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J.R.P. Lima

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Wagner Gomes

Wagner Gomes

JRPLima. Professor de História que ama seus animais de estimação e, nas horas vagas, aventura-se pelo multiverso. Apaixonado pela Terra Média, adotei Tolkien como meu mestre, um exemplo a ser seguido. Ao meu ver, os livros são como pequenos portais para universos imensos, basta abri-los para viajar. Sou nordestino, de Natal/RN. Você pode entrar em contato através do Instagram @limaricardo91 ou e-mail profricardolima91@gmail.com

A TORMORINA

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O vento soprou por entre as folhas carmim, que bailaram, espalhando o aroma adocicado pelo ar. Aquela foi a primeira semana da primavera, a mais florida das estações. Ao longe, os pássaros gorjeiam e os pequenos animais terrestres apresentavam à floresta as suas novas ninhadas.

Entre os galhos mais altos das árvores mais antigas se encontram as pequenas casas dos Tormorinos. Fixadas, ou simplesmente esculpidas há muito tempo, eram as marcas da existência daquele diminuto povo. Agitação, música, comidas e flores... muitas flores vermelhas, as pétalas de Tormorah que ornamentavam a comunidade naquela manhã. Pois era primavera e aniversário da pequena Vila.

Os Tormorinos animados e sempre prontos para festa, espalharam-se pelos galhos, pontes e terraços nas copas das árvores. Os seus cabelos vermelhos alaranjados se confundiam por entre a folhagem no alto da floresta. Os pequeninos seres bebiam, cantavam, dançavam e festejavam a vida. Aqui e ali os Tormorinos enroscavam suas caudas felpudas em

namoricos momentâneos, era tudo alegria e comemoração.

Maya era uma criança Tormorina que se destacava devido seus cabelos escuros. Em meio a multidão, com um sorriso de orelha a orelha, ela corria com um desejo no coração, queria aproveitar a primavera. Essa era a época do ano perfeita para aqueles que queriam avistar o Povo Grande. O que se sabe era que eles vinham até os Jardins em busca das deliciosas Frutas Vermelhas de Tormorah. E Maya não desperdiçaria a oportunidade, contrariando os pedidos de sua mãe. — Maya, não vá longe menina. Estamos na época dos frutos e o Povo Grande pode estar por aí –advertiu a mãe, enquanto a criança corria. — Pode deixar mamá – Respondeu a pequena peralta, afastando-se. — Você não toma jeito menina – Constatou a mãe, preocupada.

Mas assim era pequena, a mais aventureira entre os aventureiros. E logo se viu uma Tormorina de cabelos escuros deixando a Vila, com o único pensamento na cabeça ela, precisava ver o tal Povo Grande. Sabia que precisava descobrir se eles eram tão perigosos como lhes contavam as histórias narradas pelo seu avô. Ela não descansaria até resolver este mistério.

Bennériam, a estrela do manhã, inclinou-se em direção ao oeste, demarcando o avançar das horas. Acima do chão, nas copas das árvores, a pequenina observava curiosa a respeito dos forasteiros que estavam nos Jardins de Tormorah, a floresta vermelha. Havia algo inteiramente novo para os seus olhinhos, Maya estava admirada. O quão grande esse povo poderia ser e como eram assustadores. O que será que eles queriam com os frutos vermelhos... de toda forma, as indagações perambulavam em sua cabeça infantil e ela se perdeu em sua mente. Foi assim que sem perceber ela se desequilibrou, caindo do galho onde estava escondida.

Desespero, foi o que ela sentiu naquele momento. Não sentiu dor, pois o acidente não lhe causou dano algum. Acostumada a cair, Maya sabia bem como evitar os machucados. E foi uma questão de sorte existir uma carroça, logo abaixo, com alguns trapos e lona que acabaram por amortecer a queda. No entanto, a pequenina acabara de notar que se metera em uma encrenca sem tamanho, pois estava na carroça do Povo Grande. O tombo fez barulho, e mesmo que a Tormorina tentasse escapar não conseguia ser rápida o suficiente. — O que é aquilo? – apontou um homem calvo. — Parece um esquilo sem pelos. – Respondeu o outro homem.

— O quê? Eu não sou um esquilo. Onde já se viu... onde já se viu isso, confundir um Tormorino com um esquilo – Maya protestou. – Tudo bem, os esquilos são bonitinhos, mas... eu não sou um esquilo. - Garantiu ela. — Logo se ver que não é, - concordou o homem calvo, – você fala e usa essas roupinhas bonitinhas, você não é o Esquilo mesmo. — Sabe Humberto... eu acho que nós podemos levar essa coisinha com a gente. – Sugeriu o outro homem – Podemos até conseguir algumas moedas de ouro por ela. — Olhe, eu não sei que negócio é esse de "moedas de ouro" eu só sei que não vou com vocês. Minha mãe deve estar me esperando para jantar, eu tenho que ir. – Avisou a menina tentando escapar. — Vem aqui, seu duendezinho de nada, você agora é nosso e vai conosco. – O homem calvo correu e agarrou a pequenina. — Para com isso, me solta... me solta... Socorro. – Gritava Maya, enquanto tentava escapar.

Os dois homens gargalharam, enquanto o sujeito calvo segurava em suas mãos a pequena Tormorina. Sem demora, o outro homem trouxe uma gaiola pequena e enferrujada, e então eles colocaram Maya dentro da estrutura. A menina tremia de medo, enquanto observava o homem calvo colocar um cadeado na portinhola de sua jaula. Aquilo só podia

ser um pesadelo. Não, isso não estava acontecendo de verdade, a criança não acreditava no que acabara de se meter. Seria Maya transformada em comida do Povo Grande? Será que as histórias de seu avô eram verdadeiras? Ela não sabia, só sabia que sua mãe tinha razão. Maya não deveria ter se arriscado tanto. — Agora, escute aqui... coisinha. Faça silêncio, não queremos atrair ladrões não é mesmo? – Disse o homem calvo, enquanto posicionava a gaiolinha em cima da carroça. — Aí não… não… por favor, me deixe sair daqui. Por favor, eu não fiz nada. Eu preciso voltar para casa, por favor. – A pequenina clamou em desespero, e pensou em sua mãe que essa hora deveria estar desesperada.

De sua gaiola Maya observava. Enquanto o Povo Grande guardava alguns caixotes na carroça, ela não tinha coragem de os encarar, pois temia ser servida como patê em pãezinhos salgados, tal como contavam as histórias de seu avô. A pequenina então chorou, mas entendia que nem todo o seu pranto surtiria efeito. E então à noite se estendeu sobre as terras ermas. Elunys, a lua da estação, surgiu iluminando os céus em tons cálidos que contrastavam com a luz de Saphira, a lua do inverno, em seus últimos dias no céu. Os sons naturais do vento e das aves de rapina formavam uma canção noturna. E apenas os astros testemunharam enquanto a carroça deixava os Jardins Vermelhos, rumo ao

ocidente.

Algum tempo passou e por muitas vezes Maya viu Bennériam dar lugar a Elunys no salão do firmamento. Mesmo muito cansada, a menina não conseguia dormir, parecia impossível repousar durante aquela viagem. As refeições eram raras, a fome era sua companheira. No entanto, os dias se seguiram e logo Maya viu a paisagem mudar, ela logo se viu em meio à enormes casas e muitas delas maiores que as árvores do Jardim Vermelho de Tormorah, sua floresta, seu lar.

Estava em meio a Cidade dos Homens, no ocidente. Era tudo feito em pedras brancas, as paredes, os telhados e até o calçamento. A pequenina estranhou o fato de o solo ser branco e não conseguiu notar qualquer acúmulo de areia. As árvores eram raras por ali, ela também estranhou o cheiro do local parecia que o Povo Grande apreciava odores ruins, nada era como na floresta.

Então ela viu o Povo Grande se aproximar. Eles pareciam observar algo extremamente exótico e belo. Maya era uma novidade na região, os Tormorinos não se aventuravam fora do Jardins de Tormorah, muito menos nas cidades dos humanos. Portanto, a floresta vermelha ocultava a sua existência. A surpresa era visível nas faces contemplativas e admiradas da população da cidade do ocidente.

— É um duende, como nas histórias? –Perguntou uma jovem que por perto passou. — Nossa, como ela é pequenininha mamãe. –Disse uma criança surpresa, enquanto puxava a mãe para mais perto. — Vindo das terras ermas, um ser dos Jardins vermelhos, um Pequenino, um duende – Gritava o homem calvo, em meio a uma multidão, em meio a feira da cidade.

Não demorou muito até as pessoas ofertarem coisas em troca da "duendezinha", mas o homem calvo foi categórico, não iria se desfazer dela por pouca coisa. Aquela criaturinha deveria valer muitas moedas de ouro, pensava ele. E foi assim que se viu os homens rechonchudos, e bem vestidos, se aproximarem e disputarem o ser exótico da Floresta de Tormorah. A criança, aos olhos do Povo Grande do ocidente, não passava de um animal, a ser vendido e comprado, enjaulado, engaiolado para ser exposto, como um pássaro raro.

A multidão que se formou em volta da carroça disputava, aos berros, a posse da Tormorina. Por fim, um deles saiu vitorioso. Apenas um deles levou o prêmio para casa. Um dos tais rechonchudos bem vestidos saiu carregando o cativeiro da pequenina, e deixando as mãos do homem calvo cheias de moedas de ouro. Maya observou tudo de maneira preocupada, seu destino agora era incerto e sua saudades não

cabia mais no peito. A criança chorou, sua tristeza inundava seu olhar e corria sobre sua face, até que ela dormiu.

— É meu? – perguntou uma voz infantil surpresa. — Sim, minha querida. É seu, – afirmou uma voz adulta calma – um presentinho para lhe fazer companhia nas horas tediosas.

Maya despertou em meio a esse curso diálogo, percebendo que havia caído no sono devido ao extremo cansaço. Para sua infelicidade, ainda estava presa, mas agora em um local confortável, não mais em uma gaiola suja e enferrujada. Então, curiosa como era, decidiu sair do ambiente onde estava. Caminhou para fora da casinha, sim estava em uma bela casinha de madeira, para contemplar o recinto, e percebeu que seu novo cativeiro era dourado.

Maya passou a perambular pela grande gaiola dourada. A menina encontrou um ambiente limpo, espaçoso e cheio de coisinhas decorativas. Ela percebeu que se tratava de réplicas, cópias de animais, carroças e árvores, tudo feito em madeira, e pintado para parecer real. A criança se alegrou, a visão era animadora mesmo sabendo que tudo ali era falso exceto ela. Ainda assim, Maya teve um pequeno momento de alegria até lembrar que estava presa.

A saudade de casa voltou a martelar seu peito. A

Tormorina sempre teve um espírito aventureiro, sempre quis saber mais, conhecer mais, viver mais. Porém sabia que nada conheceria se estivesse trancada. Nada viveria se estivesse presa, ainda que sua prisão fosse dourada. Agora tudo que ela mais queria era ir embora, ela até aceitaria viver para sempre na sua vila, apenas lá. O que não suportaria era findar seus dias como uma prisioneira.

Maya sabia que daria tudo para sentir o abraço apertado de sua mãe novamente. Como gostaria de ouvir as histórias do seu avô de novo, como sentia falta dos beijos de boa noite de seu pai, e dos barulhos dos seus irmãos brincando, e de toda agitação da Vila dos Tormorinos. Como seu lar fazia falta, a pequenina se viu perdida nas lembranças e não percebeu que estava sendo observada.

Dois olhos castanhos e extremamente alegres pairavam no ar. A pequena prisioneira levantou-se lentamente, nenhum movimento brusco foi feito. Até que disparou e buscou o refúgio da casinha de madeira. Estava com medo é claro, quanto tempo mais ficaria nessa situação, Será que algum dia sairia dali ou acabaria virando comida do Povo Grande, será que um dia voltaria para casa, será que um dia encontraria a sua mãe novamente, muitas perguntas surgiram em sua mente, muitas indagações a atormentavam e Maya não possuía nenhuma dessas respostas.

Do outro lado das hastes douradas, uma menina observou. E toda sua felicidade não cabia mais dentro de si, havia um sorriso enorme em seu rosto. Ela sabia que naquele momento precisava falar, a pequenina precisava conhecê-la, então um pensamento lhe veio em mente, seria de bom tom e educado da parte dela se apresentar primeiro. A menininha do Povo Grande respirou fundo e então falou. — Olá pequenina, você está bem? – A criança iniciou a conversa com um belo sorriso na voz – é eu sou a Lívia, mas pode me chamar de Lív, todos aqui chamam – a garotinha continuou, enquanto observava por entre as hastes douradas. Mas só teve silêncio com respostas. Foi então que tomou uma outra iniciativa e depositou, dentro da gaiola, algumas frutinhas vermelhas. – Tome acho que você deve estar com fome, não é mesmo? Então, precisa se alimentar, mamãe sempre fala que saco vazio não para em pé. — Mamá diz que se você não come acaba ficando tão miúda quando uma pulga – informou a pequenina, saindo lentamente de dentro da casinha da qual estava escondida. — É mesmo? Mamãe fala que se você não tomar banho direito os ratos irão te arrastar para fora da cama e te levar para dentro do buraco –acrescentar Lívia.

— Nossa, a mamá disse que se você não tomar banho direito vai nascer brotos nos seus pés –lembrou-se Maya com um leve sorrisinho no rosto.

E foi dessa forma que aos poucos as duas crianças se aproximaram. De maneira natural ingênua, lembrando-se de suas mães, seus exemplos, suas vidas, Maya a Tormorina aos poucos entendeu que a menina que ali estava não era uma ameaça, mas sim alguém que podia confiar. Lívia, a criança humana, encontrou na Tormorina uma amiga e companheira, com quem dividir seus momentos. E assim seguiram-se os próximos dias.

Não podemos dizer que foi uma amizade comum, daquelas feita em torno de simples brincadeiras infantis, aqui nasceu entre Lívia e Maya. Entre as duas cresceu uma forte ligação. Algo intenso cresceu entre a humana e a Tormorina. Estavam cada vez mais próximas, e conforme a primavera avançava sua conexão se fortalecia. Brincadeiras incontáveis preenchiam as tardes frescas, tendo como seus principais cenários o quarto da criança e os jardins. Mas não era uma surpresa encontrá-las perambulando pelos corredores e passagens ocultas do grande castelo da família de Lívia, elas estavam sempre ali à espreita.

As noites eram tão animadas quantos dias. E se pela manhã ela se perdia em brincadeiras, durante a noite se perdiam em diversas histórias contadas em baixo dos lençóis. Por várias vezes Lívia falou das aventuras fantásticas dos humanos, enquanto Maya apresentava suas versões sobre tudo que conhecia a respeito daquele Povo Grande. Tais informações arrancavam gargalhadas da doce Lívia.

E durante todas as noites, a Tormorina falou sobre as belezas da floresta vermelha, o Jardim de Tormorah, seu lá. Também falava da saudade que sentia de casa, falava de seus sonhos e em como gostaria de viajar e conhecer o mundo. Foi aí que Livia percebeu que, apesar da imensa amizade e dos momentos que passavam juntas, das alegrias vividas ali, a Tormorina não estava feliz. Seja pela saudade da mãe, da família. Seja pela não realização de um sonho, a Tormorina não poderia permanecer ali, presa. Lívia estava decidida. Ela só não sabia bem como, nem quando, mas tinha certeza. Ela precisava ajudar a pequenina voltar para casa, para o seu lar.

O plano era simples, aos olhos da criança. Maya não poderia escapar por terra, então escapasse pelo ar, e Lívia já sabia como, ela deveria mandar a Tormorina para as nuvens para o céu. Para realizar tal feito, Lívia

pediu a seu pai que lhe trouxesse um balão de estrelas. A garotinha insistiu que Maya precisava conhecer os balões com antecedência, para não se assustar durante o espetáculo que aconteceria em algumas semanas.

A Noite da Estrela era um evento que marcava o início do Ano Novo. E cada cidade e reino possuía o seu jeito de comemorar seu, seu ritual característico. Em Drastella, os cidadãos caminhavam até a praia a fim de assistir o espetáculo das luzes. Os veleiros, ancorados no Mar do Fogo Ocidental, liberam centenas de pequenos balões que se elevam ao céu, alimentados por uma chama própria. Seus materiais de cores diferentes davam origem a vários pontos de luz nos céus noturnos. E assim, eles subiam até se perderem no firmamento.

Então Lord Linsbell decidiu trazer o balão aquela tarde. Seja pela insistência, pelo Jeitinho carinhoso da menina ou por confiar nela, o fato era que os pequeninos da floresta não entendiam ou conheciam os costumes dos humanos. Por isso, o homem voltara para casa, trazendo consigo um belo balão de estrelas. Sorriu ao ver os olhos da garotinha brilhar, mal sabia ele que por trás daquele pedido existiam intenções ocultas.

Aquela tarde fora como uma velha tartaruga, caminhando lentamente. Mas o crepúsculo chegou e Lívia decidiu relatar a Maya todos os seus planos. A

criança Tormorina preocupou-se, o medo e receio queriam invadir seu coração. Porém a amizade requer confiança e Maya confiava em Lívia. Contudo, um aperto no coração fora o que a Tormorina sentiu ao perceber que deveria deixar a amiga, talvez jamais voltaria a vê-la. Maya não conteve as lágrimas, e observou enquanto os olhos da menina humana davam vazão aos seus sentimentos, era uma despedida.

Então à noite se foi em um novo alvorecer surgira. Assim que os primeiros raios da manhã iluminaram o céu, as meninas se viram no pátio do castelo. Lá estavam elas, duas meninas, duas amigas, uma humana e uma Tormorina e traziam consigo o balão de estrelas e um certinho atrelado a ele. Havia, também, uma bolsinha minúscula repleta de mantimentos e um frio enorme em suas barrigas era chegada a hora, aquele era o momento. — Aqui, pegue isso — falou Lívia entregando o pequeno embrulho a Maya. — Obrigado, Liv. — Havia tristeza na voz e no olhar da Tormorina. — Agora vamos, antes que apareça alguém — Ordenou Lívia, com uma angústia que não cabia no peito.

— Você tem certeza disso? — Sim Maya, pois não é justo que você viva presa aqui, — disse a garotinha enquanto deixava as lágrimas rolarem — eu amo você, mas morreria se nunca mais pudesse ver a minha mamãe. — Você tem razão, sinto falta da Mama — ponderou a Tormorina. — Eu sentirei sua falta, minha amiga — Lívia abraçou a pequenina. — Nunca vou te esquecer. —Afirmou Maya. — Agora vá, antes que me arrependa e nunca mais te deixe partir — Lívia sorriu em meio ao pranto. — Mas… é que eu tenho medo, nunca voei antes. – Informou Maya. — Não tenha, essa é a sua única chance. Agarre ela e não deixe escapar. Você pode ser pequenininha, mas é grande por dentro — sorriu Lívia, enquanto encorajava a amiga. — Muito obrigado. — Promete que iremos nos corresponder — pediu a garotinha humana. —Não existem mensageiros nos Jardins Vermelhos, não um corajoso o suficiente para vir a essas bandas. — Afirmou Maya.

Então elas sorriram, sabendo que era a última vez que contemplariam a face uma da outra. Mas a amizade e a gratidão existiriam para sempre em ambos os corações. Lívia jamais se esqueceria da companhia

e a irmandade que encontrou na Tormorina. Maya por sua vez teria mais para lembrar, além da amizade, a pequenina se lembraria para sempre da ajuda oferecida pela criança humana. Foi através dela que a Tormorina conseguiu a liberdade.

Maya havia passado os últimos meses na cidade de Drastella, a maior cidade ocidental. Seus dias e suas noites, bem como seu coração, foram divididos com uma garotinha humana, Lívia com seus cabelos cacheados e alegria que existiriam para sempre em seus pensamentos. Agora eram como irmãs, e jamais a deixaria de verdade. Assim pensou a Tormorina, enquanto o balão de estrelas a elevou aos céus.

Aos céus, quantos Tormorinos já chegaram aos céus, refletia Maya enquanto o balão subia cada vez mais alto. O vento dos Navegantes, vindo do litoral, era responsável por trazer os marinheiros de volta para casa e, com sorte, levaria Maya de volta para a dela. Voltar para o lar era tudo o que se passava na mente de Maya, nas últimas horas. Apesar da saudade que ela iria sentir por Lívia, ver seus irmãos, pais e avós era algo inteiramente irresistível.

De dentro do pequeno cesto, a Tormorina viu o castelo, onde viveu os últimos meses, apequenar-se. Ela viu a Cidade Branca revelar cada recanto aos seus olhos curiosos. Maya contemplou a Torre Branca Iluminare figurando como uma estrela em terra, como um grande Farol Drastelliano. Então as horas passaram

e Bennériam, a estrela da manhã, se colocou alto no céu. Maya sentiu fome e comeu um pouco do que havia no embrulho passado por Lívia. O tempo continuou a passar e a Tormorina vagou pelos ares, levada pelo vento como um barquinho de papel que se perde nas ondas do mar. O céu se tingiu em tons de laranja e púrpura, e as nuvens formavam texturas diversas.

Era uma visão magnífica, tudo aquilo que Maya sempre quis estava ao seu redor. Aventura, conhecimento de mundo e uma vida cheia de descobertas. Foi então que o espírito aventureiro renascera em seu âmago. Ai percebeu que estava livre, percebera que poderia ir até em casa, percebeu que poderia voltar até a amiga, perceber ainda mais, ela poderia ver o mundo com os próprios olhos, tocálo com as próprias mãos e percorrê-lo com os próprios pés. Assim o faria, pois era uma Tormorina Livre.

O que aconteceu de fato com Maya, após ter superado os limites de Drastella, é um mistério. Acredita-se que ela voltou ao Jardim Vermelho de Tormorah, sim ela voltou. No entanto, não se sabe como foi percorrido esse caminho e muito menos quantas vezes ela o fez. Desde aqueles dias não era

raro encontrar um bardo, um trovador que soubesse decor e salteado alguma canção acerca de um duendezinho aventureiro, uma Tormorina que se foi pelo mundo. Portanto, podemos dizer que Maya viveu suas aventuras, mas também encontrou o caminho de casa, de novo e de novo. Pois o verdadeiro aventureiro sabe desbravar o mundo, sem esquecer suas raízes, sem perder o caminho de volta para casa.

FIM

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