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Poliana Guerra

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Wagner Gomes

Wagner Gomes

Poliana Guerra. Poli são várias. Com formação diversa e tendo trabalhado também em diferentes áreas em sua trajetória, Poliana se encontrou nas palavras e tem paixão por contar histórias! Além de fazer freela como gestora de conteúdo, também trabalha com gestão de mídias sociais. https://www.facebook.com/poliguerra poliaraujo.guerra@gmail.com

Contemporaneamente, o tempo que urge, cotidiana e permanentemente, não nos permite extrapolar os ponteiros dos relógios. Nos rege a vida inteira, por seus números, em frações de 12 ou 24. Seguimos nos dividindo, cortando e contando por ele. As saudades não se medem no amor, mas nos dias, meses, anos,A.C. ou D.C.

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A marca das horas passou a nos guiar e condicionar as decisões e movimentos, no tempo e no espaço.

Pobres de nós. Perdemos (ou nunca aprendemos?) outras dimensões de valor mais substantivas ou nos resumimos (reduzimos?) aos ponteiros para nos significar no tempo? Relógios, badaladas, pulsos e ponteiros quantificam e determinam fatores essenciais em nossas vidas. Hoje, não há vida além do relógio.

Na esfera do sentimento, o relógio marca e define as saudades. Muitas, 100 dias e suas 2.400 horas. Poucas, 3 dias, assim, curtos, 36 horas. 100 horas para José são iguais a 100 horas para Maria? Mas as horas de José são ligeiras e as de Maria são eternas e custam a vida para passar. Rasgam, cortam, machucam. E agora, Maria?

E porque precisamos definir o tempo e as saudades a ele inerentes, assim, nestas frações numéricas, tão práticas e tão ... numéricas? Números são só números e o tempo é mais. O tempo é lembrança, é projeto, é sonho, é história. É também um formato para nos reger vida afora, mas só um e temos tantos outros. Dizer ‘foi às 3 horas da tarde’ é sempre melhor que ‘foi em uma tarde luz?’ ‘Às 8 da manhã’ versus ‘em uma manhã fria’ ou ‘uma manhã enevoada’?

Falando nas saudades, fica ainda mais grave este empobrecimento do tempo por seu (hoje) regente e fio condutor. Como demarcar a saudade, esta falta que ama, por números? A dor do coração tem mais afinidade com certa falta de cores, que bem descreve este estado de espírito.

Escura, seca, vazia, dilacerante, pungente, falta, ausência. Ou doce, suave, musical, alegre, colorida. Tantos significados falam da saudade, que podemos prescindir do relógio para bem defini-la. Nas cores, nos sabores, nos valores, sentidos ou em outros adjetivos/substantivos, feitos sentimento. Sim, no que ela nos provoca, no que a revertemos, como a digerimos.

Um relógio dá os contornos do tempo, uma vez que passou a seu sinônimo e evidencia uma intensidade em razão proporcional, mas isto não é pessoal?

E se prescindíssemos do relógio e definíssemos o tempo e a saudade em razão do que nos provocam?

A falta que ama, do poeta ‘gauche’ Drummond, me parece uma descrição perfeita para este tempo sem tempo, de quando estamos perdidos em uma ausência. O tempo urge, difere, fica urgente e instável. Um relógio não é suficiente. Seu ponteiro descompassa e se perde em abstração e passionalidade.

Meu pulso me marca tempo e ausência feita saudades. Todo sentimento.

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