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SETEMBRO 2016 • ANO 19 • Nº 144 • PREÇO • 800Kz
Angola 2020
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Um percurso deficitário MERCADO CAMBIAL
COMUNIDADE MUÇULMANA EM ANGOLA
Liberalização do dólar pode ser uma alternativa
Os soberanos do comércio retalhista
EM FOCO
ENTREVISTA
Comunicações sem limites para ligar Angola
Precioso Domingos, economista e docente universitário
setembro 2016 WWW.ECONOMIAEMERCADO.SAPO.AO
RADAR 7 CONTRAPONTO 10 CARTOON
72 Os soberanos do comércio retalhista O Islão é a religião que mais cresce no mundo. Em Angola, estima-se que existam 900 mil muçulmanos e, segundo o Censo Geral da População e Habitação 2014, correspondem a 0,4% da comunidade religiosa do país. Não obstante o seu rápido crescimento, algumas questões estão por esclarecer como, por exemplo, as mesquitas demolidas em 2013 ou a razão pela qual 26 mesquitas estão encerradas em 17 províncias, estando abertas apenas as 28 de Luanda. Líderes islâmicos argumentam não haver um cumprimento cabal da lei, enquanto o Estado fala na revisão do actual diploma sobre a liberdade religiosa, crença e culto.
20 “A modernização tem que ser feita com as pessoas” A Fundação António Agostinho Neto (FAAN) organiza anualmente conferências temáticas, a que chama de “Debates em Família”. A edição deste ano esteve subordinada ao tema da agro-indústria, na qual se defendeu, entre várias teses, a aposta na produção local de matérias-primas e o desenvolvimento da indústria transformadora para absorver os bens do campo e conferir-lhe valor-acrescentado. Entretanto, todas estas medidas, na opinião dos palestrantes, passam necessariamente pela capacitação dos recursos humanos locais.
68 Os riscos de Angola e o desafio de ajustar-se ao compliance Das cerca de oito mil instituições sob o radar da Unidade de Informação Financeira (UIF), os bancos lideram a lista de operações suspeitas de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. De 2013 a 2015, a UIF solicitou 1,24 milhões de declarações de transacções em numerários, sendo que as maiores operações suspeitas, nessa categoria, foram verificadas durante o ano de 2014. Desde 2010, o país tem vindo a envidar esforços para adequar-se às normas internacionalmente definidas, tendo sido retirado da lista cinzenta do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI, na sigla em inglesa) no início de 2016. Apesar do esforço, Angola ainda é visto como um território de alto risco, muito propenso à violação das regras de compliance, por isso alguns bancos continuam com dificuldades em retomar o vínculo com os correspondentes bancários das terras do “Tio Sam”.
OPINIÃO 12 JUSTINO PINTO DE ANDRADE 13 IPSIS VERBIS 14 Luís Todo Bom
MACRO 16 Mercado Cambial 20 agricultura 24 BEBIDAS ESPIRITUOSAS
OPINIÃO 28 J. G. MATOS 29 NÚMEROS EM CONTA
CAPA 30 ANGOLA 2020 42 ENTREVISTA 46 ESPECIAL TURISMO 56 EM FOCO
LÁ FORA 64 MOÇAMBIQUE
MERCADO E FINANÇAS 68 COMPLIANCE
SOCIEDADE 72 Comunidade muçulmana em Angola 76 FIGURA DO MÊS
LAZER
30 Cinco anos, ou mais, para “bumbar”
com menos receitas do petróleo
Na apresentação do “Relatório Económico de Angola 2015”, elaborado pelo Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, o economista Alves da Rocha, director desta instituição, referiu que algumas das previsões inseridas no documento poderiam não vir a realizar-se, pois, na prática, os seus pressupostos estariam sujeitos a eventuais alterações. E salvaguardou tal eventualidade com uma afirmação que provocou gargalhada geral: “Uma das características dos economistas é, precisamente, a faculdade de raramente acertarem nos números”. Entretanto, caso os analistas acertem nalgumas das suas previsões, a economia angolana deverá ter um percurso de reajustamentos estruturais para contrapor o défice orçamental global que persistirá até 2021, antevêem.
78 VINHOS 80 NOTÍCIAS 81 AO VOLANTE
REMATE 82 NUNO FERNANDES
EDITorial | 5
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ENSAIEMOS VIVER COM MENOS PETRÓLEO Quingila Hebo
As conclusões e projecções do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola fazem a capa desta edição. Examinámos o relatório e fizemos um desenho do país em torno de como será até 2020. Para já, as estimativas do CEIC de crescimento do PIB de Angola coincidem com as do Banco Mundial e contradizem as do Executivo. Entre as principais conclusões, o CEIC destaca que em 2015 o Estado violou a regra básica de gestão de finanças públicas, que diz que o défice público não pode ser superior às despesas de investimento, porque quando assim acontece significa que os empréstimos contraídos destinam-se, em parte, a financiar a despesa corrente. O relatório lembra que só os investimentos é que podem acelerar o desenvolvimento de um país. A investigação do CEIC sublinha a vermelho que a deslocação de algumas fábricas chinesas para Angola, recentemente anunciada pelo Governo como forma de acelerar a industrialização do país, pode ser uma má opção. Os motivos estão escrutinados na página 36. Nas páginas a seguir, concretamente na página 40, trazemos os bons exemplos de economias da África Subsaariana que caminham sem petróleo a passos bem melhores que os nossos. Em suma, os artigos de capa expõem que é preciso corrigir aquilo que parecem ser pequenos erros, porque não podemos continuar a contrair dívidas da China para atender o estômago ou saciar vícios. As consequências serão perniciosas para as
é preciso corrigir aquilo que parecem ser pequenos erros, porque não podemos continuar a contrair dívidas da China para atender o estômago ou saciar vícios. As consequências serão perniciosas para as gerações vindouras. gerações vindouras. Evidentemente, durante a fase fantástica, o país perdeu uma grande oportunidade de diversificar a economia e melhorar as condições de vida da população. Mas, como não podemos continuar a chorar pelo “petróleo derramado”, é preciso agora prestar atenção a quem tem ideias e nos quer bem e cumprir com o “fazer muito com pouco”. Na página 16, trazemos uma abordagem, mais uma vez, sobre o mercado cambial. Consultámos alguns especialistas que defendem uma reavaliação da Lei n.º 2/12 de 13 de Janeiro – Lei Sobre o Regime Cambial Aplicável ao Sector Petrolífero, para minimizar os efeitos da crise cambial sobre os produtores nacionais. Por último, o Especial Diversificação desta edição fala sobre turismo. Saiba como alguns operadores turísticos estão a inovar para se manterem no mercado. &
Propriedade Edicenter Publicações, Lda Directora Editorial Ana Filipa Amaro Director Sebastião Vemba - sebastiao.vemba@economiaemercado.com Sub-Editor Quingila Hebo - quingila.hebo@economiaemercado.com Copy Desk Octaviano Correia - octavianocorreia@gmail.com Conselho Editorial Laurinda Hoygaard; Justino Pinto de Andrade; José Matos; Fernando Pacheco; José Severino Redacção António Piçarra - antonio.picarra@edicenter-angola.com; Edjaíl dos Santos - edjail. santos@economiaemercado.com; Jacinto Malungo - jacinto.malungo@edicenter-angola.com; José Pedro Correia - josecorreia.edicenter@gmail.com Colaboradores José Matos; Justino Pinto de Andrade; Luís Todo Bom; Nuno Fernandes; Pedro Cativelos; Sérgio Piçarra Fotografia Vasco Célio (Editor); Afonso Francisco afonsofrancisco.edicenter@gmail.com; Carlos Aguiar - carlosdaguiar.edicenter@gmail.com; Isidoro Felismina - isidorosuka@gmail.com Design Ana Nascimento – Executive Paginação Pedro Soares e Inês Maia; Capa Executive Publicidade geral@edicenter-angola.com Secretariado Aida Chimene Redacção Smart Village Talatona - Zona CS1 - Via AL 19A Talatona, Luanda - Angola Tel.: (244) 222 006 029 Fax: (244) 222 006 032, geral@economiaemercado.com Administração e Publicidade Smart Village Talatona - Zona CS1- Via AL 19A Talatona, Luanda - Angola Tel. (244) 222 011 866 / 867 Fax: (244) 222 006 032 edicenterlda@gmail.com Delegação em Lisboa Iona - Comunicação e Marketing, Lda R. Filipe Folque, 10 J - 2º Dir. - 1050-113 Lisboa Tel. (351) 213 813 566/7/8 Fax: (351) 213 813 569 iona@ iona.pt Impressão e Acabamento Damer Gráfica, Luanda - Angola Distribuição Edicenter - Tel: (244) 222 011 866 / 867, Media Nova Distribuição, Greeline, Africana Tiragem 5.000 exemplares Angola - Registo Nº 249/B/99
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CÂMARA LIVRE VASCO Célio
Província do Namibe
Envie as suas fotos para o seguinte endereço: edicenterlda@gmail.com
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Bastava a vergonha do preço alto do pão O recente Relatório Económico de Angola 2015, do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, volta a criticar os constantes “desequilíbrios fundamentais do OGE”, fazendo uma análise do período entre 2002 e 2015, e aponta como primeiro grande desequilíbrio a excessiva concentração das fontes de receitas do Orçamento Geral do Estado nas actividades relacionadas com o sector petrolífero, sendo que, rebate o documento, “nestes 13 anos de Relatório Económico, o CEIC tem chamado a atenção sobre os perigos que se correm quando as fontes de rendimento estão excessivamente concentradas”.
Infelizmente, a parte vergonhosa de tudo isso é que, apesar das despesas desproporcionais no sector da Defesa e Segurança, continuamos cada vez mais inseguros e a morrer de disparos perpetrados por quem tem como missão proteger o país e os seus habitantes.
Sebastião Vemba
Para os pesquisadores, “a abundância de receitas petrolíferas e o definhamento das actividades económicas deste sector explicam os baixos níveis das receitas de outros sectores”. Entretanto, o segundo grande desequilíbrio é analisado em duas dimensões, estando a primeira relacionada com as prioridades orçamentais invertidas, ao passo que a segunda reflecte a baixa eficiência da despesa pública. Apesar desta última não ser menos importante, de todo, gostaria de neste texto comentar apenas a primeira dimensão, que mostra, de acordo com os dados disponíveis, “que nos últimos anos a preferência do Estado, em termos de alocação de verbas do OGE, tem demonstrado que a prioridade é a Defesa e Segurança, cujo peso da despesa total saiu de 10% em 2002 para uma média de 15% entre 2010 e 2016”, aponta o relatório. Em outras palavras, 14 anos após o término da guerra civil no país, continuamos a investir mais no sector da Defesa e Segurança, ao passo que, ao longo do mesmo período, os sectores da Educação e Saúde tiveram um peso médio de 7% e 5%, respectivamente, “o que é claramente o contrário do que seria de esperar de um país que precisa distribuir da forma mais equitativa possível os ganhos da paz e lançar
as bases para o desenvolvimento sustentável”, sublinha o relatório. Infelizmente, a parte vergonhosa de tudo isso é que, apesar das despesas desproporcionais no sector da Defesa e Segurança, continuamos cada vez mais inseguros e a morrer de disparos perpetrados por quem tem como missão proteger o país e os seus habitantes. Com o preço do pão a subir em flecha, estávamos certos de que poderíamos, na pior das hipóteses, morrer à fome, pois, pelos vistos, ninguém pára o grupo que domina a indústria panificadora no país e determina se o pão nos chega ou não à mesa. Mas não nos passava pela cabeça que um Rufino – a quem sempre faltou o pão, porque os pais não suportam os preços inflacionados por quem domina o negócio da panificação – tivesse a vida friamente ceifada por um agente da segurança nacional, apenas por lhe lembrar que também merece um tecto. Enfim, bastavanos a vergonha do preço alto do pão e da inactividade da Inspecção Geral do Comércio e da Polícia Económica, que não conseguem penalizar os responsáveis os desvios de farinha de trigo denunciados no Porto de Luanda. Enquanto isso, continuaremos a sonhar com as 200 mil toneladas de trigo que o Executivo estima que se produza em Angola só no primeiro trimestre de 2017. &
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Carlos Aguiar
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OGE EXCESSIVAMENTE OPTIMISTA revisto A proposta do Orçamento Geral de Estado (OGE) para 2016, que estimou receitas e despesas com o preço médio de referência de 45 dólares o barril de petróleo, foi revisto para ser ajustado à realidade actual e fixa o preço médio de referência em 40 dólares. O Ministro das Finanças, Armando Manuel, falando aos deputados na Assembleia Nacional, referiu que a execução orçamental do primeiro semestre de 2016 permitiu identificar dois factores fundamentais que constituem as razões da revisão orçamental: a alteração do preço do petróleo no mercado internacional e a necessidade de devolver à economia o impulso do crescimento. Contudo, o orçamento revisto reconhece desequilíbrios na balança orçamental de 54%, mas prevê, assim, um aumento das
receitas petrolíferas e do investimento público. De acordo com Armando Manuel, com a revisão, o investimento público sobe 17%, o que representa um envelope orçamental de 145 mil milhões de kwanzas. O OGE revisto também assinala melhorias nas despesas estimadas para o sector social, estimadas em 40%, em detrimento da segurança, cujas despesas representam apenas 19% do OGE 2016. O ministro Armando Manuel garantiu que se trabalha na perspectiva de criar uma dinâmica que permita a execução dos projectos sem constrangimentos, acrescentando que o Executivo mantém a despesa social com maior peso, considerando o investimento público necessário para alavancar o crescimento económico do país. &
SAPO ANGOLA NA VANGUARDA DIGITAL O SAPO AO anunciou que, ao celebrar o seu oitavo aniversário, no mês de Julho, está com “uma forte consolidação no mercado nacional e uma reorganização que posiciona o portal como uma referência no seguimento digital. O portal angolano assegura que actualmente contabiliza uma audiência de 8 milhões de páginas vistas e 500 mil visitantes únicos por mês, com uma homepage moderna e vários canais temáticos, como o SAPO Lifestyle, o SAPO Rádios Online e o SAPO Banda, acessíveis a partir de qualquer plataforma mobile. O SAPO AO assume-se como um portal nacional por excelência”, com parcerias com diferentes órgãos de comunicação social, com toda a sociedade e com os seus anunciantes, que reconhecem na marca a vanguarda das soluções de publicidade online e multimeios. Este portal tem sido importante para a dinamização da utilização da Internet em Angola, tendo feito uma parceria, no ano passado, com o Facebook na iniciativa Free Basics, que disponibiliza conteúdos de forma gratuita. Além disso, é um dos principais fornecedores de conteúdos que dá acesso a informações da sua homepage SAPO Estudante e SAPO Emprego. O SAPO é um portal português e fornecedor de produtos e serviços para a Internet. Fundado em 1995 como um apontador, é o maior portal de Internet de Portugal e está presente em Angola, Cabo Verde, Moçambique e Timor-Leste. &
rectificação A revista Economia & Mercado na edição nº 142, referente ao mês de Julho de 2016, na página 55, sob o título INTERNET TECHNOLOGIES ANGOLA APOSTADA EM DIVERSIFICAR OS SERVIÇOS, escreveu erradamente. No segundo parágrafo, onde se lê “tecnologias IMAX”, deve considerar-se “tecnologias “WIMAX”. IMAX (Imagem Maximum) é um formato de filme com a capacidade de mostrar imagens muito maiores em tamanho e resolução do que os sistemas convencionais, nada tendo a ver com WIMAX (Worldwide Interoperability for Microwave Access), que faz referência a uma interface sem fio para redes metropolitanas.
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CARTOON SÉRGIO PIÇARRA
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IPSIS VERBIS Carlos Rosado de Carvalho, in Expansão
“A maka é que a legislação angolana só considera Pessoa Politicamente Exposta (PPE) o estrangeiro. Já os membros do Executivo angolano e respectivos familiares não são considerados PPE, não sendo, por isso, sujeitos a qualquer escrutínio especial, o que significa que um banco correspondente de um angolano nos Estados Unidos pode estar a ser cúmplice numa transferência de dinheiros resultantes da corrupção de um governante angolano sem que saiba”.
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| OPINIÃO
TURQUIA: a ECONOMIA E A GEOESTRATÉGIA No dia 24 de Novembro de 2015, a Força Aérea turca abateu um caça-bombardeiro russo, SU-24, que veio a cair em território sírio, e que resultou na morte de um dos pilotos do aparelho. As relações entre os dois países azedaram imediatamente, com a imposição de sanções económicas por parte de Moscovo, tais como: interrupção da construção do gasoduto, conhecido por “Corrente Turca”, e da central nuclear de Akkuyu, avaliada em cerca de 10 mil milhões de USD, da responsabilidade da empresa russa G2azprom. Mas, a Rússia acrescentou ainda outras medidas ao rol de sanções: interrupção do fluxo de turistas russos para o território da Turquia, interdição da contratação de trabalhadores turcos por parte das empresas russas – medida a beneficiar os trabalhadores provenientes de outros países próximos da Rússia. entre Janeiro e Maio de 2016, as trocas comerciais entre a rússia e turquia caíram 43%, segundo as estatísticas económicas russas. O sector turístico foi também tremendamente afectado, registando uma quebra de 93%, até Junho.
Justino Pinto de Andrade Economista
Este conjunto de medidas teve reflexos muito negativos, sobretudo sobre a Turquia, que tem a Rússia como o segundo parceiro comercial, superado apenas pela Alemanha. Diz-se que, se aplicadas rigorosamente, as sanções russas produziriam uma perda económica equivalente a 1% do PIB turco. O comércio externo da Turquia está, assim, distribuído: os principais destinos das exportações são Alemanha, França, Reino Unido e Itália; as principais origens das suas importações são Rússia, Alemanha, China e Estados Unidos da América. Em termos regionais, a Turquia é um player muito importante, tanto para a Rússia, quanto para as principais potências ocidentais, tratando-se da 18ª economia no ranking económico mundial e uma das peças-chave dessa geografia política. Os dados económicos de 2015 ilustram bem o enorme potencial do país: PIB (nominal): USD 733,6 mil milhões; PIB per capita: USD 9.442; Taxa de crescimento do PIB: 3,8%; composição do PIB por sectores: serviços, 63,7%, indústria, 26,8%, agricultura, 9,5%. Os laços económicos entre a Rússia e a Turquia eram, até à altura da crise, muito importantes: 10% das importações turcas - correspondentes a 25 mil milhões de USD - provinham da Rússia, em especial, da venda de gás natural; a Turquia exportou para a Rússia, no ano passado, 6 mil milhões de USD em mercadorias, correspondentes a 6% das suas exportações. Contudo, entre Janeiro e Maio de 2016, as trocas comerciais entre os
dois países caíram 43%, segundo as estatísticas económicas russas. O sector turístico foi também tremendamente afectado, registando uma quebra de 93%, até Junho. Há, pois, uma forte interdependência entre os dois países, mesmo que a Rússia seja muito mais importante para a Turquia do que a Turquia para a Rússia. A Turquia representa apenas 4% do comércio externo russo. Antes ainda da crise provocada pelo abate do avião russo, os dois países já se encontravam de “costas viradas”, por causa da anexação da Península da Crimeia pela Rússia. A razão deste desaguisado reside no facto da os tártaros da Crimeia serem aparentados com os turcos. Na altura, o Governo de Ancara tomou posição idêntica à das potências ocidentais que se opõem à medida empreendida pela Rússia contra a Ucrânia. Mas antes de tudo isso, há ainda a acrescentar os posicionamentos contrários entre Moscovo e Ancara, dado que a Turquia pretende o afastamento do Presidente Sírio e a Rússia colocou-se, sem hesitações, do seu lado, constituindo-se mesmo no seu directo suporte. A questão que eu coloco agora é a seguinte: nesse imbróglio, o que prevalecerá? Serão os interesses económicos puros, ou as outras dimensões da geoestratégia regional? Para que lado penderá, então, a balança? É isto, afinal, que nos resta ver nos próximos tempos, que não me parecem tão distantes assim… &
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KEYRESEARCH APRESENTA ESTUDO SOBRE AUDIÊNCIAS A empresa angolana Keyresearch apresentou em Agosto o resultado de um estudo sobre audiências em Luanda. “Audiências e Consumo de Produtos e Serviços Angola” está na sua segunda edição, depois de já ter sido feito em Abril do corrente ano. A primeira vaga contou com uma amostra de 803 indivíduos, não contemplando todas as categorias. A segunda vaga conta com 16 categorias e com a informação já em fase de recolha, devendo estar disponível em Setembro. Segundo o director-geral da empresa, Paulo Santos, o estudo é uma iniciativa
do PAMRO (Pan African Media Research Organisation), organização que congrega as empresas africanas de estudos de meios, e nasceu da necessidade de criar um único banco de dados comparáveis e de medição de audiência para todo o continente africano. Segundo a empresa, o estudo dará aos gestores “uma imagem real e regular das audiências e do consumo de produtos e serviços, ficando munidos com informações decisivas para as suas tomadas de decisão e até mesmo mensurar o impacto dos seus investimentos de forma mais rápida e eficaz”.
O estudo é realizado junto de indivíduos com 15 ou mais anos e residentes na província de Luanda. Das 16 categorias existentes destacam-se Televisão, Rádio, Imprensa (jornais e revistas), Outdoor, Cinema, Telecomunicações Móveis, Hábitos de Compras, Banca, Seguros e Bebidas. A Keyresearch é uma empresa angolana de Estudos de Mercado e Monitorização de Media, que está presente no mercado desde 2003 e pertence ao grupo Special Edition. Conta com uma equipa de mais de 60 profissionais em Luanda, tendo também presença fixa em Benguela e na Huíla. &
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EMPREENDEDORISMO VS GESTÃO EMPRESARIAL Na primeira aula de “Gestão da Inovação e da Tecnologia”, do Mestrado em Gestão dos Serviços e da Tecnologia, do ISCTE, costumo explicar aos meus alunos a diferença entre Empreendedorismo e Gestão Empresarial. Os Empreendedores têm um perfil de propensão para o risco, constroem activos próprios a partir de uma ideia de investimento e dos seus recursos próprios, têm uma grande intuição e capacidade de inovação, têm um conhecimento alargado do mundo que nos rodeia e prosseguem um objectivo de maximização da rentabilidade dos seus investimentos e da incorporação dos lucros obtidos, no seu património individual.
A minha visão sobre Angola, do conhecimento detalhado que tenho vindo a deter sobre a sua realidade empresarial, é que não tem um problema de empreendedorismo, mas tem um grave problema de gestão das suas unidades empresariais, sobretudo as de média e grande dimensão.
Luís Todo Bom Professor Associado Convidado do ISCTE (Lisboa) Presidente do CA da Multitel (Luanda)
Os Gestores têm um perfil de aversão ao risco, administram activos alheios, que são propriedade dos accionistas e em relação aos quais têm o dever fiduciário de proteger, detêm um conhecimento aprofundado das ferramentas teóricas de gestão, exercem a sua actividade através de processos de análise e decisão estruturada, prosseguem um objectivo integrado de rentabilidade e sustentabilidade da unidade empresarial, são responsáveis perante os vários stakeholders, internos e externos, com especial relevância para os accionistas, fornecedores, clientes e colaboradores, e são remunerados pelo seu trabalho, podendo usufruir, ou não, de um prémio de gestão, em função dos resultados da empresa. Depois desta clarificação, explico aos meus alunos que não os vou preparar para serem empreendedores tecnológicos, mas sim, gestores de empresas com elevada incorporação de inovação e de tecnologia. E esta clarificação faz toda a diferença, em relação às matérias leccionadas e aos estudos de caso de aplicação das várias ferramentas teóricas desenvolvidas ao longo do curso. E tenho a consciência tranquila em como preparei adequadamente quadros de gestão empresarial, que, no exercício da sua profissão, têm garantido o crescimento e a sustentabilidade de empresas de alto valor acrescentado, que funcionam em ambiente altamente competitivo. A minha visão sobre Angola, do conhecimento detalhado que tenho vindo a
deter sobre a sua realidade empresarial, é que não tem um problema de empreendedorismo, mas tem um grave problema de gestão das suas unidades empresariais, sobretudo as de média e grande dimensão. A utilização das melhores práticas disponíveis, no âmbito da gestão estratégica, da gestão financeira, da gestão de operações e dos sistemas de informação, ainda não é uma situação corrente nas grandes empresas angolanas. E a razão, em minha opinião, é simples. Na base desta situação não está a propalada carência de quadros de gestão, que podem ser contratados, formados e endogeneizados, mas sim, o sistema de incentivos da sociedade angolana. A sociedade premeia generosamente os empreendedores e não incentiva adequadamente os gestores, através de sistemas de prémios por resultados, stock options e remunerações indexadas à dimensão e complexidade dos negócios. Enquanto o sistema de incentivos não se alterar, a qualidade de gestão das empresas angolanas não será boa, porque não conseguirão contratar e formar gestores de primeira linha. E, deste modo, bons projectos de investimento, desenvolvidos por empreendedores, com visão e apetência pelo risco, não produzirão as rentabilidades necessárias para induzir um crescimento mais acelerado da economia angolana. &
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Mercado Cambial
Liberalização do dólar pode ser uma alternativa Texto: Edjaíl dos Santos Fotografia: Afonso Francisco
O Presidente angolano exigiu, no início de Julho, ao Banco Nacional de Angola, que encontre soluções para resolver as dificuldades que os clientes e as empresas enfrentam no acesso a divisas, reconhecendo que, devido a este impasse, actualmente, quem tem dinheiro em moeda estrangeira prefere mantê-lo fora do país. Entretanto, passados dois meses, as dificuldades persistem e as empresas petrolíferas, através da Câmara de Comércio Angola-Estados Unidos da América, solicitaram a liberalização dos dólares no mercado, uma situação que poderá resultar, defendem alguns analistas, num recuo da política nacional de “desdolarização”. A existência de uma política monetária e cambial expansiva, que exija revisões de alguns aspectos da Lei 02/12 sobre o Regime Cambial do Sector Petrolífero, permitindo a livre compra e venda bem como pagamentos e recebimentos em moeda estrangeira, pode ser uma alternativa para aliviar o mercado e reduzir a actual pressão que recai sobre o Banco Nacional de Angola (BNA), defendem alguns analistas. De acordo com Inocêncio das Neves, especialista em petróleos, a liberalização da taxa de câmbio permitirá que quem tem dólares, tanto em Angola como lá fora, possa trazê-los e pô-los livremente à disposição de quem precisa deles, de maneira a que o mercado cambial se auto-regule. Esta proposta está em linha com a preocupação do presidente da Câmara de Comércio Estados Unidos-Angola (USACC) que, no início de Agosto, soltou um grito de socorro, pedindo ao BNA que autorize
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as empresas de prestação de serviços à indústria petrolífera a receberem em dólares dos seus clientes internacionais. Segundo Pedro Godinho, “com a baixa do preço do petróleo”, que limitou a circulação de divisas, “as empresas estão a fechar devido ao grau de dificuldade que existe, sobretudo as que não conseguem transaccionar no mercado internacional e vêem os seus recursos financeiros na banca angolana desvalorizarem-se todos os dias”. O presidente da USACC considerou que as divisas que o BNA vende à banca comercial são insuficientes e têm pouco impacto na economia, já que a indústria petrolífera é de capital intensivo e as suas operações movimentam centenas de milhões de dólares. Entretanto, este cenário já havia sido apresentado pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos que, em Julho, revelou que o Governo não está a receber receitas da Sonangol, desde o princípio do ano, por causa da baixa significativa do preço do petróleo no mercado internacional. Segundo chefe do Executivo, as receitas arrecadadas mal chegam para pagar as dívidas contraídas pelo Estado e pela própria multinacional angolana. Sem amenizar a situação, José Eduardo dos Santos afirmou que o Banco Nacional de Angola tem feito a gestão das receitas em divisas que provêm da venda de kwanzas às petrolíferas estrangeiras para os pagamentos das suas despesas em Angola, sendo que este valor ronda os 300 milhões de dólares/mês, o que é, sublinhou o Presidente angolano, “manifestamente insuficiente para as necessidades dos bancos e para o Orçamento Geral do Estado”. Reformas devem ser pragmáticas Para Inocêncio das Neves, no entanto, a situação económica actual do país necessita “urgentemente de um
Segundo Pedro Godinho, “com a baixa do preço do petróleo”, que limitou a circulação de divisas, “as empresas estão a fechar devido ao grau de dificuldades que existe, sobretudo as que não conseguem transaccionar no mercado internacional e vêem os seus recursos financeiros na banca angolana desvalorizarem-se todos os dias”.
conjunto de reformas estruturais muito pragmáticas, rápidas e astutas” sob o risco de a economia ser engolida pela deterioração da situação cambial, o que, ao registar-se, “afectará gravemente os demais sectores económicos”. Por sua vez, o investigador Precioso Domingos é de opinião que a política de “desdolarização” acabou por restringir a circulação do dólar no mercado. O economista argumenta que a actual situação resulta também do facto de Angola exportar apenas um produto. “Se o país fosse mais industrializado, o impacto da baixa do preço do petróleo na economia não seria tão grande. Até podemos comprar dólares, porém, se não tivermos o que exportar, o
problema não será resolvido”, alerta, defendendo mais acções que promovam a diversificação da economia. Por seu lado, Inocêncio das Neves explica que as medidas que propõe devem ser acompanhadas por uma redução da taxa de juros de referência do BNA, ao passo que o nível de reservas obrigatórias em moeda estrangeira deve passar dos actuais 15% para pelo menos 10%. “Isso permitiria que a banca financiasse mais o sector privado produtivo, gerando mais empregos, mais produção interna e mais diversificação”, reforça. Sobre a tarefa de diversificar a economia para impulsionar as exportações, o Presidente da República,
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Inocêncio das Neves explica que as medidas que propõe devem ser acompanhadas por uma redução da taxa de juros de referência do BNA, ao passo que o nível de reservas obrigatórias em moeda estrangeira deve passar dos actuais 15% para pelo menos
10%
“Isso permitiria que a banca financiasse mais o sector privado produtivo, gerando mais empregos, mais produção interna e mais diversificação”.
Contribuição sobre operações bancárias pode inibir depósitos Recentemente, entrou em vigor o Regime Jurídico da Contribuição Especial sobre Operações Bancárias (Decreto Legislativo Presidencial n.º 1/16, de 24 de Fevereiro), que criou uma figura tributária inserida no quadro das medidas de optimização da receita para o Orçamento Geral do Estado do ano corrente, em conjugação com as medidas de dinamização da política tributária vigente. A contribuição especial é de 0,1% sobre o valor da movimentação ou operação bancária em causa, tendo como base de cálculo o seu montante, em moeda nacional ou estrangeira, mas esta medida não acolhe aprovação de vários economistas, como é o caso de Precioso Domingos, que a considera “ilegal”. “Embora se tenha apresentado justificações para mostrar que essa taxa não é um imposto, atribuam-lhe o nome que quiserem, é um imposto que não passou pelo Parlamento e, por esse motivo, é ilegal, o que poderá inibir as pessoas de usarem os bancos”, argumentou. Para Precioso Domingos, “o Estado está sem muitas alternativas de fontes de receitas”, daí que está “a tirar dinheiro do bolso dos cidadãos e das empresas, em alguns casos à revelia”, uma vez que deve ser o Parlamento a legislar sobre os impostos “e não o Estado a criar leis que o favoreçam”.
José Eduardo dos Santos, referiu ser necessário que os exportadores tenham o apoio dos bancos comerciais. “O aumento das exportações de outros produtos, para não continuarmos a depender só do petróleo, é uma tarefa urgente e inadiável. Mas quem exporta os seus produtos tem de ter apoio suficiente de bancos comerciais, com regulamentos claros e adequados para que saiba como depositar e movimentar no mercado externo as suas poupanças”, frisou o Chefe do Estado. Para a atracção do investimento estrangeiro, Inocêncio das Neves lembra que os investidores precisam de se sentir confiantes para aplicarem os seus fundos em Angola. Apesar da crise, afirmou o gestor, Angola continua a ser um país com enormes potencialidades, embora nesta altura o ambiente não seja o melhor. &
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Agronegócio
“A modernização tem que ser feita com as pessoas” A Fundação António Agostinho Neto (FAAN) organiza anualmente conferências temáticas, a que chama de “Debates em Família”. A edição deste ano esteve subordinada ao tema da agro-indústria, na qual se defendeu, entre várias teses, a aposta na produção local de matérias-primas e o desenvolvimento da indústria transformadora para absorver os bens do campo e conferir-lhe valor-acrescentado. Entretanto, todas estas medidas, na opinião dos palestrantes, passam necessariamente pela capacitação dos recursos humanos locais.
Texto: Sebastião Vemba Fotografia: Arquivo
O director geral da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) defende que “a modernização do sector agrário em Angola deve ser feita com as pessoas”, através da capacitação de jovens profissionais nas mais diversas áreas que interagem com o sector da agricultura. Para Belarmino Jelembi, sendo a geração de emprego um dos principais desafios da economia nacional, seria de todo acertado que se apostasse na criação de postos de trabalho qualificados para a mão-de-obra jovem que o país tem formado. “A agricultura não pode ser vista de maneira isolada, uma vez que, para que aproveitemos a mão-de-obra jovem, ela deve ser modernizada. Sendo assim, a modernização tem que ser feita com as pessoas. O emprego no sector agrícola não se dá apenas nas lavras, mas existe sim uma série de factores a montante e a jusante da produção que podem absorver vários profissionais com qualificação”, argumentou Belarmino Jelembi.
O palestrante citou, como exemplo de área que pode absorver os novos profissionais no sector da agricultura, o cooperativismo, na medida em que “é estratégica, nomeadamente ao nível da assistência técnica, estudos de mercado e preparação de planos de negócio”, porém, para que isso aconteça, defendeu, “é necessário que se tenha uma visão holística do sector agrário”. Entretanto, o engenheiro Jorge Coelho Pinto, numa recente entrevista à Economia & Mercado, a propósito da indústria nacional de bebidas, chamou a atenção para o fenómeno do êxodo rural a que se tem assistido em algumas regiões do país. “Enquanto as zonas rurais e agrícolas não forem equipadas com infra-estruturas e factores de produção, como energia e água, nunca combateremos o êxodo rural. Corremos o risco de, dentro de um período não muito longo, não virmos a ter pessoas no campo,
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Belarmino Jelembi, defendeu que o desenvolvimento do agronegócio e a intensificação das exportações não é possível sem uma aposta séria na investigação científica, que pode tornar o país competitivo. “Esta é uma área estratégica em que se pode investir, porque beneficia todos os produtores”, sugeriu.
porque isso deriva de uma necessidade humana de procura incessante de melhores condições de vida”, alertou, tendo lembrado que, infelizmente, as populações camponesas ainda têm uma renda precária, além da ausência de outros tipos de infra-estruturas básicas. Ainda sobre a ausência de infra-estruturas, Jorge Coelho Pinto lamenta o
desconhecimento total sobre a realidade das áreas rurais. “Muita gente não imagina com que sacrifício um homem do campo compra cinco litros de gasolina para ter o gerador a trabalhar, e, caso tenha uma arca, conservar os produtos”, atirou, tendo defendido que o país precisa de um plano nacional de produção agrícola, que, em vez de deslocar a aldeia, leva até ela as condições de produção. “Por exemplo, devido à ausência de infra-estrutura de transportes para escoar os seus bens, os produtores são obrigados, muitas vezes, a vender os seus produtos a um ‘atravessador’ que lhes surge, para evitar que os bens se deteriorem”. Produzir para garantir a segurança alimentar Ao longo da sua palestra, subordinada ao tema “Agricultura Familiar e o
“A agricultura é a base e a indústria o factor decisivo” A sétima edição dos “Debates em Família”, promovidos pela Fundação António Agostinho Neto (FAAN), esteve subordinada ao lema “A agricultura é a base e a indústria o factor decisivo”, inspirado num dos discursos do patrono da organização, o primeiro presidente de Angola, António Agostinho Neto. De acordo com o engenheiro agrónomo Fernando Pacheco, um dos intervenientes, Angola produzia matérias-primas para a indústria, porém, para fechar o ciclo, era necessário que desenvolvesse uma indústria de equipamentos. Para o especialista, a visão de Agostinho Neto era “extremamente correcta”, porém, ressalvou, a dúvida que se tinha era se o país tinha condições para pôr esta ideia em prática. “Por razões diversas, nós adoptámos um modelo de desenvolvimento inspirado no soviético, que era desadequado às condições africanas. Uma das grandes linhas deste modelo é a ideia dos grandes projectos. Em África, pensa-se muito que o grande projecto resolve o problema, mas esta é uma ideia errada”, defendeu.
Agronegócio: Produção de alimentos e Produtos para Exportação”, Belarmino Jelembi afirmou que, na fase actual, a produção nacional de alimentos deve estar direccionada ao consumo interno, de modo a que se possa garantir a segurança alimentar das populações. Infelizmente, apontou, Angola apresenta um défice de cereais de mais de 1,5 milhões de toneladas, que deve ser superado. “Há uma área que pode ser interessante ao nível da coabitação da agricultura familiar e do agronegócio, que é a cultura do café, com a qual já tivemos alguma experiência. Neste segmento, alguns pequenos e grandes produtores podem trabalhar de forma articulada”, tendo acrescentado, entretanto, que não existe contradição entre a produção para o consumo local e a exportação, que acontecerá naturalmente, tão logo as necessidades locais de bens agrícolas sejam supridas. Belarmino Jelembi, no entanto, defendeu que o desenvolvimento do agronegócio e a intensificação das exportações não é possível sem uma aposta séria na investigação científica, que pode tornar o país competitivo. “Esta é uma área estratégica em que se pode investir, porque beneficia todos os produtores”, sugeriu. Sobre este assunto, Jorge Coelho Pinto reforçou que, para ter competitividade, Angola deve apostar na produção de matérias-primas e transformá-las, para que apresente ao mercado “bom produto, acabado e a um bom preço”. O engenheiro Fernando Pacheco, por sua vez, entende que o país deve voltar a produzir adubos e sementes, mas também “precisa de garantir um
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“Enquanto as zonas rurais e agrícolas não forem equipadas com infra-estruturas e factores de produção, como energia e água, nunca combateremos o êxodo rural. Corremos o risco de, num período não muito longo, não virmos a ter pessoas no campo, porque isso deriva de uma necessidade humana de procura incessante de melhores condições de vida”, alertou Jorge Coelho Pinto.
serviço adequado de assistência técnica, reformular os serviços de investigação agro-pecuária, bem como desenvolver os serviços veterinários”. “Precisamos de definir uma política de mecanização adequada, que não cometa os disparates a que se assiste, com os produtores a comprarem os meios, porém não dispondo de serviços técnicos e de manutenção”, criticou. Sobre a gestão das terras no país, Belarmino Jelembi defende que se tenha o devido cuidado, uma vez que, argumenta, “a concentração de riqueza na era do petróleo tem um significado, ao passo que a concentração de recursos na era da agricultura pode significar expropriação de terras”. “Se isso não for devidamente tratado, estaremos a mexer com um aspecto sensível da estabilidade do país”, alertou. &
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Bebidas espirituosas
Importações em queda livre Texto: Sebastião Vemba Fotografia: Arquivo e ViniPortugal
A indústria nacional de bebidas sofreu um abalo devido às actuais dificuldades de importação de matérias-primas, o que resultou na paralisação de linhas de produção e no despedimento de pessoal, mas despertou o interesse dos investidores em oportunidades de negócio ao nível interno. Entretanto, não havendo uma indústria local desenvolvida, a distribuição de bebidas espirituosas é dependente do fornecimento externo, o que expôs o negócio à crise e deixou as importações em queda livre.
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Só nos primeiros seis meses de 2016, a importação de vinhos portugueses em Angola registou uma queda na ordem dos 75%, o que poderá resultar numa baixa do volume de vendas para até 1,5 milhões de caixas de vinho, revelou à Economia & Mercado o presidente da ViniPortugal. De acordo com Jorge Monteiro, depois de o ano de 2014 se ter apresentado como estável, com um total de 7 milhões de garrafas exportadas, das quais 3,9 milhões engarrafadas na origem e 3,1 milhões em granel para engarrafamento em Angola, em 2015 começaram a surgir as consequências da actual crise económica. No ano passado foram exportadas apenas 5.800.000 caixas de cada 9 litros de vinho, sendo 3 milhões engarrafadas na origem e 2,8 milhões de exportação em granel, o que representou uma queda de 18% em relação às exportações de 2014. Dois anos antes, entretanto, o volume de exportações correspondeu ao equivalente a 7.100.000 caixas de 9 litros, sendo que deste total 3,6 milhões foi vinho engarrafado em Portugal e 3,5 milhões de caixas saídas em granel com engarrafamento no destino. Embora esteja a registar a mesma queda das exportações para a Angola, a WOSA (Wine of South Africa) prefere apontar o crescimento positivo do mercado angolano nos últimos dez anos, período em que cresceu mais de 400%. De 2005 a 2015, as exportações de vinhos sul-africanos para Angola cresceram de 931 632 mil litros para 5 520 465, o
que garantiu ao país abarcar 6% da quota de mercado de importação de vinhos em Angola. Entretanto, o representante da Esporão em Angola, Gonçalo Jorge, alerta que a situação actual “não é benéfica para ninguém”, nem para “importadores que tinham em Angola um bom mercado e que ajudaram o próprio mercado a crescer, modernizar-se, fazendo igualmente fortes investimentos em infra-estruturas, formação de equipas”, nem “para o próprio consumidor que neste momento já tem a sua oferta de produtos bastante reduzida e que voltou a ter os preços do ‘antigamente’ extrapolados por uma inflação criada pela falta de divisas e dificuldades nas transferências”. Para o responsável, Angola tinha já condições para ser um mercado maduro, “mas a crise veio colocar a olho nu as debilidades que o mercado ainda tem”. Diante da actual carência, a Esporão prioriza a importação dos seus próprios vinhos e gere o melhor que pode o stock. “Para lhe dar um exemplo, de Janeiro a Maio, as exportações de Portugal de vinhos do Douro para Angola baixaram cerca de 57% em relação ao mesmo período de 2015. A procura mantém-se, ou até aumenta devido à falha de produto, mas não há produto para cobrir a procura”, lamentou Gonçalo Jorge. Informal perde terreno Apesar das actuais dificuldades de importação que os distribuidores locais
Jorge Monteiro acredita que a preferência dos consumidores angolanos pelo vinho vai manter-se, mas considera que o mercado não voltará a atingir os valores dos últimos anos. enfrentam, as fontes da E&M reconhecem, no entanto, que o mercado registou vários avanços, particularmente ao nível das infra-estruturas de distribuição que hoje, além de serem modernas, cresceram exponencialmente, roubando espaço ao mercado informal. “Este último perdeu muito nos últimos três anos, estando hoje abaixo do mercado formal”, informou Jorge Monteiro, que, porém, lamentou que
o canal HORECA (Hotéis, Restaurantes e Cafés), sobretudo os de gama alta, estejam a ser afectado pela conjuntura financeira actual. Segundo Jorge Monteiro, actualmente “o consumidor desloca-se para segmentos mais acessíveis, até porque a desvalorização do kwanza a isso obriga, mas o constrangimento maior tem a ver com a indisponibilidade do produto, que não chega ao
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mercado, pelas dificuldades que os importadores têm de pagamento aos exportadores em moedas de referência”. Sob este ponto-de-vista, o responsável da ViniPortugal estima que a restauração terá caído mais que o consumo em casa, devido à perda do poder de compra por parte dos clientes, associado a algum arrefecimento na restauração. Por sua vez, o director de markting da WOSA para África e América, Matome Mbatha, suspeita que, devido ao baixo preço do petróleo e à actual desvalorização do kwanza, haverá menos liquidez na economia, o que causará uma pressão sobre as empresas e poderá diminuir o consumo de forma dramática no ano em curso. “Há um alto nível de incerteza sobre por quanto tempo a crise vai durar”, manifestou.
Quanto à possível alteração do comportamento dos consumidores, Jorge Monteiro refere que não existe dados que permitam inferir esta tendência, mas afirma que é possível quantificar “que o consumidor angolano continua a ter uma clara preferência por vinhos portugueses, cuja quota de mercado actual é de cerca de 69%”. “Mas, necessariamente, haverá uma deslocação do segmento de preço que o consumidor estará disposto a pagar na hora de comprar”, acresceu. Já Matome Mbatha considera que os consumidores angolanos apreciam cada vez mais os vinhos sul-africanos, preferencialmente os tintos, incorporados e com teor de álcool de 14%. “O consumo de vinho faz parte dos hábitos gastronómicos dos angolanos”, referiu.
No ano passado foram exportadas apenas 5.800.000 caixas de cada 9 litros de vinho, sendo 3 milhões engarrafadas na origem e 2,8 milhões de exportação em granel, o que representou uma queda de 18% em relação às exportações de 2014. Mercado não voltará aos tempos áureos Jorge Monteiro acredita que a preferência dos consumidores angolanos pelo vinho vai manter-se, mas considera que o mercado não voltará a atingir os valores dos últimos anos.
“Há, porém, outros fenómenos importantes que podem melhorar o desempenho do mercado, nomeadamente o crescimento da designada moderna distribuição, que permite maior eficiência logística, com menores custos operacionais e menores margens dos diferentes intervenientes na cadeia. Desta forma, todo o canal, desde a importação até ao retalho, pode ganhar competitividade”, argumentou. O presidente da ViniPortugal, instituição que promove os vinhos portugueses no mundo, apontou ainda o desenvolvimento económico de outros polos metropolitanos, nomeadamente Benguela, Lobito e Lubango, como factores que “podem influenciar um perfil de consumidor mais urbano ou cosmopolita, que se sentirá cada vez mais atraído para o consumo moderado do vinho”. No entanto, ressalvou: “A situação actual ainda aconselha a alguma prudência na avaliação da evolução futura deste mercado. Seja qual for a sua evolução, Angola continuará a ser um dos mercados de exportação mais importantes para nós, logo após aos EUA, ao Canadá, à Suíça e China ou ao Japão”. Para melhor compreender o mercado, bem como mostrar as iniciativas de produção local de bebidas espirituosas, a Economia & Mercado contactou várias outras fontes, entre elas a Pernod Ricard, o Gin Kianda e a Associação das Indústrias de Bebidas de Angola (AIBA), mas não obteve respostas até ao fecho desta edição. &
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| opinião
A Lei de Packard Quantas vezes se questiona o facto de avultadas somas de dinheiro injectadas em empresas e projectos, tanto públicos como privados, não se traduzirem em resultados compatíveis com o tamanho do investimento feito, quando não resultando mesmo em rotundos falhanços. Uma das possíveis respostas a esta questão tem a ver com a Lei de Packard, formulada em homenagem a David, um dos fundadores da conhecida empresa HP, tema que trago a este espaço para reflexão.
Colaboradores ideais, numa adaptação das palavras de Collins, são os que assumem a cultura e os valores da empresa, entendem que o seu trabalho é mais do que um emprego, não precisam de ser controlados o tempo todo, mostram proactividade e sentido de responsabilidade, praticam a frugalidade, cumprem o que prometem, têm maturidade para reconhecer o mérito dos outros e nutrem paixão pelo que fazem.
José Gualberto Matos Engenheiro
A Lei de Packard é referenciada no livro de Jim Collins “De Bom a Excelente” e traduz-se no seguinte: nenhuma empresa consegue manter crescimento sustentado se esse crescimento for mais rápido do que a sua capacidade de encontrar as pessoas certas necessárias para manter níveis de excelência. Dito de outro modo, aqueles que constroem empresas óptimas sabem que, em última análise, a base do crescimento não são os produtos, os mercados, a tecnologia ou a concorrência. É algo que está acima disso tudo: a capacidade de contratar e manter a quantidade suficiente de pessoas certas nos lugares certos. Já Jack Welsh, o famoso CEO da General Electric, dizia que ocupava metade do seu tempo a recrutar executivos para a sua empresa. Collins afirma ainda que é mais provável que uma empresa morra de indigestão, por excesso de oportunidades, do que de fome. Se se deixar crescer acima da capacidade de preencher os cargos certos com as pessoas certas, a empresa acaba por se despistar. É preciso adequar o crescimento em função do capital humano disponível. E ter a noção de que os recursos humanos não são elásticos. Para Alex Ferguson, que foi líder e treinador do Manchester United, atirar dinheiro para cima de um problema nunca foi a maneira certa de garantir soluções. Esbanja-se o dinheiro e não se resolve o problema. Segundo ele, o dinheiro por si só não dá substância a um clube. Então o que dá substância a uma empresa? O que dá substância a uma empresa é uma cultura consistente, baseada em valores fortes.
Consistência é o ingrediente que faz perdurar a cultura de uma empresa. Consistência na cultura empresarial é elemento essencial para encontrar os colaboradores ideais. Mantendo uma cultura consistente, é mais fácil atrair colaboradores que se encaixam nessa cultura e que a reforçam, cimentando o capital humano. O que são afinal colaboradores ideais? Colaboradores ideais, numa adaptação das palavras de Collins, são os que assumem a cultura e os valores da empresa, entendem que o seu trabalho é mais do que um emprego, não precisam de ser controlados o tempo todo, mostram proactividade e sentido de responsabilidade, praticam a frugalidade, cumprem o que prometem, têm maturidade para reconhecer o mérito dos outros e nutrem paixão pelo que fazem. Em suma, o colaborador ideal é aquele que se auto-motiva, vestindo a camisola da sua empresa. São as pessoas boas que fazem empresas boas. O dinheiro ajuda, mas o sucesso de qualquer empresa ou empreendimento depende sobretudo da combinação certa de capital financeiro com capital humano. E tenha-se em conta que é muito mais difícil reunir capital humano adequado do que obter capital financeiro. Novamente nas palavras de Alex Fergunson, o sucesso não se compra. Em conclusão, as evidências mostram que as empresas resilientes e auto-sustentáveis são aquelas que reconhecem que o capital humano é o factor crítico de sucesso mais relevante para um desempenho duradouro e de excelência. &
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Rendimentos do Crime Organizado 2 TRILHÕES DE DÓLARES
1 TRILHÃO DE DÓLARES
norte-americanos é quanto valerá, anualmente, o comércio illegal associado ao crime organizado, segundo estima a Organização das Nações Unidas contra Drogas e Crimes, citada pela BBC Mundo.
Entretanto, o último relatório do Fórum Económico Mundial fez uma estimativa menor - mais de 1 trilhão USD - com base numa pesquisa de 2011 feita pelo Global Financial Integrity (GFI), que elaborou o seu estudo a partir de 12 atividades ilegais, sendo as cinco principais o narcotráfico, a falsicação de produtos, o tráfico humano,o tráfico de petróleo e o tráfico de vida selvagem.
3,6% do que é produzido e consumido no planeta anualmente
FALSIFICAÇÃO Ç NARCOTRÁFICO
320 bilhões de dólares foram os ganhos do narcotráfico em 2003, uma cifra equivalente a 1% do PIB mundial naquele ano. De resto, a produção concentra-se nos países em desenvolvimento e os principais destinos são os Estados Unidos da América e a União Europeia.
35 bilhões de dólares foi o rendimento do mercado americano de cocaína em 2008, enquanto o cultivo deste produto nos países produtores rendeu cerca de 500 milhões de dólares.
TRÁFICO DE PETRÓLEO
10,8 bilhões de dólares é quanto se estima que o tráfico de petróleo gera anualmente. De acordo com a imprensa mundial, um dos principais beneficiários deste comércio ilegal é o grupo auto-denominado Estado Islâmico, que, alegadamente, ganha até 500 milhões de dólares por ano.
250 bilhões de dólares norte-americanos é a estimativa de facturação anual do mercado de falsificação de produtos, que hoje abarca uma parte substancial do consumo e comércio mundial. A Organização Mundial de Alfândegas estima que estes produtos equivalem entre 5% a 7% do comércio global.
TRÁFICO HUMANO
31,6 bilhões de dólares é a facturação estimada do tráfico humano. No seu último relatório, publicado em 2014, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que os lucros privados deste comércio ilegal são de 150 bilhões de dólares. De acordo com a OIT, cerca de 99 bilhões USD vêm da exploração sexual.
TRÁFICO DE VIDA SELVAGEM
10 bilhões de dólares é o valor estimado do tráfico de animais, dos quais se destacam elefantes, rinocerontes e tigres, valiosos pelo marfim, pelos chifres e pela pele.
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Angola 2020
Cinco anos, ou mais, para “bumbar” com menos receitas do petróleo Na apresentação do “Relatório Económico de Angola 2015”, elaborado pelo Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, o economista Alves da Rocha, director desta instituição, referiu que algumas das previsões inseridas no documento poderiam não vir a realizar-se, pois, na prática, os seus pressupostos estariam sujeitos a eventuais alterações. E salvaguardou tal eventualidade com uma afirmação que provocou gargalhada geral: “Uma das características dos economistas é, precisamente, a faculdade de raramente acertarem nos números”. Entretanto, caso os analistas acertem nalgumas das suas previsões, a economia angolana deverá ter um percurso de reajustamentos estruturais para contrapor o défice orçamental global que persistirá até 2021, antevêem.
Texto: Justino Pinto de Andrade Fotografia: Arquivo
O Relatório Económico de Angola 2015 atesta que, actualmente, o país “apresenta uma débil situação orçamental agravada por indicadores de uma dívida pública alta, tendo as poupanças orçamentais regredido para níveis inferiores à crise de 2008-2009”. O documento lembra que, “quando as receitas petrolíferas registaram uma queda por causa da crise, o Governo decidiu rever em baixa o Orçamento de 2015, sacrifican-
do largamente, entre várias rubricas, o segundo maior driver do crescimento em Angola, as despesas de capital”, porém, apesar desta medida, “a situação orçamental e da dívida passou a ser inexequível e, em 2015, o défice orçamental global chegou a 4% do PIB”. De acordo com as previsões do CEIC, até ao ano de 2021 o défice orçamental persistirá, sendo que o “Estado continuará a ter grandes necessidades de financiamento até àquele ano”. A instituição aponta, com preocupação, “que em 2015 o Estado violou a regra de ouro das finanças públicas, que
diz que o défice público não pode ser superior às despesas de investimento, o que pode significar que os empréstimos contraídos destinaram-se, em parte, a financiar a despesa corrente (o que não é propriamente uma boa opção)”. Assim, no ano passado, os investimentos públicos foram de 636,8 mil milhões de kwanzas, ao passo que o défice foi de 806,5 mil milhões de kwanzas”. Na análise ao nível geral da actividade económica, o relatório do CEIC começa por abordar a correlação negativa que geralmente se estabelece entre a dotação de recursos naturais e o ritmo de crescimen-
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to económico. Para isso, relembra a participação do economista Carlos Leite no “Relatório Económico de Angola 2005”, quando atribui tal correlação negativa, sobretudo, à “extraordinária volatilidade dos preços” desses recursos naturais, daí que seja “contraindicado estruturar o crescimento económico numa exagerada e extensiva utilização dos recursos naturais, em particular os não renováveis e em especial o petróleo”. O economista dá como exemplo o fenómeno económico hoje conhecido como Dutch disease, “doença holandesa”, em português, que, afinal, tem uma
grande expressão na economia angolana. Entretanto, também no “Relatório Económico de Angola 2005”, outro economista, Victor Santos, acrescenta outros “efeitos perniciosos” da “doença holandesa”, nomeadamente a “forte volatilidade dos preços do petróleo nos mercados internacionais”; a “alteração do padrão de especialização dos países provocada pela excessiva apreciação da taxa de câmbio, que induz uma deficiente reafectação dos factores de produção, prejudicando-se a agricultura, a indústria transformadora e os serviços não transacionáveis”.
Victor Santos aponta ainda como efeitos perniciosos da “doença holandesa” a “instabilidade macroeconómica associada ao comportamento dos preços e da procura internacionais” que limita as oportunidades de crescimento económico, “isto apesar de os recursos petrolíferos exibirem uma elasticidade procura-rendimento internacional, por enquanto, elevada”. Por fim, o analista nomeou também a tendência secular de degradação dos termos de troca das matérias-primas e dos produtos de base como outro efeito negativo da excessiva dependência de uma só commodity.
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| capa
RECEITAS PETROLÍFERAS/RECEITAS TOTAIS Valores em %
100 90
76,7
80
75,2
76,9
80,1
79,4
81,0
80,8
76,3
70
80,1
81,1 74,8 67,4
63,6
60 50
50,0
48,2
2015
2016
40 30 20 10 0 2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
Fonte: Quadro macroeconómico comparativo do CEIC
PRODUTO INTERNO BRUTO VALORES EM MILHÕES DE USD
SECTORES DE ACTIVIDADE
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
AGRICULTURA/PECUÁRIA/FLORESTAS
2996,0
3012,1
3839,3
4394,0
4556,1
5279,3
6122,2
6905,4
PESCAS
1334,5
1129,5
1166,7
1280,7
1211,1
1385,4
1606,5
306,0
PETRÓLEO E GÁS
43924,0 25349,7
35977,1
49448,2 53278,0 48013,0 46045,8 30498,0
DIAMANTES E OUTROS
866,1
428,4
777,8
1249,5
726,7
1185,7
1241,0
2550,0
INDÚSTRIA TRANSFORMADORA
3119,8
2414,9
3342,9
4029,6
4694,6
5079,6
5690,6
8772,0
ELECTRICIDADE
494,9
681,6
695,1
833,0
1338,0
923,6
1122,7
204,0
CONSTRUÇÃO
5912,5
5355,6
7273,2
8152,9
10692,5
12917,5
14457,9
11016,0
COMÉRCIO
7927,5
6420,2
7215,3
7288,6
5801,9
6586,0
7160,5
5924,1
TRANSPORTES/ARMAZENAMENTO
2112,2
1239,9
1754,2
1613,9
2226,2
2454,5
2668,6
2207,8
CORREIOS/TELECOMUNICAÇÕES
1422,9
1889,1
1712,8
2925,9
4037,1
4632,1
5036,1
4166,5
BANCOS E SEGUROS
1537,8
1538,5
1489,4
1624,3
1314,9
1499,3
1630,1
1348,6
ESTADO E SERVIÇOS NO MERCADO
8502,0
8744,2
8861,9
12578,1
13760,7
21965,9
24130,1
17819,4
SERVIÇOS IMOBILIÁRIOS
3331,9
3258,8
3574,5
3488,1
5190,5
6455,4
7091,4
5866,9
OUTROS SERVIÇOS
6124,6
4732,4
6354,7
6747,2
7935,8
6427,5
5341,8
4419,4
PRODUTO INTERNO BRUTO
89606,8 66195,0 84034,9 105654,0 116764,0 124804,8 129345,4 102004,1
Fonte: CEIC, Ficheiro Estudo e Análise da Estrutura Produtiva, com base nas Contas Nacionais
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Petróleo não trouxe desenvolvimento… O relatório conclui que, não obstante o enorme fluxo de receitas geradas pela exploração do petróleo em Angola, tal não se traduziu em desenvolvimento, sendo que ao longo dos últimos anos não se registou o aumento do bem-estar económico, medido pelo Produto Nacional Bruto e pelo rendimento nacional por habitante. De igual modo, não foi possível diminuir os níveis de pobreza, desemprego e desigualdade, sendo este último atributo um dos elementos mais importantes da avaliação do desenvolvimento económico, porque incorpora aspectos relacionados com a democratização dos processos de acesso às fontes de rendimento, o aumento do emprego e a melhoria da qualidade dos factores de produção. O “Relatório Económico de Angola 2015” atesta não ter reconhecido este conjunto de pressupostos no país e diz ainda que, “em particular, em Angola muita gente pensa que as elevadas taxas de crescimento do PIB depois de 2002 têm de, necessária e automaticamente, traduzir uma melhoria generalizada das condições de vida da população. Uma vez que não é assim, é que se pode afirmar que Angola tem crescido muito, mas mal, ou seja, não no sentido da melhor distribuição do rendimento. Pelo contrário, enquanto o modelo de desenvolvimento for petróleo-intensivo e petróleo dependente, e se mantiverem abertas as janelas do acesso injusto à renda petrolífera, o crescimento não logrará desenvolvimento”. … e a economia não se diversificou quase nada Neste relatório, destaca-se igualmente a análise da problemática da diversificação da economia, objecto reiteradamente de vários pronunciamentos públicos aos mais altos níveis da hierarquia do Estado, mas poucas vezes devidamente interpretados. Uma das primeiras referências à diversificação económica tem a ver com o papel dos diversos agentes
económicos na economia, que é muito dependente do Estado, uma entidade que se reconhece enfermar de enormes “fragilidades institucionais e gestionárias”. Por isso, assume-se hoje, pelo menos no discurso teórico, a necessidade de se dar passos no sentido da privatização de partes do “vastíssimo império económico do Estado”. Porém, o CEIC questiona sobre que “critérios e modalidades de venda” este processo se regerá. Fazendo eco de declarações de certas correntes doutrinárias, o relatório do CEIC afirma que “a intervenção do Estado nas economias só é eficaz quando a governação (…) for transparente e a administração da ‘coisa pública’ não estiver inquinada pela corrupção”. “Não será o caso de Angola” – adianta – “pois o nosso país vem frequentemente referenciado nas últimas posições nos índices internacionais que medem a forma como os recursos públicos são usados”. Como recomendação, o relatório traça os prismas de materialização da diversificação da economia, por via das “exportações (de produtos e clientes), importações (produtos e fornecedores), pelo emprego – as reformas económicas estruturais tendem a eliminar emprego agrícola, tornando-o mais eficiente pelo aumento da produtividade do trabalho, e a aumentar os postos de trabalho na manufactura e nos serviços, onde a utilização de tecnologia aumenta o valor agregado interno e melhora a competitividade –, pelas fontes de financiamento da economia (impostos para o Estado, crédito e empréstimos para o restante dos agentes) e pela tecnologia”. No que diz respeito à tecnologia, destaca-se ainda a chamada de atenção de que “a deslocalização de algumas fábricas chinesas para Angola, recentemente anunciada pelo Governo como forma de acelerar a industrialização do país, pode ser uma má opção, tratando-se de fábricas com tecnologias ultrapassadas e equipamentos reciclados…”, lê-se no relatório, o que lembra o modelo utilizado pelas antigas metrópoles coloniais relativamente às ex-colónias.
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TAXAS ANUAIS DE CRESCIMENTO DO PRODUTO BRUTO TAXAS ANUAISINTERNO DE CRESCIMENTO DO PRODUTO INTERNO BRUTO Valores em %
Valores em %
10 8,0 10 6,0 8,0 4,0 6,0 2,0 4,0 0 2,0 -2,0 0 -4,0 -2,0
Índia
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Rússia ChinaOutubro 2015 Índia Fonte: IMF – World Economic Outlook,
Brasil
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Rússia
China
África do Sul África do Sul
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2013
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BRICS Emergentes BRICS Emergentes
TAXAS ANUAIS DE CRESCIMENTO TAXAS ANUAISINTERNO DE CRESCIMENTO DO PRODUTO BRUTO DO PRODUTO INTERNO BRUTO
Fonte: IMF – World Economic Outlook, Outubro 2015
Valores em % Valores em %
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3,5 4 3 3,5
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2,5 3 2 2,5 1,5 2 1,51 0,51 0 0,5 -0,5 0
Mundo
Economias Estados Avançadas Unidos Mundo Economias Estados Fonte: IMF – World Economic Outlook, Outubro 2015 Avançadas Unidos -0,5
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Japão
EuroÁrea
Japão
Reino Unido Reino Unido
Canadá Canadá
Fonte: IMF – World Economic Outlook, Outubro 2015
Repensar a entrada na Zona de Comércio Livre da SADC Uma das questões mais actuais para a economia angolana é a adesão do país à Zona de Comércio Livre da SADC em 2017, também tratada com o devido cuidado no presente relatório, que começa por chamar a atenção para o facto de, não obstante o proteccionismo aplicado, não se conseguiu atingir níveis de competitividade suficientes para nos posicionar de forma mais
cómoda na região. Mas o documento também aconselha a uma avaliação muito cuidadosa dos recentes desafios que têm enfrentado outros processos de integração regional, muito em especial a União Europeia, mais agora com as consequências da anunciada saída do Reino Unido. O estudo concentra-se no conjunto dos países integrantes da SADC, dado que pretende “identificar a capacidade de Angola competir face aos seus parceiros comunitários”. O relatório reconhece
que o período pós-guerra tem sido marcado por uma estabilidade macro-económica e o controlo dos macro-preços, porém, nos últimos tempos, fortemente ameaçados pelo impacto da crise do preço do petróleo. Reconhece também que foram construídas infra-estruturas económicas e sociais que produziram certa melhoria das condições sociais, todavia, não suficientes “para aumentar, de uma forma estrutural, a competitividade da economia nacional”. Por último, o estudo do CEIC refere algumas condicionantes à abertura e à inserção de Angola livremente quer no comércio mundial, quer no da SADC, sendo a primeira o facto de a nossa economia não ser diversificada, ficando, assim, demasiado exposta aos choques externos. A segunda condicionante é que o país ainda carece de utilidades indispensáveis para o crescimento com qualidade, intensidade e diversidade, tais como electricidade, água e saneamento básico. Um olhar sobre o Relatório Económico de Angola 2015 Em termos estruturais, e comparativamente ao “Relatório Económico de Angola 2014”, o de 2015 apresenta pouca variação. Por exemplo, iniciam ambos com o enquadramento da economia angolana na economia mundial, seguindo-se análises sobre a política orçamental, monetária e cambial; também sobre o nível geral da actividade económica, assim como a já recorrente problemática da diversificação da economia. No Relatório 2014, o capítulo que se seguia centrava-se numa análise da estrutura da economia nacional através das Contas Nacionais. No de 2015, optou-se por introduzir uma inovação, ao debruçar-se sobre a competitividade da economia angolana num contexto de adesão à Zona de Comércio Livre da SADC a ser implementada em 2017. O capítulo 7º aborda a distribuição do rendimento como modelo de crescimento alternativo.
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Os capítulos que se seguem não variam muito no seu escopo, com excepção do último, que privilegia, agora, a elaboração de uma monografia sobre a província do Zaire, ao contrário do Relatório 2014, que teve como objecto de estudo a província de Malanje. A razão da escolha da província do Zaire deveu-se ao facto de ser uma das maiores fornecedoras de petróleo e, no actual contexto, também uma das mais abaladas pela presente queda dos preços do petróleo e das receitas fiscais do Estado angolano. O presente momento económico internacional conhece incidências muito distintas dos anteriores, com as economias mais avançadas a cresceram, em média, 2%, entre 2014 e 2015. Um crescimento que muito se deve ao bom
desempenho da economia norte-americana, e um relativamente fraco desempenho da economia da Zona Euro (que apenas cresceu 1,5%). Na Zona Euro, o destaque mais negativo foi de países como Portugal, França, Espanha, Itália e Grécia, onde se aplicaram medidas de austeridade económica. A China tem vindo a conhecer uma acentuada redução no seu crescimento, fruto, em grande medida, da alteração do anterior paradigma de crescimento, que se baseava em custos resultantes de uma mão-de-obra barata e nas exportações. Este modelo está em fase de abandono, pois está a ser exercido por concorrentes próximos, tais como o Vietnam e a Índia. O modelo hoje em curso dá mais atenção à inovação e ao desenvolvimento do consumo interno.
As restantes economias emergentes, Rússia, África do Sul e Brasil, atravessam ainda momentos menos bons, com o Brasil tecnicamente em recessão. A economia emergente com melhor comportamento tem sido a Índia, hoje já a tornar-se destino privilegiado de muitos dos investimentos estrangeiros antes encaminhados preferencialmente para a China. As economias africanas em geral, sempre muito dependentes da exportação de um pequeno lote de matérias-primas, ressentem-se cada vez mais da baixa dos seus preços internacionais, sendo o caso mais paradigmático o do petróleo, a penalizar fortemente países como Nigéria, Guiné-Equatorial, Sudão e Angola, por exemplo. &
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Carlos Aguiar
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Angola 2020
Economia em desaceleração estrutural A desaceleração estrutural do crescimento do Produto Interno Bruto de Angola, desde 2008, é um dos grandes temas analisados pelo último relatório económico sobre o país, elaborado pelo Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola. O documento traz também uma monografia económica da província do Zaire, “fortemente abalada, na sua economia e sociedade local, pela queda dos preços do petróleo e das receitas fiscais do Estado”, o que, de resto, traduz o cenário global de desaceleração estrutural da economia do país.
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de dólares. Já as despesas do Estado com os investimentos públicos, na mesma fase, foram de 113 mil milhões de dólares. Durante essa fase fantástica da economia, esclarece o professor Alves da Rocha – que ainda tenta perceber onde foi parar o dinheiro do petróleo - o país perdeu uma grande oportunidade de melhorar as condições de vida das pessoas. “O saldo orçamental acumulado entre 2002 e 2015 foi de 32 mil milhões de dólares, mas o facto é que neste momento estamos numa situação crítica, em que a política orçamental assenta em demasia sobre a dívida pública, o que poderá ter graves efeitos a médio e longo prazo”, chama a atenção o director do CEIC, argumentando que “a crise do preço do petróleo é a mãe da crise em Angola”. Alves da Rocha acresce ainda que o Estado tem tido dificuldades para encontrar outras fontes de receitas, “pois nem com a reforma tributaria conseguiu, por isso, agora cria mais impostos, ainda que estejam escondidos, como é o caso da recém-
“O saldo orçamental acumulado entre 2002 e 2015 foi de
32 mil milhões de dólares, mas o facto é que nesTe momento estamos numa situação crítica, em que a política orçamental se assenta em demasia sobre a dívida pública, o que poderá ter graves efeitos a médio e longo prazo”, chama a atenção o director do CEIC.
Afonso Francisco
As projecções do CEIC apontam que até 2020 a taxa média de crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) andará à volta de 2,5%, o que está em linha com as análises do Fundo Monetário Internacional. “Estamos convencidos que, embora não haja recessão, o país não retomará os números do crescimento do passado, sendo que enfrentará uma fase de desaceleração estrutural de crescimento da economia”, adiantou Alves da Rocha, durante a apresentação do estudo. O economista informa que hoje os dados existentes indicam que o preço do barril de petróleo continuará a cair, sendo provável que até 2020 o preço médio desta commodity não atinja os 60 dólares americanos. Segundo o especialista, para resolver os desequilíbrios macroeconómicos, o país precisa que o petróleo se situe nos 85 dólares por barril. O Relatório Económico de 2015 debruça-se sobre a situação económica do país, que começou a deteriorar-se em meados de 2014, depois da considerada pelo CEIC “mini-idade de ouro do crescimento nacional”, que abrange os períodos de 2002 a 2008, em que a taxa de crescimento da economia era muito alta, de 10,1% do crescimento do Produto Interno Bruto. Entretanto, de acordo com Alves da Rocha, esse crescimento “não significou muito para o sector social, uma vez que os dados existentes indicam que 20% da população detém 60% do rendimento nacional”. “O modelo de repartição do rendimento nacional está inquinado e se ele continuar assim, não só as desigualdades sociais vão agravar-se como também não teremos um crescimento económico sustentável”, alerta o professor de economia. As receitas das exportações petrolíferas de 2002 a 2015, segundo o Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, atingiram os 538 mil milhões de dólares. No mesmo período, os benefícios fiscais do petróleo alcançaram os 320 mil milhões
Alves da Rocha, Director do CEIC da Universidade Católica de Angola
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“O modelo de repartição do rendimento nacional está inquinado e se ele continuar assim, não só as desigualdades sociais vão agravar-se como também não teremos um crescimento económico sustentável”, alerta o professor de economia. Individualidades nacionais e estrangeiras assistiram à apresentação do Relatório Económico de Angola 2015
-criada Contribuição Especial sobre as Operações Bancárias”. Inflação pode atingir os 50% O director do CEIC explica que a inflação é um dos demónios da economia, juntamente com o desemprego. “Dominámos a inflação até 2014, depois disso tudo, por causa do petróleo, ela começou a crescer e estamos a ter uma inflação diária de 20% a 30% e pode chegar aos 50% se continuar esta cadência de subida dos preços que, segundo o INE, regista uma taxa média mensal de quase 3%”, alerta. Outra preocupação apresentada pelo estudo diz respeito ao sector financeiro, que pode ser contagiado por essa má fase económica, uma vez que vive de divisas, cada vez mais escassas, e da concessão de crédito, que está difícil e com taxas de juros de 17%. “O nosso receio é o que pode suceder se houver a falência de um banco”, manifesta. Relativamente à diversificação da economia, Alves da Rocha revela que o PIB
não petrolífero em 2015 cifrou-se apenas em 1,2%, mostrando recuos nos sectores onde estão depositadas as esperanças de saída da crise. “É evidente que a diversificação não se faz da noite para o dia, mas há alguns membros do Governo que estão convencidos que é possível diversificar em pouco tempo”, critica. Sobre a aposta na agricultura, o responsável frisa que os números mostram que o crescimento foi insignificante, sendo que em 2002 o sector tinha uma representação de 4% no PIB, porém, 13 anos depois, cresceu para apenas 7% do PIB. “Todos sabiam que a agricultura tinha que merecer uma aposta séria, mas não se nota a evolução e o espaço para aumentar a sua participação no Produto Interno Bruto”, ripostou. Já em relação ao sector industrial, Alves da Rocha destaca o crescimento da indústria transformadora, que é dominada pela produção de bebidas, e considera que este é “um país que bebe muito”. O especialista lança críticas à indústria alimentar por ter um peso
ínfimo, o que, a seu ver, é um contra-senso, porque a segurança alimentar exige maior produção nacional. O docente universitário afirmou ainda que as contas nacionais mostram ser o Estado que detém maior participação no PIB não petrolífero, por isso, deve ser o próprio a fazer a diversificação, ao contrário das evidências empíricas que apontam para os privados. “O Estado representou, em 2015, 25% do PIB não petrolífero”, atirou. Por fim, Alves da Rocha anunciou que, por falta de material e poucos avanços na diversificação da economia nacional, nos próximos estudos do CEIC este assunto ficará de fora, por já não haver novidades. “Sempre que a realidade de determinados assuntos permanece imutável, não há razão para investigar, pois as conclusões serão as mesmas”, lamenta. &
Texto: Edjaíl dos Santos
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Agricultura e tecnologia na base do crescimento dos vizinhos Texto: Quingila Hebo Fotografia: Arquivo e DR
O Banco Mundial estima que o Produto Interno Bruto dos países a sul do Sahara atinja bons níveis em 2017, motivado pelos efeitos do preço baixo do petróleo, da aposta na área agrícola e dos apoios aos investimentos. Na região subsaariana, olhando para alguns países que não têm o petróleo como principal produto de exportação, nota-se claramente que estes registam avanços económicos bem mais assinaláveis que Angola. O Quénia deve registar um crescimento económico de 5,9% este ano, de acordo com o relatório do Banco Mundial. O estudo lançado em Nairobi, a capital do país, prevê que o país continue a tendência de expansão do PIB até 6% em 2017. Em 2015, o Quénia cresceu em torno de 5,6%, tendo ultrapassado a performance média dos países da África Subsariana, com o ritmo de expansão a manter-se de forma consistente desde 2009, apesar do elevado índice de
informalidade da economia, performance que se prevê manter nos próximos anos. Para contrariar o nível de informalidade, uma série de startups e empreendedores inovadores está a preencher o espaço tecnológico de Nairobi, desde aplicações com o objectivo de automatizar as pequenas empresas, passando por soluções baseadas em telemóveis que podem pôr fim ao caos pós-eleitoral que se regista frequentemente no país. “Nairobi é hoje o hub tecnológico de África. O sector das
TICs deverá contribuir com 8% para o PIB em 2017 e isso pode valer-lhe mais de mil milhões de dólares nos próximos anos”, diz o relatório do Banco Mundial divulgado no ano passado. O Quénia conta com uma população estimada em 45 milhões de habitantes (estimativa de 2014), um Índice de Desenvolvimento Humano de 0,548 (PNUD 2014) – baixo –, PIB de 143 mil milhões de dólares (estimativa de 2015), PIB per capita de 3.245 (estimativa de 2015) e uma força de trabalho
de 18,4 milhões de trabalhadores (ano de 2015). Crescer graças à agricultura e às telecomunicações O Gana é outro país da África Subsaariana cujo crescimento económico acelerou no primeiro trimestre deste ano graças à boa performance da agricultura e da expansão dos serviços nacionais de telecomunicações, um desempenho que se prevê duradouro. O PIB registou uma variação homóloga positiva de 4,9%,
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Vista da cidade de Windhoek, Namíbia
comparativamente ao mesmo período de 2015, segundo dados divulgados pelos Serviços de Estatísticas do Gana, que mostram ainda que a economia cresceu 1,1% em relação ao trimestre anterior. O crescimento económico no Gana, segundo maior produtor de ouro de África, também tem sido afectado pelos preços baixos dos metais e do petróleo nos mercados internacionais, que impactam negativamente nos investimentos públicos e no turismo. Apesar disso, o PIB cresceu
3,9% no ano passado e o Governo ganense tem como meta um crescimento de 5,4% para este ano. O país conta com uma população estimada em 28 milhões de habitantes, um Índice de Desenvolvimento Humano de 0,579 (PNUD 2014) – médio –, Produto Interno Bruto avaliado em 121,2 mil milhões de dólares (estimativa 2016), PIB per capita de 4.396 (estimativa 2016) e uma força de trabalho de 11,1 milhões de trabalhadores activos (ano de 2015).
Vizinho a uns passos à frente Por fim, a Namíbia também pode ser apontada como um dos exemplos a seguir. O país não explora petróleo, mas mantém um crescimento sólido fruto da aposta na exploração de minérios, que corresponde a 8% do PIB namibiano, mas significa mais de 50% das exportações. A taxa de pobreza foi reduzida para mais de metade, de 69% em 1993 para menos de 30% actuais, enquanto a pobreza extrema (o número de pessoas que vivem com menos de 1,90 dólares americanos por dia) registou uma margem de redução semelhante, de pouco menos de 53% para menos de 23%. Mesmo com a redução dos preços dos produtos de base, a Namíbia conseguiu manter um forte crescimento do PIB — um valor estimado de 4,5% em 2015, após um crescimento médio de cerca de 4,2% a par-
tir do período de 1991-2014. Simultaneamente, o rácio da dívida do país em relação ao PIB, que ronda os 25%, representa menos de um terço do rácio da dívida na Europa ou nos EUA. O Banco Mundial classifica o país como tendo um rendimento médio elevado, mas o Governo local insiste em considerar que a Namíbia é um país em desenvolvimento, sendo que ainda apresenta algumas das dificuldades que associamos às economias menos desenvolvidas. É um país muito grande e árido, com uma população reduzida. Tal inclui comunidades do deserto isoladas, caçadores e recolectores nómadas, que de algum modo têm de ser integrados numa sociedade moderna sem perder a sua identidade. A Namíbia é dos países africanos em que há mais facilidade de se constituir negócios, de acordo com o Doing Business. &
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entrevista Precioso Domingos, Investigador Sénior do CEIC
“A entrada do FMI, de certeza, viria a credibilizar mais o país” O docente Precioso Domingos afirma que Angola é o país menos competitivo da África Austral e condena os altos níveis de corrupção e desigualdades que permitem que apenas 20% da população acumule 60% da riqueza nacional. Questionado sobre que medidas devem ser adoptadas para estimular a diversificação da economia, o investigador sénior do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola defende a adopção de uma estratégia integrada, da qual constem a agricultura e a indústria transformadora como as alternativas ao sector petrolífero.
Economia & Mercado (E&M) - Quais foram as principais constatações do CEIC relativamente à economia angolana no último ano e até que ponto houve melhorias ou recuos? Precioso Domingos (PD) Infelizmente, a situação actual está muito mais difícil do que a prevista e poderá ser pior nos próximos dois ou três anos. O CEIC constatou que entre 2003 e 2008 as taxas de crescimento rondaram em média 11.5%. O país, em certos anos, cresceu acima de 16% e teve oportunidade para reduzir a pobreza e as desigualdades, o que não aconteceu. Volvido este tempo, a taxa de pobreza continua a ser elevada. O Banco Mundial (BM) continua a estimar que a população que vive com menos de dois dólares por dia ronda os 60%, que é uma taxa muito elevada. O BM agora vai mais a fundo ao estimar uma taxa de crescimento de 0.9% para este ano, ao passo que o próprio Governo já vai admitindo uma taxa 1%. Considerando que a
população está neste momento a crescer a uma taxa de 2.8%, com as previsões de crescimento da economia em 0.9% ou 1%, as assimetrias e desigualdades vão continuar, porque quando o país crescia a 10% o Governo não conseguiu reduzi-las. É óbvio que com menos crescimento a situação é muito mais complexa. E&M - Como será possível minimizar esta situação de pobreza extrema para que o país atinja alguns dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e também algum crescimento económico? PD - Ao invés de crescermos mais para distribuir melhor, não seria melhor pensarmos num modelo de distribuir melhor para crescer mais e de uma forma mais sustentável? O facto é que, quando o PIB cresce abaixo da taxa de crescimento da população, significa que se tem muito para melhorar nas condições de vida das populações. Corremos o risco de atingir um estado
estacionário, o que quer dizer que todo o crescimento que o país gera só serve para cobrir a depreciação do desgaste do capital e pagar a mãode-obra que já existe. Trata-se de uma grande encruzilhada. Para ultrapassála, Angola tem de recuperar a rota de crescimento, não necessariamente atingindo os níveis anteriores, mas crescer de forma qualitativa. E&M – De acordo com o relatório, boa parte dos financiamentos externos de que o país beneficiou não serviram apenas para investimentos de capital, mas também para pagar as despesas do próprio Estado. PD – O Estado tem duas grandes componentes de despesas, que são as despesas correntes, não liquidatárias, e as despesas de capital, que também são conhecidas por despesas de investimento. Entretanto, em 2015, constatámos que se violou aquilo que nos manuais é conhecido como a regra de ouro das finanças
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Corremos o risco de atingir um estado estacionário, o que quer dizer que todo o crescimento que o país gera só serve para cobrir a depreciação do desgaste do capital e pagar a mão-de-obra, que já existe. Trata-se de uma grande encruzilhada. Para ultrapassá-la, Angola tem de recuperar a rota de crescimento, não necessariamente atingindo os níveis anteriores, mas crescer de forma qualitativa.
públicas, que é o equilíbrio entre a dívida e as despesas. Ou seja, a dívida pública contraída no ano passado foi superior à despesa pública, o que quer dizer que parte do financiamento foi utilizado para fazer cobrir as despesas correntes, nomeadamente pagar salários, importações para os ministérios, o que é grave e preocupante. Deveria ser o inverso. E&M – Entretanto, o documento critica também a qualidade dos investimentos.
PD - Até aqui o modelo de crescimento económico adoptado por Angola foi dependente dos investimentos públicos. O petróleo foi um motor e terá gerado, em termos de receitas fiscais (não em termos de receitas de exportações), de 2012 a 2015, mais de 400 mil milhões de dólares, dinheiro usado naquilo que são as aplicações do Governo. Os investimentos públicos, na verdade, foram a rúbrica que mais dinheiro absorveu, para que depois se criasse um cenário de crescimento
económico fora do sector petrolífero. Contrariamente às expectativas do Governo, esses sectores tiveram uma contribuição residual no PIB para um investimento tão avultado. E&M – O vosso estudo diz que Angola é o país da Africa-Subsariana com menos eficiência nos investimentos públicos. Que comentário lhe merece esta questão? PD – Essa situação representa um grande constrangimento para a Zona de Comércio Livre da África Austral,
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em que perspectivamos entrar em 2017. Os investimentos públicos até aqui foram tão ineficientes que Angola, volvidos estes anos, alegou aquela questão da indústria nascente, mas a verdade é que não fomos capazes de resolver os problemas estruturais, como a electricidade e a água. E&M - Ainda sobre o sector produtivo, quais os sectores que poderiam tornar-se numa espécie de almofada para contrabalançar as receitas do sector petrolífero? PD - Há uma grande relação entre o sector petrolífero e o não petrolífero. Há bem pouco tempo dizíamos que não há recessão da economia, mas essa afirmação agora já é discutível, porque o sector petrolífero registou um crescimento negativo nos últimos dois trimestres. Uma vez que o sector não petrolífero está muito acoplado ao sector petrolífero, a queda deste último compromete a produtividade do primeiro.
Fiscalizar a gestão dos recursos públicos E&M - Como é que será possível continuar a financiar a economia, num contexto em que temos poucas receitas? PD - Essa é uma grande encruzilhada, porque temos aqui duas situações. A primeira tem a ver com a capacidade da economia angolana conseguir financiamento. A segunda, que só acontece depois da primeira, é saber em que sectores aplicar as finanças. Como o rating de Angola está indexado ao barril do petróleo, a partir do momento em que o preço baixa, os investidores podem considerar o Governo angolano mais inadimplente, sendo que isso é associado também a alguns acontecimentos recentes que tiveram lugar, como é o recuo do Executivo em firmar um novo acordo com o FMI e depois o discurso do Presidente da República revelando
que a Sonangol estava sem dinheiro. Todo esse cenário foi visto no mercado externo como um grande indicador para terem cuidados ao emprestar dinheiro a Angola. Acresça-se ainda que nestes casos as taxas de juros para Angola tendem a ser mais altas. E&M - Uma das medidas que o CEIC recomenda é a transparência. A entrada do FMI ajudaria? PD - Claro, porque esta gestão zelosa dos recursos que temos estado a pedir não tem sido possível quando o Governo está isolado. O país em si não tem um sistema de controlo da gestão e de transparência para fiscalizar os servidores públicos. Com a entrada do FMI, a informação passaria a ser disponibilizada com a publicação das contas, o que afastaria os indícios de má gestão. A entrada do FMI, de certeza, viria a credibilizar mais o país. E&M - Sem financiamento, como é que os sectores que já não têm tido bom desempenho poderão alavancar a economia? Qual é a saída? PD - Certamente, devemos encontrar alternativas fora do sector petrolífero, mas isso tem que ser através de um conjunto de factores combinados, que deve acontecer com mais seriedade. Deve-se apostar na agricultura e fazer renascer a indústria transformadora, o que resolveria uma série de dificuldades actuais, como a ausência de vias de escoamento de produtos. Também temos que apostar na transformação dos recursos minerais, como o próprio petróleo e os diamantes, que têm altos custos para nós porque são transformados lá fora. Entretanto, infelizmente, a Zona Económica Especial e o Pólo Industrial de Viana deparam-se com inúmeros problemas de falta de água e energia. Para resolver situações como estas, e com ausência de financiamentos, é necessário muita seriedade e coordenação, no
sentido de as poucas receitas do petróleo serem usadas como fonte de despesas de capital. E&M - Cerca de 60% da riqueza está concentrada em 20% da população, segundo o CEIC. O que é que estes dados traduzem? PD – Traduzem a corrupção e a desigualdade, assim como mostram que o país não tem um crescimento sustentável. Se tivéssemos que distribuir a riqueza produzida anualmente no país, de forma equitativa, cada angolano ficaria com cinco mil dólares. Entretanto, as estatísticas mostram que alguns vivem apenas com dois dólares americanos por dia, ao passo que outros vivem com muitos milhares de dólares por dia. Isso tem relação com o sistema de distribuição que há tempos o Presidente da República chamou de sistema primitivo de acumulação de capital, que consistiu em usar parte da riqueza do país para enriquecer várias figuras, na esperança de elas criarem empresas, postos de trabalho e, com isso, fortalecer a economia, mas essa estratégia falhou. E&M – Que dificuldades de acesso a informação o CEIC enfrentou? PD – Infelizmente, considera-se a informação produzida pelo Governo como muito secreta, mas isso é normal quando há um conjunto de más práticas que alguém não deixa que venham à tona. Em média, o país gastava em consultorias 8 mil milhões de dólares anuais, algo superior aos subsídios aos combustíveis, que deveria traduzir-se numa maior disponibilização de informação estatística sobre o país e a gestão dos recursos financeiros públicos. &
Texto: Edjaíl dos Santos e Sebastião Vemba Fotografia: Carlos Aguiar
Especial diversificação
turismo
Visitantes 592.495 HotĂŠis 196 Hospedarias 1.286 Total de quartos 24.033 Total de camas 32.158 Restaurantes e similares 4.736 Empregos 219.349 Reservas 13 Principais rios 5 Praias dezenas Belezas naturais Dezenas Museus 10 Principais Aeroportos 18
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Turismo
Os primeiros passos de uma caminhada inadiável A luta do sector do turismo para ganhar peso na economia angolana é cada vez mais evidente. Mesmo com os vários constrangimentos, o Ministério da Hotelaria e Turismo e alguns agentes privados têm vindo a fazer algum esforço para firmar o sector na linha-da-frente da lista do conjunto de acções a serem gizadas para a diversificação da economia. Com uma maior aposta, o turismo é das actividades económicas que pode garantir a entrada de divisas no país, além do petróleo, que ainda é o nosso maior produto de exportação. Texto: Quingila Hebo Fotografia: Carlos Aguiar
Em 2015, Angola registou 592.495 chegadas de visitantes, 196 hotéis, 1.286 meios complementares de alojamento, 4.736 restaurantes e similares, 24.033 quartos, 32.158 camas e o sector empregou 219.349 trabalhadores. Estes números representam uma evolução do sector nos últimos cinco anos, sendo que os dados estatísticos demonstram que em 2011 o país contabilizou a chegada de 481.168 visitantes, contava com 148 hotéis, 1.044 meios complementares de alojamento, 3.632 restaurantes e similares, 15.351 quartos, 17.672 camas e foram gerados 145.564 empregos. Todas as políticas que foram gizadas de 2011 para a frente, apontam para a continuidade dessa evolução, principalmente do número de visitantes
no país. O Plano Director do Turismo 2011-2020 prevê que o sector atinja os 3% do contributo ao Produto Interno Bruto, com a chegada de 4,5 milhões de turistas até 2020. O ministro da Hotelaria e Turismo, Paulino Domingos Baptista, em entrevista à E&M, reconhece que a actual contribuição do sector ao PIB ainda é insignificante e levará algum tempo para ocupar a linha-da-frente para a diversificação da economia nacional, visto que o seu desenvolvimento depende, em grande medida, do estímulo de outros sectores económicos e sociais, por ser uma actividade transversal. “Mas, se desenvolvermos como preconizamos, poderemos estar muito próximos da
meta, com a participação de 60% do turismo interno, como planeado em 2011, aquando da aprovação do Plano de Desenvolvimento do Turismo”, destaca o responsável. Contudo, o sector do turismo está a ser guiado com base em três instrumentos: o Plano Director do Turismo, aprovado em 2011; o Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017 e o Plano Operativo do Turismo 2016-2017, que devem garantir a saída da crise e a participação directa do sector turístico na diversificação da economia nacional, avança o ministro. Soluções inovadoras Mesmo com a actual conjuntura económica, alguns operadores não cruzaram os braços e estão a apostar em
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pacotes e promoções para incentivar o turismo interno, que se prevê vir a ter um peso de 60% do contributo do sector ao PIB em 2020. Para alargar a base de clientes, alguns operadores estão a reduzir as tarifas, ajustando-as, assim, às possibilidades e necessidades de lazer dos cidadãos nacionais. Os restaurantes, por exemplo, além da multiplicidade gastronómica, quase todos apostam cada vez mais na música ao vivo. Os hotéis, com a redução do número de clientes, diversificaram a oferta com o aluguer de salas para a realização de conferências e workshops. Nos anos anteriores, os principais clientes dos operadores hoteleiros e de restauração no país eram, sobretudo, os trabalhadores das empresas estrangeiras de
Para alargar a base de clientes, alguns operadores estão a reduzir as tarifas, ajustando-as, assim, às possibilidades e necessidades de lazer dos cidadãos nacionais. Os restaurantes, por exemplo, além da multiplicidade gastronómica, quase todos apostam cada vez mais na música ao vivo.
construção civil e das petrolíferas. Com a actual conjuntura, muitas destas empresas foram forçadas a reduzir o pessoal, o que se reflectiu também na redução de clientes. Já as agências de viagens, com a redução do número de cidadãos nacionais que se deslocam ao estrangeiro, apostam no fomento do turismo rural ao nível do país. Angola agrega uma diversidade cultural e de belezas naturais colossais e as agências de viagens procuram criar pacotes turísticos internos, principalmente para as empresas que têm a necessidade constante de fazer deslocar os seus quadros ao nível das várias regiões do país. O número de clientes não é grande, reconhecem os operadores, porém, apesar da situação, e tendo em conta o potencial turístico nacional, persistem na
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Pólos precisam de mais aceleração A aprovação do Plano Director do Turismo 2012-2020 e a Lei do Turismo Nacional propiciaram a concepção de Pólos de Desenvolvimento Turísticos que visam, entre outras questões, criar condições favoráveis ao investimento privado no sector. Boa parte dessas infra-estruturas, no entanto, ainda está no papel, embora se preveja, para breve, a finalização dos Master Plans que vão culminar com o início das obras de infra-estruturas como estradas, saneamento básico, transporte de água e electricidade, que são fulcrais para o investimento efectivo nos pólos.
No município da Quiçama, província de Luanda, está delineado o Pólo de Desenvolvimento Turístico de Cabo Ledo, aprovado em 2012 por Decreto Presidencial. Este espaço de desenvolvimento turístico ocupa uma área de 3090 hectares, que envolve 25 mil quilómetros de zona costeira, e está orçado em mais de três mil milhões de dólares, sendo que o Estado angolano vai gastar, nesta cifra global, entre 10 a 15% para garantir as condições favoráveis ao investimento e a outra parte do valor será de iniciativa privada. De acordo com o director-geral do Pólo de Desenvolvimento Turístico de Cabo Ledo, Lucrécio Mangueira, em declarações à E&M, já foram gastos em planificação, e todos os acessórios, 1,5 milhões USD. Os trabalhos em Cabo Ledo envolvem também parte da comunidade local que está a ser retirada das zonas de risco e colocada em lugares mais seguros. Estima-se que quando terminarem as obras, o pólo crie mais de 9000 postos de trabalho. Neste momento, está em curso a primeira de três fases que, segundo o seu director-geral, vai terminar em 2017. Segundo Lucrécio Mangueira, a segunda fase do projecto arranca em 2022 e ambiciona o desenvolvimento das infra-estruturas internas. A terceira será implementada em 2028 e vai envolver o crescimento estrutural do pólo. Existem, Texto: Jacinto Malungo Fotografia: Afonso Francisco
Os projectos-âncora mais imediatos no Pólo de Desenvolvimento de Cabo Ledo têm que ver com o arranque da marina e do parque aquático. ainda, os projectos-âncora mais imediatos no Pólo de Desenvolvimento de Cabo Ledo que têm que ver com o arranque da marina e do parque aquático. Outro pólo definido pelo Plano Director do Turismo é o da Bacia de Okavango que se situa no município
do Dirico, zona sul do Kuando Kubango, abrangendo uma área de 11 mil 972 hectares na confluência do rio Cuíto com o rio Cubango. Orçado inicialmente em 560 milhões de dólares, os valores serão revistos atendendo à actual situação económica do país. Segundo o director-geral do Pólo, Francisco Nele, em declarações à E&M, este “está em fase de organização interna com a definição do seu escopo” e só depois desta fase os gestores vão “definir o volume de investimentos e os projectos a desenvolver no âmbito das infra-estruturas”, tendo informado ainda que, entretanto, os trabalhos de estudo foram interrompidos. &
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Se visita Angola pela primeira vez, este texto é para si Quando uma pessoa viaja para fora do seu país, seja em trabalho ou lazer, é normal que queira conhecer ao máximo a cultura do local onde se encontra e visitar o máximo número de sítios possível. Em Angola, apesar de o sector do Turismo ainda não estar tão desenvolvido como seria de desejar, quem queira conhecer a cultura não fica desapontado.
Texto: Patrícia Pinto da Cruz Fotografia: Arquivo
A verdade é que, mesmo com as suas paisagens de cortar a respiração e com as suas praias sem fim, a grande mais-valia de Angola é mesmo a cultura, em todas as suas formas. Por menos tempo que um estrangeiro passe em Angola, é impossível não reconhecer esta verdade. Seja pela maneira tão particular de o povo se comportar, pensar, viver ou comunicar, ou pelo modo como, por exemplo, a música angolana está sempre presente, quer seja a sair de dentro dos carros ou de dentro de uma janela ou a ser cantada por uma zungueira. Ao contrário do que acontece em muitos outros países, a cultura angolana não está apenas nas aldeias mais recônditas, está em todo o lado a partir do momento em que se sai do avião. Semba, Kizomba e Kuduro pairam pelas ruas, centros comerciais, festas de quintal ou bares e discotecas. Depois vem a maneira
de falar. As mulheres que nos rodeiam transformam-se em “mamãs”, “tias” ou “primas”, os homens são “mais velhos”, “wis”, “madjés” ou “ndengues” e os amigos são “kambas”. A comida é de chorar por mais. Um restaurante de comida mediterrânica é sempre bom, claro, mas em Angola o que sabe bem é ir a uma “mamã” comprar churrasco ou pincho e comer à mão ali mesmo, com uma gasosa ou uma cerveja a acompanhar. E nada bate uma muamba com funge ou um peixe grelhado na praia, acompanhado de feijão de óleo de palma com farinha por cima, com batata-doce, banana-pão e mandioca, conjunto denominado por estas bandas por “mufete”. Os mercados e feiras de artesanato estão por todo o lado e são os sítios ideais para se comprar lembranças ou peças de decoração. Há centenas de pinturas expostas no tradicional mercado de artesanato em Benfica, ou na Feira Artesanal na Ilha de Luanda. A cultura é, realmente, a principal mais-valia de Angola. &
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Onde ir… Angola de lés-a-lés Das magníficas praias que se estendem por mais de 1600 quilómetros da costa angolana, passando pelas exuberantes florestas tropicais do Norte, até às elegantes dunas do deserto do Namibe no Sul, Angola oferece um vasto leque de opções turísticas. Texto: Pedro Correia Fotografia: Arquivo
Entre os muitos destinos turísticos perto de Luanda potenciados nos últimos anos, estão, indo para o Sul, a Barra do Kwanza e as magníficas praias de Sangano e Cabo Ledo, onde o surf tem mobilizado dezenas de entusiastas. É por lá também que se encontra o Parque Nacional da Kissama e as cachoeiras do Binga, já na província do Kwanza Sul. Ainda mais para Sul, as pitorescas regiões de Benguela e do Lobito oferecem o sol e o mar das suas praias, além da beleza ímpar do Egipto Praia, onde desagua o Rio Balombo. A província da Huíla oferece uma das Sete Maravilhas de Angola: a Fenda da Tundavala. O miradouro da Leba e o Parque Natural do Bicuar são outros pontos de referência desta província, cujas paisagens verdes descem pela estrada serpenteante da Serra da Leba em direcção à areia amarela do vasto deserto do Namibe, único habitat da misteriosa Welwitschia Mirabilis. No Kunene, as quedas do Ruacaná e a diversidade das espécies animais do Parque
Nacional do Iona, que divide fronteiras com a vizinha província do Namibe, são pontos obrigatórios de visita numa viagem ao Sul de Angola. Viajando para Leste, a província do Kuando Kubango começa a despontar como um dos grandes destinos turísticos do país ao fazer parte do grande projecto transfronteiriço do Okavango-Zambeze. No trajecto inverso, passamos pelo Huambo para, entre as verdejantes paisagens do Planalto Central, como também é chamada a província, conhecer o Morro do Môco, outra das Sete Maravilhas de Angola. É nas Lundas que encontramos as quedas do rio Chihumbwe, na Lunda Sul, e a Lagoa do Karumbo, na Lunda Norte, outros dois pontos turísticos eleitos como parte das Sete Maravilhas do país, que integram igualmente as quedas de Kalandula, em Malange. No Uíge, o verde da paisagem esconde, entre outras belezas naturais, mais uma das Sete Maravilhas, as grutas do Nzenzo, assim como em Cabinda, a Floresta do Maiombe, que domina o ponto mais setentrional do país. &
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Paulino Domingos Baptista, ministro dA hotelaria e Turismo
“Esta é a grande oportunidade de o turismo ajudar o país a reverter a situação económica” Texto: Quingila Hebo Fotografia: Carlos Aguiar
O ministro da Hotelaria e Turismo, Paulino Domingos Baptista, considera que o sector pode ajudar a contrariar a crise cambial, pois a entrada de mais turistas no país pressupõe também a entrada de mais divisas. Para o governante, este é o momento de os agentes turísticos se destacarem no âmbito das acções que estão a ser desenvolvidas para a diversificação da economia angolana. Contudo, o responsável reconhece que muito ainda deve ser feito e algumas etapas levarão o seu tempo. Economia & Mercado (E&M) - Qual é a avaliação que faz do sector do turismo em Angola? Paulino Domingos Baptista (PDB) - A avaliação que faço ao sector em Angola é de que se encontra em fase embrionária, mas promissora, visto que com o advento da paz as empresas privadas apostaram no desenvolvimento do turismo, com a construção de unidades de alojamento e de restauração. Ao nível público, o sector rege-se pelo Plano Director do Turismo, aprovado em 2011, o Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017 e o Plano Operativo do Turismo 2016-2017, como instrumentos para a saída da crise e participação directa na diversificação da economia nacional. E&M - Que acções estão a ser desenvolvidas para se alterar o actual cenário? PDB - Para se alterar o actual cenário será importante a execução do Plano Operativo do Turismo, cujos objectivos são a captação de receitas, o desenvolvimento do turismo interno, a formação em hotelaria e turismo e a promoção, permitindo que se desenvolvam os programas relacionados com acções organizativas a nível do ministério, desenvolvimento do ecoturismo, do turismo interno (sol e mar-cruzeiros, natureza-parques, cultura-património, arte, artesanato, religioso, gastronómico e turismo de aventura), promover e fomentar os
investimentos públicos e privados, captação de receitas, formação em hotelaria e turismo (formação de quadros qualificados e construção de hotéis-escolas), promoção e participação em feiras e fóruns, inspecção e questões legais (criação da Comissão Intersectorial e Conselho Nacional do Turismo e Facilitação Turística). E&M: No âmbito do Plano Director do Turismo 2011-2020, além dos pólos, que outras infra-estruturas ou acções se podem destacar? PDB: Além dos pólos, existe o KAZA, de carácter internacional (Angola, Botswana, Namíbia, Zâmbia e Zimbabwe), a expansão da rede hoteleira e restauração, formação de quadros e organização legal do sector hoteleiro e turístico. E&M: Que avanços foram registados no Projecto Okavango-Zambeze ( KAZA)? PDB: Os avanços estão a surgir aos poucos, com a construção de unidades de alojamento e restauração, como lodges e resorts, um aeroporto em condições no Kuito Kuanavale, a sede do projecto no local, formação de quadros para os parques locais e outros serviços necessários à implementação do projecto. Também existem bastantes estudos que orientam os passos a serem dados para a sua implementação.
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e internacionais. As insuficiências do mercado do turismo em Angola serão colmatadas com a implementação do Plano de Desenvolvimento do Turismo, do Plano Nacional de Desenvolvimento e do Plano Operativo do Turismo. E&M: Que outros elementos devemos agregar para atrairmos mais turistas ao nosso país? PDB: Além dos serviços estritamente de vocação turística, na sua plenitude, devemos agregar os serviços que incidem sob as acessibilidades, a saúde, a facilitação de vistos e a segurança nos locais turísticos. E&M: O que deverá acontecer em 2016 em termos de políticas de incentivo ao empresariado nacional do sector do turismo? PDB: Está em curso a implementação do Plano Operativo do Turismo no que respeita à promoção de investimentos públicos e privados, o incremento das parcerias público-privada, a criação do Conselho Nacional do Turismo, a facilitação do acesso aos locais turísticos e a maior sensibilização da banca comercial angolana, e não só, em promover financiamentos para os empresários do sector.
E&M: Qual é a avaliação que faz sobre a formação de quadros nacionais no sector do turismo? PDB: A avaliação que faço é de que ainda não é o ideal, tanto em quantidade, como em qualidade, embora existam algumas unidades de formação pública e privada que têm feito um grande esforço para que haja mais quadros qualificados. Para contrabalançar, o Ministério do Turismo está a empreender grandes esforços para o surgimento de hotéis-escolas, bem como para criar um sistema harmonizado de formação hoteleira e turística. E&M: Quais são as principais potencialidades e insuficiências do turismo em Angola? PDB: As principais potencialidades enquadram-se em quatro produtos turísticos âncoras: o sol e a praia, a cultura, a natureza e os eventos nacionais
E&M: Com o actual ambiente económico do país, até que ponto o sector do turismo foi ou poderá ser afectado? PDB: O sector do turismo foi afectado pelo actual ambiente económico do país com a redução da chegada de visitantes estrangeiros, originando baixas taxas de ocupação das unidades de alojamento, mas este momento é de oportunidade para o sector turístico evidenciar-se como actividade influente na diversificação da economia angolana, como neste momento está a ser considerado pelo Executivo. Esta é a grande oportunidade do turismo para ajudar o país a reverter a situação económica, mas serão necessários grandes esforços para o efeito, porque os recursos turísticos existem e precisam de ser lapidados para se tornarem comercializáveis, numa primeira fase, para o turismo interno, seguido do regional e consolidar para o internacional, tornando Angola num destino turístico de referência nacional, regional e internacional. E&M: O que podemos esperar do sector do turismo nos próximos cinco anos? PDB: Como se diz em economia, depois da crise, vem a reanimação, recuperação e o arranque para os anos vindouros. Este é o nosso optimismo, que nos próximos cincos anos tenhamos o turismo angolano com novas nuances seguras e duradouras.
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INFRASAT
COMUNICAÇÕES SEM LIMITEs para ligar Angola
O satélite é a via mais rápida para fornecer comunicação a áreas longínquas num país tão vasto como Angola, que não dispõe de infra-estruturas suficientes para estabelecer ligação por todo o espaço nacional. É neste âmbito que há oito anos surgiu a INFRASAT, um projecto multi-sectorial do Governo, para melhorar a prestação de serviços de telecomunicações às instituições públicas e privadas, assim como combater a infoexclusão no país.
Texto: Edicenter Fotografia: Afonso Francisco e Carlos Aguiar
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Em termos de nova tecnologia, segundo o seu director executivo, a INFRASAT está a trabalhar “muito estritamente com a operadora ANGOSAT, no sentido de fazer uso do primeiro satélite angolano – o ANGOSAT 1 –, cujo lançamento ao espaço está previsto para o próximo ano.
A INFRASAT é uma unidade de negócios da Angola Telecom que cuida dos serviços de comunicação por satélite, mas com gestão autónoma e fundada para superar o défice que havia nas comunicações por todo o país. Hoje, de acordo com o director executivo da instituição, Diogo de Carvalho, a empresa trabalha “afincadamente com os operadores móveis”, sendo que conseguiu “expandir a cobertura móvel a nível nacional” com soluções que lhe permitiram ser “pioneira na transmissão de comunicações às áreas mais remotas do país”. Para atenuar as dificuldades de rede, o que obrigava o país a recorrer aos mercados vizinhos, a INFRASAT tem um hub, onde dispõe de tecnologia de ponta em termos de satélite, sendo que a empresa actualmente dispõe de mais de 850 telecentros com telefonia rural e acesso à Internet em Angola e países fronteiriços, o que “contribui para a redução da infoexclusão”, afirma o responsável. Com as novas infra-estruturas, a INFRASAT iniciou a sua missão com o sistema social “liga-liga”, que são pequenos telecentros com quatro telefones e uma linha de Internet montados em comunidades longínquas, onde, salienta Diogo de Carvalho, “havia mesmo uma grande carência, sem nenhum género de comunicação”, porém, “com o recurso a um cartão, os
habitantes podem agora comunicar-se para dentro ou para fora do país, com tarifas bastante competitivas”. Depois desse sistema, a INFRASAT evoluiu para o atendimento às pequenas, médias e grandes empresas, onde se enquadram as do segmento industrial. “Os pequenos, os médios e os grandes clientes são basicamente o suporte da INFRASAT, que foi criada para acudir a essas empresas, que estavam por todo o país mas sem comunicações”, afirma Diogo de Carvalho. O desafio de crescer sempre Apesar de nos cinco primeiros anos o rendimento da empresa não ter sido positivo, Diogo de Carvalho garante que a empresa hoje é rentável, sendo que em 2015 obteve uma facturação de 27 milhões de dólares. Para o ano corrente, embora a previsão não seja a melhor, tendo em conta a actual conjuntura nacional e internacional, o director executivo da INFRASAT acredita que a empresa vai conseguir manter-se, apesar de estar a sentir alguma retracção dos clientes. Avaliando o posicionamento da empresa no mercado angolano, Diogo de Carvalho situa-a “numa posição média entre os grandes colossos”, que são os operadores de telefonia e dados móveis. Ainda assim, afirma, “a unidade já é
Diogo de Carvalho, director executivo da Infrasat.
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INFRASAT
infrasat
Sede em Luanda (Talatona) e filiais no Huambo e em Saurimo, SEDE EM LUANDA (TALATONA) E FILIAIS NO HUAMBO E SAURIMO, nacional a INFRASAT está implantada em todo o território A INFRASAT ESTÁ IMPLANTADA EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL;
850
ANTENAS NO ESPAÇO NACIONAL
100
TRABALHADORES ANGOLANOS E DOIS ESTRANGEIROS
ANGOSAT 1 PRIMEIRO SATÉLITE ANGOLANO NO PRÓXIMO ANO
27
MILHÕES DÓLARES
FACTURAÇÃO EM 2015
EXPANSÃO PARA
S. TOMÉ E PRÍNCIPE E PAÍSES VIZINHOS
A INFRASAT, que em 2014 recebeu a distinção de melhor operadora africana no sector das telecomunicações via satélite (GSM Backhaul Operator of the Year), na conferência Satcom2014, já está a encetar esforços no sentido da sua internacionalização, expandindo-se para S. Tomé e Príncipe e para alguns países vizinhos. bastante conhecida por todos e com uma acção imprescindível no país”. Para o responsável, a INFRASAT desempenha um papel importante para que Angola se desenvolva na área das telecomunicações, numa altura em que o país já está bem posicionado no contexto da África Austral e do continente em geral. “É verdade que existem países mais desenvolvidos, mas Angola está a dar, aos poucos, passos muito satisfatórios”, sustenta Diogo de Carvalho. A INFRASAT está implantada em todo o país, com sede em Luanda, mais precisamente em Talatona, e filiais no Huambo e em Saurimo. Para que continue a crescer, Diogo de Carvalho defende um contínuo esforço financeiro e técnico. “Mas o facto de termos dado um salto significativo não quer dizer que devemos adormecer. Pelo contrário, estamos em vias de crescer ainda mais,
para conseguirmos atingir performances internacionais. Temos que trabalhar muito a nível da infra-estrutura de base, para podermos oferecer um bom serviço”, sublinha. A fonte informou que, dependendo do contexto económico-financeiro que o país está a viver, “o objectivo é chegar aos clientes com a maior rapidez possível e com um serviço de melhor qualidade, tendo em conta que a comunicação é vital para todas as pessoas e instituições”, sendo que o mercado angolano evoluiu muito, tanto a nível dos provedores como a nível dos clientes finais. “Os clientes estão mais exigentes e, por isso, torna-se imprescindível primar pela melhor qualidade, para se evitar que mudem de provedor, tendo em conta a actual opção de escolha”. Diogo de Carvalho acrescentou ainda que a INFRASAT estabeleceu parcerias
com provedores mundiais de serviços e equipamentos, para trazer ao país o que de melhor existe no mundo. De olhos no primeiro satélite angolano Em termos de nova tecnologia, segundo o seu director executivo, a INFRASAT acredita ser uma mais valia para o sector em particular e o país em geral. O ANGOSAT 1, cujo lançamento ao espaço está previsto para o próximo ano, é um satélite de comunicação geoestacionário que se encontra em construção pela empresa russa RKK Energia, a ser operado pela GGPN (Gabinete de Gestão de Programa Espacial Nacional). Em antecipação à introdução dessa nova tecnologia, a empresa está a formar os quadros necessários (engenheiros e técnicos) para que o seu pessoal evolua tecnicamente,
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porque, defende o gestor, que é essencial focar na capacitação do capital humano nacional para enfrentar os desafios da inovação tecnológica. A unidade começou com uma gestão não-angolana, com pessoal 40% estrangeiro, mas hoje a direcção é constituída apenas com 2% de quadros expatriados, informou Diogo de Carvalho, tendo acrescentado que, “num total de mais de 100 trabalhadores, dois são estrangeiros”. Quanto à criação de soluções tecnológicas para o mercado, tendo em conta que nem todas as empresas têm
as mesmas necessidades, a INFRASAT oferece produtos ajustados aos desafios dos clientes, com recursos às ferramentas como o TrunkSat, através do qual é possível transmitir dados via satélite, garantindo a comunicação entre localidades distantes com um fluxo seguro de informação; o TrunkSat Pro, que permite a transmissão de dados via satélite para ligações ponto-aponto em banda C, com fluxo seguro de informação; e o ABIS, solução desenvolvida para operadores de telefonia móvel destinada ao transporte de tráfego
GSM (voz e dados), de modo eficiente e sem limitações geográficas. Acresça-se, entretanto, que a INFRASAT apresenta soluções para a comunicação de dados via satélite, com uma frota de veículos totalmente equipados para satisfazer necessidades de troca de informação. Trata-se de transmissão por satélite em banda C ou Ku em viaturas autónomas versáteis e fáceis de configurar, independentemente do local onde elas sejam necessárias, como na indústria de mineração, construção civil ou em outros locais de difícil acesso.
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A empresa garante que o acesso à Internet via satélite pode ser uma solução viável, na ausência de uma ligação DSL ou via cable modem na região ou quando se pretenda um serviço de desempenho superior ao de um acesso dial-up. Trata-se de uma solução que não requer linha de telefone ou rede de cabo, bastando um reflector de satélite para comunicações bidireccionais. As vantagens da utilização dos satélites passam pelo acesso imediato, grande cobertura e ausência de barreiras de ordem geográfica. De resto, a INFRASAT, que em 2014 recebeu a distinção de melhor operadora africana no sector das telecomunicações via satélite (GSM Backhaul Operator of the Year), na conferência Satcom2014, já está a encetar esforços no sentido da sua internacionalização, expandindo-se para S. Tomé e Príncipe e para alguns países vizinhos que Diogo de Carvalho não especificou, mas garantiu que já conhecem o potencial da empresa e com os quais tem estado a dialogar para beneficiarem dos seus serviços. Para o futuro, o responsável garante que a empresa continuará a “disponibilizar produtos e serviços que proporcionem comunicação entre empresas e pessoas, encurtando distâncias, minimizando a infoexclusão e contribuindo activamente para o desenvolvimento socioeconómico do país”, conforme consta da sua visão, que também passa pela criação de soluções de comunicações para o mercado internacional em África, nomeadamente SADC e PALOP. A melhoria constante da qualidade, desde a busca e formação de profissionais competentes, até à forma de atender melhor e mais eficientemente os clientes, consta também dos desafios da empresa, que garante capacitar os funcionários “para lidarem com as mudanças no mercado e serem pioneiros na implementação de soluções inovadoras, que garantam maior eficácia na prestação de serviços e racionalização de custos”. &
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Apesar de nos cinco primeiros anos o rendimento da empresa não ter sido positivo, Diogo de Carvalho garante que a empresa hoje é rentável, sendo que em 2015 obteve uma facturação de 27 milhões de dólares.
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Moçambique
O preço da instabilidade Texto: Pedro Cativelos* Fotografia: iStockphoto
O retrato de um país em conflito consigo próprio e de uma economia em lume-brando, que vive entre um conflito militar que se vai arrastando e um panorama geral que destrói a confiança de quem investe, e aumenta a desconfiança de quem quer investir. Mas ainda há todos os motivos para acreditar.
A economia moçambicana dos últimos anos resume-se de forma simples. Desde o início da última década, o país aguarda que os mega-projectos (30 mil milhões de dólares, o dobro do PIB, de 15,7 mil milhões) que irão impulsionar a exploração de gás na Bacia do Rovuma, em Cabo Delgado, avancem. É na província mais a norte, a fazer fronteira com a Tanzânia, que estão as terceiras maiores reservas de gás natural do mundo, 162 bilhões de pés cúbicos, o equivalente a 20 mil milhões de barris de petróleo. E é ali que mora o futuro do país, até 2035, quando terminam as concessões de exploração, nas mãos de grandes operadores, como a Eni, a Exxon Mobil, a China National Petroleum ou a Galp. Tudo o que se faz, ou se fez nos últimos anos, na economia moçambicana, tem um objectivo essencial: o posicionamento estratégico para a avalanche
de investimentos que irão advir da exploração. Prevê o Banco Mundial que a economia nacional cresça 25% ao ano a partir de 2020 e 2025. Entretanto, desde as descobertas do gás em 2011, o mercado imobiliário cresceu em altura. Nos números, e nos valores, a banca desenvolveu-se, o consumo aumentou e, em 2014, Moçambique chegou a ser a economia africana com maior aumento do volume de Investimento Directo Estrangeiro (IDE), 33%. O país tinha tudo para sair finalmente da lista dos mais pobres do mundo. Era a oportunidade. Mas… há sempre um “mas”… ...E ele começava a fazer-se notar no início de 2015. Poucos meses após as eleições presidenciais, das quais saiu vencedor Filipe Nyusi, o actual presidente.
Os preços de referência das principais commodities, como o alumínio, o maior produto de exportação do país, o carvão (Moçambique tem uma da maiores reservas do mundo, que começou a ser explorada pela brasileira Vale) e, claro, o petróleo e gás, entre outros, não paravam de cair nos mercados. O que causou mossa em economias como a do Brasil e África do Sul (dois dos cinco maiores parceiros comerciais do país). O processo dos contratos de exploração do gás abrandava, e o diálogo sobre o plano de investimentos entre os investidores e o Governo, para estabelecer o preço de referência para os próximos anos, arrastava-se, o que foi colocando todo o processo em lume-brando. E se inicialmente a exploração estava prevista para se iniciar em 2018, agora já se fala em 2021. Assim, muitas empresas lamentam “ter chegado cedo de mais”
ao país. E por isso já partiram. Não de vez, mas mantendo apenas representação fiscal, aguardando por melhores dias. No pano de fundo de tudo isto, algumas notícias iam trazendo à realidade da capital, Maputo, a verdade do que se passava pelo país, mais a Norte. Já em Outubro de 2013, a RENAMO havia anunciado o fim do Acordo Geral de Paz de Roma (assinado em 1992), depois das forças governamentais terem atacado a sua base na Gorongosa, no centro do território. O conflito armado durou até Agosto do ano seguinte, quando ambas as partes cessaram hostilidades. Mas com o país a crescer, e com um PIB a aumentar na casa dos 7% ao ano, a instabilidade ameaçava apenas ao de leve a economia. O que agora não acontece. A economia moçambicana cresceu 6,1% em 2015, e no primeiro trimestre deste ano,
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Entretanto, desde as descobertas do gás em 2011, o mercado imobiliário cresceu em altura. Nos números, e nos valores, a banca desenvolveu-se, o consumo aumentou e, em 2014, Moçambique chegou a ser a economia africana com maior aumento do volume de Investimento Directo Estrangeiro, 33%. O país tinha tudo para sair finalmente da lista dos mais pobres do mundo. Era a oportunidade.
apenas 4%, tendo deixado de ser uma das que mais cresce em África. E a insatisfação política alimenta-se dos efeitos dessa situação na população. Como? Pelo bolso de cada moçambicano, que vê o cabaz de compras básico a aumentar, e o poder de compra a diminuir (a inflação homóloga em Maputo já vai nos 24%). É que o país produz muito menos do que o que consome, e o défice da balança comercial é historicamente desequilibrado, sendo que o país exporta maioritariamente alumínio e
electricidade, através da HCB (Hidroeléctrica de Cahora Bassa) para a África do Sul, cuja energia provém 60% de Moçambique, mas tem de importar praticamente tudo o resto. Em 2015, de acordo com o Banco de Moçambique, o saldo da balança ficou pelos 2.7 mil milhões de dólares negativos, entre exportações (6 mil milhões) e importações (3,3 mil milhões). O verdadeiro impacto O país tem um território extenso, quase 2 800 quilómetros de costa, e os conflitos acontecem
maioritariamente na zona da Gorongosa, a mais de 1500 quilómetros da capital. Uma espécie de guerrilha nunca completamente debelada, feita de ataques esporádicos a caravanas militares, mas também a civis, que até já motivaram a migração em massa das populações para o vizinho Malawi, onde chegaram a ser erigidos campos de acolhimento para milhares de moçambicanos. A razão do recrudescer da tensão foram os resultados pós-eleitorais, uma vez que Afonso Dhlakama, líder histórico da RENAMO, tem reclamado para o seu partido a vitória eleitoral em seis das províncias onde ainda hoje está fortemente implementada, e um maior acesso às instituições do Estado. E com a conjuntura económica a deteriorar-se, ao longo do último ano, o cenário tem vindo a piorar. Muitas empresas de distribuição já não circulam de Maputo para Norte, uma vez que a principal via de acesso que liga o país, a Nacional 1, atravessa zonas de conflito, que não é novo. Algo parecido aconteceu em 2010, com as manifestações em torno do aumento dos preços do pão (a farinha é subsidiada pelo Estado), em 2012, 2013, e 2015. Sempre que a economia mostra sinais de alguma fraqueza, os conflitos aumentam de tom. E também são eles que fazem com que, de alguma forma, a economia nunca se impulsione de forma mais positiva. Um ciclo vicioso, cujas causas e efeitos se discutem em Maputo. Todos sabem que eles existem, mas como sucedem tão distantes do centro político, económico e social da capital,
acabam por não ter grande peso no dia-a-dia dos cidadãos e empresários. “A verdade é que têm influência, e de que maneira. Temos de pensar que as notícias que se vão sabendo lá fora são aquelas que não quereríamos que fossem. Que há uma guerra a recomeçar em Moçambique, pessoas a morrer, refugiados, carros queimados. Se nesta altura falamos de industrializar o país, e precisamos de investimento externo, quem é que virá investir, quando não existem garantias de estabilidade?”. A questão, decisiva para o futuro do país, é colocada pelo presidente da Associação das Confederações Económicas (CTA), Rogério Manuel. A corroborar a sua opinião, surge Lourenço Sambo, presidente do Centro de Promoção do Investimento (CPI), que no final do primeiro trimestre de 2016 já havia anunciado a queda do Investimento Directo Estrangeiro (IDE) de 7 mil milhões em 2014 para 1,3 mil milhões no ano passado. “Para lá da queda do preço dos produtos de exportação, a tensão política foi uma das principais razões para esta situação”, assinalou então. Também ao nível do turismo, um dos sectores em que o país tem apostado como forma de diversificar a economia, a tensão político-militar que se vive na zona centro, província de Inhambane - um dos maiores postais turísticos de Moçambique -, tem afectado o sector. “Temos este conflito que nos está a abalar muito”, afirma Suleimane Cassamo, proprietário de uma empresa que se dedica a passeios para turistas no Bazaruto (Inhambane). “Fazem as reservas, mas acabam por as
lÁ FoRA | 67
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cancelar”, lamenta o empresário. Essa é uma tendência consubstanciada pelo Fórum de Turismo da região, quando refere que nos últimos dois anos encerraram cerca de 10 estâncias turísticas na província. A verdade é que o número de turistas - Moçambique recebeu em 2015 cerca de 1,75 milhões, na sua maioria sul-africanos - não está a crescer como o esperado, afastando visitantes, e divisas, da economia nacional. A tempestade perfeita Se juntarmos todos os ingredientes, percebemos que ela se foi formando nos últimos dois anos. Processo do gás inacabado, quebra do investimento externo, queda das
matérias-primas, aumento da inflação, diminuição da taxa de crescimento do PIB, falta de industrialização, tensão político-militar e insatisfação popular. E como se a conjuntura não estivesse já bastante negativa, 2016 trouxe os escândalos relacionados com o endividamento do país no exterior e que levaram o FMI a Maputo uma vez que as dívidas contraídas não tinham sido declaradas pelo Estado aos principais credores. O que acabou por fazer com que os doadores internacionais (30% do Orçamento Geral do Estado) cancelassem as contribuições ao OGE previstas para este ano, até à conclusão da análise às contas do Estado, actualmente a ser levada a
cabo pelos técnicos do FMI. Cerca de 1,5 mil milhões de dólares a menos que levaram a cortes em todos os ministérios. E ainda com tranches, a pagamento, de uma dívida pública contraída em dólares, que chega aos 80% do PIB. Numa economia “dolarizada”, com menos dólares a entrar e cada vez mais a sair, as reservas do Banco Central começaram a desgastar-se, e o metical a perder valor face à moeda americana (mais de 50% em menos de um ano), e ao rand sul africano (50% nos últimos seis meses), o maior abastecedor de um país que pouco produz. No entanto, surgiram nos últimos dois meses algumas razões para acreditar na mudança, quando em Julho passado se
iniciaram as conversações de paz entre Governo e a oposição, com a presença de mediadores internacionais. Espera-se que até ao fim do ano haja um entendimento e que o país possa evoluir com o que tem de muito bom. A sua riqueza imensa. Com um potencial turístico e agrícola tremendo, e uma riqueza no subsolo quase única, com um dos maiores depósitos de carvão e uma das maiores reservas de gás natural a nível mundial, além de rubis, ouro, prata ou grafite. E de um povo inteiro disposto a abraçar o futuro. Recursos não faltam, haja vontade, e um pouco de sorte. E Moçambique voltará a ser notícia pelas melhores razões. & * Editor Executivo da revista Exame Moçambique
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| MERCADO E FINANÇAS
Branqueamento de capitais
Os riscos de Angola e o desafio de ajustar-se ao compliance Texto: Quingila Hebo Fotografia: Arquivo
Das cerca de oito mil instituições sob o radar da Unidade de Informação Financeira (UIF), os bancos lideram a listas de operações suspeitas de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. De 2013 a 2015, a UIF solicitou 1,24 milhões de declarações de transacções em numerários, sendo que as maiores operações suspeitas, nessa categoria, foram verificadas durante o ano de 2014. Desde 2010, o país tem vindo a envidar esforços para adequar-se às normas internacionalmente definidas, tendo sido retirado da lista cinzenta do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI, na sigla em inglesa) no início de 2016. Apesar do esforço, Angola ainda é visto como um território de alto risco, muito propenso à violação das regras de compliance, por isso alguns bancos continuam com dificuldades em retomar o vínculo com os correspondentes bancários das terras do “Tio Sam”. O relatório da Unidade de Informação Financeira (UIF) referente ao ano passado descreve que, dos 26 bancos em funcionamento, apenas 21 comunicam todas as operações que ferem as normas de compliance. Desde 2011, altura em que a instituição começou efectivamente as operações, a UIF registou 222 declarações de operações suspeitas de branqueamento de capitais. As maiores suspeitas foram registadas entre 2013 e 2015, cujos valores variaram entre 39 e 101. Em 2013 e 2014 foram registados dois casos, um em cada ano, de declarações de identificação de pessoas designadas, ou seja, apanhadas no radar de branqueamento de capitais. O relatório de 2015 da UIF avança ainda que, das operações suspeitas de branqueamento de capitais, 73 processos foram detectados a partir de fora por instituições internacionais de prevenção ao branqueamento de capitais, que remeteram
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DECLARAÇÕES DE OPERAÇÕES SUSPEITAS E DECLARAÇÕES DE IDENTIFICAÇÃO DE PESSOAS DESIGNADAS Valores entre 2011 e 2015
120 101 100
80 60 60 39 40
20
”
De 2013 a 2015, a UIF solicitou 1,24 milhões de declarações de transacções em numerários, sendo que as maiores operações suspeitas, nessa categoria, foram verificadas durante o ano de 2014.
15 7 0
1
0
1
0
0 2011
2012
2013
2014
2015
DIPD
DOS
Declarações de Identificação de Pessoas Designadas
Declarações de Operações Suspeitas Fonte: Unidade de Informação Financeira - Angola
PEDIDOS DE INFORMAÇÃO RECEBIDOS E RESPONDIDOS DE INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS Valores entre 2011 e 2015
28
30
28
28
22 20
9
10 5 3
5
3
3
0 2011
2012
RECEBIDOS Fonte: Unidade de Informação Financeira - Angola
2013
2014 RESPONDIDOS
2015
à UIF a solicitação de informações sobre os visados. A UIF admite no relatório que, das 73 solicitações, só respondeu a 61, ficando 12 por esclarecer. No sentido inverso, em que foi a Unidade de Informação Financeira angolana a solicitar informações às instituições internacionais sobre investigações iniciadas no país, das 11 enviadas, 6 foram respondidas e cinco ficaram no “barulho”. Além dos bancos, a UIF controla os movimentos de todas as operações das instituições supervisionadas pelo Banco Central, pela Comissão do Mercado de Capitais, pelo Instituto de Supervisão de Jogos, pela Ordem dos Contabilistas e Auditores, pela Agência de Regulação e Supervisão de Seguros, pela Direcção Nacional de Minas e Pedras Preciosas e pelo Instituto Nacional de Habitação. Ou seja, todos os sectores que movimentam grandes somas de dinheiro e que são susceptíveis de violar as regras de boas práticas de gestão financeira. A UIF supervisiona cerca de oito mil instituições sujeitas ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. Sujeitos às normas internacionais No âmbito da integração, tanto do país como da Unidade de Informação Financeira em organizações internacionais
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| MERCADO E FINANÇAS
de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, no processo de conformidade às recomendações internacionalmente exigíveis sobre a mesma matéria, Angola passou a integrar o Grupo anti – Branqueamento de Capitais do Sudeste e Leste de África ESAAMLG, do Grupo de Acção Financeira Internacional – FATF/GAFI e do Grupo das Unidades de Inteligência Financeira – Grupo Egmont. O ESAAMLG tem presidência rotativa dos Estados membros e o seu secretariado Executivo funciona em Dar-es-Salaam, Tanzânia. Em Abril de 2011, na 21ª reunião do “Task Force Group” do ESAAMLG, em Zanzibar, República Unida da Tanzânia, Angola foi
admitida como membro observador desta organização. Decorrente do pedido de admissão como membro efectivo, e com o objectivo de avaliar o estado do país no que ao combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo diz respeito, estiveram em Angola, em de Novembro de 2011, os peritos do Banco Mundial e do ESAAMLG, para avaliarem in loco o cumprimento das 40+9 recomendações do GAFI. Em Abril de 2012, em Arusha, Tanzânia, na 23ª reunião do “Task Force Group” do ESAAMLG, foi aprovado, para posterior submissão para adaptação pelo Conselho de Ministros da organização, o relatório de avaliação
ESTATÍSTICA DAS COMUNICAÇÕES ESPONTÂNEAS RECEBIDAS ESTATÍSTICA DAS COMUNICAÇÕES ESPONTÂNEAS RECEBIDAS ANO
INSTITUIÇÕES NACIONAIS
INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS
ANO
2011
INSTITUIÇÕES NACIONAIS 5
INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS 2
2012 2011
9 5
5 2
2013 2012
20 9
51
2014 2013
9 20
0 1
2015 2014
5 9
6 0
48 5
14 6
TOTAL 2015
Fonte: Unidade de Informação Financeira - Angola
TOTAL
48
14
Fonte: Unidade de Informação Financeira - Angola
DECLARAÇÕES DE TRANSACÇÕES EM NUMERÁRIODE COMUNICADAS DECLARAÇÕES TRANSACÇÕES EM NUMERÁRIO COMUNICADAS BANCOS BANCOS EM ANO
ANO
2013
AUTORIZADOS
FUNCIONAMENTO
BANCOS A COMUNICAREM
BANCOS AUTORIZADOS 23
BANCOS EM FUNCIONAMENTO 21
BANCOS A COMUNICAREM 18
2014 2013
28 23
22 21
20 18
2015 2014
29 28
26 22
21 20
2015
29
26
21
Fonte: Unidade de Informação Financeira - Angola
Fonte: Unidade de Informação Financeira - Angola
do sistema angolano de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Com a aprovação dos peritos, o relatório de avaliação do sistema angolano de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento ao terrorismo foi submetido e adoptado em Agosto de 2012, em Maputo, Moçambique, na 12ª Reunião do Conselho de Ministros do ESAAMLG, e foi integrado como membro efectivo desta organização. Em Março de 2014, a Unidade de Informação Financeira de Angola liderou a delegação angolana na 27ª reunião de peritos Seniores do ESAAMLG, que se realizou em Arusha, Tanzânia. A UIF, subordinada por uma comissão interministerial, liderada pelo Ministério das Finanças e pelo Banco Nacional de Angola, organizou, em Setembro de 2014, a 14ª Reunião do Conselho de Ministros e a 28ª Reunião de peritos Séniores do ESAAMLG. No final dessas reuniões, o Ministro das Finanças de Angola, Armando Manuel, assumiu a presidência do ESAAMLG, tanto do seu Conselho de Ministros, como do Grupo de Peritos Séniores da Organização, esta exercida pela Directora da Unidade de Informação Financeira de Angola, Francisca de Brito. A relação de proximidade com o Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI/ FATF), tida como a mais importante organização do mundo na definição de regras de combate ao branqueamento de capitais, teve início em 2015, quando Angola participou nas reuniões plenárias do GAFI/FATF, realizadas nos meses de Fevereiro, Junho e Outubro do ano passado. Por estar sujeita às avaliações regulares do grupo de avaliação regional, doravante, deve participar nas três reuniões anuais. Na avaliação feita em Outubro do ano passado, foram registados progressos no cumprimento das regras de compliance em Angola, por isso o país foi ilibado da lista cinzenta no início do ano em curso, mas ainda não recuperou a total confiança dos parceiros correspondentes bancários e continua sob vigilância das instituições internacionais de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo. &
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| SOCIEDADE
Comunidade muçulmana em Angola
Os soberanos do comércio retalhista
O Islão é a religião que mais cresce no mundo. Em Angola, estima-se que existam 900 mil muçulmanos e, segundo o Censo Geral da População e Habitação 2014, correspondem a 0,4% da comunidade religiosa do país. Não obstante o seu rápido crescimento, algumas questões estão por esclarecer como, por exemplo, as mesquitas demolidas em 2013 ou a razão pela qual 26 mesquitas estão encerradas em 17 províncias, estando abertas apenas as 28 de Luanda. Líderes islâmicos argumentam não haver um cumprimento cabal da lei, enquanto o Estado fala na revisão do actual diploma sobre a liberdade religiosa, crença e culto.
SOCIEDADE | 73
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Texto: Jacinto Malungo Fotografia: Afonso Francisco
Às sextas-feiras à tarde, o caos instala-se em muitas zonas de Luanda onde predominam as cantinas de cidadãos muçulmanos estrangeiros, conhecidos como “Mamadus”. Neste período, as cantinas ficam todas fechadas para as acções sagradas e as orações na mesquita e quem quiser adquirir algum produto tem que recorrer às grandes superfícies comerciais. Nesta altura, o peso que os islâmicos têm no comércio retalhista em Angola fica mais evidente. Espalhados por todo o território nacional, os muçulmanos têm um grande peso no comércio angolano. Vendem principalmente produtos alimentares e electrodomésticos e conseguem instalar-se até na periferia mais recôndita, onde o comércio formal não chega. Segundo conseguimos apurar, no Bairro Mártires do Kifangondo, que concentra parte significativa dos muçulmanos em Luanda, um único comerciante islâmico pode ter mais de uma cantina e as pessoas empregadas nelas são, geralmente, jovens muçulmanos estrangeiros que acabam de chegar a Angola. Libaneses e paquistaneses, que têm um maior poder económico, são os importadores das mercadorias que boa parte dos muçulmanos oeste-africanos vende. Além dos produtos correntes das mercearias, os comerciantes importam, para revender nos seus armazéns, maioritariamente electrodomésticos, acessórios de carros e farinha de trigo. Em relação a esta última commodity, o diário “O País” avançou que existe um esquema entre os armazenistas que favorecem os paquistaneses e os oeste-africanos na compra da farinha de trigo que depois é revendida a preços inflacionários aos outros comerciantes. Na opinião do politólogo Olívio Kilumbo, o comércio dos muçulmanos, que começou a ser cada vez mais notório em Angola nos finais da década de 90, e após a guerra, isto é, em 2002, espalhou-se principalmen-
te nas zonas diamantíferas e de grande dinâmica económica. Para Olívio Kilumbo, o comércio é uma das formas mais efectivas da expansão do Islão em Angola. “Têm as lojas-cantinas em quase todo o espaço nacional, até nas zonas onde nunca houve história de actividade comercial”, observa. AS LACUNAS DA LEI O primeiro cidadão nacional de que se tem memória de ter sido um muçulmano foi Rashid Muatxisupa, natural da Lunda Norte, preso em 1972 pela polícia colonial portuguesa por professar uma religião “estranha” ao Estado português, segundo contou o líder da Comunidade Islâmica de Angola (COIA). Porém, os primeiros islâmicos que chegaram a Angola, nos anos 60, saíram dos dois “Congos”. Alguns eram angolanos que decidiram voltar à terra com a religião aprendida no estrangeiro, mas, a grande maioria, era mesmo cidadãos congoleses. Este cenário repetiu-se em 1991 e 2002 com a entrada massiva de cidadãos muçulmanos oeste-africanos, paquistaneses, libaneses e os seus pequenos comércios. Entretanto, o Islão não é reconhecido pelo Estado angolano. A primeira tentativa de legalizar, segundo o politólogo Olívio Kilumbo, aconteceu em 1978 mas, refere, “o Governo não legaliza igrejas desde o princípio dos anos 90”. No entanto, em 2004, foi aprovada a Lei 2/04 sobre as liberdades religiosas, crença e culto. Passados 14 anos, sem que nenhuma religião fosse legalizada, o presidente da Comunidade Islâmica de Angola pensa que houve um recuo no capítulo das liberdades religiosas. David Já revelou que, com excepção de Luanda, as mesquitas ao nível do país estão encerradas por ordens superiores. “Qual é a interpretação que podemos fazer quando as pessoas são impedidas de rezar sem justificação, enquanto a Lei 2/04 e a Constituição da República de Angola dizem que o culto é livre?”, questiona. O Emir (líder islâmico) Mateta Nzola, da COIA, em entrevista ao Rede Angola, acusou as entidades governamentais de dificultarem a legalização do Islão. Mateta Nzola alega que têm assistido a comporta-
David Já, presidente da Comunidade Islâmica de Angola
O Islão não é reconhecido pelo Estado angolano. A primeira tentativa de legalizar, segundo o politólogo Olívio Kilumbo, aconteceu em 1978 mas, refere, “o Governo não legaliza igrejas desde o princípio dos anos 90”.
mentos de altos responsáveis das autoridades angolanas a demonstrarem um certo ódio e rancor pelos muçulmanos em geral. “Embora na lei não haja nada a discriminar a religião islâmica no país, a atitude dessas pessoas leva os fiéis a crer que estamos numa situação de perseguição”, diz Mateta Nzola. Em 2013, por exemplo, algumas mesquitas foram encerradas e outras demolidas. A imprensa nacional e internacional chegou,
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| SOCIEDADE
inclusive, a considerar Angola o primeiro país do mundo a banir o Islão. Sobre estas demolições e encerramentos, David Já contou que a COIA enviou várias cartas ao Ministério da Justiça e outros órgãos do Executivo a reivindicar que num Estado democrático e de direito estes actos não deveriam ter lugar. David Já afirma, entretanto, que acompanharam alguns pronunciamentos dos ministros da Justiça e Relações Exteriores a pedirem para não partir as mesquitas, porém não houve nenhum
tipo de responsabilização dos infractores. “Não tiveram a humildade de assumir o erro, reunir-se connosco, explicar o que é que nós não cumprimos e as razões das demolições, mas isto agora é passado”, diz. No entanto, o director do Gabinete Jurídico do Ministério da Cultura, Aguinaldo Cristóvão, salienta que há questões ligadas ao ordenamento do território e requalificações urbanas que podem ter determinado estas demolições e não tem que ver somente com o facto de ser uma mesquita. “Tanto
quanto sabemos, não é uma situação que ocorre apenas com as mesquitas, porque em Angola há um respeito muito grande pelos templos”, referiu. Relativamente ao encerramento de alguns templos, em 2013, o responsável afirmou que houve uma comunicação de quase seis meses de antecedência por parte do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. O director do Gabinete Jurídico do Ministério da Cultura atesta que o que está em causa não é o impedimento do exercício da liberdade religiosa. “Para construir um templo, é necessário ter uma autorização e para se obter essa autorização é preciso saber se a entidade tem ou não personalidade jurídica”, adverte. Aguinaldo Cristóvão lembra que a Constituição angolana prevê o Estado como sendo laico, ou seja, existe um respeito e uma divisão entre o papel do Estado e o das igrejas, tendo garantido que “não existe qualquer interferência na organização e no funcionamento interno das igrejas”, sendo que “o Estado angolano não privilegia confissões religiosas. Todas as religiões podem ser reconhecidas”. O responsável afincou que “a liberdade religiosa em Angola é um direito primário, tão essencial aos olhos da lei como beber água”. À luz da lei sobre a liberdade religiosa, de crença e de culto, Aguinaldo Cristóvão esclarece que uma determinada confissão religiosa só tem personalidade jurídica depois de reunir um conjunto de pressupostos essenciais que têm que ver não só com a existência de estatuto e informação sobre a sua doutrina, mas também com a apresentação de um número mínimo de 100 mil assinaturas recolhidas em dois terços do território nacional e que devem ser notarialmente reconhecidas. Na visão de Mateta Nzola, em declarações ao Rede Angola, a cláusula que define as 100 mil assinaturas como número mínimo de fiéis é uma violação à Constituição. “A religião é um direito fundamental da pessoa. Nós demos a nossa sugestão ao novo regulamento, que está para ser feito, de pelo menos mil pessoas por religião. Espero que as entidades competentes levem isso em conta”, observa.
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À luz da lei sobre a liberdade religiosa, de crença e de culto, Aguinaldo Cristóvão esclarece que uma determinada confissão religiosa só tem personalidade jurídica depois de reunir um conjunto de pressupostos essenciais que têm que ver não só com a existência de estatuto e informação sobre a sua doutrina, mas também com a apresentação de um número mínimo de 100 mil assinaturas recolhidas em dois terços do território nacional e que devem ser notarialmente reconhecidas. Em resposta, Aguinaldo Cristóvão argumenta que o Executivo fez uma avaliação sobre esta matéria e orientou a criação de uma comissão interministerial versada no estudo e tratamento do fenómeno inter-religioso que foi coordenada pela ex-Ministra da Cultura, Rosa Cruz e Silva. Entre outras questões, a comissão fez um levantamento para apresentar propostas e resolver os problemas actualmente existentes, tendo sido apresentadas propostas de revisão da Lei 2/04, na
medida em que uma parte fundamental dos problemas decorre da existência do requisito das 100 mil assinaturas. O director do Gabinete Jurídico do Ministério da Cultura defende que, com a aprovação da nova lei, que teve a participação da comunidade islâmica, haverá um alinhamento entre a Constituição e a legislação ordinária, uma vez que o diploma vai levar em consideração as convenções internacionais em matéria de direitos humanos referentes a questões religiosas. &
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| FIGURA DO MÊS
Lourenço Texe, vice-presidente da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor
“Os direitos do consumidor ainda são vistos como tabu” Responsabilidades Consultoria em regulação económica, coordenação do programa de informação, formação e educação aos consumidores. Máxima de Gestão “Na recessão prevalece a melhor gestão”.
CARREIRA / CURRICULUM VITAE: Lourenço Texe Armando nasceu em Benguela a 2 de Dezembro de 1970, é filho de Manuel Armando e de Maria Teresa. Licenciado em Direito, encontra-se actualmente a concluir a pós-graduação em Regulação Económica. Ao nível de percurso profissional, ocupou cargos como director de Operações da Shada Segura Lda, Empresa Privada de Segurança, foi encarregado dos Serviços Gerais da Brunney’s S.G Lda, chefe do Gabinete Jurídico da Empresa Nacional de Pontes e director do Gabinete de Apoio ao Director Geral do Instituto de Estradas de Angola (INEA). Actualmente, é o vice-presidente da AADIC - Associação Angolana dos Direitos do Consumidor e membro fundador.
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Economia & Mercado (E&M) - Qual é a receita para se ser um bom gestor, principalmente na conjuntura económica e financeira em que nos encontramos? Lourenço Texe (LT) – Encontramo-nos num momento particularmente difícil, o que exige de qualquer gestor, no âmbito da gestão da coisa pública, público-privada ou privada, uma melhor coordenação, superintendência, liderança e administração, com base em critérios de alta responsabilidade, serenidade e capacidade para avaliar os cenários e assim poder tomar as melhores decisões. E&M – Como gestor e líder associativo, de que forma avalia o actual momento de crise? LT - A actual situação económica do país é difícil, face à perda da capacidade financeira das famílias que se resume no baixo poder de aquisição de bens e serviços essenciais. Isso exige da parte de toda a sociedade um esforço muito grande na manutenção dos seus recursos para adquirir bens e serviços de maior prioridade. Além da baixa do preço do petróleo no mercado internacional, a falta de capacidade de produção interna, a excessiva dependência da importação, a excessiva política de “lobismo”, o crédito administrativo sem retorno a supostos importadores e outras acções alimentam o mau momento da nossa economia. Em meu entendimento, para inverter o quadro actual é necessário, de imediato, que de adoptem boas práticas no sector financeiro, adequando-se às exigências internacionais. Será também necessário que se faça uma efectiva capacitação do sector empresarial nacional e a criação de mecanismos céleres de exportação para obtenção de cambiais. E&M – Quais os desafios que tem pela frente? LT - Os meus desafios são a nível familiar, que é nosso objecto e projecto de vida, e profissional, enquanto membro da sociedade, o que consiste em dar todo o meu melhor na área do direito. Enquanto advogado quero contribuir, através do ensino, para a melhoria do sistema judiciário angolano. E&M - Quais são os principais obstáculos que encontra para alcançar estas metas? LT - Penso que a sociedade tem várias correntes
FIGURA DO MÊS | 77
e, consequentemente, diferentes etapas de desenvolvimento. Naquilo que faço espero sempre por uma oportunidade para melhor servir, sendo que, neste momento, com os projectos de interesse de grupo, vamos fazendo aquilo que melhor sabemos. Nos projectos de interesse pessoal existem coisas que nos correm a contento e outras nem tanto. Afinal a vida não é perfeita, não é? E&M – De que forma são tratados os direitos dos consumidores em Angola? LT – Os direitos do consumidor ainda são vistos como tabu, por ser uma matéria relativamente nova no país. Tecnicamente falando, as relações jurídicas de consumo têm grande incidência na economia, mexem com o património das pessoas, de um lado os que sofrem o desfalque no seu património (consumidor), e, de outro, os que têm, como fim último, a obtenção de lucro (fornecedor). Em Angola, a maior parte dos comerciantes ou empresários também são governantes, daí existir um cepticismo destes quando são questionados, persuadidos ou exigidos para reporem os direitos dos consumidores quando os violam. De acordo com a experiência da Associação Angolana dos Direitos do Consumidor, concluímos que com o trabalho que está a ser feito de grandes intervenções, divulgação nos media, resolução e mediação de vários casos de reposição de direitos violados, a sociedade tem despertado e já reconhece o nosso trabalho, até a nível institucional. Prova desse reconhecimento foi a inserção da AADIC como membro do CNCS – Conselho Nacional de Concertação Social por Decreto Presidencial. E&M - Que aspectos distinguem o mercado angolano da realidade dos países com quem Angola tem parcerias económicas? LT - O grande aspecto que distingue o mercado angolano é que se adoptou o sistema de economia de livre iniciativa privada há algum tempo, porém, o país não produz quase nada comparativamente às necessidades do mercado. A importação é a base de sustentação do mercado, não se verificou desenvolvimento humano, sendo que o índice de pobreza e de iliteracia ainda é muito acentuado. Contrariamente, os países com os quais Angola tem parceria económica apresentam um crescimento económico acompanhado de desenvolvimento humano.
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| lazer
Vinhos
Nem branco, nem tinto. Um azul, por favor
Sebastião Vemba
Os vinhos azuis parecem estar a entrar na moda. Isso mesmo, vinhos azuis, nem branco nem tinto. Depois do lançamento do irreverente Gik, em Espanha, que irritou alguns produtores tradicionais, surgiu em Agosto passado o Casal Mendes Blue, que está a animar o final de Verão em Portugal. Produzido pela Bacalhôa,
um dos maiores no mercado português, o vinho tem como base o Casal Mendes Branco, “mas uma série de substâncias naturais conferem-lhe depois a cor e uma ligeira doçura”, informam os produtores, que apresentam o Casal Mendes Blue como uma “bebida refrescante, para ser servida em ambientes de festa e praia, de preferência entre os 10 e os 12 graus”, sendo que o vinho se insere na gama Casal
Mendes, que tem também rosé e verde. Para cortar a doçura, recomenda-se usar gelo. Se a irreverência do Gik foi motivo de alguma crítica negativa pela imprensa e escansões em Portugal, o Casal Mendes Blue, por herdar um nome já conhecido, despertou a curiosidade dos amantes de vinho e da marca, mas também permitiu que alguns consumidores e produtores conservadores deixassem de
ver o Gik como uma bebida blasfema, embora os seus criadores assim a classifiquem. Gik, o vinho azul, não requer conhecimentos de degustação, afirmam os produtores, porque o gosto é fácil de apreciar. Além disso, descrevem, “enquanto a maioria dos vinhos segue as tradições ancestrais e as regras herdadas que tornam complicado beber vinho, o Gik não tem nenhuma dessa características”. &
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| EMPRESAS
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| lazer
CANDIDATURA DE MBANZA KONGO A PATRIMÓNIO MUNDIAL DISCUTIDA EM FRANÇA Conversações em torno da candidatura de Mbanza Kongo a Património Mundial estiveram na base de um encontro que sentou à mesma mesa, na capital francesa, Paris, a Ministra da Cultura das Artes e da Educação Cívica do Gabão, Paulette Mengue M’owono, e os representantes do Congo Brazzaville, República Democrática do Congo, Angola e Gabão, no âmbito da semana da educação. O encontro surgiu em resposta ao apelo da Ministra da Cultura angolana, Carolina Cerqueira, que solicitou, na sua última visita a França, um maior envolvimento dos diplomatas africanos junto da UNESCO para a elevação de Mbanza Kongo a Património Mundial. &
ARTISTAS ANGOLANOS NOS JOGOS OLÍMPICOS Músicos angolanos também viajaram para o Brasil no âmbito dos Jogos Olímpicos de 2016. O objectivo não foi participar das modalidades desportivas, antes aproveitar o momento para divulgar a música nacional em solo brasileiro. Fizeram parte da comitiva angolana, que foi patrocinada pela Embaixada de Angola e pelo Consulado Geral de Angola no Rio de Janeiro, a Banda Maravilha, Kizua Gourgel, Legalize e Dom Caetano. As apresentações decorreram, entre outros locais, na Casa de Angola, no Rio de Janeiro, na Praça Tereza Batista, no Pelourinho e no Centro Cultural Casa de Angola, em Salvador, na Bahia &
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www.economiaemercado.sapo.ao | Setembro 2016
AO VOLANTE
Luta dos carros eléctricos ao rubro São cada vez mais as marcas que apostam nas energias sustentáveis. De facto, a luta pelo mercado de carros eléctricos de luxo está ao rubro. A BMW e a Tesla são, neste momento, as duas marcas mais fortes neste campo, mas agora a Mercedes-Benz anunciou que se vai juntar à guerra.
Apesar de já ter modelos eléctricos, a marca alemã está a preparar-se para começar a criá-los de raiz para poder desafiar a BMW e a Tesla no campo da mobilidade sustentável. Assim, a Mercedes anunciou em Agosto, conforme avança a Bloomberg, que já está a preparar o lançamento de dois jipes e de dois sedans. Para esta nova frota de automóveis eléctricos, a marca de carros de luxo pretende criar uma sub-marca, cujo nome ainda não foi escolhido. A Tesla criou um novo paradigma nos carros eléctricos de luxo, após o sucesso que obteve com as vendas do Model S. Já a BMW, por seu lado, tem investido em fibra de carbono e num design futurista para a sua gama “i”. A Mercedes-Benz, até agora, limitava-se a tornar eléctricos os seus modelos já existentes, mas a marca quer ir mais além. Foi por esta razão que decidiu criar uma gama de eléctricos a partir do zero, que pretende começar a vender até 2020. Entretanto, a Daimler, casa mãe da Mercedes, prepara outras inovações até ao início da próxima década. Uma delas é o primeiro camião eléctrico. E a marca Smart também deverá ganhar motorizações eléctricas nos próximos anos. A publicação porguesa “Jornal de Negócios” destaca que a Daimler tem vindo a ganhar experiência na produção de carros eléctricos nos últimos tempos, desde que
a companhia forjou uma parceria com a chinesa BYD para produzir eléctricos. Foi assim que nasceu o Denza, que começou a ser produzido em 2014. Este automóvel apenas está disponível para o mercado chinês. Enquanto isso, depois de a Tesla ter criado o paradigma com o seu Model S, as marcas europeias têm vindo a reagir. A Porsche, por exemplo, vai lançar o Mission E como resposta europeia à Tesla. Portugal vai contribuir para os modelos eléctricos da Porsche com a companhia Efacec a fornecer carregadores rápidos para a marca alemã. Os eléctricos da Mercedes-Benz serão produzidos na fábrica de Bremen, na
Alemanha. Esta fábrica vai também produzir o modelo GLC a célula de combustível, que tanto pode ser carregado com hidrogénio como com electricidade. O protótipo vai ter uma autonomia de 500 quilómetros numa única carga. Já a Volkswagen, entretanto, anunciou que vai lançar mais de 30 modelos de carros eléctricos nos próximos 10 anos, numa tentativa de posicionar a montadora como líder dos transportes ecológicos depois do escândalo de automóveis a diesel com um software que manipulava as emissões. & Texto: Patrícia Pinto da Cruz
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| REMATE
PROTEGER QUEM NOS DÁ No Relatório de Fundamentação da Proposta de Revisão do Orçamento Geral do Estado 2016, o Governo angolano reconhece que a actual crise cambial levou à saída do país de milhares de expatriados, tendo-se em consequência registado uma redução da produção industrial no primeiro semestre de 2016 na ordem dos 3,9%, comparando com o período homólogo de 2015.
Urge, contudo, olhar para a questão do pagamento do salário dos quadros estrangeiros, sendo que alguns deles têm as remunerações atrasadas há mais de seis meses, o que torna insustentável a sua permanência em Angola. Havendo uma deterioração deste cenário, será dramático para o país se mais trabalhadores saírem por não verem cumpridos os seus contratos.
Nuno Fernandes Jornalista Presidente do Conselho Executivo Grupo Executive
Significa que se reconhece o papel positivo que esses quadros estrangeiros desenvolviam no país, contrariando-se assim opiniões que vimos reproduzidas em órgãos de comunicação social e que davam por prescindíveis aqueles que, vindos de outras partes do mundo, contribuem com o seu saber e experiência para o crescimento da economia nacional. Podemos reconhecer que, muito provavelmente, num universo grande de estrangeiros, houvesse quem estivesse no país sem o saber e conhecimentos técnicos exigíveis para funções que mal desempenhavam. Mas é injusto julgar o todo pelo exemplo menos bom de alguns. Os dados constantes desse relatório são, contudo, omissos relativamente a outras áreas, como a saúde, banca, serviços, pescas, agricultura e tantos outros onde a saída de estrangeiros seriamente se tem reflectido no seu quotidiano. No caso da saúde, é marcante o impacto da saída de técnicos estrangeiros que permitiam, a nível nacional, uma cobertura mínima das necessidades da população. A actual situação veio também pôr a nu a ainda enorme debilidade do país relativamente a quadros qualificados, dando sinais sobre os sectores mais carenciados e sobre as áreas de formação onde mais devemos investir. Sendo assim, esta será uma oportunidade para todos fazermos uma séria avaliação e percebermos o que devemos fazer para de forma séria e concertada reformarmos o nosso ensino, desde a base ao universitário. E aqui devemos perceber a utilidade de, com critério,
recorrermos à contratação de cérebros que ajudem na criação da inteligência nacional. Urge, contudo, olhar para a questão do pagamento do salário dos quadros estrangeiros, sendo que alguns deles têm as remunerações atrasadas há mais de seis meses, o que torna insustentável a sua permanência em Angola. Havendo uma deterioração deste cenário, será dramático para o país se mais trabalhadores saírem por não verem cumpridos os seus contratos. Sendo assim, o BNA nos seus leilões deverá progressivamente dar alguma cobertura à solução desta difícil situação e fiscalizar a banca comercial responsável pelo processo de transferências, que são fundamentais para cobrir compromissos familiares e fiscais nas suas terras de origem. Entretanto, os quadros estrangeiros que ficaram, até agora, deram já um sinal importante da sua relação com o país, pelo que devem merecer o nosso cuidado e protecção. &