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Kelle Marinho
Kelle Marinho- 49 anos- Uberlândia-MG. Formada em Economia na Universidade Federal de Uberlândia. Escrevo desde a adolescência, mas só vim publicar no site Recanto das Letras em 2020. Fui bem recebida pelos recantistas. Escrever é fundamental para minha saúde mental, principalmente por conta da pandemia. Espero que meus textos façam bem a quem os lê. E-mail: kmarinhofaria@hotmail.com
COSTUMES
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Sabrina repousa os óculos sobre a mesa, os olhos estão cansados. Passara muito tempo trabalhando no escritório. Nos últimos dias chegava às nove da manhã e só ia para seu apartamento às oito da noite.
Enquanto arrumava sua mesa de trabalho, lembrou-se que era sexta-feira e que o fim de semana prometia na companhia do namorado. Havia três fins de semana que não se viam devido a compromissos de trabalho. Ambos eram workaholic, mas ele a superava. Os sábados e domingos sem se verem eram por conta do trabalho dele. Mas finalmente se acertaram de passarem um fim de semana juntos na praia.
Foi para o apartamento pensando nos momentos agradáveis que estavam por vir. Fez mentalmente suas malas. Não poderia se esquecer do biquíni novo. E nem do chapéu que ganhara da mãe de William, seu namorado.
Assim, chegou no apartamento quase nove horas da noite. Pediu comida a delivery e foi para o banho. Continuou debaixo do chuveiro fazendo planos para o dia seguinte. Vestida em um roupão, deitou-se no sofá a espera que o porteiro interfonasse para que recebes -
se o seu jantar.
Mas foi ouvido o toque de seu celular. Era William. Atendeu com voz tranquila e romântica. Seus lábios estavam arqueados para cima num belo sorriso, enquanto ouvia William atentamente, e em um átimo de segundos seus lábios se declinaram assim como sua testa franziu. Mudando o tom de voz, ela esboçou uma recusa à fala dele. Como assim, ele teria que trabalhar nas próximas quarenta e oito horas. Já ficaram afastados três semanas, num total de 144 horas. Deu um ultimato, ou ficariam juntos o fim de semana ou estava tudo terminado.
O rapaz tanto se empenhou no discurso que acabou convencendo-a de que seria o último fim de semana que trabalharia.
Finalmente, por amor, aceita. Disse a ele que a saudade apertara nesses últimos dias.
Na manhã de sábado, Sabrina se levanta triste, sem saber o que fazer. Toma apenas café, e depois no silêncio de seu apartamento pensa em voltar para cama e dormir até mais tarde.
Mas um pensamento a toma de repente. Lembrase de uns tios no interior do estado que não vê há anos. E da prima Maria Flor com quem passara bons momentos na infância.
Toma o celular e busca notícias pelos parentes. E fica sabendo que o primo Neco, que mora próximo ao seu apartamento, vai para os lados do sítio dos tios.
Sem parar para pensar, liga para o primo e pede carona.
Duas horas mais tarde está no banco carona viajando para o interior. Ah, como pôde viver longe daquelas paisagens. Maria Flor deveria estar uma linda moça.
Assim que passaram pela porteira avistaram ao longe os tios e a prima na lida da roça. Neco chegou buzinando do alto da colina. Lá embaixo o tio ensombrou o rosto com as mãos para ver quem se aproximava.
Reconhecendo o carro do sobrinho, correm em direção à casa. Sabrina ao sair do carro não é reconhecida. A moça havia crescido bastante, tanto que o tio precisou erguer a cabeça para falar com ela. - Não me reconhece, tio? Sou eu, Sabrina. - Sabrina, mas como você cresceu!
Maria Flor vem contente abraçá-la. A tia fez sinal para que entrassem.
Tia Elvira foi atiçando a lenha para requentar o almoço. E Sabrina se fartou da comida da roça. O frango com quiabo e polenta era a comida dos deuses. E Neco despediu-se indo para a casa dos pais logo ali nas vizinhanças.
A família tirou o resto do dia livre para conversarem. Depois veio o lanche. A broa de fubá, o pão de queijo mineiro e o café coado no coador de pano.
À noite, o cri-cri dos grilos fizeram que Sabrina tivesse um sono mais cedo do que de costume. A cama foi oferecida com alvos lençóis sobre o colchão de palha. Dormiu muito bem. De madrugada acordou com ruídos que pareciam vir da cozinha. Levantou-se e foi ver. Eram os tios e a prima. Espantaram ao vê-la de pé. - Sabrina, você deveria estar na cama! - Eu ouvi uns ruídos e vim ver o que era. Parece que estão de saída. - Bem nos desculpe, deixamos um bilhete para você em cima da mesa. Temos que ir para a roça. Precisamos capinar o mato ou ele toma conta da plantação! - disse o tio se desculpando. - Eu deixei o café na chapa do fogão pra mantê-lo quentinho. E o almoço também! - Então vão almoçar lá na roça? - Sim - Então quero ir também! - Mas você não tem o costume de ir a roça, é melhor ficar aqui – disse o tio em tom de súplica. - Mesmo assim, quero ir!
Sem mais argumentos os tios permitiram. Cada qual levou uma marmita em uma das mãos e na outra a enxada apoiada nos ombros. Não permitiram, no entanto, que Sabrina levasse uma enxada.
A moça viu atrativos em tudo, no riacho, nas árvores, nas flores, e até nas pedras. Enquanto isso, os tios e a prima capinavam com destreza. 183
Até que a prima veio se sentar com ela embaixo de uma árvore. Levava consigo a marmita, e num ato corriqueiro Maria Flor destampou a marmita e começou a comer. - Mas você já vai almoçar? - Sim, estou faminta! - Mas quantas horas deve ser agora? -Aqui a gente almoça quando tem fome! - Mas deve ser muito cedo.
Maria Flor olha para a posição do sol e diz: - Nove horas, como eu disse, cada um se alimenta quando tem fome.
Sabrina entendeu a liberdade daquelas pessoas, eram livres de convenções. Sentiu-se imensamente grata por estar ali, nem se lembrou do celular que ficara na casa e nem de William que poderia ter ligado.