HÓRUS CULTULITERARTE

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ISSN : 2183-9204

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Se não me vais acompanhar e te vais esquecer de me colocar em primeiro lugar … Não vale a pena ! Se vais dividir o teu tempo por todos e no fim não vais guardar o melhor para mim … Não vale a pena ! Se não me vais amparar quando eu hesitar ou até no caminho tropeçar … Não vale a pena! Se vais fugir ou inventar algum esquema quando eu tiver um problema … Não vale a pena ! Se não me vais abraçar naqueles momentos em que eu mais fraquejar… Não vale a pena ! Se vais para o lado olhar quando tu me devias estar a decifrar… Não vale a pena ! Se não me vais elogiar quando as dúvidas me vierem atormentar … Não vale a pena ! Se vais ser a razão de eu tanto chorar perante tão grande desilusão … Não vale a pena ! Se não me vais animar e dar asas para eu continuar a sonhar … Não vale a pena ! Se vais ser o meu maior pesadelo porque destruíste o nosso elo … Não vale a pena ! Se não me vais eternamente amar mesmo quando a minha beleza escassear … Não vale a pena ! Se vais lidar com falsidade na busca da tua liberdade e me ocultas essa verdade … Não vale a pena ! Se não me vais fazer rir, brincando comigo e sempre com aquele ombro amigo… Não vale a pena ! Se vais ser o maior causador de uma vida de tormentos , lágrimas e muita dor … Não vale a pena ! Se não me vais dar a tua calma quando vires no meu olhar a agonia da minha alma. … Não vale a pena ! Se vais ser mais um amor falhado que eu vou desejar que nunca tivesse começado. … Não vale a pena ! Se não me vais todos os dias conquistar para eu novamente acreditar numa história de encantar … Não vale a pena ! Se vais ser o final duma mera paixão,calo já o meu coração iludido e escuto apenas a razão! Não vale mesmo a pena! Lis Pereira

Umpoemademimparati

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APRESENTAÇÃO DE OBRA "50 TONS DA MENOPAUSA"

Menopausa. Ela me encontrou há alguns anos, e fez um rebuliço em minha vida! Eu achava que a conhecia, mas….ledo engano…! Conviver com ela não é nada parecido com aquelas leituras e pesquisas que eu havia feito com espírito de “boa vizinhança”...! Oh, não…! Ler a respeito é tão diferente de conviver com ela quanto estudar sobre a maçã é diferente de realmente dar uma boa mordida….! Creio que não preciso dizer mais…! Pois bem, do trabalho desse relacionamento com essa visitante nasceu a Maria Teresa Poetisa. Foi uma das maneiras que encontrei ( ou melhor dizendo: que também me encontrou! ) para lidar com tudo o que se passava em mim: -um corpo que antes eu conhecia tão bem mas que agora me era estranho… emoções e reações completamente incomuns até então...- e fora de mim: - cinco mudanças de cidade, filhos casando, netos chegando, marido aposentando. Não que essas realidades fossem ruins, é claro, mas obviamente exigem um bocado de adaptação, especialmente porque ocorrem todas ao mesmo tempo. Enfim, a Poesia foi uma grande amiga! Me ajudou a passar os dias, refletir sobre o que ia acontecendo, me permitia colocar para fora o que sentia, a tomar certa distância e respirar mais livremente. Conversando com tantas outras amigas que estavam também recebendo a mesma visita da Menopausa, ficou muito claro o quanto, apesar das diferentes situações de vida, na verdade os sentimentos e sensações eram praticamente os mesmos! Porém em geral, não se tem a chance ou a abertura para se conversar sobre isso…! Por isso, entre outras razões, resolvi compartilhar meus poemas. Quero estar junto a outras mulheres que estiverem passando por essa situação! Desejo que elas possam se identificar com o que leem nesses poemas, a ponto de não se sentirem só! Quero muito poder de alguma forma ajudá-las a passar pelos momentos mais exigentes e mesmo lhes refrescar o coração quando se sintam sós! A Menopausa é uma visita: ela eventualmente vai embora! Penso também nos familiares e amigos dessas mulheres, que por vezes não conseguem entender bem o que está se passando… Eles também poderão aproveitar essa leitura para mergulharem um pouco na realidade e no coração de quem está recebendo essa Visitante desafiadora e assim entender e conviver melhor com as mulheres de sua vida. Poesia é uma das melhores formas para se tratar desse assunto, eu acredito, porque a Poesia fala muito além das palavras, e assim pode revelar, desvelar, não tanto à mente quanto ao coração…..! Ela provoca um certo silêncio interior, tão raro e tão urgente em nosso tempo, e assim nos ajuda a ver melhor, a partir de uma perspectiva nova, diferente. Eis, aqui, um dos 50 dos tons da danada da Menopausa, para que conheça! LUTA Já faz tanto tempo... Eu chego a perguntar Desconfiada: Sou a que sou Ou serei esta Que estou?? Gosto como sou E me recuso ser A que ando Me recuso, nego Não a mim Mas ao estar Sigo lutando Dando tudo de mim Vencendo cada dia Até que eu volte!

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‘ A descoberta do Eu que há em mim” Pois é! A magia encanta! Surpreende! Também eu fiquei encantada, surpreendida! Naquele dia que encontrei a minha pinha descobri algo muito fantástico! E isso fez de mim fantástica também!E fezme descobrir que é possível conquistarmos e obtermos o que queremos se agirmos com determinação, amor e se acreditarmos! E Mudei. Fiquei mais rica interiormente!A minha auto estima manifestou-se!A um nível muito alto! O enveredar por aquele caminho, no pinhal, para encontrar a minha pinha, o quão determinada eu estava, para a conseguir ter, e o ter encontrado a pinha mais linda e luminosa, fez-me acreditar que o mesmo podia acontecer com outros acontecimentos na minha vida e fazer com que as coisas acontçam! E assim aconteceu! A publicação do conto de Natal “ Minha Pinha Mágica” na última edição desta revista digital foi possível! Foi tão bom, tão fantástico, mágico ! Fiquei tão feliz e grata!Uau! Senti que a minha auto estima tinha crescido consideravelmente! Acho que foi a coisa mais bonita que me aconteceu, a nível de realização pessoal ! Foi o primeiro passo de um projecto que penso sempre existiu dentro de mim e só agora, consegui descobrir realmente!Ser escritora! Ui que emoção senti agora ao escrever isto! Indescritível! Parece que me sinto mais leve!Aliviada! Sinto que vou conseguir! Actualmente, quando escrevo sinto-me conectada a algo muito forte,niversal mesmo! Desde a primária que sempre amei a escrita! Assim como amo e amei tudo aquilo e aqueles que me rodeiam e obviamente os que me são mais próximos! Todos os meus sentimentos e relações são vividas muito intensamente! Por isso às vezes dói! O mesmo acontece com a minha admiração pela natureza! Parece que está entranhada em mim! Fico fascinada com a beleza do tom das folhas ! Com o barulho da água a correr num riacho! Com o chilrear de um pássaro! Com a sua leveza ao voar! Com as suas cores bonitas! Com a sua agilidade! Oh meu Deus a natureza é tão linda! Fico fascinada com a imensidão do mar , com o Sussurrar das ondas, com a sua serenidade e fúria. Com as suas cores azul, branco, cinzento, castanho nas suas mais diversas condições! Quando ri, chora e se zanga! O mar sou eu!Identifico-me com ele! E o mar tem um amigo inseparável! O céu! E o céu tem o Sol Todos se fundem e se completam! Entendem-se! E transmitem maravilhas e também tristezas!E nós seres humanos, vivemos neste círculo e vivemo-lo da mesma forma! Mas falemos das maravilhas! Outras coisas boas foram acontecendo comigo! Projectos simples que se tornaram realidades! Pequenos e simples! Mas que também me deixaram surpreendida! E feliz! Passo a passo vou construindo os meus sonhos! Grandes e pequenos!Um de cada vez! Com gratidão e determinação ! E com a convicção de que agora mais que nunca, tenho de pensar primeiro em mim. Gostar de mim!E redescobrir-me! Só assim posso gostar verdadeiramente dos outros e aceitá-los como são! E este redescobrir está a ser possível porque na vida nada acontece por acaso! E eu agora tenho mais tempo para mim! É transitório! Mas vai ser o alicerce da minha auto disciplina! Abraço ! Que este texto possa servir de ajuda para muitos leitores que necessitem como eu, de descobrirem o melhor que há dentro deles! Dedico este texto a uma amiga especial que me apoiou no meu projecto da escrita! Obrigada Rosa!

E Obrigada Edições Horus e Inês Nabais por terem tornado isto possível! Manuela Martins

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Como diria John Donne no Meditações VII, “nenhum homem é uma ilha isolada”.

Pegando no pensamento do professor Clóvis de Barros Filho, já os filósofos gregos haviam morrido, Platão morreu, Aristóteles morreu, e o pensamento filosófico grego também foi morrendo e aos poucos substituído por outros pensamentos. Ideias e ideais foram-se transformando ao longo do tempo e heis que 350 anos depois do grande Aristóteles, nasce um grande pensador que ensina algo que o mundo jamais ouviria antes. Este homem, mais que filósofo foi um pensador, um professor, um explicador de excelência que apesar de lhe atribuírem santidade, profetizador, Messias com histórias milagreiras e mágicas para estupidificação do povo em nome de uma identidade extremamente toda poderosa ao qual lhe deram muitos nomes desde Deus, Krishna, Javé (Jeová), Allah, os diversos Budas, ou Oxalá, (e oxalá tanta divindade junta não entre em maiores conflitos quando estiverem todos juntos na tasca do tio Zé a beber um quartilho de tinto maduro), este professor nascido durante o Império romano de César Augusto, trouxe ao mundo civilizado filosofias que o mundo não havia ouvido antes. Um subversivo do judaísmo, Jesus de Nazaré vai respondendo ao mundo que o rodeia várias questões que, e não é que fossem colocadas numa forma poética, o povo ia colocando tal como o fazem hoje no dia-a-dia. Questões de vida, questões do coração, questões de política, questões de sociabilidade e socialização, questões morais e éticas na sua forma generalizada. Mas uma dessas questões que ainda hoje fazemos ao espelho enquanto narcisicamente penteamos o cabelo, o que no meu caso seria mais olear a careca, ou cortamos a barba e pomos três quilos de cremes nas ventas é: o que realmente temos de ter na vida para uma vida bem vivida, uma vida que valha a pena, uma vida mais feliz.(?) Bom..., Jesus na sua enorme sabedoria e pensamento de excelência, responde com algo muito simples que ainda hoje tem um impacto titânico na mente das pessoas em dois sentidos de percepção. O bom, e o mau. O bom, porque faria de alguns de nós seres melhores, o mau porque isso iria ter um forte impacto negativo nos planos monopolizantes no ponto de vista de alguns outros. O que Jesus disse em resposta ao que realmente precisamos para ter uma vida boa, uma vida que valha a pena, uma vida bem vivida, uma vida mais feliz caiu na consciência das pessoas, independentemente dos seus credos, moralidades ou religiões, de forma altamente bombástica. Alguns acharam um sacrilégio, outros, não sei se mais ou se menos, refletiram seu pensamento na vida e para a vida, e apesar do que vemos acontecer no mundo, ainda há muita gente que o pratica, essa mesma filosofia que Jesus pregou. Então Jesus revela que para a vida valer a pena, para ser um pouco feliz, o que precisamos, é de viver uma vida, decididamente dedicada ao outro! Bom! Isto provocou uma certa revolução no espírito das pessoas naquele tempo! Mas, ainda mais hoje num mundo tão líquido e sem forma como diria o professor Zygmunt Bauman, porque fomos ensinados ao longo de geração atrás de geração que para ser feliz, para ter sucesso na vida, para a vida valer a pena, devemos consolidar o “eu” primeiramente antes do “nós”, facultando o nosso próprio ganho, o nosso próprio conforto em primeiro lugar antes de algum dia pensarmos no outro. As palavras do professor Jesus espantaram tudo e todos, e repare que Jesus não acompanhava intelectuais e poderosos mas sim prostitutas, excomungados, sem-abrigo, mendigos, e até “cobradores de impostos”. Mas, como viver a vida em deferimento do próximo sem antes cuidar de mim? Pois bem, você pode cuidar de si em deferimento do outro sem se pôr em primeiro lugar. Basta que o que faça seja feito no sentimento de que ajudou alguém a viver melhor, a sorrir um pouco mais, a ser um pouco mais alegre sem esperar uma factual recompensa, pois a recompensa já está no acto em si, o que lhe irá provocar um instante de sentimento de que viveu uma vida que valeu a pena, e que todos esses momentos dedicados ao outro ao longo da vida, foram instantes de vida feliz. Não adianta procurar fórmulas de felicidade, porque isso não existe. Não adianta adorar estátuas e fazer sacrifícios horrendos dando-lhes crença mágica e milagreira porque não é por aí que algum de nós vai ser feliz para sempre, ou pelo menos mais constantemente. Mas apesar do meu ateísmo eu costumo sempre aconselhar o religioso a rezar, especialmente em lugar silencioso e calmo. Na reza não encontrará as tais fórmulas de felicidade constante, mas encontrará algo mais valioso. Meditação e paz de espírito, e se ao crente faz bem, então reze. Quando viajamos de avião e as hospedeiras dão instruções de segurança, reparem que uma dessas instruções é de que na necessidade do uso de colete salva vidas, você deve primeiramente colocar o seu e só depois ajudar os mais incapacitados, ou com mais dificuldade, porque se tentar fazer o contrário, provavelmente não terá tantas hipóteses de sobreviver. Muitos acharão que estamos a ser egoístas de forma a salvar a nossa pele, mas agora imagine que a pessoa que está ao seu lado é sua esposa ou esposo, que é sua mãe ou pai, que é sua filha ou filho? Provavelmente a maioria das pessoas tentaria colocar o colete primeiro na pessoa que está ao lado erroneamente, mas o fará porque é alguém muito importante para ela e vai-se preocupar primeiramente com o bem estar do outro. Exemplos não faltam, e falar de actos heróicos pelas pessoas que amam-

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amamos será sempre visto com alguma desconfiança, pois é alguém que conhecemos e temos sentimentos e laços afectivos que nos farão actuar mais facilmente que para com um estranho. Mas veja bem, qual será o sentimento de um bombeiro depois de salvar um desconhecido de um quinto andar num prédio em chamas? No Haiti, aquando do grande terramoto em 2010 pessoas corriam, definhavam para ajudar estranhos entre os escombros. No sul da Ásia em 2004, em vários países pessoas corriam e definhavam para salvar estranhos prestes a afogar no maior tsunami que tinham presenciado na vida deles. Aliás, que até então o mundo assistia confortavelmente na sua poltrona de boca aberta em frente da televisão. Na Síria, um país que se atomizou e desmoronou completamente, pessoas correm e definham para que civis inocentes possam escapar da guerra e salvar-se, enquanto outros se catapultaram no mar. Em muitos países acolhemos estranhos sem saber o que são, quem são, se são pessoas de boa ou má índole em prol de lhes proporcionar um instante, ou uma vida melhor e mais digna. Eu recordo quando era criança muito pequeno, o meu pai apareceu com uma rapariga francesa em casa. Esta moça de aparência mestiça entre o europeu e o africano, morena, de cabelo meio curto encaracolado com uma tez e feições muito bonitas, tinha viajado de autocarro e veio ter com um grupo de alunos a fim de visitar Portugal, inclusive a minha cidade natal, Guimarães, que pelo menos fazia parte da viajem que haviam planeado e seria o último ponto de visita. Esta rapariga que não sabia uma palavra de português, depois da última noite a menina devia voltar sozinha a França um passeio livre pela cidade. Não recordo agora se por falta de entendimento, organização ou sincronização, a rapariga quando chegou ao cais da central de autocarros onde deveria entrar no veículo com destino a França, este já havia partido sem ela. De qualquer forma, a rapariga acabou por chegar ao posto da polícia onde o meu pai trabalhava, e ao invés de ser entregue ao serviço de estrangeiros e fronteiras o meu pai resolveu levar a rapariga para nossa casa e ali ficou até que houvesse novo autocarro para França, o que naquele tempo, mais ou menos lá pelo “período Cretáceo”, os autocarros internacionais ainda eram muito escassos, a pedal, e os dinossauros ainda não permitiam uma circulação muito satisfatória. Bom, o certo é que mesmo sem sabermos francês para melhor comunicação a rapariga lá ficou em nossa casa. Conseguiu-se o contacto com os pais da rapariga de forma a tranquiliza-los, e a combinada viajem da rapariga de regresso a França. Salve-se que como ela em França via muito televisão espanhola por habitar junto da fronteira de ambos os países, ainda conseguimos alguma comunicação entre palavras pouco bem expressas. Chegou a hora de voltar para a família. A rapariga chorava desalmada abraçada a minha mãe no dia da despedida. Deve ter sido da comida fantástica que minha mãe sempre cozinha. Talvez seja por meus pais serem pios religiosos, talvez seja porque assim foram educados, talvez porque sejam as suas consciências morais e éticas que os façam dedicar a vida decididamente ao outro, mas o que é facto, é que por muitos anos essa mesma rapariga e seus familiares enviavam todos os anos cartas lindas de agradecimentos, de boas festas, de desejo de uma vida boa e feliz a toda a nossa família, e isso, depois da entrega, depois de dedicar tempo e vida a outro, a uma estranha, com certeza se perguntar aos meus pais eles relembrarão a rapariga com muito carinho, dirão que todo o segundo de ajuda valeu a pena e que assim são mais felizes, porque vale sempre a pena ajudar o próximo e sentirmo-nos vaidosamente um pouco mais felizes e melhores. A minha enteada Joana, a mais nova, fez este ano 14 anos e como criança que é, cheia de vida, energia e especialmente imaginação, a Joana já desde a última festa de aniversário que planeia e imagina a próxima. Hoje nem tanto, mas para além das festas de aniversário, a Joana pedia para fazer uma diversidade de festas de crianças em nossa casa. Emigrada com a mãe, uma irmã mais velha, e um irmão há pouco tempo na Suíça, Joana fez rapidamente amigos e facilmente arranjou forma de os manter fazendo festas em casa. Era a festa do pijama, festa do cinema em casa que parecia o festival de Cannes em miniatura mas com mais bagunça, festa da pizza, festa do saco de cama, festa da pipoca, festa da pesca do arroto, eu sei lá...! Havia festa pra tudo lá em casa. Mas a Joana quase sempre pede primeiro a mim do que à mãe. À mãe ela só informa: “o Carlos deixa!” Ela consegue quase tudo de mim com uma facilidade extrema. Aliás, todos eles conseguem. Dificilmente nego a qualquer um dos meus enteados qualquer pedido deles, mas talvez porque a Joana é a mais nova e requer mais atenção e cuidados, e também com quem convivo mais, é a quem eu dou mais de mim. Um belo dia, já lá vão uns dois anos e pouco, eu disse que sim à Joana para uma festa. “Uia!” Eu pensei que estava ali em casa a escola toda. Se fosse uma discoteca só dançava com os olhos e as pestanas, mas afinal era só a turminha dela, mas as crianças são como a água. Elas ocupam todos os espaços. E é fim-de-semana, e queremos descansar, mas escusado será dizer que praticamente fui expulso de casa até ter autorização oficial da festeira para regressar, e com ingresso, documentos, e autorizações especiais carimbadas. Mas pergunto, que espécie de idiotas somos nós que saímos de casa umas boas horas à espera de autorização de uma criança pra voltar para casa? Esses idiotas somos todos nós, ou grande parte de nós, não somos? O sorriso de qualquer criança derrete-nos, não é? No fim do fim-de-semana de festa da Joana, já sozinhos em casa, ela chega ao pé de

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ao pé de mim, abraçou-me pela barriga, pois era bem mais pequena que hoje, e com aqueles olhos de mel disse-me: “Obrigado Carlos. Foi a melhor festa da minha vida. Gosto muito de ti!” — Ai!!!! Aquilo bateu ali nas minhas entranhas que até estalou! Talvez eu seja mesmo assim, ou como diria um professor brasileiro que para os crentes de astrologia, “caranguejo chora até em inauguração de supermercado”! Aquilo foi um momento fantástico que me assombra e provoca calafrios até hoje! Tudo porque abdiquei do meu sossego, do meu bem estar, da minha “poltrona” em deferimento da felicidade da Joana. Os exemplos continuam. Aquela pessoa que pára o carro no meio da estrada e ajuda alguém com dificuldades a atravessar a rua, ou simplesmente arruma qualquer objecto que possa provocar um acidente. Alguém que mesmo sem ser nadadorsalvador atira-se à água para salvar alguém em apuros. Aquele animal resgatado da estrada atropelado e levado para casa e cuidado, mesmo não tendo grandes condições. O polícia que reanimou um bebé com paragem cardíaca, o médico que saiu a meio do seu descanso para socorrer alguém, o voluntário que alimenta durante o inverno os mais necessitados sem que nada lhe peçam. A velhinha que o estranho ajudou a levantar do chão quando caiu. A pessoa que deixa o cadeirante passar à frente na fila do pão, ou até aquele estranho que vê outro estranho no aeroporto a chorar e simplesmente chega lá e o conforta. O outro. O bem estar do outro... Feliz é aquele que consegue ver a alegria no outro através das suas acções, do seu tempo investido, do seu empenho, e quando fazemos isso muito antes de pensarmos nas nossas próprias conquistas, no nosso próprio enriquecimento, no nosso próprio acumular de bens, na nossa própria enfatização na busca do reconhecimento do outro sobre nós, nós fazemos. E fazemos porque é o que vale mais, proporcionar um instante de alegria, um instante de felicidade ao outro, e se o outro por um instante quer voltar a estar consigo, a conversar consigo, a passear consigo, a festejar consigo independentemente do tipo de relação que tenha, de amizade, de amor, de família, de conhecido, ou desconhecido, são todos esses momentos que você proporciona ao outro que dão sentido à vida, e nos dá o feliz sentimento de que vivemos uma vida que decididamente valeu a pena, que decididamente foi mais alegre, que decididamente foi mais produtiva, que decididamente foi mais feliz. Felicidade não é um estado permanentemente. Felicidade é um instante de vida que não queremos que termine mesmo que tenha apenas durado um mísero segundo. Então, eu espero que de alguma forma, numa mera simples frase de todo este texto você volte a reler-me. Que você diga, - Carlos, escreva mais coisas”-, que você fique curioso e procure mais escritos meus, que você diga que estou certo aqui, que você diga que aqui concorda mas aquele outro pensamento não está muito alinhado, ou que tudo está escrito equivocadamente no seu ponto de vista. Mas espero ter conseguido que você tenha lido tudo e critique-me com inteligência, seja para o melhor ou para menos bom. Espero que por um instante eu tenha proporcionado um bom momento a todos os que me leram. Para este texto, inspirei-me num professor inteligentíssimo da actualidade, num outro professor universalizado por pensadores, historiadores e religiosos pelos seus pensamentos, mas também me inspirei no homem da fotografia com quem tive o prazer de conhecer. Um Checo, na cidade de Praga durante o fim-de-semana de Páscoa de 2018. Num dos seus intervalos entre as melodias que ele tocava tão docemente naquele violino na rua, eu disse-lhe que ele tocava lindamente, e perguntei-lhe se não tinha oportunidade de tocar numa filarmónica, ou concorrer a uma. Ele respondeu-me que isso era para estrelatos. Ele apenas estava ali para entreter as pessoas que vagueavam pelas ruas de Praga, e apenas esperava que elas sorrissem e apreciasse a sua música, mas eu, desconfiado daquela caixa aberta com algumas notas e moedas perguntei-lhe porque é que estava a aceitar aquelas recompensas.(?) Ele então explicou-me que era professor de artes e humanas na Universidade Carolina de Praga, e apesar de ser uma universidade muito requisitada, não tinha fundos monetários para promover uma viagem de estudo que estava a preparar ao Vaticano com os seus alunos. Eu fiquei pasmo a olhar-lhe nos olhos, talvez à espera que ele descosesse alguma mentira, então ele continuou a explicar-me que em vários pontos da cidade iria encontrar mais dois professores, e alguns alunos espalhados pelas zonas mais turísticas facultando espectáculos de entretenimento de rua aos turistas com o mesmo propósito. Que poderia confirmar pelos cartazes que estariam junto deles. Então voltei a questionar, -“mas você não tem aqui nenhum cartaz!”- o qual ele retóricou que havia cedido a um outro violinista, também professor e seu colega, que estava na famosa Ponte Carlos, ou Karluv Most, a ponte mais emblemática e turística de Praga, pois lá conseguiria mais fundos do que numa simples travessa perto do metro onde se encontrava. Então, quando eu pensava que era apenas mais um pobre, ou até mendigo a pedir na rua, afinal era alguém que apenas estava a tentar proporcionar algo de bom aos seus alunos e a todos os desconhecidos que por ali passavam. Numa última pergunta, questionei-o se todas aquelas horas ali no frio, em pé, se valeria a pena o esforço. Apenas disse-me que todos os seus alunos valiam a pena, tal como todos os sorrisos de quem passava ali e ouviam sua música, mesmo não depositando qualquer recompensa monetária na caixa. (Ferreira Carlos)

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Obrigada Arte, que me faz feliz! Minha alma brota de alegria, Não sei que diga, Fico rendida a estes sons! Flutuo por entre as águas límpidas, De uma cascata, Ao som dos violinos, das harpas, dos oboés, das flautas, Dos violoncelos e de outros mais! De repente, em “Somewhere over the rainbow ‘ Eu voo, serena e livre, Céu incandescente, De um arco íris lunar, Multicolor, com uma luz circular, Subo até ao infinito, até ao Cosmos, Em passos leves e harmoniosos! Minha alma explode comovida, De repente vejo na tela, O mar brilhando Com um lindo tom azul, Cá em baixo, por entre pares sorridentes, Vejo muitos passos, Felizes e contentes! Encenam a valsa das valsas, O “Danúbio Azul’ ! E eu sonho, Que danço, flutuando, em pés saltitantes, Como se de uma princesa se tratasse, Ao lado de Johann Strauss! Com um click, acordo, E quão grata eu fico, Pois sem o dom, a inteligência e tudo o mais, Sem estas pessoas fantásticas, Não estaria assim! Obrigada, famosos, Andre Rieu, Músicos, sopranos, compositores, E muitos mais! Não consigo exprimir mais, Tanta emoção no coração! O Universo nos rege, Usamos o talento que há em cada um de nós, Único ! E a obra nasce! Sonhei, amei, fui feliz, Nestes mágicos e rápidos momentos,

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Nestes mágicos e rápidos momentos, De mais um domingo do ano, Que nunca esperei tanto amar!

Poema escrito ao som do concerto de André Rieu – Paixão em Maastricht via TV

Manuela Martins

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Coisas triviais Percorres o espaço de um instante Em busca de uma certa Beleza do mundo. Desconheces Onde está sequer se existe. Aproximas-te… Talvez nem a consigas Observar. Talvez se esconda de ti Naquele gesto apressado que tens Quando (quase) corres pela rua - O tempo limita-te. Sempre ele. Talvez te esqueças de ouvir O pequeno pássaro que te sorri Esvoaçando sobre a tua cabeça. A beleza do mundo… Talvez ande Por aí numa esquina quieta Do tempo. Rente ao teu próprio Movimento. Talvez mesmo Quando parares nesse semáforo Urbano. Ou então quando a cidade Adormecer e pelas suas mãos Observares o sinuoso silêncio Das estrelas e a obscuridade Renovada do céu… Talvez entre Escombros e sombras até. A beleza do mundo pode ferir-te O olhar. Seduzir-te naturalmente. Já não te lembras como é? É por vezes composta de Pequeníssimas coisas triviais… Alda Gonçalves

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De que vale ... Deveria encarar a realidade , Desatar e soltar a verdade , Não basta esta minha vontade ... Nada avança ...se só lutarmos pela metade ! Chega de inalar tanta toxicidade Pois estou a perder a vitalidade ! De que vale a comodidade ...se anulamos a nossa identidade ? Para que serve a qualidade ... se não passar duma inutilidade ? De que vale a diversidade ...se é tão densa a obscuridade ? Para que serve a actualidade ...se não tiver uma finalidade ? Deveria enfrentar esta grande adversidade, Consolidar e avançar em busca da estabilidade. Não basta esta minha ( e tua) conformidade... Nada avança ...se não houver sinceridade ! Chega de viver esta vida com tanta impunidade Pois eu já não sei o que é a serenidade ! Para que serve a grandiosidade ...se não se alcança a felicidade ? De que vale a preciosidade ... se traz consigo a mortalidade ? Para que serve a claridade ... se reflecte tanta falsidade ? De que vale a Liberdade ? Se só vemos Insanidade !!!

EPereira Umpoemademimparati

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A minha singela Homenagem ao Livro Aos livros que me têm acompanhado nas Estradas da Vida, desde que me entendo como gente. Eles fazem parte das minhas memórias. Ainda consigo sentir a alegria de em criança descer o caminho onde morava, tão depressa que parecia que os meus pés nem tocavam no chão. Quase no fim da descida ao ver o carro da biblioteca Gulbenkian estacionado junto à igreja, o coração parecia querer sair do lugar. Depois recompunha-me, acalmava-me e subia os poucos degraus da carrinha cheia de curiosidade. E os meus olhos iniciavam um trabalhão para examinar minuciosamente as capas dos livros, os títulos e adivinhar o conteúdo...Recordo que havia limite para o número de livros a requisitar, então eu já trazia no pensamento os livros para ler quando lá voltasse. Finalmente voltava a descer aqueles degraus com os braços carregados e o coração pulava de vaidade. Subia o mesmo caminho, mas agora devagar, fazendo até algumas paragens e já folheando alguns exemplares. Nessa noite já devorava aquele que mais me agradasse... Parabéns, Livro!

Um mundo inteiro cabe Nas páginas de um livro -Para tanta coisa, que eu sirvo! -Exclama ele orgulhoso Oceanos e continentes Rios, mares, lagos Olhos molhados de afagos Estradas, avenidas, ruas, caminhos Navios, barcos, barquinhos Aviões, avionetas, naves, balões Uma quantidade inúmera de países Árvores, arbustos, plantas Todas as suas partes desde as raizes Flores distribuem cores Que acalmam dores Sombra, madeira, perfume Os costumes, as tradições Correntes, marés, ventos Rápidos, cascatas despenham-se Em lentos tormentos Milénios, décadas, anos, dias, momentos Planetas, cometas, estrelas, sóis, luas Universo fora e dentro Universo dentro e fora Espaço, para que te quero? Espaço, para que te preciso? Não preciso de ti! Onde foi que eu já li? Múltiplas lições Um mundo de intenções Ensinar, estudar, identificar Aprender, conhecer, reconhecer Divertir, servir, sorrir, descobrir Gargalhar, espalhar, amar, imaginar Saborear, sorver, sentir Intervir, denunciar, pronunciar

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Personalizar, comunicar, estreitar Laços que de seda são feitos E dão pelo nome de abraços Margens que separam Pontes que ligam De um lado, o amado autor Do outro lado, o amado leitor Ponto de encontro, o livro Capítulos, folhas, páginas O livro é um lugar mágico Uma cartola Uma bola de cristal Na Madeira, diz-se um arraial Ele anula as distâncias Ele estreita as relações Inicia ou finaliza Ele tudo realiza Palavras solitárias Palavras aos pares Palavras aos montinhos Palavras tantas, tantas Narrações, descrições Histórias, historietas Poemas, com e sem rimas Mensagens que mimas Vestidas, despidas Quentes, frias Carregadas de significados Trazem e levam Um mundo de recados!

Teresa Faria

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Maria e seus irmãos O vento soprava… A escuridão aproximava-se e nada havia o que Maria pudesse fazer. Os lobos aproximavam-se. Maria chorava de medo, de raiva. Porquê ele havia a deixado sozinha? Maria apenas tinha 10 anos. O seu pai, por ordem da madrasta, havia a deixado sozinha na floresta. Quando ela viu os lobos à sua frente, rosnando, soube que era o fim. Mas, de súbito, alguém apareceu das sombras. Com o seu machado, lutou contra os lobos. Quando pensou que era o final, um lobo mais fraco, que havia estado escondido, observando a cena, atacou o braço do lenhador que tinha o machado. O lenhador pegou na sua faca longa que tinha à cintura e matou-o. Cansado, respirou fundo algumas vezes. - Estás bem? – Disse o lenhador, para a rapariga. - Sim… Quem és tu? – Perguntou Maria. - Sou um lenhador. Estava a arrumar a lenha quando ouvi os lobos por perto. Soube logo que havia problemas. O que fazes aqui? Não devias estar em casa? Eu não ouvi nenhuma busca. - O meu pai deixou-me aqui porque a minha madrasta pediu…. Tenho medo. - Calma. Vem comigo, eu levar-te-ei a casa amanhã. - Não quero ir. O meu pai é mau desde que se casou com a minha madrasta. Ele vai me trazer para aqui outra vez. - Bem, veremos o que faremos. Entretanto, vem comigo. - Como vês tão bem no escuro? - A lua alumia o caminho, vês? – Disse o lenhador, apontando para o céu. - Tens doces? - Hã? - Tenho fome… - Eu tenho sopa em casa, a minha mulher faz sempre sopa. - E doces? - Não temos filhos, porque havíamos de ter doces? - Está bem… Maria seguiu o lenhador aos tropeções. Chegou com os joelhos esfolados a casa do lenhador. - Mulher, cheguei, trago aqui uma criança perdida. Podes dar-lhe uma sopa? A mulher aproximou-se para a ver. - Credo, tem os joelhos esfolados. Deixa-me ir buscar um pouco de água para lhe lavar os joelhos. Como te chamas, moça? - Maria. - Muito bem, Maria, segue-me. Maria seguia-a, conforme lhe foi dito. A mulher do lenhador lavou-lhe os joelhos e deu-lhe uma sopa bem quente, acompanhada de umas torradas. - Peço desculpa pelo jantar, minha querida, não esperava visitas. – Disse a mulher do lenhador. - Não faz mal, já não tenho fome. - Então conta-me, como te perdeste na floresta? - Eu não me perdi, o meu pai deixou-me lá. - Meu Deus, mas porquê? - Porque a minha madrasta é má, porque não gosta de mim. - E amanhã vamos devolve-la à família, a essa gente? – Perguntou a mulher para o lenhador.

- E que queres que faça? – Disse o lenhador. - Não podemos ficar com ela? Andamos há tanto tempo a tentar ter uma criança… - Chiu, nada dessas conversas aqui. Queres ficar com ela, ficamos. Mas primeiro temos de falar com a família dela.

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- Obrigada, amor. Maria não entedia a conversa que se desenrolava à sua frente, nem ligava mais. Estava a aquecer-se à lareira. A noite passou, Maria dormiu com coberta com um xaile que a mulher do lenhador tinha, à beira da lareira. Bem cedo, o lenhador saiu de casa para trazer lenha para o lume. Já a esposa preparou uma sopa de feijões para o pequeno almoço. Maria acordou um pouco depois. - Dorme, meu anjo. – Disse a esposa do lenhador. - Não tenho sono. Queres que faça algo? – Disse Maria. - Só que esperes. – Disse a esposa do lenhador, fazendo uma festa na cara dela. – Já agora, chamo-me Josefina. - Está bem. Passado um pouco, o lenhador voltou. Trazia lenha e novidades. - Nem vais acreditar no que se passou. - Então? – Perguntou Josefina. - Parece que não fui o único a ouvir os lobos por perto ontem à noite. Encontrei uma mulher, que mais parecia uma carpideira, chorando. Mas notava-se que o choro era falso, sabes? - E depois? - Dizia que havia perdido a enteada, que havia sido comida pelos lobos. Quando eu lhe disse que havia encontrado uma menina na floresta, perdida, ontem, e que estava na minha casa, ficou assustada. - E mais? - Eu perguntei-lhe se não a queria ir ver. Disse-me que não, não devia ser a mesma menina. E deixou-me ali espectado, sozinho. - Então, que fazemos? - Olha, fica connosco. - Grata, querido! – Disse Josefina. Maria, que tinha ido fazer as suas necessidades à rua, entretanto, não soubera de nada. Apenas reparou que Josefina a tratava com mais carinho, quando voltou a casa. - Minha querida, o meu marido disse-me que queria doces. Não te importas de ficar em casa, enquanto vou comprar um pouco de açúcar para te fazer uns caramelos? - Sim! - Muito bem. Porta-te bem. Eu sei que sim. No entanto, assim que Josefina saiu, Maria, curiosa, seguiu-a. - Então, ela ficou em casa. – Disse Josefina. - Eu trato dela… - Disse o lenhador, estranhamente, na visão de Maria. Assustada, precipitou-se para longe. Queria o seu pai. Começando a reconhecer o terreno, entrou na aldeia. Foi ao pé do chafariz, no centro da aldeia, que Maria viu a sua madrasta chorando. Viu como era consolada pelas anciãs da aldeia. Achando estranho, não se mostrou. - Porque choras, moça? – Perguntou uma anciã. - Perdi-a…. Perdi a minha enteada. Tão novinha…. Foi comida pelos lobos que rondaram a aldeia, ontem à noite. - Pronto, não chores mais. Logo Deus te dará uma criança e essa, sim, do teu sangue. A madrasta fez um esgar estranho.

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- Achas? - Claro. És casada, certo? Então, é natural que engravides, mais tarde ou mais cedo. - Antes tarde que cedo… - Resmungou a madrasta. As anciãs fingiram que não ouviram. - O quê? - Nada, nada… Má. Não havia outra descrição para a madrasta. Má, muito má. Maria achou por bem voltar para casa do lenhador. Queria continuar segura, para poder amparar os seus futuros irmãos, se os houvesse no futuro. - Maria, onde estavas? Fartei-me de te chamar. – Disse o lenhador. - Desculpa. - Onde andaste? - Fui ver o meu pai… - Ah… E como estava ele? - Não o vi. Vi a minha madrasta má, no chafariz. - Sim…. Então já sabes… - Ela é muito má. Não quer ter filhos. Tenho medo. - Medo do quê? - Que faça mal aos meus irmãos, quando nascerem. - Não te preocupes com isso. Havemos de estar por perto, para os ajudar.se eles vierem. - Sim. Maria olhou para o lenhador, todo suado. - Que estás a fazer? – Perguntou Maria. - A rachar lenha para o inverno. Vai para dentro. Ajuda a minha mulher, que está a preparar-te uns caramelos. - Está bem. Os dias passaram, meses, anos. Maria tornou-se numa esbelta rapariga. Sempre agarrada à terra, pois o seu pai e a sua madrasta sempre acabaram por ter filhos. Vigilante, apercebia-se de tudo. Nunca chegaram a abandonar nenhum filho, pois o lenhador sempre lhes mostrou o caminho da honra e desonra… Mas ele já tinha uma certa idade. Não era velho, mas não ia para novo. Maria sabia, portanto, que a responsabilidade estava nas suas mãos. Estava na altura de se mostrar, repor a verdade e cuidar dos seus irmãos. - Mas porquê, Maria? – Chorava Josefina. – És a nossa filha. - E os meus irmãos, abandono-os? Não posso. Se fosse realmente tua filha, apoiavas-me. - Ela tem a sua razão, mulher. – Disse o lenhador. – Alguma coisa tem de ser feita. Uma vez tentaram amarrar um rapaz a uma arvore, para o matar de fome. Não brinques, eu vi. - Basta. Eu vou revelar a verdade sobre mim. Que nunca morri, que permaneci aqui, sob a vossa guarda… Mas preciso do vosso apoio, para demonstrar a verdade. O lenhador e a esposa entreolharam-se.

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- Conta connosco. – Disse o lenhador. - Está bem… - Disse, por fim, Josefina. Dirigiram-se, então, a casa dos anciões que governavam a aldeia. - Meus senhores, venho aqui, por este meio, demonstrar que nunca faleci comida por lobos, conforme a minha madrasta contou, mas vivi escondida dos olhares alheios na casa do lenhador e da sua esposa. – Disse Maria, depois dos devidos cumprimentos. - Muito bem, e que provas da tua identidade nos apresentas? – Disse um dos anciões. - O lenhador, a sua esposa, e este colar, pertencente à minha mãe falecida no meu parto. - E o que reivindicas, herança? – Disse um segundo ancião. - Não, meus senhores. Posso me safar bem sozinha. Reivindico a guarda dos meus três irmãos. - Pode se safar sozinha…. Moça, és uma mulher. Só tens três saídas, casamento, convento ou prostituição. - Nenhum. Tenho os meus pais adotivos, que me ajudam. Posso contar com eles. - É verdade o que esta moça diz? - Sim, senhor. – Disse o lenhador. - Muito bem. Mande-se chamar o alegado pai e madrasta desta moça, então. Mandaram-nos chamar, quase os arrastando. - Não percebo porque somos chamados aqui… - Disse o pai de Maria. - Sim, realmente. Temos mais que fazer. – Disse a madrasta. - Nada é mais importante que isto. – Disse Maria, subitamente. - Maria?... – Disse o pai. – Quer dizer, não a conheço, não sei quem é esta moça. - No entanto, sem ela dizer o nome, soube-o. Não precisamos de mais nada. Vão buscar as crianças. Pertencem a Maria, agora. - E que saberia ela fazer com eles? – Disse a madrasta, sendo agarrada para não se atirar a Maria. - Mais que tu, que só sabes abandonar crianças à sua sorte. Mal lhes ligas, eles estão sempre sujos e esfomeados. - Tu… Tu não sabes nada, nada… Palavras insanas e vãs, pois a guarda dos irmãos já estava obtida por Maria. Mas os tempos não iam ser fáceis para Maria. As crianças, a princípio (manipuladas pela mãe), recusavam agradar a Maria ou obedecer a quem quer que fosse. No entanto, com o tempo, apegaram-se a essa irmã carinhosa que cuidava deles com mais amor que alguma vez tinham sentido. Ao contrário da mãe, que só os desprezava. A madrasta de Maria teve mais duas crianças, que lhe foram retiradas prontamente, assim que nasceram. Foram cuidadas por amas de leite e entregues a Maria, também. Maria viveu até aos 90 anos. Criou os irmãos como seus filhos, nunca chegando a ter um. Nunca se casou, sempre dedicada às crianças. Raro era o homem que aceitasse aquele ‘fardo’ e Maria não encontrou nenhum, decidindo permanecer solteira.

Ana Sophya Linares

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Alucinações da madrugada Sinto-me a ausentar-me. O meu corpo continua enjaulado. O peso de uma sombra abate-se sobre mim e isola-me cada vez mais do resto do mundo. Sou um ser noturno. Cresce uma dor incontrolável dentro de mim, preciso de outra menos intensa para aguentar a primeira. Sinto-me febril. Tenho o rosto lívido, transparente como os mortos têm. Parece que me vou apagando aos poucos. Arrefeceu durante a noite. O frio era tanto que abri a janela toda para que entrasse e me penetrasse nos ossos. Não consegui pregar olho durante a noite. Insónia a insónia, vou memorizando as imagens que forram as paredes do quarto. Há fotografias, desenhos e esboços por todo o lado. Decidi deixar de pintar, mas nunca cheguei a arrumar nada. Continua tudo espalhado. As tintas estão secas, os pincéis duros e as telas amareladas. O silêncio é angustiante na minha caverna urbana, mas é nele que me consigo encontrar. É na ausência de ruído que me vou metamorfoseando. A vertigem do silêncio dilatado sacode-me e obriga-me a pensar. Penso tanto em algumas pessoas que sou tomada pelo nevoeiro da memória, os traços vão se esbatendo e vou-me esquecendo delas. As imagens vão desfilando, no entanto surgem cada vez mais desfocadas. Pela janela aberta, entra um vento frio e salgado. Arrepio-me. Há já muito que ninguém me telefona ou me visita. Vou passando aqui as noites monótonas e iguais, escrevinhando coisas que acabo por queimar. Tenho os lábios gretados e os olhos inchados. Dói-me o corpo todo, o peito principalmente. Era bom que, definitivamente, o sono me entorpecesse e me fizesse desmaiar numa dormência profunda que me apagasse da cabeça coisas até agora indeléveis. Queria embriagar-me de álcool, de erva e de paixão. Passo a língua pelos lábios e afasto o cabelo dos olhos. Enrosco-me sobre mim mesma e estremeço à espera da manhã longínqua. Ainda faltam umas horas até o manto escuro de pontos luminosos desvanecer. Fiz café que vou bebendo a escaldar de uma caneca branca. Acendo um cigarro que saboreio até o filtro quente me queimar os lábios já feridos. Tornei-me uma ladra. Roubo os outros, mas não me deixo roubar. Apodero-me das suas histórias, desconstruo-as e com elas produzo linguagens. Tenho de desprender o torpor das mãos. Lembro-me do puto que vi cair do quarto andar, estendido no chão, uma multidão à volta. Destroços de vida. Encho a caneca de novo, o café sabe-me bem. Reúno os fragmentos de memória, dou-lhes um nome e faço-os reféns de uma folha de papel branca. Acontece olhar-me no grande espelho do quarto durante longos minutos. Miro-me da cabeça aos pés a ver se algo mudou de um dia para o outro. Uma noite destas, refletiu-se um homem seminu, sem rosto. Vestia apenas uma camisa branca igual àquela que trago vestida agora. Quis tocar-lhe, mas ao toque dos dedos no espelho frio, desapareceu. Mais uma partida do álcool, de certeza! Que pena, queria ter-lhe descoberto o rosto, a identidade. Sinto que volta. Temos coisas para dizer. Amanhece. As Mãos

As Mãos procuram produzir linguagens, contar histórias e dar um sentido às coisas. Colaboram ainda no blog EGO Magazine.

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eu sou teu, eu sou tua (ou o feitiço de atrasar a hora) Se o tempo andasse para trás porque não o atrasávamos só uma hora, mas duas, todas as horas e todos os dias. Se por isso nos amássemos sempre mais, antes de fazer juras de amor eterno, eu sou teu, eu sou tua, porque a rotina nunca se instalara nem chegara a haver rotina, e antes ainda fizéssemos amor por todos os cantos da casa. Se nos escolhêssemos, eu sou teu, eu sou tua, antes de fazer amor por todos os sítios e também à chuva e fosse sempre diferente, porque éramos sempre mais jovens e queríamos sempre descobrir e sentir mais. Se fizéssemos brindes até cair de lado, sem pensar no futuro, sem preocupações ou responsabilidades, não sou mais nada que tua, não sou mais nada que teu, antes de aprender como era viver ao contrário, numa escola onde entrávamos a saber tudo e saíamos sem saber nada. Se doesse nos amores perdidos e ardesse nos amores de perdição, antes de nos amarmos em todos os cantos e sítios do mundo, enquanto se pensava que não estávamos lá, mas estávamos abraçados na areia da praia, eu sou teu, eu sou tua.

Se ouvíssemos música como se não houvesse vizinhos, antes das borbulhas e das urgências de descobrir os corpos e beijarmo-nos e tocarmo-nos pelos cantos e era tudo novo e ninguém era de ninguém. Se jogássemos ao bate pé, antes de trocarmos papelinhos na aula a dizer eu sou teu, eu sou tua, vamos dormir os dois, sem saber o que isso era. Se levássemos uma palmada para existir, antes de nascermos da barriga da mãe. Se tudo parasse, antes de esticarmos as pernas e duas vozes se rissem muito, eu sou teu, eu sou tua e ele é nosso. Se houvesse uma explosão de mil cores, antes de um espermatozoide ter fecundado um óvulo. Se depois fosse o nada, ou talvez outra vida num mundo em que não se soubesse disto e só se andasse para a frente e se morresse!

Adriano Lisboa

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ENTREVISTA A ADRIANA REI Quando é que a Adriana percebeu que o seu destino era ser escritora? Percebi isso muito cedo, na verdade. Se há algo que me lembro desde sempre, é da paixão pelos livros, que em criança a minha mãe lia para mim, o que me levou pelo mundo da escrita, mais tarde, conforme fui crescendo. Recordo-me de um acontecimento em específico que despoletou tudo, que sucedeu no meu quinto ano de escolaridade. Decorreu um concurso de contos de Natal, fiquei entusiasmada e, depois de imensos rascunhos decidi participar, enviar o conto e não criar muitas expectativas. O facto é que ganhei o concurso, foi a primeira vez que alguém admirou e valorizou aquilo que escrevi. Acho que foi nesse momento que me apercebi que escrever era realmente algo em que era boa e, apesar de ainda ter muito para melhorar e progredir, era algo em que eu não duvidava do meu valor. E isso levou-me, com o passar dos anos, a escrever "O Pedaço De Mim Que Foi Contigo", cuja redação iniciei com 16 anos. De onde vêm os personagens? Relacionam-se de alguma forma com alguém que conhece? Se há algo que gosto de explicar acerca do meu livro é o facto de nenhuma das personagens ter uma verdadeira identidade, um nome, vir de algum lado, ser alguém. O meu objetivo com os personagens nunca foi criar um alguém com certas características físicas, monetárias e afins, eu criei personagens que, simultaneamente são toda a gente e não são ninguém, isto é, elas podem ser toda a gente porque aquilo que vivem e sentem são coisas comuns a todas as outras pessoas, incluindo, principalmente, os leitores, pois quero passar o sentimento de compreensão quando eles estão a ler, porque quando lemos a descrição de um sentimento negativo que já presenciamos sentimos que já não estamos sozinhos no mundo; por outro lado, não são ninguém porque não estão especificadas. Todas as características das personalidades dos mesmos, e mesmo os acontecimentos, são, de certa forma, uma junção das pessoas que passaram na minha vida e a marcaram de alguma forma, positiva ou negativa, com ações ou mesmo palavras. Qual é o seu livro e autor favorito? Guiou-se por eles na escrita do seu livro? É difícil falar de um livro favorito, no entanto, se realmente há um livro que me tocou mais do que qualquer outro, me deu ensinamentos sem fim e que eu consulto imensas vezes sempre que me sinto mais "perdida" é "O Alquimista", do meu autor favorito Paulo Coelho. Eu li, no espaço de meses, todas as obras do autor brasileiro, algumas mais do que uma vez, por isso, é claro que me guiei um pouco por Paulo Coelho e todos os ensinamentos e lições dele espalhados por todas as suas obras no geral e vão encontrar, não só referências diretas ao autor e à obra "O Alquimista", como também traços semelhantes na minha obra, ele é, sem dúvida, o autor que mais admiro e sinto que preciso até de agradecer por ter encontrado a sua literatura. Qual é a sensação de ir a uma loja e encontrar um livro seu à venda? Sinto-me de coração cheio. É muito gratificante, sinto que o meu esforço e trabalho estão a ser valorizados após as dificuldades que tive e certos comentários que desnecessariamente ouvi, depois de tanto negativismo isto é quase que a minha "vingança", a minha certeza para as pessoas que duvidaram de mim.

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Já alguma vez se cruzou com alguém a ver o seu livro? Acho que para mim é um pouco cedo ainda para me cruzar com alguém desconhecido a ver o meu livro, pois é apenas o primeiro, é pequeníssima a percentagem de pessoas que conhecem o meu trabalho. As únicas pessoas com que me cruzei a ver o meu livro foram pessoas próximas a mim. Atualmente, cada vez é mais difícil publicar um livro, principalmente devido a motivos financeiros. Qual foi a sua maior dificuldade na publicação? Penso que a maior dificuldade de publicação foi encontrar a editora certa em que eu confiasse a 100%. Houve quase um ano de espaço desde que terminei a redação e encontrei a editora, foram muitos meses de procura, análise de contratos propostos e algumas rejeições. Realmente a parte financeira foi algo que, muitas das vezes, me deixou com um pé atrás, é muito caro publicar livros em Portugal, e muitas das editoras estão disfarçadas, sendo na realidade quase que "industrias de impressão de livros", que pouco se importam ou respeitam o escritor e cujo único interesse é o dinheiro. Enquanto está a escrever, partilha a história com alguém para pedir conselhos? Pelo menos para mim, a escrita é algo bastante íntimo, por esse motivo não é algo habitual para mim partilhar ou pedir conselhos e opiniões, no entanto, há algumas exceções e, por vezes gosto sim de perguntar a uma pessoa específica o que acha por ser uma pessoa em quem realmente confio. Quanto tempo demorou a escrever o livro? Demorei cerca de oito meses a escrever o livro, sempre achei que iria demorar muito menos tempo, visto que era uma história que já tinha contado e formado muitas vezes na minha cabeça antes de a passar para o papel, no entanto, tive de dividir o tempo que tinha para escrever com a parte escolar e toda a minha vida, no geral, por esses motivos foi um processo mais demorado. Para não referir os dias em que as palavras não ficavam como deviam ou simplesmente não estava inspirada para tal, quem escreve também sabe muito bem daquilo que estou a falar, e os dias em que pensei em desistir e arrumar tudo na gaveta, como tinha já feito anteriormente com outros rascunhos. Dedica quanto tempo à escrita por dia? Eu não acredito em horários específicos para escrever, sinceramente. Eu escrevo sempre que sinto vontade, tenho dias mais produtivos e outros menos, mas o segredo é não forçar nada. Sempre que forcei horários específicos para esse fim os resultados que obtive foram capítulos com menos qualidade que, mais tarde, tive de reescrever. A escrita é algo natural que vem quando tem de vir, na sua hora, e vale a pena por vezes esperar. Como lhe surgem as ideias para escrever? Tudo aquilo que escrevo está, de uma forma ou outra relacionado intimamente com aquilo que vivo, vejo e/ou sinto. É tudo, para mim, um processo muito natural. As minhas ideias surgem conforme os dias em que esteja mais crítica,e queira alertar ou julgar assuntos acerca dos quais não concorde ou concorde; conforme os dias em que esteja mais sentimental, e queira demonstrar as coisas que sinto, já senti ou queira um dia vir a

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sentir; ou conforme os dias em que queira relembrar e descrever espaços que me marcaram ou pessoas que foram ou são importantes. Depois existe, claro, uma junção de tudo isso com algo que me inspire, que são coisas bem variáveis, mas normalmente um rosto em específico com um sorriso que conheço muito bem. Acho que é disso que gosto mais na minha literatura, o facto de a essência da inspiração ser sempre a mesma. Gosta de trabalhar em silêncio absoluto ou prefere ouvir música enquanto trabalha? Gosto de variar, maior parte do tempo prefiro trabalhar em silêncio absoluto, no entanto há alguns dias em que mudo radicalmente e ouço o meu género de música preferido, que é metal. Acho interessante ver o quão diferente a literatura pode ficar quando ambientes e sons diferentes rodeiam quem escreve. Das obras que escreveu, tem alguma que seja a sua favorita? Eu só tenho uma obra publicada neste momento, no entanto, "O Pedaço De Mim Que Foi Contigo" não foi a primeira obra que escrevi. Essa obra é, sem dúvida, aquela que tem mais tempo, suor e amor da minha parte envolvidos e aquela que está mais ligada a mim, por esse motivo, de qualquer forma, seria a minha favorita, no entanto, há outra em específico a que gostava de ter dado continuidade e não dei, mas talvez um dia retome a sua redação. Se estivesse agora a começar a sua carreira como escritora, mudaria alguma coisa? Honestamente, por muito clichê que pareça, não mudaria nada porque foram as más e boas decisões que me trouxeram onde estou hoje, e penso que estou bastante satisfeita.

Compare a situação de Portugal na literatura relativamente aos outros países. Neste caso publicou em Portugal, acha que teria mais ou menos sucesso se publicasse as mesmas obras mas noutros país? Penso que Portugal, em relação aos outros países, em termos de literatura, continua a deixar muito a desejar. Isto porque, não bastava ser já complicado monetariamente, o facto de as pessoas não terem muito interesse na literatura acaba por piorar tudo. Os outros países costumam apoiar mais os escritores e valorizarem-nos mais também, por isso, sem dúvida teria mais "sucesso" se publicasse noutros países.

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Oficina Poesia Terapêutica Por: Luciane Couto Em 2017 comecei a ofertar no Brasil a oficina Poesia Terapêutica, buscando unir minhas experiências como terapeuta (com atuação nas áreas social – com famílias com violência doméstica, principalmente - e clínica) e minha paixão pela escrita, sobretudo pela poesia. Entendendo que oficina é uma forma de intervenção psicossocial que usa o espaço e interações grupais para trabalhar vivências e significados afetivos relacionados ao tema desenvolvido, busquei aliá-la à poesia, utilizando dessa forma de arte e apreensão metafísica e lírica do real como suporte ao sujeito para uma reflexão sobre o seu pensar, sentir e agir. As primeiras oficinas ocorreram em Belo Horizonte (Brasil) com grupos fechados, com 4 (quatro) ou 6 (seis) encontros semanais (conforme disponibilidade do grupo montado) e com, no máximo, 12 (doze) participantes em cada grupo. Nessas oficinas busquei unir técnicas terapêuticas e de intervenções grupais a poemas de autores brasileiros, buscando estimular maior autoconhecimento e interação no grupo através das nuances sensoriais e imaginativas da poesia. Os participantes também foram convidados a exercitarem a escrita criativa nos encontros e muitos, inclusive os que não se viam com habilidades literárias, surpreenderam-se com o que produziram. Um dos grupos resolveu continuar se reunindo comigo por mais três meses após o término dos encontros pré-estabelecidos para a oficina, enquanto a disponibilidade de horário dos participantes e do local onde ocorria a oficina permitiram. Em 2019, organizadores da Virada Cultural em Belo Horizonte, que ocorreu em julho, me convidaram a recitar meus poemas e dar uma demonstração do meu trabalho com a oficina Poesia Terapêutica. Como essa vivência ocorreu no gramado de um parque e com mais participantes, incentivarei a fala ao invés da escrita dos envolvidos, mas usei técnicas terapêuticas como relaxamento e meditação guiada, mediadas por alguns poemas, tal como trabalho nas oficinas. Em setembro de 2019, ofertei um momento da oficina no Festival de Poesia de Lisboa. No mesmo mês, ofertei outro encontro na região do Porto, em um consultório em Leça da Palmeira. Como a acolhida desse trabalho tem sido sempre positiva e por verificar, na prática, os benefícios e o encantamento causados aos participantes, quero muito levar essa oficina para mais pessoas, tanto aqui no Brasil como em Portugal. Sendo assim, busco parcerias para a execução da proposta, através da disponibilização de espaços (de 5 a 15 pessoas considero o quantitativo ideal de participantes) e auxílio na divulgação para os que podem ser beneficiados com essa prática tenham as informações para participarem. Os próximos grupos da oficina Poesia Terapêutica ocorrerão em Leça da Palmeira (Portugal) em janeiro de 2020, em Contagem (Brasil) em fevereiro de 2020 e em Fortaleza (Brasil), na Caravana Cultural da Helvetia Éditions, em março de 2020. Como viajo a Portugal com certa regularidade, novos grupos poderão ser montados nesse país, conforme a demanda. Se houver interesse em ser informado dos próximos encontros (no Brasil e/ou em Portugal) ou deseja ofertar espaço para essa prática, basta me acionar pelos seguintes contatos: E-mail: poesialucouto@hotmail.com Telefone: 55 31 984048596 (Whatsapp) E sigamos com muita poesia em nossos dias!

Luciane Couto tem dividido seu tempo entre Brasil e Portugal. Publicou dois livros de poemas: Composição (2016) e Punhados de Amor (2019). Já contribuiu em antologias em Portugal e no Brasil, além de ter recebido premiações literárias por crônicas e poemas. É também terapeuta, com ampla experiência na área clínica e social. Oferta a oficina Poesia Terapêutica e é membro da Academia de Letras João Guimarães Rosa/ PMMG/Brasil.

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A magia contagia! Nesta época muito especial de Natal, em que a magia prolifera, não há nada mais significativo do que a família. E na família há aqueles que transmitem quase toda a magia. São as crianças. Elas vibram com o Pai Natal. Com as renas! Com as prendas! A minha magia é o meu neto! Não podia deixar de ser. E acho que é assim com todas as avós. Porque ser avó é fantástico. É gratificante! É ser tudo aquilo que fomos emocionalmente para os nossos filhos, mas mais intensamente, mais serenamente. A nossa disponibilidade proporciona-nos uma vivência diferente! Foi tão mágico o seu nascimento. Já na barriguinha da mãe, a dar os primeiros pontapés, sentia o amor que existia cá fora. Como eu adorava ver aquela barriguinha crescer. Como eu ansiava pelo dia em que o ia conhecer! Já lá vão dois anos, após o seu nascimento! E estes dois anos, têm sido repletos de alegrias. Fico imensamente feliz quando o tenho comigo. Só eu e ele! O meu tempo é só dele. Todos os sábados, há magia dentro de mim! É dia de almoço em família cá em casa. Enquanto uns poem a conversa em dia, na varanda ao ar livre, eu e o meu neto, brincamos sozinhos, na sala! Os trinta minutos que temos, para nós dois, valem uma eternidade! São cheios de amor, ternura, carinho, cumplicidade! Brincamos! Não importa com quê nem como! Por vezes até inventamos. E rimos. Rimos muito! E eu fico encantada! Os meus olhos brilham! Eu não vejo, mas sinto e sei! Adora as minhas pinhas! Procura-as, mal entra cá em casa! Brinca com elas, mas frisa sempre que são da avó. Já as reconhece na natureza. Contagiou-se pela minha magia. Fico relaxada como se estivesse a fazer terapia. Ele é lindo, meigo, é tudo na minha vida! É o meu porto seguro! É a minha magia! É uma bênção de Deus! E neste Natal, vou sentir a grande maravilha que é estar com ele, a brincar, serenamente numa altura especial de muito amor, onde, entre nós, o Menino Jesus, o José e a Maria (como o meu neto costuma dizer) também não vão faltar!

Manuela Martins

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Sinopse: Prepare-se para uma história envolvente, uma mistura de romance de época e de aventuras em ambiente palaciano onde personagens fortes e tramas surpreendentes prendem o leitor a cada momento. Leónia Lencastre, inteligente e corajosa neta bastarda do rei, e Alexandre Toledo destemido Cavaleiro da Ordem e defensor do Reino, são protagonistas de um intrincado enredo onde ódios, lutas e traições polarizam toda a ação. Conseguirá o amor vencer as duras batalhas que têm que enfrentar?

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A um dia de terminar o ano… Lembro-me de tudo o que aconteceu ao longo do ano. Lembro-me das viagens que fiz, do que escrevi, do que vi, do que vivi e do que aprendi. Lembro-me do cheiro dos cozinhados que deram para o tordo e daqueles que correrem bem. Lembro-me de todos os risos e de todas as lágrimas, de todos os minutos de gratidão e de todos os minutos de medo. Lembro-me de todas as decisões que tomei e daquelas que ficaram por tomar. Dos medos que foram ultrapassados, das certezas, das dádivas, das dúvidas e das angústias. De todos os abraços apertados, abraços de reencontro, abraços de carinho, abraços de amizade. Abraços só por abraços, porque quando não há palavras há abraços que dizem tudo. Lembro-me de estar ali, naquele lugar tão importante para mim e de em silêncio pegares na minha mão e levares-me ainda mais perto. Tão perto como nunca tinha estado, quase ao ponto de poder tocar no infinito. Lembro-me de ter chorado. Lembro-me do calor da tua mão a apertar a minha e lembro-me do silêncio. Não me lembro de quanto tempo ficamos ali mas sei que não falamos durante muitos minutos. Mas lembro-me de regressar á vida, de olhar para ti e em volta e perceber que todos nos olhavam em silêncio. Continuas-te em silêncio e eu também. Nem valia a pena palavras. Estava tudo dito. Lembro-me de ter vivido devagar mas percorrido o ano com passos firmes. E é isso que desejo para o novo ano: continuar a dar passos firmes, abraços apertados de amizade, reencontro e perdão. Mas também de alegria e renascimento.

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Biografia: Nasceu em Lisboa mas considerasse Ribatejana. É licenciada em Sociologia, curiosa e observadora. Aprendeu a ler e a escrever ainda antes de entrar para a escola primária e ler sempre foi uma das suas paixões. Sempre gostou de escrever, começando por pequenos textos e publicando as suas primeiras histórias nos jornais escolares e no DN Jovem. Publicou o seu primeiro livro “De manhã já te esqueci” (2007), baseado na sua tese de licenciatura, e “A Prometida” (2015). “Inverno” é o primeiro volume de uma colecção que acaba de nascer sob a chancela da Emporium Editora.

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Não devemos Não devemos demorar onde não somos nós. Nem ficar onde não nos fazem sorrir. De que vale insistir na companhia imaginada, no lugar idílico, nos sonhos desejados… se afinal tudo não passa de uma breve vontade de sermos amados? Há dias que são como pessoas que nos abraçam. Há outros que desejamos que cheguem ao fim. Há quem nos diga mais em silêncio. Há quem com palavras não nos diga nada. Há quem esteja ao nosso lado e não se aperceba de quem somos. Há quem nos entenda à distância. Há quem nos veja por dentro. Há quem só nos veja por fora. Há quem nos leia o olhar. Há quem nem olhando veja nada. Há quem desejamos ao lado. Há quem não é para nós. Há quem nos veja bestiais. Há quem nos veja bestas. Há quem sobreviva à distância. Há quem não. Há quem seja brilho. Há quem nem tentando o consiga ser. Há quem mereça tudo de nós. Há quem não mereça nada. Há quem se demore e tente. Há quem nem tente para não demorar. Há quem... Não se demorem onde não há quem… Marisa Luciana Alves


Marisa Luciana Alves

“Faz-me falta escrever, como o ar que respiro. A escrita sempre esteve presente na minha vida, por isso não dispenso um bloco de notas e uma caneta. A prosa é a minha zona de conforto e a poesia continua a ser um caminho a percorrer, um desafio.”. Nasceu em Vinhais, distrito de Bragança, em 1976. Professora desde 1999, vê a escrita como uma forma de libertação e reflexão. Gosta de estar rodeada de Natureza, fonte de inspiração na sua escrita. O amor é o tema mais utilizado nos seus contos e poemas. Publicou o seu primeiro livro em 2011 e, em 2014, foi a vencedora do 3.º concurso literário, Receitas Secretas, da Papel D’Arroz Editora. De 2002 a 2004, escreveu na revista UNEARTA, sobre diversos temas como a cultura tradicional e a literatura popular. É autora de 5 livros e coautora em 28 coletâneas. Tem dedicado o seu tempo a escrever para crianças.


CONTOS SÃO CONTOS E NÃO IMPORTA DE ONDE VEM

Contos são contos e não importa de onde vem. O que já ouvi contar sobre as pessoas, é que pessoas são pessoas e cada uma é cada uma mesmo. Eu dissera noutro conto que cada uma é uma e cada uma é única e eu adoro ser uma e ser única. Falando em pessoas; será que a Capitu traiu mesmo o Bentinho, com seu melhor amigo, o… como Machado de Assis sugere em Dom Casmurro? Nao sei...vai saber; pode ser que ela só estava tentando resolver o amor possessivo do marido enquanto andava com o Escobar, sem intenções de trair o marido Bentinho, ou até nem andava com ele e isso nunca passara de neuras de um homem ciumento. É como disse o cantor sertanejo: deixe que outros julguem porque existe o Rei dos reis. Convém lembrar ao falar em Rei dos reis, que este sim sabe mesmo de tudo, Ele sim, mas não nós. Nenhum de nós. Nem mesmo aquele que nasceu a 10.000 anos atrás, e não havia nada no mundo da música que ele não soubesse de mais. Nem ele, sabe por que? Onde está todo o conhecimento sobre música do Raul Seixas agora que ele foi-se embora de nós? Para quem será que ele canta ou conta onde está agora? Talvez seja por questões como estas que a baiana dança, sapateando um Zeca Pagodinho....deixe a vida me levar, vida leva eu, e então pergunto outra vez. Para onde será que a Beth Carvalho quer ir tanto em um planeta com 196 países para visitar? Digo isto porque qualquer viagem hipotética corresponde pelo menos para um país e ainda corresponde a outras mil possibilidades. Talvez, isto explique o fato da cantora cantar dançando, sugerindo a possibilidade de curtir o caminho e não somente a chegada. Falando em curtir a chegada; não cometa este erro com sua vida. Lembra da lenda de um episodio do Picapau em que as galinhas se esforçavam ao máximo para colocar mil ovos e assim atingir o Nirvana? Lembra que elas eram enganadas e ao passar para o outro lado eram depenadas e iam mesmo para a panela! É... pessoas...vidas...mentiras... traições... músicas...caminhos... viagens...tudo no Planeta Terra... Por falar em Planeta Terra, como será que tudo começou? Dizem que a matemática é a forma pela qual Deus descreveu o universo. Sobre a matemática não sei muito e sobre o universo sei pouco também; o que sei mesmo é ficar olhando e olhando para ele desde criança. Há propósito, você tem olhado para o universo? Ao contemplar as múltiplas belezas dos astros no universo imagino um bilhão de coisas e meus pensamentos se embaralham sobre a forma da sua criação. Supondo que tudo tenha sido criado através de explosões, como declara a teoria do BIG BANG, em que momento será que o ser humano explodiu?!?! Também não sei. O que sei entre outros... é o que aponta esta teoria:

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No início o universo era denso e quente. Após bilhões de anos houve a expansão e de repente. A terra esfriou, os autótrofos surgiram. Neandertalis, Ferramentas, a Muralha da China. Matemática, Ciências, Histórias e o mistério que começou com o Big Bang. Enfim.. como eu ia dizendo; contos são contos e não importa de onde vem.

- Inês Pozzagnolo

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Desmistificar o autismo Ainda existe nos tempos actuais muitos mitos acerca da perturbação do espectro autista. De forma simplificada a PEA. Conhecida pela maioria de nós como autismo embora já não seja o termo mais certo a usar. Às vezes as pessoas por desconhecimento acabam apoiando mitos que não são verdade pela falta de conhecimento. Assim abordo este assunto para que a sociedade possa desmistificar alguns mitos. Muitas vezes acham que uma pessoa com esta perturbação não tem empatia. É errado pensar assim. Na perturbação do espectro autista existem problemas de comunicação. Se um indivíduo não conseguir comunicar correctamente sua empatia pelo próximo não significa que não a tenha. Apenas não a consegue demonstrar como deveria. Existem até estudos cientificos que alegam que na PEA existe até demasiada empatia. A forma como demonstram é que é diferente. Outra coisa é comparar casos. Não se deve fazer pois cada pessoa tem a sua individualidade e personalidade. Além de que existem graus diferentes de autismo e ainda suas comorbilidades. Muitas pessoas tem o hábito de achar que o indivíduo não tem cara de autismo. Muitas frequentemente fazem isso pois acham que toda a pessoa com PEA tem que ser igual ao Rain men. Esse tipo de autismo representado por essa personagem num filme conhecido existe sim mas é só uma parte muito pequenina dentro deste espectro. Existem pessoas com PEA com sintomas tão leves que ainda estão por diagnosticar. Quem sabe se voçê que sempre se sentiu diferente não terá!? Ou mesmo aquele vizinho ou familiar que você acha reservado! Um outro ponto é achar que as pessoas com esta perturbação vivem num mundo só delas. Elas vivem no mesmo mundo que o nosso. Podem sim ter sintomas de dispersão de atenção, ou podem ter também demasiado foco em assuntos do seu interesse. Quando pensamos que não estão a ouvir nos de facto estão apenas estão com prioridade noutra coisa. Não são pessoas doentes têm uma condição diferente e deve ser respeitada. Sobretudo nas crianças com esta perturbação existem muitos preconceitos. Como por exemplo falta de educação por parte dos pais. A grande maioria dos pais que se encontram nesta situação são totalmente dedicados aos filhos. Nesta perturbação a parte social está no mínimo um pouco comprometida. Socialmente não tem comportamento igual aos pares. Isso não significa que os pais não lhe dão educação. A criança pode ter algum comportamento mais desapropriado apenas porque quer comunicar algo e o faz de forma diferente. A sociedade definiu o padrão que o ser humano deve ter. Se fugirmos deste padrão é motivo suficiente para discriminação. Não rotule quem tem perturbação do espectro autista são pessoas como todos. E as crianças são iguais a outras também querem brincar e fazer amizades só não sabem como fazer. Conseguem ser amorosas quando ganham laços. Completamente verdadeiros, não sabem manipular e mentir. Algumas até são muitos boas em áreas do seu interesse e tem um raciocínio lógico impressionante. A sociedade é que podia aprender alguma coisa com estas pessoas. Afinal têm coisas que fazem muita falta no mundo.

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Gabriela Regina Silva, 31 Anos, residente no concelho da Maia. Vencedora dos contos Sical. Co-autora de mais de vinte livros colectânea.. Entre eles : Contos ao Vento, Um litro de lágrimas, Lugares e palavras do Porto, Lugares e palavras de Natal, Poema-me, Som de Poetas, O que a Vida me levou, entre muitos outros. Vencedora de inúmeros passatempos de escrita. Gabriela Silva conhecida nas redes sociais por Mulher do Norte. Derivado à sua criatividade em contar histórias na área da comédia usando sempre uma pitada do Norte. Sua inspiração é seu filho que quer ser Ortopedista quando crescer para que possa tornar o mundo um pouco melhor.

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PADRE O SENHOR QUER CASAR? (poesia de humor) De saudades do meu ex Arrumei um português E talvez eu vá namorar. Chega de tantas saudades, Fui até confessar com o padre, E pedir para benzer, Para eu ter mais paz No coração Pois de tanto escolher errado, Acabei acostumada Com a tal de solidão. Padre dê-me sua benção, E umas graças a mais, E verá do que sou capaz, Quando a benção acontecer, Em vez de pensar no ex, Vou arrumar dois ou três Namora-los de vez. Além do tal português, Um italiano e um francês, Porque não um alemão? E um muçulmano com alcorão? E alguém lá do Catar? Padre o Senhor quer casar? Pois em vês dois ou três Vou namorar de uma vez Todos que aparecer.

Inês Pozzagnolo

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Ilustração oficial da Miu-Miu. Desenhada por Gabriela Gomes (ambas as versões) e pintada por Mónica Gomes (primeira versão) e João Pinto (segunda versão). Por detrás dessa fofura e beleza se esconde uma criatura feroz que deixa um rasto de dores e de tragédia, como se poderá ler na carta que um homem lhe escreveu…

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Mea culpa Uma história Os Medos escrita por Tiago Cardoso Cara Miu-Miu, Não sei se alguma vez chegarás a ler esta carta, ou mesmo se ela chegará às tuas mãos. Se calhar não, dado que vocês os Medos parecem estar muito ocupados a andar por este mundo para prestarem atenção a cartas que só podem chegar a vocês aquando das vossas deambulações entre nós, uma vez que certamente nenhum carteiro se atreveria a entrar numa terra, a vossa, noutra dimensão, onde pessoas como eu estão proibidas; portanto, se encontrares esta carta, é porque eu a deixei num sítio onde afinal estava certo da tua passagem. Não sei qual será a tua reação se porventura leres o que te escrevo. E talvez seja melhor eu não saber. Eu podia ir à tua procura. Afinal, durante anos tenho pesquisado sobre ti, desde que soube da tua existência sobrenatural. Na Internet, através de livros sobre Medos publicados há uns anos, cheguei mesmo a contactar pessoalmente quem se cruzou contigo, na maior parte dos quais com marcas e lembranças ainda doridas de um encontro que lhes foi prejudicial… Sei bem os teus hábitos, o teu comportamento, os teus vícios. Posso dizer, com toda a confiança, que sei tudo acerca de ti, para além das pesquisas que fiz. Podia ir então ao teu encontro, fazer mais do que testemunhar a tua aparição, mas, além de ser incerto onde surgirás na área que decidiste assombrar, estou demasiado ocupado para estar frente a frente contigo. Sabes, demasiado ocupado é o que sempre estive desde muito novo. Os primeiros anos de vida deram-me razões para isso: nasci num agregado familiar pobre, filho de um casal que saiu da sua aldeia para tentar ter uma vida melhor para a família que queria formar numa grande área urbana, e o mais novo de cinco filhos, todos homens, que nasceram e cresceram num bairro onde a pobreza e as tentações de uma vida à margem da lei ilusoriamente fácil, mas reveladoramente perigosa e muitas vezes curta, andavam lado a lado. Muito trabalharam os nossos pais – o nosso pai como servente de pedreiro, a nossa mãe como empregada de limpeza –, ao saírem de casa antes do amanhecer e chegarem após o anoitecer para que nada nos faltasse no que fosse realmente essencial a nível material: alimentação, educação formal, etc. E nunca se descuraram em dar-nos amor, além de educação informal – honestidade e trabalho esforçado é o que sempre nos incutiram, o que foi muito importante num sítio onde o crime aliciava muitos dos que cresceram ao nosso lado. Mesmo assim, foram tempos muito difíceis: a comida era apenas a que nos saciava a fome; poucos brinquedos tínhamos; água, gás e eletricidade eram racionados para que não nos fossem cortados; os meus irmãos deixaram a escola assim que acabaram o ensino obrigatório daquele tempo – os nossos pais fizeram sempre questão que ao menos fizéssemos isso – para trabalharem no que arranjassem e assim ajudarem a sustentar a casa. E eu sempre reparei nisso, e não gostava do que era a minha vida, porque sabia bem que havia quem vivesse muito melhor. Porque é que muitas famílias podiam ter o que queriam, e a minha só tinha complicações e restrições? Porque é que muitas crianças tinham aquela bicicleta que eu tanto queria, mas não podia tê-la? Porque é

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que viviam em sítios decentes e passavam férias em sítios fixes, enquanto nós estávamos sempre no buraco que aquele lugar sempre foi!? Tudo isso foram motivos pelos quais resolvi lutar para sair dali e ter uma vida mais digna, em que nada me faltasse. Contei então aos meus pais e aos meus irmãos o que desejava fazer, e pedi-lhes que me deixassem continuar os estudos ao mesmo tempo que trabalhava no que pudesse, não só para ajudar nas contas familiares, como também para amealhar o meu dinheiro para o futuro. Eles sempre apoiaram entusiasticamente o rumo que tencionava dar à minha vida e ajudaram-me como puderam, e eu retribuí com o meu esforço e a minha dedicação. E assim, eis-me ocupado desde então a trabalhar incansavelmente, assim como vocês Medos estão ocupados a se alimentarem de diversas formas ao interagirem com pessoas de maneira idêntica aquilo que sempre vos deu mais prazer fazer nas vossas anteriores vidas humanas. Mas enquanto vocês têm de se alimentar para continuarem a ser as criaturas em que se tornaram no outro mundo – um assunto que vocês não querem tocar –, eu sempre trabalhei para ter o melhor. Mais e melhor. Consegui chegar à universidade, onde tirei a licenciatura em Gestão, uma área que sempre me interessou, pois eu desejava gerir um negócio da minha conta. Infelizmente, os meus pais não chegaram a ver a concretização da minha etapa académica: o meu pai partiu deste mundo após sofrer imenso com uma doença prolongada um ano antes de me licenciar; a minha mãe, bastante desolada, definhou até seguir para junto do marido passados uns meses. Ainda hoje sinto muitas saudades deles, sinto-me muito grato pelos imensos sacrifícios que fizeram por mim e pelos meus irmãos, e estou muito triste por eles não assistirem de perto o seu filho mais novo a formar-se, fruto desses sacrifícios. Certamente ficariam com um sentimento de que valeu a pena todo o esforço despendido, e creio que, onde quer que estejam, têm muito orgulho em ter um filho licenciado. Mas temo que pelo menos também ficariam muito desiludidos com o rumo que dei à minha vida. Para já, eram eles o fator de união entre os filhos, e gostavam de os ver juntos; assim que me licenciei, cada um de nós seguiu a sua vida – eu sai do bairro, e os meus irmãos, também satisfeitos por já não depender deles, também partiram para outras paragens, com os dois mais velhos a emigrarem. Nunca mais os vi desde então, e nem sei o que é feito deles – verdade seja dita, nunca houve interesse da minha parte em saber. Mas desejo-lhes tudo de bom para onde quer que se encontrem, e também agradeço muito a ajuda que me deram. Mas se um agregado familiar deixou de existir, outro se formou. Enquanto estudei nem para namoricos liguei, não tinha tempo sequer para isso; mas senti por fim que precisava de alguém a meu lado com quem me pudesse relacionar intimamente e que me pudesse apoiar a nível caseiro na próxima etapa da minha vida. No final do curso comecei a namorar a Anabela, a colega de turma com quem me dava melhor, porque era quem mais partilhava a mesma ambição que eu – lutar para sair do meio onde se encontrava e ter a vida que quisesse. Mas, ao contrário de mim, ela não queria fugir a uma vida de pobreza: não precisava, pois era de classe média-alta, filha de pai engenheiro civil e de mãe médica diretora de um centro hospitalar. Ela queria fugir das imposições sociais que a família lhe impunha: ser a melhor de todos em tudo, estar muito bem na vida, ser, no fundo, a menina perfeitinha a nível social e profissional. Tudo isso a oprimia até ao fundo do seu âmago, com consequências nefastas não só para ela. Eu fui a luz ao fundo de um túnel muito escuro em que a sua vida se encontrava, alguém com quem ela pudesse trilhar o seu próprio caminho, sem ninguém a insistir como e por onde seguir. Começámos então

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a preparar uma vida a dois. Comprámos após o curso uma casa numa vila tranquila nos subúrbios, diferente de onde cada um vinha; embora a Anabela também colaborasse com algum dinheiro dado pelos pais, a maior parte do pagamento foi feito através do que ainda tinha daquilo que acumulei ao longo dos anos e da venda da casa onde cresci – finalmente saía daquele buraco! Passado um ano casámo-nos. Entretanto, fundámos o Grupo Escalada, uma empresa de otimização de receita de hotéis: melhorávamos a tomada de decisões e o plano financeiro dos nossos clientes. A nossa empresa crescia bem, os hotéis recorriam cada vez mais aos nossos serviços, considerados inovadores para a época; com isso, ganhávamos muito dinheiro, e eu começava a disfrutar dele – tinha a casa que sempre desejei, o carro que ambicionei, as férias aos sítios que queria ir... Tudo me corria bem. Desculpa, enganei-te – nem tudo correu bem! Lembras-te de eu mencionar acima que as pressões familiares tinham consequências nefastas para a Anabela e para os outros? Pois bem, ela desenvolveu problemas psiquiátricos. Penso que os fatores hereditários também são uma explicação para o caso: a minha sogra sofria de depressão, tomava antidepressivos… E suicidou-se com uma overdose deles pouco depois de nos casarmos. Na nota de suicídio escreveu que, como via a filha a afastar-se dela, não lhe valia a pena mais viver. A Anabela já apresentava antes sinais de uma melancolia depressiva, mas a partir daí foi o descalabro: com um sentimento de culpa pela morte da mãe que tanto amava e queria ver feliz, mesmo que esta a pressionasse com o intuito de querer-lhe o melhor, começou a ter ataques de loucura – discutia aos berros insultuosos com os outros por tudo e por nada, chorava e ria compulsivamente, atirava coisas, dizia que se ia matar. A certa altura, preocupado, decidi que o melhor era ela afastar-se da empresa para descansar em casa, tentar recompor-se, enquanto eu ganhava o nosso dinheiro. E sabes o que acabei por fazer? Um grande erro! Achando que devia ganhar o máximo de dinheiro possível para nós os dois, resolvi dedicar-me totalmente ao trabalho e deixei a minha esposa de lado. Passei a estar casado com o Grupo Escalada. Eu mal estava em casa; aliás, havia dias em que não estava lá, estava longe com clientes meus – a empresa começava a tê-los em todo o país e até fora dele. E a Anabela a sofrer. E eu afinal preocupado com a empresa, gerida só por mim a partir daí, e não com ela. Até que, numa noite, com os olhos raiados de uma raiva louca, encostou-me uma faca à garganta e pediu-me um filho. Eu, como ainda a amava no fundo, anuí: caí em mim ao ver que a Anabela se sentia completamente só, e resolvi desculpar-me passando mais tempo com ela; além disso, sentia um chamamento em aumentar a família. E assim, no ano seguinte nasceu a Sílvia. A minha filha. Foi um momento de enorme alegria para mim. Estava orgulhoso de ser pai. Decidi então trabalhar mais para sustentar a minha esposa, que ainda não voltava ao trabalho, e o fruto do nosso amor reflorescente após tempos de turbulência conjugal. E aí voltei a cometer o mesmo erro! Voltei a estar casado com o trabalho. E o pior é que, além de não aprender, ainda piorei as coisas. Infelizmente, a Anabela voltou a sofrer com isso. Mas quem mais sofreu foi a Sílvia, sem dúvida. Simplesmente não a vi crescer. Tal como os meus pais, saía de casa antes nascer do Sol e só lá voltava à noite – isto quando não passava dias fora em trabalho –; mas, ao contrário deles, nunca guardei um tempo para a minha filha. Várias vezes voltava a casa bem depois do jantar, demasiado cansado. E, mesmo assim, quando lá estava só pensava em trabalho, em continuar a arranjar mais clientes para a empresa. Até a dormir a minha mente estava profissionalmente ocupada. A Sílvia bem me tentava chamar. «Pai, vem brincar comigo.» «Pai, levas-me ao parque?» «Pai, dói-me a barriga.» E eu nunca a ouvia. «Agora não, deixa-

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me descansar.» «Não, que estou a planear uma reunião para amanhã, vai ter com a tua mãe.» Às vezes comprava-lhe brinquedos, quer pedisse ou não, pois pensava que isso a fazia feliz. Mas não vi que, no fundo, era uma menina muito triste e sozinha. Não vi sequer certas marcas que tinha na pele. Sentindo-se mais abandonada que antes, a Anabela piorava a nível mental: quando eu estava em casa, discutíamos violentamente – ela acusava-me de já não a amar, eu dizia que ela não percebia que estava a trabalhar para nós os três –; quando não estava, descontava a raiva na filha por coisas erradas reais ou imaginárias que fizesse. E assim a Sílvia foi crescendo muito infeliz, uma menina muito insegura. Era inteligente, das melhores alunas da sua turma, mas não fazia amigos na pré-escola e na escola. Era tímida, falava pouco com os outros. Os professores nas reuniões de pais contavam-me que estava sempre sozinha no recreio, que não se dava com ninguém. Mas eu não via problema nenhum nisso – afinal, a minha filha só tinha boas notas, era bemcomportada e tinha tudo em casa, pensava eu. Até que chegou à adolescência, quando dois acontecimentos lhe deram uma clara ideia do que podia fazer. Deixei de reconhecer e de amar a mulher com quem casei, cada vez mais psicótica e desligada da realidade devido à medicação que tomava – a Anabela já não passava de uma zombie completamente desleixada com surtos de loucura que mal saía de casa. Então apareceu no Grupo Escalada uma estagiária… Especial, digamos assim: além de ser a melhor aluna do curso de Gestão, também tinha uma enorme «escola» em atrair o sexo oposto – andava sempre bem cuidada, sensualmente simpática e agradavelmente arranjada da maneira que muitos homens adoram. A Sílvia conheceu-a, pois muitas vezes levava-a no carro quando vinha buscar a minha filha à escola, que reparou bem na «escola» da estagiária. «Esta é uma colega minha, vamos a seguir para uma reunião de trabalho», mentia-lhe. «Mas não contes à mãe, está bem?» Mas quem é inteligente na escola (no sentido literal da palavra) também costuma sê-lo noutros aspetos: a Sílvia apercebeu logo que eu tinha um caso extraconjugal. Entretanto, no Ensino Básico de 3º Ciclo a minha filha teve colegas um pouco mais velhas, não muito interessadas em estudar, mas com a mesma «escola» da estagiária: deixar os rapazes de beicinho caído por elas e tê-los na mão eram a sua especialidade. Não se tornou amiga delas – em parte por causa da sua timidez, mas principalmente pelo desdém que elas tinham à «menina tontinha e sem graça» (soube que era a opinião que tinham dela quando me perguntou se realmente eu também achava o mesmo; e eu disse que não, só que um não vazio, dado que, como sempre, mal olhei para ela) –, mas tudo o que viu fizeram com que tivesse uma mudança radical de atitude. Se a amante do pai e aquelas colegas de turma estavam sempre deslumbrantes e tinham toda a atenção que queriam, porque não fazia o mesmo?! E assim, vídeos online sobre acessórios de beleza, publicações sobre moda juvenil e outras coisas do género passaram a ser os guias de orientação da sua vida. Tudo para chamar a atenção dos outros. E isso resultou… A curto prazo: conseguiu que muitos na escola, principalmente rapazes, se aproximassem dela, só que não foi por muito tempo – depressa descobriam que não passava de uma concha vazia de carisma, que não cativava ninguém. Mas não lhe importava o que os colegas pensavam dela; só queria que em casa lhe dessem atenção, era para isso que procedia assim. Porém, infelizmente, continuou tudo na mesma. Ainda era um boneco invisível aos olhos dos pais. Para mim, aquilo não passava de uma típica fase adolescente – mudava o corpo, mudava o comportamento. Comportamento esse que não me

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preocupava, desde que continuasse a ser a menina calminha que tirava boas notas. Entretanto, a Anabela, mesmo tendo problemas mentais, desconfiou que eu tinha um caso com outra mulher, desconfiança que confirmou um dia quando me apanhou a sair da casa da ex-estagiária, já efetivamente contratada pelo Grupo Escalada, após ter-me seguido à socapa durante um tempo. Ela confrontou-me, e tivemos uma violenta discussão no meio da rua. Acusou-me de já não a amar, e eu resolvi provar que não era verdade. Voltei então novamente para junto dela. E dessa «prova de amor» nasceu não muito tempo depois o meu segundo filho, o Duarte. Infelizmente, assim que ele nasceu, voltei para os braços do trabalho – e também dos da amante. Em minha casa estava uma mulher destroçada e sem condições psicológicas para cuidar de uma adolescente com quinze anos acabados de fazer, que continuava a sofrer muito, e de um recém-nascido, que sem dúvida sofreria também da mesma maneira. E então chegou aquele dia. Um dia que não devia ter havido, mas que nada foi feito para o evitar. Foi à noite, e, como já era hábito todas as noites após chegar do trabalho ou da casa da minha amante, eu e a Anabela discutimos violentamente, quase ao ponto da agressão. A Sílvia costumava ser uma espetadora resignada daquele triste espetáculo, mas naquela noite não foi. Pôs a timidez de lado e corajosamente confrontou-nos. Disse-nos que erámos uns egoístas, que não pensávamos nos filhos, que estava farta de não lhes ligarmos. Mas enquanto a minha esposa ficou muda de choque pelo que ouviu da filha, eu, severamente enervado, gritei-lhe: «Estás parvas?!? Mas alguém te pediu opinião?!? Não te metas, sai mas é daqui!!!» Foi o pior erro da minha vida!! Nunca devia ter feito aquilo!! Continuámos a discussão; nenhum de nós reparou que a Sílvia tinha saído de casa a correr. E então ouvi aqueles sons. Uma sucessão de sons que nunca me sairá da memória. Primeiro uma travagem brusca; de seguida um embate seco; e gritos de desespero de um homem pouco depois: «Que desgraça!!! O que é que eu fiz?!?» Eu e a Anabela corremos imediatamente para a rua. «Sílvia!!!» E então vi o que temia: a nossa filha tinha sido atropelada por um carro, e estava inanimada no asfalto, toda ensanguentada. Peguei nela e chamámo-la, desesperados. Ela entreabriu os olhos, ainda cheios de lágrimas, e da sua boca saiu um fio de voz. «Pai, mãe, eu só queria ser amada…» Foi a última coisa que falou na vida. A emergência médica foi chamada pelo condutor que a atropelou (por não ter fugido às responsabilidades, pelo qual agradeço-lhe, e por a Sílvia se ter atravessado à sua frente a correr fora de uma passadeira é que foi absolvido em tribunal mais tarde, o que até acho justo, se bem que creio que isso o marcou para o resto da vida); mas já não havia nada a fazer quando a ambulância chegou. A Sílvia morreu ali, nos meus braços. Já passaram dez anos. Desde então a minha vida deu uma volta de 360º – para pior. Nunca mais fui o mesmo. Desgracei a minha vida, a da minha esposa, a dos meus filhos. Nunca deixarei de me sentir culpado pela morte da minha filha. Estou profundamente arrependido de não lhe ter dado o amor, o carinho, a atenção que precisava. Se pudesse voltar a atrás para remediar a porcaria que fiz, não hesitaria em fazê-lo. Mas como não é possível, será um fardo que carregarei até ao fim da minha vida. Acho que agora já sabes porque te escrevo esta carta. Creio que já viste que não se trata de uma carta qualquer escrita em tom de desabafo. Porque é que escreveria a contar a minha maldita vida a uma criatura que me é estranha?! Só que tu não és estranha para mim. Eu sei quem tu és, ou melhor, quem tu foste, Miu-Miu. Vocês os Medos foram pessoas que, entretanto, já morreram, mas que voltaram a este mundo com outro aspeto. E o teu aspeto é o de uma criança. Uma criança a pedir atenção. Porque continuas, no fundo, a ser

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essa criança que sempre foste, mesmo quando eras adolescente. Quando eras a Sílvia. Sim, eu sei que és a minha filha! O vício que desenvolveste em vida, aquilo que acabou por ser a tua atividade preferida, era vestires-te de maneira a que te achassem adorável, chamares a atenção através da forma como te arranjavas. E é isso que continuas a fazer após te teres tornado numa Medo – afinal, não é à toa que és designada como a Criatura Super-Fofinha. Só que hoje atrais a atenção das pessoas vivas com o teu charme para que baixem a guarda e sejam assim brutalmente arranhadas e mordidas por ti, causando-lhes a dor física de que te alimentas principalmente – como se fosse um gesto da possível revolta que sentes. Talvez o seja. Mas quando eras viva fazias isso só para que reparassem em ti, principalmente eu e a tua mãe. Era a tua maneira de dizeres «Olhem para mim, eu estou aqui.» Querias muito que realmente te amássemos. O que, infelizmente, não aconteceu. Morreste sem que eu te pedisse desculpa. É por isso que te escrevo. Desculpa, eu menti. Não estou demasiado ocupado para ir ao teu encontro. A verdade é que não tenho coragem de te pedir desculpa pessoalmente, como Medo que és agora, por te ter feito sofrer quando eras viva, quando eras uma pessoa como eu, quando corria nas tuas veias sangue do meu sangue. Desculpa, não fui o pai que tu querias e precisavas. Desculpa, Miu-Miu. Desculpa, filha. Desculpa…

O autor da carta não conseguiu escrever mais – as emoções amargas arderam-lhe o coração e as lágrimas embaciaram-lhe os olhos. A carta foi então metida num envelope onde foi escrito «Miu-Miu» em letras grandes, que foi colado numa tarde à altura do joelho na parede de um beco muito escuro onde a Bichinha Super-Fofinha tem sido frequentemente relatada. Não se sabe o destino que teve a carta. A morte da Sílvia ditou o fim do casamento dos seus pais. Querendo esquecer completamente o passado, o autor casou-se pouco depois com a amante e foi viver para casa dela, mas não estiveram muito tempo juntos: divorciaram-se, ele teve de sair de casa, e a sua segunda ex-mulher ainda ficou com o Grupo Escalada , despedindo-o de seguida. Enorme ironia do destino, voltou a viver na casa onde cresceu após sair da vila onde estava a viver, desta vez pagando uma renda – o senhorio é aquele que lha comprou. Atualmente desempregado, corre o risco de ir para o olho da rua em breve se não arranjar dinheiro para pagar a renda há muito em atraso. A saúde mental da Anabela bateu completamente no fundo com a morte da filha. Após várias tentativas de suicídio, foi internada num hospital psiquiátrico como louca incurável. Ainda odeia profundamente o ex-marido, acusando-o de todo o mal que lhe aconteceu. O Duarte nunca conheceu a irmã, dado que morreu quando ainda era um recém-nascido. Com os pais sem condições para cuidarem dele, sem avós vivos e nenhum tio a se disponibilizar para ficar com ele, os serviços sociais puseram-no num orfanato até atingir a maioridade, a menos que, entretanto, seja adotado. Quanto à Miu-Miu, essa continua a percorrer as zonas ermas da vila onde passou a sua anterior (e curta) vida humana, normalmente por volta das alturas em que costuma aparecer, à procura dos incautos que ficam encantados com ela para se alimentar da dor física que lhes provoca.

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A Miu-Miu não é a única criatura do seu género! Como quem leu a história sabe, existem também outras criaturas que eram pessoas como nós, mas com um enorme vício em alguma coisa, e que, após cessarem as suas anteriores vidas humanas, percorrem o nosso mundo para se alimentarem ao interagirem connosco de diferentes maneiras, semelhantes ao vício que cada uma tinha antes de morrer, com vista a não retornarem de vez ao outro mundo. Ela e essas outras criaturas são os Medos. Está registada a existência de setenta e dois Medos, classificados em vinte e seis grupos (por ex., a Miu-Miu faz parte do Grupo XV – Grupo Infanto-Juvenil – juntamente com outros três Medos). Cada Medo assombra uma área específica do nosso mundo durante determinadas alturas, quando estão abertas as zonas de transição entre cá e a Terra dos Medos, o território extradimensional onde residem. Como se entende ser indispensável conhecer criaturas que interagem com a humanidade há gerações, foi criada uma página de Facebook – www.facebook.com/osmedos – onde está a ser colocada toda a informação sobre os Medos: as descrições de um deles e dos grupos a que pertencem, explicações acerca do seu comportamento, da sua origem e dos seus poderes, pequenas histórias de interações com pessoas vivas, e novidades relativas a essas criaturas. É todo um universo assombroso que se recomenda ser conhecido… Pelo menos a quem tiver coragem!

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Nota… Não, história biográfica! Esta é uma curta história biográfica. A história de um rapaz chamado Tiago Cardoso, criado até hoje na Margem Sul do Tejo tal como Edições Hórus. Esse rapaz licenciou há alguns anos em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais no Instituto Superior de Agronomia e fez parte do mestrado na mesma área e na mesma faculdade, mas já estava farto de estar anos e anos nas aulas, pelo que resolveu sair da faculdade e tentar entrar no mercado de trabalho. Mas não está a ser fácil, e até hoje procura o seu primeiro emprego. Entretanto, o rapaz não passa o dia todo sem fazer nada, pois desde o mestrado que resolveu dedicar-se ao seu hobby: conceber criaturas para uma franquia de ficção da sua autoria, uma vez que gosta de criaturas fantásticas (do folclore português, de outros folclores e outras mitologias, ou criadas para a cultura de massas) e de franquias do género (principalmente Pokémon, que adora!), e escrever histórias como as da Disney e da Turma da Mônica (outras franquias de ficção que tanto gosta). E assim nasceram Os Medos, uma franquia constituída atualmente por uma página de Facebook, um grupo nessa rede social e duas histórias longas transmitidas por outras vias (Poetágide e o Natal com o homem viúvo na XXXIII Efabularia, também em Almada – ena, parece que a franquia está de alguma forma ligada à Margem Sul! –, e Mea culpa na presente edição da Hórus Cultuliterate). E lá anda ainda hoje o rapaz a trabalhar, por agora apenas por carolice, para a franquia que criou. Mas não trabalha sozinho: também conta com a ajuda de colaboradores, pela qual está lhes grato. E assim trabalham para entreterem o público com ficção inspirada principalmente na cultura e na Natureza de Portugal. Esta, claro, é a minha história biográfica!

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Autobiografia Marylelin Olá , desde cedo me apaixonei por rabiscar . Consumia a minha mãe ao gravar nas paredes de casa obras minhas ainda em linhas infantis . Um dia, ainda na primária, ao ser feito uma espécie de concurso para um desenho que simbolizasse a escola, o meu foi o escolhido. Desde esse momento que não consegui largar mais o lápis. Vivia perto do mar , mas não era essa a minha inspiração, mas sim o mundo infantil. As cores e o positivismo de ser criança me encantavam . Segui o meu sonho e entrei em artes, contudo não consegui acabar o curso por motivos pessoais. A paixão continuou cá dentro, e hoje mesmo não sendo profissional continuo a rabiscar paredes. Os sonhos não se esquecem. Um abraço especial. Marylelin…

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BIOGRAFIA Adão Agostinho Zina Nascido em Luanda, à 22 de Março de 1983 No bairro Petrangol Distrito do sambizanga (Ngola Kiluanje) , Filho de Agostinho Zina e de Josefa Maximiano. Autor do livro O SENTIMENTO NA ESCRITA, o seu primeiro livro de poesias, Editado e publicado pela Editora do Carmo. Membro do Movimento Lev ‘Arte. O gosto pela escrita, e o descobrimento da veia poética, Adão Zina desenvolve-o, a partir de declamações e recitais, assim como ler diversas obras de vários escritores e fazedores de poesias nacionais e internacionais. Apesar do divino dom de Deus; Em torno de ideias, e reflecções, surge o envolvimento profundo no mundo da literatura destacando-se propriamente na escrita. A paixão pela música é um dos grandes veículos incentivadores na composição e criação de textos, tal como compor canções. Desta forma, adquiri-o o dom de expressar sentimentos em folha de papel descrevendo tudo que lhe rodeia, assim como transforma-las em poesias e contos.

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