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Paulo Tórtora
Paulo Cezar Tórtora nasceu na cidade serrana de Petrópolis (RJ). É engenheiro, professor, com premiação em vários concursos literários. É autor dos livros “Sonetos, Haicais e Outros Ais” (ed. Costelas Felinas, SP, 2017) e “Raio de Sol e Outras Centelhas Poéticas” (ed. Litteris, RJ, 2019). É membro efetivo do Círculo Literário do Clube Naval do RJ, da Casa Raul de Leoni (Petrópolis, RJ) e presidente da AML –Academia Madureirense de Letras (RJ).
TRÊS TROVAS PARA AS MÃES
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Tu és santa aqui na terra, Mãe, que padece e se doa. Quando o filho peca e erra, tu, mãe, a sorrir, perdoa.
Mãe, o verdadeiro exemplo do amor em um coração. És meu abrigo e meu templo, és a minha inspiração.
A mãe tem um coração puro na dualidade: ― sorrindo em paz na aflição, chora na felicidade.
Regina Alonso escreve desde os 13 anos. Depois de se aposentar, publicou livros de prosa, poesia e literatura infantojuvenil, recebendo prêmios em conto, crônica, poesia e haicai. Alguns textos estão em jornais, revistas literárias e antologias. Desde a pandemia faz aquarelas. Coordena grupos literários em Santos: Café com Letra, Ambep e Leitura Dirigida e Haicai no Atami, ONG Tamtam. Membro das Academias Vicentina de Letras, Artes, Ofícios e Santista de Letras Casa de Martins Fontes.
O OUTRO SOU EU
Regina Alonso
O negativo das fotografias guardado a sete chaves. Até o dia em que esqueceu a gaveta aberta. O caçula adorava descobrir tesouros. À luz do sol adivinhava pessoas, lugares, datas e tudo voltava... A festa de aniversário, a morte da avó, o balanço na árvore, o teatro e a banda na escola, os piqueniques. Não entendia porque a mãe trancava à chave, afinal eram negativos de fotos da família. Até que achou o envelope azul.
Fugiu para o quarto, trancou a porta e esparramou o conteúdo na cama. Ah, nenhum negativo, só postais e fotos! Um homem loiro, bem vestido, terno, gravata, a pontinha do lenço no bolso do paletó. Postais de Berlim, Estocolmo, Praga e a letra firme, caligrafia, que... meu Deus, lembrava a sua! Pegou um caderno e conferiu a
letra. Parecia que ele próprio fizera a dedicatória. E os cabelos loiros, em ondas largas... passou as mãos nos seus, olhando-se no espelho, imaginando-se homem feito e viu a imagem do outro.
Largou tudo sobre a colcha e correu até a mãe, sempre na máquina de costura fazendo roupas para fora, além das suas. Abraçou-a pelas costas com força, fazendo-a interromper o trabalho, atônita com o gesto inesperado do filho.
O caçula colocou tudo de volta na gaveta e passou a chave. Sorriu, quando escutou, A sopa está na mesa, Alberto! Não deixe esfriar! Desceu as escadas para jantar sem fazer qualquer comentário. Na fotografia o pai tinha rosto e nome assinado atrás, Alberto. Devagar, o filho tomou a sopa com alegria e gratidão.
Rita de Cássia Zuim Lavoyer é de Araçatuba. Professora, escritora, poetisa, gastróloga. Possui 10 livros publicados.
PLANETA MULHER
Mulher, se for natural, da sua nascente nascerão as sementes de vidas futuras. Dos seus mananciais, a vida correrá sem cessar. Estenda seus braços, oh, mulher! A sua fonte não pode secar. É o leito das criaturas, Mulher, é mineral, sacia a nossa sede de seres mortais. Se for encanada, tratada nos chega pra toda jornada. Mulher, se tem a bondade será água benta celebrando a trindade. Mulher, você é a fonte da vida! Abra seus braços, dedique-se ao mundo é a fonte da água, se faltar o planeta padecerá. Mulher, é a água do morro, é a água da jarra, é a água do lago que abastece a plantação. Mulher, lá do alto, é a cachoeira, mas também é a da cana pra fazer besteira. Está na placenta que fomenta a vida. Quando é da chuva, escorre no chão. Você move moinho, sustenta o pão que alimenta o homem pra toda missão.
Está presa, ergue-se em paredes, vira fortaleza em uma represa. Promove energias, mulher água-viva, para o mundo poder ouvi-la em canções. Chuá, mulher! Chuá na voz da oração. Mulher, é o recheio do coco, o soro do fraco ... É a água ardente, o ébrio do homem. Mulher, se você é a fonte, da água será as partículas, o oxigênio, o núcleo, o átomo. Mulher, gota de orvalho que molha a relva, que consola e acalma. Da água, mulher, você é a alma. É água da fruta, da pedra, do choro. É a água que desce e sobe o morro. Você forma um rio e corta cidades. Mulher, você cresce, fica grande, transforma-se em mar de trabalho, é o suor da humanidade. Mulher, água oceânica, é a água da boca, se joga no chão e limpa sujeiras, escorre nas faces, lava os olhos... É água de cheiro, de muitas facetas. É água de brilho que sai do seu seio e amamenta o filho, fruto do meio. Mulher, se for e não voltar, será água seca, gota faltante no centro do lar. Então, poluída, por onde passar abrirá feridas.
Mulher revolta é água tão forte, é a água da enchente, é a água da morte. Mata tanta gente... É da vergonha que escorre pelos dedos, foge pelo ladrão, estoura os caixas, uma e tantas vezes. É da urina, das fezes e de seus revezes. É água que embala e que compôs a bala - a perdida e a encontrada no peito, e acha bem feito da vermelha que escorre. Mulher, se praticar o mal cessará a vida no seu manancial. Se quiser será benfazeja estenda seus braços, abrace a paz seu fluxo se ramificará, encontrará muitas outras e, junto a outras, fará o que quiser. Por favor, fonte da água, seja do mundo a mãe, jorre amor e faça da Terra o Planeta Mulher.
Roberto Minadeo. Estudou Administração de Empresas (USP), fez Mestrado em Administração (COPPEAD/UFRJ) e é PhD em Ciências da Engª de Produção (COPPE/UFRJ). Além de artigos e capítulos de livros técnicos sobre Ciências Políticas e Estratégias Empresariais, publicou: Petróleo – AMaior Indústria do Mundo? Rio de Janeiro: Editora Thex. 2002 Gestão de Marketing – Fundamentos e Aplicações. São Paulo: Atlas, 2008. Marketing para Serviços de Saúde. São Paulo: Campus, 2010. Fez revisões e traduções de obras técnicas sobre negócios (Ed. Campus, Nova Fronteira e LTC). Lançou a antologia onírica “Sonhos Fulgurantes” (Amazon, B088P8D8RK) e os romances “Na Casa da Avó” (Amazon, B09G1168MG) e “Duas Irmãs” (Amazon, B09SK38KNX). Participa de diversas revistas digitais e coletâneas. É membro da ANE – Associação Nacional de Escritores, criada em 1963, em Brasília.
A Mãe da Ciência Unicórnio
Walter sempre fora fraco nos estudos. Professores já se conformavam em que seria um aluno medíocre, não iria à Universidade e trabalharia em tarefas mal remuneradas. A família fizera esforços hercúleos para reverter essa situação: anos com professores particulares. Enquanto seus colegas brilhavam em cursos extracurriculares de inglês e de informática, ele nunca saíra do básico nessas disciplinas.
Ao início do Ensino Médio, porém, ele se começou a se animar com Física laboratorial. Abriram-se novos horizontes à sua vida. Contava em casa suas descobertas. Os professores, temerosa e prudentemente, foram se apercebendo do interesse do aluno tão fraco em todos os anos anteriores e em todas as demais disciplinas.
Em pouco tempo, a sala dos professores ouvia as congratulações à ilustre professora, Ana Cristina, prestes a se aposentar. Ela já conhecia a fama do rapaz, mal ousava acreditar no que via. Também não queria julgar-se o motor dessa incrível transformação. Assim, a sua reação era
justamente a mais cautelosa, pois sabia da habitual indisposição dos alunos para com sua matéria: os cumprimentos.
O aluno, todavia, superou os mais céticos, pois ao final desse ano, na Feira de Ciências do colégio, apresentou um dispositivo tão bem-feito e simples, que foi o mais visitado e elogiado do evento: criou dispositivos baseados em canaletas que conduziam esferas de aço. Estas, pela gravidade, produziam incríveis efeitos-dominó. Ganhou todos os prêmios existentes e alguns outros que foram criados para a ocasião. Toda sua família foi assistir e ficou entusiasmada.
O efeito foi incrível. Ele acelerou o ritmo dos estudos. Foi bem em Matemática e em Química sem ir ao Exames Finais. Até se safou nas Humanas, que sempre o aterrorizavam. Fez uma boa Redação sobre a amizade. Todos o ajudaram, e ele foi aprovado nos Exames Finais de todas as outras matérias.
Começaram as férias. A diretora do Colégio, conhecida por ser bastante comedida em suas manifestações emocionais, quebrou todos os protocolos e, na festa de final de ano, cumprimentou efusivamente a professora Ana Cristina pelo feito histórico. Esta aceitou os elogios, agradeceu a oportunidade de ter transformado um aluno, embora continuasse sem entender que milagre ocorrera, e como.
Os pais, tios e avós do Walter foram ao Colégio, presentearam a todos do colégio, do bedel à diretora, passando por todos os professores e secretárias.
Veio o Natal. Ele nunca ganhou presentes tão caros e reluzentes. Parentes distantes, que costumavam evitá-lo por causa das vergonhas e fracassos escolares, compareceram com livros. Sua mãe lhe deu o tão esperado conjunto de experiências de química. Enquanto primos e primas foram à praia, Walter
leu, estudou e praticou. Fez o impossível: uma redação por semana, corrigida por sua maior amiga.
Ao início do Segundo Ano, suas notas não são mais apenas medianas: já estão bem acima da média. Em Física e Matemática consolidou-se na posição de melhor da turma. Humilde, começou a retribuir, ajudando colegas de sala com o que sabia.
A Professora Ana Cristina se retirara. Walter sentia a sua ausência. O novo professor de práticas do laboratório de física era recém-doutor, sendo o melhor preparado de todos os professores das escolas da região. Porém, nunca lecionara. Ninguém percebeu que a falta de experiência poderia ser um perigo no laboratório. Um belo dia, o curso entrou nos temas ligados a calor, oxigênio e combustão.
Walter chegou à casa e não teve dúvida. Foi logo se animando. Colocou uma vela na cristaleira da família, orgulho de sua mãe, que lá deixava tantos objetos queridos desde suas avós. De bibelôs a raros cristais importados, nem seu carro importado valia tanto. Vela acesa, porta fechada, o melhor aluno da turma se posta de joelhos para ver o oxigênio acabar e encerrar a festa do fogo.
E nada. Maldita combustão, que parecia infinda! Ou maldito oxigênio, existente em profusão naqueles recônditos vítreos, que teimava em não se acabar!
O moleque entrou em pânico, abriu a porta. A onda de calor frio se chocou violentamente à de calor fervendo que estava quase por consumir o oxigênio do armário, resultando na quebra das prateleiras de vidro.
Caem cristais, bibelôs, quebra-se quase tudo, em um diabólico e malévolo trabalho, como que encomendado para destruir um trabalho secular de acumulação de lembranças
familiares. De conjuntos caros de cristais a pequenos bibelôs cinquentenários, sobrou muito pouca coisa. Quase nada!
Walter, em prantos, começa a berrar: – Como eu sou burro! – Como eu sou burro! – Como eu sou burro!
A mãe ouve do distante terceiro andar da casa o que estava acontecendo. Desce correndo. O filho, com cara de culpado, preparado para apanhar, e até esperando a merecida surra, continua aos prantos, repetindo sua curta e sentida frase: – Como eu sou burro!
Ela não consegue conter as lágrimas, e quebrou com estrépito o que sobrara, incluindo a porta de vidro do armário.
Walter se assustou mais ainda, pensou que iria apanhar até morrer. Entretanto, sua mãe o abraçou fortemente e disse, aos berros: – Lugar de coleção é no museu! Isso tudo não valia nada. Já estava mesmo na hora de jogar toda essa trolha fora e colocar uma estante para uma nova TV, daquelas bem grandes!
Olhou para o Walter, séria e carinhosa, berrando: – Cala a boca, filho meu não é burro! – Sempre apostei em você! Não permito que ninguém te chame assim, muito menos você mesmo!
Walter, quase sem respirar, tão forte era o abraço que recebia, chorou mais caudalosamente, em silêncio, aprendendo de uma vez por todas que poderia faltar ou sobrar oxigênio ou cristais milenares, mas que jamais lhe faltaria o calor de sua mãe.
Anos depois, já formado em Medicina, repetia essa história aos filhos e netos.