4 minute read
CAPITULO XV - A CASA CAHIDA 87/96
CAPITULO XV A CASA CAHIDA
87 [4321]
Advertisement
Maus sonhos tenho tido! O casarão jamais irá sahir-me da cabeça, pois temo, impressionado, que apparesça aqui no appartamento a assombração. Pudera! Onde está agora a fundação do predio, era o porão daquella advessa mansão malassombrada! Que accontesça aquillo novamente é certo, então! Só tenho, por emquanto, um pesadello terrivel, recorrente: a casa está cahindo e, la de dentro, ouço um appello. {Não deixe demolir! Isso será fatal! Não vae o Livro protegel-o da nossa maldicção, da sorte má!}
88 [4322]
Accordo. Está meu quarto todo escuro. Accendo a luz fraquinha à cabeceira da cama, no creado mudo. Ah, queira Satan que eu jamais passe egual appuro! Mas passo! Noutra noite, vejo, eu juro, alguem que se approxima e que se exgueira na minha direcção! Uma caveira! Seus dentes brilham! Sinto-me inseguro! Ainda estou sonhando, penso, e tento manter-me calmo. O tetrico eskeleto se affasta! Ufa! Na cama, então, me sento. Bellisco-me, na cara os dedos metto: não era sonho! Deste appartamento phantasmas dentro estão, branco no preto!
89 [4323]
Dirijo-me ao banheiro, com receio de estar, de novo, frente a frente com o monstro cadaverico. Ouço um som horrendo, guttural, roufenho e feio! O Chicho está rosnando, eu acho, eu creio. Enganno-me: Raymundo rhoncha! Ah, bom! Estão ambos dormindo... Ao edredom retorno e, me cobrindo, devaneio. Estou é delirando, então é isso! Preciso relaxar, pegar no somno de novo, me exquescer do tal feitiço! Espero que Raymundo seja dono, ainda, dos taes livros, ou me enguiço na proxima! Emfim durmo e me abbandono.
90 [4324]
Eu temo que a "Kabbala" tenha sido vendida, junctamente com aquella geral bibliotheca, mas revela Raymundo que a guardou: é prevenido. "Está dentro da caixa. Não decido si a vendo ou si a arremesso da janella...", graceja, sem saber como me gela o medo de rever um fallescido. O Livro me está, agora, sempre à mão. Assim que apparescer alma penada no quarto, expantarei a maldicção! Não tem apparescido, mas, a cada minuto, ou hora, ou noite, occasião não falta para usal-o, isso é barbada!
91 [4325]
O Chicho está velhinho: elle não dura mais muito tempo. E está Raymundo triste com isso: si o cachorro não resiste aos annos, nós tampouco... Isso o tortura. E morre, o coitadinho! A sepultura lhe damos no jardim que ainda exsiste nos fundos do edificio. Ha quem conquiste direito de sepulchro ter à altura? Com lapide, inscripção, emfim com tudo que aquella velha thia, em Pirapora, tivera, tem tambem o salsichudo! Restaram delle as photos, as que, agora, Raymundo fica olhando, carrancudo. Na minha frente, finge que não chora.
92 [4326]
Bochicho, no edificio, nos diffama: quem foi do condominio à reunião reclama que enterramos nosso cão no meio do jardim e sob a grama! Accabam concordando que quem ama cachorros tem direito e tem razão de dar-lhes bom enterro! Agora estão fazendo o mesmo e ja ninguem reclama. Virou o jardimzinho um campo sancto e cada cocker, cada labrador que morre, alli terá um enterro e tanto! Só não permittem poodle, pois o auctor da sabia suggestão, como eu garanto, odeia poodle! Estou a seu favor!
93 [4327]
O facto é que ficou o appartamento mais gelido, mais triste, sem o Chicho. Raymundo não deseja mais ter bicho em casa e convencel-o eu ja nem tento. À noite, volta o medo: basta o vento battendo na janella, e ja me espicho na cama, preoccupado. Nem capricho nos dentes escovados, desattento. Raymundo dorme logo, mas eu não consigo addormescer, temendo aquella caveira luminosa, a assombração! "Kabbala" à cabeceira, só com ella eu compto, desejando que o verão depressa chegue e eu abra esta janella.
94 [4328]
Mas, antes que o verão chegue e nos faça felizes, a caveira me visita de novo! Se approxima, essa maldicta, da cama e, debruçando-se, me abbraça! Empurro, appavorado, essa desgraça e della desvencilho-me, na afflicta, agonica attitude de quem grita de horror, durante a noite que não passa! Accabo percebendo que a caveira pretende me dizer algo... Está bem! Pois diga! Desembuche, caso queira! E falla a apparição: {Raymundo tem condão de ser feliz! Mas a maneira está num pacto: venha para o Alem!}
95 [4329]
Então terei que estar, segundo o pacto, disposto a offerescer-me no logar do amigo mais querido e supportar a morte, ou coisa assim? Destino ingrato! Mas seja o que tiver que ser! Me macto, me entrego, em sacrificio, à tumular caveira mensageira! Quero estar a postos e partir, no tempo exacto! Assim, no pesadello, a noite passo, sonhando que com algo eu dialogo, que ganho esse agourento e ossudo abbraço. Às septe, ao accordar, exquesço logo daquillo: mais dynamico me faço e, em busca dum emprego, a sorte jogo.
96 [4330]
Eu tenho faculdade e tambem tem Raymundo algum estudo, mas não acho um trampo que me sirva! Ser capacho dum chefe eu não atturo, de ninguem! Por isso está difficil! O que vem, não quero e, quando um quero, é só de tacho a cara que me fica! Quem é macho não leva desafforos, não! Eu, hem? Raymundo se deprime, e o tempo passa. Paresce que eu ja disse isto, la attraz. Ficar me repetindo não tem graça! Podemos nós fazer tudo o que faz alguem que não morreu e na cachaça não vive se affogando! Temos gaz!