500 anos da Reforma Protestante e suas lições para a Igreja atual, de José Elias Croce

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500 ANOS DA

REFORMA

PROTESTANTE E SUAS LIÇÕES PARA A IGREJA ATUAL


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Jéssica de Almeida – CRB 7/6858 C937q Croce, José Elias, 1958 – Cro500 anos da reforma protestante e suas lições para a igreja atual / José Elias Croce. – Rio de Janeiro: Betel, 2017. Cro216 p. ; 21 cm. CroISBN: 978-85-8244-061-2

Cro1. Reforma Protestante. 2. Igreja. 3. Bíblia. 4. Teologia. I. Título.

CDD: 230


JOSÉ ELIAS CROCE

500 ANOS DA

REFORMA

PROTESTANTE E SUAS LIÇÕES PARA A IGREJA ATUAL

Rio de Janeiro Editora Betel 2017


© 2017 Editora Betel

Todos os direitos reservados. As citações bíblicas foram extraídas da Bíblia do Culto (Editora Betel,

2015), tradução revista e corrigida de João Ferreira de Almeida, salvo quando especificado outra versão. Revisão: Felipe Gomes

Copidesque: Ana Oliveira e Sarah Cavalcanti Projeto Gráfico e Capa: Anderson Rocha

Diagramação: Anderson Rocha e Jeffrey Gonçalves Categoria: História da Igreja ISBN: 978-85-8244-061-2 1ª Edição: Agosto/2017 EDITORA BETEL

Rua Carvalho de Souza, 20, Madureira 21350-180, Rio de Janeiro, RJ Telefone: (21) 3575-8900 www.editorabetel.com.br

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SUMÁRIO Apresentação Introdução

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CAPÍTULO 1

A Igreja Medieval e suas consequências para a Reforma

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CAPÍTULO 2

O avivamento que antecedeu a Reforma: os precursores e vigilantes espirituais

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CAPÍTULO 3

Martinho Lutero e sua caminhada até a Reforma

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CAPÍTULO 4

Resgates que a Reforma Protestante promoveu

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CAPÍTULO 5

Somente as Escrituras – Sola Scriptura (Primeiro Sola da Reforma)

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CAPÍTULO 6

Somente Cristo – Solus Christus (Segundo Sola da Reforma)

77 00 7


CAPÍTULO 7

Somente a graça – Sola Gratia (Terceiro Sola da Reforma)

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CAPÍTULO 8

Somente a fé – Sola Fide (Quarto Sola da Reforma)

107

CAPÍTULO 9

A Deus somente a glória – Soli Deo Gloria (Quinto Sola da Reforma)

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CAPÍTULO 10

Líderes e movimentos pós-reformistas

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CAPÍTULO 11

O pietismo: a continuidade sadia da Reforma

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CAPÍTULO 12

O apogeu do avivamento Pós-Reforma

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CAPÍTULO 13

Reflexos da Reforma: o avivamento mundial

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CAPÍTULO 14

A Reforma e o pentecostalismo no Brasil: Daniel Berg e Gunnar Vingren

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CAPÍTULO 15

Lições da Reforma Protestante que não podemos esquecer

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Conclusão

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Referências Bibliográficas

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APRESENTAÇÃO

“Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé.” roMAnos 1.17

A

s palavras do profeta Habacuque (“o justo viverá da fé” – Habacuque 2.4) são citadas pelo apóstolo Paulo na sua Carta ao Romanos para provar que não é pela lei que o homem é justificado perante Deus. O apóstolo focaliza as palavras do profeta e vê nelas a verdade central do Evangelho de Jesus Cristo: “aquele que é justo (justificado) pela fé é que viverá”. O entendimento dessa passagem bíblica de Romanos por Martinho Lutero foi fundamental para o surgimento da Reforma Protestante no século XVI. Este ano, 2017, celebramos os quinhentos anos da Reforma Protestante e é de suma importância que o cristão tenha em mente quais são as doutrinas fundamentais da Igreja de Cristo. O movimento que culminou na fixação das noventa e cinco teses na Igreja de Wittenberg, no dia 31 de outubro de 1517, por 00 9


Martinho Lutero, transmite até os dias de hoje a importância de se conhecer a Palavra de Deus e o Evangelho genuíno de Jesus Cristo. Por essa razão, é com enorme alegria que tenho a honra de apresentar o livro “500 anos da Reforma Protestante e suas lições para a Igreja atual”, do estimado servo de Deus, Pr. José Elias Croce. Com uma linguagem peculiar, o autor, em quinze capítulos, traça uma visão panorâmica da história da Reforma Protestante, destacando seus efeitos para o mundo e para a organização de diversas denominações em vários países, inclusive no Brasil. Portanto, esta obra é um convite a uma profunda reflexão para a Igreja atual. Aproveite a leitura, relembre os princípios reformistas e extraia preciosas lições para a sua vida. Que Deus te abençoe grandemente! Bispo Abner Ferreira

Presidente da CONEMAD/RJ (Con-

venção Estadual dos Ministros Evan-

gélicos das Assembleias de Deus do Ministério de Madureira no Estado do

Rio de Janeiro) e Presidente da Catedral Histórica das Assembléias de Deus do Ministério de Madureira.

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INTRODUÇÃO

O

s quinhentos anos da Reforma Protestante nos lembram da busca por um retorno às raízes da Igreja do Novo Testamento. Até hoje, os cristãos são beneficiados por causa dessa reforma ocorrida na Idade Média, que mudou paradigmas na esfera da fé, do conhecimento de Deus e da salvação. O texto de Romanos 1.17 (“o justo viverá da fé”) foi fundamental para que surgisse a Reforma Protestante no século XVI. Quando Martinho Lutero leu essa passagem das Escrituras, foi convencido de que nossa justificação não se dá através das boas obras, mas, sim, através da fé. Inicialmente, “Reforma Protestante” foi um termo pejorativo empregado pelos católicos romanos àqueles que protestaram contra o sistema religioso da época, mas esse termo foi assimilado e usado a partir do século XVI até nossos dias para designar os grandes fatos vividos pelos que desejavam e desejam pautar sua vida religiosa segundo a Bíblia. 00 11


A Reforma aconteceu na Alemanha, mas logo se espalhou para outros países como Inglaterra, Suíça, França, Escócia, etc. Em cada país podemos destacar um líder que levou esse movimento avante. Logicamente, não podemos ignorar que a tão comemorada Reforma surgiu como consequência de outros movimentos que ocorriam na Igreja e que outros líderes haviam sido martirizados por tal intento; todavia, Deus havia preparado um momento específico, para que, de uma vez por todas, a Reforma fosse desencadeada, dando liberdade a todos que almejavam uma vida distante dos ditames do catolicismo e sua cruel Inquisição. Este livro tem como objetivo aguçar o espírito de cada leitor para que os princípios da Reforma, baseado nas premissas bíblicas, nos despertem outra vez para a essência do cristianismo. Que os pilares da Reforma (Sola Scriptura, Solus Christus, Sola Gratia, Sola Fide e Soli Deo Gloria) permaneçam vivos em nós até que ocorra o retorno glorioso de nosso amado Mestre. “Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém.” (Rm 11.36).

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CAPÍT U L O

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A IGREJA MEDIEVAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A REFORMA “Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue. Porque eu sei isto: que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não perdoarão o rebanho.” ATos 20.28-29

N

o dia 31 de outubro comemora-se o aniversário da Reforma Protestante. Nessa data, no ano de 1517, o monge alemão e professor universitário Martinho Lutero fixou suas noventa e cinco teses nas portas da Catedral da cidade de Wittenberg. Aquele ato, bem como o conteúdo daquele documento, originou o movimento conhecido como a Reforma Protestante. Esse movimento é considerado um importante ato de Deus em prol da revitalização de Sua Igreja desde o período apostólico. Desde que foi deflagrada a Reforma, o mundo e a Igreja mudaram. Quais são as lições que podemos aplicar hoje depois de 00 13


cinco séculos de Reforma? Em quais aspectos podemos melhorar? Precisamos de outra Reforma? Quais são os motivos que suscitam uma reforma religiosa nos moldes da Reforma Protestante? Neste capítulo vamos explorar as condições da igreja na ocasião, bem como as influências da Igreja Medieval e suas consequências para a Reforma.

FALHAS DA IGREJA MEDIEVAL

Com o avanço da Igreja Católica e suas ascendentes concessões, muitas doutrinas extras e costumes alheios aos ensinos bíblicos foram incorporados na vida da Igreja. Isso resultou em vários desvios da verdade, gerando distanciamento das doutrinas bíblicas e escândalos, que afastavam cada vez mais o povo de Deus. Essa prática foi crescente durante vários séculos, até suscitar um movimento desejoso de mudanças dentro da Igreja.

Corrupção

A decadência da Igreja deu-se pelo vergonhoso comportamento do clero (acentuada autoridade sacerdotal, principalmente pela alta cúpula, e regalias exercidas por essa nobreza). Tal comportamento e desvio da simplicidade do Evangelho geraram graves prejuízos espirituais nesses líderes, que deveriam apenas servir ao povo, conforme Marcos 10.45. Outro fator prejudicial crescente foi a riqueza acumulada pela Igreja, principalmente pela liderança. De acordo com as Escrituras, o Senhor Jesus advertiu a Igreja: “Não ajunteis tesouros na terra (...)” (Mt 6.19). E: “(...) onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.” (Mt 6.21). Todas as vezes que o coração do homem se apegar às 14

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riquezas terrenas, o desvio será uma consequência que testifica o direcionamento do coração. Como Igreja de Cristo, devemos atentar para o nosso tesouro eterno ( Jo 14.1; Fp 3.20).

Avareza

O excesso de autoridade e exagerada riqueza foram fatores dominantes na vida da maioria do clero. Fizeram do dinheiro o seu grande objetivo de vida e amaram mais os privilégios legais e sociais. Tornaram-se pluralistas, isto é, exerciam mais de dois ofícios eclesiásticos, objetivando o crescimento de suas rendas. Alugavam substitutos para fazerem os trabalhos que eles próprios não podiam fazer, e ainda pagavam mal. Praticavam a simonia (venda de cargos eclesiásticos) e tinham posições rendosas sem trabalho. A cobiça, a extorsão e a violência dos bispos eram escândalos notórios. A avareza é uma doença que escraviza o homem com o medo de perder o que já possui, ainda que seja pouco. E, nesse anseio desenfreado, a pessoa perverte a legítima busca pelo preenchimento das necessidades, transformando-a num frenesi de que tudo pode ser por ela capturado e possuído. A Igreja também não está livre do pecado da avareza, da ganância e da ambição financeira (Lc 21.34). A Igreja que antecedeu a Reforma se tornou um depósito de pessoas avarentas, brigando por ideais carnais, disputados de forma individualista. A Igreja não pode se tornar um local de competitividade, da mesma forma que se disputa um produto em promoção no comércio. A Igreja é o Corpo de Cristo e devemos ser conhecidos pelo amor, conforme nos ensinou Jesus ( Jo 13.34-35). A Igreja Medieval e suas consequências para a Reforma

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Impureza

Nesse período da Idade Média, a impureza sexual, a glutonaria e a embriaguez eram coisas comuns dentro do clero. Seus vícios estão estampados com severas críticas na literatura da época. O estarrecedor de tudo isso é que entre os bispos estavam os piores exemplos. Todos esses desvios levaram a Europa dos séculos XIV e XV à indignação e ao ódio contra os tais falsos representantes de Deus. O secretário do Papa Benedito XIII assim disse dos clérigos: “Raramente encontra-se um em mil, que faça honestamente o que a prof issão exige”. O que se percebe nos textos da literatura da época é que o desvio e a insensibilidade desses líderes não tinham limites. A decadência atingiu até mesmo as ordens dos mendicantes, as últimas a se organizarem. Ordens monásticas, monges, freiras, enfim, eram objeto do escárnio público por causa de seus próprios vícios. Não se via naquela igreja nada mais que representasse a Deus. Enquanto a luxúria tem como foco agradar a si mesmo, e muitas vezes leva a ações prejudiciais para satisfazer esses desejos, sem levar em conta as consequências, a fé cristã trata de abnegação e é marcada por uma vida santa (Rm 6.19; 12.1-2; 1Co 1.2, 30; 6.19-20; Ef 1.4, 4.24; Cl 3.12; 1Ts 4.3-8; 5.23; 2Tm 1.9; Hb 12.14; 1Pe 1.15-16). O objetivo de cada pessoa que tem colocado a sua fé em Jesus Cristo deve ser tornar-se mais semelhante a Ele a cada dia. Isto significa jogar fora o velho modo de vida sob o controle do pecado e conformar seus pensamentos e ações de acordo com o padrão delineado nas Escrituras. 16

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DEGRADAÇÃO DA RELIGIÃO

Segundo o historiador Robert Hasting Nichols: Outro grande motivo de aviltamento da Igreja papal foi o ensino de uma forma adulterada do cristianismo. Essa igreja permitiu que o Evangelho fosse substituído por

uma religião de ritos sacramentais que outorgavam uma salvação mágica; orações aos espíritos bondosos da Vir-

gem e dos santos; medo injustificado dos maus espíritos; relíquias milagrosas; vestimentas aparatosas; maldições

e absolvição dos sacerdotes. O protesto contra tudo isto

apareceu nesse período, lançado pelos dissidentes que

apareceram primeiramente no século XI. A pregação, a princípio realizada pelos mendicantes, foi um esforço

desses homens espirituais para darem ao povo alguma coisa melhor que não havia na sua igreja. Mas a Igreja, de

um modo geral, nada aprendeu. À proporção que a Idade Média se aproximava do fim, não se verificava qualquer

esforço da parte da Igreja no sentido de purificar o seu culto. (NICHOLS, 1978, p. 129)

O paganismo invadiu a Igreja e se tornou infeccioso. Ao fim do século X, numa grande parte da Europa Ocidental, praticamente todo o povo pertencia a Igreja e tinha título de cristão. Algo já iniciado no século IV por Teodósio, como processo de cristianização do império, que acabou por encher a Igreja de pagãos. O povo era cristão, mas só no sentido das cerimônias religiosas, porém, o ensino moral cristão e a prática do mesmo, A Igreja Medieval e suas consequências para a Reforma

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não tinham efeito algum na vida da maioria. A sociedade era pagã, embora nominalmente cristã. A sociedade cristã europeia no Ocidente era dominada pela imoralidade do paganismo, por guerras entre reis e nobres e incessantes ataques bárbaros, que enchiam a Europa Ocidental de selvageria e destruição. Além disso, reinava a mais profunda ignorância, pois a antiga cultura greco-romana quase foi destruída pela invasão bárbara. Conhecimento e instrução, mesmo os mais rudimentares, eram privilégio de poucos. Era nesse contexto que o cristianismo pregava seus preceitos morais para que fossem aceitos e seguidos.

Descuido dos deveres ministeriais

As responsabilidades ministeriais foram esquecidas em virtude da ganância que tomou conta do clero e sua prole. A Igreja Medieval abandonou o povo. O cuidado para com as igrejas foi negligenciado. A prioridade foi invertida e os párocos se davam por satisfeitos com o que prescrevia o ritual em latim, incompreendido às vezes até por eles mesmos. Todo esse abandono contribuía para o crescimento das superstições e da cegueira espiritual. Entretanto, para que a vida flua numa igreja, é necessário que o ministro entenda o verdadeiro significado de seu ofício e ame a sua vocação: “Portanto, convém-nos atentar com mais diligência para as coisas que já temos ouvido, para que, em tempo algum, nos desviemos delas.” (Hb 2.1). Nós devemos tomar muito cuidado com isso. Devemos pregar a Bíblia como um todo, e não somente o que nos agrada! 18

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“Lembrai-vos dos vossos pastores, que vos falaram a palavra de Deus, a fé dos quais imitai, atentando para a sua maneira de viver.” (Hb 13.7). Todos aqueles que pastoreiam vidas devem viver de modo que as pessoas possam ver seu testemunho na vida doméstica (relacionamento com esposa e filhos), no trabalho (relacionamento com seus pares), na comunidade, etc. Observando sua liderança e o seu modo de vida genuinamente cristão, as ovelhas serão influenciadas a submeter-se e a seguir o Senhor: “Porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?” (1Tm 3.5). Segundo o Dr. Champlin: “A história humana mostra-nos que gerações descuidadas

e amantes dos prazeres, inevitavelmente se tornaram depravadas, finalmente são julgadas; e assim também sucede

com os indivíduos. Quão mais necessariamente isso se dá

no terreno espiritual, porquanto uma grande salvação nos

foi dada no próprio Filho, a mais elevada provisão divina para os homens! É impossível conhecê-lo, ouvir a Sua mensagem, rejeitá-lo e continuar imune à penalidade.”

Falta de assistência religiosa para com as cidades que cresciam As cidades da Europa cresceram muito rapidamente no século XII. Dirigidas por um clero negligente e egoísta, a Igreja falhou tristemente em atender às necessidades espirituais desses novos centros populosos. Não cuidaram de organizar novas igrejas e de preparar sacerdotes para as ciA Igreja Medieval e suas consequências para a Reforma

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dades. Em muitas delas, cheias de imundícies e de ignorância, milhares de pessoas pobres vivam sem assistência cristã do corpo e da alma. Dois fatos já mencionados devem ser relembrados: o primeiro era o caráter e o exemplo do clero; o outro era o tipo ou natureza da religião que a Igreja ministrava. Ao fim da Idade Média, a Igreja não supria as necessidades físicas e espirituais do povo. Quando o materialismo e inclinações mundanas ganham a preferência, é um sinal do distanciamento do chamado e também um bom momento para questionamentos, se de fato tal pessoa detinha essa vocação ou era movido por uma emoção momentânea (2Tm 2.15; 1Co 4.2). Todo vocacionado traz consigo os sinais da vocação. A história está repleta de exemplos de homens de Deus, principalmente na Bíblia Sagrada. A vida de um vocacionado condiz com sua fala e atitudes.

Ambições indevidas

Sinais evidentes de desastres cresciam dentro daquela Igreja. Ambições religiosas e políticas dominavam seus corações. Bonifácio III, ao subir ao trono, tinha o propósito de ser o governo supremo da Europa, tanto temporal como espiritual, isto é, queria ser imperador e papa. Diz-se que, durante as festas do jubileu do ano 1300 A.D., fez questão de ser visto por milhares de peregrinos, sentado num trono, usando a coroa e a espada de Constantino e exclamando: “Sou César, sou o Imperador”. Essa tendência crescente levou a Igreja a desvios cada vez mais elevados, culminando numa profunda reflexão posterior a respeito 20

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do verdadeiro papel da Igreja. Os constantes desvios da Igreja culminaram na Reforma.

MOVIMENTOS DE PROTESTOS

Logo no início do século XII, surgiram vários movimentos de oposição contra a atitude e o estado da Igreja por parte de homens que conheciam o grande mal nela existente e que abandonaram o seu culto e sua comunhão. O mais importante desses movimentos teve lugar no sudeste da França, sob a chefia de Pedro de Bruys e Henrique de Lausanne. Eles e seus seguidores opunham-se à superstição dominante na Igreja, a certas formas de cultos e à imoralidade do clero. Este movimento chamado de “petrobrussianos” desenvolveu-se por uma vasta região e muita gente de todas as camadas sociais a ele aderiu, abandonando as igrejas e escarnecendo do clero.

Os cataristas

Outros movimentos de protestos foram surgindo com os desvios do clero. Os cataristas foram um poderoso partido religioso que se desenvolveu grandemente no fim do século XII e durante o século XIII. Na realidade, foi uma igreja rival, pois ela possuía a sua própria organização, o seu ministério, o seu credo, culto e sacramentos. O credo era uma estranha mistura de cristianismo e ideias religiosas orientais. Na verdade, era uma grande heresia e mesmo assim representava o desejo generalizado do povo de uma religião melhor do que a Igreja Católica oferecia. Os cataristas se espalharam pela Itália, França, Espanha, Países Baixos e Alemanha. Foram mais fortes no sudeste da França, onde foram A Igreja Medieval e suas consequências para a Reforma

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chamados de Albigenses (da cidade de Albi). Em toda a parte, foram perseguidos pela Inquisição, que fora organizada principalmente por causa deles.

Os valdenses

Outro movimento de protesto foi o dos valdenses. Ao fim do século XII, um negociante de Lyon, chamado Pedro Valdo, movido pelo ensino do capítulo dez do Evangelho de Mateus, começou a distribuir seu dinheiro aos pobres e tornou-se um pregador ambulante do Evangelho. Juntou-se a ele grande número de seguidores que o ajudavam no trabalho dentro da igreja, não obstante manifestarem de início o seu protesto contra o descaso dessa igreja. As autoridades eclesiásticas logo os excomungaram. Expulsos e considerados inimigos começaram a se organizar como igreja à parte. Ao fim da Idade Média já encontramos os valdenses completamente organizados e espalhados por toda a Europa Ocidental. Apesar de constantemente caçados pela Inquisição, eram intensamente ativos no ensino do Evangelho e na distribuição de partes manuscritas da Bíblia na língua do povo.

O movimento dos irmãos

Muito semelhante aos valdenses, eram os dissidentes que a si mesmos chamavam-se de “irmãos”. Estas pessoas tinham uma fé cristã muito simples e eram conhecidas onde viviam por suas vidas cheias de bondade e pureza incomuns. Nada tinham com a Igreja ou seu clero, e realizavam o culto na língua comum do povo. Apreciavam a leitura da Bíblia e possuí22

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am muitas cópias de manuscritos de tradução da Bíblia ou de algumas de suas partes. Os “irmãos” se espalharam pela Europa, correspondendo-se e realizando trabalho em conjunto. Como os valdenses, mantinham trabalho missionário muito ativo, mas em segredo, por causa das perseguições. Eram numerosos entre os camponeses e operários das cidades, particularmente na Alemanha.

Todas essas situações geravam descontentamento na população, e aos poucos uma nova etapa ia se construindo com movimentos e lideranças específicas que não temiam os horrores da Inquisição. Os movimentos de protestos lentamente iam despertando o povo para uma mudança que culminou na histórica Reforma do século XVI. Devemos atentar para a ação de Deus no decorrer da história; mesmo em meio a tantos desvios, Sua Igreja estava preservada, bem distantes dos holofotes, às vezes perseguida e outras vezes bem no meio do joio. A Igreja de Cristo sempre incomoda sistemas e organizações que se moldam ao curso do mundo.

A Igreja Medieval e suas consequências para a Reforma

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