Economia & Mercado 143

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AGOSTO 2016 ANO 19 Nº 143 PREÇO 800Kz n

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INDÚSTRIA DE BEBIDAS

UM NEGÓCIO PELA METADE

INSUMOS AGRÍCOLAS Falta de divisas entala “Made in Angola”

POLÍTICA CAMBIAL

As perspectivas de internacionalização do Kwanza

KWANZA SUL

ENTREVISTA

OPINIÃO

À espera de mais incentivos

Manuel Victoriano Sumbula, Presidente da AIBA

Justino Pinto de Andrade J.G. Matos


FLEXIBILIDADE PARA O SEU NEGÓCIO

Empresarial

Escolha o pacote adequado à sua empresa Combine a flexibilidade com o melhor preço

PACOTES DISPONÍVEIS

VOZS

MS

NET

PREÇO (UTT)

PREÇO (Kz)

EMPRESA BASE

95

95

100 MB

428

3.081,60

EMPRESA STANDARD

125

125

500 MB

668

4.809,60

EMPRESA OURO

175

175

1 GB

1.008

7.258

EMPRESA PLATINA

300

300

2 GB

1.725

12.420


AGOSTO 2016 WWW.ECONOMIAEMERCADO.SAPO.AO

RADAR

18 DEPENDENTE DA IMPORTAÇÃO DE MATÉRIAS-PRIMAS O sector industrial têxtil foi relançado em Julho último. São, no total, três unidades fabris que começaram a vender para o mercado, nomeadamente a Nova Textang II, em Luanda, a SATEC, no Kwanza Norte, e a Alassola, em Benguela. O relançamento destas empresas resultou, significativamente, de uma linha de financiamento japonês por via do seu Banco de Cooperação Internacional (JBIC), avaliada em cerca de mil milhões de dólares. Espera-se, no entanto, que estes projectos venham a impulsionar a indústria da moda, que emprega centenas de pessoas, que há anos clama por um sector têxtil forte. Mas ainda existe o crónico problema da matéria-prima, que é 100% importada e que se agudiza com a actual escassez de divisas, e das promessas que se adiam no que toca à produção local de algodão em larga escala.

7 CÂMARA LIVRE 10 CONTRAPONTO

OPINIÃO 12 JUSTINO PINTO DE ANDRADE 13 IPSIS VERBIS

MACRO 14 GESTÃO DE ÁGUA 18 INDÚSTRIA TÊXTIL 22 INSUMOS AGRÍCOLAS

OPINIÃO 26 J. G. MATOS

22 FALTA DE DIVISAS ENTALA “MADE IN ANGOLA” As empresas e particulares ligados ao ramo agrícola, pecuário e pesqueiro, actividades cruciais para a diversificação da economia, enfrentam muitas dificuldades para conseguir no mercado interno as quantidades necessárias de matéria-prima para manter a produção. Sementes, fertilizantes, ração animal e vacinas são alguns dos inputs que se tornaram raros no mercado nacional, face à dificuldade de importação. Em conferência de imprensa realizada na sede do Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), o ministro da Agricultura, Afonso Pedro Canga, prometeu que a ruptura de stock dos produtos tem os dias contados.

27 NÚMEROS EM CONTA

CAPA 28 INDÚSTRIA DE BEBIDAS 42 ENTREVISTA

PAÍS 48 KWANZA SUL

EMPRESAS

60 AS PERSPECTIVAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO KWANZA Há cerca de um ano, entrou em vigor um acordo de conversão monetária assinado, em Setembro de 2014, entre as autoridades monetárias e cambiais angolanas e namibianas. Tratou-se de um acordo de âmbito restrito, resumindo-se à livre conversão do kwanza e do dólar namibiano, apenas na região fronteiriça de Santa Clara (no lado angolano) e Oshikango (no lado namibiano), região de um comércio intenso, sobretudo, de bens industriais, amplamente vantajoso para o lado da Namíbia, de onde saem a maioria dos bens transacionados. O acordo de livre conversão estabeleceu também limites máximos para os valores a cambiar: até 500 mil kwanzas, para os cidadãos maiores de 18 anos, e até 150 mil kwanzas para os cidadãos de menor idade.

52 GRUPO TRIRUMO

LÁ FORA 56 REINO UNIDO

MERCADO E FINANÇAS 60 POLÍTICA CAMBIAL

SOCIEDADE 64 FUGA À PATERNIDADE 68 FIGURA DO MÊS

LAZER

28 SUSTENTABILIDADE SÓ COM MATÉRIAS-PRIMAS LOCAIS A indústria nacional de bebidas tem condições para tornar-se no segundo motor da economia angolana, logo a seguir ao sector petrolífero, defendem fontes contactadas pela Economia & Mercado, que reconhecem, entretanto, que o seu desenvolvimento passa, entre outras medidas, pela produção local de matérias-primas, que ainda são importadas em quantidades exorbitantes. Esta situação, com a actual crise cambial, tem provocado uma quebra na produção em cerca de 40%, pelo que as fábricas foram obrigadas a parar linhas de produção e, consequentemente, a despedir trabalhadores.

71 VINHOS 72 LAZER NOTÍCIAS 73 AO VOLANTE

REMATE 74 NUNO FERNANDES



EDITORIAL | 5

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QUO VADIS “MADE IN ANGOLA”? Quingila Hebo

“Made in Angola” está literalmente de rastos, com os níveis de produção a registarem uma baixa em torno dos 50% por falta de matéria-prima, em consequência das limitações na obtenção de divisas, e os despedimentos a caminhar para os milhares. Assim como demos conta na edição passada, infelizmente, a generalidade dos sectores produtivos sofre do “síndrome da importação”. Os especialistas consultados nesta edição alertam que há uma situação extremamente preocupante que enferma quase todo o sector da indústria transformadora nacional, especificamente o subsector de bebidas que, das matérias-primas nacionais, usa apenas a água. “Será que isso se pode chamar de produção nacional? A situação vai até ao absurdo, ao ponto de até as películas ou etiquetas serem importadas. Como se pode constatar, estamos perante uma situação quase insustentável”, adverte um dos analistas. Do levantamento que fizemos sobre a indústria de bebidas, especialmente, o que mais preocupa é o facto de o país não ter divisas suficientes para assegurar a importação de matéria-prima nem reunir as condições mínimas para que os fornecedores de inputs de produção possam instalar-se no país para ajudarem a alavancar o nosso tecido industrial. Os grandes grupos industriais queixam-se principalmente do fraco abastecimento de água e de energia, problemas reais que, de facto, os angolanos enfrentam dia após dia.

A consequência maior da falta de matéria-prima, que exige medidas urgentes, que também estão espelhadas nesta edição, é que a indústria de bebidas, em particular, pode reduzir ainda mais o seu contributo ao crescimento do Produto Interno Bruto e às receitas do Estado, o que, de acordo com os nossos analistas, significa dar vários passos atrás no desenvolvimento económico que o país tanto almeja, além de colocar em risco os avultados investimentos públicos e privados efectuados neste subsector da indústria transformadora. Ainda sobre o sector industrial, e mais um caso para lamentar, o sector têxtil no país mereceu avultados investimentos públicos e privados mas também está a ser implementado tendo como base a importação de matérias-primas. O sector agrícola, conforme se lê na página 22, que deveria alimentar a indústria têxtil, queixa-se, também, da falta de insumos de produção. Para a saída de tudo isto, até porque nenhum país se desenvolve sem um sector industrial forte, na página 60 trouxemos à reflexão a política cambial e a necessidade de encontrarmos soluções ao nível regional. Na parte final desta edição, poderá ler também uma excelente reportagem sobre a fuga à paternidade, uma situação que, cada vez mais, tem contribuído significativamente para a desagregação das famílias. &

Propriedade Edicenter Publicações, Lda Directora Editorial Ana Filipa Amaro Director Sebastião Vemba - sebastiao.vemba@economiaemercado.com Sub-Editor Quingila Hebo - quingila.hebo@economiaemercado.com Copy Desk Octaviano Correia Conselho Editorial Laurinda Hoygaard; Justino Pinto de Andrade; José Matos; Fernando Pacheco; José Severino Redacção António Piçarra - antonio.picarra@edicenter-angola.com; Edjaíl dos Santos - edjail. santos@economiaemercado.com;

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| RADAR

“DIÁLOGOS EM FAMÍLIA” ANALISAM DESENVOLVIMENTO DA AGRO-INDÚSTRIA

A Fundação António Agostinho Neto (FAAN) realizou a sétima edição dos “Diálogos em Família”, que teve lugar no auditório da AAA, sob o lema “A agricultura é a Base e a Indústria o Factor Decisivo”, inspirado num dos discursos do patrono da organização, o primeiro presidente de Angola, António Agostinho Neto. O engenheiro agrónomo Fernando Pacheco, um dos intervenientes, avança que Angola produzia matérias-primas para a indústria, porém, para fechar o ciclo, era necessário que desenvolvesse uma indústria de equipamentos. Para o especialista, a visão de Agostinho Neto era “extremamente correcta”, porém, ressalvou, a dúvida que se tinha era se o país reunia condições para pôr esta ideia em prática. “Por razões diversas, nós adoptámos um modelo de desenvolvimento inspirado no soviético, que era desadequado às condições africanas. Uma das grandes linhas deste modelo é a ideia dos grandes projectos. Em África, pensa-se muito que o grande projecto resolve o problema, mas esta é uma ideia errada”, defendeu. Fernando Pacheco, entende ainda que com a aposta nos

grandes projectos, os pequenos camponeses, que nos anos 70 já eram responsáveis por mais de 80% da produção agrícola nacional, sentiram-se abandonados. “Por essa razão, eu não digo que a causa da falta de desenvolvimento em Angola tenha sido apenas a guerra. Pelo contrário, para mim, a falta de atenção à agricultura familiar também criou condições para a guerra”, disse, explicando que, por terem abandonado as terras, os camponeses ocuparam-se em acções de guerrilha. Em conclusão da sua apresentação, o orador defendeu que é preciso criar-se condições de negócio no sector agro-pecuário e florestal para que o mesmo seja “mais justo, mais racional e mais atractivo e amigo do ambiente e para que sirva os interesses do país”. Entretanto, ao debate seguiram-se vários outros participantes, nomeadamente a Directora do Instituto de Investigação Veterinário de Angola, Cleonice Costa, que falou sobre a “Produção Pecuária: potencialidade e desafios”. Subiram também ao palco o engenheiro agrónomo Carlos Figueiredo, que falou sobre a “Preparação de Quadros para a Agricultura”, e Paulo Filipe, que analisou a situação das terras em Angola. &


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Cร MARA LIVRE CARLOS AGUIAR

Envie as suas fotos para o seguinte endereรงo: edicenterlda@gmail.com

RADAR | 7


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PREÇOS NA CAPITAL DISPARARAM 31,8% O relatório de Julho do Instituto Nacional de Estatística (INE), sobre o comportamento da inflação, apresenta uma subida dos preços em 31,8% nos últimos 12 meses até Junho, muito acima dos 11% previstos pelo Executivo no OGE 2016. De acordo com o documento que analisa o Índice de Preços do Consumidor (IPC), os sectores dos serviços, saúde e vestuário lideram a lista. Para a classe dos bens e serviços diversos, o aumento foi de 5,95%, na saúde registou-se uma subida de 4,56%, seguido pelos vestuário e calçado com 3,95% e nos transportes a subida foi na ordem dos 3,48%. &

PRODUÇÃO DE OVOS PERTO DA AUTO-SUFICIÊNCIA O Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Afonso Pedro Canga, prometeu auto-suficiência na produção de ovos em 2017. Falando à imprensa no Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional

e Marketing da Administração (GRECIMA), Afonso Pedro Canga revelou que durante o ano passado o país produziu 450 milhões de ovos e estima produzir para este ano cerca de 850 milhões.

Segundo o responsável, a produção nacional suporta 41% da demanda por ovos e a outra parte é coberta pela importação. Cenário que se promete mudar em 2017, quando o país atingir a produção anual de um milhão de ovos. &

BANCO MUNDIAL EMPRESTA 70 MILHÕES DE DÓLARES A ANGOLA Serão beneficiários deste crédito cerca de 150 mil agricultores das províncias do Bié, Huambo e de Malanje. O empréstimo, refere o comunicado do Banco Mundial, permitirá melhorar a capacidade dos especialistas agrícolas do Governo, bem como de instituições de investigação agronómica, prestadores de serviços agrícolas privados e organizações não-governamentais, apoiando a criação de cadeias de valor. &

COMPRA DE BILHETES DA TAAG A PARTIR DE FORA DEIXOU DE SER EM KWANZAS Já não é possível comprar viagens aéreas em kwanzas para quem está lá fora e quer viajar para Luanda. A nova medida foi confirmada pela TAAG, em comunicado, justificando as despesas operacionais que a companhia de bandeira angolana tem de pagar em moeda estrangeira como razão principal. A TAAG junta-se, assim, a todas as operadoras internacionais que voam para Luanda e já não aceitam a moeda nacional na compra de viagens com partida no estrangeiro A TAP – Air Portugal aplicou a mesma medida em Janeiro de 2015, alegando a crise no acesso a divisas que já se fazia sentir. A espanhola Ibéria deixou de voar para Luanda no final de Maio e a moçambicana LAM desde o início de Julho. Angola é o quinto país do mundo em que as companhias aéreas enfrentam mais dificuldades na repatriação de receitas, que a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) afirma ascenderem a 237 milhões de dólares, que estão retidos há sete meses por indisponibilidade de divisas. &


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CARTOON SÉRGIO PIÇARRA

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| CONTRAPONTO

ENTRE A ESPADA E A PAREDE Há três anos, as autoridades do sector financeiro angolano afirmavam que o país vinha-se empenhando para acompanhar o desenvolvimento de medidas e políticas que visam adequar algumas práticas da banca, em particular, e do sector financeiro, em geral, aos padrões internacionais, visando fundamentalmente combater males como o branqueamento de capitais e o financiamento ao terrorismo.

MAS JÁ NÃO HÁ VOLTAS A DAR EM RELAÇÃO A ESTE ASSUNTO – POR OUTRAS PALAVRAS, ESTAMOS ENTRE A ESPADA E A PAREDE – POIS O CUMPRIMENTO DO COMPLIANCE É HOJE MAIS UMA QUESTÃO DE SOBREVIVÊNCIA PARA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, ATENDENDO A QUE O MESMO SE RELACIONA COM O RESTO DO MUNDO.

Sebastião Vemba

Ao longo deste período, vários ganhos foram alcançados, sendo o de maior realce a retirada do Banco Nacional de Angola da lista das instituições bancárias centrais que estão sujeitas ao processo de monitoramento contra o branqueamento de capitais e o financiamento ao terrorismo a nível global, de acordo com um relatório recente do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI), que sublinha, atente-se, que tal feito foi possível em consequência do cumprimento escrupuloso das regras de Compliance que dizem respeito à observância das normas de transferência pelas instituições financeiras nacionais, bem como ao reforço da supervisão no sector. Entretanto, se antes o cumprimento destas regras, que sempre foram obrigatórias, era encarado de forma facultativa, hoje não restam dúvidas de que o seu incumprimento implica duras sanções para quem as infringe, como ficou claro na última conferência realizada pelo jornal Expansão, em que quadros séniores do sector financeiro debateram de forma aberta e frontal o assunto, ao ponto de voltar a levantar-se uma questão que ainda é muitas vezes remetida para segundo plano, nomeadamente a problemática das PPE (Pessoas Políticamente Expostas), que são os agentes públicos que desempenham ou tenham desempenhado, em determinado período de tempo, em Angola

ou representações diplomáticas no exterior, cargos públicos relevantes. Estes, por força desta condição, estão sujeitos à rotina de monitoramento dos seus movimentos financeiros, o que contribui, entre vários aspectos, para se evitar actos de corrupção. Mas este passo, infelizmente, ainda não foi dado em Angola, sendo que as PPE aqui ainda não são PPE, porque não são obrigados a submeter-se a um escrutínio financeiro que, não tenhamos dúvidas, ao ser realizado, confirmaria algumas das nossas suspeitas sobre as denúncias de possíveis desvios de erário público. Mas já não há voltas a dar em relação a este assunto – por outras palavras, estamos entre a espada e a parede – pois o cumprimento do Compliance é hoje mais uma questão de sobrevivência para o sistema financeiro nacional, atendendo a que o mesmo se relaciona com o resto do mundo, e as sanções de instituições financeiras como a Reserva Federal norteamericana são demasiado pesadas para uma economia como a nossa que já padece de várias enfermidades. Parafraseando Amílcar Silva, presidente da Associação Angolana de Bancos (ABANC), as instituições bancárias nacionais devem estar actualizadas e, para tal, é indispensável que estejam em organismos internacionais que têm controlo e vigilância das actividades do sector. &


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EXECUTIVO REALIZA REUNIÕES LÁ FORA PARA LIMPAR IMAGEM O Executivo angolano realizou, em Julho último, um non deal roadshow nas principais praças financeiras do mundo. O objectivo destas reuniões e conferências foi, segundo diz o comunicado do Ministério das Finanças, “apresentar aos investidores internacionais informação actualizada sobre os desenvolvimentos recentes da economia angolana” e, continua a mesma fonte, “dissipar informações ruidosas

EXECUÇÃO ORÇAMENTAL COM DÉFICE DE 397 MILHÕES DE DÓLARES As despesas inscritas no Orçamento Geral do Estado(OGE) realizadas no primeiro trimestre de 2016 excederam em 66 202 milhões de kwanzas (397 milhões de dólares) as receitas arrecadadas no mesmo período, informou o secretário de Estado do Orçamento, Alcides Safeca. Alcides Safeca, ao apresentar aos deputados o relatório sobre a execução do OGE no primeiro trimestre de 2016, salientou que as receitas arrecadadas entre Janeiro e Março – 674 858 milhões de kwanzas – corresponderam a apenas 10% do montante previsto para todo o ano. O OGE para 2016, na sua versão revista, assentava no barril de petróleo exportado a um pereço médio de 45 dólares, mas no primeiro trimestre as vendas foram efectuadas a 30 dólares, afectando negativamente a arrecadação de receitas fiscais. &

difundidas no mercado internacional, desalinhadas com a realidade e com os últimos esforços e desenvolvimentos do Executivo”. O non deal roadshow, o primeiro do Governo angolano, passou por Londres, Boston e Nova Iorque, tendo sido realizados 13 encontros, com 53 representantes de instituições financeiras, fundos de investimento e agências de crédito. &

CEIC PREVÊ DIFICULDADES ECONÓMICAS EM ANGOLA ATÉ 2020 As projecções para 2020 inseridas no Relatório Económico de Angola referente ao ano de 2015, publicado pelo Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC), da Universidade Católica de Angola (UCAN), não apontam para a melhoria das condições de vida tão rápido. O coordenador do CEIC, Alves da Rocha, afirma, no seu cenário de médio prazo, que as "as incertezas que pairam sobre a economia angolana são várias e algumas transformar-se-ão em riscos e incertezas". A sustentar esta antevisão do que vai ser o cenário económico em Angola nos próximos quatro anos, o texto da autoria do CEIC adverte, no entanto, que "compete à política económica encontrar medidas e processos de transformação que reduzam as incertezas e mitiguem os riscos". Distribuindo a sua visão para 2020 por dois cenários, o CEIC aponta, no cenário A, que a manutenção da quantidade de petróleo produzida "conduz a uma taxa de variação anual de 0%", e, consequentemente, uma redução da participação da economia petrolífera no Produto Interno Bruto (PIB). Este cenário sustenta que o esforço realizado vai recair sobre a economia não

petrolífera, apesar do seu "desempenho muito irregular", tendo registado uma cifra de apenas 1,3% em 2015, consolidando a ideia de que caberá à agricultura e à indústria "o maior esforço para se obter, em 2020, um ritmo de variação de 7,7%". No cenário B, aponta o texto do CEIC publicado no semanário Expansão, alteram-se as quantidades de petróleo produzido, criando mais espaço para "a afirmação da economia não petrolífera". O texto observa a particularidade de a variação do PIB por habitante: "Em 2015 ocorreu uma diminuição do PIB em dólares corrente de 21,1%", o que, "conjugado com a correcção do quantitativo da população pelo Censo de 2014, implicou uma redução do seu valor de 23,2% ". &


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| OPINIÃO

AS FAGULHAS DO BREXIT Muito já se falou sobre os previsíveis impactos da retirada do Reino Unido da União Europeia. De tal modo que o medo da instalação de um verdadeiro caos passou a ensombrar as mentes de muitos cidadãos europeus. Depois do “Leave” britânico, levantam-se, como era de esperar, mais vozes apelando a novos referendos.

PARECE ESTRANHO, MAS É VERDADE: O RESULTADO DO REFERENDO BRITÂNICO LANÇOU IGUALMENTE FAGULHAS SOBRE O NOSSO PRÓPRIO CONTINENTE, ONDE ESTÁ JÁ A ESTIMULAR SEPARATISMOS, LATENTES OU MESMO PRESENTES, EM ALGUNS PAÍSES AFRICANOS.

Justino Pinto de Andrade Economista

O referendo é uma forma expedita de devolver aos povos o direito de decidirem sobre os seus destinos. Embora, nas democracias representativas, apenas se recorra a um tal expediente em questões cruciais, sobretudo as relacionadas com a objeção de consciência. Por exemplo, vão-se fazendo referendos sobre a interrupção voluntária da gravidez e sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas, nos países nórdicos, também se fazem referendos sobre matérias relacionadas com a cedência de uma fatia substancial da soberania de um país. O referendo é, afinal, um exercício de democracia participativa que faz pleno sentido num período de crescente esvaziamento do próprio sentido da democracia. Para muitos, a democracia traduz-se na mera escolha dos dirigentes, desvalorizando, sistematicamente, a participação efectiva da sociedade na administração dos governos eleitos. Depois de eleitos, não são poucos os políticos que “soltam as rédeas”, que passam a decidir de forma unilateral e arbitrária, extravasando os limites dos seus mandatos, aprisionando os povos no quadro dos seus interesses egoístas. Por exemplo, a União Europeia tornou-se hoje o espaço privilegiado para um domínio avassalador por parte de burocratas não eleitos. A Comissão Europeia, estrutura executiva que controla (e, por vezes, asfixia) as decisões dos governos legitimados pelos povos, é o exemplo mais acabado dessas práticas, sendo os países mais frágeis e os governos que se batem por soluções alternativas aos desígnios dos directórios instalados, as suas vítimas privilegiadas. O caso recente da Grécia mostrou a verdadeira ideologia

que prevalece no conglomerado europeu. Com a recusa do Reino Unido – mesmo que por escassa margem – de permanecer na União Europeia, abriu-se agora uma verdadeira “Caixa de Pandora”, de onde já se vêem sair as mais inesperadas propostas, algumas até bizarras, como, por exemplo, a de um grupo de cidadãos londrinos apelarem a um referendo para promover a independência da capital inglesa, Londres. Obtido o “Sim”, vincular-se-iam, então, à União Europeia. O “efeito dominó” do “Leave” britânico pode mesmo conduzir à desagregação do bloco europeu. Com os recentes desenvolvimentos, o próprio Reino Unido também se expôs à desagregação, com a Escócia e a Irlanda do Norte – que, maioritariamente votaram pela permanência na União Europeia – a ponderarem a possibilidade de quebrar a unidade do Reino, vinculando-se unilateralmente à União Europeia. Parece estranho, mas é verdade: o resultado do referendo britânico lançou igualmente fagulhas sobre o nosso próprio continente, onde está já a estimular separatismos, latentes ou mesmo presentes, em alguns países africanos. A Nigéria é um dos palcos desse estímulo, com o surgimento de uma recente proposta da sua repartição em cinco Estados. Outros países africanos igualmente propensos a essa tendência centrífuga serão, por exemplo, a RDC, o Mali e a República Centro Africana. Caso tal suceda, estaremos então diante de uma reconfiguração da nossa actual geografia política. E poderá avizinhar-se um longo período de instabilidade que lançará para as “calendas gregas” o tão ansiado e necessário desenvolvimento de África. &


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IPSIS VERBIS JOSÉ DE LIMA MASSANO, VI FÓRUM DA BANCA, COMPLIANCE EM ANGOLA, PROMOVIDO PELO JORNAL EXPANSÃO.

“ANGOLA NÃO PODE DESCANSAR EM MATÉRIAS DE REGULAÇÃO SE QUISER ESTAR EM LINHA COM AS RECOMENDAÇÕES E AQUILO QUE É HOJE ENTENDIDO COMO AS MELHORES PRÁTICAS NO SISTEMA FINANCEIRO. SOMOS AINDA UM PAÍS ENTENDIDO COMO UM PAÍS DE ALTO RISCO, POR VÁRIOS MOTIVOS, AOS OLHOS DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS. POR EXEMPLO, NO ÍNDICE DE PERCEPÇÃO DA CORRUPÇÃO E DA TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL, ANGOLA É CONSIDERADO UM PAÍS DE ALTO RISCO".

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| MACRO

GESTÃO DE ÁGUA

A ALTA FACTURA DOS DESPERDÍCIOS… E DAS DÍVIDAS Texto: Quingila Hebo Fotografia: Afonso Francisco


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Poucos consumidores têm noção do prejuízo que causam às empresas públicas de distribuição de água. É que, além de provocarem desequilíbrios contabilísticos às instituições, a fuga à taxação também impede que os provedores tenham a capacidade de fazer manutenção aos equipamentos ou fazer novos investimentos para que mais pessoas tenham acesso ao “precioso líquido”. No ano passado, por exemplo, a EPAL (Empresa Pública de Água de Luanda) estimou os prejuízos causados pelo acúmulo de dívidas em 21,5 mil milhões de kwanzas.

Angola dispõe de abundantes recursos hídricos. A quantidade de água renovável varia, anualmente, entre os 140 e os 170 quilómetros cúbicos, repartidos em cinco bacias drenantes, nomeadamente Atlântico (41%), Congo (22%), Zambeze (18%), Cubango (12%) e Cuvelai-Etosha (4%). Segundo o Relatório Geral do Ambiente referente a 2012, o nível mínimo de água para a saúde humana e para o desenvolvimento económico é de mil metros cúbicos per capita/ano. De acordo com o referido documento, Angola tem uma captação anual superior ao mínimo estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o que, com uma boa distribuição e racionalização do consumo de água, permitiria que todos os angolanos tivessem acesso à água sem grandes dificuldades. O Relatório Sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, divulgado no ano passado pelo Executivo angolano, recomenda uma maior monitorização contínua e actualização de dados sobre a quantidade de água disponível, uma avaliação das tendências de crescimento da demanda em cada um dos três eixos socioeconómicos, nomeadamente a agricultura, indústria e o consumo doméstico, bem como recomenda que se assegure o fornecimento de água com qualidade e em quantidade. DÍVIDAS LIMITAM EXPANSÃO Entretanto, a Empresa Pública de Água de Luanda (EPAL), à semelhança do que se passa com a de Benguela e da Huíla, sofre

DE ACORDO COM LEONÍDIO CEITA, A EMPRESA DEVERIA TER UMA FACTURAÇÃO MENSAL, O EQUIVALENTE EM KWANZAS, DE CERCA DE

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MILHÕES DE DÓLARES, MAS SÓ METADE DESTE VALOR É QUE ENTRA NAS CONTAS DA EMPRESA.

com a fuga à taxação. De acordo com o Presidente do Conselho de Administração da EPAL, Leonídio Ceita, a empresa recebe apenas cerca de metade do que deveria todos os meses. O responsável avançou durante o V Conselho Consultivo do Ministério da Energia e Águas, realizado no ano passado, que as dívidas de clientes ascendiam os 21,5 milhões de kwanzas. Leonídio Ceita calculou, na altura, que metade da receita da companhia perde-se todos os meses por causa do não pagamento da água por parte dos clientes, a que se soma o garimpo de água. De acordo com Leonídio Ceita, a empresa deveria ter

uma facturação mensal, o equivalente em kwanzas, de cerca de 4 milhões de dólares, mas só metade deste valor é que entra nas contas da empresa. Na altura, o gestor revelou a intenção da EPAL de trabalhar com 13 empresas estrangeiras para combater o garimpo de água ao longo das condutas, através da aplicação de um sistema de protecção electrónica que garante a vigilância em tempo real. A este controlo juntou-se a instalação de contadores de consumo de água. No entanto, recentemente, o porta-voz da EPAL, Domingos Paciência, revelou em entrevista à Rádio Mais que os clientes têm vandalizado os contadores. Contudo, para sabermos mais sobre quais as zonas em que se registam os maiores índices de destruição de contadores, os prejuízos que essa situação representa para a empresa e como anda o processo de distribuição e gestão de água na capital angolana, contactámos a EPAL, mas não obtivemos resposta em tempo oportuno. L´AISON, A TECNOLOGIA QUE PODE ASSEGURAR A MELHOR GESTÃO DE ÁGUA O Sistema L´AISON Split STS de medição de água pré-paga revela-se como o mais moderno e eficaz para a gestão da rede e do consumo de água. Assente totalmente na tecnologia, o sistema permite identificar os devedores, as avarias ou a violação da rede. Para o cliente, o sistema oferece também a vantagem de controlar o consumo e oferece a facilidade de compra de


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Mário Rafael, Director-geral da L’AISON Angola

recargas através de agências, multicaixas, revendedores ou através de um telemóvel. De igual modo, permite efectuar o carregamento através de um teclado infravermelho já usado nos contadores pré-pagos de energia. A tecnologia funciona com um software que pode ser instalado no computador ou telemóvel, que inclui dispositivos com controlo remoto de longo alcance. O sistema permite a correcção de erros automaticamente e emite avisos em caso de violação da rede, além de não permitir que o cliente consuma mais do que pagou, nem desperdícios, pois bloqueia a corrente

de água quando o cliente não regulariza as suas contas com o fornecedor do “líquido precioso”. De acordo com o director-geral da L´AISON Angola, Mário Rafael, a tecnologia seria ideal para o controlo das novas redes que estão a ser instaladas pelas empresas de distribuição de água, principalmente nas novas centralidades e zonas urbanas que estão a surgir no país. Mário Rafael destaca que, além da gestão da rede e do consumo de água, a tecnologia também oferece a oportunidade de emprego a muitos jovens, que podem actuar como revendedores oficiais de recargas de

água. “O sistema é muito vantajoso para a empresa, para o cliente e para aqueles que procuram o primeiro emprego. Para ser revendedor oficial de recarga de água, o jovem só precisa de um computador ou um smartphone e um documento que o autorize a exercer a actividade económica para estar registado no sistema como pessoa habilitada para a venda de saldo de água”, explica Bruno Rafael. O empresário conclui que, em caso de extravio do equipamento, este perde validade porque só funciona conectado ao software, o que desincentiva a sua destruição ou roubo. &


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INDÚSTRIA TÊXTIL

DEPENDENTE DA IMPORTAÇÃO DE MATÉRIAS-PRIMAS Texto: Jacinto Malungo Fotografia: Carlos Aguiar

O sector industrial têxtil foi relançado em Julho último. São, no total, três unidades fabris que começaram a vender para o mercado, nomeadamente a Nova Textang II, em Luanda, a SATEC, no Kwanza Norte, e a Alassola, em Benguela. O relançamento destas empresas resultou, significativamente, de uma linha de financiamento japonês por via do seu Banco de Cooperação Internacional (JBIC), avaliada em cerca de mil milhões de dólares. Espera-se, no entanto, que estes projectos venham a impulsionar a indústria da moda, que emprega centenas de pessoas, que há anos clama por um sector têxtil forte. Mas ainda existe o crónico problema da matéria-prima, que é 100% importada e que se agudiza com a actual escassez de divisas, e das promessas que se adiam no que toca à produção local de algodão em larga escala.

O Executivo angolano assinou um acordo de concessão de créditos com o Banco de Cooperação Internacional do Japão (JBIC) com a perspectiva de reestruturar e relançar o sector têxtil nacional, como está patente no Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). De acordo com a instituição financeira nipónica, a reestruturação das três unidades fabris custou cerca de 1,2 mil milhões de dólares, sendo um cofinanciamento entre o JBIC e o Bank of Tokyo-Mitsubishi. Esta linha de crédito serviu, essencialmente, para modernizar e expandir as infraestruturas das fábricas que agora contam com a tecnologia da Marubeni Corporation, uma das maiores empresas japonesas na prestação de serviços para a indústria têxtil, e com maquinarias e equipamentos têxteis fabricados pela Toyota

NO ENTANTO, INFORMAÇÕES DESTE ANO MOSTRAM UM NOVO CENÁRIO. O PROJECTO QUE ESTAVA ORÇADO EM CERCA DE 30 MILHÕES DE DÓLARES, HOJE, NA SUA SEGUNDA FASE, VALE MAIS DE 66 MILHÕES DE DÓLARES E A PROMESSA DE PRODUÇÃO DO “OURO BRANCO” EM 2016 FOI NOVAMENTE ADIADA, DESTA VEZ PARA JANEIRO DE 2017.

Industries Corporation e Murata Machinery. A reestruturação da fábrica têxtil Alassola, localizada na província de Benguela, foi a mais onerosa. Foram gastos, ao todo, 480 milhões de dólares. Seguem-se a SATEC (antiga África têxtil), localizada no Kwanza Norte, com 410 milhões de dólares e, por fim, a Nova Textang II, localizada na capital do país, que custou 235 milhões de dólares, sendo o menor financiamento. Cada unidade fabril vai abastecer o mercado com produtos distintos, como forma de esquivarem-se da concorrência entre si. No caso da Alassola, cujo nome significa “lençol” em Umbundu, vai produzir, essencialmente, lençóis, toalhas de banho e cobertores. A Nova Textang II continuará com a sua produção tradicional de tecidos para a casa militar,

escolas e hospitais. É a SATEC, no Dondo, que está encarregada de abastecer o mercado com tecidos para a confecção de roupas de ganga e camisolas. Em termos de capacidade produtiva, a Nova Textang II, que ocupa uma área de 100 mil metros quadrados, 70 dos quais em área construída, pode produzir anualmente 9 milhões de metros lineares de tecido e conta com 120 trabalhadores, sendo 30 deles estrangeiros. Entretanto, a empresa avançou que vai, nos próximos cinco meses, aumentar para 750 o número de empregados. No momento, a Nova Textang II tem os olhos virado apenas para o mercado nacional como revelou a esta publicação Hélder David acrescentado que “Existe um pedido largo das instituições nacionais que queremos dar respostas” disse. Já a SATEC, que ocupa


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uma área de 89 mil metros quadrados, foi construida de raiz e tem uma capacidade instalada para produzir, por mês, 180 mil camisolas normais e 150 mil polos em igual período. De acordo com o administrador da empresa, Sany Cardoso, em declarações a E&M, a indústria começa a vender para o mercado em Outubro próximo. Entretanto, a unidade da SATEC, que se vai ocupar em produzir tecidos de ganga, entra em funcionamento apenas em Dezembro. Nesta altura, espera-se que produza 480 mil metros de tecidos. A fábrica têxtil de Benguela, responsável por produzir lençóis, cobertores e toalhas, promete, numa primeira fase, produzir até 120 mil cobertores, 1,6 milhões de lençóis e 12 milhões de toalhas. Entretanto, praticamente todo o algodão que estas unidades fabris necessitam é importado. O Brasil, a Grécia, a Índia e a África do Sul são os principais fornecedores das commodities para Angola, país que há anos adia a promessa de produção massiva local. DEZ ANOS DE PROMESSA Inserido numa área de 5 mil hectares, sendo 2 mil irrigados, a primeira fase do projecto de relançamento da cultura do algodão, na província do Kwanza Sul, iniciou em Agosto de 2006 e terminou em Dezembro de 2009. Nesta fase, o programa orçado em mais de 30 milhões de dólares, financiados pelos governos angolano e sul-coreano, prometia o arranque da produção em 2013, depois de já o ter projectado para 2012. No segundo semestre de 2015, apontava-se o mês de Janeiro do ano em curso como o período

de início das plantações, tendo, inclusive, um grupo de técnicos do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Territorial rumado ao Sumbe para constatar o grau de execução das acções ligadas às infra-estruturas. Na época, o responsável pela gestão do projecto, Abel Bala Kinzeca, citado pela Angop, afirmou que as obras estavam 98% concluídas e garantiu para Dezembro de 2015 o fim das construções. No entanto, informações deste ano mostram um novo cenário. O projecto que estava orçado em cerca de 30 milhões de dólares, hoje, na sua segunda fase, vale mais de 66 milhões de dólares e a promessa de produção do “ouro branco” em 2016 foi novamente adiada, desta vez para Janeiro de 2017. Assim como a província do Kwanza Sul, Malanje é uma das

províncias com maior potencial no país para a produção do algodão. E no âmbito do programa de relançamento do cultivo desta commodity agrícola, a província de Malanje foi a segunda contemplada. Em 2007, por exemplo, o Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA) financiou a produção de algodão em Cacuso, o que tem dado resultados em escalas ainda muito reduzidas. Nesta via, o governador provincial, Norberto dos Santos, criou recentemente uma comissão que integra os responsáveis locais da Agricultura, Pescas, Indústria e Geologia e Minas para trabalharem no relançamento da cultura do algodão, que terá lugar na região da baixa de Cassanje onde, no ano passado, foram já preparados 250 mil hectares.

NÃO É DESTA QUE A MODA SAI A GANHAR Criadores e promotores da indústria da moda são unânimes quanto à importância destas fábricas para o sector. Porém, referem, por ora não lhes vai ser de grande ajuda porque as fábricas vão vender as estampas para todos. Lisete Pote, uma das mais conceituadas estilistas angolanas, afirma que os estilistas não podem criar coisas com tecidos correntes. “Por norma, o criador faz um acordo com a fábrica têxtil e determinado tecido só é feito para ele. Só depois de o estilista lançar a colecção e ter ganho dinheiro e gerado emprego é que se pode vender os tecidos para a população”, explica a estilista. Entretanto, este ainda não é o modus operandi destas indústrias. Na visão da estilista, há outros sectores que precisam de ser aglutinados às indústrias têxteis para que a moda se desenvolva de facto. Lisete Pote revela à E&M que tem dificuldades em encontrar reparadores para as máquinas de costura, botões, fechos e gente formada para suportar a indústria da moda, que precisa não só de designers, mas também de costureiros. Para corrigir esta falha do mercado, foram criadas duas escolas. A Arte Fashion, da estilista Dina Simão, e a Angola Fashion School, criada pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional Internacional de Angola (IDEIA) e parceiros. No que diz respeito à escola Arte Fashion, Dina Simão, mentora do projecto, avançou que ministram aulas de estilismo, corte e costura e artes e ofícios. A oficina surgiu há dois anos de um sonho seu de passar o conhecimento de 26 anos de trabalho. “A Arte


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Lisete Pote, Estilista

PRATICAMENTE TODO O ALGODÃO QUE ESTAS UNIDADES FABRIS NECESSITAM É IMPORTADO. O BRASIL, A GRÉCIA, A ÍNDIA E A ÁFRICA DO SUL SÃO OS PRINCIPAIS FORNECEDORES DAS COMMODITIES PARA ANGOLA, PAÍS QUE HÁ ANOS ADIA A PROMESSA DE PRODUÇÃO MASSIVA LOCAL.

Dina Simão, Mentora da Escola Arte Fashion

Fashion tem como objectivo dar oportunidade a qualquer pessoa que goste de moda. As aulas não se resumem à moda, os estudantes aqui aprendem empreendedorismo, marketing, publicidade, psicologia, desenho e têm aulas práticas”, explica. A directora-executiva do IDEIA, Adriana Dias, contou à E&M que a Angola Fashion School nasceu da compreensão de que “o actual cenário de desenvolvimento da indústria em Angola procura urgentemente acções que permitam a diversificação da actividade económica e a criação de um modelo industrial baseado na geração de trabalho e rendimento através da produção de soluções inovadoras”. A Angola Fashion School formou, em quatro meses, 30 alunos. Participou neste processo o OESTUDIO, empresa brasileira, que foi fornecedor da metodologia, dos conteúdos e de profissionais especializados. Segundo Adriana Dias, um dos objectivos do IDEIA, com este projecto, “é precisamente desenvolver a indústria têxtil e a moda nacional, através desse projecto que estabelece uma ponte de sucesso entre talento, negócio, visibilidade, educação e o mercado da moda”, sublinha. O projecto já deu alguns frutos. Um deles, conforme frisou a directora-executiva do IDEIA, é a parceria que surgiu com a Nova Textang II. Para Adriana Dias, “é fundamental que a indústria e a academia se aproximem”. “Foi com esse intuito que procurámos a Textang II, que nos apoiou prontamente desde o primeiro momento e, inclusive, fez um processo selectivo, através de entrevistas, com todos os alunos, tendo contratado quatro deles”, conclui Adriana Dias. &


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INSUMOS

FALTA DE DIVISAS ENTALA “MADE IN ANGOLA” Texto: Edjaíl dos Santos Fotografia: Carlos Aguiar


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As empresas e particulares ligados ao ramo agrícola, pecuário e pesqueiro, actividades cruciais para a diversificação da economia, enfrentam muitas dificuldades para conseguir no mercado interno as quantidades necessárias de matéria-prima para manter a produção. Sementes, fertilizantes, ração animal e vacinas são alguns dos inputs que se tornaram raros no mercado nacional, face à dificuldade de importação. Em conferência de imprensa realizada na sede do Gabinete de Revitalização e Execução da Comunicação Institucional e Marketing da Administração (GRECIMA), o ministro da Agricultura, Afonso Pedro Canga, prometeu que a ruptura de stock dos produtos tem os dias contados.

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De acordo com o titular da pasta da Agricultura, o Governo disponibilizou divisas para a importação de mais de 20 mil toneladas de insumos diversos, sendo que, já para Agosto, o mais tardar, deverão chegar ao país 15 mil toneladas. Entretanto, o programa prevê, até 2017, importar 70 mil toneladas, garantiu Afonso Pedro Canga, tendo assegurado que as autoridades tratarão da falta de vacinas e de sementes, fazendo crer que no corrente mês (Agosto) o problema será sanado. Pedro Canga frisou ainda que as poucas divisas que o sector recebe têm sido direccionadas à produção material na agricultura, pescas e outras áreas essenciais. “Alguns empresários já estão a beneficiar da venda de divisas e estão à espera que nos próximos dias o volume de fertilizantes aumente para resolver os problemas que enfrentam, quer na agricultura familiar, quer da agricultura empresarial”, assegura o governante. À medida que o volume de fertilizantes importados entre 2014 e 2015 escasseava, o preço do produto no mercado subiu e, com a carência, os camponeses estão a ter dificuldades em manter os níveis de produção. Por exemplo, um saco de adubo que custava 5.300 kwanzas, nos dias de hoje é adquirido a 36 mil kwanzas, uma situação que complica a relação custo/benefício. De acordo com os dados do Ministério da Agricultura, anualmente eram importadas 35 mil a 40 mil toneladas de adubo, um volume que já não satisfazia as reais necessidades, uma vez que ano após ano a produção e a área produtiva aumenta face ao crescente investimento na agricultura. “Esse produto é importado e a importação pressupõe a exportação de divisas, mas o objectivo principal é criar uma indústria de produção de fertilizantes no país. O processo está em curso, aproveitando a matéria-prima que temos no país, nomeadamente os fosfatos e o gás natural liquefeito (LNG) ”, avançou Afonso Pedro Canga. O ministro da Agricultura defende que Angola deve criar uma indústria de fertilizantes que não satisfaça apenas as necessidades crescentes, mas que também concorra para as exportações.


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À MEDIDA QUE O VOLUME DE FERTILIZANTES IMPORTADOS ENTRE 2014 E 2015 ESCASSEAVA, O PREÇO DO PRODUTO NO MERCADO SUBIU E, COM A CARÊNCIA, OS CAMPONESES ESTÃO A TER DIFICULDADES EM MANTER OS NÍVEIS DE PRODUÇÃO. POR EXEMPLO, UM SACO DE ADUBO QUE CUSTAVA “O fertilizante é um produto muito procurado em África e no mundo. Portanto, temos que criar condições para o surgimento, no futuro, de uma indústria deste bem”, adianta.

ser nós a importar, o que tem significado um grande esforço, por causa da dificuldade de divisas”, declarou João Macedo, que sugere que a produção desses produtos seja nacional para facilitar a actividade agrícola.

ESCASSEZ AFECTA PRODUÇÃO Enquanto a indústria nacional de fertilizante só enche os discursos, na província da Huíla, segundo a Angop, os agricultores associados do Perímetro Irrigado da Matala condicionam o aumento da produção de produtos agrícolas ao atraso das autoridades governamentais no fornecimento de adubos e sementes. São 518 agricultores organizados em sete cooperativas agrícolas que lamentam o facto de a presente época ter sido menos boa, em termos de espaços cultivados, devido ao atraso que se registou na obtenção destes inputs. Anualmente, a colheita tem-se situado nas seis mil toneladas, porém, a presente campanha agrícola foi afectada pelo atraso verificado na obtenção de fertilizantes e por causa dos seus elevados custos. Já o administrador do Grupo Líder, João Macedo, adianta que a fazenda Agrolider tem uma necessidade muito grande de adubos, pesticidas, peças, consumíveis e mão-de-obra estrangeira, o que obriga a uma necessidade mensal em torno dos 1,5 milhões de dólares por mês. “Não reduzimos a produção agrícola, por enquanto, mas face à escassez, passámos a

RAÇÃO ANIMAL INSUFICIENTE O director geral da piscicultora Chopa Aquabel releva que com a crise, este ano, a produção tem sido afectada em cerca de 50%, uma vez que mais de 70% dos custos de produção estão relacionados com gastos com a ração importada. Para a Chopa Aquabel, afirmou Florêncio Conceição, “sem ração não há peixe”. “Temos alguma ração produzida no país, mas ainda não dá as garantias de qualidade para alimentar o peixe. Acreditamos que dentro de dois anos novas fábricas de ração surgirão. Felizmente, os processos para a importação da mercadoria já tiveram respaldo do banco e minimizaremos essa questão. Precisamos de dois contentores por mês”, reforçou Florêncio Conceição. A fábrica integral de produção de ração Nutrimix, enunciada pelo Programa Angola Investe, que faz parte da Fazenda “Pérola do Kikuxi”, produz rações para suínos, bovinos e aves. Entretanto, a indústria tem funcionado a meio gás, sendo que, ao invés da capacidade instalada de 15 mil toneladas, produz apenas 3500 toneladas mês. Desta quantidade, 80% da produção (280 toneladas) é consumida pela Fazenda e os

5.300 KWANZAS, NOS DIAS DE HOJE É ADQUIRIDO A 36 MIL KWANZAS, UMA SITUAÇÃO QUE COMPLICA A RELAÇÃO CUSTO/BENEFÍCIO.

restantes 20% (700 toneladas) são destinados ao mercado nacional. A infra-estrutura fabril teve um investimento acima de três milhões de dólares norte-americanos e conta com uma gama diversificada de clientes, como os produtores de pequenas e grandes explorações agro-pecuárias. O gado bovino controlado em Angola estima-se em três milhões e 800 mil cabeças. Já os caprinos são cerca de sete milhões e 13 milhões de aves, animais que estão sem vacinas por força da ruptura do stock que o país regista, segundo revelou à Rádio Nacional de Angola o chefe de departamento de Sanidade Animal do Ministério da Agricultura, Norberto Pinto. O também médico veterinário aponta que as doenças mais comuns são o antraz e a raiva, que são um problema de saúde pública. Porém, embora não haja vacinas, o especialista assegura que há uma baixa nos casos de raiva no país. &


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| OPINIÃO

A ARMADILHA DA DÍVIDA O discurso de S. Exa. Presidente da República, José Eduardo dos Santos, do dia 01 de Julho último, no qual afirmou que o Governo não está a receber receitas da Sonangol desde o princípio do ano, pois que as receitas que são arrecadadas mal chegam para pagar as dívidas contraídas pelo Estado e pela própria Sonangol, é indicador de que Angola terá sido apanhada na armadilha da dívida. É este o tema que trago à reflexão neste espaço. NO TEMPO DAS VACAS GORDAS, ANGOLA NÃO SÓ NÃO CONSEGUIU DIVERSIFICAR A ECONOMIA, COMO NÃO REFORÇOU SUFICIENTEMENTE AS RESERVAS CAMBIAIS E, MAIS, CONTRAIU DÍVIDA COM GARANTIA BASEADA NAS EXPORTAÇÕES DO CRUDE.

José Gualberto Matos Engenheiro

A expressão armadilha da dívida presta-se a mais do que uma leitura. Na sua acepção mais corrente, esta expressão designa o efeito para um Estado (empresa, ou indivíduo) que decorre de contrair dívida a taxas de juro superiores à taxa de crescimento do seu rendimento. Nesta situação, será necessário sacrificar a despesa para evitar que a dívida cresça indefini-damente, convertendo-se numa armadilha. Nos países com moeda não convertível, a armadilha da dívida tem ainda uma leitura cambial, pelo facto de as divisas estrangeiras cons-tituírem um recurso escasso. Quando se contrai dívida externa, esse recurso escasso fica menos disponível para cobrir importações pelo facto de terem de ser usados no reembolso e serviço da dívida. No caso de Angola, que depende basicamente de um único produto de exportação, em períodos de baixa desse produto, a pressão da dívida sobre esse recurso escasso pode levar a fortes limitações na disponibilidade cambial para a importação de bens e serviços. Daí a relevância das reservas cambiais na atenuação dos ciclos baixos das matérias-primas. É esta segunda leitura da armadilha da dívida que, nesta altura, mais afecta Angola. No tempo das vacas gordas, Angola não só não conseguiu diversificar a economia, como não reforçou suficientemente as reservas cambiais e, mais, contraiu dívida com garantia baseada nas exportações do crude. Tendo em conta a forte desvalorização da moeda nacional, a dificuldade cambial não devia continuar tão aguda em face da razoável recuperação entretanto registada no preço do crude, mas como disse o senhor Presidente da República, uma parte significativa das divisas

geradas pelo crude estão hipotecadas à dívida do Estado e da Sonangol (que actuou muitas vezes como veículo financeiro do Estado). A sabedoria popular diz-nos que a provisão se faz na boca do saco. A crise cambial podia ter sido atenuada se, na época das vagas gordas, se tivesse cuidado melhor das reservas cambiais. Nessa época, o Banco Central permitiu generosas convertibilidades da moeda nacional, ao subir os limites das transferências e remessas internacionais – a título de exemplo, no ano de 2014, o gasto cambial apenas com cartões internacionais foi superior a 2 mil milhões de dólares, contra 500 milhões em 2011. A oferta generosa de divisas nessa época foi também usada como âncora cambial no controlo da inflação, sobrevalorizando a moeda nacional. Podia ter sido prudente ter sacrificado um pouco a inflação em benefício de maiores reservas cambiais, pois é do senso comum que as reservas cambiais guardem uma proporção adequada com o PIB. Fica-nos a sensação de que o nível de reservas cambiais não acompanhou o crescimento real do PIB, para mais um crescimento muito baseado na importação. Em conclusão, num país com dependência cambial, não basta controlar a dívida com base no seu peso no OGE ou no PIB. É igualmente importante controlar o peso da dívida externa na balança cambial, por forma a estabelecer um nível adequado de reservas internacionais. Ou seja, quando se diz que as reservas cambiais devem ser suficientes para garantir oito meses de importação, é preciso deduzir as reservas requeridas pelo serviço da dívida externa. &


NÚMEROS EM CONTA | 27

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EURO 2016 EM NÚMEROS 919 MILHÕES DE USD FOI QUANTO O EURO 2016 DE FUTEBOL GEROU DE RECEITA LÍQUIDA RESULTADO DA DIFERENÇA ENTRE A RECEITA DE 2,14 MIL MILHÕES DE USD E A DESPESA DE 1,22 MIL MILHÕES, REVELOU A ORGANIZAÇÃO. DESSE LUCRO, 664 MILHÕES SERÃO DESTINADOS ÀS 55 FEDERAÇÕES FILIADAS DA UEFA E O REMANESCENTE, DE 254 MILHÕES DE EUROS, COBRIRÁ CUSTOS DE ORGANIZAÇÃO DO EURO 2020 E DA FASE DE QUALIFICAÇÃO. DE ACORDO COM A ORGANIZAÇÃO, AS RECEITAS TIVERAM UM CRESCIMENTO DE 34% EM RELAÇÃO À ORGANIZAÇÃO DO EURO 2012, COORGANIZADO PELA POLÓNIA E UCRÂNIA, ESPECIALMENTE DEVIDO AO AUMENTO DE 18 PARA 24 EQUIPAS NA FASE FINAL.

8,86 MILHÕES USD PAGO ÀS EQUIPAS PELA PRESENÇA NA FASE FINAL. A UEFA ATRIBUIU 1,1 MILHÃO USD POR VITÓRIA NA FASE DE GRUPOS, A QUALIFICAÇÃO PARA OS OITAVOS RENDEU 1,66 MILHÕES, OS QUARTOS 2,77 E AS MEIAS-FINAIS 4,41 MILHÕES USD. SÓ O JOGO DA FINAL, RENDEU 8,86 MILHÕES USD AOS VENCEDORES (A SELEÇÃO FRANCESA RECEBEU 5,54 MILHÕES). DE REFERIR QUE A UEFA AUMENTOU SUBSTANCIALMENTE OS PRÉMIOS DO EURO 2016 EM RELAÇÃO À EDIÇÃO ANTERIOR, AINDA COM 16 EQUIPAS. EM 2012 O VALOR ERA DE 217 MILHÕES USD, ESTE ANO FOI DE 333.

OS BENEFÍCIOS PARA O PAÍS ORGANIZADOR, A FRANÇA, ESTAVAM ESTIMADOS PELO CENTRO ECONÓMICO E DE DIREITO DO DESPORTO, AINDA ANTES DO INÍCIO DA COMPETIÇÃO, EM 1,33 MIL MILHÕES DE USD, DOS QUAIS 221 MILHÕES EM TAXAS E IMPOSTOS.

1,16 MIL MILHÕES USD O ESSENCIAL DAS RECEITAS DA UEFA É PROVENIENTE DOS DIREITOS TELEVISIVOS (1,16 MIL MILHÕES USD), DOS PROGRAMAS DE PARCERIA (528 MILHÕES USD) E DA VENDA DE BILHETES (440 MILHÕES).

20.000

EMPREGOS CRIADOS NAS OBRAS DE ADAPTAÇÃO DOS ESTÁDIOS. 650 PROFISSIONAIS CONTRATADOS PELA UEFA PARA PREPARAR O TORNEIO. 6.500 VOLUNTÁRIOS MOBILIZADOS NOS LOCAIS DA COMPETIÇÃO.

A RENOVAÇÃO/CONSTRUÇÃO DOS ESTÁDIOS PARA O EURO 2016 IMPLICOU UM INVESTIMENTO DE 1,88 MIL MILHÕES DE DÓLARES, VALOR SUPORTADO PELOS CLUBES LOCAIS E PELO ESTADO. DOS DEZ ESTÁDIOS DO EURO 2016, O STADE DE FRANCE, CONSTRUÍDO PARA O MUNDIAL 98, NÃO SOFREU QUALQUER REMODELAÇÃO. DOS OUTROS NOVE, QUATRO FORAM CONSTRUÍDOS DE RAIZ (LYON, BORDÉUS, LILLE E NICE), SENDO OS RESTANTES CINCO RENOVADOS. AINDA EM RELAÇÃO AO ESTÁDIO DE NICE, É DE REALÇAR QUE OS NAMING RIGHTS FORAM VENDIDOS À SEGURADORA ALLIANZ POR 17,95 MILHÕES DE DÓLARES.

BORDEAUX

ESTÁDIO DE BORDEAUX 42 000 LUGARES CUSTO: 183 000 000 Usd

PARIS

LENS

LILLE ESTÁDIO DO PARC DES PRINCES 58 000 LUGARES CUSTO: 111 000 000 Usd

SAINT-DENIS

LYON ESTÁDIO DES LUMIÈRES 58 000 LUGARES CUSTO: 498 000 000 Usd

TOULOUSE

NICE

ESTÁDIO BOLLAERT-DELELIS 35 000 LUGARES CUSTO: 123 000 000 Usd ESTÁDIO PIERRE MAUROY 50 100 LUGARES CUSTO: 359 000 000 Usd ESTÁDIO DE FRANÇA 80 000 LUGARES SEM CUSTOS

MARSEILLE ESTÁDIO VELODROME 67 000 LUGARES CUSTO: 296 000 000 Usd

ESTÁDIO DE TOULOUSE 33 000 LUGARES CUSTO: 62 000 000 Usd ALLIANZ RIVIERA 35 000 LUGARES CUSTO: 204 000 000 Usd

SAINT-ETIENNE

ESTÁDIO GEOFFROY-GUICHARD 41 500 LUGARES CUSTO: 83 000 000 Usd


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INDÚSTRIA DE BEBIDAS

SUSTENTABILIDADE SÓ COM MATÉRIAS-PRIMAS LOCAIS Texto: Sebastião Vemba Fotografia: Carlos Aguiar

A indústria nacional de bebidas tem condições para tornar-se no segundo motor da economia angolana, logo a seguir ao sector petrolífero, defendem fontes contactadas pela Economia & Mercado, que reconhecem, entretanto, que o seu desenvolvimento passa, entre outras medidas, pela produção local de matérias-primas, que ainda são importadas em quantidades exorbitantes. Esta situação, com a actual crise cambial, tem provocado uma quebra na produção em cerca de 40%, pelo que as fábricas foram obrigadas a parar linhas de produção e, consequentemente, a despedir trabalhadores.

Com uma capacidade instalada de 4 430 milhões de litros, o que está 40% acima da totalidade do consumo nacional, a indústria de bebidas começou a ressentir-se da crise cambial a partir do segundo semestre de 2015, numa altura em que os preços dos principais produtos da cesta básica registaram uma subida no mercado informal, o que provocou uma redução da capacidade de compra da população e, em consequência disso, impôs que os produtores reajustassem o negócio à nova realidade. “Houve uma queda brutal nas vendas, à volta de 30%”, recorda Philippe Frederic, Administrador Delegado do Grupo Castel em Angola, que detém as marcas Cuca, Nocal, Eka, N’gola e ainda a Vidrul. De acordo com o responsável, era “extremamente necessário reorganizar as unidades fabris em função da nova realidade”, o que levou o grupo a parar quatro

O AJUSTAMENTO DA PRODUÇÃO FOI EXTENSIVO A TODOS OS PRODUTORES, SENDO QUE, DE ACORDO COM O PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE BEBIDAS DE ANGOLA, MANUEL SUMBULA, A QUEBRA DA PRODUÇÃO RONDA OS 30% A

40% O QUE SE DEVERÁ MANTER CASO A DISPONIBILIZAÇÃO DE DIVISAS CONTINUE CORTADA.

linhas de produção, nomeadamente, nas fábricas da Cuca, Nocal, Eka e Funda, onde também produzem Cuca. Entretanto, o ajustamento da produção foi extensivo a todos os produtores, sendo que, de acordo com presidente da Associação das Indústrias de Bebidas de Angola (AIBA), Manuel Sumbula, a quebra da produção ronda os 30% a 40%, o que se deverá manter, caso a disponibilização de divisas continue cortada. Para o conselheiro do presidente da Associação Industrial de Angola (AIA), porém, mais do que aguardar-se que haja mais divisas disponíveis para importar matérias-primas, deve-se apostar na produção local delas, sendo que são todas de origem agrícola e o país dispõe de condições para, num prazo de cinco a sete anos, ser auto-suficiente neste domínio. De acordo com Jorge Coelho Pinto, “apesar da relevância do sector agro-industrial para


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Vasco Célio

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a economia do país, o número de acções para o fazer crescer é muito reduzido”. O também engenheiro da área mecânica e de alimentos lembra que uma cerveja, por exemplo, é composta por 95% de água, sendo os outros 5% matérias-primas importadas, que são o malte, o lúpulo e o fermento. “Ou seja, o que custa realmente dinheiro, e nos constrange o mercado cambial, ainda é importado”, desabafou, tendo defendido que, embora as indústrias sejam fonte de postos de trabalho e pressuposto de desenvolvimento económico, “não se pode permitir que este êxodo de divisas continue, principalmente porque nos

deparamos com uma baixa de preço no mercado internacional do principal produto de exportação de Angola, que é o petróleo”. OS INVESTIDORES NÃO ESTÃO A DORMIR A indústria nacional de bebidas é “fantástica”, considera Philippe Frederic, administrador delegado do Grupo Castel em Angola, que defende uma redução das importações de bebidas estrangeiras, para que, por via disso, haja mais disponibilidade financeira para apoiar os investidores locais. “A nossa indústria de bebidas é

fantástica, mas ninguém vê isso. Dentro de pouco tempo o mercado terá 12 cervejeiras, sendo que hoje já existem 40 produtores de bebidas. Por que é que continuamos a importar águas e cervejas? Em vez de mandar esse dinheiro lá para fora, deve ser guardado e reinvestido no apoio aos empresários locais. Depois do petróleo, a segunda maior indústria de Angola é a de bebidas”, defendeu a mesma fonte. O responsável informou, entretanto, que os investidores não estão a dormir. “Se os mesmos investimentos que foram feitos pela indústria de bebidas se replicassem noutros sectores, teríamos


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PARA JORGE COELHO PINTO, AS AUTORIDADES DEVEM DECIDIR-SE SOBRE SE A INDÚSTRIA CONTINUARÁ “A FAZER CERVEJAS COM PRODUTOS QUE PODEM SER PRODUZIDOS NO PAÍS, OU SE VAI TEIMAR EM ENGROSSAR A FATIA DA RIQUEZA DOS OUTROS MERCADOS, IMPORTANDO DELES, PARA SER APENAS MERO ENGARRAFADOR DE CERVEJAS. QUEM DEVE TOMAR ESTAS DECISÕES É QUEM DIRIGE FINANCEIRAMENTE O PAÍS”.

Jorge Coelho Pinto, Engenheiro

uma economia mais desenvolvida”, comentou Philippe Frederic, cujo grupo investiu mais de mil milhões de dólares em vários segmentos do negócio. “O Grupo Castel fez todos os seus grandes investimentos antes da crise. Quando esta começou, já estávamos preparados para enfrentá-la. Apenas pusemos linhas de produção em standby, mas temos a certeza de que em breve poderemos reactivá-las. Hoje estamos a importar muito pouco e não sentimos necessidade de investir mais. Precisamos sim de comprar peças sobressalentes, que são todas encomendadas, mas ainda assim já tínhamos um stock de mais de 100 milhões de dólares para todas as nossas fábricas. Reduzimos o stock e precisamos de reabastecê-lo”, declarou. Até antes da avaria de um dos fornos da Vidrul, também sob a alçada do grupo, a Castel produzia todas as embalagens de garrafa no país, cuja produção anual ultrapassava as 400 milhões de unidades. “Hoje, como temos apenas um forno a funcionar,

CARACTERIZAÇÃO DA INDÚSTRIA NACIONAL DE BEBIDAS CAPACIDADES INSTALADAS VS PRODUÇÃO NACIONAL MILHÕES DE LITROS POR ANO

4 580

2 173

Capacidade Instalada actual da Indústria

Produção Nacional em 2014

2 407

Capacidade Existente e não Utilizada

Fonte: AIBA - Associação das Indústrias de Bebidas de Angola


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CARACTERIZAÇÃO DA INDÚSTRIA NACIONAL DE BEBIDAS IMPACTO ECONÓMICO E SOCIAL (1/2) CRIAÇÃO DE EMPREGO

14 000 POSTOS DE TRABALHO DIRECTOS

42 000

POSTOS DE TRABALHO INDIRECTOS

67%

EQUILÍBRIO DA BALANÇA COMERCIAL

EXPORTAÇÕES ANUAIS DE

2,2 MILHÕES DE LITROS

POTENCIAL DE REDUÇÃO DE DIVISAS ESTRANGEIRAS POUPANÇA ANUAL ATÉ

400 M Usd

Fonte: AIBA - Associação das Indústrias de Bebidas de Angola

produzimos pouco mais de metade, mas ainda assim não gastamos nenhum dólar na importação de embalagens, porque somos completamente autosuficientes”. Quanto às latas caricas, a empresa tem importado chapas que são desenhadas localmente por um fornecedor angolano, a Topack. Os rótulos e as rolhas também são produzidos no país. “Depois, temos ainda a sorte de existir a Angolata, que há sete anos investiu numa linha de fabrico de latas standard, e há três investiu numa linha de fabrico de latas no formato sleek. Toda a nossa produção de gasosas em Luanda é agora no formato sleek, que é mais jovem, apesar de ter as mesmas dimensões”, informou. Relativamente aos recipientes de plástico (pet), o grupo investiu na montagem de três máquinas para produzir as pré-formas. “Infelizmente, muitas produtoras de água engarrafada, incluindo os nossos concorrentes, estão a importar as pré-formas, o que não compensa porque elas pesam pouco mas ocupam muito espaço. Actualmente, estamos apenas a importar o malte, que vem quase todo da Europa, porque é o melhor mercado, o milho ou o arroz. Estamos sim a importar essas matérias-primas, que são muitas toneladas e significam muitas divisas exportadas, mas não temos produção local suficiente, nem com as qualidades que exigimos”. Para contornar essa situação, o Grupo Castel vai investir até 50 milhões de dólares num projecto agro-industrial em Malange, onde vai produzir milho e outros bens agrícolas em sistema rotativo. A empresa desenvolveu um “estudo profundo”, garante Philippe Frederic, sobre a produção de milho em Angola e decidiu investir nesta área. “Como temos nove cervejeiras, devemos começar a produzir milho em Angola. Já temos uma empresa criada que será instalada dentro do


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projecto SODEPAC”, informou, tendo acrescentado que o objectivo é atingir, numa primeira fase, além das necessidades da indústria, até 30% do consumo local do milho, e a outra parte será canalizada para a exportação, para que se consigam algumas divisas.

Philippe Frederic, Administrador Delegado do Grupo Castel em Angola

PHILIPPE FREDERIC CONSIDERA QUE O PAÍS TEM TUDO PARA FAZER BEM AS COISAS, PORÉM, O PROBLEMA DA ESCASSEZ DE DIVISAS NO MERCADO AINDA SE VAI ARRASTAR POR ALGUM TEMPO.

CARACTERIZAÇÃO DA INDÚSTRIA NACIONAL DE BEBIDAS CAPACIDADES INSTALADAS VS CONSUMO NACIONAL POR CATEGORIA CONSUMO NACIONAL E CAPACIDADE DE PRODUÇÃO POR CATEGORIA (M LITROS; 2014)

1 459

1 439 1 267

CAPACIDADE INSTALADA

1 081 CONSUMO NACIONAL

728 453 181

247

154 150 18

CERVEJAS

REFRIGERANTES

ÁGUAS

SUMOS E NÉCTARES

CATEGORIAS ONDE A CAPACIDADE INSTALADA NACIONAL É SUFICIENTE PARA ABASTECER A TOTALIDADE DO MERCADO

VINHOS

81

ESPIRITUOSAS

“A SOLUÇÃO PARA ANGOLA É ANGOLA” Philippe Frederic considera que o país tem tudo para fazer bem as coisas, porém, o problema da escassez de divisas no mercado ainda se vai arrastar por algum tempo. Entretanto, frisou, “a solução para Angola é Angola”. “O país tem que começar a desenvolver a produção local. Há gente com dinheiro e há gente com muito boas ideias, que podem ser postas a trabalhar em projectos conjuntos. A riqueza de Angola para mim não é o petróleo, mas sim a água. Infelizmente, com a disponibilidade de petróleo, Angola teve muitas receitas e habituou-se a importar quase tudo. Hoje a questão que deve ser feita é: o que podemos produzir facilmente em Angola e o que é que ainda pode ser importado?”, alertou. Ainda sobre a produção nacional, para Jorge Coelho Pinto, as autoridades devem decidir-se sobre se a indústria continuará “a fazer cervejas com produtos que podem ser produzidos no país, ou se vai teimar em engrossar a fatia da riqueza dos outros mercados, importando deles, para ser apenas mero engarrafador de cervejas. Quem deve tomar estas decisões é quem dirige financeiramente o país”. O especialista em agricultura endurece ainda mais a sua crítica: “Esta história de pormos ‘Feito em Angola’ e andar a dizer que é um produto nacional, para mim não é nenhuma verdade, mas sim uma mentira encapuzada”. Jorge Coelho Pinto defende uma promoção de produtos que, de facto, tragam Valor Acrescentado Nacional (VAN) porque se valoriza, acima de


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CONSTITUIÇÃO AIBA A AIBA - ASSOCIAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE BEBIDAS DE ANGOLA, FOI CONSTITUÍDA EM LUANDA, A 1 DE OUTUBRO DE 2014, COM 12 MEMBROS FUNDADORES: COCA-COLA BOTTLING LUANDA

ANGOLAMAIS SOBA

CUCA

SOVINHOS

DRINCO ECNN

SEFA

REFRIANGO HUAMBO

EPBY

REFRIANGO

KICANDO

NOCEBO

NOCAL MOSTRATUS

ALÉM DOS MEMBROS FUDADORES, SÃO ASSOCIADOS DA AIBA AS SEGUINTES EMPRESAS

ÁGUAS TCHOIWA COCA-COLA BOTTLING SUL DE ANGOLA

COCA-COLA CATUMBELA

EKA COBEJE

Fonte: AIBA - Associação das Indústrias de Bebidas de Angola

tudo, a matéria-prima local. “Não vejo nenhuma lógica em autorizarem surgir mais um comprometedor da balança de pagamento”, desabafou, referindo as novas cervejeiras que o mercado angolano recebeu. A fonte defende que tem de haver, por parte dos grandes investidores do sector industrial, um

acompanhamento da produção das matérias-primas, para que estas apresentem um nível de qualidade à altura do que o mercado precisa. Ou seja, reforçou, “deve dizer ao agricultor qual é a qualidade de que a indústria precisa para não comprometer o produto final”. &


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INDÚSTRIA DE BEBIDAS

CONTRIBUIÇÃO AO PIB AMEAÇADA

Texto: Quingila Hebo Fotografia: Afonso Francisco

A indústria de bebidas está a ser fortemente afectada pela crise cambial. A falta de divisas para a importação de matéria-prima está a levar muitas fábricas a paralisar algumas linhas de produção e reduzir a mão-de-obra. De acordo com o Presidente da Associação das Indústrias de Bebidas (AIBA), Manuel Victoriano Sumbula, em entrevista ao Expansão, os últimos oito meses foram extremamente difíceis, apontando para uma quebra efectiva da produção em torno dos 30 a 40%. O economista Manuel Alberto, em entrevista à E&M, alerta sobre o contributo do sector das bebidas no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) que será fortemente afectado. O especialista avança algumas medidas que podem ser implementadas no curto prazo e podem servir de adesivo para atenuar a situação.


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A cervejeira EKA já despediu aproximadamente 500 trabalhadores, em consequência da paralisação de uma segunda linha de produção, avança uma fonte da empresa, pedindo anonimato. De acordo com a fonte, mesmo a linha que continua a produzir só funciona durante um turno, sendo que da capacidade total instalada de produzir 50 mil hectolitros, actualmente está reduzida a uma produção de 11 mil hectolitros/mês. Contactado o director-geral da empresa, Renaud Brard, este alegou estar fora do país e por isso preferiu não confirmar os dados. Recentemente, o presidente da Associação Industrial de Angola, José Severino, desvendou que, de um modo geral, o desemprego no sector industrial já ronda os 60 mil trabalhadores. De acordo com o presidente da Associação das Indústrias de Bebidas de Angola (AIBA), Manuel Victoriano Sumbula, no geral, no sector das bebidas, há uma estimativa de quebra efectiva na produção que ronda os 30 a 40%, o que obriga também a uma redução da mão-de-obra, uma situação que se prevê manter-se até ao fim do ano. De acordo com o economista Manuel Alberto, o que está acontecer no subsector de bebidas é uma situação transversal a todo o sector da indústria transformadora, que resulta de um choque exógeno originado pela crise cambial. De facto, além das indústrias de bebidas, o director da Bevcan Angola, antiga Angolata, empresa de produção de vasilhames em lata para as indústrias nacionais, cuja matéria-prima é toda importada, avança que as dificuldades não são apenas para importar matérias-primas, mas também para liquidar as dívidas dos anos anteriores aos fornecedores. O director da Bevcan, Peter Mashangu, revela que devido às dificuldades na obtenção de cambiais a empresa deve aos fornecedores facturas acima dos seis meses, que já vão na casa dos milhões de dólares. A Bevcan importa quase toda a matéria-prima, mormente o aço e a tinta utilizada no processo de fabrico, bem como

Peter Mashangu, Director da Bevcan

EM GERAL, NO SECTOR DAS BEBIDAS, HÁ UMA ESTIMATIVA DE QUEBRA EFECTIVA NA PRODUÇÃO QUE RONDA OS 30 A

40% O QUE OBRIGA TAMBÉM A UMA REDUÇÃO DA MÃO-DE-OBRA, UMA SITUAÇÃO QUE SE PREVÊ MANTER-SE ATÉ AO FIM DO ANO.

as peças de todo o aparato tecnológico da indústria, cujos fornecedores são brasileiros e coreanos. Peter Mashangu avança que os únicos factores de produção que a indústria consegue localmente são a água e a energia, mas que também representam custos avultados à empresa, porque derivam de fontes alternativas. Ou seja, a Bevcan recorre aos camiões cisternas e aos geradores para garantir que o processo de produção não pare, uma vez que uma oscilação na rede eléctrica, por exemplo, pode significar prejuízos incalculáveis. A empresa gasta 35 mil litros de gasóleo e 30 mil litros de água por dia. Peter Mashangu revela que em função das dificuldades de importação de matéria-prima para a transformá-las localmente, a fábrica reduziu os volumes de produção em torno dos 40% e cortou 7% no número de trabalhadores. Mas, de acordo com o entrevistado, não é só por isso. É também o reflexo do que se passa


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O ECONOMISTA MANUEL ALBERTO DEFENDE MEDIDAS URGENTES PARA SE EVITAR QUE O SECTOR ABRANDE O CONTRIBUTO QUE JÁ VINHA DANDO AO CRESCIMENTO DO PIB.

Carlos Ferreira, Director-geral da Vidrul

Manuel Alberto, Economista

na indústria de bebidas, porque os clientes diminuiram igualmente a demanda por mais vasilhames. No entanto, o responsável assegura que a fábrica mantém a capacidade para atender à procura interna e exportar o excedente. Já o director-geral da Vidrul, empresa de produção de vasilhames em garrafa, assegura que tem a situação controlada. Não há despedimentos e mantém as linhas de produção activas e na sua plena capacidade, de acordo com as necessidades do mercado. O director-geral da Vidrul, Carlos Ferreira, avança que as dificuldades actuais da empresa prendem-se mais com as novas regras para a exportação, que agregam mais custos à fábrica. Relativamente às dificuldades na obtenção de divisas, avança que estas apenas estão a impedir um investimento de 60 milhões de dólares, dos quais 40 milhões em importação da tecnologia e 20 em investimento local. Tirando isso, Carlos Ferreira garante

que a Vidrul vai continuar a contribuir para a economia da mesma forma que tem contribuído, mas a preocupação agora é aumentar as exportações, em linha com as orientações do Executivo. A Vidrul produz anualmente 50 mil toneladas de garrafas, sendo que a necessidade do mercado ronda as 60 mil toneladas. Da quantidade produzida, 45 mil toneladas são para o consumo interno e 5 mil toneladas são exportadas para 11 países. Já a Bevcan, antiga Angolata, produz anualmente 2,4 milhões de latas, sendo que o mercado consome 1,6 milhões de latas. É PRECISO TOMAR MEDIDAS A indústria de bebidas é o subsector económico que já deu passos largos no contributo para o crescimento da economia angolana, contribuindo com cerca de 4% para o PIB, bem como para a tão propalada diversificação económica e fontes de receita do Estado.

O economista Manuel Alberto defende que sejam tomadas medidas urgentes para se evitar que o sector abrande o contributo que já vinha dando ao crescimento do PIB. Na sua opinião, a curto prazo, devem ser adoptadas medidas de carácter administrativos, que se consubstanciem num tratamento diferenciado na distribuição de recursos cambiais, para que pelo menos possa operar a níveis que optimizem a capacidade de produção instalada, salvaguardando os postos de trabalho e diminuindo o impacto económico e social que pode resultar numa acentuada retracção das actividades deste subsector da indústria transformadora. O presidente da AIBA, Manuel Sumbula, em entrevista ao semanário Mercado, alertou que, com as dificuldades na obtenção de divisas, impor uma recessão ao sector de bebidas é ignorar o investimento avultado, estimado em 2,5 mil milhões de dólares, esforço público e privado, e é dar passos para trás no desenvolvimento económico que o país tanto almeja. Já Peter Mashangu mostra-se mais confiante e assegura que a indústria, no geral, manterá o contributo ao crescimento do PIB que vinha dando nos anos anteriores. O responsável avança que o Governo tem-se mostrado mais aberto em interagir e perceber as dificuldades dos industriais, o que lhe faz crer que dentro em breve a situação da falta de cambais será ultrapassada e a indústria transformadora continuará a desempenhar um papel importante na economia nacional. Manuel Sumbula também revelou


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que, das concertações que a AIBA tem feito com as autoridades, propôs-se um equilíbrio na disponibilização de divisas para a importação de produtos acabados e de matéria-prima necessária à produção nacional. De resto, a AIBA propôs também que se reduzam as quotas de importação e se dê um melhor aproveitamento da capacidade interna instalada.

nacional? A situação vai até ao absurdo, ao ponto de até as películas ou etiquetas serem importadas. Como se pode constatar, estamos perante uma situação quase insustentável”, adverte o economista. Para o Manuel Alberto, está-se, claramente, perante uma situação negativa em termos de análise de efeitos secundários sobre a Balança de Pagamentos. “Rigorosamente, alguma coisa não vai bem”, atira, sublinhando que muitas supostas indústrias que operam no país não o são como tal. “Apenas servem como canal de escoamento de excedentes de produtos dos mercados de países de origem dos accionistas, para depois repatriarem em massa as remessas cambiais”, acusa a fonte, que defende, entretanto, a necessidade de se criar uma cadeia de valor a jusante e a montante no sentido de as indústrias

PRODUÇÃO NACIONAL DEVE CONTAR COM MATÉRIA-PRIMA LOCAL O economista Manuel Aberto alerta que há uma situação extremamente preocupante que enferma quase todo sector da indústria transformadora nacional, especificamente o subsector de bebidas, que, das matérias-primas nacionais, usa apenas a água. “Será que isso se pode chamar de produção 20160610_GLOBAL_SEGUROAUTOMOVEL_AF_EM_meia.pdf

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instaladas no país não terem de importar quase 90% da matéria-prima incorporada nos seus processos de produção. No caso do sector de bebidas, continua, poder-se-ia investir, por exemplo, na indústria química, especificamente na produção de reagentes e corantes. “Porém, estas são questões que só poderão ser equacionadas com medidas de política económica consistentes, no âmbito da política industrial direccionada para subsector, num horizonte de médio prazo”, observa. Peter Mashangu entende que, de facto, seria viável para a indústria nacional se os fornecedores de matéria-prima pudessem instalarem-se no país, mas reconhece que Angola não reúne as condições mínimas para atrair os grandes grupos que fornecem os inputs de produção industrial. &


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INDÚSTRIA DE BEBIDAS

UM PERCURSO DE ALTOS E BAIXOS Patrícia Pinto da Cruz

Com 126 anos de existência, a Unicer nasceu no Porto, em Portugal, em Março de 1890. Na altura, tinha 13 colaboradores que produziram, no primeiro ano, 400 mil litros de cerveja. Hoje, a empresa está sediada em Leça do Balio, Matosinhos, Portugal, onde tem uma das mais modernas fábricas da Europa, situada numa área de 185 mil metros quadrados, com seis linhas de enchimento e um armazém totalmente automatizado. Até Março do ano passado, tinha 1 300 trabalhadores e produzia 400 milhões de litros de cerveja, figurando na lista das maiores indústrias de bebidas que há 11 anos tenta instalar uma fábrica em Angola.

O título faz sentido quando olhamos para a história da firma portuguesa em Angola. Em 2007, a Unicer era o maior exportador português para Angola, com 1 200 contentores de bebidas a serem exportados por mês. Nesse ano, só entre Janeiro e Abril, a Unicer cresceu 71% de volume de produção de bebidas, o que representou uma subida, em valor, na ordem dos 82%, para os 27 milhões de dólares. Em Maio daquele ano, o então CEO do grupo cervejeiro português, António Pires de Lima, informou, na apresentação de resultados, que esperava obter, até ao fim de 2007, o licenciamento para instalar uma fábrica de cerveja em Angola. O investimento estava estimado em cerca de 100 milhões de dólares norte-americanos e o objectivo era também exportar para outros países de África. Em 2007, António Pires de Lima acreditava que a fábrica estaria a funcionar em 2010, o que não aconteceu. Em Janeiro de 2009, em entrevista ao semanário O País,

APESAR DAS DIFICULDADES POR QUE OUTRAS EMPRESAS CERVEJEIRAS POSSAM ESTAR A PASSAR EM ANGOLA, HÁ NOVOS PLAYERS NO MERCADO, COMO É O CASO DA CERVEJA BELA, A PRIMEIRA DO SEGMENTO PREMIUM PRODUZIDA EM ANGOLA, LANÇADA EM 2015 E CUJA FÁBRICA, LOWENDA BREWERY COMPANY, PROMOVIDA PELA CHINA INTERNATIONAL FUND (CIF), COMEÇOU A FUNCIONAR EM OUTUBRO DE 2014.

o representante da Unicer em Angola, José Teixeira, anunciou que a nova fábrica de cervejas da ÚNICA (União de Cervejas de Angola – constituída pela Unicer e um grupo de empresários angolanos) deveria entrar em funcionamento em Maio de 2011, com uma produção anual de 100 milhões de litros de cerveja. Segundo o entrevistado d’O País, em 2009 a Unicer vendeu a Angola 125 milhões de litros de cerveja, detendo assim 70% da quota de mercado de cervejas importadas, sobretudo com as marcas Cristal e Super Bock,

que seguiram a cerveja nacional Cuca na liderança do mercado nacional. Entretanto, 2011 passou e a data de abertura da fábrica de cerveja da Unicer foi, mais uma vez, adiada. Em Março de 2014, João Abecasis, ex-presidente executivo da cervejeira, garantiu que o projecto se mantinha e que tinha conhecido “uma evolução positiva desde Agosto” de 2013, estando apenas a aguardar pelo “licenciamento por parte das agências governamentais”. Em entrevista ao jornal português Público, o gestor que assumiu a presidência da comissão

executiva em 2013, após a saída de Pires de Lima para ministro da Economia em Portugal, afirmou que gostaria que o processo estivesse mais adiantado, mas que mantinha a expectativa de que a produção de cerveja em solo angolano pudesse arrancar em 2016. A unidade fabril da ÚNICA seria construída na província do Bengo, num investimento de 112 milhões de dólares norte-americanos e com uma capacidade de produção de 120 milhões de litros de cerveja, acima do inicialmente previsto, antecipando criar 328 postos de trabalho. UM CENÁRIO MENOS POSITIVO SURGIU No entanto, quase um ano depois de estas previsões serem divulgadas, em Janeiro de 2015, a Unicer admitiu que a conjuntura da economia que se tem vindo a verificar em Angola poderia alterar os prazos da abertura da fábrica da ÚNICA. O português Jornal de Negócios divulgou que, em declarações à margem da


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apresentação de um livro sobre a história da empresa cervejeira, o então CEO, João Abecasis, salientou que o projecto não estava comprometido de forma alguma, mas que os timings podiam ser alterados, sobretudo, se não estivessem reunidas “as condições de realização do capital dos parceiros” que detêm 51% das acções. Na altura, Abecasis avançou que as importações de cerveja da Unicer geraram uma receita fiscal não petrolífera de 100 milhões de dólares norte-americanos para o Governo angolano, assim como asseguravam 300 postos de trabalho na distribuição, os quais se juntariam a mais cerca de 300 na nova fábrica. Segundo ainda o Jornal de Negócios, o gestor também afirmou “que a prioridade da empresa é a defesa de postos de trabalho em Portugal e que esse será o último ponto a ser intervencionado se a queda de receitas em Angola trouxer problemas à empresa”. Esta afirmação foi feita no início de 2015 e, realmente, ao longo desse ano, as condições foram-se agravando para a empresa cervejeira. A grande meta de João Abecasis para 2020 era duplicar a facturação da Unicer e chegar aos mil milhões de euros de vendas. Mas em Agosto de 2015, Rui Lopes Ferreira assumiu o antigo cargo de Abecasis e, pouco tempo depois, anunciou as suas primeiras grandes medidas: que a sua fábrica de Santarém, Portugal, iria fechar as portas; que deixaria de produzir refrigerantes e que iria rescindir com 140 trabalhadores. O motivo da reestruturação seria a crise económica de Angola. A empresa reforçou a sua intenção de avançar com a fábrica na

província do Bengo, mas desta vez já não se comprometeu com quaisquer datas. Ao longo de 2015, as vendas da empresa cervejeira portuguesa em Angola registaram uma queda superior a 50% face a 2014. Foi Lopes Ferreira que anunciou a quebra, no início deste ano, à margem da assinatura da parceria da Super Bock com o festival Rock in Rio Lisboa, que tornou a marca a cerveja oficial do evento musical que decorreu de 19 a 29 de Maio. “Angola está a passar um período difícil. Reduzimos as vendas, mas não abandonamos o mercado”, garantiu o presidente da cervejeira, segundo divulgou a agência Lusa. “Somos investidores e actuamos a médio e longo prazo, não nos deixamos assustar por situações conjunturais”, afirmou Lopes Ferreira, frisando ainda: “Angola é um mercado estratégico, vamos continuar presentes”. Em termos de perspectivas para este ano, na mesma ocasião, o presidente executivo da Unicer afirmou ter um “optimismo moderado e realista”. Estas afirmações datam de Fevereiro deste ano e, com o objectivo de averiguar a actual situação da empresa portuguesa em Angola e em que pé está o projecto da fábrica da ÚNICA, que se arrasta há 11 anos, a Economia & Mercado contactou a Unicer. A firma respondeu não considerar que este seja o momento ideal para avançar com declarações, acrescentando: “A Unicer está em Angola desde há muitos anos, onde as nossas marcas têm uma ligação muito forte com os consumidores. A nossa operação comercial mantém-se, embora actualmente ajustada à realidade conjuntural”.

Afonso Francisco

www.economiaemercado.sapo.ao | Agosto 2016

BELA E TIGRA SÃO AS NOVAS CERVEJAS ANGOLANAS Apesar das dificuldades por que outras empresas cervejeiras possam estar a passar em Angola, há novos players no mercado, como é o caso da cerveja Bela, a primeira do segmento premium produzida em Angola, lançada em 2015 e cuja fábrica, Lowenda Brewery Company, promovida pela China International Fund (CIF), começou a funcionar em Outubro de 2014. Com capacidade para produzir um milhão de hectolitros de cerveja por ano e garantindo emprego a 250 angolanos e 170 estrangeiros, a fábrica resultou de um investimento chinês na ordem dos 180 milhões de dólares norte-americanos, de acordo com a agência de notícias chinesa Xinhua. Citado pela agência, o director-geral da unidade, Buhe Bater, avançou que o equipamento da fábrica foi todo importado da Alemanha, enquanto o malte e outras matérias-primas são provenientes da República

Checa e da Austrália. Em Luanda, tentámos vários meios para contactar a empresa, porém sem sucesso. Este ano, a Refriango lançou no mercado a cerveja Tigra. A Economia & Mercado contactou o Marketing Manager da Tigra, Francisco Camacho, para saber mais pormenores sobre a cerveja mais nova de Angola. Economia & Mercado (E&M) - Qual foi o investimento feito até hoje para este projecto? Francisco Camacho (FC) O investimento na fábrica foi de aproximadamente 50 milhões de dólares, o que só foi possível pelo facto de ter sido aproveitada a estrutura de acessos, logística e enchimento já disponíveis nas instalações da Refriango. Com estas sinergias, o resultado final é uma fábrica moderna e eficiente. O valor de investimento em publicidade ultrapassa os 10 milhões de dólares, em todos os formatos. Estamos a falar de um investimento anual, não só em Luanda como nas províncias. Além deste investimento,


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devemos também sublinhar o investimento em formação, que não é facilmente quantificável porque é um processo contínuo, e devemos também valorizar o investimento em tempo e dedicação de todos os envolvidos, que não mediram esforços para garantir que a nossa cerveja seja um produto de qualidade ao gosto dos angolanos. E&M - Qual é a quantidade de cerveja produzida e colocada no mercado? FC - Até ao momento a produção da cerveja está dentro dos volumes expectáveis e previstos. O mercado tem revelado um interesse bastante grande no produto e os distribuidores têm revelado uma forte procura da cerveja Tigra,

o que nos leva a manter os níveis de produção definidos no início do ano. E&M - Quais foram e são os maiores desafios da empresa? FC - No desenvolvimento de um projecto desta envergadura, tudo é um desafio, porque tivemos de começar do zero. Mas isso é o que faz da Refriango a empresa que é hoje. O desejo de nos superarmos a cada dia. Mas se tivéssemos de destacar um, diria que o desenvolvimento da nossa receita foi um dos principais desafios e a sua adaptação à escala industrial. E&M - Existem constrangimentos para obter matéria-prima? FC - A actual situação macroeconómica representa

um enorme desafio para qualquer empresa a operar em Angola. A Refriango, graças à sua forte presença no mercado, credibilidade junto do consumidor e dos vários agentes económicos, tem conseguido assegurar o fornecimento de matérias-primas para a produção dos seus produtos. E&M - Quais são as previsões e os planos para a empresa no futuro próximo? FC - Como qualquer marca da Refriango, a Tigra está disponível em todo o território nacional e vamos começar a distribuir a cerveja em Portugal num futuro próximo. Tal como as marcas Refriango, temos expectativas de exportação para vários países à semelhança da marca BLUE, que está

disponível em mais 20 mercados. Outra aposta da cerveja Tigra é na Responsabilidade Social, nomeadamente na área da prevenção rodoviária e na área da educação. Iniciámos uma acção em festas onde fretamos candongueiros para levar as pessoas a casa gratuitamente, desta forma permitimos que as pessoas se divirtam na festa, ao mesmo tempo que garantimos que cheguem a casa em segurança. O Tigra FAU Challange é uma acção na área da Educação que permite aos estudantes universitários, com mais de 18 anos, apresentarem propostas de marketing, colocando assim o seu conhecimento à prova. Aqui o melhor grupo ganha 350 000 kwanzas e o melhor aluno terá um estágio na Refriango. &


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ENTREVISTA COM MANUEL VICTORIANO SUMBULA, PRESIDENTE DA AIBA

“OS PRODUTOS NACIONAIS NÃO TÊM O MESMO DESTAQUE QUE OS IMPORTADOS” Texto: Sebastião Vemba Fotografia: Cedidas

Depois da tempestade causada pela crise cambial e económica, a indústria nacional de bebidas, cuja quebra efectiva da produção este ano rondará os 40%, caso a actual situação de falta de divisas se mantenha, luta para recuperar os 3% de crescimento anual e manter os actuais 14 000 postos de trabalho directos e 45 000 indirectos. Entretanto, além de medidas estruturais, este desafio só pode ser alcançado com uma maior valorização da produção nacional, defende o Presidente da Associação das Indústrias de Bebida de Angola (AIBA), Manuel Victoriano Sumbula, que lamenta, entretanto, “que os produtos nacionais não têm o mesmo destaque que os importados”.

Economia & Mercado - Como é que caracteriza a indústria nacional de bebidas, considerando não só o facto de ela estar a ser fortemente afectada pela crise de divisas, mas também tendo em atenção o peso que a mesma representa no PIB do país? Manuel Victorino Sumbula - O sector de bebidas em Angola é dos que mais se desenvolveram, fruto de uma visão estratégica, de investimento e, sobretudo, de planeamento de recursos com horizonte de médio e de longo prazo. A indústria angolana de bebidas contribui com 4% no PIB, segundo números do INE. Antes da independência, a participação deste sector chegou a ser de 20%. Nos países que têm a industrialização como suporte dos processos de diversificação económica, o seu peso relativo é de 25%. É esta a meta que queremos ajudar a atingir. E&M - Caso o cenário de crescimento antes da crise se mantivesse, dentro de que prazo seria possível atingir pelo menos a metade da contribuição ao PIB que o sector das bebidas representava até antes da Independência de Angola? MVS - O crescimento de que fala não é linear no sentido de a quantificar em anos absolutos. Temos feito um esforço para apostar no desenvolvimento das empresas fornecedoras a montante e a jusante, garantindo que daqui a uns anos Angola seja uma

economia plural e muito mais independente de importações. E&M - Sabe-se que a limitação de divisas provocou o abrandamento da produção e, consequentemente, o despedimento de pessoal. Até que ponto, propriamente em termos numéricos, esta situação está a retardar o crescimento do sector? MVS - Despedir funcionários para se manter outros postos de trabalho afecta não só os que perderam o trabalho e suas famílias, mas a economia como um todo. Neste último ano houve uma diminuição de pessoal, mas pelas razões naturais de saídas e mudanças, razões que ocorrem todos os anos. O que foi diferente neste cenário de crise, foi a não substituição dessas saídas, pois no actual contexto, não se adivinhava racional e exequível. E&M – De que forma a AIBA tem gerido as situações de despedimento? MVS - As empresas sem as pessoas não existem e a formação de recursos humanos custa tempo e dinheiro e é um investimento cujo retorno não é imediato. Criámos, no seio da associação, uma bolsa de emprego, para que, de umas empresas para as outras e entre todo o sector, haja uma base de dados com as disponibilidades, a formação e


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NOS SUMOS E NAS ÁGUAS, BEM COMO NAS CERVEJAS E REFRIGERANTES, SOMOS ALTAMENTE COMPETITIVOS. RESTA APENAS MUDAR ALGUMA MENTALIDADE EMPRESARIAL E, DA NOSSA PARTE, CAPACIDADE DE RESPOSTA FACE AO ACTUAL CENÁRIO DOS HIPERMERCADOS. VAMOS SER EXPLICATIVOS: UM HIPERMERCADO QUANDO PROCURA UM PRODUTO, EXIGE UMA QUANTIDADE PARA FORNECER VÁRIAS LOJAS. SE UM FORNECEDOR NÃO GARANTE, ENTÃO NÃO HÁ NEGÓCIO.

crise cambial. Que medidas urgentes estão ser - ou devem ser - tomadas para contornar esta situação? MVS - É profundamente desejável que as actividades de enclave se integrem com as restantes, num mosaico de sinergias e efeitos multiplicadores. A conjugação destes factores irá beneficiar largamente outros sectores a jusante e a montante do sector industrial, como a agricultura; os transportes e comunicações; energia e águas; urbanismo e ambiente.

E&M - Quais são os actuais níveis de produção anual da indústria de bebidas? MVS - O sector cresce 3% ao ano e é responsável por cerca de 14 000 postos de trabalho directos e 45 000 indirectos. O país tem mais de 40 empresas de bebidas e, entre cerveja, água e refrigerantes, vinhos e espirituosas, as quantidades produzidas já respondem às necessidades do mercado, três mil milhões de litros por ano. No geral dos associados, posso adiantar que há uma estimativa de quebra efectiva na produção que ronda entre os 30% e os 40% para 2016, se esta situação para a falta de divisas para o sector se mantiver, o que não acredito.

“EU NÃO SOU DEFENSOR DE SÓ CONSUMIRMOS O QUE É NACIONAL” E&M - Nota-se no mercado uma redução ou quase desaparecimento de bebidas importadas, particularmente os refrigerantes, águas, sumos e cervejas. Esta é uma boa altura para novos investimentos (estrangeiros) neste sector ou nem por isso? MVS – Curiosamente, não constato isso. Noutro dia fui com o meu filho, de sete anos, a um hipermercado. Passámos no linear das águas e ouço a seguinte pergunta: “Papá, não há água angolana? – Há pois!”, respondi. O curioso é que temos sumos e águas a serem importados, quando temos produção nacional e um sério problema de divisas, o que, neste caso, me deixa pensativo. Já temos tanto desenvolvido. Eu não sou defensor de só consumirmos o que é nacional, apenas me questiono porque é que os produtos nacionais não têm o mesmo destaque que os importados.

E&M - Uma crítica que ainda se faz à indústria de bebidas é que ela depende, em grande medida, da importação de matérias-primas, o que, de resto, não permitiu que a mesma fosse resistente à actual

E&M - A protecção da produção nacional deve estar alinhada à criação de competitividade do produto local. Em que pé estamos? MVS – Nos sumos e nas águas, bem como

os contactos. É importante que todos os que já têm qualificações não sejam desperdiçados e se mantenham dentro do sector.


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CAPA | 45 teriam na balança comercial de Angola com os países limítrofes, por um lado, e, por outro, na abertura de mais uma fonte de entrada de divisas no mercado nacional? MVS – Já estamos a trabalhar nessa matéria, por duas vias: temos uma capacidade de produção instalada à altura de dar conta da exportação, ou seja, com força para vendermos lá fora e, por outro lado, sensibilizamos os organismos para a necessidade de o país ter uma rede viária e ferroviária que sustente os canais logísticos para escoar produto. As exportações são uma fonte de riqueza para o país.

nas cervejas e refrigerantes, somos altamente competitivos. Resta apenas mudar alguma mentalidade empresarial e, da nossa parte, capacidade de resposta face ao actual cenário dos hipermercados. Vamos ser explicativos: um hipermercado quando procura um produto, exige uma quantidade para fornecer várias lojas. Se um fornecedor não garante, então não há negócio. “AS EXPORTAÇÕES SÃO UMA FONTE DE RIQUEZA PARA O PAÍS” E&M - Fala-se da existência de iniciativas isoladas de exportação de bebidas nacionais, sendo que, neste domínio, são registadas algumas acções informais, senão mesmo ilegais. Existe alguma estratégia no sentido de se promover a exportação e, por outro lado, combater o comércio informal de bebidas angolanas nos pontos fronteiriços? MVS – Não conheço essas iniciativas do ponto de vista concreto e o carácter ilegal apenas as relega para as entidades que têm competência na matéria, mas gostava que não nos esquecêssemos de que a concorrência que se adivinha no âmbito da SADC, quanto à atracção do investimento estrangeiro, contribui ainda mais para justificar o esforço. Os países da região que não reunirem condições satisfatórias para a localização industrial acabarão, certamente, marginalizados. E&M - Que importância as exportações de bebidas

E&M - Afirmou, numa recente entrevista, que não é defensor do princípio da defesa nacional, mas sim de uma consciência de que o sector das bebidas tem uma capacidade instalada que deve ser aproveitada com reais ganhos para todos. Isso quer dizer que a Pauta Aduaneira por si só não basta? MVS – Nada muda de um dia para o outro, e nós gostaríamos de ser parte desta sensibilização junto dos consumidores, para que estejam atentos e, primeiro, considerem os produtos angolanos ao nível dos estrangeiros, para que escolham em consciência. A Pauta Aduaneira, neste caso específico, facilitaria o caminho da sensibilização. &

PERFIL ACADÉMICO-PROFISSIONAL Manuel Victoriano Sumbula é formado em Economia e Gestão pela Tshwane University of Technology em Pretória, na África do Sul, e graduado em Gestão de Empresas pela Católica Lisbon, Business and Economics. A sua experiência profissional iniciou-se na vizinha África do Sul e, posteriormente, já em Angola, passou pelo Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC) e pela Direcção Nacional das Alfândegas. Foi Director de Relações Institucionais da Coca-Cola Bottling e da Empresa de Cerveja N’gola, no entanto, iniciou-se como técnico. Actualmente, é Administrador Executivo das duas empresas. Destaque para a sua participação enquanto membro da comissão técnica para a actualização da Pauta Aduaneira e coordenador da Troica dos Industriais para a promoção do Sector Industrial de Angola pela Associação Industrial de Angola (AIA).


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KWANZA SUL

À ESPERA DE MAIS INCENTIVOS Texto: Pedro Correia Fotografia: Vasco Célio

Situada no litoral-centro de Angola, a província do Kwanza Sul reúne um conjunto de condições naturais que fazem dela uma das mais completas regiões do país no que respeita ao potencial produtivo, porém, a região ainda está economicamente adormecida. A agricultura, a pecuária e as pescas são os principais vectores da sua economia, áreas de produção específicas que oferecem as condições necessárias à criação de um

parque industrial desenvolvido que a província não tem. Aliás, e salvo as raras excepções, 14 anos depois do fim da guerra, não se pode ainda falar de verdadeiros

sectores de produção nacional, já que a agricultura continua a ser maioritariamente de subsistência, a pecuária é residual, resumida à criação de gado familiar ou feita em

pequenas fazendas, e a pesca é essencialmente artesanal, praticada por pequenos pescadores, uma vez que continua a não existir uma frota pesqueira, não há um estaleiro


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naval nem um porto de pesca capaz, não existe indústria transformadora e as infra-estruturas de frio, salga e seca estão destruídas ou degradadas. Na história do Kwanza Sul estão inscritas grandes referências da produção agro-pecuária de Angola no período pré-independência, nomeadamente a fazenda C.A.D.A. – Companhia Angolana de Agricultura, na Boa Entrada (às portas da Gabela), onde as grandes culturas agrícolas e o café foram agora substituídos pelas pequenas plantações, e a Cela, município

A QUALIDADE DA POUCA PRODUÇÃO DE CAFÉ, NO AMBOIM, JÁ MERECEU O RECONHECIMENTO INTERNACIONAL COM A CONQUISTA DO PRÉMIO AFRICANO INCUBATOR.

onde renascem vários projectos agro-pecuários de verdadeira excepção, como são os casos da Agro-Waku, Sediac, Agro-Cela, Emirais e da Aldeia Nova. No ano passado, a Aldeia Nova produziu seis mil toneladas de cereais, mais de 100 milhões de ovos (cerca de 290 mil/dia) e mais de 50 milhões de litros de leite, à razão de 150 mil litros por dia, parte dos quais é transformado em queijo, manteiga e em iogurtes de vários sabores. Entre os cereais produzidos estão o milho e a soja que crescem numa área total de

cultivo irrigado de 10 mil hectares. Além dos cereais, dos ovos e do leite e derivados, são comercializados anualmente cerca de 300 mil pintos destinados à reprodução, três mil rolos de feno e, terminado o ciclo reprodutivo, as galinhas poedeiras pertencentes ao grupo Aldeia Nova são abatidas no matadouro local. Parte delas é congelada e comercializada, enquanto que o restante é encaminhado para a confecção de refeições prontas. Outra referência agrícola na província do Kwanza Sul é o


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município do Amboim onde os números apurados junto dos pequenos e médios agricultores indicam que em 2015 foram produzidas mais de 80 mil toneladas de culturas diversas. Entre as queixas ouvidas dos produtores uma salta à vista: há dificuldades no escoamento e muitos produtos estragam-se sem chegar ao consumidor. Reclamam, por isso, a criação urgente de unidades industriais de transformação, capazes de produzir sumos, doces, compotas e massa de tomate. Entre os números registados em 2015 no município do Amboim estão ainda os que dizem respeito à produção de óleo de palma (46 mil litros) e à exploração de madeira que naquela região do Kwanza Sul ganha expressão graças à actividade do empresário Francisco Campos Rua que produz diversos tipos de madeira para abastecer o mercado

OS AGRICULTORES DO KWANZA SUL RECLAMAM A CRIAÇÃO URGENTE DE UNIDADES INDUSTRIAIS DE TRANSFORMAÇÃO, PARA PRODUZIR SUMOS, DOCES, COMPOTAS E MASSA DE TOMATE.

imobiliário do Kwanza Sul, de Benguela e Luanda. Quanto ao sector do café, o relançamento da produção está longe dos níveis de há 40 anos. O café é ainda produzido por pequenos agricultores que tentam a revitalização das antigas plantações, um esforço que sofre de constantes

abrandamentos devido ao ainda frágil apoio prometido pelo Estado no fornecimento de mudas que garantam o relançamento dos cafezais. Numa visita recente à Estação Experimental de Café da Gabela, a reportagem da E&M verificou que apenas algumas centenas de mudas ocupavam um pequeno espaço da capacidade total de 90 mil mudas do viveiro existente. Ao que nos foi explicado, a falta de bolsas impedia que a capacidade total fosse esgotada, pelo que a distribuição de plantas estava condicionada. Além disso, os produtores também se queixam da falta de quem faça o descasque, a torra e a moagem do café, após as colheitas. Por esta altura, entre as empresas que garantem este tratamento após a colheita, está a Angonabeiro, empresa angolana do grupo português Nabeiro que produz as marcas Ginga e Delta.

Os produtores reclamam, no entanto, a ampliação destas actividades de transformação. A esperança, dizem eles, é a rápida execução de um programa prometido pelo Governo Provincial do Kwanza Sul que prevê a recuperação das unidades familiares de produção e de transformação de café, o fomento da cafeicultura empresarial e a industrialização do sector. Mesmo assim, o chefe de departamento do Instituto Nacional do Café de Angola (I.N.C.A.) no Kwanza Sul, Magalhães Lourenço, nota que a qualidade da pouca produção existente no município do Amboim já mereceu o reconhecimento internacional com a conquista do prémio “Incubator”, arrecadado entre 30 projectos apresentados pelos países africanos durante um certame que decorreu em Junho deste ano. &


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Afonso Francisco

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GRUPO TRIRUMO

OS SENHORES DA CAIXILHARIA E DO ALUMร NIO EM ANGOLA Texto: Antรณnio Piรงarra Fotografia: Cedidas pela Empresa


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O Grupo Trirumo tem como objecto social a produção e a comercialização de sistemas de alumínio. Está no mercado há 23 anos, é constituído por três empresas de capital angolano, sócios exclusivamente angolanos e 99% dos cerca de 200 trabalhadores são angolanos, que produzem 1200 toneladas de perfis de alumínio para caixilharia e 100 toneladas de chapas leve por ano, feitos com matéria-prima proveniente de países europeus. As instalações do Grupo representaram um investimento de cerca de 12 milhões de dólares norte-americanos, construídas com recurso a fundos próprios.

Uma das empresas que formam o Grupo é a Trirumo – Comércio e Indústria Lda, que se dedica à comercialização de sistemas para caixilharia de alumínio. Está localizada na área da Samba, em Luanda, onde existe um armazém de vendas e também se encontra instalada a sede do Grupo Trirumo. Faz também parte do Grupo a Tri-Alumínios – Alumínios de Angola Lda, instalada na Zona Industrial de

Viana, que é uma fábrica de tratamento de superfícies de perfis e chapas de alumínio, através do método de pintura electroestática a pó (vulgo lacagem) e tratamento anódico (vulgo anodização). Por último, a Extrial Lda é também uma fábrica de tratamento de superfícies de perfis e chapas de alumínio, mas apenas através do método de lacagem. A sede fica localizada no Pólo de Desenvolvimento Industrial da Catumbela

(PDIC), na província de Benguela. Fazendo a avaliação da qualidade dos produtos, a gerência do Grupo Trirumo, constituída pelos sócios-gerentes Rui Amaro e Guilherme Mogas, considera que “os perfis e as chapas de alumínio são tratados de acordo com as especificações técnicas internacionais, regidas pelos selos Qualicoat e Qualinod, o que confere aos produtos acabados uma excelente qualidade estética e de durabilidade”.


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| EMPRESAS

MACIO MAS RESISTENTE O alumínio é o elemento metálico mais abundante da crosta terrestre. É um metal leve, macio, mas resistente, de coloração cinzenta prateada. É muito maleável, flexível, de excelente resistência à corrosão e com durabilidade. É o segundo metal mais maleável, a seguir ao ouro, e o sexto mais flexível. O uso do alumínio excede o de qualquer outro metal, exceptuando o aço. É utilizado em múltiplas aplicações tecnológicas, a começar pela indústria de aviões, para torná-los mais leves. Além da utilização na engenharia aeronáutica, é usado na construção civil, em utensílios domésticos e na fiação eléctrica.

No sentido do aumento da produção, a gerência do consolidado grupo empresarial está já a pensar na instalação de novas unidades industriais na área de alumínio, uma vez que a oferta actual ainda é insuficiente para satisfazer o consumo interno. Após este passo, o seguinte será o da exportação dos seus produtos. No entanto, “estes investimentos estão dependentes da disponibilidade de cambiais para a aquisição de equipamentos e matérias-primas”. De acordo com Rui Amaro e Guilherme Mogas, “o maior constrangimento neste momento tem a ver com a falta de disponibilização de divisas por parte dos bancos comerciais”. Trata-se de uma situação que não apenas dificulta a execução dos pagamentos aos fornecedores de matéria-prima no exterior, mas que também

pode levar ao corte dos fornecimentos, “provocando a consequente paralisação das fábricas, que é uma situação dramática para nós e para todos os empresários industriais”, observam os sócios-gerentes. RUMO ASCENDENTE O Grupo Trirumo emergiu da empresa Trirumo, fundada em 1993, com uma actividade inicialmente comercial e com especial enfoque na área dos alumínios para caixilharia. Em 2002, a direcção da empresa avançou com a instalação de uma fábrica de lacagem e anodização de perfis e chapas de alumínio, nascendo, assim, a Tri-Alumínios. Tendo em conta a dimensão do território angolano, e para uma maior proximidade com os seus clientes, o Grupo fundou a empresa Extrial Lda, no Pólo de Desenvolvimento Industrial da

Catumbela, província de Benguela. Em termos de perspectivas, o Grupo Trirumo tem na agenda a expansão da sua actividade a todas as províncias de Angola, sempre com a missão de “produzir, comercializar e fornecer um produto final de qualidade, diversidade, rapidez e eficiência, para a fabricação e instalação de obras de caixilharia de alumínio”, asseguram Rui Amaro e Guilherme Mogas. Logo que estiver resolvida a questão da disponibilização de divisas, a gerência do Grupo pretende expandir a sua actividade a todas as províncias de Angola e encarar a possibilidade de exportação dos seus produtos para os países vizinhos. A ambição é “manter a liderança no mercado e ser referência de excelência em produtos ligados aos sistemas de caixilharia de alumínio”, dizem, harmónicos. &


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REINO UNIDO

BREXIT É FONTE DE RISCOS NA PIOR ALTURA PARA ÁFRICA Texto: Bruno Faria Lopes Fotografia: iStockphoto

O impacto da votação britânica a favor da saída da União Europeia é difícil de quantificar, mas parecem não sobrar dúvidas de que será uma dificuldade acrescida para economias que já enfrentavam enormes desafios. Financiamento e comércio externo são as principais frentes de choque com repercussões na política económica interna.

Qual o impacto duradouro em África do voto britânico a favor da saída do Reino Unido da União Europeia? A resposta à pergunta de um milhão de dólares, nesta altura, é: ninguém sabe ao certo. Depende da forma como o Reino Unido sair, depende do papel que Londres conseguir manter como principal praça financeira, depende das orientações de política externa de uma União Europeia e de um Reino Unido em divórcio, depende da exposição concreta que cada economia africana tiver aos mercados europeu e britânico – depende, no limite, da concretização do próprio Brexit, o que, apesar das garantias políticas, não está 100% garantido. A única certeza é que há incerteza. E isso é um facto em si mesmo – sugere que, pelo menos no curto prazo, o impacto para África e para Angola será negativo, se bem que potencialmente limitado. “Os riscos são difíceis de quantificar, mas apontam de uma forma geral para um impacto negativo para os países africanos”, consideram Mariama Sow e Amadou Sy, analistas do think tank norte-americano Brookings, numa nota

A REALIZAÇÃO DE ELEIÇÕES ANTECIPADAS (ALGO QUE, PARA ACONTECER, PRECISA DE DOIS TERÇOS DOS VOTOS NO PARLAMENTO) E NOVAS CARAS NAS LIDERANÇAS PARTIDÁRIAS PODERIAM SERVIR PARA LEGITIMAR UM CAMINHO ALTERNATIVO A UM BREXIT QUE JÁ AMEAÇA A INTEGRIDADE DO PRÓPRIO REINO UNIDO.

publicada sobre o referendo de 23 de Junho. “O referendo é muito inoportuno na medida em que os países africanos estão a enfrentar choques externos graves, como a queda nos preços das matérias-primas, o abrandamento económico na China e os custos de financiamento externo mais altos”, acrescentam. Estes três factores – matérias-

-primas (determinantes para Angola), abrandamento global e custos de financiamento – são precisamente canais possíveis de transmissão no curto prazo do impacto inerente ao Brexit, nem todos com o mesmo nível de risco. Outros canais, de carácter mais estrutural, incluem a influência britânica sobre a política africana europeia, o risco para o comércio bilateral de economias africanas com o Reino Unido e o papel deste país enquanto financiador directo de ajuda ao desenvolvimento. O CHOQUE NO FINANCIAMENTO Mesmo sendo difícil de quantificar, o impacto mais significativo parece ser sobre os fluxos de financiamento para África. “A tendência é para haver uma retracção nas aplicações mais arriscadas”, confirma Paula Carvalho, economista-chefe do Banco BPI, em Lisboa. Esta retracção pode não só representar custos mais altos de financiamento soberano – paralisando a construção de novas infra-estruturas em vários pontos do continente, por exemplo –, mas também


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uma limitação acrescida para os decisores de política económica. Ao intensificar a desvalorização cambial, a retracção no financiamento “complica a política económica interna, que até necessitaria de taxas de juro mais baixas, que não podem acontecer por causa do efeito da pressão cambial na inflação”, explica a economista. Outro efeito da pressão cambial é a perda de competitividade. A agência de rating Fitch aponta Etiópia, Egipto e Angola como exemplos de países que vão sofrer “apreciações cambiais adicionais” dos termos de troca e “perda de competitividade” que “potencialmente ampliará os

desequilíbrios macroeconómicos”. Este efeito pode somar-se a outro – de carácter mais estrutural – relacionado com a eventual renegociação de acordos bilaterais de comércios entre o Reino Unido (que por estar na EU beneficia de uma série de acordos comerciais) e países africanos ou atrasos nos acordos entre blocos económicos em África e Londres (o caso da ameaça sobre as exportações de flores do Quénia para a Europa, por exemplo, tem sido amplamente divulgado nos media internacionais). Nesta frente do comércio externo há outro ponto importante: o Reino Unido tem sido um dos maiores críticos da Política Agrícola Comum, também criticada por vários

países africanos por serem uma barreira proteccionista. No médio prazo há um risco adicional para a capacidade de financiamento, sobretudo de bancos das maiores economias africanas. “Bancos africanos, instituições financeiras e investidores têm usado Londres como centro para terem acesso aos mercados da União Europeia e para estabelecerem plataformas financeiras que podem ser utilizadas para investimento que entra e sai da União”, explica António Payan Martin, sócio da CMS Rui Pena & Arnaut, um escritório de advocacia português ligado à rede mundial CMS. “O risco de o Reino Unido perder o regime de pass-porting


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[que permite entrar na Europa através de Londres] por causa do Brexit pode ser um desafio para a instituição fora da União Europeia que pode no futuro ter mais dificuldades em aceder a este mercado”, junta. Os restantes canais de transmissão no curto prazo fazem pender os riscos para o lado negativo, com um efeito que pode ser limitado. No caso do preço das matérias-primas, com destaque para o petróleo (crucial para Angola, Nigéria e outros países produtores em África), é certo que o Brexit não ajuda à recuperação do preço. Vários analistas reviram em baixa os preços médios para este ano e o próximo – no caso do Barclays, por exemplo, a revisão foi de 44 para 41 dólares este ano; e de 60 para 57 dólares em 2017. O impacto deve-se não só ao efeito duvidoso do Brexit no comércio mundial, mas também à valorização do dólar (que torna o

BREXIT ESTÁ MESMO GARANTIDO? Com a política britânica em tumulto, os principais líderes – no campo do “Leave” ou do “Remain” – foram rápidos a dar uma garantia: o voto dos britânicos é para cumprir, ou seja, o Reino Unido vai mesmo sair da União Europeia. O consenso parece ser forte, mas há frentes de dúvida sobre se a saída está mesmo 100% garantida. Em primeiro lugar, e dada a ausência legal de referência ao carácter vinculativo do referendo, o Parlamento britânico mantém a última palavra sobre o assunto (e a maioria dos deputados é pró-europeia). Contrariar o voto popular poderia ser complexo – mas há um prazo dilatado para negociar a saída da União Europeia. Os líderes britânicos, mesmo os conservadores no campo do “Leave”, têm-se mostrado a favor de negociar com a União Europeia antes de activar o artigo para desencadear a saída do bloco – para alguns analistas isto pode querer dizer que, com um acordo melhor com a Europa, a política britânica poderia ser tentada a voltar a apresentar a questão em referendo (do lado europeu, até agora, tem havido pouca vontade em seguir este curso). A realização de eleições antecipadas (algo que, para acontecer, precisa de dois terços dos votos no Parlamento) e novas caras nas lideranças partidárias poderiam servir para legitimar esse caminho alternativo a um Brexit que já ameaça a integridade do próprio Reino Unido.


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“BANCOS AFRICANOS, INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E INVESTIDORES TÊM USADO LONDRES COMO CENTRO PARA TEREM ACESSO AOS MERCADOS DA UNIÃO EUROPEIA E PARA ESTABELECEREM PLATAFORMAS FINANCEIRAS QUE PODEM SER UTILIZADAS PARA INVESTIMENTO QUE ENTRA E SAI DA UNIÃO”. petróleo mais caro e prejudica a procura). Outro dos efeitos que o Brexit pode ter é o que os analistas do Brookings chamam de “o fim da propensão britânica para o exterior” – por outras palavras, o foco (político e financeiro) que o país dá a questões ligadas aos países em desenvolvimento. “O Brexit pode levar a um recuo desta propensão com possíveis implicações negativas para as iniciativas de desenvolvimento do Reino Unido”, avisam. “Numa altura em que o processo para o reforço do IDA [associação do Banco Mundial de apoio aos países mais pobres] está em curso, o Brexit pode não

ser uma boa notícia para os recipientes de ajuda”, somam. Um receio adicional é de que a saída do Reino Unido – que vale 15% das contribuições para o Fundo Europeu para o Desenvolvimento – diminua o alcance do dinheiro destinado para os britânicos para este efeito (por deixar de ser alavancado pelas restantes contribuições de estados-membro). Muitos receios, pouca quantificação e uma quase certeza – o impacto para Angola e o resto do continente não será positivo; e o timing dificilmente poderia ser pior. &


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| MERCADO E FINANÇAS

POLÍTICA CAMBIAL

AS PERSPECTIVAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO KWANZA Justino Pinto de Andrade

Há cerca de um ano, entrou em vigor um acordo de conversão monetária assinado, em Setembro de 2014, entre as autoridades monetárias e cambiais angolanas e namibianas. Tratou-se de um acordo de âmbito restrito, resumindo-se à livre conversão do kwanza e do dólar namibiano, apenas na região fronteiriça de Santa Clara (no lado angolano) e Oshikango (no lado namibiano), região de um comércio intenso, sobretudo, de bens industriais, amplamente vantajoso para o lado da Namíbia, de onde saem a maioria dos bens transacionados. O acordo de livre conversão estabeleceu também limites máximos para os valores a cambiar: até 500 mil kwanzas, para os cidadãos maiores de 18 anos, e até 150 mil kwanzas para os cidadãos de menor idade. A implementação do acordo de conversão monetária visava diminuir a pressão exercida sobre a procura por dólares norte-americanos, num período de enormes dificuldades cambiais por parte de Angola, decorrentes da acentuada queda do preço do petróleo no mercado internacional. O acordo tornava possível a troca directa de kwanzas por dólares namibianos. Mas, como o rand sul-africano tem livre curso no território namibiano, numa paridade de 1 para 1, logo, com os kwanzas podia-se aceder aos rands sul-africanos. Dos dois lados da fronteira, e mesmo na totalidade do território namibiano, as transações comerciais podem ser efectuadas em

QUALQUER EVENTUAL ACORDO DE CONVERSÃO MONETÁRIA QUE ANGOLA QUEIRA ESTABELECER COM A ÁFRICA DO SUL – A LIVRE TROCA ENTRE O NOSSO KWANZA E O RAND – TEM QUE TER EM CONTA ESTA REALIDADE ECONÓMICA REGIONAL QUE ENVOLVE A REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL E ALGUNS DOS PAÍSES SEUS VIZINHOS.

rands e em dólares namibianos. Cerca de dois meses depois, em Benguela, o então governador do BNA, José Pedro de Morais, anunciou o colapso do acordo de conversão monetário, atribuindo as culpas à Namíbia, responsabilizando-a pela autêntica inundação de kwanzas no outro lado da fronteira. Por sua vez, os namibianos defenderam-se, dizendo que competia às autoridades fronteiriças angolanas estancar o fluxo da nossa moeda para o outro lado. Com a exportação de quantidades enormes de kwanzas para o outro lado da fronteira, algumas províncias de Angola – sobretudo Cunene e Huíla – passaram a conhecer dificuldades


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no pagamento dos salários dos funcionários públicos, gerando, assim, um certo descontentamento social. O rand sul-africano foi quem mais sofreu os impactos do descalabro do acordo transfronteiriço com a Namíbia, pois, com dólares namibianos facilmente se pode aceder ao rand sul-africano. As autoridades namibianas optaram, então, pela suspensão temporária do acordo de conversão monetária com Angola, vindo a ser retomado no fim do ano de 2015, se bem que com uma substancial redução dos montantes

autorizados, sendo que recentemente as autoridades monetárias da Namíbia revelaram que o nosso país deve o equivalente a 366 milhões de dólares ao Banco da Namíbia, correspondente às parcelas trimestrais resultantes do excesso de kwanzas no país vizinho. POR QUE NÃO UM ACORDO CAMBIAL COM A ÁFRICA DO SUL? Considerando o valor do PIB (o Produto Interno Bruto do país), a economia sul-africana é a segunda mais potente de África. É, também, a 25ª

economia do mundo e, seguramente, a economia mais industrializada e mais diversificada do nosso continente. Detendo apenas 20% da população da SADC, o PIB sul-africano corresponde a mais de 60% do PIB do conglomerado de países da SADC: Angola, Moçambique, Namíbia, África do Sul, Botswana, Zâmbia, Tanzânia, RDC, Suazilândia, Lesotho, Maurícias, Seicheles, Zimbabwe, Madagáscar (actualmente suspenso da comunidade) e Malawi. A SADC é a principal zona de influência da África do Sul, embora,


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com o fim do regime do Apartheid, as empresas sul-africanas tenham passado a ampliar os seus investimentos no conjunto da África Subsaariana. As relações comerciais da África do Sul com o continente africano foram as que mais cresceram nos últimos tempos, com destaque especial para as suas exportações. Enquanto parceiro comercial da África do Sul, a África ocupa a terceira posição, sendo antecedida pela Europa e pela Ásia, o seu primeiro parceiro comercial. Mas, nessas relações comerciais com os três

continentes, é apenas com a África que a África do Sul apresenta superávites, já porque é um exportador líquido para este destino. Dentro do continente africano, além da SADC, a África do Sul tem uma relação muito privilegiada com um restrito conjunto de quatro países, integrantes da SACU (União Aduaneira da África Austral), nomeadamente: Botswana, Lesotho, Suazilândia e Namíbia. Esta União Aduaneira foi constituída em 1910. A Namíbia passou a integrar a SACU em

1990, depois da sua independência. A SACU é mesmo tida como a mais antiga união aduaneira existente, já que a mais antiga de todas, a Zollverein alemã, de 1834, que precedeu à unificação dos então territórios alemães, já foi extinta. A criação da SACU visou essencialmente estimular o intercâmbio comercial no seu seio, além de prever o estabelecimento de uma pauta aduaneira externa comum para o conjunto dos países e uma política comum decorrente dessa Arquivo

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AS RELAÇÕES COMERCIAIS DA ÁFRICA DO SUL COM O CONTINENTE AFRICANO FORAM AS QUE MAIS CRESCERAM NOS ÚLTIMOS TEMPOS, COM DESTAQUE ESPECIAL PARA AS SUAS EXPORTAÇÕES. ENQUANTO PARCEIRO COMERCIAL DA ÁFRICA DO SUL, A ÁFRICA OCUPA A TERCEIRA POSIÇÃO, SENDO ANTECEDIDA PELA EUROPA E PELA ÁSIA, O SEU PRIMEIRO PARCEIRO COMERCIAL.

pauta aduaneira. Estabeleceram um mecanismo de repartição da receita aduaneira. Qualquer eventual acordo de conversão monetária que Angola queira estabelecer com a África do Sul – a livre troca entre o nosso kwanza e o rand – tem que ter em conta esta realidade económica regional que envolve a República da África do Sul e alguns dos países seus vizinhos. Na sua última visita à China, com a intenção de escapar à crescente dificuldade na obtenção de dólares norte-americanos, o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, aventou a hipótese do estabelecimento de um “acordo geral monetário”, com vista a garantir a circulação recíproca das moedas nacionais dos dois países, o kwanza e o yuan. A justificação é simples: dado o crescente volume do comércio entre

Angola e a China, tal acordo tornaria vantajoso as trocas comerciais serem suportadas pela moeda chinesa. Além disso, para a China, seria mais interessante que os futuros empréstimos chineses à Angola se realizassem na sua moeda nacional – o yuan. Aparentemente, os nossos comerciantes teriam, igualmente, oportunidade

de transacionar no mercado chinês, socorrendo-se do kwanza. Fica, pois, assim, por demais evidente a intenção de Angola caminhar – mesmo que por pequenos passos – para a internacionalização da nossa moeda nacional. Mas levará o seu tempo. E encontrará muitos obstáculos pelo caminho. &


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FUGA À PATERNIDADE

LUANDA É ONDE MAIS SE DEIXA A FAMÍLIA “AO DEUS-DARÁ” Texto: Jacinto Malungo Fotografia: Afonso Francisco

Em 2015, o Ministério da Família e as respectivas direcções provinciais registaram 3.674 casos de abandono familiar. Destes, 57% correspondem à fuga à paternidade e maternidade, sendo a capital do país uma das mais críticas. Só no ano passado, mais de 268 casos foram registados. Sociólogos, assim como outras entidades colectivas e individuais da esfera social, enquadram esta acção nos comportamentos desviantes, que não só desestruturam as famílias, mas também sobrecarregam o Estado.


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Vandra Fernando

Há seis anos que Vandra Fernando cria os seus dois filhos sozinha. Abandonou o homem com quem viveu maritalmente durante 10 anos. Confessou à Economia & Mercado que foi uma decisão difícil, mas necessária. Uma traição, que gerou dois filhos gémeos com uma outra mulher, esteve na base da separação forçada. Vandra Fernando, como muitas mulheres na sua situação, fingiu por um tempo que nada se passava, até não poder mais. Disse-nos ser contra a poligamia e “todo o machismo que vem acompanhado”. Quando saiu de casa com um dos filhos nos braços, Vandra Fernando não calculou a reacção do ex-marido que, a partir daquele momento, deixou de prestar qualquer assistência, afirmando: “Já que saíram, procurem o vosso pai, porque já não sou eu”. Num primeiro momento, Vandra Fernando pediu que o ex-marido assumisse as suas responsabilidades pela via da conciliação, mas não resultou. Assim, a mulher que hoje tem 36 anos levou o caso

N’kanga Gomes, Sociólogo

O SOCIÓLOGO N’KANGA GOMES DEFENDE QUE A “MÃO DO ESTADO” DEVE SER MAIS PESADA. “PARECE QUE EM LUANDA ESTÁ A VIRAR MODA O HOMEM ENGRAVIDAR UMA MULHER E FUGIR. NÃO SE PODE ADMITIR QUE ALGUÉM ENGRAVIDE UMA MULHER EM VIANA E OUTRA NA SAMBA, COMO SE ESTIVESSE A SEMEAR BATATAS OU JINGUBA”, IRONIZA.

Cláudio Domingos de Carvalho, Jurista

ao tribunal. Cumpridos todos os trâmites legais, o ex-marido começou a conceder a pensão à filha mais velha. Entretanto, eles têm dois filhos e só um é assistido. O filho mais novo tem 7 anos. Além de não conhecer o pai, só foi registado com o nome da mãe. O ex-marido recusa-se, terminantemente, a apoiá-lo em qualquer sentido, segundo conta. Vandra Fernando crê que o seu ex-marido não atribui o seu nome ao filho por temer que assim o Estado, por via do tribunal, o obrigue a prestar assistência ao menor. O menino, por força da idade e da saudade, pergunta várias vezes pelo pai e acusa a mãe de não ter lutado para manter o relacionamento. A menina, uma adolescente de 14 anos, já teve mais saudades do pai. Vandra lembra que um dia a filha ligou para o pai, em vésperas do Natal, para desejar festas felizes e o pai não correspondeu. “A minha filha ficou muito triste”, conta, nostálgica. Apesar de não perguntar mais pelo pai, Weza, a filha mais velha, saiu afectada disto


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tudo. Nos primeiros dois anos de separação dos pais, teve fraco aproveitamento escolar, as médias eram muito baixas. Conseguiu recuperá-las com o tempo. E com este mesmo tempo, parou de perguntar pelo pai. Segundo Vandra Fernando, a filha agora é indiferente ao progenitor, e isto preocupa a mãe que equaciona dar um acompanhamento profissional de foro emocional à filha. LEVANTADA DO CHÃO Os primeiros anos de mãe solteira foram complicados para Vandra, que teve de começar a assumir todas as despesas da família. “Tive que pagar renda, colégios, creche, empregada, alimentação e hospital. Não foi fácil para mim”, confessa, mas garante que lhe valeu o facto de ter um emprego sólido. As coisas não ficaram fáceis com o tempo, porém Vandra ganhou mais destreza. “Hoje já consigo assegurar as coisas com maior equilíbrio”, conta. Os avanços reflectem--se também na vida pessoal. Antes de deixar o marido, Vandra Fernando tinha apenas o curso médio. Hoje é estudante do terceiro ano do curso superior de Relações Internacionais e quer ser diplomata. Encontrou forças junto da família para seguir em frente, por isso mesmo acha que é na família onde o grande trabalho precisa de ser feito. “Se reeducarmos as famílias com bons exemplos, teremos uma sociedade melhor”, observa. AS CAUSAS DO MAL O sociólogo N’kanga Gomes considera a fuga à paternidade um comportamento desviante e anormal, sendo que o mais natural é o homem assumir a sua responsabilidade. De acordo com um estudo que o sociólogo realizou na zona do Morro Bento, em Luanda, vários são os factores que levam à fuga à paternidade. Um deles é a desconfiança da paternidade que, segundo N’kanga Gomes, surge “devido aos antecedentes da parceira pode ter assumido um comportamento sexual promíscuo”. N’kanga Gomes apurou que um

IRENE NETO, DEPUTADA À ASSEMBLEIA NACIONAL E PRESIDENTE DA SÉTIMA COMISSÃO DE SAÚDE, FAMÍLIA, JUVENTUDE E DESPORTOS, ANTIGOS COMBATENTES E ACÇÃO SOCIAL, RECONHECE QUE A FUGA À PATERNIDADE NÃO É UMA QUESTÃO COM RESPOSTA FÁCIL DE DAR, MAS JÁ EXISTE UMA SÉRIE DE LEIS APROVADAS QUE PRECISAM DE SER IMPLEMENTADAS.

segundo factor, que concorre para este problema social, é a baixa remuneração e o desemprego. Na visão de N’kanga Gomes, uma das maneiras de mitigar os efeitos deste mal é aumentando a informação das mulheres quanto aos seus direitos. O sociólogo atesta que as mulheres devem ser incentivadas a procurar os tribunais, as salas de família, as associações da área para que as informem dos seus direitos, sendo que a maior parte delas não tem essa informação. O sociólogo defende ainda que a “mão do Estado” deve ser mais pesada nestes casos. Porque, para ele, “parece que em Luanda está a virar moda o homem engravidar uma mulher e fugir, porque não se pode admitir que alguém engravide uma mulher em Viana e outra na Samba, como se estivesse a semear batatas ou jinguba”, ironiza, acrescendo que “isto tem consequências muito graves, que podem resultar na desestruturação das famílias, potencializando a criminalidade, pois um filho rejeitado pelo pai e cuja mãe não tem condições económicas, cresce, num meio perturbado e as carências básicas que a família não consegue suprir ele procura supri-las na rua”, alerta.

Irene Neto, Deputada

N’kanga Gomes observa que o Estado também sai prejudicado, sendo que sempre que um homem se esquiva a assumir a sua responsabilidade paternal, automaticamente, transfere esta responsabilidade a terceiros, obrigando o próprio Estado a alocar mais verbas para o sector social. Entretanto, de acordo com o jurista Cláudio Domingos de Carvalho, actualmente, nota-se a tendência de uma maior intervenção do Estado angolano nas relações familiares, visando não só a solução consensual dos conflitos familiares, mas também a protecção dos membros mais débeis da família e, sobretudo, intervindo na defesa dos direitos da criança quando se mostre que os titulares da autoridade paternal não estão a exercê-la de acordo com a lei. Cláudio Domingos de Carvalho ressalta que o Anteprojecto do Código Penal prevê, no artigo 230, que “o abandono dos filhos constitui um ilícito penal, sendo uma das formas do crime de abandono familiar”.


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O jurista explica que estas obrigações legais vigoram independentemente de o filho ser ou não feito dentro do casamento. Cláudio de Carvalho aclara que “o conceito de filiação corrente hoje não é o que existia anteriormente e que contrapunha os filhos legítimos (que advinham do casamento dos pais) aos filhos ilegítimos ou naturais, estes, muitas vezes, considerados como filhos do pecado ou bastardos”. Mas, continua, “todos os filhos têm, em relação aos pais, iguais direitos e deveres, independentemente da existência ou não de vínculo matrimonial”. “É vergonhoso admitir mas ainda temos muitos pais com esta visão, isto é, pais que fazem uma clara distinção entre filho legítimo e ilegítimo, fugindo à paternidade quanto ao segundo”, diz Cládio de Carvalho. 1-2 PAGINA_22x14.pdf

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12:39 PM

NUM PRIMEIRO MOMENTO, VANDRA FERNANDO PEDIU QUE O EX-MARIDO ASSUMISSE AS SUAS RESPONSABILIDADES PELA VIA DA CONCILIAÇÃO, NÃO RESULTOU. ASSIM, A MULHER QUE HOJE TEM 36 ANOS, LEVOU O CASO AO TRIBUNAL. CUMPRIDOS TODOS OS TRÂMITES LEGAIS, O EX-MARIDO COMEÇOU A CONCEDER A PENSÃO À FILHA MAIS VELHA. ENTRETANTO, ELES TÊM DOIS FILHOS E SÓ UM É ASSISTIDO.

Irene Neto, deputada à Assembleia Nacional e Presidente da Sétima Comissão de Saúde, Família, Juventude e Desportos, Antigos Combatentes e Acção Social, reconhece que a fuga à paternidade não é uma questão com resposta fácil de dar, mas já existe uma série de leis aprovadas que precisam de ser implementadas. A deputada considera que “a normalização da vida e do emprego vão levar a menos casos de fuga à paternidade e, também, a uma maior sensibilização dos jovens que fogem por não terem meios ou por não quererem assumir as suas responsabilidades. “É preciso haver educação, sensibilização familiar e religiosa e que o meio social reprove esta prática. Portanto, isto vai implicar um esforço de todos nós”, conclui. &


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INOCÊNCIO DAS NEVES, GESTOR FINANCEIRO

“ GOSTARIA QUE O DIA TIVESSE MAIS DO QUE 24 HORAS” CARGO Gerente Financeiro do Standard Chartered Bank Angola e Docente Universitário na Universidade Metodista de Angola. RESPONSABILIDADES Gestão de Relatórios Regulamentares, Controlo Financeiro, Contabilístico e Fiscal. MÁXIMA DE GESTÃO “Só depois da maré baixar você descobrirá quem estava a nadar nu”, Warren Buffett

CARREIRA / CURRICULUM VITAE Inocêncio das Neves, 29 anos de idade, natural de Uíge, filho de Nicolau das Neves e Helena Fernando das Neves, é casado e pai de um filho. É contabilista, presta serviços de formação e consultoria de gestão, contabilidade e fiscalidade e colabora como docente de Direito dos Petróleos e Recursos Naturais na Universidade Metodista de Angola. É graduado em Contabilidade e Gestão de Empresas e pós-graduado em Direito e Gestão de Negócios de Petróleo e Gás. Começou a carreira profissional na Sonangol, nos Estados Unidos da América, como assistente de navegação marítima. Posteriormente, trabalhou como gestor de subscrição na GA Angola Seguros, mais tarde na BP Angola na área de Exploração e Produção de Petróleo, como analista de tesouraria e financeiro de joint-ventures. Depois, mudou-se do sector petrolífero para o financeiro bancário, juntando-se à equipa do Standard Chartered Bank em Angola, onde actualmente desempenha a função de gerente financeiro.


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ECONOMIA & MERCADO (E&M) - Qual é sua opinião sobre a actual situação económica do país? INOCÊNCIO DAS NEVES (IN) - A situação económica actual do país necessita urgentemente de um conjunto de reformas estruturais muito pragmáticas, rápidas e astutas sob o risco de sermos engolidos pela deterioração da situação cambial, afectando gravemente os demais sectores da economia. Tenho sugerido que adoptemos uma política monetária e cambial expansiva. Mas, para tal, defendo que sejam revistos alguns aspectos da Lei 02/12 sobre o Regime Cambial do Sector Petrolífero, para que se permita a livre compra e venda, bem como os pagamentos e recebimentos em moeda estrangeira entre os operadores petrolíferos, os bancos locais e os trabalhadores e fornecedores destas empresas, aliviando, assim, a pressão que se põe ao Banco Central, permitindo que quem tem dólares, tanto cá como lá fora, possa trazê-los e colocar livremente à disposição de quem precisa, de maneira a que o mercado cambial se autoregule. Paralelamente, que se baixe a taxa de juros de referência do BNA, bem como o nível de reservas obrigatórias em moeda estrangeira dos actuais 15% para pelo menos 10%. Isso permitiria à banca financiar mais o sector privado produtivo, gerando mais empregos, mais produção interna e diversificação. A revisão também da Lei 12/04 sobre o Regime Fiscal do Sector Petrolífero, com um conjunto de medidas que diluam o Government Take (bolo do Governo) de curto prazo para que se ganhe mais no longo prazo, reduzindo alguns impostos da indústria petrolífera para atrairmos mais investidores e aumentarmos a base tributária. E&M - Qual a receita para se ser um bom gestor, principalmente na conjuntura em que nos encontramos? IN - A receita para um bom gestor hoje passa pelo desenvolvimento de capacidades multifuncionais em diferentes áreas que envolvem as organizações, sejam elas com fins lucrativos ou não, públicas ou privadas. Visto que estamos a viver um momento de enormes restrições financeiras e orçamentais, isto implica fazer mais e com menos recursos. A hipótese de sermos bem sucedidos na materialização dos objectivos pessoais, em consonância com os objectivos organizacionais, aumentam consideravelmente quando somos capazes de não só trabalhar em equipa mas também carregá-la enquanto líderes inovadores e com uma visão para a frente, sem desprimor da necessidade de recorrermos ao trabalho especializado sempre que o binómio custo-benefício possa antecipadamente evitar o desequilíbrio. E&M - Quais os desafios que tem pela frente? IN - A nível profissional, tenho pela frente um conjunto de

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desafios resultantes da nova conjuntura regulamentar e contabilística do sector bancário. A nível pessoal, tenho dois grandes desafios. A consolidação organizacional do meu escritório de consultoria de gestão e contabilidade e a publicação do livro “O Homem, o Dinheiro e o Século XXI” em 2017, onde abordo uma série de questões relacionadas com a estrutura conceptual da economia-política convencional, trazendo para a discussão pública um panorama alternativo para a optimização dos recursos naturais e humanos aplicados à realidade angolana, tendo como perspectiva as gerações do amanhã. E&M - Quais os obstáculos que encontra para alcançar as suas metas? IN - Para ambos, o tempo é o maior obstáculo. No primeiro por ser o ano de cumprimento das normas regulamentares e contabilísticas do sector bancário. É sempre desafiante ultrapassar com êxito processos de mudança, ainda que se tenha o conforto de estar numa instituição financeira multinacional, em que as mesmas já existem a nível global. A adaptação e a realidade local nem sempre é fácil. Para as metas pessoais, gostaria que o dia tivesse mais do que 24 horas. E&M - Como avalia o mercado angolano, particularmente na área em que actua? IN - O sector financeiro nacional está a passar um momento bastante desafiante. Temos um longo caminho pela frente com vista à credibilização das nossas instituições financeiras, sobretudo ao nível internacional, e isso passa pela adopção das melhores práticas de corporate governance, gestão de risco, relato contabilístico, financeiro e cumprimento escrupuloso das normas regulatórias de combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. Não será fácil, mas terá de ser possível e nós seremos capazes de ultrapassar isso. E&M - Que aspectos distinguem o mercado angolano da realidade dos países com que Angola tem parcerias económicas? IN - O nosso mercado financeiro é emergente e lida com mercados extremamente avançados, sobretudo no que à autoridade regulamentar diz respeito. A título de exemplo, é a Zona Euro, em que o Banco Central Europeu acumula as experiências regulatórias de países como França, Alemanha, etc. Muitos dos desafios que temos hoje foram ultrapassados há mais de 50 anos nalguns desses países. E leva tempo para que tenhamos os recursos humanos qualificados nas quantidades necessárias para dar resposta a esses desafios. O mais importante é que se nota que existe vontade de fazermos isto, principalmente, vontade política.



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O TRIÂNGULO DO VINHO O QUE É UM DOC (DENOMINAÇÃO DE ORIGEM CONTROLADA)? A classificação DOC significa que o vinho foi produzido dentro de uma região específica com diversos tipos de controlos. A primeira região a ser demarcada foi o Douro, Portugal, o que ajudou a diminuir as adulterações do famoso Vinho do Porto. De resto, além de assegurar a qualidade do vinho e a genuinidade dos processos de produção, o certificado DOC visa estabelecer os métodos de vinificação, o rendimento por hectare, o processo de envelhecimento do vinho e, muitas vezes, a graduação alcoólica.

Sebastião Vemba

Em momentos de crise – esta é uma palavra que já entrou no vocabulário corrente dos angolanos –, não nos deve faltar taça de vinho para, em ambientes descontraídos, pensar o país. E, apesar das dificuldades que enfrentam os importadores e produtores nacionais (sim, já temos vinho mwangolé, o Serras da Xxila), felizmente o que não nos vai faltar é um bom néctar à mesa, pois os países continuam a apostar na exportação para Angola. Em finais de Junho e princípio de Julho pudemos assistir à uma demonstração desta aposta com a realização de três grandes provas de vinhos portugueses,

nomeadamente em Luanda, Benguela e Huíla, o que se tornou num verdadeiro triângulo do vinho, onde os consumidores angolanos se fizeram presentes para saciar a sede. A ViniPortugal, promotora do evento, garante que as provas já se tornaram uma referência no Cacimbo em Angola, sendo que, ao longo dos últimos anos, o evento tem vindo a marcar a agenda social das províncias em que se realiza e que pretende celebrar a aposta de sucesso dos Vinhos de Portugal em Angola. Numa nota partilhada com a imprensa, a instituição garante mesmo que “os vinhos portugueses continuam a ser a primeira escolha do consumidor angolano mantendo a liderança nas vendas de vinho engarrafado a nível nacional”. Jorge Monteiro, presidente da ViniPortugal, destacou: “Apesar de

o mercado Angolano atravessar um momento difícil, continua a ser um dos prioritários para os vinhos de Portugal, para que consigamos consolidar a nossa quota de mercado. Os consumidores angolanos têm demonstrado uma forte preferência pelos vinhos nacionais que interessa continuar a capitalizar, fortalecendo um maior conhecimento da diversidade da oferta nacional”. A aposta na promoção do conhecimento junto dos consumidores esteve na base da criação do Clube Vinhos de Portugal, constituído maioritariamente por profissionais da comunicação social e um chef. Estes, na noite anterior à prova em Luanda, realizaram o seu último jantar temático deste ano no restaurante À LA KARTE, onde degustaram novos sabores, entre eles o Pomares Tinto DOC 2012. &


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FILMES ANGOLANOS EXIBIDOS EM ITÁLIA

Quatro filmes angolanos representaram o cinema nacional no RomÁfrica Film Festival que decorreu de 13 a 16 de Julho, em Itália. Tratam-se dos filmes “Njinga, Rainha de Angola”, “Festa de Quintal”, “I love Kuduru” e “Momentos de Glória”. Segundo a organização do evento, o objectivo deste festival é dar a conhecer África através do cinema. “O Festival é um convite para ir além da imagem do continente fornecida pelos meios de comunicação, é uma ferramenta para explorar a riqueza da diversidade cultural africana, destacando o valor da produção artística e intelectual”, diz fonte da organização. &

APRESENTADO NOVO DICIONÁRIO DE OSHIKWANYAMA Foi lançado, no mês passado, um dicionário de nomes em oshikwanyama, língua natural de Angola falada por cerca de 400 mil pessoas do povo ovambo, que habita no sul do país. O dicionário é da jornalista e escritora Cecília Ndanyakukwa e está dividido em nove capítulos, que explicam os nomes de objectos, de bebidas, frutas silvestres, festas, animais, meses do ano e de localidades. Segundo a autora, os nomes têm geralmente os significados subentendidos e com alguma dimensão, como o bem ou o mal, expressar uma piada, manifestar um sentimento,

negativo ou não, de satisfação ou de desabafo. “Em termos gerais, todos esses nomes têm uma mensagem subjacente que este dicionário propõe dar a conhecer”, explica Cecília Ndanyakukwa. &

EDSON CHAGAS EXPÕE EM VIENA “Found Not Taken” é o nome da exposição do artista e fotógrafo angolano Edson Chagas, que mostra um conjunto de objectos descartados e abandonados fotografados pelo artista em Luanda, Newport e Londres. Patente no Museu Kunst HausWien, em Viena, capital austríaca, desde 14 de Julho que “Found Not Taken” permanecerá exposto até Outubro próximo e é o resultado do interesse do artista pelas vivências em diferentes ambientes urbanos, o comportamento consumista destas sociedades que se caracterizam pelo desperdício que produzem e pela constante perda de valor dos objectos. &


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AO VOLANTE

CITROËN C3 A CAMINHO

Enquanto em Angola o mercado automóvel desacelera, devido à dificuldade de importação que as concessionárias enfrentam, lá fora o acelerador continua colado ao tapete, com vários lançamentos nos motorshows mais concorridos do mundo. Por cá, os modelos das marcas mais emblemáticas continuam os mesmos, sendo que, em alguns casos, alteraram-se apenas os preços, que subiram, embora não falte optimismo e promessas de dias melhores. Mas até o ambiente melhorar, ficaremos a acompanhar as novidades do mercado internacional, de onde nos surgiu a notícia do lançamento recente do novo C3, apresentado pela fabricante Citroën, em Portugal, e que procura marcar uma posição de força no segmento B, dos utilitários, inspirando-se fortemente no bem-sucedido C4 Cactus, sobre o qual já falámos aqui neste espaço.

De acordo com a revista “Carros e Motores”, além do desenho com reminiscências do C4 Cactus, o C3 recupera ainda a temática dos Airbump nas laterais e para-choques, a par de grupos ópticos divididos e altamente estilizados à semelhança do C4 Picasso. A revista informa que da gama de motores farão parte variantes PureTech de 68 cv, 82 cv e de 110 cv, juntamente com versões BlueHDi de 75 cv e 100 cv, passíveis de serem associados a caixas manuais ou automáticas de seis velocidades. Ainda segundo a mesma fonte, “a personalização será um dos focos deste novo Citroën C3, com 36 combinações possíveis entre nove cores de carroçaria e três para o tejadilho, a que se juntam quatro temas interiores. Combinar cores é, assim, uma opção. O equipamento também não foi descurado, com

uma lista que apresenta itens como o ConnectedCam, um sistema que permite – acedendo aos desejos e ‘necessidades’ de uma faixa de consumidores mais jovem – partilhar fotos de forma intuitiva e rápida nas redes sociais. Além disso, permite, também, gravar pequenos vídeos de 20 segundos para o mesmo fim, mas quando o veículo está parado”. À partida, esta última novidade preocupou-nos, porém, o facto de funcionar apenas quando o carro estiver parado, deixou-nos mais descansados, atendendo a que já temos dos índices de sinistralidade mais altos do mundo, mesmo sem o Pokémon Go. O C3, cuja chegada a Portugal está prevista para o final do ano, trará um ecrã táctil de 7.0 polegadas com aglomeração dos principais comandos do veículo, numa evolução do sistema que a marca já dispõe. &


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| REMATE

REVIRAVOLTA A 6 de Abril, o Ministério das Finanças anunciava, em comunicado de imprensa, ao país, a intenção do Executivo angolano aderir ao Programa de Financiamento Ampliado (Extended Fund Facillity - EFF) do Fundo Monetário Internacional (FMI), com o objectivo de “impulsionar o processo de diversificação da economia nacional, acelerar a remoção de externalidades que afectam o ambiente de negócios, explorando as oportunidades de sustentabilidade internas, decorrentes do potencial não explorado dos sectores económicos não petrolíferos e salvaguardar, entretanto, a estabilidade macroeconómica e financeira”.

PARA MUITOS ANALISTAS, A CAPACIDADE DO GOVERNO EM SUPORTAR UMA DETERIORAÇÃO MAIOR NA SUA QUALIDADE DE CRÉDITO SEM O APOIO FINANCEIRO E DE POLÍTICAS DE ORDEM ESTRUTURAL DO FMI É QUESTIONÁVEL, TANTO MAIS QUANDO NÃO SE ADIVINHAM GRANDES ALTERAÇÕES NO PREÇO DO PETRÓLEO ATÉ FINAIS DE 2017.

Nuno Fernandes Jornalista Presidente do Conselho Executivo Grupo Executive

O que está referido entre aspas consta do aludido comunicado de imprensa, onde se realçava que esta assistência diferia de um “resgaste” por centrar-se no apoio à diversificação económica, no quadro de um programa de médio prazo, associado a reformas que apoiariam a melhoria do sistema de pagamentos, o estímulo às exportações, entre outras medidas que visariam o crescimento económico. Ainda no mesmo comunicado deixava-se claro que o recurso ao Programa de Financiamento Ampliado teria de ser entendido como, citamos, “uma medida prudente e responsável”. A 10 de Abril, o preço do Brent, que serve de referência para a venda do nosso petróleo, cifrava-se em 43,10 dólares o barril. A 13 de Julho, altura em que escrevia estas linhas, o preço evoluiu para os 47,51 dólares, uma magra diferença (4,41 dólares) que serviu, contudo, para justificar a desistência, pelo Governo, do programa do FMI. Na altura em que foi anunciada a adesão, a base fundamental que a sustentava era a de se apoiar todos os esforços à volta de compromissos políticos que passassem pelo aumento da transparência das contas públicas, maior diversificação económica e pelo compromisso do reforço da aposta nas áreas da agricultura, pescas, minas, educação, serviços financeiros, água, serviços básicos e saúde. Ficam pouco perceptíveis as razões que conduziram agora à decisão do Governo em não prosseguir com a adesão ao EFF. Não creio serem,

de todo, plausíveis as razões que assentam na justificação de uma subida do preço do petróleo. Estamos a falar numa diferença de 4,41 dólares quando até prevemos uma redução da receita fiscal de 24,4 mil milhões de dólares para 18 mil milhões. O crescimento do PIB foi também revisto em baixa. Repare-se que o orçamento de 2016 previa um preço médio do petróleo de 45 dólares o barril. A avaliação de desempenho realizada perspectiva, contudo, um preço médio de 41 dólares. As agências de notação financeira Moody´s e Fitch foram unânimes em considerarem como um retrocesso, do ponto de vista da análise da qualidade do crédito soberano, a inversão verificada na decisão do Governo angolano. Segundo as duas agências, Angola vai basicamente lidar sozinha com as pressões nas contas públicas e nas contas externas. De notar que o rácio da dívida pública subiu de 25%, em 2013, para mais de 50% do PIB no presente ano. Para muitos analistas, a capacidade do Governo em suportar uma deterioração maior na sua qualidade de crédito sem o apoio financeiro e de políticas de ordem estrutural do FMI é questionável, tanto mais quando não se adivinham grandes alterações no preço do petróleo até finais de 2017. Se a intenção, aquando da adesão ao EFF, era ter o apoio estrutural do FMI nas reformas para os sectores económico e financeiro, o que de facto se alterou? Essa iniciativa então considerada como prudente e responsável deixou de o ser? &


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