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Luana Silva Pereira
Luana Silva Pereira mora em Campina Grande – PB, é estudante de Letras –Língua Portuguesa (UEPB), apaixonada por futebol, praticante de Muay Thai, e aspirante à escritora. Aos 13 anos iniciou sua relação com aquela que a acompanharia ao longo de sua trajetória. O contato com a escrita se intensificou ao ingressar ao ensino superior, ainda no ano de 2017. Hoje, prestes a concluir a graduação, segue contando histórias que, ao longo do tempo, foram ganhando títulos e espaço em sua vida. Como contista, mas sendo escritora também de romances, a jovem estreou na editora InVerso com seu trabalho futebolístico “Antes do Apito Final”, uma verdadeira partida que precisa ser prorrogada.
03h26min
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Estava imersa nas minhas leituras quando o alarme disparou. Prometi para mim mesma que não dormiria tão tarde aquela noite. Então, eu tinha que cumprir com meus compromissos, especialmente os do dia seguinte. Desliguei o abajur, que fica ao lado da minha cama, em cima de uma pequena cômoda junto de alguns objetos pessoais; nada que incluísse aparelhos tecnológicos, e não por me achar “antiquada”, apenas não acho conveniente deixar algo assim, que pouca intimidade tem comigo, junto de coisas tão inestimáveis.
Não era nem 20h00min da noite quando me preparei para dormir. Lembro de ter olhado para o relógio antes de fechar os olhos. E que relação maravilhosa eu mantinha com aquele velho cobertor roxo com o qual me cobrira naquele instante. Com a cama então, melhor nem comentar. Desliguei tudo o que me tirava da cama naquele momento, e me deleitei em meu sono, isto até às 3h26min, a hora exata que ela
costumava chegar. Aquela era mais uma noite de espera, mais uma parte daquela semana sem resultados e cheia de questões: como sabemos que é chegada a hora? E será que eu vou conseguir me despedir dela assim? E que marco isso vai ter na minha vida? Questões como essas mereciam ser acompanhadas de um bom e forte café, mas talvez o café também não faça mais parte disso.
E lá estava eu de pé, às exatas 03h30min. Resolvo passear pela casa, observando tudo, enxergando aquilo como parte do que fui, porque um dia eu dormi menina e acordei mulher. E se tudo isso representa o que eu fui, como faço para representar o que eu serei de hoje em diante? Talvez seja hora de fazer umas mudanças por aqui; mudar o velho sofá do primeiro ano de casamento, ou quem sabe passar com uma onda de inovação pela cozinha, mudar tudo por lá, e esses quadros e arranjos? Certamente não fazem mais parte da minha realidade. E o que eu devo incluir nessa nova fase? Uns quadros de pintores importantes, de grandes clássicos? E devo beber chá e tomar sopa todos os dias?
Lembro-me como se fosse ontem do dia em que precisei mobiliar toda essa casa. O finado João me ajudou, afinal; éramos recém-casados, estávamos em perfeita sintonia, e estivemos assim por longos 20 anos, quando, infelizmente, precisei deixá-lo partir, e em cima do leito, me deixando com os meus 38 anos e
um monte de coisa de jovem na cabeça, ainda me disse: “essa é só a sua primeira grande decisão, pois depois disso você verá muitas outras coisas partirem, e precisa deixar que isso aconteça, porque é um processo natural”. E não é que ele tinha razão? Eu confesso que não entendi a fala do meu Heitor em seu leito de morte, ele gostava quando o chamava assim: Heitor, apesar do seu nome ser escrito com “c”, Hector, e ser João Hector. Mas hoje, talvez, eu compreenda melhor.
Estou sentada, mais uma vez, nessa tampa de privada do meu banheiro, enquanto sou levada a relembrar de todas as vezes em que a recebi em minha casa, sempre às 3h26min. As noites em que brigávamos eram, sem dúvidas, as mais difíceis. Nenhuma ideia trocada, nenhuma dor aliviada, o tempo parecia não andar. Ainda arriscava me deitar, mexer para um lado, para o outro, NÃO MEXER. Mas de nada adiantava, pois ela estava decidida! Não me daria trégua. Mas eu sempre tive sua companhia, disso não podia reclamar. Ela podia demorar um, dois, três e até mais dias, mas nunca deixava de aparecer, e sempre me dava dois sinais de sua chegada: dor e espinhas. Logo mais estaríamos juntas novamente, como duas e boas velhas amigas. Bom, não sei se me acostumo sem ela, apesar de saber que temos facilidade em nos adaptar à novas realidades.
Hoje um novo ciclo se inicia em minha vida e, infelizmente, desse ela não participa, bem como não
participou da minha infância. Confesso que irei sentir sua falta; falta das 03h26min, das nossas briguinhas, das longas reflexões feitas quando dormir não era possível, pois ela era estava revoltada, queria atenção, e lá estava eu oferecendo a minha; sonolenta, com um olho mais baixo, uma meia no pé e a outra perdida pelo caminho, um rabo de cavalo e algumas lágrimas guardadas no canto do olho. Com certeza irei sentir falta das passeadas noturnas pela casa, especialmente pelo banheiro. Na verdade, irei sentir falta de tudo, dessa fase, desses momentos, de tudo o que me liga ao meu eterno momento de mocinha.
Ela sabe que sempre fui “melosa” e “manhosa”, pois me conhece bem. E sabe também que eu não poderia deixar que partisse assim, sem ao menos me despedir. E é tão curioso o que vivo agora, porque eu, por muitas vezes, desejei que ela se fosse de uma vez, e que não voltasse mais. No entanto, nesse momento, eu só queria que fosse o contrário. Queria que ela ficasse comigo para sempre. Ela me deu algumas folgas, e eu agradeço, pois foi quando guardei os meus bens mais preciosos dentro de mim: meus filhos. Ah, mas disso ela já deve saber, porque esteve lá, esperando que eles viessem ao mundo, para só assim voltar a me acompanhar, pois, de fato, nunca me deixou. Só ficava esperando o momento certo para apontar novamente. E aprontar também.
Mas agora eu não queria que se fosse, não
totalmente, quem sabe não possa me fazer uma visita? Qualquer hora, por engano, ou não, qualquer coisa que não seja sua total ausência me parece bom, pois nós construímos uma história juntas, e será que eu preciso deixar essa partir também? Bom, são tantas coisas, e eu realmente não tenho respostas para elas. Mas sei que agora preciso dormir, o relógio já marcou 5h00min, de 8h00min tenho a consulta, e eu acho que o médico irá falar sobre ela, então sugiro que minha companheira fique por perto, sabe como é: suspeitas só se confirmam depois do laudo médico.
Já era manhã, e eu caminhei até o consultório do doutor, minha filha quis me acompanhar. Elisa tem seus 24 anos; é uma jovem tão linda, parece muito com o pai, tem os olhos dele. Ela tenta conversar comigo sobre essas coisas da idade, mas eu sempre tenho uma piada na ponta da língua. Após longas horas de espera eis que o médico novinho resolve me chamar para conversar em sua sala. Confesso que fiz algumas especulações de cara, ele era tão novinho. Mas não quis ser preconceituosa, então guardei os meus comentários só para mim, como já fiz em muitos momentos da minha vida. Nós saímos do consultório umas 11h15min, e já com o laudo médico em mãos, ou seja, tinha em mãos a oficialização do nosso “término”. Às exatas 10h00min tivemos o nosso resultado, que confirmava: 03h26min nunca mais.
Eu prefiro chamar de “término”, sabe? Acho tão feio o nome que te dão, minha amiga, “menopausa”. Não que término me pareça mais apropriado, acho que nem existe um termo mais apropriado para isso, mas término me passa uma ideia de certeza, que não ocorre em relação à “pausa”. Na pausa eu acho que a qualquer momento posso dar “play” e fazer tudo voltar novamente, no término não, definitivamente nós dissemos “adeus”. Mais certo o término! Na verdade, de certa você nunca teve nada; atrasava, dava dor de cabeça, sempre dormia no ponto e não me deixava dormir.
Mas hoje trancarei o banheiro mais cedo, e não acordarei antes das 5h00min. Hoje, minha velha amiga, hoje não vai ter 03h26min, nem 3h30min, e nem sua chegada. Hoje somos só eu e as minhas recordações. Mas não pense que irei te esquecer tão fácil, quando finalmente o relógio marcar a nossa hora, eu estarei de olhos bem abertos só para dizer: “agora posso dormir”. Menstruação não mais!