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Felipe Castro
Felipe Castro. Escritor, 32 anos, que depois de sair de sua cidade natal (Rio de Janeiro), estudar no interior de São Paulo e trabalhar em Brasília, acordou um dia e percebeu que estar formado em administração de empresas e ter um trabalho estável como controlador de voo da Aeronáutica ainda estaria longe da estrada de seus verdadeiros sonhos. Por isso, quis mudar tudo. Começou pelo país, depois pelo trabalho, pelas línguas, pela rotina. Viveu na Irlanda por um ano, viajou por diferentes continentes e voltou a escrever todos os dias. Perdeu-se tanto pelo caminho que acabou por retomar a estrada de sonhos quase perdidos. Publicou o primeiro livro intitulado “Livro da despedida” em 2019, terminou a licenciatura em letras (Português e Alemão) na Universidade do Porto em Portugal, morou na Jordânia, Alemanha, França e atualmente em fases de completar o mestrado em literaturas comparadas pela Universidade aberta de Lisboa e um próximo livro de poesia a ser lançado em 2022. O que vem a seguir? Insta: @versosaquastricos @feaquastro
O ABISMO DOS SONHOS DE MINHA MÃE
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Certo dia, meu pai viajou e fiquei só eu e minha mãe em casa. Era um sábado que parecia domingo. Mais um desses domingos cinzentos e silenciosos de um quase inverno carioca. A temperatura era amena, muitos conterrâneos chamariam de frio, eu me recuso a falar frio aos 19 graus. E chovia uma chuva leve, por vezes, como se só chovesse para exalar o cheiro úmido das águas que encontravam o solo. A minha mãe seguia sua rotina empenhada de dona de casa. Cumpria com afinco todos os afazeres com um prazer genuíno e maternal. Talvez tenha sido com a minha mãe que aprendi o que era paixão logo cedo. Apaixão em fazer algo com um entusiasmo calmo de quem não se preocupa com as dores da idade ou do coração. Simplesmente faz porque ama, porque busca a perfeição despretensiosa daquele cheirinho de comida caseira, das cores em harmonia de uma cama bem feita ou do sabor doce de uma torta de morango. Tudo feito com amor. Eu a observava passar, indo e vindo pelo corredor, totalmente atarefada. Eu sabia que estava bem porque o barulho de seus passos apressados se confundia com o cantarolar tranquilo da sua voz açucarada. Era um samba antigo, minha mãe gostava de alegria, a tristeza sempre a perturbou. Mesmo quando estava triste não gostava de se sentir assim.
– Ai, filho, essa casa tá muito silenciosa, fala alguma coisa. Coloca alguma música. – Não aguento isso! Você e seu pai, cada um fica num canto, eu não tenho ninguém para conversar. Não aguento mais ficar nessa casa, quero sair um pouco, ver gente. Minha mãe nunca foi de silêncio. Mas também, como devia ser nascer em uma casa de dois quartos com mais 10 irmãs: 10 mulheres e minha avó. Conversas infinitas, verbos e mais verbos, palavras, adjetivos, interjeições. Por todos os cantos, todas as horas. A hora mais silenciosa devia ser a hora de dormir, ou melhor, a hora que não se tinha mais voz para ser falada e palavra para ser ouvida. O corpo precisaria descansar. Depois disso, acho difícil não confundir silêncio com tristeza. Eu confundiria, acho que não peguei isso dela porque meu pai tratou de me mostrar o contrário. Sendo assim, a minha mãe logo tratou de encher a casa. Sempre que podia tinha um barulho novo na casa, quer dizer, um filho novo, bem além daqueles que o seu ventre gerou, eu e o Bruno. Ela é especialista em cuidar, já perdi as contas de quantas crianças ela já cuidou. Outras nem tão crianças assim. Primo que se tornou irmão, filhos do meu pai que só se tornaram meus irmãos depois de seus cuidados, filhas adotivas e a lista só aumenta. E mesmo sabendo disso eu nunca tinha conversado com a minha mãe. Era mais como se falássemos palavras automáticas, ou que eu acabasse falando mais que ela, mesmo sendo eu tão quieto. Eu sempre fui de escrever, falar não era comigo, talvez meu irmão. Mas ela era boa ouvinte, ela queria barulho. Queria o som da minha voz que, apesar de ser externa, sempre vinha de dentro e ela tinha o dom de tirar esse íntimo de mim. Não até esse dia. Nesse dia chuvoso, estávamos só nós. Meu pai viajando. Meu irmão, apesar de estar sempre conosco, já não morava mais naquela casa (habitava tão somente a casa dos nossos corações saudosos). Éramos só nós. A minha mãe grita da cozinha: a comida estava pronta. Não precisava nem dizer, com todo aquele cheiro especial que conquistava todos os cômodos. Vou quase de imediato, mas ainda assim ela já
estava gritando de novo, dizendo que eu demorava. Sentamo-nos os dois. Uma bela macarronada, típico de domingo que não o era. O silêncio invade a mesa. Comíamos. Estava delicioso como sempre. Minha mãe quebra o silêncio: – Acho que ficou um pouco sem sal – pergunta ela, sem perguntar. – Não, mãe, está ótimo. Uma delícia – respondo. E quando percebo, eu estava falando dos meus medos, da instabilidade que a minha vida está, dos planos A, B ou C. Falo de trabalho, do que eu quero, do que eu não quero. E mais medos, inseguranças. E falo de partir. Despedida sempre foi seu ponto fraco. Quase me arrependo ao ver seus olhos brilhando de águas. Águas que ela não deixava correr: onde já se viu chorar em meio a um almoço alegre? Nada de tristeza por hoje. Ela segurava aquela represa e continuava me deixando a falar. Ela não queria viver com o silêncio da minha ausência, nunca quis. Mas me conhecia, eu sempre partia, deixava a mudez do meu quarto de sentimentos e levava o meu barulho sossegado para algum outro canto distante. Então ela começa a falar. Começou por dialogar, queria entender a minha necessidade de ir. Necessidade, sonho ou medo? Ela soube, talvez mais que eu mesmo. Foi quando eu me calei. – Eu tinha uma professora de francês, eu entendia tudo o que ela falava. Ela entrava na aula já falando em outra língua. E eu queria falar também, gostava daquele som. Aquela música romântica que é o francês aos nossos ouvidos. Eu conseguia ver o brilho em seus olhos quando me contava isso, uma luz que surgia em seu rosto quando pronunciava perfeitamente alguns versos franceses que eu nunca teria conseguido dizer com tamanha beleza. Ela continua: – Eu ficava repetindo em casa. Aprofessora era muito boa, Ana Claudia, o nome dela. Nunca vou esquecer. Naquele tempo, eu queria estudar francês, mas depois que tiraram essa classe da escola, eu não teria como. Os cursos seriam muito caros, o seu avô não tinha condição de alimentar tantas bocas e ainda bancar um curso desses. Não, não era pra mim.
Eu ouvia quieto apesar de um aperto começar a me apertar. – Uma vez, seu avô me disse pra falar com meu padrinho. Talvez ele pudesse ajudar. Então fui passar um final de semana na casa dele. Gostava mesmo de estar por lá, de estar com sua filha. Então eu me preparei: depois do jantar, ia pedir. Pediria morrendo de vergonha, mas era o que eu queria. Mas aí ele começa a falar com sua filha, que teria gastos com isso com aquilo. E mesmo sabendo que ainda assim ele poderia me ajudar, eu me calei. Calei-me para sempre. Não pude aprender o francês. Aquelas últimas frases me cortavam a alma. A minha mãe também tinha seus próprios sonhos, tinha suas próprias dores, que ela levava infindamente calada. Sonhos partidos. Ela sonhava com meus sonhos, mas o quão injusto é não poder viver o próprio sonho? Naquele momento, eu queria chorar, mas eu não o fiz. Queria dizer: “Mãe, ainda dá tempo, você ainda pode sonhar, ainda pode viver o sonho. Eu faria tudo para realizar seus sonhos. Eu faria tudo para que não achasse que já é tarde, que o tempo se esgotou. Eu não deveria ser o único a sonhar. Mãe, eu quero sonhar contigo, os meus sonhos também se confundem com os seus. Eu nunca os sonharia se não fossem pelos seus. Eu não saberia nem sonhar. ” Eu queria poder. Simplesmente poder, poder acordá-la para os sonhos. Fazê-la dormir também em silêncio, sem ruídos que a atrapalhassem de enxergar. Sem a máscara da realidade. Queria que ela vivesse um pouco essa quietude do irrealizável. E ela poderia tudo, até mesmo suportar o silêncio, a tristeza. Assim como todo pesar introvertido da sua vida. Nossas vidas, nossos sonhos. – Sonhe, minha mãezinha. Voe, assim como me ensinou a voar. Voe para onde quiser ir, mesmo que eu também esteja lá. Eu e meu irmão. Sonhe, sonhe um pouco mais. Mas eu nada falei, eu nunca falava, eu era bom de escrever, mesmo ela querendo ouvir. Hoje, eu a ouvi, não as palavras soltas que preenchem o vazio do espaço. Ela queria falar. Eu a ouvi, por dentro, eu conheci seus sonhos, pela primeira vez. Por hoje eu não ia tentar mais falar. E ela falou. E ela sonhou.
Iteuane Casagrande. Escrevo desde a adolescência, é uma terapia falar e me expressar através das palavras. Tenho o intuito de publicar um livro, mas por enquanto divulgo numa página das redes sociais. Facebook: entrepalavraserimas e Instagram : @entrepalavraserima1
MULHER
Mulher, um ser cheio de fascínio O universo masculino não acompanha seu raciocínio Tem garra, tem força, tem capacidade de domínio. A mulher faz tudo com tamanha intensidade Respira emoção e espontaneidade Ama demais, chora demais, ri demais, O que ela não faz é desistir dos seus ideais.
A mulher muitas vezes parece não ser uma só Ela quer fazer tudo e do jeito melhor Abraça o mundo inteiro É de admirar a sua disposição, um dom verdadeiro.
A mulher tem dentro de si várias capacidades É amiga, mãe, esposa e companheira É dona de casa, arruma a bagunça, é uma gata borralheira, Mas não perde a vaidade Quando quer, transforma-se numa rainha de verdade.
A mulher também sabe ser independente Trabalha fora, faz tudo cuidadosamente Muitas vezes não é reconhecida Seu salário é menor geralmente, O machismo ainda reina nesse ambiente.
A mulher também tem seus dias de fragilidade Tem medo, angústias e irritabilidade Por outro lado tem grande poder de superação Ela pensa demais com o coração, mas também saber fazer o uso da razão.
Mulheres são seres incríveis Algumas duronas, outras um tanto sensíveis Mas todas elas são inesquecíveis.
Jenny Rugeroni é bancária, formada em Comércio Exterior e mãe de dois filhos. Vive próximo à Serra da Mantiqueira, e está em constante sintonia com a natureza. É autora dos romances “A Herdeira do Silêncio”, “Um Céu de Estrelas Curiosas” e “O Ano em que não Choveu”, além de diversos contos e crônicas. Em sua escrita, apresenta um olhar lírico sobre o cotidiano, convidando à reflexão sobre a desigualdade social e os dilemas do mundo moderno. Instagram: @jennyrugeroni
Gabrielle Andersen, Rudyard Kipling e minha mãe
Numa manhã de domingo, há algumas semanas, vi na televisão a maratonista suíça Gabrielle Andersen-Schiess, hoje com mais de setenta anos, relembrando sua marcante participação nas Olimpíadas de Los Angeles em 1984. Através do relato carregado de emoção, fiquei sabendo de vários detalhes que não conhecíamos na época. O desespero do marido, procurando-a com o olhar, aflito porque ela demorava a chegar. A explicação médica do quadro grave de desidratação que causou na atleta dores lancinantes e confusão mental. E o seu depoimento, contando que no final da prova mal tinha consciência do que estava fazendo, mas sabia que precisava chegar de qualquer jeito.
Recuando no tempo, me vi de novo com oito anos. Parece que foi ontem que assisti com assombro, ao lado de minha mãe, a atleta cambalear pelos últimos metros da corrida com o corpo retorcido pelas cãibras, e desabar exausta ao cruzar a linha de chegada. Se a televisão não mencionasse, eu nem me lembraria de que a vencedora da prova foi a americana Joan Benoit. Mas a imagem de Gabrielle continuou me assombrando, e me impressiona até hoje.
Minha mãe havia sido bibliotecária, e foi dela que herdei a paixão pela literatura. Eu era uma garota séria e introvertida, com a cabeça cheia de citações e trechos de
livros, mas com pouquíssimo conhecimento do “mundo lá fora”. Sendo filha de imigrantes, meu vocabulário em português era bem limitado quando entrei na escola, o que só fazia aumentar minha timidez. Na sala espaçosa da casa do sítio, apinhada de objetos antigos, minha mãe e eu passávamos horas conversando sobre coisas tão diversas como a possibilidade de uma terceira guerra mundial e as mudanças que aconteceriam em meu corpo num futuro próximo. Pela porta que se abria para a varanda, via-se a estrada e os bosques de eucaliptos. Na estante de madeira, entre os livros que eu conhecia e aqueles que era proibida de ler, havia um fichário preto cheio de poemas e textos que minha mãe copiara com sua letra cursiva perfeita, ilustrados com desenhos contornados com caneta hidrocor. Logo depois da transmissão da fatídica maratona, ela apanhou o fichário e leu um trecho do famoso poema “Se”, escrito no final do século XIX pelo britânico Rudyard Kipling, também criador de Mogli, o Menino Lobo. (Abaixo, o trecho na versão traduzida por Guilherme de Almeida. Para conservar o sentido do poema, a tradução sacrifica muito da musicalidade. Mas a versão original pode ser facilmente encontrada na Internet...)
“Se és capaz de arriscar numa única parada Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida E perder, e ao perder, sem nunca dizer nada Resignado, tornar ao ponto de partida De forçar coração, nervos, músculos, tudo A dar seja o que for que neles ainda existe E a persistir assim quando, exaustos, contudo Resta a vontade em ti que ainda ordena: Persiste!” 50
- Está vendo? – disse minha mãe, emocionada – Foi isso que ela fez.
Depois de tantos anos, em minha memória tudo se confunde. Recordo vários incidentes difusos, sem conseguir colocá-los em ordem cronológica. Naquela época, minha mãe ainda não sabia que estava com câncer. E eu não sabia que, em pouco tempo, não teria mais as tardes tranquilas em meio aos livros e às nossas intermináveis conversas.
Assim como a atleta, minha mãe lutou até onde pôde. Lembro-me dela alguns meses depois, no início de 1985, pálida, fragilizada, com olheiras, dizendo em seu português limitado: a minha meta é conseguir ir a pé até o supermercado em julho. Dizia isso olhando pela janela para os eucaliptos na serra. Eram dias longos, com muito calor, sol e chuva. O sítio ficava a alguns quilômetros da cidade, e a caminhada morro acima para chegar ao supermercado mais próximo exigia bastante resistência.
Não conseguiu. Em maio, quando as noites se tornaram longas e as geadas branqueavam as plantações, acabou cruzando outra linha de chegada. A maratona estava no final; sua missão fora cumprida. A ausência permanece com os netos que ela não conheceu, com as alegrias e tristezas que não pudemos compartilhar. Hoje, mais velha do que ela era na época, olho a mesma paisagem de uma janela diferente, e me pego imaginando quais seriam os assuntos de nossas conversas agora. Junto com a saudade, fica aquela perplexidade que se sente em relação às coisas que não podemos entender.
Jerson Lima de Brito é natural de Porto Velho/RO, onde reside. É membro Fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (Abrasso), integrante do Fórum do Soneto e Delegado da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Porto Velho.
DOCE CORAGEM
Relumbra nos jardins da humanidade, Trazendo primavera e formosura, A nossa personagem que emoldura Cenários com sublime autoridade.
O mundo desconhece criatura Que tenha singular capacidade De unir à intrepidez docilidade Nas lides de qualquer envergadura.
A força imperecível que apresenta Perante a caminhada turbulenta Merece arrebatada exaltação.
Um dia conceder no calendário Perturba, da justiça, o itinerário... Mulher, incontroversa perfeição!