2 minute read
CAPITULO XXV - DO SORTILEGIO AO SACRILEGIO 137/142
CAPITULO XXV DO SORTILEGIO AO SACRILEGIO
137 [4371]
Advertisement
Emquanto, definhando, eu emmagresço, Raymundo percebeu a minha falta. Tambem elle sonhou, suando, em alta e quente madrugada, que eu padesço. Agora a solidão pesado preço lhe cobra: me procura, chama, salta da cama, sae à rua, encontra a malta dos manos... Mas cadê meu endereço? Está desconsolado, o meu amigo, sem rhumo, sem noticias, à deriva. Agora, quem ao lado tem comsigo? As putas? Os travecos? Quem se exquiva, cruzando na calçada, é quem abrigo, na vespera, lhe dera: qualquer diva!
138 [4372]
Raymundo, então, pergunta pela actriz pornô, pela Vannessa de Gomorrha. Será que, caso oraculos percorra na astral Bocca do Lixo, alguem lhe diz? Até que não será tão infeliz na busca, pois, em meio àquella zorra, encontra alguem que falla, antes que morra, das basicas noções a um apprendiz. Se tracta do famoso Xenophonte Martins, o renomado chiromante, a quem pede Raymundo que lhe conte: "Tu sabes, tem o Craque aquella amante, talvez ella me adjude! Tua fonte está na minha palma, e nos garante!"
139 [4373]
O experto Xenophonte a mão lhe lê com cara preoccupada: {Olhe isso aqui! Que coisa interessante! Nunca vi tão claras linhas, digo isso a você! Aquelle seu amigo está... Cadê? Aqui! Percebo agora!} Elle sorri, mas logo fica serio: {Percebi que está muito doente, você vê...} Raymundo quer saber: "Mas onde está? Vannessa está com elle? Esse xodó que o Craque tem por ella, 'inda terá?" Explica-se o vidente: {Não sei! Só lhe posso accrescentar que ja não ha sahida para os dois! Zeus tenha dó!}
140 [4374]
Ouvindo a referencia a Zeus, Raymundo se lembra de rezar, pois tempo faz que à egreja não tem ido. Que rapaz tão sceptico e tão crente, o vagabundo! E vae, feito andarilho do submundo, perfeito peregrino que, sem paz, vagueia, à cathedral da Sé, das más lembranças se purgar, pois se acha immundo. Da gothica fachada elle está deante, olhando para cyma. As torres são tão altas a quem olhos lhes levante! Si alguem dalli pullar, terá perdão? Raymundo até tonteia. Quem garante que alguem ja não pullou, mesmo um christão?
141 [4375]
Raymundo a escadaria sobe, a nave addentra. Olha os vitraes de variada cor, tão kaleidoscopicos! Mais nada lhe occupa a mente: pensa, sem entrave. Escuta aquella musica suave dum orgam, ouve o sino, a badalada das horas. Adjoelha-se. Está cada vez menos infeliz e menos grave. "Senhor! Si alguma coisa pedir posso, fazei que o Craque viva, que regresse! Que mundo tão ephemero, este nosso! A vida é curta! Si esta minha prece tem força, Pae, fazei que elle do vosso perdão meresça a chance e seu mal cesse!"
142 [4376]
Sei como esse rapaz levar se deixa por certos ambientes. A imponente e archaica architectura, a alguem que sente saudade, causa effeito e instiga a queixa. Raymundo, que, na practica, desleixa de tudo, só se lembra de ser crente nas horas de afflicção. É toda gente assim, immediatista, e elle se enfeixa. Si meu amigo é como todo mundo, tambem eu sou, não fujo à regra. Só destacco um pormenor, no qual redundo: Nem todos são poetas. Tem mais dó dos outros, de si mesmo, de Raymundo, o bardo, cujo choro affrouxa o nó.