dilma 20 Negócios da Comunicação


Rainha Elizabeth, da Inglaterra: ‘Carta Real’ blindada irá prevenir abusos da mídia sensacionalista

do Norte; Franco, em Sergipe; Sarney, no Maranhão. Neste estado, a vitória do opositor Flávio Dino (PCdoB), após meio século de hegemonia do ex-presidente, colocou o governador eleito na linha de tiro de todas as emissoras, pois a Rede Difusora, afiliada do SBT, pertence ao derrotado Edison Lobão Filho. O Brasil segue igual. Mas até a Inglaterra implantou um sistema de regulação, criado pelos três principais partidos políticos, a partir do escândalo de escutas telefônicas promovidas ilegalmente pelo jornal ‘News of the World’, do grupo Rupert Murdoch. Um órgão fiscalizador terá a função de coibir abusos da mídia e atender queixas de consumidores que se sentirem prejudicados por notícias. Sanções incluem multas de até um milhão de libras (ou R$ 3 milhões). Contará com blindagem da ‘Royal Charter’, Carta Real cuja vigência não poderá ser rompida salvo por votação de dois terços nas duas câmaras do parlamento britânico. Incrível, no caso, é que por quase quatro séculos, ou seja, durante toda a existência da imprensa como a conhecemos, a Inglaterra viveu sob a ‘Doutrina de Auto Regulação Voluntária’. Na mídia eletrônica, em 2003 foi instituída a OfCom, com propósito similar. A revelação de Dilma não alterou o clima de fim de governo em Brasília. O Mi-

Chávez, da Venezuela: ‘Lei Resorte’, de 2005, autoriza cassação de concessões e prisão de jornalistas

O GLOBO/DIVULGAÇÃO

keystone

que não podem ser geridas por gestores com algum tipo de afinidade nem manter relações de cooperação. Soa radical o conflito do outro lado do Rio da Prata, mas uma visão do cenário planetário aponta para a concentração. Há três décadas, o especialista Ben H. Bagdikian pontuou que, se um dia foi possível descrever feudos midiáticos separadamente, esse perfil assumiu contornos monopolistas. Pelos seus estudos, em 1984 cinquenta empresas controlavam o setor no mundo, caindo para 23 em 1990, menos de vinte em 1993 e pouco acima de uma dezena em 1996. O autor descreve a América Latina, já naquele final de milênio: “Quatro conglomerados imperam: Globo (Brasil), Televisa (México), Cisneros (Venezuela) e Clarín (Argentina). Somados, detem 60% do faturamento de mercados e audiências”, escreveu em ‘The Media Monopoly’. A proporção não é meramente relativa, pois México, Argentina e Brasil representam mais da metade das mídias impressas e audiovisuais do continente. No caso brasileiro, vale mencionar que, das quatro redes abertas de TV, três são familiares e a quarta pertence a uma denominação evangélica. Nos estados, o chamado ‘coronelismo eletrônico’ predomina. Sobrenomes de políticos são comuns, Barbalho no Pará; Alves no Rio Grande keystone

a

A regulamentação da mídia voltou à berlinda. Na primeira entrevista após ser reeleita, a presidente Dilma Rousseff citou a “regulação econômica” como uma prioridade para o segundo mandato, com foco exclusivo no controle empresarial dos meios, excluindo, explicitamente, hipóteses de censura ou controle de conteúdo. O reaquecimento do debate vem ganhando força com processos similares pipocando no resto do mundo, inclusive em nações improváveis. No vizinho Uruguai, também após ser reeleito,Tabaré Vazquez sinalizou apoio à ‘Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual’ (LSCA), já aprovada em primeira votação no Senado e em vias de ser ratificada em segundo escrutínio, que estabelece restrições à posse de operações de rádio e TV. Na Argentina, o Grupo Clarín, há cinco anos trava com a presidente Cristina Fernández de Kirchner um tenso xadrez em torno da ‘Ley de Medios’. Aprovado em 2009, o cartapácio de 166 artigos propõe a “universalização de novas tecnologias”. Na prática, quebra a propriedade cruzada no mercado audiovisual e interdita a formação de oligopólios, com um teto de dez licenças (concessões). Da teoria à prática, o governo Kirchner obrigou o ‘Clarín’ a se dividir em várias empresas,

Maranhão, editor de ‘O Globo’: mídia brasileira já está submetida a vários tipos de regulamentação

Negócios da Comunicação 21


22 Negócios da Comunicação

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nistério das Comunicações informou que, por enquanto, “não irá se pronunciar sobre o tema”. A entidade que tem a representação institucional da mídia eletrônica, Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), idem. Em nota, a assessoria declarou que “não está falando sobre o assunto enquanto não houver algo de concreto”. Fonte ligada ao Planalto revela que a ideia da presidente não é produzir um projeto de regulação e simplesmente enviá-lo ao Congresso. Esse mecanismo não funciona porque 27 senadores, um terço dos 81 membros, são donos de televisões, e 53 deputados, mais de dez por cento dos 513 integrantes da casa, têm o mesmo comprometimento empresarial. Por aí se explica por que o artigo 55 da Constituição jamais foi regulamentado, muito menos aplicado. O artigo 55 pune com perda de mandato aquele que infringir as proibições estabelecidas no artigo anterior. O artigo 54 proíbe que parlamentares eleitos tenham contrato com empresas concessionárias de serviço público – traduzindo, empresas autorizadas ao uso de faixas (específicas) do espectro eletromagnético, que irradia as ondas das mídias eletrônicas. Como se vê, além de ser limitada por uma base aliada que impõe condições, não tem qualquer chance de fazer tramitar uma proposta que vá contra os interesses da própria base. Franklin Martins, ex-ministro do presidente Lula, era adepto da pressão popular para forçar a regulação do setor. Assim, o debate, como praxe ao longo desses anos, prossegue com os protagonistas de hábito – Intervozes, CNDC (Conselho Nacional pela Democratização da Comunicação) e outras ONGs ou coletivos de militância na área. O jornalista, sociólogo e professor Venício Artur de Lima lembra que a regulação é praxe nas principais democracias do mundo. “Nos Estados Unidos”, revela, “entre outras coisas há restrições à propriedade cruzada de meios, e ao alcance das redes de TV aberta”, citando como paradigma o ‘The New York Times”, que atua no im-

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legislação

Morales, presidente da Bolívia: aprovou lei reservando 33% das concessões para povos indígenas e ONGs

Kirchner, presidente da Argentina: ‘Ley de Medios’ abriu guerra com os grupos de mídia, especialmente ‘Clarín’

presso e foi proprietário de outros jornais como o ‘The Boston Globe’, mas não pode aspirar a posse de rádio ou emissora de TV. A Constituição brasileira, observa o professor Venício, reza no parágrafo quinto do artigo 220: ‘Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio’. Ele próprio comenta: “Mas tal preceito nunca foi regulamentado, e portanto não é cumprido”. Também na Constituição que foi promulgada em 1988, constam restrições à posse de veículos de comunicação por políticos, além de exigência de conteúdo regional e de estímulo á programação independente na programação de TV e de rádio. Há mais de um quarto de século, esses e outros tantos pontos aguardam regulamentação dos próprios congressistas, muitos dos quais exercendo o papel de raposa no galinheiro. Localiza-se na Nova República, do governo José Sarney (1985/89), a grande explosão de concessões na área, não por coincidência período de atuação da Constituinte que debatia a regulação, ou seja, como deveria ser a outorga de frequências. Sob a batuta de Antonio Carlos Magalhães, fundador da Rede Bahia, que criou em 1985 para retransmitir a programação da TV Manchete (dois anos

depois, tirou a rival TV Aratu da afiliação junto à Globo e assumiu ela própria a posição), o Ministério das Comunicações aprovou 527 concessões ou permissões de funcionamento, e traçou o mapa até hoje configurado, à espécie de um Tratado de Tordesilhas. Não por acaso, a TV Bahia tornou-se o maior grupo de comunicação do Norte e Nordeste. A regulamentação do artigo 220 é objetivo declarado de um ‘Projeto de Lei de Assinatura Popular’, elaborado por instituições que buscam atingir 1,3 milhão de assinaturas, mínimo exigido para que o Congresso seja obrigado a discutir o assunto de forma regimental. Rosane Bertotti, que coordena o FNDC, explica não haver no projeto propósito de censura ou controle do conteúdo da mídia (hipótese sempre levantada por quem se opõe ao debate sobre mudanças na atual legislação). “Na verdade, queremos liberdade de expressão, mas isso também tem a ver com diversidade de expressão”, diz. Nos primeiros meses de 2015, a ONG organizará um encontro de todas as instituições apoiadoras, para discutir os próximos passos. Ao mesmo tempo, pretende deflagrar uma campanha pela web para cooptar mais apoiadores. “A legislação sobre projetos de lei de iniciativa popular não aceita assinaturas


virtuais, mas através da internet poderemos ao menos ampliar esse debate”, argumenta, imaginando que a estratégia conduza a mais assinaturas.

Visão oposta Intenções ocultas de censura e controle dos conteúdos são contrapontos levantados invariavelmente por quem se opõe à discussão, seja da regulação econômica, seja do estabelecimento de mecanismo antimonopolistas . Mas há outros. Aluízio Maranhão, Editor de Opinião do jornal ‘O Globo’, considera essa discussão enganosa até mesmo por ser essa mídia sujeita a vários tipos de controle. Cita um, de saída: “Somente brasileiros natos podem deter o controle acionário de empresa de mídia”, afirma o veterano jornalista, que dirigiu o ‘Estadão’. Descreve outros: “Promotores e juízes interferem continuamente nos enredos de novelas; em épocas de eleições, a justiça eleitoral exerce sobre a mídia eletrônica um controle quase sumário, que praticamente inviabiliza o jornalismo”, complementa Maranhão. Além disso, destaca, no Brasil também funcionam estruturas de autorregulação que alcançam tanto veículos –

caso das entidades representativas – quanto a atividade publicitária, onde atua o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). “E, se há quem diga que no Brasil cinco ou seis famílias controlam a mídia, nos Estados Unidos parte substancial dos meios de comunicação está nas mãos de um número ainda mais reduzido: Murdoch, Sulzberger (controladora do ‘The New York Times’), e mais uma ou outra família”, explica. Talvez seja válido, propõe o jornalista, pensar em uma regulamentação focada apenas na nova realidade tecnológica da mídia, muito apoiada na internet e outros sistemas de comunicação on-line: “Qual papel deve ser desempenhado nessa realidade pelas operações de telefonia, todas maiores que o principal veículo de comunicação brasileiro, e muitas interessadas em produzir conteúdo?”, especula. “E essas novas mídias, devem depender de concessão?”. Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ (Associação Nacional de Jornais), nota que já existe no Brasil uma legislação destinada a impedir a concentração empresarial em qualquer setor de atividade econômica, inclusive na mídia.

“Todos conhecem o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), cujo funcionamento se volta exatamente para o cumprimento dessa legislação”, enfatiza o executivo, que afirma não perceber nenhum sinal de concentração no meio jornal, composto por milhares de títulos, nenhum deles com participação muito expressiva no contingente total de leitores. “E me parece haver aqui boa quantidade também de emissoras de rádio e de TV”, ressalta o diretor da ANJ. Solicitada a opinar, a Editora Abril enviou mensagem através da assessoria de imprensa, na qual afirma entender que “a livre manifestação do pensamento e a liberdade de imprensa se constituem num direito natural do homem e formam um pilar para garantir a sobrevivência de uma sociedade livre e democrática”. E, prossegue o e-mail, “acreditamos que tanto o direito de a imprensa se expressar, quanto o acesso dos cidadãos à informação, são necessários para manter uma sociedade baseada na liberdade e no direito de opinião. A pluralidade de meios e ideias é então a garantia maior de que todos encontrarão o seu espaço e farão suas escolhas”.

Sopram ventos de mudança. Lá fora O Brasil, para variar, tem uma colcha de retalhos em sua legislação. A principal delas, o Código Nacional de Telecomunicações, vigora desde 1962, quando o mundo sequer cogitava do surgimento da internet. Em 1994, a Lei do Cabo e, em 2011, a Lei da TV Paga, mediaram os setores respectivos. E ficou nisso, o que significa que há muito, quase tudo por fazer. Em outros países, a situação evoluiu consideravelmente: Argentina – A ‘Ley de Medios’, aprovada em 2009, substituiu legislação da ditadura, de 1980 e estabelece limites para a concentração da propriedade de veículos – entes privados têm direito a 33% das concessões, igual proporção reservada a iniciativas comunitárias. Uruguai – Aprovada este mês pela Câmara, a “Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual” (LSCA), com 183 artigos, será votada pelo Senado. Segundo José Dirceu opinou em seu blog, o projeto vai acabar com “o monopólio da mídia existente também no Uruguai”, limitando a três outorgas de radiodifusão no território. De fato, os grupos Romay, Fontana e Cardoso-Scheck controlam 95% da TV aberta. Venezuela – Aprovada em março de 2005, a Lei Resorte - ‘Ley Organica de Responsabilidad Social em Telecomunicaciones’, dispõe de 224 artigos, que dá aos órgãos fiscalizadores do governo – leia-se Hugo Chávez – poderes

para fiscalizar e sancionar infrações, “da admoestação pública à revogação da concessão, e à prisão dos responsáveis”. Em 2007, cassou a concessão do RCTV, assumidamente oposicionista. Equador – Aprovada em 2013, a ‘Ley Organica de Comunicación’ estabelece severos limites à concentração de concessões de rádio e TV. Foi inspirada no modelo venezuelano, soi-disant bolivariano. Bolívia - aprovada em 2011, a ‘Ley General de Telecomunicaciones’, com 113 artigos, divide as concessões em: 33% para o Estado; 33% para particulares; 17% para órgãos comunitários; 16% para povos indígenas e afrobolivianos. Estados Unidos – Criada em 1934, a Federal Communication Comission (FCC), órgão autônomo cujos cinco membros são indicados pelo presidente, é a encarregada de fiscalizar TV aberta e a cabo, telefonia sem fio e satélites. Também distribui frequências eletromagnéticas. A regulação se dá em torno de uma série de regras liberais, que entendem que mercado e opinião pública devem ser os balizadores do sistema. Inglaterra – Após o escândalo das escutas telefônicas, promovido pelo jornal ‘News of The World’, uma comissão, presidida pelo juiz Brian Leveson, recomendou a criação de um órgão regulador, aprovado pelo parlamento e sancionado em novembro.

Negócios da Comunicação 23


Correa, presidente do Equador: em 2013, assinou a ‘Ley Organica de Comunicación’, inspirada no modelo Chávez

A questão da web Ambiente novo em que contingentes maiores de pessoas encontram espaço de manifestações públicas, e para onde converge parte dos canais tradicionais da mídia, a internet agregou argumentos às discussões relacionadas à regulamentação para canais de comunicação social. A expansão da web, afirma Carlos Eduardo Lins da Silva, presidente do Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, que mantém o ‘Observatório da Imprensa’), ainda que não elimine a necessidade dessa discussão, torna o debate menos premente. “Tornou-se mais fácil e também mais barato, falar para mais pessoas”, justifica. Acontece que essa discussão urge, sobretudo no Brasil, onde se mostra elevado o índice de oligopolização do mercado da comunicação social. “Praticamente em todas as democracias há algum tipo de regulação da mídia”, diz. “Mas essa discussão deve passar pelos canais normais da democracia, como o Congresso. E deve envolver mais participantes: jornalistas, universidade, sindicatos, entre outros”. Ricardo Pedreira, da ANJ, vê no avanço da web um fator de obsolescência da discussão sobre regulação da mídia: “A internet permite a muito mais 24 Negócios da Comunicação

UFMG/DIVULGAÇÃO

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legislação

David Cameron, primeiro-ministro inglês: um dos maiores defensores da regulação que entrou em vigor

gente se manifestar, e recebe os conteúdos de todas as mídias”, declara. E Aluizio Maranhão considera “ingênuo” pensar em termos regionais, como a interdição à propriedade cruzada de veículos de comunicação na atual conjuntura tecnológica. “O jornal ‘O Globo’ tem hoje base nacional, com metade dos acessos ao site oriundos de fora do Rio”, ressalta. No fundo, avalia, as teses favoráveis a uma nova regulação da mídia nacional ocultam um interesse na redução da capacidade das empresas de mídia de produzirem jornalismo isento: “Querem quebrar a espinha dorsal das empresas de mídia – hoje independentes, e vivendo fundamentalmente de verbas da iniciativa privada – para que eles dependam mais das verbas públicas”. Mas o professor Venício Lima refuta intenções de censura e controle de conteúdo quando defende novos modelos de regulação econômica para a mídia nacional, qualificando-os inclusive como necessários, justamente para ampliar a pluralidade e a diversidade das informações e opiniões expostas pelos meios de comunicação. “Na verdade, a mídia brasileira é altamente controlada por um reduzidíssimo número de pessoas”, expõe.

Professor Venício de Lima: nos Estados Unidos, propriedade cruzada dos meios de comunicação é vetada

A internet se integra a esse debate porque, em seu entendimento, além de permitir diversidade de manifestações, o acesso foge ao controle dos grandes grupos de comunicação. Isoladamente, a web não assegura uma comunicação mais democrática, raciocina o professor Venício: “Desde a Grécia antiga, sabe-se que não basta apenas poder se expressar, é preciso também ser ouvido, e ter sua voz levada em conta”, observa. Se a discussão for ampliada para abranger a web, o Brasil pode ser tomado como personagem de importante contribuição, com o chamado Marco Civil da Internet, aprovado este ano pelo Congresso e promulgado pela presidente Dilma. É o que acha Rosane Bertotti, do FNDC, que considera a lei um grande avanço. Mas essa retomada dos debates não significa que será simples estruturar novas regras de controle para a mídia nacional, destaca João Feres Junior, professor e cientista político do IESP / UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro): “Temos muitos políticos controlando veículos de comunicação, e é difícil pensar que eles irão legislar contrariamente a seus interesses”, justifica o professor.


Negócios da Comunicação 25


xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

revistas

Revistas da Editora Escala, uma das campeãs de venda avulsa: títulos segmentados para públicos de diversas faixas e gostos

Diversificar é

preciso

Editoras médias tentam driblar a crise no setor com política agressiva de vendas e grande oferta de títulos LUCAS VASQUES

26 Negócios da Comunicação


2

2014 não foi dos mais animadores para a economia como um todo. Claro que o mercado editorial, mais especificamente o meio revista, foi enredado pelas complexas teias de um cenário que mescla baixa atividade, retração de investimentos e inflação querendo sair da meta estipulada. Empresas de porte, como Abril e Globo, driblam suas dificuldades cortando, se necessário, na própria carne, pois ainda dispõem de alguma gordura. Mas como se comportam editoras menores, submetidas às mesmas pressões para sobreviver? Como estão lidando com um setor que não cresce e, pior, vive uma transição cada vez mais nítida, rumo aos formatos digitais? Na dúvida, o momento pede diversificação das atividades. De acordo com Silvino Brasolotto, diretor comercial da Alto Astral, que assegura

ser a vice-líder em circulação avulsa no País, com 15,5% de share desse mercado, é preciso tratar as avaliações sobre o atual momento econômico com extrema cautela, pois 2014 foi um ano atípico. “Tivemos a Copa do Mundo, no Brasil, que gerou grande expectativa, mas acabou não se confirmando”, o executivo relembra. “No segundo semestre, houve a campanha para as eleições, que foi a mais movimentada dos últimos vinte anos. Acredito que investimentos deverão voltar somente em meados do pri-

meiro trimestre de 2015. Por isso, temos que trabalhar de forma bem sensata neste momento, mas não deixar de planejar melhores dias, o quanto antes”. Para Nilson Luiz Festa, diretor-presidente da Minuano, especializada em títulos ligados a artesanato, os problemas do segmento são absolutamente normais. “Dependendo do momento e da dificuldade, um produto pode registrar venda mais expressiva, e outro menos. Como trabalhamos com diversos nichos, conseguimos equilibrar a situação”.

Os investimentos devem voltar, somente, em meados do primeiro trimestre de 2015 Negócios da Comunicação 27


Segmentação É unânime a avaliação de que a segmentação de produtos tem se revelado um caminho interessante, em termos de renda, pois contribui na exploração de novos mercados e, quando dá certo, incrementa a receita total da editora. “Opções como anuários e títulos especiais têm funcionado muito bem. Nossos anuários de Especialidade da Minuano: investir em nichos, principalmente segmentos de artesanato

28 Negócios da Comunicação

ALTO ASTRAL/DIVULGAÇÃO

Hercilio de Lourenzi, presidente do Grupo Escala de Publicações, fundado em 1992, consolidado na praça e respaldado pela comercialização de 50 milhões de exemplares-ano, segundo a própria editora, aposta em uma visão mais de longo prazo. “As instabilidades econômicas sempre acontecem em todos os países”, explica. A ampliação de atividades e a diversificação com maior quantidade de títulos são apostas para superar obstáculos, avalia o diretor da Alto Astral. “Colabora, se não ficarmos vulneráveis em momentos de turbulências do mercado. Mas não é só a variedade de títulos que ajuda. Nos últimos anos, estamos conseguindo diversificar as receitas entre bancas, supermercados, publicidade, digital, cromos (figurinhas), entre outras ações”. O diretor da Minuano, Nilson Festa, tem uma visão diferente. “A crise está sendo gerada muito mais por parte das imposições da distribuidora do que pelo próprio mercado. O fato de oferecermos ao público inúmeros títulos ajuda muito. No nosso caso, mais ainda, pois as revistas de trabalhos manuais, por exemplo, avançam em períodos de crise. Quanto mais as pessoas têm dificuldades financeiras, mais elas vão atrás de algo para complementar a renda. É onde nós crescemos”, resume.

BIANCA PONTES/DIVULGAÇÃO

revistas

Brasolotto, da Alto Astral: “Ainda não se encontrou a melhor forma de monetizar na versão digital”

horóscopo já são uma tradição e começaram junto com a criação da empresa. Além disso, em 2014, conseguimos ampliar o mix de produtos trabalhados pela publicidade, entrando nos segmentos de Cabelos, Dieta e Culinária, que, antes, eram lançados, apenas, como especiais na editora e, agora, se tornaram periódicos”, revela Brasolotto. No entanto, segundo Nilson Festa, esses produtos funcionam de forma muito específica e particular: “O problema também está presente nos anunciantes e isso acaba dificultando no equilíbrio financeiro das revistas”. Na opinião de Lourenzi, da Escala, a grande quantidade de títulos oferecida ajuda no objetivo de se equilibrar diante das adversidades. “Ajuda, sim. Mas o que mais contribui é enquadrar os custos dentro da realidade de receita de cada título. Sem nunca perder a qualidade e sem jamais deixar de atender àquilo que agrada ao leitor. A segmentação, por um lado, é

Nilson Festa, da Minuano: “Crise gerada mais por imposições da distribuidora do que pelo mercado”

um caminho interessante em termos de receita, porque abre possibilidades da criação de mais títulos. Por outro, requer maior capacidade de controlar os custos, porque as vendas, médias, de cada título diminuíram e os custos fixos de cada título acabam por pesar mais no orçamento. Anuários e títulos especiais, em geral, trazem um retorno satisfatório. Sempre funcionaram e continuam sendo produtos importantes para a rentabilidade e construção de marca dos títulos regulares”. Toda essa engenharia mercadológica visa recolocar as editoras no mercado ou mantê-las bem situadas. “Estamos seguindo nosso posicionamento, que é fazer revistas com conteúdos de qualidade, com alta circulação, gerando, assim, oportunidades para o mercado anunciante. Este ano conseguimos bons resultados, apresentando vários títulos, com destaque para a ‘Malu’ (semanal, com circulação média, de janeiro a setembro, de 116.311, segundo o Instituto Verificador de Circulação), e ‘Casa Linda’ (mensal, circulação média de 38.550 exemplares, pelo IVC). Também adquirimos um novo título, que foi a ‘Sport Life’ (circulação média, de janeiro a agosto, de 2.944, segundo a editora), além de experiências e testes no digital”, explica o diretor da Alto Astral, Silvino Brasolotto.


Já a Minuano, conta o diretor Nilson Festa, vem se adequando de uma forma muito simples. “Tiramos de circulação alguns títulos e investimos em outras criações. Acredito que, para crescer e aproveitar o momento, mesmo desfavorável, devemos adotar uma postura de atenção ao mercado e às oportunidades que aparecem”.

Banca Os executivos convergem e têm convicção de que a banca ainda é uma alternativa viável para a venda dos produtos. Brasolotto: “A Alto Astral tem alta circulação nesses estabelecimentos e estamos sempre presentes junto à cadeia distribuidora, mantendo, em nosso calendário, ações constantes de merchandising no PDV (ponto de venda). Mas, também, marcamos posição nos supermercados, livrarias, lojas de conveniência, entre outros pontos”. Nilson Festa concorda. “A banca ainda é, e acredito que será por muito mais tempo,

um espaço estratégico e fundamental na venda de revistas. No alternativo, estamos atuando, também, praticamente, com todos os distribuidores do Brasil”. A avaliação de Lourenzi, da Escala, segue a mesma linha, porém, com algumas ressalvas. “A banca ainda é, e acho que continuará sendo, um canal importante. Contudo, acredito que deve ser revitalizada. Isso porque tornou-se cada vez menos exclusiva de revistas e jornais. Daí a necessidade e importância de, também, se vender revistas em outros canais e de outras formas. As duas coisas são positivas, tanto as bancas se tornarem menos exclusivas, como, também, se comercializar as publicações em diversificados formatos”. A Alto Astral tem posição de destaque no mercado de revistas, ocupando a vice-liderança em circulação avulsa no País, com 34 milhões de exemplares vendidos em 2013. Em comparação a 2010, porém, caiu, pois naquele ano o número alcançou 45 milhões. Para Brasolotto, contudo, o

fato não representa tendência de recuo do mercado comprador. “Não podemos comparar 2010 com o resto. Naquele ano, inúmeros fatores contribuíram para o desempenho geral. A economia do País teve um desempenho excepcional, ocorreu grande movimentação por conta da Copa do Mundo, sem afetar tanto o dia a dia das empresas e das pessoas, o mercado editorial jovem teve intenso crescimento, com o surgimento de verdadeiras febres do universo musical, como Justin Bieber, Luan Santana, Restart, entre outros. Dessa forma, 2010 se situou bem acima de médias anteriores e posteriores”. Uma das estratégias utilizadas pela Minuano não pode mais ser colocada em prática. A editora trabalhava com repartes sazonais, isto é, lançava uma edição de revista, depois tirava a sobra de circulação. Após algum tempo, voltava a colocar o mesmo reparte em banca. O objetivo: fazer com que o produto não se tornasse perecível. “Não fazemos

Negócios da Comunicação 29


revistas mais isso. Por determinação da ANER (Associação Nacional de Editores de Revistas) e da Dinap (Distribuidora Nacional de Publicações), não existe mais a possibilidade de relançamentos”. O Grupo Escala, por meio de seu presidente, garante ocupar a liderança das editoras de porte médio no País, com mais de uma centena de títulos de múltiplos segmentos, mas faz uma observação. “A Escala tem conseguido se manter, mais ou menos estável, em relação à quantidade de exemplares vendidos nos últimos anos. No entanto, há uma mudança significativa dos volumes de vendas entre os mais diversos canais”. Um dos lançamentos de maior repercussão do grupo foi a revista ‘Raça Brasil’, que fez muito sucesso há alguns anos. No entanto, segundo o IVC, este ano registrou venda pouco acima de 3 mil exemplares por mês. Segundo a análise de Lourenzi, ‘Raça Brasil’, realmente, estourou a boca do balão ao ser lançada. “Um grande sucesso. Mas os tempos são outros. Acho que a revista teve uma importância muito grande nas transformações pelas quais a sociedade brasileira passou nessas duas últimas décadas. No entanto, não podemos olhar o mercado, somente, por aquilo que aconteceu com ‘Raça Brasil’ e com muitos outros títulos, que tiveram trajetória semelhante. O mercado é dinâmico e diversificado. Cada produto tem seu momento. Uns se perenizam no sucesso alcançado, outros não. Muitos nem experimentam o sucesso. Isso tudo é normal”. Para o executivo, o modelo de negócios da Escala, mais abrangente, por envolver a cadeia de produção (duas gráficas, a Comercial Cajamar, que dá suporte logístico às editoras, Escala Educacional, de livros didáticos) não vem sentindo impactos da era digital. “Nunca trabalhamos e produ-

zimos tanto como no último trimestre deste ano. Não sobrou um minuto para pensar em digital”. E, em relação ao questionamento se o alto investimento em gráfica e estoque representa riscos para o negócio, ele afirma: “Todo investimento é de risco, em qualquer segmento de mercado”.

Digital Problema ou não para quem lida com revistas, a ascensão digital é uma realidade, um caminho sem volta, que obrigou o setor a alterar antigos paradigmas. Alguns avaliam o cenário como uma dificuldade a mais, que colabora, sobremaneira, com a desaceleração do meio revista. Não é o caso dos executivos da Alto Astral, da Minuano e da Escala. “O digital não é uma ameaça. Todo o conteúdo das mídias chamadas tradicionais é riquíssimo e tem ótima qualidade. Isso é percebido pelos leitores, telespectadores e ouvintes. O que acontece é que ainda não se encontrou a melhor forma de distribuir esse conteúdo no digital e de monetizar toda essa história”, destaca Brasolotto, que acrescenta que a Alto Astral oferece versão digital de todos seus títulos periódicos, embora não conte com assinatura para web. Nilson Festa faz análise parecida. “O mercado digital é uma realidade, mas eu não vejo como uma ameaça e, sim, como um aliado. As novas gerações tendem muito mais para este formato do que para o papel. Entretanto, o impresso ainda vai perdurar por muito tempo. Estamos com a maioria de nossos títulos à venda, também, na versão digital e já nos preparamos para oferecer assinatura para esta opção de mídia” Hercilio de Lourenzi possui uma visão particular, apesar de admitir a transição vivida por todos. “Não acho que vai acontecer simplesmente a transição

A banca ainda é, e acredito que será por muito mais tempo, um espaço estratégico 30 Negócios da Comunicação

do meio impresso para a ferramenta digital. Parece-me que os meios impressos e os digitais são caminhos (produtos) diferentes.” Isso não significa que a Escala não se preocupe em oferecer ao público alternativas na web. “Desde 2010, trabalhamos com a versão digital de todos os nossos títulos, inclusive, disponibilizando assinatura digital”.

Títulos O diretor comercial da Alto Astral destaca os principais títulos oferecidos pela editora: ’Guia Astral’ (circulação média, de janeiro a agosto, 53% de share, com 123.310); ‘Malu’ (semanal, 116.311, líder do segmento com 81% de share); ‘Guia na TV’ (26.427); ‘Todateen’ (mensal, 49.228); ‘Casa Linda’ (mensal, 38.550); ‘Guia da Cozinha’ (circulação média, de janeiro a agosto, de 90.360); ‘Receita Minuto’; ‘Delícias da Vovó Palmirinha’; ‘Na Cozinha com Edu Guedes’ (circulação de janeiro a agosto, de 10.726 em média); ‘Shape’ (mensal, 18.922), ‘Só Dietas’ (circulação de janeiro a agosto, de 9.103); ‘O Poder das Saladas’ (média, de janeiro a agosto, de 7.747); ’Sport Life’. Todos os números foram fornecidos pelo IVC. Já o diretor-presidente da Minuano não revela números de circulação, que não passa pela auditoria do IVC. Enfatizou, porém, existirem mais de cem títulos à disposição. “Por mês, circulam entre 50 e 60 produtos da Minuano. Temos várias publicações muito bem posicionadas, em termos de circulação, como a ‘Make’, ‘Casa – Projeto&Estilo’, ‘Ateliê na TV’; ‘Saberes da Educação’, ‘Estilo Baby’, ‘Lar em Reforma’, ‘Estilos e Tendências’, entre outras”. O presidente do Grupo Escala, Hercílio de Lourenzi, oferece cerca de quarenta títulos, com periodicidade definida. “Além disso, lançamos muitas edições especiais, séries, coleções, produtos ‘one shot’ (edição única), entre outros. Uma das demonstrações inequívocas que estamos bem posicionados no mercado é que onze, entre as cem revistas com maior circulação avulsa auditadas pelo IVC, são da Escala”, finaliza.


Negócios da Comunicação 31


keystone

relações públicas

Brasil, na mira dos

GIGANTES ANTONIO CARLOS SANTOMAURO

Atividade cresce no Brasil no ritmo das mídias sociais, despertando interesse de multinacionais por um mercado em franca expansão 32 Negócios da Comunicação


o

O crescimento da área de relações públicas no universo da comunicação tem a ver com a expansão das redes sociais. Se, por definição, a atividade promove a imagem de empresas ou instituições junto aos mais diversos públicos de interesse, a janela aberta pelo relacionamento entre todos, o tempo todo e em torno de tudo, descortinou um mundo novo para a sigla PR, Public Relations, no original, ou RP, que por sinal celebra seu centenário no Brasil, este ano.

Mercado obrigatório O crescimento das redes tem sido decisivo para agências e profissionais da área, segundo o conceito de que as pessoas são mais influenciáveis por quem integra seu círculo primário de relações – amigos, familiares, colegas – do que por fatores externos, ligados à conjuntura internacional. Aí está uma das razões pelas quais, apesar das incertezas econômicas para 2015, o Brasil seja considerado como mercado obrigatório para as maiores marcas do setor. Não é por outra razão que as top 10 da Holmes Report, ranking de referência mundial, estão todas instaladas por aqui, seja com representações próprias, seja através de aquisições de empresas nacionais. Em meados do ano, por exemplo, a Omnicom, gigante da propaganda mundial, adquiriu fatia minoritária da agência In Press, enquanto a também multinacional Publicis incorporou a agência digital

Espalhe, que entre seus ativos inclui uma operação de RP: a Fan. Antes de tornar-se sua sócia, através de sua rede Porter Novelli, o Omnicom já mantinha uma parceria com a In Press, cuja sócia majoritária – e principal executiva –, segue sendo a fundadora Kiki Moretti (esse mesmo grupo atua no mercado brasileiro da comunicação corporativa também através da agência Ketchum). Já o Publicis, antes de adquirir a Espalhe, aqui já se fazia presente através da rede MSL, sócia da agência MSLGroup Andreoli, do empresário Paulo Andreoli. O movimento da maré não ficou nas duas ondas. Em outubro último, foi inaugurado o primeiro escritório brasileiro de outra operação do grupo Omnicom: a FleishmanHillard, terceira maior rede do mercado mundial de RP, hoje presente em mais de trinta países (aqui essa rede integrará o grupo In Press, que tem Kiki Moretti como CEO).

“Rede global sólida” Junia Nogueira de Sá, diretora-executiva de FleishmanHillard Brasil, explica o interesse dessa rede pelo nosso País, citando tanto as atuais dimensões de sua economia quanto seu potencial de evolução. “Os grandes grupos internacionais já perceberam a importância de atuar aqui com um parceiro local forte,

o Brasil é hoje um player global relevante, mas também um país com uma identidade muito própria, que é preciso entender bem”, ela ressalta. No Brasil, diz Junia, a FleishmanHillard pode disponibilizar a força de uma “rede global sólida”, que permite atender tanto multinacionais com interesse no mercado local quanto empresas brasileiras internacionalizadas ou em processo de internacionalização. E aqui trabalha no processo de migração, para seu portfolio, de clientes – a Philips entre eles –, que atende em outros países. Já o grupo MSL, após criar a unidade MSL, no início deste ano lançou no Brasil uma nova operação: a Publicis Consultants, dedicada a atividades como gestão de imagem e reputação, public affairs, comunicação financeira e gestão de crise, entre outras. “As agências de comunicação já não trabalhavam com separação entre on e offline, e essa característica aguçou ainda mais o interesse dos grandes grupos por esse setor nessa época de convergência da comunicação”, destaca Paulo Andreoli, presidente e CEO da agência MSLGroup Andreoli e chairman do MSLGroup na América Latina. Ele prevê concentração ainda maior da atividade de RP nos grandes grupos multinacionais, restando às agências menores e independentes a atuação em nichos como moda, gas-

Um modelo de obtenção de escala e de integração das diversas vertentes da comunicação distinto das habituais aquisições vem sendo forjado na holding Attitude, que no Brasil reúne nove empresas: MVL, de RP; MZ e LEAD, de relações com investidores e governança corporativa; as agências de marketing digital e produção de vídeos Digitale, Tino Comunicação, Pixit e Media Interactive; a empresa de pesquisas e inteligência competitiva Cristina Panella; e uma unidade de negócio de marketing esportivo também denominada Attitude. Há ainda três empresas no exterior, todas subsidiárias da MZ (duas delas na América do Norte e uma na Ásia). Em detrimento das aquisições, o Attitude privilegia a troca de ações entre os proprietários das várias empresas. “Esse modelo incentiva a complementaridade de competências e o crescimento sinérgico para uma eventual venda com maior valor”, destaca Rodolfo Zabisky, CEO do grupo. A corporação, somada, já emprega trezentas pessoas e deve este ano, diz Zabisky, registrar um faturamento de R$ 62 milhões (crescimento médio de 17%). O CEO prevê: o processo de consolidação desse setor será fortalecido em janeiro do próximo ano, quando entrará em vigor uma legislação que obrigará a uma formalização mais rigorosa das relações trabalhistas: “Nesse mercado em que tais relações são muitas vezes informais, isso diminuirá as margens das empresas, e estimulará mais a consolidação entre elas”, projeta Zabisky.

ATTITUDE/DIVULGAÇÃO

OPÇÃO PODE SER TROCA DE AÇÕES

Zabisky, do Attitude: processo de consolidação do setor será fortalecido em janeiro de 2015

Negócios da Comunicação 33


relações públicas

Tanto lá quanto cá Se há quem veja na integração a um grupo multinacional diferencial mercadológico favorável, existe também quem considere a ‘brasilidade’ predicado importante para uma agência de comunicação. Caso de Flávio Castro, sócio-diretor da agência FSB, de capital totalmente nacional: “Temos a vantagem de conhecer bem o mercado brasileiro, onde se concentra grande parte do interesse das grandes empresas, sejam elas empresas brasileiras internacionalizadas, sejam multinacionais aqui presentes”, ele argumenta. “Mesmo com capital local, temos muitos clientes multinacionais”, acrescenta Castro. Para João Rodarte, fundador e presidente da agência CDN, esse valor da origem e do controle nacionais reflete-se inclusive nas dimensões atingidas pelas agências que aqui atuam: “São de empre-

sários locais as maiores agências do país: a CDN, a FSB, a Máquina, a In Press PNI, que somente agora teve parte de seu capital adquirido por um grupo multinacional”, ele observa.

MSL/DIVULGAÇÃO

tronomia e turismo, entre outros. “As grandes empresas querem agências com atuação e know-how globais”, justifica Andreoli.

Acordos locais No ano passado a CDN também integrou-se a um grupo de comunicação: o ABC, controlado por empresários brasileiros, entre eles, o publicitário Nizan Guanaes. “Fomos procurados por grandes multinacionais, mas fizemos essa opção por acreditarmos ser mais fácil desenvolver nosso trabalho dentro de um grupo com cultura e relacionamento locais”, afirma Rodarte. “Mas a comunicação tende a unificar-se, e em um grande grupo temos mais acesso às demais expertises componentes da comunicação integrada”, ele pondera. Com um escritório em Washington, a própria CDN tem presença internacional configurada. Além disso, lembra Rodarte, caso necessite de ações em outros países, pode estabelecer acordos com agências locais, como manteve

Andreoli, da MSL: “Grandes empresas querem agências com atuação e know-how globais”

durante vários anos com a própria FleishmanHillard, com a qual atendeu a Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República). Essa parceria, aliás, está mantida na disputa pela renovação dessa conta, atualmente em concorrência.

AS DEZ MAIS DO PLANETA. E SEIS BRASILEIRAS ENTRE AS 250 O ranking da Holmes Report aponta os donos da área e mostra que o Brasil cresce e já aparece 2014

2013

Grupo

Matriz

Receita 2014 (*)

Receita 2013(*)

Cresc. %

Funcion.

EDELMAN

EUA

746,6

665,6

12

5.100

WEBER SHANDWICK

EUA

697,4

628,3

11

FLEISHMANHILLARD

EUA

554,1

546

1,5

MSLGROUP

França

547

526

4

KETCHUM

EUA

490

440

11,4

BURSON-MARSTELLER

EUA

454,5

454,5

0

HILL+KNOWLTON

EUA

386,1

390

-1

OGILVY PR

EUA

297

297

0

10º

BRUNSWICK

INGL.

210

210

0

10º

HAVAS PR

FRANÇA

209

199

5

22º

22º

1.200

FSB

BRASIL

77

71

8,4

54º

MÁQUINA PR

BRASIL

27,4

24,8

8,9

330

129º

GRUPO CDI

BRASIL

10,2

8,5

20

184 105

135º

133º

APPROACH

BRASIL

9,4

9,3

1,6

173º

158º

IMAGEM CORPORATIVA

BRASIL

6,4

6,7

-3,6

RMA

BRASIL

3,9

2,9

33,6

223º

70

(*) Em US$ milhões OBS.: algumas grandes empresas não enviaram dados ao Holmes Report e, por isso, não fazem parte do ranking Fonte: World PR Report 2014, do Holmes Report

34 Negócios da Comunicação


TERRA DE GIGANTES Em todo o planeta, a área de RP faturou cerca de US$ 12,5 bilhões, informa o estudo ‘The World PR Report’, produzido pelo Holmes Report, referência do setor. Em volume, significou um crescimento de 11%; no mesmo período, a publicidade mundial evoluiu em ritmo bem menor, de aproximadamente 4%. No Brasil, onde a atividade celebra seu centenário, a receita estimada do universo de 700 agências – que incluem relações públicas e comunicação, com 60% atuando em São Paulo – deverá alcançar nada menos do que R$ 2 bilhões, de acordo com a Abracom (Associação Brasileira das Agências de Comunicação). As redes sociais foram decisivas para acelerar e otimizar o desempenho das agências brasileiras, que hoje dispõem de equipes que atuam em comunicação, marketing e RP - estes, particularmente, fazem a aproximação entre marcas e públicos.

CDN/DIVULGAÇÃO

E não é somente incorporando agências locais – ou para cá trazendo novas operações –, que os grupos multinacionais projetam expandir-se no mercado brasileiro da comunicação corporativa: “Podemos aqui crescer atuando como uma espécie de consultores para clientes da área médica e de saúde, cujas regulamentações para a comunicação são muito específicas, e na qual temos grande know-how”, especifica Antonio Tamayo, CEO na América Latina da rede Hill+Knowlton (pertencente ao conglomerado multinacional WPP, que no mercado brasileiro da comunicação corporativa atua também com a Burson-Marsteller e a Ogilvy PR). “Te-

Rodarte, da CDN: com ofertas de multinacionais, preferiu se associar ao grupo ABC, de Nizan Guanaes

No estudo da Holmes Report, uma informação ajuda a entender o crescente interesse dos grandes grupos pelas agências nacionais de comunicação: enquanto estas registraram em 2013 uma expansão de negócios na casa de 12,5%, as redes desses conglomerados não chegaram à metade do índice, alcançando meros 6% (detêm 42% da movimentação total do setor), O estudo listou também as maiores agências de RP em todo o mundo, e duas agências brasileiras colocaram-se entre as cem primeiras: a FSB, 22ª colocada, e faturamento de US$ 77 milhões, e a Máquina, no 54º posto e faturamento de US$ 27,5 milhões (as agências pertencentes aos grandes grupos multinacionais têm suas receitas computadas no conjunto das respectivas redes).

mos presença forte também em mercados como tecnologia, podemos nos expandir trabalhando melhor esse segmento”, ele acrescenta. Paralelamente, complementa Daniel Medina, presidente da Hill+Knowlton Brasil, é possível gerar mais negócios intensificando a oferta de outros serviços, além da assessoria de imprensa (origem, e ainda hoje principal fonte de receitas, da maioria das agências de comunicação que aqui atuam). “Ganham espaço crescente nesse mercado disciplinas como as ligadas à internet, e devem expandir-se outras, como as relações governamentais”, aponta Medina.

MERCADO MADURO O reaquecimento do apetite investidor dos grandes grupos pela comunicação corporativa brasileira manifesta-se em um contexto no qual esse mercado já consolidou operações de porte bastante significativo, e ainda com índices sólidos de crescimento. Maior do país no setor, a FSB, por exemplo, tem mais de seiscentos colaboradores, e faturou R$ 164 milhões em 2013. “Este ano, esse montante deve crescer 20%”, projeta Castro Segundo ele, diversos grandes grupos já manifestaram interesse na aquisição da FSB: “Mas nosso modelo de negócios não considera esse tipo de negociação”, afirma o sócio-diretor da agência. A CDN, revela Rodarte, deve este ano faturar aproximadamente R$ 100 milhões – crescimento de 15%, sobre 2013

– e conta com 420 funcionários, distribuídos por escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Washington. Para o executivo, o nível de interesse demonstrado pelos grandes grupos atesta estar “maduro” o mercado brasileiro da comunicação corporativa. E, no atual contexto de diálogos corporativos focados em públicos mais específicos, os profissionais se tornam ainda mais valorizados: “Ninguém sabe, como nós, comunicar-se com o indivíduo”, realça João Rodarte. O grupo MSL, informa Paulo Andreoli, tem uma equipe de duzentas pessoas. Seu faturamento, em 2013, alcançou R$ 30 milhões. “Nossos negócios registram uma expansão entre 18% a 20% a cada ano”, relata. Andreoli considera bem desenvolvida também a vertente ‘clientes’ do mercado brasileiro de comunicação corporativa: “A maioria das grandes empresas instaladas no país já conta com estruturas que lhes conferem a necessária agilidade, e a linguagem própria, para se comunicar com seus públicos, especialmente através das mídias sociais”, avalia. A Hill+Knowlton atua com 25 colaboradores. Em nível global, está presente em 49 países, com 88 escritórios. Na opinião do CEO da operação latino-americana, Antonio Tamayo, os grandes grupos seguirão olhando de maneira muito atenta para o mercado da comunicação corporativa: “Em praticamente todo o mundo, ele cresce em índices superiores aos da publicidade”, explica. Negócios da Comunicação 35


direito autoral

Uma questão de

PRINCÍPIO Jornais e clipadoras ensaiam negociações pelo uso de conteúdos. Mas, na internet, ofertas piratas continuam crescendo POR ANTONIO CARLOS SANTOMAURO

o

Oferta na internet: “Clipping fácil como você nunca viu! Monitore notícias e fique antenado em tudo o que sai sobre sua empresa, produtos, marcas, clientes, concorrentes e o que mais imaginar! Teste agora! Grátis!” Mais outra: “Solução completa de baixo custo de clipagem online automática em mais de 4000 veículos. Monitoramento diário: visualize a repercussão de seu interesse e otimize o planejamento das suas ações de comunicação através de clipagem.” As propostas se sucedem por várias telas da internet, para quem se der ao trabalho de fazer uma busca, estiver interessado e aceitar pagar uma taxa mensal. Entrega à escolha do cliente, podendo ser on-line ou por cópias impressas, e cardápio que começa pelos jornais, revistas, segue com áudio e vídeo de programas de rádio, telejornais. A EBC, uma das mais antigas no ramo, desenvolve o produto ‘Mídia impressa’

36 Negócios da Comunicação

desde 1985, onde, além de clipar os principais veículos e seus noticiários, oferece pratos especiais, como sinopses e análises de mídia. Em dezembro de 2012, atendendo interpelação da ‘Folha de S.Paulo’, a Justiça determinou que a EBC excluísse o jornal desse clipping. A desembargadora Vesna Kolnar, ao decretar ‘antecipação de tutela’, fundamentou sua decisão: “O agravante é que a ECB comercializa material de que não detém titularidade (...) e sem qualquer autorização para tanto”. Segundo fonte da ‘Folha’, a EBC aceitou remunerar o jornal pelo uso de seus conteúdos, mas não revela o valor nem as condições do contrato. A questão é mais uma, na avalanche de questões trazidas pela internet, onde o direito de postar paira sobre todo o resto. Há dias, o Google decidiu retirar os veículos espanhóis de seu serviço ‘Google News’. Em seu portal, a Abemo (Associação Brasileira das Empresas de Monito-

ramento da Informação) define o clipping como serviço social relevante: “..o clipping não ofende o direito autoral ou a propriedade intelectual, pois trata da difusão de notícias, o que é prática livre, tanto pelos acordos internacionais firmados pelo Brasil, como pela própria legislação interna do País”. No final de novembro, 25 empresas reunidas na assembleia geral da Abemo, debateram a questão, formando comissão para definir um modelo básico que inclua a valoração por uso de notícias nos clippings. Esse modelo será proposto no próximo dia 15 de janeiro, em São Paulo. Dispostas a pagar, mais de quinze clipadoras estão discutindo acordos individuais com o ‘Estadão’, outra meiadúzia negocia com a ‘Folha’ e a ‘D.A.Press’, que vem a ser o braço distribuidor de conteúdos do grupo Diários Associados, entre eles ‘Correio Braziliense’, ‘Estado de Minas’ e ‘Diário


Espanha dá cartão vermelho ao Google. Ou é o contrário?

ciados a, inicialmente, garantir o uso somente com autorização expressa; em seguida, havendo interesse, devem reinvindicar a respectiva remuneração. “Essa receita não salvará nenhum jornal, mas a questão é de princípio: já havíamos feito orientação similar relativamente ao ‘Google News’, que hoje não apresenta o conteúdo de vários dos principais jornais brasileiros”, destaca o diretor da ANJ. A representante da Abemo diz reconhecer o direito, bem como uma realidade bastante pulverizada, que provavelmente venha a exigir remunerações diferenciadas. Mesmo assim, considera exequível o modelo da gestão coletiva: “Chegamos inclusive a sugerir alternativas, como a adoção de um sistema de pesos diferenciados para cada publicação, e nos propusemos até a apresentar um professor que poderia desenvolver

melhor esse sistema, mas não houve acerto”, conta Maria Luiza. Sem o acordo coletivo entre as partes, submetidas a pressões crescentes, as clipadoras, arrisca a advogada, terão de implementar novos formatos em seus produtos. Por exemplo, repassando aos clientes os links dos conteúdos, somente fornecendo-lhes os próprios conteúdos caso os clientes façam essa solicitação. Como os jornais não parecem dispostos a recuar, e a Folha de S.Paulo vem intensificando sua estratégia de preservar o próprio território autoral, Orlando Molina, diretor jurídico do Grupo, esclarece: “Algumas empresas de clipping já reconhecem nosso direito, e negociam conosco; as que não reconhecem, são inicialmente notificadas; se necessário, posteriormente serão alvo de ações judiciais”.

ANJ/DIVULGAÇÃO

de Pernambuco’. Na condição de coordenadora do entendimento, nem assim a Abemo se mostra confortável: “Negociávamos há alguns meses com a ANJ (Associação Nacional dos Jornais), visando uma gestão coletiva do uso dos conteúdos dos jornais, mas infelizmente essas discussões foram interrompidas”, conta Maria Luiza Valle Egea, advogada da entidade, querendo se referir a um modelo similar ao existente na música. O ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) recolhe taxas pré-fixadas, pelo uso dos conteúdos – cobrando, por exemplo, um percentual da receita de um show para pagar os titulares dos direitos autorais sobre composições apresentadas. O dinheiro, posteriormente, é repassado aos autores. Esse modelo de gestão, argumenta a advogada, seria mais interessante não apenas para as empresas de clipping, que precisam utilizar conteúdos de diversos veículos e, portanto, negociar com cada um, mas para os próprios jornais. “Ir atrás de cada empresa para ver se elas estão ou não utilizando seus conteúdos significa custo”. O outro lado discorda. Seria inviável implantar um sistema unificado de arrecadação relativo ao uso dos conteúdos jornalísticos em clippings, avalia Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ. Sustenta que a sistemática estabeleceria padrões comerciais iguais para um universo de títulos muito distintos uns em relação aos outros. O dirigente considera juridicamente “bem fundamentado” o direito dos jornais sobre a matéria. A ANJ, prossegue explicando, orienta seus asso-

no mundo inteiro, o que representa visibilidade extraordinária para títulos espanhóis. E, como não publica anúncios no ‘Google News’, não considera justo pagar. O editor do ‘Elconfidencial.com’, líder das marcas jornalísticas on-line, calculou que 43% as visitas são direcionadas pelo Google. Um consultor espanhol de tecnologia previu prejuízos para as publicações menores. Em toda a Europa, esse conflito se arrasta há dez anos.

Pedreira, da ANJ: sistema similar ao de música igualaria universo muito desigual de títulos nacionais e regionais

ABEMO/DIVULGAÇÃO

Uma celebridade leva seus amigos a um restaurante chique. Pergunta: ela deve pagar pelo que consumiu ou terá almoço grátis pela visibilidade que trouxe ao espaço? Impasse semelhante enfrentou o ‘Google News’, que expulsou os jornais da Espanha de seus serviços, por causa da lei que, a partir de janeiro, obrigará os buscadores a pagar por conteúdos apropriados. A marca argumenta ser acessada por dez milhões de cliques mensais

Egea, da Abemo: tese de que modelo do Ecad seria bom para empresas de clipping e para os próprios jornais

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imprensa

Jornais do interior:

FUTURO EM XEQUE Os 380 diários que circulam fora das capitais, pressionados pela celso kinjô era digital, também discutem formas de se reinventar

s

Se gigantes como o The New York Times enfrentam turbulências terríveis, ameaçados pelo arrastão digital, como descrever a situação de centenas de publicações do interior brasileiro que, singrando os mesmas mares bravios, pouco ou nada podem fazer para evitar o naufrágio, se e quando vier. Onde está a saída? Haverá salvação para essa legião de 380 títulos, muitos tradicionais, rodando todo dia 4 milhões

FOTOS PROJOR/DIVULGAÇÃO

de exemplares para o admirável mundo regional? Como resolver uma charada que junta recursos financeiros limitados e urgência de ideias luminosas? No workshop ‘Grande Pequena Imprensa’, iniciativa do Projor, entidade que mantêm o ‘Observatório da Imprensa’, com apoio do Google Brasil, o dilema mobilizou 74 profissionais do segmento, além de estudantes e professores, no final

de novembro, entre palestras sobre monetização no digital, criação de canais de serviços em âmbito local, evolução de aparatos móveis e até uma competição estilo maratona para criação de aplicativos. Ficou claro que o momento é de transição. A duração pode mesmo ser estimada, considerando o fato de que, nos países desenvolvidos, esse processo está bem adiantado, como explica o professor

Abaixo, equipe do workshop que produziu aplicativo móvel monetizável; na outra foto, Alberto Dines, idealizador do projeto

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e jornalista Francisco Belda, que entre outras competências pesquisa modelos de negócio e conteúdo para veículos jornalísticos em mídia impressa e digital.

Há espaços para reinvenção “Existe uma janela de transição”, explica. “As coisas não vão acontecer tão rapidamente nos jornais do interior do Brasil, como aconteceram em outros contextos, onde a transição já ocorreu, na prática. Fatalmente, isso aconteceria e está acontecendo no Brasil, mas a velocidade desse processo será um pouco menor. Com isso, se abre uma janela de transição, um tempo que não sabemos de quantos anos. Não são muitos, com certeza. Alguns dirão: três anos, cinco anos; outros, otimistas, dirão dez anos. Mas fatalmente, até 2020, ou os jornais se transformam, ou se extinguem. É uma futurologia que podemos fazer. Por que? Dentro de cinco, no máximo dez anos, a leitura dos jornais em papel será marginal, muito pequena, restrita a alguns poucos saudosistas que ainda terão tempo, disposição e hábito para sentar na poltrona, cruzar as pernas, abrir aquelas folhas de jornal standard e passar algumas horas lendo aquele produto, algo que sempre fez parte do ritual dessas pessoas. Mas os jovens, e mesmo os adultos que já estão em atividade profissional conectada, que têm celular, tablet, e usam o computador cor-

Dentro de cinco anos, no máximo dez, a leitura de jornais impressos será marginal, muito pequena rentemente, esses não consumirão mais as notícias das suas cidades através da plataforma papel.” Os jornais ainda terão missão importantíssima, explica o professor, esclarecendo que a sucessão e o desafio não miram o jornalismo local, mas sim o produto jornal de papel. Significa que há grandes espaços para reinvenção, explorar novas plataformas, testar modelos – não só de negócios, vale frisar – mas também modelos de linguagem, de conteúdo e formato. Sistemas de distribuição que estejam adequadas e em sintonia com os novos hábitos da população leitora de jornal – via dispositivos móveis. “Então, não basta só monetizar”, afirma Francisco Belda. “Não é só vender, é também como contextualizar a informação, com gráficos digitais, videoclips, marcas interativas, disparos de mensagens por celular, SMS e outras modalidades de comunicação, talvez até novos gêneros precisarão ser testados, experimentados, cristalizados, para que dessa mudança

surjam os novos modelos de negócios que remunerem a operação, ou seja, que vão permitir pagar os salários dos jornalistas, e que vão garantir a comissão dos vendedores de publicidade ou assinaturas”.

Brasil, 4º posto em internet Nos países desenvolvidos, a barreira dos 50% da população conectada foi alcançada na virada do século. O Brasil, segundo o Ibope, tem 59% , ou 120 milhões de pessoas, conectadas (o marco dos 50% foi rompido em 2013, registrou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio/ PNAD, do IBGE). De janeiro a setembro último, foram vendidos 6,4 milhões de tablets no País. É indicação clara de que irão ocupar o lugar dos notebooks. Outro levantamento, da consultora e-Marketer, garante que o Brasil fechará 2014 na quarta posição entre usuários de internet, ultrapassando o Japão. Até o final do ano, segundo a União Internacional de Telecomunicações, o mundo terá três bilhões de pessoas co-

Professor Francisco Belda e Alice Amorim, do GIP/Gestão de Interesse Público; equipe de trabalho reunida no workshop'

Negócios da Comunicação 39


imprensa nectadas à web, ou 42,4% da população do planeta! Nessa corrida alucinante, é mais do que chegada a hora de – como já observou Larry Page, criador do Google – sair da zona de conforto e pensar fora da caixa. “Existe um convite para que os jornais se transformem em laboratórios de teste de novos produtos de jornalismo. Não podemos abrir mão do jornalismo, esse é o bem a ser protegido, não o papel, que pode ter funcionado para a geração dos pais e avós, mas não funciona com a minha geração e muito menos com a dos meus filhos”, continua o professor. “Os novos modelos devem visar a preservação da função social crítica do jornalismo, que é indispensável para a democracia, e para o trânsito de informação, de credibilidade, bem formulada, essencial para a cidadania e para a tomada de decisões numa sociedade complexa como a que a gente vive. Todas as pequenas decisões do mundo contemporâneo dependem de uma informação de qualidade, e é o jornalismo que provê. No entanto, o negócio por trás desse provimento vai ser completamente remodelado”. “O jornal impresso, com seu logotipo e peso de tradição, continua fiador da credibilidade e do reconhecimento público da marca da empresa jornalística. Mas o jornal impresso vai gradativamente perder participação na geração de receita. Em algum momento da transição, deve-

A versão impressa perderá participação na receita e poderá até ser subsidiada rá, mesmo, ser um produto subsidiado por novas operações em outras plataformas – operações com aplicativos, um site de comércio eletrônico, um canal de vídeo, um canal colaborativo. Essas novas atividades estarão, de alguma forma, referenciadas, e farão elas próprias referencia a esse produto nuclear que é o jornal como o conhecemos. Ele é o fiador da qualidade e da credibilidade desses novos lançamentos midiáticos – nós só não sabemos quantos serão bem sucedidos. O jornal deve ser o bastião e funcionar como referência. Conforme as novas estruturas se consolidarem, o jornal vai gradativamente sair de cena, até talvez se tornar, enquanto impresso, um produto extinto, dispensável. Esse é o prognóstico”.

Revistas: vida mais longa Em seu raciocínio, as revistas impressas terão vida mais longa, por não serem tão perecíveis quanto o jornal, que horas depois de ser entregue já foi superado pelas notícias na internet ou na rádio e tevê. A revista não aparece com notícias quentes, propõe leitura mais qualificada

e reflexiva, podendo assim ser tratada com profundidade. O manuseio do papel, o aspecto táctil da revista bem produzida, com impressão de qualidade, não foi ainda substituída por uma tela. “Não consigo enxergar futuro para além de vinte anos. Em vinte anos, o papel das revistas está garantido, mais que o dos jornais. Em cinquenta anos, eu não me arrisco a falar nada”. A palavra mágica, ou a chave do tesouro, para os jornais do interior saírem da enrascada, é diversificação. Não apenas das plataformas, mas das fontes de receita. Embora a dependência seja inerente ao negócio, seja ele qual for, dispor de um número maior de fontes de receita tornará a empresa mais independente economicamente. Contra isso, os jornais pequenos, que levam o dia a dia com meia dúzia de anunciantes e editais da prefeitura, ficam absolutamente vulneráveis. Mas, seguindo o raciocínio de Belda, se o mesmo jornal souber se reinventar e passar a atuar como uma espécie de pivô, dando acesso aos serviços do município – “não estou me referindo à prefeitura”, esclarece – mas

Interior soma 53% dos títulos Há jornais centenários e tradicionais, como ‘O Mossoroense’, de Mossoró (RN), circulando desde 1872, uma caminhada de nada menos que 142 anos. Um trio paulista fechou o ranking dos Top 50 em circulação do IVC/2013: ‘Gazeta de Piracicaba’, em 46º, com 24.593 exemplares, ‘Cruzeiro do Sul’, de Sorocaba, 49º, com 24.067 (outra marca antiga, com 111 anos!) e o ‘Jornal de Piracicaba’ na posição 50, com 22.977 de média diária. Os gaúchos, claro, aparecem bem na fita, com o Jornal NH, de Novo Hamburgo, 26º classificado nessa mesma disputa, com 42.778 exemplares, e ‘O Pioneiro’, de Caxias do Sul, 40º, com 27.828. Uma posição acima, em 39º, está a ‘Folha de Londrina’, do Paraná, com 30.817 exemplares. São destaques num cenário em que, juntos e misturados com os pesos-pesados das metrópoles, os títulos comunitários por definição brigam por espaços. Não é ocioso lembrar que, de cada três empregos gerados no País, dois surgem fora das capitais, segundo o IBGE. Nada disso, porém, afasta a preocupação de empresários e jornalistas dos 380 diários que representam grandes e pequenas

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cidades do interior, somando uma tiragem de quatro milhões de exemplares e alcançando uma população de 20 milhões de leitores, segundo a Adjori, Associação dos Jornais do Interior. Os 380 jornais equivalem a 53% do universo total. E, somando-se os títulos de frequências diversas, semanais, quinzenais ou mensais, o número final sobe para 1,9 mil, refletindo a pujança econômica desse Brasil menos conhecido. No primeiro governo Lula, o então ministro Luís Gushiken, da Secretaria de Comunicação, resolveu ampliar a distribuição de publicidade oficial, restrita em 2002 a 249 empresas de comunicação. No segundo mandato, esse número saltaria para nada menos do que 5 mil empresas, entre mídias eletrônicas, jornais das capitais e do interior. Foi a grande notícia da década para o setor. A expectativa começou a ser revertida com o atropelo digital, que coloca em risco um modelo de negócio que, centenário e tradicional, precisa se reinventar, para não ficar no meio do caminho.


à prestação de serviços diversos, como táxi, cinema, padaria, hotelaria, entrega de pizza, toda a vida cotidiana da cidade – que num toque de celular, pode ser acessada por esse veículo que é o jornal. Se o jornal, como se diz sobre os centroavantes do futebol, fizer bem o papel de pivô, poderá construir milhares de pequenas operações que constituem a vida cotidiana de uma cidade, e ao mesmo tempo, se transformará em um veiculo útil para o cidadão em âmbito local. “Quem tem de depender do jornal é o cidadão, e não o jornal depender de uma ou outra fonte de receita”, receita o professor. “Eu gostaria muito de ter a minha vida e a minha rotina agilizada por boas sugestões que o jornal me proporcionasse. Me indicando não apenas o filme, mas o cinema mais próximo onde está passando e, por que não?, me vender o ingresso. Se o jornal puder me indicar que em tal livraria eu acho o livro sugerido na seção de cultura, e entregar na minha casa – porque estou disposto a pagar cinco reais a mais no preço do livro por esse serviço. Assim também com o cinema, o teatro, música, eventos. Exemplo: preciso abastecer o meu carro, e quero saber qual o posto de gasolina com preço mais competitivo. O jornal pode me indicar o posto e o caminho mais fácil para chegar lá. Esse papel já está sendo cumprido por vários aplicativos, por várias outras operações de mídia, que estão avulsas. O jornal, sendo capaz de, ora fazer parceria com essas operações, ora construir a sua própria plataforma de provimento dessas informações e serviços, o jornal vai assumir uma posição mais relevante até do que tem hoje”. Mesmo assim, sem dúvida, o jornal terá de seguir sua faina de produtor de reportagens, fiscalizador do poder político, de noticiar os temas que impactam o cotidiano local. Também assumirá novas funções, vinculadas à prestação de serviço. Estas funções irão subsidiar e remunerar a operação que é encarada como a principal, ou seja, a produção de conteúdo. A função de produção de notícias poderá não ser lucrativa, mas será essencial nesse parque de informação, serviço e entretenimento. “É o que eu idealizo em

relação aos jornais locais. E digo jornais locais, porque não podemos esperar que as grandes corporações jornalísticas midiáticas tenham a capilaridade necessária para colocar um representante – um repórter, um vendedor, um gestor de parcerias – em cada bairro de cada cidade. Talvez os jornais locais cheguem a um modelo que constitua parceria com essas grandes operações midiáticas. Talvez eu possa entender que é mais interessante ter uma parceria com o Waze, um aplicativo de trânsito, do que eu desenvolver uma tecnologia equivalente. A tecnologia já existe. Só que eu posso agregar à plataforma do Waze uma serie de serviços e conteúdos locais que o Waze não tem. Como o restaurante local, o cinema. O Waze até pode ter aquela posição geográfica indicada no mapa, mas eles não vão atualizar a informação que vai enriquecer aquele indicativo de localização, a ponto de me fidelizar. A ponto de eu pensar ‘deixa eu ver o que o jornal está me sugerindo fazer nesse fim de semana com a minha família’. Porque essa é uma informação que o Waze não tem. O Waze me indica o caminho, mas não traz o guia cultural local que o jornal me traz. Vejo um modelo complementar que pode constituir aí uma nova fonte não só de receita, mas uma fonte de serviços”.

A publicidade na web Montar uma rede de jornais interioranos pode ser um caminho, mas não há, por enquanto, nenhum movimento nessa direção. Se a publicidade convencional está migrando e deixando o jornal impresso para trás, ele não só fica no prejuízo como deixará de ter escala. “Constituindo uma rede de veículos digitais”, raciocina o professor, “se poderá aumentar a escala e negociar o preço do anúncio em condições mais favoráveis perante os grandes anunciantes da capital, ou até internacionais. Em tese, a ideia de uma rede faz sentido. Só que os jornais precisarão fazer uma conta pra ver se o valor que eles conseguem, vendendo por conta própria, é ou não superior ao valor que eles conseguiriam, diluindo sua participação numa rede abrangente”.

JORNAIS: O MAPA DO BRASIL EM 2013 Do total de 4.786 títulos, 722 são diários. Do total, 380 atendem o interior do País, com circulação de 4 milhões de exemplares, atingindo 20 milhões de leitores REGIÃO / ESTADO

DIÁRIO

NÃO DIÁRIO

TOTAL

BRASIL

722

4.064

4.786

NORTE

44

100

144

Rondônia

9

29

38

Acre

4

2

6

Amazonas

15

4

19

Roraima

3

2

5

Pará

5

26

31

Amapá

5

4

9

Tocantins

3

33

36

NORDESTE

71

193

264

Maranhão

15

23

38

Piauí

5

4

9

Ceará

5

30

35

R.G.Norte

10

13

23

Paraíba

7

4

11

Pernambuco

7

19

26

Alagoas

4

7

11

Sergipe

3

10

13

Bahia

15

83

98

SUDESTE

366

2.322

2.688

Minas

72

592

664

Esp.Santo

11

76

87

Rio

63

364

427

S. Paulo

220

1.290

1.510

SUL

179

1.055

1.234

Paraná

67

229

296

S.Catarina

66

337

403

R.G.Sul

46

489

535

CENTRO-OESTE

62

394

456

M.G.Sul

18

92

110

M.Grosso

20

87

107

Goiás

10

161

171

D.Federal

14

54

68

Fontes: ANJ, ADI Brasil, ADJORI, ABRE, Anuário de Mídia, JOVE

Negócios da Comunicação 41


jornal

Manhattan, Oitava Avenida: torre de 52 andares inaugurada em 2007, sede do NYT, é o segundo arranha-céu da cidade, já questionado por seu porte gigantesco

Até o NYT apelou

PARA O PDV

da Redação

Inverno inesquecível em Manhattan, com cem demissões no maior jornal dos EUA por adesão voluntária. Mas a estrutura continua pesada

42 Negócios da Comunicação


KEYSTONE

b

Basta comparar as redações dos grandes jornais com as dos sites de notícias para compreender que nada têm a ver com mais valia o tsunami que varreu a redação do ‘The New York Times’ neste final de ano. A lei da mais valia foi imaginada por Marx para estimar o ganho – ilegítimo, segundo o autor de ‘O Capital’ – usurpado pelo patrão aos empregados Foi um grande passaralho, esse que gravou o final de 2014 em Manhattan. Anunciado com pompa e circunstância, ao contrário do que ocorre do lado de cá do Rio Grande, em que nuvens de

boatos precedem expurgos em massa, cada vez mais frequentes, nem por isso foi imune a chuvas e trovoadas. O maior jornal do planeta impresso concebeu um Programa de Demissão Voluntária, o PDV, sigla também familiar para o trabalhador brasileiro, a fim de eliminar cem postos de trabalho. Por isso, proclamou com bastante antecedência, no início de outubro, uma decisão que não estimulou adesões, pelo contrário, implantou um clima de terror raras vezes sentido no centenário diário, conforme informações de sites de mídia como o Capital.

O ‘downsizing’ deste ano, o quarto desde 2008, chegou no momento em que o ‘Times’ se confronta com o declínio irresistível de receitas de publicidade impressa, que não vem sendo compensado por ganhos na área digital, seja na audiência ou na publicidade. A última contagem reduziu a redação para 1.230 jornalistas, em relação aos 1.330 do início de 2014. A redação tem alternado altos e baixos em seu tamanho, nos últimos seis anos, com redistribuição de recursos para reforçar o crescimento digital. Em memorando no início de novembro, firmado pelo patrão Arthur SulzberNegócios da Comunicação 43


jornal

REDAÇÕES MOSTRAM Diferença de 1.000 para 100 Os 1,3 mil jornalistas do NYT e os cem do BuzzFeed refletem o contraste de modelos: estruturas massivas de mão de obra estão condenadas e as novas tecnologias consagraram o minimalismo. Em receita, o BuzzFeed já superou US$ 100 milhões este ano; em 2012, o lucro do NYT foi de US$ 156 mi, após anos de prejuízo, com a venda do ‘Boston Globe’ por US$ 70 mi. Confira: ‘The New York Times’ – Considerada a maior redação dos Estados Unidos, conta com 1,3 mil jornalistas, número igual ao de 2008, época dos primeiros cortes. Os cortes vêm eliminando posições no front impresso, criando novos postos de trabalho na versão digital. “Temos mais jornalistas hoje do que em qualquer outra época na história”, disse o publisher Arthur Sulzberger, em entrevista na New York University, em novembro último. ‘The Washington Post’ – Na gestão de Leonard Downie Jr., de 1991 a 2008, deu-se o início da grande turbulência, quando a redação baixou de mil para 600 jornalistas. Sob a novíssima administração de Jeff Bezos, da Amazon, o novo proprietário, foram criadas áreas digitais, que abriram algumas dezenas de empregos. Um porta-voz do ‘Post’ revelou que mais de cem cargos foram preenchidos este ano, elevando o número de posições para 650. ‘The Wall Street Journal’ – O notório Rupert Murdoch dispõe de um trunfo que seus rivais não têm: o boletim eletrônico de noticiário econômico daquela que é a maior bolsa de valores do planeta. As redações do WSJ e do DowJones-on-line foram integradas oficialmente no ano passado para eliminar redundâncias, compondo um contingente de dois mil funcionários. Enquanto o WSJ acrescentou um staff nos últimos anos destinado a criar novas seções, não está sendo imune a cortes – entre 20 e 40 jornalistas foram demitidos em julho. Paul Steiger, editor executivo de 1991 a 2007 do WSJ, calcula que a redação do impresso tenha em torno de 700 jornalistas. ‘The Los Angeles Times’ – Engolfado por sucessivas crises de gestão, a redação

ger Jr. e pelo CEO Mark Thompson, foi anunciada a saída – via PDV – de dois altos executivos com longa trajetória na casa: a diretora de Circulação, Yasmin Namini, e o VP de Projetos Especiais, Tom Carley. Yasmin, com trinta anos na área, teve papel estratégico para implementar o modelo digital de circulação, em 2011. Carley começou em 1987, tendo ocupado os cargos de presidente de Serviços de Notícias e chefe de Planejamento Estratégico. Ambos continuarão até o início de 2015, para concluir a transição, segundo o memorando. Vários jornalistas de nome figuraram na relação dos voluntários do PDV. David Corcoran, editor de Ciências, 26 anos de NYT; Floyd Norris, chefe de correspondentes de Economia, também 26 anos de casa; Brian Knowlton, baseado em Washington e colunista do The International NYT, três décadas; e, com nada menos do que 47 anos de jornal, Fern Turkowitz, editor-assistente de Esportes. Um dos últi44 Negócios da Comunicação

diminuiu de mais de 900, em 2007, para 550, em 2011. “Quando lá desembarquei, havia mais de 1,2 mil”, recorda o atual Editor-Chefe do ‘The New York Times’, Dean Baquet, que passou pelo ‘LATimes’ em 2000, sendo demitido seis anos depois, por se recusar a promover um corte coletivo. ‘USA Today’ – No ano 2000, eram 600 jornalistas. Atualmente, são 400. Mas o jornal vem realocando recursos e mão de obra no digital. Criou um mesão de noticiário nacional para distribuir conteúdo aos 82 títulos da Rede Gannett de Jornais, que é proprietária do ‘USA Today’. Investe em redes sociais e conteúdo viral na web. Agência Associated Press – Emprega cerca de 2,3 mil jornalistas; Agência Reuters – Conta com 2,6 mil; Agência de Notícias Bloomberg – Tem mais de 2,4 mil, incluindo divisão de atendimento ao cliente. No universo dos portais de notícias, quanta diferença: ‘The Huffington Post’ – São 325 empregados, entre jornalistas e informáticos, número que se mantem desde o lançamento do portal, há nove anos. ‘BuzzFeed’ – São 250 pessoas, incluídos 100 jornalistas que atuam no ‘Buzzfeed News’, desde 2006. Vale registrar que, em mensagem de novembro aos editores de área, o CEO Jonah Peretti anunciou o atingimento da receita de US$ 100 milhões, com dois meses de antecedência. O site, segundo ele, obteve 200 milhões de visitantes únicos e 750 milhões de vídeos assistidos no mês! Em comemoração, prometeu presentear todos com um Apple Watch, relógio inteligente que será lançado na primavera (hemisfério norte) de 2015. Quem pode, pode. ‘Politico’ – 199 funcionários, desde 2007; ‘Business Insider’ – 110, desde 2009 ‘Guardian US’ (portal do jornal inglês, baseado em Nova York) – São 37 jornalistas, desde 2011; na Inglaterra, são 761 – os números, no caso, valem pela discrepância de modelos; ‘Capital’ – 30 funcionários.

mos a aderir foi Douglas Martin, editor da seção de óbitos, que comandou por 34 anos. Jeffery DelViscio, editora sênior de Ciências, postou no Twitter: “Sou jovem (well, relativamente)&digital. Após oito anos, estou aderindo ao PDV”. O clima pesado piorou com uma notificação do Jurídico da empresa, revelando que, em caso de morte de funcionário demitido, antes de receber a indenização completa, o valor seria repassado à família. Candidatos naturais ao PDV, funcionários mais antigos também tinham contra si a percepção – generalizada – de que seriam dispensáveis para o desenvolvimento do novo modelo de negócios. Os pacotes para associados do ‘Newspaper Guild’, sindicato que representa cerca de 1,1 mil jornalistas do NYT, variaram de quinze semanas de salários, mais quatro meses de plano de saúde a empregados entre cinco e seis anos de casa; a um adicional de 35% sobre o valor final das 15 semanas, mais oito meses de plano de saú-

de, a funcionários com pelo menos 35 anos de empresa. Jornalistas não sindicalizados receberiam duas semanas de salários por ano de casa, até o limite de um ano de salário, segundo o plano do jornal. O fato é que o número de jornalistas nas redações dos diários nos EUA caiu de 55 mil para 36,7 mil, nos últimos seis anos, após o grande crash de 2008, somado ao declínio de circulação de jornais e queda de receita publicitária. Esse banho de sangue é apenas parte da história. Muitos jornais vêm reinvestindo no digital, enquanto dispensam muitos de seus talentos experientes, em especial jornalistas que não conseguiram se adaptar à cruel mentalidade do ‘jornal do futuro’, que implantou o ciclo 24/7, ou seja, 24 horas por dia durante os sete dias da semana. Nesse ponto, a tecnologia de celular e internet faz o relógio correr a favor da empresa, mesmo quando o jornalista estiver dormindo o sono dos justos. A mais valia até que não era o pior dos pecados do capitalismo.



KEYSTONE

televisão

DEUS

Levantamento da Ancine revelou uma oferta diária de 38 horas de programas religiosos em 2013

REINA NA TELA

MARCELO DANIEL

Ocupando a maior fatia da programação da TV aberta, programas religiosos reacendem o debate sobre a locação de horários para igrejas e pastores

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No Brasil, a primeira onda fluiu em 1962, com a pregação do pastor Alcides Campolongo, na TV Rio, em seu ‘Fé para Hoje’, seguindo-se ‘Café com Deus’, na TV Tupi, com o pastor McAlister, da Igreja Nova Vida. A maré religiosa virou tsunami em 1992, quando o bispo Edir Macedo assumiu o controle da Rede Record, marca pioneira que fez tradição na mídia, sob o comando do clã Machado de Carvalho, tendo Silvio Santos como acionista minoritário. Pode-se cravar esse episódio como a linha divisória a partir da qual se iniciou uma corrida pela captura de emissoras e redes. A linha católica entrou no ar em 1992, com a Rede Vida, do empresário João Monteiro de Barros Filho. Denominações de história recente estão ligadas visceralmente à igreja eletrônica, casos das Redes Gospel e Renascer, TV Boas Novas, RIT/ Rede Internacional de Televisão. Na tarde de 31 de julho, a TV Universal, webTV que veicula 24 horas de conteúdo produzido pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), deu início a uma transmissão histórica, de repercussão internacional. Na tela da web, a inauguração do Templo de Salomão, faraônica realização erigida em São Paulo pelo bispo Edir Macedo – proprietário da Rede Record. O evento festivo recebeu dez mil convidados – entre eles a presidente da República, Dilma Rousseff – e coroou quatro anos de obras. É numerosa a relação de emissoras que têm a religião como fiel da audiência.

CNT: 22 horas por dia Mas é também extensa a relação de canais laicos que transmitem programas voltados a esse proselitismo. Isso é possível através da locação pura e simples de horários, em sistema de terceirização. No levantamento da Ancine sobre TVs abertas, a rede CNT dedicou 53,2% de sua programação ao segmento, num total de 4.657 horas, equivalentes a treze horas diárias de transmissões! Baseado em Curitiba (PR), o canal pertence ao grupo Martinez e, em maio passado, negociou 22 horas de sua grade diária, que passaram a ser ocupadas pela Igreja Universal, do bispo Macedo. Se Deus é líder de programação e se o presidente do Conselho de Comunicação Social, órgão que regula o meio e as mídias, é o Arcebispo Orani Tempesta, do Rio, cabe a indagação: é a TV brasileira uma contrafação da religião? Na primeira semana de agosto, durante audiência pública realizada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, em Brasília, foram debatidas as práticas de subconcessão, arrendamento ou alienação a terceiros promovida por concessionários de rádio e TV, sem autorização. Na prática, como se diz, a teoria é muito diferente. Tomando essa questão como exemplo, a religião não integra a programação das emissoras, laicas por definição, portanto, o conteúdo é veiculado por locação de espaço. Para a Ancine, o item ‘Religiosos’ se encaixa na gaveta de ‘Outros’. E o que seriam programas religiosos?

DIVULGAÇÃO

Deus está na tela mais de mil horas por mês – apenas nas tevês abertas (se a TV por assinatura entrar na soma, o total chegará quase a cinco mil horas). É a maior fatia da programação brasileira de televisão, garante o ‘Informe de Acompanhamento do Mercado – TV Aberta’, da Ancine, base 2013. Foram 13.626 horas dedicadas à fé, perfazendo uma oferta diária de 38 horas, ou 16% da programação das emissoras. Ou seja, nem o mais fanático entre os fiéis conseguiria acompanhar, mesmo em vigília insone. A religião venceu com folga o ’Telejornalismo’, que contou com 11,2% dos espaços. Derrotou as ‘Séries’, que registraram 10,7%; variedades, com 10,4%. São os itens acima dos dois dígitos. Até o ‘Esporte’,, tido como o favorito absoluto do público masculino, ocupou apenas 4,4% da programação das tevês no ano passado mas sem ameaçar a hegemonia dos programas de fé. “Novelas’, preferência feminina, tiveram 3,1% dos espaços no ar. Programas catalogados como ‘Telecompras’ alcançaram 7,1%, e ‘Infantis’, 4,8%. Não é para menos. Desde que nos longínquos anos 1940 os evangélicos americanos se associaram na National Broadcasting Religious, para defender a tríade reza/ cura/salvação, e transportaram a receita para o vídeo, nos anos 1960, a Igreja Eletrônica chegou para reinar. A receita, tão óbvia quanto convincente, apela para emoções básicas do espectador, competindo com grande vantagem sobre as demandas de comprometimento e militância requeridos pelas denominações tradicionais, do tipo protestantes, metodistas e católicas.

No vídeo, a mensagem da fé: todos os dias, em emissoras abertas ou fechadas, que apresentam estilos variados de programas

Negócios da Comunicação 47


televisão emissoras estão fazendo negócio em cima de um espaço – o espectro eletromagnético – que não pertence a elas, mas a toda a população, e que é concedido pelo Estado com a contrapartida de prestação do serviço de radiodifusão, que além do mais deve atender aos princípios educativos, informativos e culturais”. Para Bia Barbosa, do Intervozes, o objetivo é o cumprimento da Lei. “O que defendemos é que as emissoras vendam anúncios dentro do limite de 25% da grade diária de programação”. “ Do contrário, que essas outorgas sejam devolvidas ao Estado e destinadas a novos processos de licitação”, conclui. A Band, segundo o levantamento da Ancine relativo a 2013, concedeu 15,8%, ou 1.381 horas de sua programação, à clientela da fé, percentual abaixo apenas de esportes (17,6%) e Séries (19,27%). A Gazeta também reservou os mesmos 15,8% de grade para programas religiosos. Já a CNT entregou nada menos que 4,6 mil horas, equivalentes a 53,2% da programação do mês (em 2013, o principal locatário de espaços da programação foi a Igreja Mundial do Poder de Deus, do bispo Valdemiro Santiago, arquirrival de Edir Macedo). A RedeTV não ficou muito atrás, com 3,7 mil horas, equiva-

Seria o caso já citado da CNT. Outra forma de classificar a prática, segundo a Intervozes, é “entender o problema como subconcessão de um serviço, o que também é ilegal, visto que qualquer subconcessão de serviço público não pode ser feita sem autorização do Poder Concedente”. Trata-se de comportamento disseminado na conjunção público e privado, pois a subcontratação não apenas é usual como é reconhecida pelos governos, como nas obras públicas. Mas a Intervozes vai além: “No campo da subconcessão”, denuncia, “há casos gravíssimos, de emissoras que chegam a vender mais de 22 horas de sua programação diária, caracterizando um arrendamento velado desses canais”. A entidade colocou as questões em pauta. “Nós denunciamos este problema, explicando por que consideramos a prática ilegal. Em ação civil ajuizada no início de dezembro, o Ministério Público Federal propõe a anulação das concessões dos canais 21 e CNT, pela locação de 22 horas diárias de programação à Igreja Universal. Na audiência pública, Rosane Bertotti, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), declarou: “Ao arrendarem sua programação no todo ou em parte, as

“O formato tradicional é o de transmissão ao vivo ou de gravação dos encontros religiosos (missa, cultos ou rituais), com público ou auditório (normalmente, o próprio templo). A plateia, formada de fiéis, demonstra sua fé com hinos, orações e manifestações espontâneas ou solicitadas pelo líder”. Os programas religiosos também são conhecidos pelo termo “igreja eletrônica”, informa a Ancine. Na audiência da Câmara, Bia Barbosa, do Intervozes, situou dois pontos que a ONG considera irregulares – o principal deles sendo a venda de espaço para as denominações, como se fosse venda de publicidade. Bia insiste em que a venda de espaço da grade das emissoras é absolutamente ilegal: “A primeira (ilegalidade) é considerar a prática como ‘equivalente’ à venda de espaço para publicidade”, explica. De acordo com a análise do grupo, o tempo vendido deve ser somado ao tempo destinado aos anúncios publicitários que, no total, não devem ultrapassar 25% da grade diária. “Entendemos que as emissoras que ultrapassam esse percentual estão cometendo ilegalidades na exploração do serviço de radiodifusão e, por isso, deveriam ser responsabilizadas pelo Ministério das Comunicações”, ressalta Bia Barbosa.

DISTRIBUIÇÃO E OCUPAÇÃO DE HORÁRIOS DE PROGRAMAÇÃO DAS TVS ABERTAS EM 2013 Band

Globo

Record

RedeTV

SBT

Horas

%

Horas

%

Horas

%

Horas

%

Horas

%

Religioso

1.381

15,8

54

0,6

2.120

24,2

3.786

43,2

0

0

Telejornal

844

9,6

1.493

17,1

2.983

34,1

430

4,9

1.701

19,4

Série

1.688

19,3

606

6,9

470

5,4

124

1,4

2.067

23,6

Variedades

728

8,3

1.195

13,7

1.229

14

1.182

13,5

555

6,3

Musical

9

0,1

31

0,4

227

2,6

36

0,4

48

0,6

Telecompras

261

3

0

0

0

0

467

5,3

0

0

Filme

234

2,7

1.634

18,7

372

4,3

1

0

381

4,4

Infantil

5

0,1

145

1,7

261

3

140

1,6

1.140

13

Esportivo

1.541

17,6

742

8,5

94

1,1

413

4,7

52

0,6

Novela

17

0,2

1.083

12,4

239

2,7

153

1,8

1.139

13

Auditório

252

2,9

549

6,3

88

1

490

5,6

847

9,7

Instrutivo

66

0,8

473

5,4

2

0

58

0,7

0

0

Fonte: Informe de Acompanhamento do Mercado TV Aberta, da Ancine

48 Negócios da Comunicação


INTERVOZES/DIVULGAÇÃO

MARIANA MOREIRA/FNDC/DIVULGAÇÃO

CANÇÃO NOVA/DIVULGAÇÃO

Souza, da Canção Nova: no início, falta de experiência; hoje, problema são altos custos de manutenção

Bertotti, da FNDC: abuso grave porque o ‘espectro eletrônico’ é uma concessão que não pode ser sublocada

Bia Barbosa, da Intervozes: emissoras não podem comercializar mais que 25% da programação

lentes a 43,2%. A Record do bispo Macedo, concedeu 2,1 mil horas, iguais a 24,2% da programação. A Globo, tão somente 54 horas no ano, correspondentes a 0,6% da programação. O conceito de Igreja Eletrônica empolga não apenas as pentecostais, adeptas da fórmula reza-cura-salvação, mas a própria Igreja Católica. Já em 1963, o Papa Paulo VI publicou seu Decreto sobre os Meios de Comunicação, regulando a atu-

ação dos fieis em Jornadas Anuais para incentivar práticas de disseminação da mensagem de Jesus. Nessa época, figuras como Rex Humbard, Jimmy Swaggart e Billy Graham tornavam-se celebridades, festejadas por seu carisma televisivo – e, claro, religioso. Com ampla presença na TV, o missionário Romildo Ribeiro – ou R. R. Soares, e sua Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) conduzem, há sete anos,

uma ousada proposta de evangelização pelos meios de comunicação. A Fundada em 1989, erigida em rede em 1997, a TV Canção Nova leva ao ar uma programação de variedades voltada a fieis católicos. “Evidentemente, nestes últimos 17 anos, a equipe se multiplicou e nossa programação se estruturou, com transmissões de eventos ao vivo e novos formatos de programas”, explica Alexon Pereira de Souza, superintendente da TV.

Gazeta Religioso

CNT

TVBrasil

Cultura

TOTAL

Horas

%

Horas

%

Horas

%

Horas

%

Horas

%

1.382

15,8

4.657

53,2

189

2,2

54

0,6

13.626

16

Telejornal

414

4,7

315

3,6

455

5,2

736

8,4

9.587

11,2

Série

0

0

179

2,1

2.075

23,7

1.659

18,9

9.099

10,7

Variedades

2.197

25,1

1.235

14,1

25

0,8

134

1,5

8.887

10,4

Musical

0

0

98

1,1

825

9,4

588

6,7

6746

7,9

Telecompras

3.977

45,4

1.363

15,6

0

0

0

0

6.070

7,1

Filme

0

0

0

0

614

7

1.161

13

4.380

5,1

Infantil

0

0

0

0

728

8,3

1.696

19,4

4.117

4,8

Esportivo

395

4,5

2

0

369

4,2

51

0,6

3.736

4,4

Novela

0

0

0

0

16

0,2

0

0

2.649

3,1

Auditório

0

0

530

6

10

0,1

0

0

2.292

2,7

Instrutivo

117

1,3

0

0

655

7,5

326

3,7

1.699

2

Fonte: Informe de Acompanhamento do Mercado TV Aberta, da Ancine

Negócios da Comunicação 49


documentação

Memória que

FAZ HISTÓRIA

CELSO KINJÔ

Cada vez mais empresas se preocupam em resgatar sua trajetória e transformá-la em ferramenta de construção de imagem e estratégia de futuro

50 Negócios da Comunicação


ARTPRESSE NEWSLETTER/DIVULGAÇÃO

m

Exemplos de centros de memória: Casa da Manteiga Aviação, em Minas; Museu Samsung, na Coreia; Estúdio Ghibli, em Tóquio. A referência a Dali, na página anterior, associa o tempo à memória

Mais que megaempresas, as prestadoras de serviços públicos mergulham nas entranhas urbanas, com suas fiações, postes, transmissores e geradores, conexões, extensões e gambiarras. Por isso mesmo, não se consegue contar a história das cidades sem considerar esse acervo que conecta passado e presente. Se bandas largas e rádio-frequências hoje transmitem dados sem fio, mais importante preservar – e até recuperar – o mapa dessa história. Foi por aí que surgiu a categoria ‘Memória Empresarial’ dentro do Prêmio Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) a partir do ano 2000. Seu presidente, Paulo Nassar, situa no ano anterior, 1999, a decisão da Aberje em assumir “o papel político e simbólico de demonstrar a importância da comunicação organizacional (...) na defesa da identidade brasileira, além da responsabilidade (histórica) que os relações-públicas e comunicadores organizacionais tem nesse processo”. Nassar detalha: “Um dia é preciso contar a história das organizações, mas, antes dis-

so, é necessário conhecê-la e, mais do que isso, entendê-la, para extrair conhecimento, sabedoria e visão relacional e comunicacional estratégica do rico material que elas oferecem. Existe inteligência e técnica para tanto. Basta disposição e determinação para restabelecer a substância dos pilares históricos da empresa, resgatar sua história, ressaltar as soluções encontradas diante dos obstáculos que surgem ao longo do caminho, desenhar um mapa de DNA, preparar-se adequadamente para o futuro”. Naquela época – e não faz tanto tempo, menos de duas décadas separam o monopólio dos principais serviços públicos da etapa de privatização – Telesp, que tinha sido CTB/Companhia Telefônica Brasileira no século anterior, Telerj, Telemig e tantas outras espalhadas pelos Estados, foram leiloadas a toque de caixa. Do ponto de vista da eficiência operacional, mudança que rompeu o atraso histórico da telefonia. Mas elas todas tinham uma história para contar. “A relação dessas empresas com a sociedade era visceral, está no desenho das ci-

dades, no mobiliário urbano, interferiu no modo como a sociedade se comunica. Essas empresas conheciam a arqueologia das cidades, porque onde elas passavam, elas foram furando, mudando, e aí incluo empresas de gás, energia – empresas que fazem parte da paisagem e da cultura, como é o caso, por exemplo, da música ‘Lampião de Gás’. As mineradoras têm sua história também; pegue o caso da antiga Vale do Rio Doce. Privatizada, a marca escapou da origem regional e se tornou Vale Mineradora, nome que conecta com o mundo financeiro. Até nos clubes de futebol, que abriram seus memoriais, casos do São Paulo pioneiro, seguido por Santos, Flamengo e muitos mais.” O Museu da Pessoa – “cuja missão é preservar e transformar em informações historias de vida de toda e qualquer pessoa da sociedade, promovendo a mudança social por meio do reforço da identidade e do incremento da autoestima de indivíduos e comunidades” – foi criado há 23 anos para construir “uma Rede Internacional de Histórias de Vida”. Atua Negócios da Comunicação 51


também no registro da memória das organizações. “Que deve, e pode, se transformar em instrumento de preservação de saberes acumulados, resgates de valores, da identidade e do reconhecimento da importância de todos aqueles que a construíram. É do conjunto de pessoas e de suas interações que surge uma história viva e única. Uma história que passa a ser um veículo de conhecimento, de comunicação e de identificação da organização com seu público e consigo mesma”, segundo relata a fundadora Karen Worcman, historiadora de formação, que considera que a sistematização da memória da empresa é um dos grandes instrumentos a serviço da comunicação empresarial e corporativa. “Isso porque as histórias não são narrativas que acumulam sem sentido, tudo o que vivemos. O desafio está em saber utilizá-las. Se a memória for entendida como ferramenta de comunicação, como agente catalisador no apoio a negócios, como fator essencial de coesão do grupo e elemento de responsabilidade social e histórica, então poderemos firmar que esta empresa, de fato, é capaz de transformar em conhecimento útil a história e a experiência acumulada em sua trajetória.”

Memória é história, mas vai além. “Geralmente, as histórias contadas pelas empresas sobre si mesmas são muito brandas e glorificadoras. A história oral pode acrescentar mais visões”, opina o inglês Paul Thompson, historiador, sociólogo, professor e pesquisador. Para a especialista e professora Lúcia Maria Marcellino de Santa Cruz, da ESPM Rio, um rito de passagem foi a queda do Muro de Berlim, em 1989. “Naquele momento, começou a se questionar a própria ideia de futuro, e quando isso acontece, você começa a olhar para o passado. Tudo o que acreditávamos como futuro, ruiu, as grandes utopias do século XX, então começa a se valorizar o passado, que vai dar sentido ao presente. Na verdade, as empresas até começaram depois.” Antes, segundo Lúcia Maria, testemunhos registrados em centros de memória descortinaram um mundo novo. Sobreviventes do Holocausto, nos anos 1940, ou da ditadura argentina, nos anos 1970, ganharam massa crítica equivalente à história acadêmica tradicional. A Comissão Nacional da Verdade, que acaba de divulgar seu relatório, buscou reconstituir os subterrâneos dos anos de chumbo no Brasil. “É a vivência das pessoas, e isso chega a tal pon-

TALLES BRAGA/NEGÓCIOS DA COMUNICAÇÃO

documentação

Nassar: Aberje premia categoria ‘Memória Empresarial’

to que você tem até o culto da memória, a cultura da memória, a gente começa a valorizar esses santuários de memória”. No universo corporativo, as iniciativas crescem. A professora cita exemplos. “O Museu Bunge é uma experiência de memória organizacional, on-line, que recupera a história da alimentação. A Natura tem uma experiência de memória gravada pelas suas consultoras (revendedoras), em parceria com o

UM PROFESSOR À FRENTE DO SEU TEMPO Em sua tese de doutorado de 2006, na ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP), Paulo Nassar decifra o uso de técnicas e instrumentos de relações públicas para construir e divulgar a memória institucional das empresas. Situa um marco importante na iniciativa do professor Cleber Aquino, da Economia-USP, que nos inflacionados anos 1980, quando ser empreendedor era aposta de altíssimo risco, desenvolveu a série ‘História Empresarial Vivida’. Em torno de cafés da manhã assistidos por professores e estudantes, o mestre entrevistava empresários de sucesso, para que relatassem sua experiência profissional. Assim foi possível obter – e transformar em memorial precioso – relatos longos de Antonio Ermírio de Moraes (Votorantim), Olacyr Francisco de Moraes (Itamaraty), Omar Fontana (Transbrasil), Paulo Villares (Villares), Norberto Odebrecht (Grupo Odebrecht) e dezenas de outros empreendedores que fizeram história em vida, literalmente. A partir dessa experiência inovadora a Faculdade de Economia e Administração (FEA-USP) criou a disciplina ‘História de Negócios Brasileiros’. Em sua tese, o presidente da Aberje destacou cases que considerou significativos, por indicadores de uma simbiose entre historia empresarial, relações públicas e comunicação organizacional: ‘Memória dos Trabalhadores da Petrobras’, ‘Vale Memória’, ‘BNDES das Pessoas’, ‘Centro de Memória Bunge’, ‘Pfizer, Nossa História, Nosso Orgulho’, ‘Memória Empresarial da Belgo-Mineira’,

52 Negócios da Comunicação

‘CBMM (Cia. Brasileira de Mineração e Metalurgia) – História das Profissões em Extinção’, ‘Centro de Documentação Whirlpool’, ‘Núcleo de Cultura Odebrecht’, ‘Centro de Documentação Corn Products’, ‘Grupo Pão de Açúcar – Espaço Memoria’, e ‘Espaço Votorantim’. No entanto, menos de 1% dos trabalhos acadêmicos no campo da comunicação tem como objeto a relação entre memória organizacional e comunicação organizacional, conforme concluiu a prof. Lúcia Santa Cruz, da ESPM-Rio. Ela pesquisou 7,7 mil teses, dissertações, artigos e trabalhos, tendo identificado 71 produções voltadas para esse teor. Confirmou, assim, que Paulo Nassar é autor da única tese de pós-graduação já oferecida à academia. Voltando às origens: é da década de 1970 o primeiro trabalho conhecido. ‘Conde Matarazzo – o Empresário e a Empresa’, do sociólogo José de Souza Martins, que mantém coluna no Estadão, foi publicado em 1976. Um ano depois, a professora Maria Bárbara Levy publicou estudo sobre a evolução da Bolsa de Valores do Rio. Esses dados foram apurados pelas historiadoras Beth Totini e Élida Gagete, que localizam na década de 1920, nos Estados Unidos, a origem do conceito de “memória empresarial”. No período, foi criada a Business Historical Society; em 1927, a Universidade Harvard instituiu a disciplina ‘História Empresarial’, que faria o levantamento empreendido por Cleber Aquino, meio século mais tarde. E, em 1934, na Inglaterra, foi criado o ‘Business Archives Council’.


RICARDO BRASIL/DIVULGAÇÃO

SOLAR/DIVULGAÇÃO

Carolina Kuk, do Solar: gerar valor para a sociedade toda

uma comunicação muito mais horizontal, mais plural, e assim o controle por parte da empresa é muito menor. Então, projetos reconhecem que o trabalhador não é apenas mero executor de tarefas, pois teve participação vital para o crescimento da empresa. Nesse sentido, o empoderamento do empregado, com voz e testemunho, enriqueceu a construção da memória organizacional.”

NESTLÉ/DIVULGAÇÃO

Museu da Pessoa, através da narração de suas histórias pessoais. É valorizar a trajetória individual, que pode estar relacionado à trajetória da própria organização.” A maioria das empresas, em todo caso, opta pela saída tradicional, óbvia, de celebrar efeméride com um livro ou um espaço de reconstrução histórica. Mas crescem as iniciativas que buscam trazer novas vozes ao registro. “Hoje, temos

Lúcia Santa Cruz, da ESPM: valorização dos santuários de memória

Surgiu daí uma analogia com os relógios de Salvador Dali, como explica a especialista: “A memória acaba sendo mais persistente que a história, corresponde àquilo que vivemos e lembramos. Quando você traz um sentimento sobre algo que viveu, aquilo se torna mais vivo do que algo que foi um fato histórico cru e simples. Nesse sentido, a persistência da memória em Dali está explícita, ao mostrar a ideia do tempo, da busca do ser humano de correr atrás do tempo – ou mesmo parar o tempo – a noção de viver no presente, mas esse tempo escorre e só se pode recuperar pela memória. Em outras palavra, não se vive novamente, a não ser pela memória, pois a memória é algo que só acontece no presente.” Oswaldo Pepe, diretor da ArtPresse, investiu no tema (www.memoriadasempresas.com.br) e edita uma newsletter quinzenal. Atuando em parcerias, enxerga valor na memória pelas mudanças de interlocução social: “Quebrou-se o monopólio do broadcast, ou seja, quem tinha os meios de comunicação, falava, o mundo ouvia. Hoje, na era da interconectividade, em que um fala para todos, todos falam para todos.

‘Centro de Memória Nestlé’: experiência única de marca que vem formando gerações de brasileiros

Negócios da Comunicação 53


Começou a se valorizar o conteúdo de valor, e não há conteúdo mais legítimo que a história da empresa. Mas não é só editar livro, montar um museu particular, que são iniciativas fechadas. A memória é conteúdo importante para a comunicação, daí o conceito ‘memória viva, memória ativa’. Ela serve a todas as áreas da empresa.” Atende ao RH, segundo Pepe, por fornecer o DNA completo da marca, suas origens, história, personagens e fatos. O Juridico se serve em embates sobre episódios passados, que estando devidamente registrados, servirão como subsídios. “A comunicação deve se basear, cada vez mais, em conteúdo verdadeiro”, explica o empresário, “tanto que se tornou uma palavra de ordem, publicitária e não-publicitária, o chamado story-telling, ou seja, contar histórias. E que melhor história senão a própria história para valorizar a marca?” Há mais de trinta anos nessa especialidade, Solange Peirão, diretora da Solar Pesquisas de História, organizou o ‘Centro de

ARTPRESSE/DIVULGAÇÃO

documentação

Andrea Kubitscheck Lopes e Oswaldo Pepe, gestores do Memória das Empresas, da ArtPresse

Memória Nestlé’, uma referência na área. “Nos últimos dez anos, as empresas estão se preocupando com o tal do valor intangível, valor compartilhado”, relata Solange. É dentro dessa cadeia de valores, que

FONTES DE ACERVO Em função do objetivo do Centro de Documentação e Memória muitos materiais poderão ser coletados e classificados Acervo

Conteúdo

1. Audiovisual/Videoteca

Fitas (áudio ou vídeo) referentes à área de atuação da empresa

2. Bibliográfico

Publicações diversas relacionadas às linhas de acervo definidas

3. Cultura Material

Objetos e documentos significativos da trajetória da empresa (troféus, equipamentos, mobiliário, certificados etc)

4. Museológico

Objetos e documentos de caráter único e inovador (o primeiro computador, o primeiro cartão magnético etc)

5. Fotográfico

Iconografia de origem interna ou externa em diferentes suportes (papel, eletrônico, filme)

6. Referência

Acervos documentais como referência informativa relacionada às linhas de acervo. Pode abranger monitoramento da concorrência

7. Textual Permanente

Documentação de aspectos significativos do empreendimento, da criação à atualidade, não se limitando a documentos. Podem ser: projetos viabilizados ou não; relatórios técnicos; campanhas promocionais; clippings; jornais internos, correspondência da diretoria; projetos de relações institucionais; planos estratégicos etc

8. Coleções

De origens diversas, documentos que atestam aspectos relacionados às linhas temáticas principais. Exemplos: documentação da trajetória pessoal e/ou política dos fundadores, dirigentes e outras personalidades

9. Banco de Depoimentos

Registros gravados com entrevistas de pessoas ligadas à história da empresa, que, conduzidas segundo métodos da história oral, formam complemento importante da pesquisa histórica, preenchendo lacunas informativas e evidenciando elementos intangíveis da evolução da cultura organizacional Fonte: Élida Gagete e Beth Totini

54 Negócios da Comunicação

vai do produtor ao consumidor, passando por todos os elos, mostra como a empresa está preocupada com toda a cadeia. E quando se guarda a documentação que atende a todos os sujeitos do processo, é bacana mostrar, no caso da Nestlé, como ela vem agindo, há muito mais tempo aliás do que o período em que isso passou a ser feito de forma deliberada. Desde os anos 1950, até hoje, funciona um curso, que se realiza todos os anos (trata-se do ‘Curso Nestlé de Atualização em Pediatria’, voltado para médicos). Existe uma assistência sistemática ao produtor de leite (é a ‘Assistência Nestlé aos Produtores de Leite’). Uma diretora da Nestlé disse: sim, estamos na frente do resto porque, se as empresas começam a fazer o resgate da memória, nós vamos mostrar que fazemos isso há mais de sessenta anos, essa é a diferença.” Por sinal, a Nestlé firmou com a Solar Pesquisas de História um acordo intitulado ‘Criação de Valor Compartilhado’ – ou Creating Shared Value, em inglês. Carolina Kuk, também do Solar, explica: “A premissa é que, para o sucesso dos negócios a longo prazo, tão importante quanto gerar valor para os acionistas é gerar valor para a sociedade. Os princípios de compartilhamento estão presentes na marca, símbolo da infância de muitas gerações de milhões de brasileiros



RMT/DIVULGAÇÃO

pingue-pongue pingue-pongue

CAIO TURQUETO

1

Qual a importância, a influência e a penetração da Rede Matogrossense em dois estados de grande extensão territorial e vocação agropecuária? Mais do que tudo, fizemos maciços investimentos nestes últimos anos para levar cobertura de qualidade a todos os locais destes dois estados. Cada um tem características próprias, sendo cobertos com sinal HD, em um projeto arrojado para atender o Switch’Off do analógico e mais, para que possamos cada vez mais integrar esta vasta área de cobertura com suas realidades regionais, trazendo informação, entretenimento e cultura regional e econômica desta região. Este é nosso compromisso e nossa vocação!

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De que forma e através de que janelas – além do jornalismo, que tem espaços para as praças na grade da Globo – as TVs Morena e Centro-Oeste abrem espaço para produções locais? Temos duas UM’s (unidades móveis) completas, com subida de satélite autônomas preparadas para integrar a cobertura com matérias de origem local para nosso jornalismo. Temos promovido os campeonatos estaduais de futebol há quatro anos, futsal há 25 anos e atletismo, com destaque para a “Corrida de Reis”, evento criado pela Rede Matogrossense há 25 anos e que consta do calendário nacional de atletismo. Criamos dois programas “É bem Mato Grosso” e “ Meu Mato Grosso do Sul”, que promovem a arte, música e culturas regionais. Agregamos a revista

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Negócios da Comunicação

VP da Rede Matogrossense de Televisão semanal “Variedades” nos dois estados para divulgação de fatos, personalidades e eventos locais. Além de vasta grade jornalística que se inicia às 6h da manhã e acompanha a grade nacional com seus telejornais locais.

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Faça uma avaliação do mercado publicitário regional. Que tipo de anunciante local investe na veiculação de comerciais, ou patrocínio de programas? O mercado de anunciantes no Centro-Oeste tem características próprias? Quais seriam? E qual a sua tendência: crescimento, estabilidade, expectativa? O mercado publicitário do Centro Oeste, mais especificamente Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, acompanhou a evolução dos grandes mercados nacionais. Apesar de sua densidade populacional menor, suas demandas se equivalem e se distribuem nas grades de forma homogênea. Características regionais influenciam em parte deste mercado onde a expressão do agronegócio é marcante e tem suas características próprias. Levemos em conta que o consumidor daqui tem a mesma característica de demanda dos grandes centros, o que mantém um equilíbrio nesta proporcionalidade.

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Informa o site que a Rede Matogrossense tem estúdio com infraestrutura técnica e operacional para transmissões de Brasília. O estúdio serve para apresentação de

programas específicos, que interessem ao Centro-Oeste? Este serviço é de cobertura jornalística das bancadas e fatos que dizem respeito à nossa região.

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Considerando a importância do Pantanal para o ecossistema ambiental, a Rede Matogrossense está alinhada a algum tipo de iniciativa de preservação do santuário? Temos diversas promoções e eventos que visam despertar e manter o espírito ambiental e preservacionista destas áreas. Promovemos em nossos telejornais e breaks comerciais, pílulas estimulantes desta questão, além de gerarmos matérias para os telejornais de Rede Globo buscando mostrar e atrair visitantes, bem como dar um equilíbrio econômico que justifique uma atividade de eco turismo.

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A Rede Matogrossense tem aspirações de crescimento no âmbito por exemplo do Jornalismo da Rede Globo? Considera satisfatória a presença de seus repórteres em jornais de rede, como o JN ou o Hoje? Estamos muito alinhados com o Jornalismo da Rede Globo, vestimos o mesmo espírito de comportamento e compromisso com o regional, bem como suas intersecções com os demais universos Quer sejam nacionais ou internacionais, na proposta de levar os fatos e a cultura de nosso país para muito além de nossas fronteiras geográficas .


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Country Manager da AT Internet no Brasil

Como um anunciante poderá monitorar e medir o impacto de seu anúncio, usando a tecnologia da AT Internet? Através de uma simples integração das tags de analytics da AT Internet e seu parceiro de monitoramento de TV, TVDATA, a tecnologia é capaz de marcar, com informações de canal, horário e tipo de comercial, todas as visitas que chegam ao site ou aplicativo, segundos após a exibição de cada comercial. Dessa forma, o anunciante consegue identificar as combinações dessas variáveis que geram os melhores resultados, ou cruzar dados sociodemográficos para descobrir se o público impactado corresponde ao target previsto no plano de mídia. É simples de ser implementado e um projeto leva, em média, duas semanas para iniciar o monitoramento.

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Como ficam 1. acompanhamento em tempo real; 2. otimização e 3. retorno? Como os dados da AT Internet e da TVDATA são em tempo real, os anunciantes têm a precisão do momento exato de exibição de cada comercial, e podem analisar o impacto destes comerciais em volume de visitas, nível de engajamento, número de compras, tíquete médio por categoria, etc. Com o poder de segmentação ilimitada da solução de Digital Analytics, nossos clientes identificam, por exemplo, que tal anúncio em determinado canal durante o horário nobre traz resultados muito mais efetivos. Na Europa, temos diversos cases de anunciantes otimi-

zando suas campanhas com o apoio dessas informações. Além desse acompanhamento, isso permite a criação de campanhas sincronizadas on/offline. Com a crescente automação dos processos de compra de mídia na Internet, é possível iniciar uma campanha de links patrocinados ou Facebook Ads justo no momento em que um comercial é exibido, criando um fluxo transparente para o consumidor em sua jornada de compra. Fornecer otimização e retorno são focos principais da AT Internet. Para isso, nós providenciamos os números para que o anunciante tenha métricas palpáveis no momento de decidir em qual canal investir, em quais períodos do dia, ou que comercial veicular, tudo com o objetivo de otimizar o retorno sobre investimento.

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Explique a Técnica de Reconhecimento Automático de Conteúdo. A tecnologia é algo bem similar àquele conhecido aplicativo “Shazam”, que identifica a música que está tocando na rádio. O anunciante envia o áudio dos comerciais ao nosso parceiro, TVDATA, que captura essas informações e fica “escutando” os canais de televisão. Quando o sistema detecta uma correspondência entre o áudio da TV com os comerciais gravados, ele notifica os parceiros integrados, que pode ser uma plataforma de compra de mídia (para realizar campanhas integradas e multicanal), ou nossa solução de analytics para mensurar o impacto em tempo real.

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pingue-pongue pingue-pongue

AT INTERNET/DIVULGAÇÃO

EDOUARD HIEAUX Qual a importância estratégica dessa tecnologia para o mercado anunciante? Cada vez mais se fala sobre transmídia, métricas e experiência do consumidor. Hoje já não se pode mais abordar cada canal de mídia com uma estratégia isolada, desconexa, nem mesmo separar online do offline. Está tudo convergindo para uma coisa só. Uma série de informações transmitidas no momento certo, em diferentes canais, que levarão, de uma forma transparente, o seu consumidor do primeiro contato à conversão. Este tipo de tecnologia não só permite colher dados mais apurados de comerciais de TV para melhorar estratégias de plano de mídia, como também está gerando novos modelos de negócio. A FranceTV Publicité oferece essa tecnologia como um diferencial competitivo aos seus anunciantes, transmitindo uma sensação transparência, e agregando valor e confiança. Nielsen e IBOPE já fizeram parceria com o Twitter para medir engajamento nos programas por essa rede social e fornecer métricas ao mercado. A nossa visão é que, da mesma forma que hoje é indispensável ao anunciante online mensurar o retorno de suas campanhas (mesmo que seja no “last-click”), em breve, e com base em uma pequena transformação cultural, isso será indispensável aos anunciantes de TV. Está alinhado na forma como enxergamos a mídia de TV para o futuro: comerciais com o objetivo de trazer tráfego para a web em segunda tela, onde se irá iniciar e manter o relacionamento mais próximo com os clientes.

Negócios da Comunicação 57


E.Life/Divulgação

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Ou quem come chocolate está sempre de dieta

Alessandro Barbosa Lima, CEO da E.Life

Monitoramos cerca de cinco mil páginas de marcas no Facebook Brasil. Escolhemos 60 das mais comentadas e/ou mais curtidas de várias categorias

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Amazonifique sua comunicação

Negócios da Comunicação

Nos anos 80 alguns poucos engenheiros iniciaram a pesquisa na área de mineração de dados (data mining) que trinta anos mais tarde revolucionaria nosso jeito de se comunicar e fazer negócios. Hoje é comum recebermos informações geradas por sistemas de inteligência artificial. O Facebook e o LinkedIn recomendam pessoas que você pode conhecer. O Twitter descobre notícias relevantes de acordo com quem você segue. O Google armazena cada um dos seus cliques para apresentar publicidade de acordo com seu perfil. Finalmente a onipresente Amazon guarda bilhões de transações de milhões de consumidores ao redor do mundo e usa estes dados em seu poderoso sistema de recomendações. Na E.Life, nosso time de data mining trabalha há dez anos com dados de Social Media. Sempre estamos nos perguntando o que mais podemos descobrir neste universo que melhor oriente a tomada de decisão dos nossos clientes. A cada ano, os dados são melhores e em maior quantidade. A consolidação do Facebook e do Twitter no Brasil também ajuda: são plataformas que entregam informações bem estruturadas, prontas para serem processadas por métodos de data mining. Mas como trazer o poder da Amazon e das demais plataformas para o mundo da comunicação? Para responder a esta questão, fizemos um levantamento dos algoritmos utilizados por essas plataformas. Estes algoritmos são o cerne de qualquer sistema inteligente. Em seguida começamos a testar

ideias aplicando tais métodos, e uma delas compartilhamos neste artigo. Atualmente monitoramos cerca de cinco mil páginas de marcas no Facebook Brasil. Escolhemos 60 das páginas mais comentadas e/ou mais curtidas de marcas em várias categorias: bancos, chocolate, programas de TV, páginas humorísticas do Facebook, páginas da Imprensa entre outras. Em seguida extraímos uma amostra aleatória de mil pessoas que comentaram nestas páginas nos últimos 30 dias. Geramos uma tabela com a lista de marcas que cada pessoa comentou. Maria, por exemplo, comentou nas páginas da Skol, Multishow, do Itaú e Bis. João comentou nas páginas do Telecine, Estadão e Halls, e assim por diante para todas as mil pessoas dentro do universo de 60 marcas. Uma vez gerada esta tabela, estávamos prontos para deixar a mágica acontecer. Escolhemos uma técnica consagrada de data mining para processar os dados, chamada regras de associação. Não teríamos espaço aqui para detalhar este método, mas é suficiente dizer que, em nosso caso, estas regras permitem inferir que uma pessoa que comenta em determinadas marcas também pode comentar em outra. Assim, descobrimos por exemplo, que quem comenta na página do chocolate Bis e do programa Bem Estar também comenta na página da Nutella. Ou em outras palavras: quem come chocolate está sempre preocupado com dieta, não por acaso o sub-título deste artigo. O futuro da publicidade será inteligente e otimizado a partir da mineração de dados.




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