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CAPITULO XVI - A CASA FALLIDA 97/104
CAPITULO XVI A CASA FALLIDA
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Raymundo ja fizera uma porção de coisas: pão, dogão, pastel de feira, carreto, corretagem... de maneira que como se virar sabe, o biccão. Ja teve restaurante... Por que não abrir um, novamente? Tem inteira adjuda minha, desde que não queira servir, como espetinho, escorpião. Propõe-se a montar uma pizzaria de bairro, sem frescura, bem pequena, pois tracta de fazer economia. Na duvida fiquei si vale a pena, mas elle decidiu: é o que queria. Disponho-me a adjudal-o, à força plena.
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Eu nunca funccionario tinha sido do typo, mas me viro agora, à guisa. Attento ao telephone, attendo: Pizza Formaggica! Boa noite! Seu pedido? Inteira margherita? (Me divido em varias funcções, menos as da brisa nocturna.) Quattro queijos? Tá! Precisa de troco? Quer bebida? (Ai, meu ouvido!) Metade calabreza? Outra metade? Atum? (Como este trampo me enche o sacco!) Será que não exsiste um que me aggrade? Raymundo, que confia no meu tacco, se illude que terá prosperidade, mas nesta profissão eu não emplaco!
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Raymundo, quando pode, é bem sacana! Começa a fajutar na mozzarella, no atum mal conservado... Como é bella a photo do prospecto, como enganna! Na pizza que chamar "napolitana" ninguem consegue, a gente logo appella: tem gosto, mas de nada! A massa mella com fructa podre a pizza de banana! Ficando vae mais fracco o movimento. Raymundo faz as comptas, somma, tica: vermelho se tornou nosso orçamento. "Diabos! Tu não achas que esta zica teria que passar?" Eu me lamento, tambem, e a repetir-se a gente fica.
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Melhor, mesmo, evitar peripheria na hora de abrir porta onde se venda. Não ha policiamento aqui que attenda nenhum commerciante, e o gatto mia. Bandidos nos assaltam numa fria noitinha de domingo! Nossa renda, tão pouca ja, levou a reprimenda dos manos. Um na cara até nos ria: {Ahi, não tem vergonha, não, mané? No caixa só tem isso? Que merreca! Não chega p'ra pagar nosso café!} Raymundo, ouvindo aquillo, quasi pecca por falta de ethiqueta e os xinga, até. Encaro os manos, mudo: a voz me secca!
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O assalto na Formaggica marcava mais uma do Raymundo na derropta. Si estava diminuta, agora a nota sumiu, e nossa crise, então, se aggrava. Raymundo encheu-se. Manda a pizza à fava: "Ja chega! Saber queres? Isto exgotta a minha paciencia! Passo a quota, o poncto, e encerro a firma! Ai, zica brava! Dictado bom é: casa de ferreiro, espeto de pau! Nosso appartamento terá que ser meu poncto e meu terreiro!" E cria a Locadora Uivante Vento, que aluga só mansões: "Será o primeiro do genero este typo de fomento!"
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A nova immobiliaria, que funcciona na salla do apezão, se especializa em malassombrações. Uma pesquisa revela: isso deixou de ser cafona. Os velhos casarões, alli na zona central da Crackolandia, são, à guisa de exoticos castellos, o que visa Raymundo nos negocios que ambiciona. Ja desvalorizados, decadentes, nos servem como, aos filmes, locação bem como de turisticos pães quentes. Raymundo experiencia tem: na mão, seu livro da "Kabbala". E alguns clientes começam a pinctar... Nos pagarão?
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Vizinhos desconfiam que anda aqui no apê Raymundo tendo actividade não-residencial, coisa que invade a nossa convenção. Raymundo ri: "Magina si eu dou bolla! Nunca vi tamanha estupidez! Caso arrecade algum, eu pago as comptas; caso nade em grana, quito tudo! Aggrada a ti? Então, de que reclamam? Que preferem? Que eu fique inadimplente, ou que me accerte? Impeçam-me esses trouxas, si puderem!" Aquillo tudo, às vezes, me diverte. É tão surrealista, que não querem amigos me crer... Quanto o azar se inverte!
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Se inverte, mesmo, o azar! Bem parescia fazer a immobiliaria algum successo! Aqui no appartamento tem ingresso até gente famosa, todo dia! Aquelle director, que fez "Orgia maccabra", "A mão de Dracula" e "O regresso de Dracula", vem sempre! Até lhe peço autographo, morrendo de alegria! Sim, Candido Verissimo, em pessoa, que gosta de filmar num casarão daquelles... E lhe damos coisa boa! Cortiços, pardieiros, um montão de velhos palacetes que, appregoa Raymundo, "Transylvania não tem, não!"