AFROAPHRODISIACOS
Glauco Mattoso
AFROAPHRODISIACOS
São Paulo Casa de Ferreiro
Afroaphrodisiacos © Glauco Mattoso, 2024 Revisão Lucio Medeiros Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros ______________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ______________________________________________________________ Mattoso, Glauco AFROAPHRODISIACOS/Glauco Mattoso São Paulo: Casa de Ferreiro, 2024 68p., 14 x 21cm CDD: B896.1 - Poesia 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título
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NOTA INTRODUCTORIA Os negros erotismo suscitaram na lyra, desde sempre, seja a minha ou seja a de diversos outros bardos, mas isso raciaes questões implica, ainda mais tractando-se, no caso, de sadomasochismo, o meu themario mais fertil e fiel. Eis por que, nesta selecta, assumo todo o meu fascinio por essa cor da pelle, essa cultura urbana, suburbana, submundana, mas sempre palpitante pelas redes. Tomara que eu me irmane, pelo olhar do typico leitor mattosiano, aos manos que me cobram a attitude mais logica, alem, claro, de excitante.
PRIMEIRA PARTE SOCIALMENTE CONSCIENTE Godard duma Nouvelle Vague fez cabeças no cinema brazileiro, affora algumas areas de interesse em outras artes, como na canção. Caetano creditava a Tropicalia àquelle movimento que francez deixou de ser, virando universal. Eu, que exsistencialista sou, credito a varios movimentos muita coisa. Àquelles sessentistas annos eu dizer devo que estou reconhescido, mas, nestes “novintistas” do millennio, a alguma coisa menos importante fazer quero uma breve referencia, nem digo que seria reverencia. Refiro-me, em questão, a algumas causas que estão a resgatar, velhos ou novos, direitos de diversos gruppos, como Me Too, Black Lives Matter ou Pet Play. Dirão vocês: Mas como? O que teria algum desses modismos fetichistas com causas sociaes tão relevantes? Explico. Si quizermos assumir que somos, neste seculo, mais livres na hora de excolhermos o que somos em termos de pessoas sexuadas, alem de cidadãos consumidores, tambem contribuintes e eleitores, teremos de encarar questões que futeis
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paresçam, ou que frivolas, superfluas, taes como um sensual jogo obstensivo. Mas, antes de explicar o que é pet play, fallar quero da sigla BBC, que nada a ver teria com a rede britannica, porem com pornôs videos, pois lettras são, no caso, de Big Black Cocks, manos mesmo muito caralhudos, só para portuguez fallar bem claro e escuro, cor das rollas tamanhudas. Questão mais racial, pois, não exsiste. Partindo do principio de que brancos terão que encarar como uma verdade a superioridade da cor negra em termos de piroca, americanas mulheres (mesmo uns homens, gays ou não) declaram-se inferiores e se expõem, dispostas a servir os manos como cadellas, fellatrizes, inclusive usando suas linguas como o mais propicio dos papeis dum sanitario local, como demonstram alguns videos. Pois bem. Alem do typico papel que fazem de papel, essas mulheres papeis querem fazer de cadellinhas, de quattro percorrendo uma calçada ou mesmo um corredor de shopping center, levadas na colleira pelos manos aos quaes se escravizaram, exhibindo, assim, em praça publica, a razão daquella voluntaria submissão. Se tracta de encarar humilhações do typo como opção “reparadora”
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de immensas injustiças commettidas por brancos contra negros desde tempos remotos, inclusive escravocraticos momentos dum passado não tão findo. Vejamos como occorrem os vexames. Num bairro negro, o macho traz a sua cadella pela rua, para as negras mulheres rirem della, tanto quanto os outros homens negros do local. Nos videos mais pornôs, ja nuas, ellas, alem de chupar rollas que nem cabem na bocca, a lingua devem usar para limpar regos do porte dessas rollas. Em outros videos, homens brancos servem de cornos e sustentam as mulheres com seus negros amantes, inclusive passando por capachos desses negros que rolla bem maior teem que essas brancas. Ha casos, no Brazil, de puppy play, porem mais entre gays. Duas amigas filmadas foram quando pelo shopping passavam, uma dellas na colleira, de quattro, pela amiga conduzida, programma que exhibido foi na Band. Na FOLHA, a brincadeira teve tom mais leve e carinhoso, como si parceiros “regressão” fizessem para sanar da vida adulta algum estresse e dessas pressões “serias” se livrassem. É claro que fetiche isso suggere aos olhos de quem, rindo, observa a scena de gente de cachorro se fazendo. É “sadomasochismo” uma palavra
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que emprego não tem, como que em signal, ainda, dum tabu na sociedade. Paresce que se evita a face mais perversa, mais cruel, dessa postura que, mesmo de consenso, um tanto choca. Mas vamos combinar que novidade nenhuma ha nessas scenas, fora aquillo que envolve essa actual “reparação” de todos os abusos pelos negros soffridos no correr das gerações. Por seus antepassados, jovens negros à forra agora podem ir, na boa. À parte esse detalhe social, não vejo o BBC como tão “novo” assim, mas me enthusiasma tal tendencia. Naquillo que elles chamam Ordem Nova do Mundo, ou Black New World Order, os brancos por “sissificação” (em portuguez, feminilização) irão passar, ou seja, com hormonio, os white boys que femeas virarão, reconhescendo os negros como machos superiores, irão servir melhor aos BBC. Appella às consciencias cada negro que integra aquelle justo movimento, pois, logico, o racismo só se exstingue si de reproduzir cessarem todos os brancos. Si mulheres brancas só dos negros engravidam, as futuras creanças, ja mestiças, crescerão, por brancos sustentadas, é evidente. Quem quer que, por detraz ou pela frente, a rolla dum negão experimente,
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assim como na bocca seu sabor, segundo os BBC, decidirá que nunca mais transar irá com brancos. A africanização dos brancos vem a ser um componente irreversivel. Em vez de embranquescer a raça negra, tal como uns anthropologos quizeram, irão ennegrescer a raça branca os novos portavozes do futuro. A branca de cadella se fará. De “sissy” se fará cada rapaz de pelle branca, assim que estiver bem sciente e consciente do logar que cabe, na jogada, à sua cor. Os negros lhe dirão: “You know your place!” Nas photos e nos videos, de joelhos, um branco o penis chupa dum mulato. A phrase “Size matters!” repercute nas redes sociaes, actualmente. Uma anilingua chama a attenção para a basica funcção de branco ou branca: papel hygienico, ora! Aqui está a phrase: “Black ass is there (escrevem) to be licked!” Em outros videos, usam alguns brancos no pau uma gaiola, como um cincto que sempre se chamou “de castidade” e, emquanto suas brancas femeas chupam o penis dum rapaz negro, só ficam aquelles cornos mansos, bem humildes, às scenas assistindo. Si exporrada na bocca, a mulher manda seu marido beijal-a, a fim de tudo degustar, até no chão as gottas que cahirem,
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lambidas, uma a uma, até que limpo esteja aquelle piso que pisado é pelo Ricardão de pelle escura. Emfim, a posição do maridinho se torna a dum cachorro bem treinado. Um branco (ou uma branca) que tiver transado com um negro ficará “pretado”, ou seja, “blacked”, convencido da negra condição, que é superior em face dum caralho mais capaz. Podolatria até paresce ficha àquillo comparada, mas occorre. Tal como quem irruma, algum negão o pé mette na bocca da branquella. Na rua, por direitos civis quando protestam em discursos firmes ou nas appresentações de rap, os negros ordenam que mulheres brancas beijem seus pés, publicamente convencidas da nova negra forma de expressão. Mixtura dum comicio com um culto, tal scena por si falla abertamente. Em homens, os rapazes negros são tambem dominadores com os pés: emquanto uma mulher branca será motivo das sessões de estupro, o seu marido “loser” sempre servirá appenas para a lingua numas solas usar como um trappinho de limpeza. Supremacistas brancos são, é claro, tambem optimas victimas da scena na qual irão lamber uns afros pés. Um symbolo tattuam as mulheres
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na bunda, até na cara, ao BBC submissas: as espadas do baralho. Assim me relatou quem faz pesquisas na rede virtual, mas tambem eu lhes posso dizer que isso ja abbordei. Tambem eu dei meus toques, na virada do seculo, nos themas dos primeiros sonnettos publicados, typo deste: DISSONNETTO POETICAMENTE CORRECTO [0011] O branco diz que é o Negro uma sub-raça, mas sabe que a verdade está no opposto. Ja viu, por bem ou mesmo a contragosto, que o Negro é superior em massa e massa. No musculo é o mais masculo da taça. No cerebro é o mais musico seu posto. A cor da rolla é a mesma cor do rosto e o branco engole, chupa e ‘inda arregaça. À parte essa mais phallica, aurea tara, a prova mais cabal está na sola e só la embaixo o branco se compara no tom da pelle e no logar da bolla. Chutado por quem tanto escravizara, o branco só meresce alguma esmolla si o Negro limpa o pé na sua cara e numa branca bocca a sola colla. /// Tambem este sonnetto lembrar cabe:
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DISSONNETTO AFRO-DIONYSIACO [0051] Os negros me fascinam, num tal plano que minha adoração pela cultura só não tem mais medida do que a altura e o pé dum basketeiro americano. Venero desde o banto até o bahiano e a trinca de rockeiros que inaugura o genero de som da cor mais pura: Bo, Berry e o Ricardinho do piano. Ray Charles ja é nome especial, alem dos predicados que elle somma, por ter ficado cego de glaucoma bem antes que eu tivesse sorte egual. Quem tem bocca (e saliva) vae a Roma ou brinca mesmo aqui seu carnaval, e eu metto meu nariz no principal: o pé do negro, em seu sabor e aroma. /// Agora propor quero nova sigla (quem sabe la na America alguem USA), ou seja, BBB, que é Big Black Boots. Suggiro um movimento no qual brancos disponham-se, na rua, a ser por negros tractados como reles viralattas, pisados e chutados, concordando que tenham de lamber as poeirentas e grossas solas dessas botas pretas, alem dos tennis typicos, é logico, de todos que rapeiros ou funkeiros
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declarem-se no jogo da desforra. Certeza tenho: os manos vão curtir a chance de num branco pisar, bem na frente de quem queira appreciar a scena aberta ao publico risonho. Independentemente de ser gay o branco lambedor ou de ser macho convicto o BBB, vale explanar que é sempre consciencia social a justa razão pela qual um branco subjeita-se, por livre iniciativa, a andar engattinhando ou a lamber a sola dum pisante pelas ruas. O sadomasochismo certamente será a qualquer momento collocado em pauta, mas a causa social terá mais peso, um peso muito mais politico do que esse da botina no pé do mais obeso dos mestiços que estejam disponiveis a tal sarro. Aqui cabe lembrar, ainda, destes sonnettos pertinentes que escrevi: DISSONNETTOS PARA A PLANTA QUE ME ENCANTA (1/2) [2339/2340] (1) “Podômano”, o ceguinho aqui declara que, em vez do “pô” do mano, seu amor dedica ao pé do mano, cuja cor do dorso é escura, egual à cor da cara. Na sola, a cor da pelle se compara
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ao pé do branco. Seja la quem for, chulé terá, pois basta o gajo pôr um tennis, e dá chorda à minha tara. “Os mano, pô, e as mina, pá”, cantava o rapper suburbano, e me motiva a musica da raça que era escrava e ja não se subjeita a ser captiva. A voz do mano soa, ja, mais brava. Agora eu me colloco na passiva e humilde posição de quem lhe lava os pés, usando a lingua, com saliva. (2) Por baixo, o pé do negro, em mim, é molla que move o membro phallico: essa pelle de cor egual à minha me compelle a pôr, no orgastico osculo, a beiçola. O negro meu tesão causa e controla, bastando que, cantando um rap, appelle p’ra imagens dum refem que lamba e felle o penis dum “soldado” do Marcolla. Chupar-lhe, em captiveiro, o pau é tudo que um lyrico masoca almeja, mas um cego nem se dá por tão sortudo, refem que se tornou das fadas más. Na lyra masochista aqui me escudo: contento-me na sola do rapaz, passando nella a lingua e sendo um mudo poeta que, oralmente, versos faz. ///
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Proponho que, inclusive, todo branco casado que se entenda devedor dos negros, por aquillo que passaram os seus antepassados, a mulher lhes ceda, a fim de que ella tambem lamba o tennis ou a bota, antes de pôr na bocca a rolla muito mais thalluda, si for à do marido comparada, lembrando que esse esposo deveria calçar e descalçar o Ricardão retincto ou mulatão que irá foder a sua mulher loira, até tingida que seja, mas de pelle bem branquella. Filmado fui, ja cego, quando tive que botas lamber, sujas, no solado, mas era dum brancão esse pisante e nunca num negão pude expressar a mesma adoração. Só conversei accerca dessas coisas todas com aquelle Ithamar, cujo pé pequeno differe dos da America. Quem sabe eu possa, qualquer dia, appalpar um pé desses pardos bardos da peripha, que videos façam dessa aberta scena de grata lambeção, exposta às redes. Por ora, registrar ainda quero um motte que glosado foi assim: MOTTE GLOSADO [7594] Quando um rapper tira o tennis, o podolatra se assanha.
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Quando eu via, tive amigo bandidão, que rap ouvia. Si eu pedisse, sem phobia descalçava-se, e lhes digo: sacanagem fez commigo! Não achava tão extranha essa tara, que arreganha meus instinctos mais infrenes. Quando um rapper tira o tennis, o podolatra se assanha. /// Mas acho que resume bem aquella questão toda da scena voluntaria (que, vista pela face mais advessa, paresce masochismo) um de meus mais cabaes infinitilhos, no qual meu leitor me questionava, assim dizendo: INFINITILHO DA EXCOLHAMBAÇÃO [8098] {Aquelle negro, sim, é corajoso! Com elle é que eu concordo inteiramente, Glaucão! O movimento negro nem devia, no Brazil, ter exsistido! Um negro foi quem disse, Glauco, pense bem nisso, meu! Racismo? Não! Aqui não houve nada assim tão violento, tal como la na America! Abolimos, sem guerra, a escravidão! Até benigna
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direi que foi a nossa! Cê não acha? Eu soube até de negros que, libertos, quizeram seguir sendo, para seus senhores, ‘inda aquelles escravinhos que sempre foram, mais bem comportados e menos açoitados! É questão de vermos com bom senso, Glauco! Deixe que grite, que experneie essa chorona esquerda tropical! Concorda ou não?} Appenas respondi com estes versos: -- Discordo. Não serei Glauco Mattoso si disso for attraz. Você que tente sahir dizendo um troço que não tem nenhum embasamento! Mas duvido que disso quem fallou seja forense e douto portavoz. Mais vejo alli um certo masochismo, que não tento culpar, mas que em privado, só, curtimos. Um negro quer lamber uma botina de branco? Pois que lamba! Se esculacha um branco aos pés dum negro? Que elles certos estejam não duvido. Tambem meus são esses bons fetiches. Mas, maninhos, separem bem as coisas! Varios lados exsistem na questão. Os negros não teem nada a ver com esse podre peixe vendido pelos brancos, sempre à tonna, fedendo pelas aguas da nação. ///
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Bem, para concluir, resalvo só que, em publico, um brancão pode lamber o tennis dum negão, mas este não lamber irá a botina do brancão, sinão toda a postura social se perde de contexto. Sim, deixemos o plano mais privado para quando se tracte de consenso pessoal e vamos combinar que fica bem melhor ao jogo justo que, na praça, um branco o tennis lamba de seu mano mais negro, para a alegre diversão do povo, que será majoritario, na pelle, no tom desse mano nosso.
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SEGUNDA PARTE POLITICAMENTE POLLUTO DISSONNETTO AO RAPPER [0204] De cor, mulato, pardo, negro, preto. O branco é simplesmente branco, e só. Você quer mais respeito, não quer dó. Quer ser um cidadão, não quer o ghetto. No Sul, no Pellourinho, no Soweto, luctando contra o falso status quo da mascara, a gravata e o paletó: A lettra é mais comprida que um sonnetto. A sua voz se vinga da senzala. Seu canto ja foi blues, quasi ballada. Foi soul, foi funk e reggae. Agora é balla perdida em tiroteio de emboscada. Xerife do xadrez, você não cala: leva a peripheria p’ra parada, de sola entra no som da minha salla, pois esta lingua aqui quer ser pisada.
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DISSONNETTO BAHIANO [0338] Caymmi ja cantou. Não quero tanto. Gregorio poetou. Appenas sigo. Amado descreveu, e estou comtigo: é tua terra altar de todo sancto. Me toca o berimbau. Me encanta o banto. Retoca o pellourinho meu castigo. Attraz do trio electrico me instigo: sou posttropicalista, e aqui te canto. Bahiano, tens meu sonho e meu tesão! Promettes melhor terra que Moysés: bananas, cocos, caras, cores... yes! Pirocas, carurus, cuscuz, pirão, moquecas, vatapás, acaragés, farofas de dendês no meu cação... Delicias que, de longe, abbaixo estão do gosto salgadinho dos teus pés!
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DISSONNETTO ESCULACHADO [0730] Não “seje” “inguinorante”! Nunca foi “ansim” que algum plural se “prenunceia”! “Nós vae” não é syntaxe que se leia! Talvez “a gente vamos” melhor soe! Você só faz poema que destoe! Seu tennis pega mal calçar sem meia! Fallar de bocca cheia é coisa feia! Não coma em casa alheia feito um boi! Silencio! Tenha modos! Mais respeito! Não vá roubar no troco nem no peso! Se enxergue! Dobre a lingua! “Teje” preso! “Percure” seus “dereitos”! Dóe? Bem feito! E o “mano” escuta, attonito e indefeso, as cynicas razões do preconceito, razões para, si auctor, não ser acceito e, como cidadão, soffrer desprezo.
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DISSONNETTO DA KERATINA VULNERAVEL [1389] O negro, que caminha sobre a braza e a sola tem bastante dura e grossa, demonstra devoção e até extravasa seu jubilo nas festas que ha na roça. A sola com seu solo bem se casa: contente que queimal-a nada possa, descalço elle, cedinho, sae de casa, kilometros percorre e disso troça. Depois de passear pela fogueira mostrando que qualquer calor attura, o negro exhibe a sola a quem lhe queira testar a resistencia à queimadura. Porem, ao perceber que minha mão, que está cheia de amor e de ternura, a appalpa com carinho, o negro não vacilla em confessar que aquillo cura.
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DISSONNETTOS DO OMNIBUS-LEITO (1/2) [1465/1466] (1) Num omnibus, difficil é dormir à noite, mas, ao menos, se cochila. No vão entre as poltronas, vejo abrir espaço um pé descalço, que vacilla. Quem senta attraz de mim não é fakir mas faz contorcionismos. Do Maguilla paresce aquelle pé! Deve medir o triplo da modello que desfila. Não quero nem saber quem tem tal patta! Sei la si appenas tenta accommodar-se! Só sei que, ao ver aquillo, sem disfarse appalpo e massageio a sola chata. Não ha prazer podal que aquillo batta! O gajo mexe os dedos: signaliza que está gostando à bessa! Nada lisa é sua sola, minha mão constata. (2) Nem sei como é seu rosto, e elle nem sabe si sou mulher ou homem. O que importa é o facto de que aquelle pé não cabe na minha mão que, docil, o comforta. Paresce que o pezão não quer que accabe a erotica massagem. Nada corta, no escuro, o meu barato, caso eu babe de gosto. Nisso, escuto abrir-se a porta! É sempre assim, ao longo duma estrada: parada temporaria. Quem quizer sae para expairescer. Uma mulher, sentada ao lado, accorda, extremunhada.
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Uns tantos approveitam a parada. O gajo o pé recolhe. Ergue-se. Então, percebo que se tracta dum negão que, ao ver-me, finge que não houve nada.
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DISSONNETTO PARA UM TREZE DE MAIO [1888] Escravo não se abole: a escravatura talvez, mas só de forma official. Na practica, o que impera e o que perdura é nossa escravatura social. Alem da exploração, que é mal sem cura, de classe o preconceito faz o mal maior, nas pregações da “raça pura” que à guerra e ao genocidio dão aval. Porem a escravidão mais natural, si fosse “natural” termo que passe, é aquella que independe da natal especie do individuo, ou raça, ou classe. Depende unicamente da cabeça: alguem houve que nisso não pensasse? Si quer ser elle escravo, que obedesça quem manda e quem lhe põe o pé na face!
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DISSONNETTO PARA UM NEGRO E UM CEGO [2039] “As quotas para negros são, no ensigno e mesmo no mercado de trabalho, urgente providencia, em que um menino creado na favella encontra attalho! Si sou o presidente, determino medida immediata nesse falho systema e implanto as quotas! Um destino mais justo eu, que sou afro, agguardo e valho! Portanto, companheiro, não acceito que como opportunista alguem me veja, que alguem lettrado contra o nosso pleito deponha, e que a favor você não seja!” -- Embora seja branco, eu lhe seria, sem duvida, a favor nisso que almeja, mas só si quota houver na Academia de Lettras para um cego que verseja!
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DISSONNETTO PARA QUEM SÓ PODE ESPERAR [2651] Neguinho ja começa a levar sova assim que apprende a andar. E, pela vida, a offensa, que elle engole e não revida, terá que supportar do berço à cova. A troça que seus nervos põe à prova é um acto a que o gury branco o convida. Ouvir “Chupa, neguinho!” faz ferida que nunca cicatriza e se renova. O branco ensigna o escravo, que lhe serve de sacco de pancada, a chupar picca e, adulto, quer que humilde se conserve, sem nada reclamar da sua zica. Um dia, a casa cae, o caldo ferve. Um dia, aquella classe branca e rica descobre emfim que, caso elle se ennerve, vingança vae querer, e a justifica.
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COR LOCAL, SANCTO DE CASA [3420] Minha terra tem mais terra. Minha fome tem mais cores. Minha cor que menos berra é que sente minhas dores. A parodia não se encerra numa trova, si os horrores vão da fome à propria guerra contra nossos oppressores. Entra aqui o logar de falla. Não sentiu fome, porem, tanto quanto o negro, quem não a sente em sua pelle. Só recebe golpe e balla. Si os governos dão-lhe esmolla, outro banzo o desconsola: não ter sancto a quem appelle.
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CANNA SULAFRICANA [3425] Robben, duro, foi um osso: o apartheid usa, alli, farda. O fardado é bem mais moço. São os presos de cor parda. Enterrado até o pescoço, o detento negro agguarda que lhe urine, qual num poço, bocca addentro, o branco guarda. O branquello abre a braguilha, tira o pau e se imagina superior. Sorrindo, humilha quem engole o que elle urina. Rente ao piso, o prisioneiro, que a vingança só rumina, bebe o mijo. Mas, primeiro, lambe a sola da botina.
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SEGUE O REGGAE [5740] Jamaica em qualquer cantho? Quem consegue manter tão fielmente um rhythmo, um canto? Si scena brazileira tem o reggae, não posso rallentar o canto tanto. Ainda que, na base, elle carregue o typico compasso, não garanto a mesma lentidão, pois o meu jegue ammarro mais no ska, de forte encanto. “Diabo que o ska reggae!”, trocadilha a turma appaixonada pelo rhythmo dansante, mais alegre que quadrilha junina. A saltitar tambem me animo. Percebo que cahi numa armadilha, pois, cego, dum desnivel me approximo e rollo pelo solo. Como humilha ouvir risos dum sado, ou mano, ou primo!
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CHEIRO MANEIRO [5778] Dos manos, é no rapper que eu almejo o pé mais dansarino e mais rueiro. Almejo descalçal-o: meu desejo é pôr na sola a lingua. Mas, primeiro, verei como elle mexe os dedos: vejo que, livres ja do tennis, soltam cheiro fortissimo e, tal como o caranguejo na areia, vão tocar meu rosto inteiro. Arteiros, seus artelhos vão, sem pejo, dansar pelos meus labios com certeiro jeitinho de malandro, pois festejo a sua sola em solo brazileiro. Chulés assim, os acho no varejo, sem ter de encommendal-os por dinheiro. Mas, quando o mano saca que eu cortejo appenas seu pezão, fica cabreiro.
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PHALLICO ACTO FALHO [5929] Ouvi ja dum racista a allegação absurda de que o negro tem beiçuda boccarra com razão, pois isso adjuda na hora de cumprir a fellação. “Perfeita a natureza nisso, não concorda? A bocca feita foi carnuda por causa disso, Glauco! Não se illuda! Ninguem sabe chupar como o negão!” Nem quero commentar bobagem tão sem nexo, do contrario o que me escuda é a longa rolla, quando deixa muda a funda bocca desse babacão. Nem fallo do botão desse cuzão, que, estreito, suas pregas só desgruda si for bem enrabado, o que desnuda a mente de quem tem o cu na mão.
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CORTE RACIAL [6434] Que o gajo, por ser negro, parte faça de gruppo criminoso, uma juiza achou, Glauco, olhe só! O paiz precisa de gente tão racista? Que desgraça! Então uma juiza acha que raça aggrava? Quer dizer que ella ameniza a pena si for branco quem mais lisa deixou alguma bolsa alli na praça? Que cara de pau, Glauco! Um tribunal que encontra fundamento ou que condemna alguem e pela pelle impõe a pena será somente “corte racial”! “Tem pelle escura? Ah, pode ter total certeza: rouba, macta!” Aquella amena sentença ao branco chama à minha penna qualquer caso de impune general!
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CONTEXTUALIZANDO [6451] Eu, como cidadão, quero o respeito do rico pelo pobre de cor parda, mas, quando vejo um branco usando farda, desejo ser escravo do subjeito... Difficil de entender! Eu não acceito offensas dessa classe felizarda do branco! Um mano nunca se accovarda na lucta contra todo preconceito! Ahi complica, Glauco! O companheiro me cobra que linguagem use, dura! Na cama, a minha lingua molle jura amor ao pé dum branco zombeteiro! Você ja reparou, Glauco, que cheiro mais forte de chulé tem quem censura ou xinga, quem na rua nos dedura ou prende, num contexto verdadeiro?
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CHARTA INDESCHARTAVEL [6488] A culpa não é minha, Glauco! Quem approva a escravidão é o proprio Marx, segundo o qual, sem esses desembarques do negro trafficado, o pão não vem! Sem negros, o commercio fica sem os braços, fica a industria sem seus parques! Portanto, pelas redes, caso marques um thema, a negritude implica alguem! Ja sei que os communistas vão chiar, dizendo que o Karlão não fallou isso, mas uma charta delle desserviço causou àquella causa, por azar! Eu, como nada tenho o que allegar accerca do problema, só cobiço a rolla dum negão, Glauco! Submisso não és, tambem, ao thema mais vulgar?
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INCULTO INSULTO [6560] Chamado fui de “mono”, Glauco! Sim, tambem “hijo de puta”, a forma abjecta usada pelo gringo que, em completa sandice, disse coisa tal de mim! “Macaco fidaputa”, fica, assim, ainda mais grosseiro! Ninguem veta offensas desse typo quando o athleta é negro, ou brazileiro, o mais chinfrim! Si eu fosse importantão como o Neymar, partia para cyma do babaca! Mas sou alguem que pouco se destacca, não posso reagir sem me ferrar! Você, que se colloca no logar da gente, é masochista, soffre paca! Talvez ja nem se importe! Mas a faca no bucho delle eu ‘inda vou fincar!
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BRANQUITUDE NA ATTITUDE [6584] Ah, Glauco! Não aguento mais! A nossa local litteratura ja só falla dos negros! Tudo bem que não se eguala a penna à realidade, nem a endossa! Mas falta a falla ao branco! Caso possa fallar, elle dirá que na senzala não vive, mas tambem só leva balla e rolla, no cortiço ou la na roça! Não é porque sou branco que não faço eu parte da mais infima camada da nossa sociedade elitizada! Tambem nas lettras busco o meu espaço! Você, que é um fodidão cego devasso, se sente injustiçado ou não? A cada momento não ouviu uma risada de branco ou negro quando perde o passo?
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NEGROS NO COMMANDO [6664] Causou bom bafafá a convocação de negros para cargos de chefia que eu fiz! Alguns acharam que seria racismo, Glauco! Porra, não é, não! E sabe por que? Em vez de ser patrão, serei escravo delles! Eu queria appenas dar um toque de magia ao sadomasochismo! Viu, Glaucão? Embora todo o auê que provoquei, os manos entenderam meu recado ciphrado pelas redes! Assustado fiquei com a procura! Ah, ja nem sei! Problema não ha quando um branco gay contracta negros para terem sado proveito, né? Será, por outro lado, um negro, si masoca, contra a lei?
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INFRA FRATERNAL [6774] Eu acho que esse Stevie Wonder é bomzinho demais, Glauco! Sim, deseja a adjuda dos céus para quem rasteja aos pés de quem o chuta! Ahi até... Mas elle tambem mostra alguma fé na força protectora a quem esteja chutando o rastejante e que festeja a queda dum rival sob o seu pé! Será que Stevie exhibe piedade appenas na canção, ou é, de facto, humilde e piedoso? O que constato é que não foi seu mano tão confrade! Um outro negro nunca, Glaucão, ha de poupar da bicca alguem que em seu sapato exfregue e fira a lingua! A tão vil acto você mesmo offegou, graças a Sade!
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THE SHOELESS AND THEIR... CHULÉS [6819] Sim, Glauco, reparei que americano descalço não andava. De chinello tampouco. Só de tennis. Mas foi elo, o tennis, do meu vicio tão insano... Lambel-os foi a regra. No mundano submundo urbano, sempre exsiste bello scenario para aquillo, pois eu fello, mas antes pago um troco para o mano. Sim, rolla. Rolla tudo, de bebida a droga, de farinha a baseado. Mas sexo rolla sempre. Eu, por meu lado, pagava, mas gozei muito na vida... Ah, Glauco, que saudade! Quem decida escravo ser, dos manos de la, fado melhor não achará! Ter recordado taes cheiros é punheta que convida!
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SNEAKER LICKER [6820] Sim, rolla às vezes, Glauco, um caso mais curioso ou singular de lambedor de tennis, sem que seja chupador de rolla. Mas são menos usuaes. Um gajo conhesci, que diz jamais lambido ter um mano si não for calçado. Sim, poeta, ha de suppor você que sejam tennis, os fataes... Tamanhos, os maiores, Glauco! Um era dum joven basketeiro, longo cano, de panno, ja bem gasto no mundano e sujo territorio da gallera! Sim, foi na faculdade que a paquera rollou. Elle lambeu daquelle mano a lancha até na lingua causar damno, mas para sempre lembra a feliz era!
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QUEBRANTO NA QUEBRADA [6826] Si num supermercado o negro não consegue entrar siquer em paz, está ficando clara nesta nossa má e plumbea consciencia a atroz questão! Nós somos todos negros! Ou irmão me sinto de quem soffre e é morto, ou ja não basta a allegação de que não ha racistas no Brazil, si todos são! Nós somos cada negra assassinada e cada negro preso ou torturado! Ou isso, ou estaremos, sim, do lado de cada auctor de crime! Sim, de cada! Unimo-nos agora, mas si nada fizermos a seguir, terá voltado ao zero tudo! Mesmo revoltado, não creio que nos basta a voz que brada!
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WHY CAN’T WE LIVE TOGETHER [6834] Si Timmy Thomas falla, tem logar! Cantava: “Não importa a sua cor, nós somos irmãos, brancos, negros! Por que guerras accontescem sem parar?” Tambem o Paul McCartney quiz fallar e, juncto com o Stevie, foi auctor do thema antiracista que, em favor da paz, fez da canção these exemplar! Não cabe qualquer critica a nenhum dos dois, naturalmente, Glauco, mas cricris não vão faltar com suas más linguinhas restringindo o “bem commum”! Razão teem Paul e Timmy, qualquer um que queira appellar para haver mais paz, em vez de erguer altar a Satanaz, que adspira, dos defunctos, o fartum!
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PODOLATRIA NO FUNK [7032] No funk, em certos bailes, a gallera estava dividida: cada lado ficava attraz da chorda. Bem mostrado, erguido o pé mais alto, um tennis era. Gostavam de exhibir solas. Pudera! O tennis, que tem griffe, foi comprado por quem ganhou, no traffico, um trocado e conta, ja, vantagem... Que se espera? Espera-se que fique por ahi? Qual nada! Si refem dalguns rivaes um joven la cahisse, de seus ais ninguem mais saberia, assim ouvi! Mas, antes de morrer, levou chichi na cara, alem de, claro, dar fataes lambidas nesse tennis que jamais usou quem não andou em turma alli!
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MOTTE GLOSADO [7421] Sem excolha, eu voto em branco! Bem pensando, eu voto é nullo! Quando o pleito banca um banco, ha racismo. Candidato não vi negro nem mulato. Sem excolha, eu voto em branco! Eleição, para ser franco, só dá raiva! Fico fulo e os discursos não engulo! Um politico que jura ser honesto não tem cura! Bem pensando, eu voto é nullo!
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MANIFESTO QUOTISTA [7882] Tem quota para tudo no momento. Os negros conseguiram achar uma nas universidades. A contento conseguem outra quando vaga arrhuma alguem num gabinete. Dez por cento de gays, na sociedade, teem alguma funcção remunerada. Mais augmento consegue de salario quem não fuma, ainda mais mulher si for. Detento que varias engravida, caso assuma um cargo na prisão, engulo e aguento mais essa. Cadeirante, até, vae numa qualquer repartição ter seu sustento. O cego, não! Nem quando elle perfuma seu cu, na Academia tem assento! Calcule então aquelle que se estruma!
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MANIFESTO CRIMINALISTA (1/4) [7976] (1) {Lhe conto, Glauco, tudo bem do jeito que estava accontescendo. O criminoso da epocha não era, como agora, “soldado” da facção, embora agisse em bando. Então, o “modus operandi” do assalto a residencias incluia um typico sadismo no que implica “zoar”, “barbarizar”, “esculachar”: as victimas, em casa sequestradas por certo tempo, viam-se forçadas a torpes e humilhantes situações.} (2) {Ninguem hoje se lembra, mas affeito ficou o bando armado a algum famoso e sabio pae-de-sancto que, na hora dos passes no terreiro, por crendice geral impõe que o “mano” sempre mande a victima sujar-se em porcaria fecal, beber chichi, chupar a picca mijada, comer merda, no logar se pôr da prostituta, gargalhadas ouvindo, vendo filhas estupradas por brutos e malvados bandidões.} (3) {Você percebe, Glauco, que o subjeito se sente “protegido” quando o gozo sacia, tendo o corpo, sem demora, “fechado” quando goza, como disse
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à midia a magistrada, que de grande saber se jacta. Claro que, hoje em dia, nenhum desses chavões se justifica. Mas isso não impede que algum lar ainda alguem invada com saphadas e porcas intenções, euphemizadas na midia com identicos chavões.} (4) -- Percebo, sim, sem duvida. Approveito taes casos em meus versos, pois Mattoso é marca registrada que não cora no tracto do problema. Nem tolice eu acho os ritos afros, nem quem ande fechando o corpo otario, que dum guia joguete seja. A fonte é muito rica. Si for superstição, si for vulgar ou não, materia prima às desvairadas rhapsodias me tem dado, que inspiradas são tanto por Satan quanto Camões.
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BONDADIVA E MALDADIVA (1/5) [8001] (1) A camera a dois manos se limita, battendo seu maneiro pappo, quando mais outro chega. Fundo musical que somma ao berimbau um atabaque se escuta, alem de palmas. O menino que entrou chama os demais: “Mãe ja tá ahi!” E está Mãe Benedicta seu assento tomando, com a adjuda de outro mano, pois ella dá difficil cada passo. Cansada, mas risonha, Mãe começa. (2) Responde ao mulatão que lhe recita palavras africanas. Em tom brando, sahuda todos quantos ao local se acchegam, e nenhum dos jovens ha que duvide da ancian. De sibyllino oraculo ninguem cogita alli, sinão de visão lucida. Nem tento citar seu linguajar, tão africano em cada acculturado accento, ou traço bilingue, a ponctuar cada promessa. (3) Promette bem fazer Mãe Benedicta àquelles que meresçam, mas nefando destino ella assegura aos que do mal se nutrem e practicam desde saque a assalto, do ladrão ao assassino. Politicos tambem, pelo que ouvi,
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são alvos da afflicção e do tormento que a velha prophetiza. Ao deshumano auctor dum crime barbaro, ao ricaço que explora o pobretão, é praga à bessa. (4) Alguem relata a ella o que na escripta imprensa, alem da rede, vae rollando no nosso criminoso lodaçal e Mãe ammaldicçoa alguem de fraque e branco collarinho, ou de junino rojão, sinão facão ou bisturi occulto na mochila. No momento exacto do attemptado ou golpe, um damno terrivel soffrerá, que idéa faço ser typo um choque e os impetos lhe impeça. (5) Rectal hemorrhagia? Algo que irrita os olhos, ou os cega? Quando um bando armado se prepara para tal ou qual acção, se frustra aquelle attaque num attimo. Tomara que o destino de tantos malfeitores de gibi assim seja, si a velha, cujo bento poder os maus fulmina, mais um anno viver, ja que ella mesma de cansaço paresce succumbir. Sim, temos pressa...
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CIRANDA QUE DESANDA (1/2) [8018] (1) {Estou aqui pensando, Glauco, aonde chegamos, chegaremos, em materia de infancia corrompida... Glauco, veja! O funk excappa a todo padrão ethico, esthetico, ou appenas musical! As lettras erotizam a menina do modo mais abjecto, Glauco! Pode? Um desses “emecês” obriga a sua “novinha” a adjoelhar para fazer boquette, Glauco, frente ao “bonde” todo! Ainda a menininha vae chupar o resto da patota, Glauco! Onde é que vamos parar, Glauco? Os taes valores moraes, civilizados, nada valem?} (2) -- Ouvi fallar. Pedrinho fui, de escondeesconde ja brinquei, mas esse fere a candura dos Pedrinhos. Quem rasteja, agora, não sou eu, que ja prophetico me torno, mas a “mina”, que tem tal dom para a fellação mais libertina, gruppal e cultural de quem se fode em publico. Quem quer que prostitua menores é covarde e meu dever de vate é criticar. Mas eu me fodo assim desde menino, si é vulgar, nas areas suburbanas, lamber pé na marra, chupar rolla, sem pudores. Censores jamais deixo que me calem.
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SOME NIGGERS NEVER DIE... (1/2) [8143] (1) {Estou é revoltado, Glauco! Ouvi canções do Johnny Rebel! São datadas, é claro, são do seculo passado, ainda quando os negros sem direitos civis estavam, sendo segregados, mas são canções chocantes pelo tom racista ao nivel maximo, Glaucão! “Alguns negros não morrem nunca, mas do mesmo jeito fedem...” -- diz, directa, a lettra duma dellas! Johnny lucta de forma pamphletaria, como si soldado fosse, em guerra civil, la nos idos da sulista seccessão! Os negros são fedidos, ignorantes, bandidos, incapazes, só servindo de escravos, engraxates, faxineiros, segundo o Johnny Rebel! As canções parescem bello country, bello rock estylo cincoentista, mas a lyra transborda abuso odioso, Glauco, tão frequente nessas epochas! Não fica tambem você chocado? Não se ennoja?} (2) -- Sim, claro. Mas exsiste por aqui quem pense dessa forma. Revoltadas as nossas consciencias ficam, dado que temos no Brazil eguaes defeitos e manchas sociaes. Mas os Estados Unidos condemnando vivem, com
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firmeza assaz hypocrita, a nação, em Africa, logar de tantas más noções dum apartheid, esse que affecta, no fundo, um Occidente inteiro. Chuta o pau dessa barraca alguem que ri dos negros, como o Johnny, mas está o povo americano sem razão si falla do nazismo os raios, antes de ver o proprio rabo. O negro lindo se sente, ja se gaba dos rockeiros que delle derivaram. As nações que escravos mantiveram dão o toque e tentam retractar-se. Quem adhira ao segregacionismo nem irmão meresce ser chamado. Dessa zica não vendo o verso torpe em minha loja.
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ODE INELEGIACA (1/10) [8152] (1) Nas lendas da Policia Militar figura um Major Solon, que não é com outros confundido e se destacca por nunca ter postura molle ou fracca; que, alem do treinamento proprio, até nas artes marciaes foi exemplar. (2) Elites commandou na tropa, a dar severas instrucções! Si punha o pé na cara do opponente, “macho paca”, a zero o reduzia, sobre a maca levado, inconsciente! Era um ballé seu agil ponctapé, subindo ao ar! (3) Num caso de sequestro, Solon fez seu ultimo espectaculo, pois quiz agir pessoalmente. Sem que sangue corresse, pretendeu cercar a gangue, livrando seus refens! Foi infeliz, cahindo, por azar, na mão duns trez! (4) Sim, muitos libertou, mas mais de mez passou num hospital! Os bisturis salvaram-no dos tiros. Não se zangue, leitor, mas a peor no bangue-bangue levou Solon: armados de fuzis, crivaram-no! Viveu, mas hoje é um ex!
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(5) Mactou dois delles, sendo que um terceiro, sem certa identidade, foragido ainda está. Dos tiros, uma balla entrou-lhe na cabeça e, ao retiral-a, tiraram-lhe a visão! Bem, não duvido dos medicos, num caso “corriqueiro”... (6) Porem, me surprehende que um guerreiro tão bravo como Solon tenha sido num monge transformado! Sua falla, agora, é pacifista, pois se eguala ao khoro dos ceguinhos com quem lido, humildes, trabalhando o tempo inteiro... (7) Tornou-se massagista de pés, facto a todos impensavel para alguem altivo e superior. Ao vel-o alli, curvado ante os clientes, ja sorri, de pena ou gozação, quem o pé vem tractar, um pé calloso, largo e chato... (8) Na clinica em que Solon é cordato peão, quem comparesce não quer nem saber si elle enxergou (como eu, que vi durante um tempo): curte mesmo é si bem dextro é o massagista e jeito tem na sola que bem tracta com seu tacto.
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(9) Não é que seu freguez, agora, é um certo bandido foragido? Como não será reconhescido, o “mano” visa checar si é o cego aquelle que, em pesquisa na rede, achou ser Solon! Folgadão, reclina e se accommoda, riso aberto. (10) O cego, que o pezão tem de si perto, chulé sentindo, cala-se. Com mão suave, accaricia quem lhe pisa nos brios. Uma sola nada lisa deleita-se! Eis, pois, como um olho são castiga um cego e, em ode, eu ca me apperto!
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RHAPSODIA CASTRIANA (1/6) [8368] (1) No baile do navio, o açoite estalla. Sorrindo, o capitão é quem lhes falla à noite, em pleno mar: “Gozemos destes negros prisioneiros! Vibrae rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dansar!” (2) Castro Alves diz que é sonho tal visão do algoz chicoteando os que alli estão dansando pela noite. Mas elle reconhesce que a viagem é longa. Divertindo-se, assim agem os brancos, tendo o açoite. (3) Alem de, num porão infecto, por semanas, viajar, ser do feitor joguete do chicote será fatal ao negro quando em terra chegar, ja que esse baile não se encerra naquelle naval trote. (4) Tambem no pellourinho o escravo iria dansar, quando a platéa de alegria vibrasse, gargalhando, Pois cada chicotada provocava na bunda rebollados. Bunda escrava, que usada foi, a mando.
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(5) Depois de a ter usado, o branco quiz censura ao carnaval, neste paiz, por ordem lhes impor. Agora os negros mandam neste baile. Só o cego, revoltado contra o braille, escravo é, sem ter cor. (6) O braille é como o tronco, o pellourinho, que nunca permittir o que escrevinho iria, si eu o usasse. A bunda não rebollo, mas pé batto emquanto nestas teclas desaccapto a mesma rica classe.
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PAGINA VIRADA (1/2) [8542] (1) Magina! Elle nem é lombrosiano! Appenas diz que um gajo se incrimina por sua propria cara! Tal fulano entende de forense disciplina e, como psychiatra, affirma: -- Damno mental inexoravel tem, qual signa, aquelle negro typico, que “mano” se chama vulgarmente! Elle combina diversas evidencias de que insano será na delinquencia mais maligna! (2) Caralho! O doutor acha que me enganno si amigo sou de alguem que melanina na pelle exhibe, authentico bahiano, talvez? Que maluquice! Me fascina, no negro, a sola branca num pé plano! Então o scientista, affoito, opina que identico doente sou si irmano meu gozo ao desse mano? Se previna, doutor! Pensa que aqui só dá aryano? Magina! (diz Ruy Castro) Não, magina!
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ESSE CASTIGO [8699] Irrita dona Deborah a tal scena do negro que ficou accorrentado emquanto todos riam delle. Estavam as mesmas commadrinhas a gozar, aquellas que fofocam cada dia: “Bem feito! Não paresce na senzala estar? É logar delle, esse creoulo! Que sua cabeçorra abbaixe, então!” A mim Deborah affirma, abhorrescida: {É crime, Glauco! Crime! Esse rapaz, que culpa tem, alem da cor da pelle? Roubou? Assassinou? Que seja preso, mas nunca accorrentado desse jeito, motivo de piada às fuxiqueiras!} Pensei commigo: Fosse esse moleque um branco, só seria assim gozado si cego ou alleijado. De mim ja fallaram: “Meresceu esse castigo!”
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SUMMARIO SOCIALMENTE CONSCIENTE....................................................... 9 DISSONNETTO POETICAMENTE CORRECTO [0011]...............15 DISSONNETTO AFRO-DIONYSIACO [0051].................................16 DISSONNETTOS PARA A PLANTA QUE ME ENCANTA (1/2) [2339/2340]...........................................................................................17 MOTTE GLOSADO [7594].................................................................19 INFINITILHO DA EXCOLHAMBAÇÃO [8098]............................. 20 [2] POLITICAMENTE POLLUTO DISSONNETTO AO RAPPER [0204]............................................... 23 DISSONNETTO BAHIANO [0338].................................................. 24 DISSONNETTO ESCULACHADO [0730]....................................... 25 DISSONNETTO DA KERATINA VULNERAVEL [1389]............... 26 DISSONNETTOS DO OMNIBUS-LEITO (1/2) [1465/1466]......... 27 DISSONNETTO PARA UM TREZE DE MAIO [1888]................... 29 DISSONNETTO PARA UM NEGRO E UM CEGO [2039]............. 30 DISSONNETTO PARA QUEM SÓ PODE ESPERAR [2651]..........31 COR LOCAL, SANCTO DE CASA [3420]......................................... 32 CANNA SULAFRICANA [3425]........................................................ 33 SEGUE O REGGAE [5740]................................................................ 34 CHEIRO MANEIRO [5778]............................................................... 35 PHALLICO ACTO FALHO [5929].................................................... 36 CORTE RACIAL [6434]...................................................................... 37 CONTEXTUALIZANDO [6451]........................................................ 38 CHARTA INDESCHARTAVEL [6488].............................................. 39 INCULTO INSULTO [6560].............................................................. 40 BRANQUITUDE NA ATTITUDE [6584].........................................41 NEGROS NO COMMANDO [6664]................................................. 42 INFRA FRATERNAL [6774].............................................................. 43 THE SHOELESS AND THEIR... CHULÉS [6819].......................... 44 SNEAKER LICKER [6820]................................................................. 45 QUEBRANTO NA QUEBRADA [6826]............................................ 46 WHY CAN’T WE LIVE TOGETHER [6834].................................... 47 PODOLATRIA NO FUNK [7032]..................................................... 48
MOTTE GLOSADO [7421]................................................................. 49 MANIFESTO QUOTISTA [7882]...................................................... 50 MANIFESTO CRIMINALISTA (1/4) [7976]......................................51 BONDADIVA E MALDADIVA (1/5) [8001]...................................... 53 CIRANDA QUE DESANDA (1/2) [8018].......................................... 55 SOME NIGGERS NEVER DIE... (1/2) [8143].................................. 56 ODE INELEGIACA (1/10) [8152]...................................................... 58 RHAPSODIA CASTRIANA (1/6) [8368]............................................61 PAGINA VIRADA (1/2) [8542]........................................................... 63 ESSE CASTIGO [8699]....................................................................... 64
São Paulo Casa de Ferreiro 2024