HÓRUS CULTULITERARTE

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ISSN : 2183-9204

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A equipa da Edições Hórus deseja a todos os nossos autores, familiares, amigos, colaboradores, parceiros e seguidores um Feliz Ano Novo repleto de esperança, amor, saúde, sucesso e muita felicidade! Que 2021 nos faça esquecer este ano atípico que hoje termina!

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Entrevista a Mónica Guerra Quando é que a Susana percebeu que o seu destino era ser escritora? Mónica: Não houve propriamente um momento. Eu sempre gostei de escrever e isso sempre foi uma certeza para mim: de que haveria sempre de escrever contos e histórias, independentemente do que viesse a fazer mais, ser escritora foi algo que sempre foi natural para mim. Qual a temática dos seus dois livros "Inverno" e "Primavera"? Mónica: São romances de época e de aventuras. Pode contar-nos um pouco sobre o último título? Mónica: A “Primavera” é a continuação do “Inverno”. Apesar de as histórias serem independentes, a “Primavera” segue em linha com o primeiro livro e nele conhecemos um pouco melhor duas das personagens secundárias do “Inverno” que são agora as personagens principais deste livro. Vamos encontrá-las cinco anos depois da acção do “Inverno”. Agora são pessoas um pouco diferentes, mas com a mesma paixão pelo trabalho que fazem. E vamos encontrá-las num ambiente diferente também: a acção da “Primavera” passa-se na Rússia onde tentam correr contra o tempo em busca de um Diário com informações importantes. Fazem parte de alguma trilogia? Haverá continuação? Podemos esperar mais obras suas deste género? Mónica: Sim. A “Primavera” é o segundo livro de uma colecção de quatro. Cada livro terá como título principal uma estação do ano e a acção desse livro começa também nessa estação. De cada livro saltarão dois a três personagens secundários que serão os protagonistas do próximo e terão a sua própria historia e aventura, independente da do livro anterior, e essas histórias irão avançando no espaço e no tempo. O “Inverno” começa em 1853, a “Primavera” em 1898 e assim sucessivamente até chegarmos ao “Outono” cuja acção deverá acontecer no primeiro Outono da primeira guerra mundial. De onde vêm os personagens deste novo livro "Primavera"? Relacionam-se de alguma forma com alguém que conhece? Ou inspirou-se em alguém? Mónica: Sim, mesmo inconscientemente acabo sempre por ir buscar coisas a alguém que conheço, ás pessoas que me rodeiam ou que se cruzam comigo. Uma personagem pode ser uma mistura de várias pessoas ou de uma só ou até de nenhuma. Assim como sou influenciada pelos locais por onde vou passando e que vou conhecendo. Qual é o seu livro e autor favorito? Guiou-se por eles na escrita do seu livro? Mónica: O meu autor favorito tem uma escrita completamente diferente da minha em todos os aspectos. Mas sim, as suas obras inspiraram-me muito em vários sentidos. Acho que inspira qualquer pessoa que as lê. O meu autor favorito, se tenho que escolher apenas um, é o Paulo Coelho e o seu livro que prefiro é “Verónica decide morrer” Qual é a sensação de ir a uma loja e encontrar um livro seu à venda? Mónica: De felicidade e gratificação

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Já alguma vez se cruzou com alguém a ver o seu livro? Mónica: Ainda não. Atualmente, cada vez é mais difícil publicar um livro, principalmente devido a motivos financeiros e com a pandemia este ano a área editorial e livreiro têm sido brutalmente afetados. Qual foi a sua maior dificuldade na publicação deste novo título? Mónica: O lançamento da “Primavera” foi adiado devido à pandemia, era para ser em Maio e fui obrigada a adiar para Novembro, mas sempre com receio de não o conseguir fazer. Consegui, mas não foi o evento que tinha planeado, não foi igual ao lançamento do “Inverno” que foi muito mais impactante, com muito mais pessoas e convívio. E para nós pequenos escritores e pequenas editoras, os dias de lançamento são os mais importantes, aqueles em que conseguimos reunir mais pessoas e dar a conhecer o nosso trabalho, sem falar que a nível de vendas também são os melhores e isso para nós é muito importante, assim como as apresentações em feiras, livrarias e outros eventos, pois também temos o nosso investimento em jogo e temos que o recuperar. Ao sermos impossibilitados de fazer promoções, somos impedidos de nos dar a conhecer, de dar a conhecer o nosso trabalho, de vender, e como não temos condições financeiras para pagar a máquinas de marketing, não conseguimos entrar no mercado dos grandes distribuidores e competir em pé de igualdade com as grandes editoras que dominam o mercado livreiro com os seus autores. É tudo uma questão de dinheiro, até nas livrarias e nas feiras, quem consegue pagar tem o melhor e maior espaço quem não pode é relegado para o fim da sala, mesmo sendo tão bom ou melhor que alguns autores de grandes editoras. Enquanto está a escrever, partilha a história com alguém para pedir conselhos? Ou guarda para si? Mónica: Partilho com duas amigas e com a minha editora, que me acompanham no processo de criação, elas ajudam-me não só com conselhos ou sugestões, mas também com o ritmo e interesse da história. São uma espécie de barómetro. Quanto tempo demorou a escrever o livro? Mónica: Perto de um ano e meio. Dedica quanto tempo à escrita por dia? Mónica: Depende, há dias em que não escrevo nada, outros em que estou horas a escrever. Mas quando me sento para trabalhar faço-o com a certeza que tenho pelo menos hora e meia a duas horas sossegada para o fazer. Como lhe surgem as ideias para escrever? Mónica: Muitas vezes do nada, outras através da música ou de algo que acontece. Muitas das vezes em que bloqueio tenho de parar de escrever e fazer outra coisa diferente para pensar. Ir caminhar, cuidar das tarefas da casa ou ouvir música ajudam-me a pensar por exemplo. Gosta de trabalhar em silêncio absoluto ou prefere ouvir música enquanto trabalha? Mónica: Gosto do silencio. Das duas obras que escreveu: "Inverno" e "Primavera", tem alguma que seja a sua favorita? Mónica: Gosto das duas, mas tenho um carinho especial pelo “Inverno” por ter sido a primeira. .................................................................................................................................................................................................. 5


Se estivesse agora a começar a sua carreira como escritora, mudaria alguma coisa? Mónica: Não. Todos os erros e conquistas foram importantes para o meu crescimento como escritora. Compare a situação de Portugal na literatura relativamente aos outros países. Neste caso publicou em Portugal, acha que teria mais ou menos sucesso se publicasse as mesmas obras, mas noutros países? Mónica: Honestamente não sei. Gostava de editar internacionalmente claro, mas é quase impossível. Em Portugal não se lê muito, mas acho que já se leu menos. Viver unicamente da escrita é impossível. O grande problema que nós, novos autores, enfrentamos é a falta de oportunidade. As cadeias de distribuição não nos dão oportunidades nenhumas, nem a nós nem ás pequenas editoras. Não conseguimos entrar fisicamente nas grandes livrarias, não conseguimos ter os nossos livros nos escaparates nem nas montras porque não temos poder económico nem nome para comprar espaços. Assim torna-se difícil dar-nos a conhecer ao publico. E se o publico não nos conhece não compra, e se não compra não somos lucrativos, logo não interessamos ás grandes livrarias. É uma pescadinha de rabo na boca. Existem futuros autores que ficam desmotivados com esta situação mundial devido à pandemia o que é normal. Pensa que isso ainda lhes dará mais força e motivação para escrever e publicar? Mónica: Sim, têm que dar. É normal desmotivarmos, eu também desmotivo por vezes, mas depois há sempre um botão que nos impulsiona novamente na forma de uma critica positiva, ou uma palavra de apoio de quem nos lê. Isso incentiva-nos a continuar. E é reconfortante saber que, algures, há alguém em confinamento, com um livro nosso na mão que o vai ajudar a superar esta fase menos boas. Qual o seria o seu conselho para novos autores? Mónica: Nunca desistir do sonho. Podemos levar com muitos” nãos”, mas se acreditamos nas nossas capacidades, um dia a oportunidade chega.

Sinopse: Depois de “Inverno” a ficção volta em “Primavera”, obra fascinante em que Mónica Guerra dá vida a electrizantes tramas de espionagem e onde não faltam personagens inesquecíveis, grandes doses de emoção e suspense, aventura, crime e paixão. A acção começa em 1887, em São Petersburgo, numa encruzilhada de conspirações e espiões internacionais em busca do derradeiro tesouro dos Templários, por cuja posse importantes e misteriosas Organizações não hesitam em matar... tal como Luzia, uma agente sedutora e perigosa a quem o intrépido Comandante Filipe não resiste.

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Biografia: Nasceu em Lisboa, mas considera-se ribatejana. É licenciada em Sociologia, curiosa e observadora. Aprendeu a ler e a escrever ainda antes de entrar para a escola primária e ler sempre foi uma das suas paixões. Sempre gostou de escrever, começando por pequenos textos e publicando as suas primeiras histórias nos jornais escolares e no DN Jovem. Publicou o seu primeiro livro “De manhã já te esqueci” em 2007, baseado na sua tese de licenciatura, “A Prometida” em 2015. Com a Emporium Editora lançou “Inverno” em 2018 e “Primavera” em 2020, o segundo volume de uma colecção de romances de época e aventura.

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Marisa Alves Divagando em parênteses

Há muito que vivo um dia de cada vez. Já não faço planos a longo prazo e dou-me por satisfeita se conseguir cumprir os que tenho a médio prazo. A vida tornou-se um abrir e fechar constante de parenteses e ensinou-me que devo aceitar que erro, porque sou humana, e que devo acreditar nas segundas oportunidades. As opções que tomamos nem sempre são as melhores e a nossa vida é uma luta constante. Lutamos por terminar o ensino secundário, por ter um curso superior, por arranjar um emprego e singrar numa profissão. Lutamos pelo amor da nossa vida e por constituir família. Se pensarmos um pouco sobre isto, essas são, efetivamente, meras conveniências sociais. Somos socialmente educados, quase obrigados, a seguir esses parâmetros sociais e, muitas vezes, vamos “arrastando a barriga”, para fazer a vontade aos que nos rodeiam. Mas com o passar do tempo, percebemos que, por vezes, as coisas não são como nós queríamos que fossem e aquilo que algum dia idealizamos não aconteceu. O curso torna-se aborrecido. O emprego é uma chatice. O amor não é amor. Então, chocamos com a realidade e verificamos que já não há volta atrás. Aí, aparece um vazio em nós, que nos consome por dentro, porque as expetativas foram defraudadas. O curso, o emprego, o amor atacaram-nos vilmente, tiraram-nos o tapete e deixaram-nos a alma exposta. O fracasso tomou o lugar da felicidade e, com este, veio o sentimento de fraqueza, que nos leva a tomar atitudes desafortunadas. Muitas pessoas vivem infelizes com a perceção das suas atitudes, das suas escolhas, que em determinada altura forma erradas, e não acreditam nas segundas oportunidades. Pensam que não é possível terminar outro curso. Acreditam que não pode ter outro emprego. Não aceitam que a sua idealização de família correta, certinha, socialmente exigida, possa destruir-se. Levadas ao limite, cometem loucuras, contra si e contra outrem. Matam “por amor” (como se fosse possível um ato tão atroz ser considerado “amor”!...). Cometem suicídio… Muitas matam-se vezes e vezes sem conta, em vida. Matam-se por dentro, numa morte lenta e percetível apenas aos olhos de poucos. E agora pergunto: será que vale a pena viver infeliz? Será que a vida de uma pessoa justifica a insatisfação de outra? Não, não vale. O que vale a pena, nesta vida, é acreditar que temos sempre a possibilidade de tentar novamente, seja no curso, no emprego, no amor. Estou em crer que a vida é regida de oportunidades e, como tal, temos de passar a ver cada dia como uma nova oportunidade. Devemos entender os erros como aprendizagem. Arriscar um novo curso! Tentar um novo emprego! Amar, uma e outra vez, plenamente…E se não resultar, tentar de novo! Fazer tudo por Amor e com Amor! Só assim podemos ser absolutamente felizes.

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Nota biográfica Marisa Luciana Alves nasceu em Vinhais, uma linda terra transmontana, no ano de 1976. É professora de profissão e escritora por vocação. Foi a vencedora do 3.º concurso literário da Papel D’Arroz Editora (2014). É autora de 5 livros e coautora de 29 antologias/coletâneas, algumas das quais da Edições Hórus. Publicou: · · · · ·

O que Zeus mostrou aos Homens (2018), Edições Toth; A tua receita, meu amor! (2015), Papel D’Arroz Editora; O sono da Primavera (2014), Edições Vieira da Silva; De suplicar por mais…(2013), Edição da Santa Casa da Misericórdia de Bragança; Contando memórias…(2011, edição da Universidade Sénior de Borba).

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Lucas Oliveira Minha chefe dominadora - Conto Erótico (M18)

FOTO DE BESSI - Finalmente acabei aqui, hora de ir para casa. - Eu disse me esticando na cadeira do trabalho. Apesar de ser tarde, ainda vai me restar algumas horas para tomar um bom banho e jogar alguma coisa. Me motivando como sempre para poder aguentar uma exaustiva jornada de trabalho como advogado junior de uma grande empresa tributária, as contas do fim de ano que precisam ser organizadas para poder serem avaliadas pelos diretores requerem um bom tempo e concentração da minha parte. Uma semana me dedicando a fazer planilhas e relatórios e petições para sanar problemas que as empresas teriam, com meus vinte e quatro anos, corpo magro sem alguma definição muscular, uma roupa social de trabalho e uma gravata que aperta o pescoço ao ponto de me querer fazer arrancar ela. Com tudo salvo, emails enviados, anotações futuras feitas para algum imprevisto. Com tudo em ordem me retiro de minha cadeira e vou indo ao elevador. Aperto o botão para ir para a saída do prédio até que uma mulher vem correndo na minha direção, seus longos cabelos pretos, seu terno e gravata ajustando ao seu sexy corpo, seus longos seios quase bem realçados por sua roupa de trabalho e seu lindo rosto de modelo internacional. Toda essa combinação faz meu coração quase soltar da boca pois eu conheço essa figura, ela nada mais é que minha chefe de departamento, a esposa de um figurão dentro da empresa. Sem pensar duas vezes seguro a porta do elevador para que a mesma possa entrar comigo pois eu sei que se eu não fechasse tal porta minha bunda estaria a prémio. - Obrigada. - Ela disse sem muita emoção. Ela olhou para os botões do elevador e viu que eu já tinha apertado para um destino. .................................................................................................................................................................................................... 12


- Vai a pé para casa essa hora ? A pergunta me pegou desprevenido, já que ela conhecida por ser uma pessoa de poucas palavras. Seu olhar pouco expressivo esperava alguma resposta da minha boca e com isso não me restou escolha se não responder ela, não me sinto bem com ela por perto. A mesma possui uma pressão sufocante. - Estava pensando pegar um taxi, por sorte a empresa paga uma parte do taxi para os funcionários que precisam ficar um pouco mais tarde. Ela ficou em silêncio por um momento, os segundos de silêncio pareceu horas. Acho que ela queria me falar alguma coisa pois como ela é uma mulher mais baixa do que eu, pude ver seus lábios querendo me dizer alguma coisa. Nunca conversei com minha chefe no trabalho, no máximo foi mais para relatar alguns trabalhos, algumas sugestões de como proceder com casos um pouco fora do comum. - Quer uma carona ? De carro próprio é mais rápido, os taxi vão querer enrolar um pouco pra ganhar um dinheiro a mais. Fiquei desconcertado, a mulher que é de poucas palavras e que só mantém uma barreira de gelo com todos está querendo que eu vá com ela de carro. - Eu realmente ficaria feliz, mas…...a senhora não é casada ? Ela ficou em silêncio por mais alguns segundos, mas rapidamente ela me deu uma resposta. - Isso não vem ao caso, além disso vou apertar o botão para ir a garagem da empresa. Não é como se meu marido estivesse em casa mesmo. Mais uma vez ela me deixa desconcertado pois praticamente ela realmente quer que eu vá com ela para seu carro, a outra parte que me intriga é o fato dela me dizer que seu marido não é como se estivesse em casa mesmo. Como assim ? O casamento dela não está bom ? Me lembro muitas vezes em reuniões e eventos da empresa onde ela e seu marido estão sempre juntos. Tirando fotos, conversando com colegas e alguns junior da empresa. A essa última parte me deixou um pouco com a pulga atrás da orelha. - E se eu disse não ? - Então sua chance de ficar na empresa vai de 50% a 0, você quem sabe. - …………. Saímos do elevador e fui com ela até seu carro e devo dizer que carro, um bom esportivo em que muitos empregados de começo de carreira ficariam babando. Se eu fosse fazer as contas eu teria que fazer uma prestação de 80x pra conseguir pagar tal carro. Minha chefe que ia até ele tinha um andar de pura confiança, como se o mundo se ajoelhar para ela. Suas costas dava a impressão de ser as costas de uma forte líder dominadora, acredito que se ela fosse a dona da empresa certamente muitos teriam que saber sambar bem para poder ter seu agrado, lembro que toda vez que falo com ela sobre questões de trabalho eu sinto um leve tremer nas pernas. Seus olhos quando focam nas 13 folhas que trago para ela avaliar me faz querer sair da sala dela o mais rápido possível. - Nossa, é confortável até. Quase eu caio no sono. - Eu falei espantado.


folhas que trago para ela avaliar me faz querer sair da sala dela o mais rápido possível. - Nossa, é confortável até. Quase eu caio no sono. - Eu falei espantado. - Você é a primeira pessoa que levo de carona. - Ela me disse de surpresa. Fico encarando ela tentando entender o que ela está fazendo. Seguindo o caminho para minha casa ficamos em silêncio por muitos minutos, não sabia como quebrar esse grande gelo entre nós. De fato conseguir conversar com uma pessoa que pode acabar com sua carreira em um piscar de olhos não é lá um momento legal para se ter uma conversa. Passando um pequeno tempo eu vi que estávamos quase na rua que me levaria direto para casa, mas do nada minha chefe fez um desvio que acabou por me deixar desconcertado. - Chefe…….era o caminho para minha casa. - Eu falei tentando entender sua repentina ação. - Mudança de planos, venha passar a noite na minha casa. - A senhora é casada, vai dar problema se o seu marido me vir na porta da sua casa comigo. - Não vai dar em nada seu idiota, meu marido tá mais se entretendo com algum estagiária da empresa do que ficar em casa. Essa fala dela me deixou agora sem nada para dizer, ela acabou por me dizer que seu marido está tendo um caso com alguma estagiária da empresa ? Se bem me lembro, o marido da minha chefe é bem seletivo quanto a idade e beleza de suas estagiárias. Até mesmo rumores rondam na empresa de que as novinhas que ficam na mão dele por um tempo sempre acabam sendo promovidas rapidamente. - É…...os rumores então…… - Reais ? Sim, meu marido sempre tem saído com alguma estagiária nova da empresa. Infelizmente não sou atrativa como essas novinhas que os homens tanto gostam. Fiquei sem palavras, apesar de suas palavras não trazerem alguma emoção, dava para perceber perfeitamente que ela guardava um profundo rancor de seu marido e também sinto que estou entrando em alguma furada na qual poderá ferrar com minha vida dependendo do que vier a acontecer. ……… - Chegamos. Minha chefe estacionou o carro e saiu dele me esperando sair dele também. A garagem do conjunto de apartamentos de luxo de fato era de outro nível. Tinha até pequenas lojas dentro, como estava bem tarde as vagas estavam todas preenchidas por seus respectivos donos. Não havia sequer uma viva alma na garagem. 14


- Vamos. Minha chefe tomou a liderança me conduzindo silenciosamente para o apartamento dela, ao entrar no elevador ficamos lado a lado. Não sei se foi impressão minha, mas senti uma mão boba alisando minha bunda e não pude deixar de olhar para ela. Sua expressão era fria como sempre, mas seu braço estava atrás das minhas costas me mostrando que sua mão apreciava meu traseiro perfeitamente. Tentei abrir a boca para dizer alguma coisa, no entanto não tive a coragem para falar algo. Os segundos onde sua pequena mão me alisava pareceu horas igual quando estávamos no elevador da empresa. Meu pênis claramente reagiu a esse avanço ousado da chefia e eu não estava sequer preparado para esse tipo de situação. Nunca esperei que a chefia fosse capaz de fazer algo desse tipo com um funcionário subordinado, sempre que falava com ela na empresa eram poucas palavras e todas as nossas conversas foram sempre sobre trabalho. Nunca tive qualquer conversa íntima com ela, aliás, nunca esperei em qualquer sonho mais louco que teria algo com ela. Sendo ela a esposa de uma das chefias máximas da empresa seria suicidio da minha parte tentar alguma coisa com ela, mas ela é que teve a ousadia de fazer um avanço contra mim e dentro do elevador. - Por…..por que eu ? - Eu não sei dizer, você me pareceu interessante. O tipo que não revelaria um segredo, estive de olho em você sempre que você vinha em minha sala apresentar seus relatórios. Gostei de você, vou fazer você ser meu secretário. - Eu…….mas…...as pessoas não vão…...desconfiar ? - Perguntei tentando me controlar. - Ah, chegamos, venha comigo. No corredor que leva a porta do apartamento dela tinha uma boa iluminação permitindo as pessoas poderem sair de suas casas a noite sem ter que usar o flash do celular. Eu no meio de um caos que estar por vir tremia por dentro pois sabia o que me aguardava ao entrar na casa da chefia. Sem falar nada seguia liderança dela com meu coração indo a mil por hora. Click Ela usou um cartão high tech e a porta se abriu por conta, aquilo não pode de me deixar besta. Tenho uma forte queda por facilidades tecnológicas do dia a dia, um mero cartão que garante a entrada e segurança é algo que eu veria em algum hotel de boa qualidade. Plin A luz da casa dela foi acesa pela chefia que entrou jogando seus luxuosos tamancos para o lado e seu terno revelando uma costas suada por passar o dia inteiro usando ele. - Vem, sinta-se em casa.

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Entrei timidamente olhando para o grande apartamento dela, sua enorme tv que daria para tornar sua casa um pequeno cinema. Caixa de som sem fio que daria aos filmes uma qualidade de audio de outro mundo, percebi nesse exato momento o quão distante eu e a chefia estamos um do outro. Fiquei um bobão viajando em todo aquele luxo high tech em volta da sala dela e timidamente sentei no sofá. - Pode tirar sua roupa, vou tomar um banho rápido. - Mas...eu também estou...suado…… - Falei vacilando. Pela primeira vez ela me sorriu, um sorriso tão bonito quanto de uma modelo que treinou por horas para ter um sorriso perfeito. Ela de repente começou a remover as peças de suas roupas e me revelando um belo corpo. - O que está esperando ? Venha tomar um banho comigo. Da sala até o banheiro tudo ficou em branco, quando me toquei eu estava dentro do banheiro com minha chefia estando nu e molhado pela água. Eu abraçava o belo corpo nu dela com um enorme prazer, todos os meus sentidos estão ligados a mil por hora. Tamanho prazer eu só pode sentir uma vez na minha vida num puteiro e fora disso só tudo a base da punheta. A chefia gemia fortemente com meus dedos masturbando sua vagia delicada, meu pênis duro roçava entre suas coxas e minha outra mão livre agarrava fortemente em seu seio. Nem acredito que estaria vivendo uma noite tão mágica e ainda mais com uma mulher que todos temem falar. Essa mulher que com seu olhar faz seus subordinados tremerem na base estava completamente submissa às minhas vontades não reclamando da força que agia sobre ela. De repente ela se virou contra mim e nossos olhos se encontraram mostrando muitas emoções fortes, os olhos da chefia externava um fogo tão quente quanto uma fogueira me mostrando como seus desejos estão explodindo dentro dela. Nossos lábios foram encontrar um ao outro o meio para tirar esse fogo dentro de nós e isso foi por muitos minutos dentro do chuveiro. - Vamos….vamos nos secar...e hmmmmmm……...continuar no meu quarto. - Mas seu marido…… Ela colocou seu dedo em meu lábio sorrindo. - Ele não vai vir de qualquer forma, essa casa é nossa por hoje a noite. Secando e me deitando na cama da chefia começamos mais um round onde agora ela de quatro para mim me dando uma bela vista de sua traseira. - Qual foi...a última vez que fez com seu marido ? -......... - Desculpe, eu não devia ter perguntado. 16


- Tudo bem, faz muito tempo que não faço com meu marido. Nosso casamento foi mais política do que amor, mas deixamos esse assunto para depois, continue o que você ia fazer em mim. Não disse nada e agarrei a traseira branca dela deixando marcas de dedo em sua pele, com minha outra mão livre usei para ajudar na penetração em sua vagina. Na minha primeira vez eu fiz com camisinha devido a ser uma prostitua, mas agora estou fazendo com uma mulher casada sem qualquer proteção. Se ela deixou desse jeito então não deve ter problema. - Lá vai. Meu p~enis ao entrar dentro dela me transmitiu uma sensação nunca sentida antes, um grande molhado cobriu meu pênis onde eu não pude deixar de gemer de prazer. Meu corpo quase perdeu as forças pela penetração, acho que agora eu posso dizer que não sou um virgem já que com a camisinha não da pra sentir muito prazer na penetração. - Que grande……..e maior que o dele…...merda..merda...merda….está me abrindo toda por dentro….esse meu filhote, eu fiz bem em te escolher. Ela era uma mulher bem faladora na cama onde quando minhas pernas começaram a se chocar na traseira dela, sua boca não parava um instante onde a mesma ficou soltando as mais variadas vulgaridades. Meus dedos agarravam fortemente a carne dela, eu parecia um cachorro fodendo uma cadela no cio perdendo toda a minha sanidade. A cama rangia com toda a força do meu movimento, essa noite eu certamente vou lembrar o quão fantástica foi e logo com os minutos passando meu pênis pulsou e meu esperma foi todo para dentro da minha chefia onde eu após isso desabei meu corpo sobre ela. Usando pouco da minha força fui em direção a ela para olhar em seus olhos a satisfação. - Você fez bem meu filhote, de hoje em diante vou manter você perto de mim para sempre. Logo seus lábios foram de encontro ao meu até que nossas energia foram se esgotando e nossos olhos vieram a se fechar pelo sono.

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BEST - SELLER

“Verso Preso e Negro” é o primeiro livro de Simão Guerreiro Correia, escritor português de trinta anos que utiliza uma escrita bastante própria para desenrolar a história da qual é autor. Assume-se fã das «prodigiosas imaginações» de J.K. Rowling, Tolkien, George R.R. Martin e Stephenie Meyer, e foi sob influência de todos eles (e outros tantos) que deu vida a Jo Neptuno, personagem principal da obra que ao final de nove anos colocou ao dispor dos leitores. Ao longo da mesma, surgem poemas ligados à narrativa, através dos quais demonstra o seu talento neste género, embora seja em prosa que o seu enredo se concretiza. “Verso Preso e Negro” trata-se certamente de um título que em breve deverá fazer parte dos temas tratados pelos mais jovens. O livro, editado pelas Edições Hórus, encontra-se já à venda no site da editora, na Wook e no site da Bertrand.

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O interminável ano de 2020 Por Carla Santos Ramada Quando me despedi do ano de 2019, que me trouxe muitas coisas boas, saúde, trabalho, bons momentos passados em família e com amigos e o lançamento do meu primeiro livro “Um pensamento por noite”, desejei como todos nós, que o novo ano se não fosse melhor, que fosse igual. Estava longe, muito longe de imaginar o que seria 2020! O ano começou com muito trabalho, fins de semana em família e a viagem de sonho à Disney com os filhos, já estava programada para o fim das aulas escolares. Com o fim de semana dos meus anos veio o carnaval e com ele o “bicho” importado da China. Os dias foram-se passando, as semanas avançando e a treze de março, o Diretor-Geral da OMS, declara o contágio por COVID-SARS2 Pandemia Mundial, entraríamos num caminho sem retorno, um caminho vertiginoso, desconhecido, de medo e de angústia. O país parou, paralisou, fechou-se! As escolas fecharam, os trabalhos passaram a teletrabalho, muitas empresas entraram em layoff, as aulas passaram a ser online e tudo passou a ser feito dentro de quatro paredes, as compras eram feitas pela internet e a máscara passou a ser obrigatória em espaços fechados. Em junho, com a chegada do calor e das férias, as medidas de controlo da pandemia foram aliviadas, as pessoas foram de férias, o turismo e a restauração respiraram um pouco e a vida fez-se de uma forma normal, dentro do novo normal. Em setembro retomam-se as aulas presenciais, volta-se ao trabalho e os números de infetados, de internamentos e de mortos começa a disparar. Voltamos a ficar semi-confinados (não é possível voltar a fechar o País), aparece então um novo estado de emergência, proibição de nos deslocarmos entre concelhos, recolher obrigatório, encerramento de restauração aos fins de semana apartir das treze horas, com isso também aparecem as manifestações, as revoltas, as pessoas estão cansadas. O Natal está à porta e muitas pessoas passam por dificuldades financeiras, apela-se ao bom senso, pede-se para ficarem em casa e os números começam a dar sinais de abrandamento. A vacina chegará com o novo ano dizem, assim espero, assim esperamos todos. Chegam as medidas para o Natal e Ano Novo, não há proibição de circulação entre concelhos no Natal, mas existe na passagem de ano, as festas abertas ao público estão proibidas e mais uma vez apela-se ao bom senso.

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Foto de Alexandra_Koch .................................................................................................................................................................................................... 20


Quase a terminar 2020, o que me interrogo: - O que nos ensinou este ano quase transato? Sim, eu tento ver sempre o lado positivo das coisas. Haverá alguma coisa de positivo a tirar deste ano interminável? Acho que cada um tem de fazer essa introspeção. A mim, tornou-me numa pessoa ainda mais atenta às pequenas coisas, ainda mais solidária para com o próximo, ainda mais resiliente, ainda mais consciente, ainda mais forte. Vivemos num mundo global, não podemos continuar a pensar que vivemos na nossa bolha e que cuidando do nosso pequeno mundo está tudo bem, não está! Há que tirar lições de cada ano que passa, deste com certeza que tiro muitas lições e por isso vou estar mais bem preparada para enfrentar 2021, mesmo não sabendo o que aí vêm. Nunca precisei de muito para ser feliz, mas agora tenho a certeza, preciso de muito pouco, isso foi umas das coisas que o “bicho” também me veio ensinar. Mas existe uma coisa que o safado do COVID me colocou a descoberto, o despertar de um sentimento que tem tanto de bonito como de triste, um sentimento tão, tão Português, a Saudade! Ah a saudade…. A saudade da azáfama das épocas festivas, a saudade do riso e das brincadeiras das crianças nos parques, a saudade dos pequenos gestos, como um simples abraço, a saudade da gargalhada livre, a saudade de ver o rosto das pessoas por inteiro, a saudade das pessoas que me são queridas e que ficaram longe, a saudade de um beijo… O Ano 2020 não vai deixar saudade, mas deixou a palavra saudade impregnada em mim. Não, não deixa saudades, mas ficará na minha memória e fará parte da nossa história.

Carla Santos Ramada Dezembro 2020

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CRÔNICA DE UM ASSALTO SILENCIOSO Por Paulinho Carvalho Estava eu, em frente ao caixa pagador da empresa em que trabalhava, quando de repente uma voz sussurrou ao meu ouvido: – Fique calmo, você está sendo assaltado. Arrisquei uma olhadela para trás, mas nada consegui enxergar, embora a estranha sensação do sussurro continuasse a me incomodar. No mesmo tom, tentei contra-argumentar com o assaltante invisível, dizendo: – Desculpe-me amigo, mas não estou recebendo o pagamento; só vou assinar o meu contra-cheque. Meu salário já foi depositado no banco. O sussurro que parecia vir do além, tentou diminuir meu pânico, ponderando: – Eu sei disso. Não precisa ter medo. Pegue o seu contracheque e siga para o banco. Ao receber meu holerite, só tive tempo de visualizar o enorme desconto, a título de imposto de renda retido na fonte, além de outros descontos, e o o meu reduzido salário líquido. Pensei em contestar o cálculo, mas resolvi acatar a ordem da misteriosa voz. Nesse exato momento, comecei a sentir uma forte dor no peito. Imaginei logo se tratar de um princípio de infarto. Ignorando o perigo do assalto, decidi pedir ajuda à um colega que estava próximo. O fraternal amigo pediu-me a chave do carro, e dez minutos depois, estávamos estacionando próximo ao hospital conveniado. Aguardando atendimento na recepção do hospital, voltei a ouvir aquela voz sussurrante e tenebrosa: – Permaneça calmo, o assalto está apenas começando. Não conseguia visualizar o delinquente, nem entender como teria me seguido até o hospital. Fui logo atendido pela atenciosa recepcionista, que me exigiu o comprovante de pagamento do plano de saúde, cartão magnético do convênio, além de documento de identidade, independente da gravidade do meu estado de saúde. Por falta do comprovante do pagamento, aleguei que minha esposa o traria, enquanto se processasse o atendimento. A eficiente recepcionista foi então consultar o sistema de cobrança, retardando ainda mais o atendimento. Ali acusava o vencimento do carnê, para aquele dia. De pronto, a funcionária alegou que, só me atenderiam, com o pagamento da parcela vincenda. Diante da minha insistência e até ameaça de processo, um médico foi chamado. Após rápido e superficial exame, opinou o especialista: – Se for problema de angina coronariana, o plano de saúde dele não cobre o tratamento, será preciso efetuar um pagamento inicial de R$ 3.000,00. Revoltado, até me esquecera do assaltante fantasma. Tirei do bolso o telefone celular pré-pago, que há dias havia carregado com R$ 50,00 de crédito, e tentei ligar para minha casa a fim de solicitar auxílio. Qual não foi minha surpresa, quando apareceu no visor do aparelho, a mensagem: – Crédito vencido. Para revalidá-lo, recarregue seu aparelho com novo valor. A voz sussurrante insistia em torturar os meus ouvidos com as seus avisos aterradores. – Não se altere camarada, o assalto ainda está em andamento. Não acreditei que, meu dinheiro usado para carregar o telefone celular havia sido confiscado, ainda mais por uma empresa privada. Me vali então do aparelho celular do gentil e prestimoso colega. Sem atendimento médico, decidi juntamente com o amigo, a procurar outra unidade hospitalar. 23


Outra vez, aquele sussurro irritante voltava a repetir: – Muita calma meu velho, o assalto ainda prossegue. Desde o começo do assalto, não me atrevi a virar-me para trás, nem reagir ou avisar o colega do que estava acontecendo. Para a nossa surpresa, quando chegamos à rua para pegar o carro, não o encontramos mais, onde deixamos estacionado. Não havia tempo para outras providências; a dor no peito aumentava sensivelmente. Quanto ao carro estava no seguro e não causava preocupação. Resolvemos então a pegar um táxi. O outro hospital ficava a apenas cinco quilômetros dali. Além de todo os contratempos, da dor no peito e da perda do carro, o misteriosos assaltante continuava com suas ameaças: – Continue calmo, o assalto ainda não terminou. Aproveitando-se da nossa preocupação e da situação emergencial, o solícito taxista, a título de evitar o trânsito, colocou o taxímetro na bandeirada dupla e percorreu o dobro do percusso, até chegar ao pronto socorro municipal, encarecendo em 150% o preço da viagem. Depois de algumas horas, devidamente medicado, voltei para casa, onde depois de agradecer, despedi-me do fiel companheiro de trabalho. Já nem me lembrava mais do assalto silencioso. Durante toda à noite procurei descansar; mas aquela voz sussurrante voltou a me incomodar: – Mantenha-se calmo, o assalto prosseguirá. Levantei-me sobressaltado e procurei identificar de onde vinha a voz; estava disposto a por fim àquele mistério, mas não havia ninguém no quarto, além de mim e de minha esposa No dia seguinte, aproveitando a licença médica, fui procurar a companhia de seguros, para resgatar a apólice de cobertura, sobre o roubo do carro no dia anterior. Mal entrei no prédio da seguradora, o tormento recomeçou. O assaltante misterioso voltou a atacar, perguntando: – Pensou que o assalto terminou? Pois se enganou parceiro. Decidi encarar de vez aquele delinquente alienígena; voltei-me totalmente para trás, sem descobrir a origem daquela voz. Relatei fielmente à seguradora, toda a ocorrência do dia anterior, inclusive o socorro prestado a mim, pelo companheiro de trabalho. Foi então que o agente de seguros me informou: – Infelizmente, como o roubo só está sendo comunicado agora, mais de 24 horas depois da ocorrência, o que dificulta a localização e recuperação do carro, aliado ao fato do veículo está sendo conduzido por pessoa não autorizada no contrato do seguro. Nesses casos, a companhia poderá se negar a pagar o valor da apólice, ou lhe cobrar uma franquia adicional. Enquanto discutíamos o assunto, toca o meu telefone, devidamente recarregado. Era o ladrão do meu carro, que me pedia desculpa pelo furto e alegara motivos de emergência. Encontrara o numero do meu celular, dentro do porta luvas do carro, onde deixara a quantia de R$ 200,00, para pagar o combustível e eventuais transtornos. Dispensei o agente de seguro e fui buscar meu carro no local combinado com o ladrão. Teria que passar na delegacia e cancelar a queixa de roubo. Sem me dar trégua, a criatura sobrenatural, continuava a me importunar com suas incursões: – Prepare-se você continuará sendo assaltado. Ao chegar ao local onde o ladrão abandonara o meu carro, deparei com alguns elementos que se diziam policiais. De pronto me identifiquei como dono do veículo. Um deles me chamou de lado e anunciou a abordagem: – Escuta, tivemos muito trabalho para recuperar o seu veículo. Somos policiais que nas horas vagas trabalhamos na recuperação de veículos roubados, cobramos uma pequena taxa de R$ 2.000,00 pela localização do seu carro. Nesse momento, fiquei indignado com a proposta do indivíduo que se dizia policial, que até enalteci mentalmente a atitude do ladrão. Só faltava não encontrar os R$ 200,00 no porta luvas. Em seguida entrei no carro e sai do local sem pagar a tal taxa de recuperação. Para aproveitar o resto do dia, fui ao banco verificar o crédito do salário em minha conta e conferir o extrato mensal.

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Enquanto aguardava na longa fila do banco, o inseparável assaltante de sussurro virtual, anunciou novamente: – Conserve-se tranquilo, o assalto está sendo bem encaminhado. Irritado, cheguei a interpelar baixinho o facínora virtual perguntando-lhe quem era ele afinal. Sem resposta, iniciei as operações bancárias. Verifiquei o saldo dos R$ 10.000,00 aplicados há dois meses na caderneta de poupança, só haviam rendidos R$ 80,16 da aplicação que eu mantinha como reserva estratégica. Tornei a examinei o extrato bancário e quase tive uma síncope no coração já avariado; os juros sobre o uso de R$ 5.000,00 do cheque especial, foram da ordem de R$ 425,00 ou 8,5% em apenas trinta dias. Fiquei abismado. Como posso receber R$ 80,16 de juros em sessenta dias, sobre aplicação de R$ 10.000,00 e pagar R$ 425,00 sobre empréstimo de R$ 5.000,00 em apenas trinta dias. O mais decepcionante de tudo isso, era saber que: o banco havia me emprestado dinheiro da minha própria aplicação. Prosseguindo à leitura do extrato, reparei nas diversas taxas cobradas. Como pode um banco cobrar taxas para lucrar com o nosso dinheiro? Naquele momento, comecei até a sentir uma certa simpatia pelo assaltante silencioso. Sem ter como reclamar do abuso, resolvi questionar a cobrança de uma taxa não identificada. O gerente então tentou me esclarecer: – Trata-se da anuidade do cartão de crédito. Retruquei imediatamente, alegando não possuir e nem nunca haver solicitado o tal cartão. Habilidoso, o gerente tentou me explicar que o cartão bancário, estava vinculado a um limite de crédito disponível, à juros de 12,5% ao mês ou 353% e me convencer das vantagens do cartão crédito não solicitado. Não suportando tamanho descaramento, gritei a plenos pulmões no meio da agência bancária: – Louvados sejam todos os assaltantes de banco! Em menos de dez segundos, estava eu sob a mira das armas dos seguranças. Somente com a intervenção de um respeitável cliente inconformado, é que fui identificado e liberado em seguida. Passado o constrangedor episódio bancário, voltei a sentir a incômoda dor no peito; seguindo a orientação médica, tomei o medicamento receitado e fui para casa descansar. No dia seguinte, tinha compromisso na igreja recém-inaugurada no bairro. Eu que professava outra crença, estava envolvido pelas palavras do missionário da fé. Talvez ali encontrasse alguma explicação, para o fenômeno do assaltante obsessor. Consegui dormi, sob efeito do medicamento tomado minutos antes, sem ser incomodado pela misteriosa voz. No outro dia, no horário marcado, lá estava eu entrando no templo, quando o já inseparável marginal voltou a anunciar: – Só mais um pouco de calma irmão, o assalto está terminando. Acostumado que estava com aquela voz sussurrante, não dei muita importância e fui assistir ao culto religioso. Em meio à comoção dos fiéis, fui chamado a dar testemunho de alguma graça recebida; aproveitei para relatar os últimos acontecimentos e mencionei o fenômeno da voz sussurrante. O dirigente do culto religioso, presumivelmente dotado de poderes extraordinários, começou a me exorcizar, proferindo palavras sabidamente ensaiadas: – Deixe esse corpo. Eu ordeno. Ele não te pertence. E se utilizando indevidamente do nome de Jesus, ele afirmou sob o delírio dos fiéis: – Você está completamente curado da dor no peito e da influência perniciosa e maléfica do demônio sussurrante. Pelo feito milagroso e pela graça recebida, eu deveria contribuir com a igreja doando a Jesus, boa parte do meu saldo bancário, por ter me livrado do assalto silencioso. Voltei da igreja, indignado com a “cobrança” e mais nervoso do que se tivesse realmente sido assaltado. Ao chegar em casa, a dor no peito estava insuportável. Os esforços medicamentosos foram inúteis. Horas depois desencarnei. 25


Depois do meu passamento para o plano espiritual, descobri que a voz sussurrante era do meu Anjo da guarda que me alertava a todo momento, sobre a desonestidade dos homens. E foi assim que eu morri dizendo: Deus me livre dessa terra de ladrĂľes.

Foto de TBIT

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Manuela Sá Uma história para o meu Martim! Era uma vez um menino chamado Martim, que vivia na floresta do Rei Leão. O Martim adorava viver na floresta. Gostava imenso de brincar com os seus amiguinhos, filhos do rei Leão e apanhar flores da floresta, para oferecer à sua mãe. Um dia estava o Martim a brincar com as borboletas suas amigas, perto do riacho da cabana onde vivia, quando ouviu um grito ao longe. Corria, fugindo da sua borboleta preferida, amarela, a Sky, enquanto exclamava, bem alto, e sorridente: - Vem apanhar-me Sky, vem me apanhar! Mas a Sky, voava cada vez mais alto e o Martim, olhava para ela enternecido, e triste por não poder ter a sua linda borboleta, pousada no seu ombro. Depressa se afastou de Sky e correu pelo caminho, que o levava ao sítio de onde, pensou ele, vinha o grito que ouviu. Sua mãe, estava sempre a dizer-lhe para não se afastar muito da cabana, porque existiam certos perigos na floresta. Nem todos os animais e pessoas que lá viviam e que por lá passavam, eram boas e amigas! E algumas eram ciumentas, por causa do Rei Leão. - Martim, sabes que o Rei Leão é o líder da floresta! - Líder? O que é um líder, mamã? - Ora, vamos lá ver. Como te hei-de explicar…. Um líder é alguém com muito poder. É alguém importante na sua própria vida e na vida dos outros. - Um líder manda em nós, mamã? - Sim, Martim. Um líder manda em nós. - E como pode ele mandar em nós? O Rei Leão manda em nós? - Sim, pode mandar. Não está sempre a mandar na nossa vida, mas pode mandar no seu povo. Mas para mandar, tem que ter sabedoria. Tem que saber mandar. E o rei Leão sabe mandar. E as pessoas devem obedecer e fazer o que ele diz, para não serem castigadas. Quando o Martim ouviu o grito ao longe, lembrou-se desta conversa com a sua mãe. Ficou assustado com aquele grito. Lembrou-se se seria o Rei Leão, a mandar em alguém, que não quisesse obedecer-lhe. Sentiu medo do Rei Leão, muito medo. Continuou a correr, sempre por entre fetos, pequenos e grandes arbustos, ervas, árvores altas que pareciam tocar o céu e outras baixas e gordas, com seus largos troncos cheias de folhas, largas e verdejantes. Martim adorava sentir o cheio da floresta. 28


De repente, sentiu um peso no seu ombro. Era o pássaro azul da floresta. - Oh, que bom. Ainda em que estas aí! Assim já me sinto mais seguro, com a tua companhia. - Olá! Vais ver oque se passa na floresta? Também ouvi um grito. É isso não é? - É sim pássaro azul cintilante. - Vou tentar descobrir o que se passa. Queres vir comigo? - Sim! Claro… já estou em posição. Sentadinho no teu ombro. Martim sorriu e lá continuou com a companhia do seu amigo, pela floresta dentro. Pelo caminho encontrou os seus amiguinhos, filhos do rei Leão, que passeavam, ao lado do Elefante Bumba. Bumba seguia-os, orgulhoso e honrado por ser amigo dos príncipes leõezinhos. - Venham comigo. – Disse o Martim aos leõezinhos. - Mas aonde vais? Nós vamos noutra direcção. - Oh por favor… Venham. Eu ouvi um grito! E quero ir ajudar! - Mas nós não ouvimos nada. Tens a certeza, Martim? - Sim! O pássaro azul, também ouviu. Eu penso que é o Rei Leão! Deve estar a mandar em alguém, que não quer obedecer e está a castigá-lo por isso. - Ah… Ah….Ah … - riram todos ao mesmo tempo, enquanto Bumba os acompanhava naquela alegria, com o movimento da sua trompa para o céu, emitindo um som estridente de contentamento. - O nosso pai? Mas que ideia tão parva! – Disseram os leõezinhos! – O nosso pai não castiga ninguém. - Não? Não mesmo? - Não… mesmo. Quem foi que te contou essa ideia absurda? - Foi a minha mãe! - Ah… pois! Já entendi. – Disse o Bimba, o leãozinho mais novo. - Mas o que foi agora? - Olha Martim, a tua mãe disse-te isso, porque quis que entendesses, que se não obedeceres podes ser castigado! - Não! Ela disse que o Rei leão é o líder na floresta e que é ele quem manda em nós todos que vivemos na floresta. - Ah... sim… mais ou menos. O Rei Leão protege a floresta. Isso é verdade! - Então… pode estar a castigar, o rinoceronte, o Trumpa porque ontem ele não levou a lenha para o castelo. O Rei Leão ficou muito chateado por isso. Foi a mamã que me contou. - Eu vou ver! – Disse o Martim determinado. - Bom! Nós, acompanhamos-te. E lá seguiram caminho, os quatro amiguinhos, com o Martim! Caminharam uns trezentos metros e de repente, depararam com D. Riscas, a Zebra da cabana do machado, que estava presa a uma rede. O Rei Leão, tinha mandado colocar redes para apanhar os homens, que iam para a floresta, caçar animais para venderem. O Rei Leão queria proteger o seu povo e achou que seria uma forma de assustar os caçadores. Quem tinha caído na armadilha, foi a D. Riscas, que ao passar ficou presa na rede e não conseguindo sair dela, caiu desamparada no chão. - Ah…É a D. Riscas. Coitada da D. Riscas. Está ferida? – Perguntou o Martim. - Não Martim, não estou, só que não consigo livrar-me desta rede, nem levantar-me. - Ah… mas o Bimba, talvez consiga ajudar, não é Bimba? Bimba deu o seu sinal afirmativo, com a sua grande tromba. Começou levemente, com a pontinha da sua tromba, a remexer na rede que envolvia a D. Riscas e passado pouco tempo, D. Riscas estava livre da rede. Depois foi empurrando o seu corpo e ajudou-a a levantar-se. 29


O pássaro azul, com o seu bico preto pontiagudo, também deu a sua ajuda, desprendendo a rede emaranhada na D. Riscas. - Obrigada! Muito obrigada, meus amigos. Se não fossem vocês não conseguia livrar-me da rede. E sei lá o que me poderia acontecer…Obrigada Bimba e pássaro azul. Todos trocavam olhares de felicidade entre si. - Tudo graças ao Martim – Disse o Sultão, o leãozinho mais velho. - Estás a ver Martim. Afinal o meu pai, o Rei Leão, não castiga ninguém. Ele protege-nos dos perigos da floresta. – Disse Bimba, o leãozinho mais novo. - Pois, tens razão. A mamãe também disse que existiam perigos na floresta! - Claro… e estás a ver que é verdade. - A mamãe quis também proteger-me destes perigos. Tenho que regressar porque já desobedeci a ela. Afastei-me da cabana e ela deve estar preocupada. - Mas foi por uma boa causa! Ajudamos a D. Riscas. Corria o risco de ser levada pelos caçadores. - Ah… pois é! Essas são as pessoas más para a floresta! E eu já não tenho medo do Rei leão. Ele sabe mesmo mandar. Eu gosto muito dele. - Vamos lá embora, levar-te a casa. Todos juntos e unidos. - Eu vou com vocês. – Disse a D. Riscas muito entusiasmada. – A tua mãe, vai de certeza, ter orgulho em ti, Martim, porque tu ficaste preocupado com o grito que ouviste de alguém que estava em apuros. E quiseste ajudar. És um bom menino, com um bom coração. E assim, o grupo dos cinco amigos, seguiram caminho, rumo à cabana de Martim, junto ao riacho, onde sua mãe o esperava, preocupada com a sua ausência. Ela iria certamente dizer-lhe que estava triste por ele lhe ter desobedecido e ter-se afastado da cabana. Mas o seu orgulho pelo seu filho ia superar o seu ressentimento. Martim tinha aprendido, muito sobre o poder do Rei Leão, a maldade dos homens e a amizade!

Manuela Martins 03 Dezembro 2020

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Foto de mohamed_hassan 31


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POEMA DA RENOVAÇÃO de Paulinho Carvalho Quem és tu que abandona a luta, achando que a vida é curta, para quem não sabe viver? Desistir da vida agora? Grite, bote os problemas pra fora, alivia o teu sofrer. Sofre o pobre, sofre o rico, sofre até o milionário, na dor desfia o rosário, vivendo o seu padecer. Cada um tem seu problema, vai tocando seu dilema, sofras tu sem reclamar. Não vês o Jesus que está convosco, morreu no madeiro tosco, sofrendo para nos salvar? Se procuras no suicídio, abrigo, paz e o olvido, saibas que perde a razão. Te digo caro amigo, não sei o que há contigo, mas isto não é solução. Lembra de Deus nesta hora, se preciso lamenta e chora, rogando à Ele o perdão. Aumentarás teu sofrimento, não terás nem um pouco de alento, só dor e desilusão. Morto o corpo vive a alma, em ti nada se acalma, surge a dor e a escuridão. Sofre o pai, mãe, esposa e filhos, que são teus entes queridos, na perda e na solidão. Ouça, ainda há esperança, apague da sua lembrança, tudo o que é sequela. Levante erga a cabeça, por pior que lhe pareça, lembre-se que a vida é bela. Reflita neste momento, relembre com sentimento, as coisas do coração. Pegue seu caminho e segue, esqueça os que te perseguem, trabalhe a renovação. RENOVE A CADA DIA COM JESUS E A VIRGEM MARIA, A SUA NOVA MISSÃO.

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Foto de IgorSaveliev

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CRÔNICA À MAIS ALTA MADRUGADA – TÚLIO MONTEIRO E divago nessa madrugada alta e macia que se inicia cercada de silêncios crus. Nada de pássaros nas janelas, carros nas ruas, ventos nas frestas, ou gente acordada para me tirar o fixar da escrita. Sou só eu e esta tela fria de computador a me exigir mais e mais letras, palavras e frases, que eu condescendentemente vou alinhavando na vã busca da forma perfeita – eleita – de uma crônica sem erros, lacunas, ou lapsos temporais. O que deveras é sempre impossível para qualquer um que se proponha a escrever por fruição, deleite ou prazer de deitar palavras em brancas e alvas páginas. Madrugada alta e eis que me encontro novamente insone e insano em busca e na busca de linhas que se tornem um texto livre dos academicismos que, vez por outra, insistem em me rodear. Confesso aos mais iniciados nos vieses da Literatura, bem como nos notívagos cálculos do nobre Joseph Louis Gay-Lussac, que estou um tanto além dos teores alcoólicos permitidos ao meu corpo, mente e alma. O que deveras me é excelente, pois minha pena sempre é mais leve, afiada e corrediça nas vezes em que me posto bem aprumado ante três ou quatro cálices de um bom vinho tinto seco. Esculpir palavras. Lapidá-las! A doce e amarga arte dos escritores. Esses seres absortos e alheados das coisas práticas da vida. Sujeitos que parecem viver à margem de nebulosas ocasiões e situações quase impossíveis de serem sonhadas e desejadas por mortais que não se deixam levar aos mundos do onírico. Poucos são os que ainda conheço e insistem em tecer os bilros e fios das teias dessa amarga e doce senhora Literatura. Entidade alada que muito dá, mas tanto tira. Muitos escritores, muitas escritoras de altíssimo quilate e envergadura já conheci em quase seis décadas de vida e morte. Já trago no meu saco de matalotagens reminiscências de vários seres que passaram por minha existência terrena e deixaram suas marcas, influências e muitos “algos” mais. Entretanto, a vida é assim: feita de ganhos e perdas. Muito mais perdas que ganhos. Isso é fato! A cada dia temos que ir à caça. Um leão por vez…tenhamos calma! E se as palavras faltam-me vez por outra, paro, penso, sintetizo, descanso e volto à pena. Escrever me é preciso. Navegar é preciso. E enquanto eu for barco tendo um vento leve que seja em minha popa, soprado do meu Nordeste, navegarei, mesmo que sem rumo, por mares nunca d’antes navegados. Pois quem sabe lá, no fim do Mundo, eu encontre aquele Amor que há tantas décadas procuro e não encontro.

Túlio Monteiro – Escritor, biógrafo, historiador e crítico literário. Graduado em Letras pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Grau de Especialização em Literatura e Investigação Literária, também pela Universidade Federal do Ceará – UFC, com a monografia: Intertextualidade e Fluxo da Consciência na Obra de Graciliano Ramos – Orientadora: Professora Doutora Vera Lúcia Albuquerque de Moraes.

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Foto de Syaibatulhamdi

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Relatório Sentimental Por Carlos Arinto 1. Cena da vida doméstica: Todos os meses aquela mulher se dirigia ao banco para levantar a pensão. Fê-lo durante anos e, mesmo agora, que tem dificuldades em se deslocar – que só faz com o auxilio de duas muletas – continua a ir ao banco, sozinha, não permitindo que ninguém a acompanhe nessa missão. Estando mais débil, aceita que a amparem até à entrada do banco, mas uma vez transposta a porta da sucursal bancária não autoriza que ninguém esteja próximo de si, obviamente, para não puder observar o que faz e o que conversa com o funcionário da instituição. Nada de cartões ou de meios informáticos, ia para a fila das caixas e senta-se, com a “sua gestora” do outro lado do balcão, a assinar os papéis. Duas reformas, a dela e a do marido. Para os tempos que correm são desafogados financeiramente, pois recebem cinco vezes um salario mínimo em vigor. Levanta em dinheiro, quinhentos euros. Outros quinhentos euros também em dinheiro, em envelopes separados. O primeiro é para “o governo da casa”, o segundo para ajudar o filho. (o filho tem quarenta anos, vive sozinho e tem um emprego estável bem remunerado) O resto é transferido. Não se sabe para onde. O que origina este comportamento, porque o marido permite isto, porque filhos e netos (também eles já adultos) aceitam que tudo isto se passe. Quando, em família, a interrogam sobre esta situação, zanga-se, amua, deixa de falar com a família. A cabeça já não está boa, justificam-na. - Tenho aqui uma prenda para si, diz com um sorriso, quando aborda algum desconhecido. O senhor fuma? E oferece um isqueiro ou uma caneta ao homem ou mulher que segurando o objecto com a ponta dos dedos, diz: muito obrigado! Um dia em que o marido foi tratar de um qualquer assunto, um pouco mais demorado, ali para os lados da Igreja, esteve toda a tarde à janela perguntando às pessoas que passavam: - Viu o meu marido? Admiradas, os desconhecidos diziam-lhe que não sabiam quem era o marido da senhora. Os vizinhos, procuravam tranquiliza-la, dizendo que estaria a chegar. - Mas o dinheiro também é seu, vá ao banco e esclareça tudo. - Se eu fizer isso ela ameaça matar-se. Isto passa-se em Lisboa, cidade antiga, ruas cheias de casas e de barulho. Uma vida que se estranha e que se desvanece sem que possamos dar valor ao que terá sido, ao tenha sido. 2. Os netos Não tenho netos, mas gostaria. Fico sempre admirado quando ouço chamarem-te “avó”. Tão jovem, e bonita e alguém que te chama avó. Como te invejo. 3. Das viagens que fizemos Sim, as viagens que fizemos e também aquelas que não chegámos a fazer. Foram planos, sonhos idealismos, vidas vividas em camas diferentes. Fomos ganhando hábitos e que depois não nos desacostumamos. Gosto de escrever á noite. De andar nu pela casa, de ir à cozinha beber água fresca e tomar café de madrugada, quando tudo ainda dorme e apenas um ou outro carro circula na estrada em frente. 37


Pelo contrário, dormes até tarde, vives embrulhada em roupões e mantas, nunca vais à janela para ver o anoitecer ou a madrugada e tens medo de abrir a porta se alguém bate. Onde foi que nos separámos? Não sais à rua sem guarda-chuva, pode até estar a chover, lá fora, e repetidas vezes vou-te encontrar a “estudar” o boletim meteorológico. Eu que saio para a rua com a camisa aberta no peito, no inverno e uso camisola de lã no verão. Que nunca acerto com os dias da semana ou as estações do ano. Onde foi que se nos fraturou o gosto, os costumes e a tradição? E por falar em dormir. Lembras-te quando me disseste que gostarias de me ver “a dormir”. Engraçado, pois só nos encontrávamos acordados para fazer amor e faltava na nossa convivência o dormir em conjunto, talvez entrelaçados, talvez diferentes. São viagens e caminhos diferentes e serenos que recordo ter feito contigo. Foi o tempo das flores florirem e dos frutos amadurecerem. Foi um tempo nosso que não pode ser esquecido.

….Excertos do meu último trabalho de 2020, ainda não publicado, denominado “relatório sentimental”. Tenho alguns títulos editados na “Amazon” e na “Bubok” de que destaco, poesia, contos e textos malditos. Em preparação para 2021 uma edição de contos (600 páginas) Uma colecção de historias com a denominação “Entre a chuva e o vento”, um pequeno livro de “poemas de amor/ poemas eróticos/ poemas não poemas” e o que mais adiante há-de acontecer. (Caderno de poesia do “circulo artístico Artur Bual” e edição de primavera dos “pentautores”.)

Foto de chulmin1700 38


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