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CAPITULO XIV - A CAUSA PERDIDA 77/86
CAPITULO XIV A CAUSA PERDIDA
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Raymundo me refresca: "A trepadeira ja estava alli! Talvez tenha crescido um pouco..." Eu, que dos olhos não duvido, apposto que algo vivo alli se exgueira. Pragmatico, Raymundo dá canseira à Martha, ao advogado. Si o partido quizer incommodar-nos, resolvido está: ver da politica a caveira! Aos poucos, tudo volta a uma roptina normal, de residencia que se preza. Saraus, sabbado à tarde, serão signa. De quando em vez, Raymundo ainda reza na egreja: pede ao sancto uma menina fiel, sinão a edade logo pesa.
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Foi anticlerical Bocage. Sade tambem. Por isso nunca vou à egreja. O medo dos phantasmas faz que eu seja mais crente, porem, essa é que é a verdade. Espero que Raymundo sempre nade em grana, mas amigo é quem deseja maior felicidade: que elle esteja casado, e bem casado, o meu confrade! Paresce incoherente, eu sei, mas acho que a culpa é minha, às vezes, por não ter um anjo sido a alguem como esse macho. O azar, eu sei, é delle, mas dever eu tinha de adjudar, pois ser capacho meresce só quem paga por prazer.
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No sabbado, em saraus, na sexta-feira até, minha leitura está famosa! Valendo-me da fama de que goza Bocage, leio delle a safra inteira: "Rapada, admarellenta, cabelleira..." "Cagando estava a dama mais formosa..." "Na scena em quadra tragico-hinvernosa..." "Porripotente heroe, que uma cadeira..." O cego me ensignara, aquelle sujo poeta, a dar valor aos fescenninos auctores, inclusive ao dicto cujo. Raymundo applaude, serve vinhos finos aos nossos convidados: Araujo, o "Abbade", Piva, o "Duque", e seus meninos.
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"Estamos sem dinheiro!", se lamenta Raymundo, desfalcado e endividado por causa do partido. Eu, do meu lado, lamento essa politica nojenta. Não fosse a tal campanha, nos noventa, que o saldo nos drenara, nosso estado seria bem melhor! Este sobrado Raymundo, daqui a pouco, não sustenta! Sahida elle encontrou: a constructora pretende erguer aqui mais uma dessas horriveis torres! Sampa é predadora! Implora-me Raymundo: "Não me impeças de nisso me metter! Outro não fora o jeito! Vou vender!" E o vende às pressas.
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Emquanto um edificio estiver sendo erguido no estrategico terreno, installa-nos a empresa num pequeno apê. Raymundo acceita: "Certo, eu vendo!" Demolem o sobrado. Aquelle horrendo e esqualido eskeleto sobe, a pleno vapor! Eu, que detesto e que condemno a nova architectura, emfim me rendo. Teremos, quando prompto, appartamento naquelle condominio vertical. Ah, quanta paciencia ter eu tento! Raymundo inspira pena: affunda em tal deprê, que superar este momento paresce-me um presente de Natal.
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Papae Noel ouviu a nossa prece! Entregam em dezembro a chave e os trez entramos neste futil e burguez caixote de concreto, appós o estresse: Raymundo, Chicho e eu mesmo. Antes pudesse comnosco vir a Martha! Ella nos fez favor, muito atturou. No fim do mez cansou de ouvir desculpas. Quem meresce? Até a bibliotheca foi vendida ao sebo, pois Raymundo ja devia mais grana e o principal, mesmo, é comida. Addeus, saraus aos sabbados, orgia constante, boa mesa! Se endivida quem parca tem noção de economia.
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Emprego anda difficil. Só de bicco ninguem mais se mantem. Quasi vazio está nosso apezão. Passamos frio à noite, e mal me sinto si aqui fico. Por fora, o predio cara tem de rico, com cameras, controles que sem fio funccionam... Mas, ah! Como eu me entedio sabendo que arcaremos com um mico! Tão caro é o condominio, que devendo ficamos e Raymundo, inadimplente, confessa: "Amigo! Ah, como me arrependo!" Procuro consolal-o: logo a gente supera este periodo agudo, horrendo, e volta àquelle nivel mais decente.
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O Chicho, elle tambem, não se accostuma trancado o dia todo aqui. Passeia, commigo ou com Raymundo, só por meia horinha, e desejava, ao menos, uma. Si entrou no elevador, logo elle arrhuma encrenca com o poodle, cara feia faz para o labrador, e se chateia si alguem lhe puxa a orelha. Odeia, em summa. Com suas pattas tortas, ar de triste, caminha lentamente na calçada: não pode mais correr, e nem insiste. Seu jeito de "pidão" commove cada vizinho. Diz Raymundo ao Chicho: "Viste? De ti todos teem pena! De mim, nada!"
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As comptas se accumulam e Raymundo ja briga com o syndico, quer pôr na marra em seu logar o zelador, com má vontade tracta todo mundo. Vizinhos interphonam e, segundo o syndico, reclamam com furor {daquelle rapazinho alli, de cor, com pincta de ladrão, tennis immundo...} Fallaram mal do amigo, é natural que irritem o Raymundo! Como pode alguem barrar-me a entrada social? Commigo o povo implica, e quem se fode é elle? Ah, não engulo! Os tracto mal, tambem, e quem quizer que se incommode!
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Não basta que reclamem: elles vão fazer constar em acta que "em aberto" está nossa "unidade". "Eu não accerto as comptas, mesmo, e prompto!", é o que ouvirão. Raymundo é tido como respondão e, alem de caloteiro, a descoberto deixado tem seu saldo: o banco perto está de lhe dizer um secco "não". Protestos tem na praça e negativo cadastro no commercio. Desse jeito, fallido accabará, pelo meu crivo. Eu quasi justifico o preconceito e torno-me bandido! Não convivo, porem, com ladrões! Quero mais respeito!