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RHAPSODIA DA COPROPHAGONIA (1/17) [8239]

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Não canto aqui, Leitor, luzentes theses que sabios e academicos sustentem. Só mostro onde, em Historia, os livros mentem e ommittem, das parochias às dioceses. Consulto do Hermeneuta as exegeses e affirmo: o asco maior que os Homens sentem é o caso em que dum réu no rosto sentem e caguem-lhe os carrascos justas fezes. É deste torpe thema que aqui tracto, embora desaggrade a réus e algozes, ferindo, uns no regalo, uns no recapto. Não sei si irei fazer, Leitor, que gozes. Porém, dada a crueza dum tal facto, suggiro-te a leitura em parcas doses, a menos que ja a Sade sejas grato.

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Jamais a Humanidade se liberta da primitiva practica penal: malgrado algum progresso occidental, tendencia a torturar ninguem conserta. Comquanto se mantenha ‘inda encoberta, a mais nojenta pena leva aval de cem nações, nas quaes à carga anal a bocca dos forçados foi aberta. O culto a Belphegor, o estercorismo, vodu, macumba, nada justifica castigos de coprophilo sadismo!

Mas eis que o obrar fecal se communica na marra à bocca aberta, advesso trismo propicio à oral descarga da titica e nisso obrando (em versos) sempre eu scismo.

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Linguiça de legume, carne, massa... Cocô mixtura tudo. Quem o coma na certa notará como elle somma sabores, duro ou molle alguem o faça. Comer cocô não é coisa que passa por muitas cabecinhas... Mascar gomma paresce preferivel. Até toma chichi quem chupa; merda não tem graça. Occorre que, em regimes de excepção, registra-se a ingestão, como tortura, de merda pelos presos, num porão. A scena se repete, mas a pura verdade é que quem come à força não se lembra do sabor dessa mixtura, em meio a tanta soffrega afflicção.

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A bunda occupa todo o assento e sobra dos lados: elle é gordo, mesmo, e caga, aos poucos, a linguiça! Quando vaga o recto, mais se allarga cada dobra. Debaixo da privada na qual obra, o gordo escuta a surda voz, a praga raivosa que ella solta, rouca, gaga, que o paio emmudesceu mas se recobra. Na bocca, que pragueja e que se cala a cada salsichão a mais que desça, salame entrou, tambem, para tapal-a. Peidando, o gordo faz sobre a cabeça do preso que, no vaso oval, se entalla, um ultimo chouriço: que padesça! Que soffra alli, sem follego, sem falla!

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A bunda, sobre o vaso, se exparrama. Si vista por debaixo, é como o tecto da arena, pelo olhar dum architecto maluco, que distorça o panorama. Porem, quando do rego se derrama a molle merda sobre um pobre, inquieto e afflicto rosto, o jacto de dejecto mergulha um ser humano em chula lama! Ja vi scena do typo: na gravura, a cara do inimigo apparescia, no fundo da privada, bem segura. Depois que, sobre a tabua da bacia, sentava-se um soldado, a bosta dura formava um bollo e a bocca recobria, tal era dos toletes a grossura.

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Castigo desse typo, na latrina, estava ja abolido, se imagina. Na practica, o systema prisional jamais, a qualquer tempo, se humaniza e o preso mais rebelde passa mal. Si a falta não for grave, algum dejecto recebe sobre o rosto. Mas, si for, alem de perceber pelo fedor, sabor sente dum pratto predilecto. Lhe applicam um funil e, sendo oral a via, o paladar sabe que, à guisa de rallo, alli se serve o principal: Tutu com torresminho se elimina, de couve accompanhado, à fescennina maneira da cozinha menos fina.

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Na bocca introduziram-lhe um funil e lhe immobilizaram a cabeça, de modo que seu rosto permanesça voltado para cyma, em pose vil. Não fora seu algoz nada gentil nas coisas que lhe disse: “Otario, exquesça que é gente! Quero mais é que padesça comendo merda, aqui neste covil!”

Accyma do funil foi posto o assento no qual se accommodou, sorrindo, o algoz, de cujo cu sae liquido excremento.

Tragando feito um rallo, emitte voz de bicho aquella bocca, e seu lamento borbulha ao fundo, cada gole appós, na atroz sonoplastia do tormento.

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Vejamos outro exemplo. Na Koréa ainda se practica o que a Amnistia em graves relatorios denuncia: punir com dejecção crimes de idéa. Um preso, cuja origem é plebéa, serviu, como outros tantos, de bacia durante um dia inteiro à burguezia, da qual levou no rosto a diarrhéa. Ficou, sob uma tampa de privada, em pé, cara voltada para cyma, immovel, entallado, olhando cada trazeiro que se sente e que comprima o recto até que o fetido ar invada o céu de quem perdeu toda a auto-estima.

Quizera Deus poupal-o da cagada!

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Depois do peido, pisca o cu de novo e ja dejecta, em jacto, o resto molle daquillo que na mesa é... (Ravioli?

Lasagna? Peixe? Arroz? Sushi com ovo?) A merda offende e humilha o homem do povo, lhe excorre pela face, e o pobre engole um pouco, pois forçoso é que lhe rolle garganta addentro parte do desovo.

Levanta da privada, sorridente e leve o dysenterico burguez, tão ja mijo a molhal-o o preso sente. E mal seu caldo grosso um delles fez, um outro não demora que se sente e faça egual quinhão, por sua vez, no rosto do supposto delinquente.

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Diverso deste caso é o que, no Congo (reporta um anthropologo), attravessa o tempo em seu folklore. Me interessa, portanto, e neste poncto me prolongo.

Guerreiros inimigos passam longo periodo em captiveiro até, sem pressa, morrerem na tortura. Aqui começa o rito bronco desse povo mongo. Até o pescoço enterra-se o captivo, appenas a cabeça, para traz recurva, a bocca aberta, ‘inda bem vivo. Segundo o ritual, somente faz cocô naquella bocca quem, no crivo, tem preso o ventre e é quasi ja rapaz, achando tudo aquillo divertido.

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Meninos e marmanjos fazem fila, se aggacham, um por um, collando a prega ao labio do captivo, que se entrega a Deus, na fé que o espirito lhe asyla. A merda sae a custo e, até engolil-a, ao olho lhe approximam, quasi o cega, o espinho que ammeaça. Descarrega o proximo moleque outra morcilla.

Tolete appós tolete, secco e duro, affunda na goela que ora engulha, se entope do carnivoro monturo.

Si não morrer no engasgo que lhe attulha a glotte, ganha, ao fim de tanto appuro, o premio de pilhar-se livre o pulha, mas isso ser veridico não juro.

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Um outro caso, em solo mussulmano, occorre mais no Irak, alem do Egypto: punir dos dissidentes o delicto é o mais commum pretexto a algum tyranno. Aqui não é na terra nem no cano que o preso está entallado, mas, num rito diverso, frente ao povo e sob o grito selvagem da torcida, encara o damno. Arenas com platéa: a scena exacta que cerca a applicação da fecal pena, appenas precedida da chibata. Embora a lotação seja pequena, o publico é fanatico e retracta a sadica pulsão de quem condemna, agindo como um typico primata.

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Despido, o condemnado ao centro fica, aberta a perna, expondo o viril dote, emquanto o algoz faz uso do chicote e excita uma assistencia nobre e rica. O latego se enrolla e ja se estica de novo, como cobra dando o bote, até que o sangue rubro à pelle brote e alguma porra excorra em cada picca. Então, o principal: posto de gattas, defronte ao torturado ha uma gamella repleta do cocô de escravocratas. Ao toque do chicote, affunda nella as fuças o coitado, e as taes batatas fecaes logo lhe descem pela goela. Peor é que recentes são taes datas...

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Por fim, na nossa America Latina tambem se verifica, e nada inhibe, aquillo que nas ilhas do Caribe e até no Cone Sul mal se imagina. Em muitos dos presidios, a latrina é mais que mero vaso ao sujo kibbe: por traz duma censura que prohibe denuncias, é dos presos a cantina. Alli, o que alguem cagou outro ja come na marra, debruçado e sob abuso verbal dos que bem mactam sua fome. Não sou eu que primeiro o facto accuso, mas quero emphatizar que logo some da midia o azo ao “sadismo”, termo intruso. Preferem-se euphemismos a tal nome.

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Relato um episodio no Equador, no qual os prisioneiros, um por vez, dum cheio comem tudo o que se fez até que exvaziasse o evacuador. Naquelle quem cagou não quiz dispor da valvula, na vil desfaçatez de ver accumular a humana fez que nunca do alimento terá cor. Emquanto um dos forçados se adjoelha a fim de abboccanhar o que lhe cabe, o guarda diz o que lhe der na telha. Com tal mastigação até que accabe, recebe ponctapés e olha de esguelha. Aquelle a quem não manda que se enrabe tem fama, a conferir, de negra ovelha.

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No mesmo vasilhame em que elle caga lhe servem a comida. Assim, na cella commum da Guatemala, os crimes paga quem, sendo dissidente, se rebella. Asturias registrou, na sua saga, o barbaro costume. Mas aquella tortura alimentar ja se propaga na America Latina, com sequela. Ao ver que o preso come algum dejecto no meio do pheijão, o predilecto prazer do carcereiro é olhar-lhe a boia. Alegre, o funccionario até approveita e bota seu tempero na receita, mijando na vasilha: o pheijão boia no liquido, visão digna dum noia.

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Cantei num breve rol como se come dejecto por castigo ou por maldade de guardas carcerarios fans de Sade e não por clamor ultimo da fome. Embora por mendaz alguem me tome, appenas fui fiel à realidade; e ainda que aos puristas desaggrade, forçoso é dar ao methodo seu nome. Chamar-se-ia como a penal lei que algo mais lembre alem de merda pura? Lei Plumbea? Ferrea? Petrea? Oral? Não sei. Eis, pois, Leitor, que emquanto alguem procura melhor nomenclatura, chamarei de “coprophagonia” tal tortura, porquanto melhor termo não achei.

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