4 minute read
AngeloAsson
Natural de São Paulo, Angelo Asson é escritor e designer. Por navegar nas duas áreas, produz seus livros de maneira independente, participando de todas as etapas, desde o projeto gráfico até a impressão e também a publicação em formato digital. Seu mais recente lançamento é o livro “Transbordamento – A palavra como companheira”, que reune seus escritos de 2020. São poesias e crônicas que refletem o período de isolamento a que fomos submetidos devido à pandemia. A produção é artesanal e tem a intenção de ser uma metáfora dos dias de confinamento. Angelo também edita a revista “13 dicas de escrita criativa”, direcionada para os novos escritores, com a finalidade de ajudá-los a estruturar uma narrativa e a criar seus personagens, além de tratar de outros temas importantes. Observador atento de pessoas, escreveu o livro de poesias “Coisas da vida… minha”, que aborda os sentimentos e as emoções humanas. Apaixonado pela Literatura de Cordel, criou os “Folhetos Paulistas”, uma série que traz cordéis, poesias, contos e crônicas, nos mesmos formatos dos livretos de origem portuguesa. Outra obra é a revista “Divagando em Vagão – Crônicas sobre Trilhos”, que mostra através das suas observações, o cotidiano do Metrô, em crônicas leves e divertidas. autorasson@gmail.com @angeloasson (instagram)
O TEMPO (RATOS DE GAIOLA)
Advertisement
Próxima estação, Vida! Da escuridão à luz; do conforto à insegurança; da paz ao medo; do aconchego à porrada! Um mundo imenso e intenso se acresce ao nosso pequenino casulo materno. Um lugar barulhento, multicolorido, cheio de gente dos mais variados estilos e comportamentos, vozes, aromas, novidades e riscos. Por outro lado, um mundo repleto de possibilidades e oportunidades.
Antes mesmo de lançarmos o nosso choro desesperado, nosso cronômetro biológico já tinha disparado a correr com precisão, num ritmo perfeito, tal qual um relógio suíço. Nosso primeiro presente: o
tempo. Tempo para crescer, para aprender, para experienciar, para evoluir, para amar... Ele irá se somar ao respirar, ao pulsar cardíaco e a tantas outras coisas que não nos damos conta mas que tornam possível o milagre da vida. E vamos nos juntar a outras vidas, milhões, bilhões delas, pulsando num tiquetaquear frenético.
Finalmente desembarcamos. E agora, qual o caminho a seguir? É preciso perguntar, sentir ou deixar que o destino nos leve? Uma coisa é certa: se você permitir que a vida te guie, ela vai te arrastar para onde ELAquiser, e pode ser um lugar onde você não se sinta confortável. Sinal que pegou o trem errado.
Tempo perdido ou parte do aprendizado?
E que mania nós temos de checar as horas. Muitas vezes o fazemos por mero hábito e, imediatamente, voltamos os olhos ao relógio pois já não lembramos que horas eram. Mera mania de olhar as horas, com pressa, com prazo, com preocupação de seres inseridos num sistema social onde tempo é dinheiro e você... ora, você, apenas mais um a olhar as horas – e a vida – passando e acumulando saudades.
Certa noite, insônia, acordei.
Meu primeiro movimento: puxar o celular para perto de mim e apertar o botão para que a luz acordasse também os números em meio à escuridão. Três e tantas da manhã, quase quatro. Aproveitei para escrever sobre o tempo, e foi justamente escrevendo este texto que notei que não havia memorizado as horas que acabara de ver.
Isso se repete quando praticamos esportes, no trabalho, na rua... Cronometragens, prazos, pressa, pressa, pressa. O velho hábito de nos preocuparmos com o tempo. Para quem ainda não se deu conta, não é o tempo que passa, somos nós que passamos por ele. Ele sempre existiu. Somos meros passageiros desse trem chamado “Eternidade”. No fundo, é ele quem nos observa. Somos nós os ponteiros apressados, correndo, correndo, repetindo sempre as mesmas voltas num ritmo eterno, infinito, feito ratos numa roda de gaiola, correndo atrás de tempo.
Ele não corre, permanece cinicamente estático, eterno observador, como que sentado num banco da estação a observar os passageiros que desaparecem na mesma velocidade em que surgem, todos a olhar as horas sem se darem conta de que não passa de um vício. E nunca é o suficiente. Dependentes, queremos sempre mais. Dez minutinhos para poder terminar aquele sonho agradável, tempo para terminar o serviço, para estudar, para se exercitar, para ficar junto à pessoa amada, para não chegar atrasado...
De repente, e contra a nossa vontade, a gente percebe que o nosso relógio parou. Na verdade, ele segue o seu caminhar infinito em outros relógios e em sua eternidade. Agora podemos nos sentar com calma, sem pressa, sem tarefas inadiáveis e divagar sobre o tempo, o tempo que passamos nessa estação chamada Vida. Até que o próximo trem nos abra suas portas como um convite para uma nova viagem. Uma nova aventura, com novas cores, pessoas, vozes, aromas, novidades e riscos. Um mundo bem diferente daquele no qual tivemos a oportunidade de desfrutar – bem ou mal – das horas que nos cabiam.