3 minute read
Alberto Arecchi
Alberto Arecchi (1947) é um arquiteto italiano, mora na cidade de Pavia. Tem uma longa experiência em projetos de cooperação para o desenvolvimento em vários países africanos como especialista em tecnologias apropriadas para o planejamento de hábitat. Presidente da Associação Cultural Liutprand, edita estudos sobre a história local e as tradições, sem descurar as relações interculturais (site: https://www.liutprand.it). Escreve contos e poemas em italiano, português, espanhol e francês. alberto.arecchi@libero.it
REGRESSO A TOMBUCTU
Advertisement
Em um pátio suburbano, uma cadeira por cima do morro. Estávamos fazendo o amor como num outro mundo. Teu peso sobre meu corpo, um anélito de paixão, deusa mandinga de um amor vivido no coração de uma noite. Você veio à minha cama, silenciosa como uma pantera, na escuridão sem lua iluminada por mil estrelas. Jovem negra flexuosa, no esplendor dos vinte anos orgulhosa da sua beleza e do seu corpo de mulher. Comprida foi a noite na brisa e no murmúrio da água
que doce fluía entre as palmeiras trazendo a vida aos jardins. Nos despertamos no calor dos raios dourados da alvorada, com o canto dos galos, unidos no nosso suor. Minha memória se confunde com a areia de mil praias, e o sabor de mil amores, de longa duração ou talvez apenas sonhados. Sangue da terra, sonhos das meninas ligam-me ao pó de terras distantes. Se jamais você quiser poderá chegar a Tombuctu, antiga cidade na costa do grande rio, com torres brancas e cúpulas douradas. Terra vermelha da África suspensa no vento, acima do mar, de matos e desertos. Terra vermelha como o sangue derramado que a areia seca absorve. Vidas perdidas, que não vão gerar outras vidas, porque foram absorvidas pelo nada de uma tragédia sem sentido. Os monstros insones da batalha nos olhavam das colinas. As crianças das bandas, armadas com metralhadoras,
tomaram de assalto as ruas da cidade. Vento de areia vermelha como sangue cega os olhos sufocando o hálito. No céu noturno não têm estrelas, um cheiro azedo reina nos lares. Três batidas na porta, alguém chamando. - Eles estão vindo! - Um grito assustador. Quebra o silêncio o rugido dos motores, gritos perturbados quebram as sombras. Homens ferozes com bandeiras negras vêm para tirar nossas vidas. Vamos voltar um dia para a cidade lendária. O ouro desvaneceu-se, mudo é o mercado, os muros brancos sentem o peso dos anos. Nas ondas do rio o reflexo das garças, silhuetas negras na última luz vermelha, imóveis, à espera da sua presa. Há um oásis no grande deserto que abriga aqueles que se rebelaram e não queriam mestre nenhum. O oásis é um grande jardim com datas, laranjas, romãs. Perfume de jasmim ao redor dos antigos túmulos. A água flui da rocha, congelada na luz ofuscante, entre os tufos das mimosas sensitivas, molhando uma mangueira.
Não vai ser fácil de andar até esse oásis, no coração do nada. Quantas caravanas foram perdidas! As areias estão cheias dos ossos daqueles que falharam. Prossiga sem hesitação, com as dunas no lado esquerdo. O curso do grande rio vai levar você para o porto entre os barcos que deslizam suavemente. As lagoas refletem o sol e o voo das garças. O corvo-marinho mostrar-lhe-á a direção. As mangas irão oferecer-lhe refrigério. A miragem no horizonte das cúpulas douradas de Tombuctu. A partir dos terraços brancos as mulheres olharão para ti, entre as pérgulas de jasmim. E depois de milhares de milhas, Depois da sede e do sol escaldante, encontrareis descanso na brisa da noite. O oásis vai-te acolher, enquanto o muezim chamar os fiéis à oração. Em Tombuctu também o rio um dia parou, cansado da sua corrida sem fim. Vento de areia, no sol nascente a partir do mato árido e seco. Seremos recebidos por amigos verdadeiros, como se tivéssemos um compromisso
por muito, muito tempo esperado. Vamos atualizar aquele ouro e fazer reviver as fontes derramando leite e mel e vamos plantar flores coloridas nos túmulos brancos. No horizonte, o sol de um novo dia perfura a escuridão que nos rodeia.