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Felix Hilton

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Wagner Gomes

Wagner Gomes

Félix Hilton. Sociólogo, Professor, Escritor e Poeta com Cadeira 103 e Patrono Cairo Trindade, na AVPLP que reúne poetas dos países de língua portuguesa, assumida em outubro de 2020, formado em Sociologia na Região do ABC em 1987 – Dedica-se à Educação desde a época, escreve sobre os temas: Romance, Comédia, Aventura, Ficção, Teatro entre outros. Participa de uma série de Antologias e de três livros por ter ficado em primeiros lugares, além de dezenas de poesias em livros e revistas. Tem ainda e-books no Clube dos autores e naAG book. sergiocarvalhobean@gmail.com

VIA DE UMA SÓ MÃO

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Dionísio mantinha seu mau humor mesmo chegando o Natal, depois de ter discutido com a família sobre a escolha do passeio de final de ano. Tanto lugar para ir, tanta praia bonita e vocês vão à Itanhaém, ruim até para falar...esbravejava. Aura: Mas, as crianças querem conhecer a praia histórica onde tem uma ponte em homenagem ao Padre Manoel da Nóbrega, se aquieta homem, dizem que é muito bonito. -Tô mais para Bertioga, Santos, se é para um padre, melhor que seja logo para um santo. Vocês são tudo futriqueiros, depois dizem que eu quem sô mal humorado. Aura: Já alugamos uma belíssima casa com piscina, e lá tem aquela nossa amiga Girene, boa de festa e boa de samba, tá animada a menina, tem que ver.

Dió: Pelo menos isso, aquela sabe festejar, mas só vou para não ter que me aturar sozinho, quero partilhar meu humor com vocês. 108

Pois se prepare, pega o mínimo de roupas lá o calor tá de arrasar, quero deixar minha silhueta nas areias da praia, eternizar igual esse tal de padre. Dois dias depois, cinco da manhã os dois carros lotados, bicicletas no suporte com toda segurança, lanche, e muita paciência, pois mesmo de manhã iriam pegar um pouco de trânsito. Jennifer: Mãe, tô com um baita de um sono, vou deitar no ombro do tio e quero acordar com o cheiro do mar e o barulho das ondas. Maicon: Eu também, nem para ir à escola acordo tão cedo, mas para passear nem vou reclamar, toca o barco quero ver lindas gatas desfilando sob o sol. Dió: Ocê num tem nem quatorze anos rapaz, se aquieta, por enquanto só olhar, daqui a pouco pai solta o cabrito, mais alguns natais. Lídia: Eu já tenho dezessete. Dió: Rapaz já está pronto aos dezessete, por aí, mas filha minha cozinho o galo até que dá, vai na paciência que tá longe ainda. Lídia: Credo, pai, deixa que a natureza cuida, sabe que tenho boa educação, mas vai que acho um príncipe montado em um cavalo. Dió: Derrubo um e outro, dô um pau nos dois. Risadas para um pai sem jeito; e a estrada à frente aponta para os lugares mais lindos do mundo: “Praias”.

Aos poucos o silêncio e depois rostos em ombros e leves suspiros de um sono ainda necessário, Marcos o motorista está atento e Dió ficou em silêncio, Aura só ria por dentro das conversas, mas agora olhava a paisagem e de vez em quando comentava. Som ambiente de músicas pops, e atrás deles os outros dois carros, viagem tranquila. Primeiro pedágio, a ansiedade de logo ver o mar toma conta do motorista principalmente, segundo assalto e em seguida a grande descida, os ouvidos dos que estão acordados tampam, brincam com a surdez acordando por instantes alguns dos que dormem, mas os chicletes logo resolvem o problema. A beleza dos túneis dá agilidade à língua de Dió, que elogia a obra como se falasse de seu time do coração, dá lhe Corinthians gritava ele, como se fosse obra dele. Proibiram Dió de vir com roupa do time, vai que a praia tá cheia de flamenguista, não queriam ter momentos de tristeza, só festa. Perto das sete horas, e o mar estava à frente da “caravana”, iriam direto para a casa esvaziar os carros, tomar um breve lanche e, depois da praia, estariam a apenas cem metros das águas, uma ótima localização. Encontram a casa limpinha como rezava o contrato, os três banheiros funcionavam perfeitamente, a piscina estava com as águas tratadas, tudo para

alguns dias de alegria do natal. Dió: Essas coisas de natal só me atraem pela comida, de resto quero que se lixe, mas como somos uma família vou fazer de conta que é um festão importante, mas quero saber é do churrasquinho e da cerveja. Jennifer: Só você mesmo pai, mas é isso aí respeita e se diverte. Café tomado, roupas leves e bronzeador, cesta térmica com bebidas em geral e muita vontade de sentir o cheiro do mar todos logo avistam as pedras que compõem a praia de Cibratel. Dió: Nome estranho para uma praia, mas que é linda é. Para aquecer vão logo para a tal ponte. Lá chegando veem que realmente é um lugar muito lindo, ao longe as penínsulas diminutas avançam para o mar, nas pedras sempre muitos turistas, em algumas delas chegam andando, outras a nado. Praia lotada já às oito da manhã. Fotos de toda a família com as paisagens de fundo, todas muito lindas, olhavam em celulares diferentes e partilhavam as mais bonitas, algumas, com caras e bocas, descartavam logo sob protesto de quem as fazia. Na ponte frases que contavam um pouco sobre a colonização, até Dió tirava fotos, quando chegou naquela que anunciava a morte do colonizador padre

pediu para que tirassem a foto e se posicionou dizendo: “Ainda bem que morreu o cabra” Carla que tirou a foto nem olhou, o brilho do sol não permitia ver detalhes, entregou o celular a Dió e correu pela ponte. Todos olhavam o rebater das águas sobre as pedras que chegavam bem perto da ponte, o mar estava agitado. De repente sem avisar uma onda joga águas sobre eles, e depois de muitas risadas voltam a caminhar até o final onde sobre a maior das pedras há muitas pessoas tirando fotos. Curiosidade matada Dió grita: Praia, aguarde estou chegando. Em fileira indiana todos vão devagar e ainda fazem fotos até que chegam à praia tão esperada, ao lado sabiam que existia a praia dos Sonhos, próxima parada. Águas quentes como o esperado, revezavam um casal de cada vez ficar cuidando dos pertences, e os outros tantos tinham seus momentos de frescor e agitação. Bolas, salva vidas, tudo era motivo de brincadeiras. Quase treze horas e nada de se apartarem das águas e jogos, mas Dió que cuidava dos pertencesachava que não ia sobrar para ele- resolve ver as fotos aproveitando a sombra do guarda sol. Em algumas fotos apareciam os enfeites de natal, que aliás estava muito bonito, apesar de achar

besteira, para ele era coisa de comércio para vender admirava os trabalhos que faziam. Ao ver a foto tirada sobre a ponte observa algo estranho, amplia a foto e na data de morte do tal padre uma data recente, na verdade dois dias depois e rabiscado sob a data escrito Dió, Branco, pálido, Aura percebe e o acode, chama pelo Marcos que vem rapidamente. Dió: É só o sol, já tô ficando melhor. Depois de um copo de água fresca, ele vai retomando as forças, não fala nada para ninguém do que viu, só podia ser preocupação demais. Sem dar atenção, mas com a fome batendo, chamou quem já quisesse ir para casa a fim de preparar as carnes e acender o fogo da paixão, era como ele chamava, pois amava churrasco. Chegando à casa, tranca-se no banheiro e revê a foto, estava lá dia 26 de dezembro de 2021 e o apelido dele, nem o nome era. Como podia? Ia mesmo morrer dois dias depois, que loucura era aquela. Seja o que for, não falou nada para ninguém, tinha medo da morte, mas se estava marcada médico nenhum resolveria, nisso ele acreditava. Aos poucos foram se achegando, o cheiro do churrasco já dando apetite a todos, as peles avermelhadas, mas nem tanto devido ao protetor, as marcas de biquínis e a alegria nos olhos de cada um. Dió, mesmo sem perceber, faz um brinde ao

Natal que estava chegando, bebe pouca cerveja, mas come como se fosse a sua última refeição. Os familiares estranharam, mas o natal tem dessas coisas, as horas são de muita alegria, Dió pede para cantarem músicas de natal, promete um presente para os filhos e dois sobrinhos do coração, torcedores como ele do timão. Com o passar das horas, percebem que ele mudara muito, chegaram a questionar se ele estava bem.

Dió: Nunca me senti tão bem, aqui é mesmo a entrada do paraíso. Após o churrasco, alguns cochilos e palavras doces demais por parte dele, o entardecer foi bem diferente do que esperavam, geralmente Dió iria esbravejar falando mal do lugar e irritar a alguns deles com suas ideias sobre políticas ou futebol. Um sobre o outro deitados na sala que era bastante grande cantavam hinos de natal, mas sob a exigência de no final capricharem no de seu timão. Nem queriam mais voltar à praia, o ponto turístico do momento estava ali, sorridente a cantar músicas que jamais pensaram em ouvir de seus lábios. A noite foram ao Shopping de Praia Grande, olhavam os enfeites, luzes que davam à cidade uma alegria que se espelhava em todos. Cada um com seu presente em mãos, outra estranheza, pois ele não mediu gastos, estava muito mão aberta.

O dia seguinte seria a ceia de natal, alguns cuidariam das compras, outros dos enfeites e a criançada, da diversão. Aura estava estranhando, mas amava o novo homem que nascera tão repentinamente, queria insistir em saber o que estava ocorrendo, mas o silêncio e a apreciação dos momentos eram mais eficazes, fosse o que fosse logo ela saberia. Festança de primeira, muita música e alegria, danças e pouca bebida, tudo muito novo. Passado o Natal Dió sabia que estava chegando sua hora, falava com cada um palavras que jamais pensavam em ouvir. Amanheceu o dia 26 com o corpo de Dió quieto sendo observado sob lágrimas por todos. O que era uma grande festa tornara-se em tristeza, diziam: -Ele mudou demais de repente, o que será que aconteceu? Maicon entra na sala de choro e tristeza e mostra o celular do pai com a data e o nome dele. A tristeza é amenizada pela alegria de saber que ele foi tão forte ao enfrentar a morte anunciada, mas não partilhada para que não sentissem piedade. Ninguém entendeu o que aconteceu, como foi que aquela data e nome apareceram ali, mas deram a chance de Dió partir com o coração leve e isto os alegrava, mesmo em meio à tristeza de sua partida.

O natal muda as pessoas, às vezes de forma mais drástica como aconteceu conosco, devemos buscar estas mudanças sempre. Todos se abraçaram e prepararam o funeral com o coração mais leve e uma lição dada por Dió: “Devemos lutar pelo que pensamos, mas deixar-se invadir pelo que aqueles a quem amamos pensam também”.

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