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e desaparece

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Biografias

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O Cão Negro aparece e desaparece

Pouco tempo depois aconteceu o primeiro dos estranhos eventos que nos livrariam do capitão, mas não dos seus negócios.

Era um inverno muito frio e severo. Meu pai estava cada vez pior, e minha mãe e eu tínhamos que tomar conta dele e de toda a estalagem sem nenhuma ajuda. Por isso não tínhamos tempo para dar atenção ao nosso hóspede desagradável.

Era uma manhã de frio cortante, a enseada toda cinzenta de geada, a ondulação quebrando suavemente nas pedras, o sol ainda baixo, apenas tocando o topo das colinas e brilhando ao longe no mar. O capitão tinha se levantado mais cedo que o habitual e descido para a praia, com a luneta de latão debaixo do braço e o chapéu inclinado para trás na cabeça.

Minha mãe estava no andar de cima com meu pai, e eu punha a mesa do café da manhã antes da volta do capitão, quando a porta do salão se abriu, e entrou um desconhecido. Era sebento e pálido, e lhe faltavam dois dedos na mão esquerda. Trazia um sabre na cintura, mas não parecia ser um

combatente. Fiquei intrigado. Não parecia um marinheiro, e ainda assim havia nele um bocado de mar.

Perguntei como poderia servi-lo, e ele disse que queria rum. Quando fiz menção de ir buscar a garrafa, sentou-se junto a uma mesa e fez sinal para que me aproximasse. Parei onde estava. — Venha cá, guri — disse. — Chegue mais perto. Dei um passo adiante. — Essa é a mesa do meu camarada Bill? — perguntou, com malícia.

Contei que nada sabia sobre seu camarada Bill e que a mesa era reservada para um dos hóspedes, que chamávamos de capitão. — Ora — disse —, meu camarada Bill bem poderia ser chamado de capitão. Tem uma cicatriz na bochecha e gosta de dar ordens, especialmente quando bebe. Digamos que seu capitão tenha um corte na bochecha, e digamos, se for do seu agrado, que seja na bochecha direita... Ora, veja! Nunca duvidei que era ele mesmo! Agora, por acaso meu camarada Bill está na casa? Contei que ele estava caminhando lá fora. — Pra que lado, guri? Por onde ele foi? Apontei para o rochedo, contei que o capitão devia voltar logo e respondi mais algumas perguntas. — Ora, ora — disse —, vai ser ótimo beber com meu camarada Bill.

Enquanto dizia isso, sua expressão não era nem um pouco agradável e eu tinha minhas razões para desconfiar do que falava. Não sabia o que fazer. O estranho ficou por ali, bem perto da porta, espreitando a esquina como um gato esperando um rato.

Em certo momento, quando saí, me chamou de volta imediatamente. Como não obedeci rápido o bastante, sua cara sebenta assumiu um ar horripilante, e ordenou que voltasse, com uma praga que me fez saltar. Assim que voltei, retomou suas maneiras anteriores, entre a bajulação e a zombaria. — Mas o melhor para meninos é a disciplina, guri, disciplina — disse. — Veja só, se tivesse navegado com Bill, nunca seria preciso lhe chamar duas vezes. E com certeza lá vem o meu camarada Bill, com sua luneta debaixo do braço. Nós dois vamos voltar para o salão, guri, e faremos uma surpresinha. Assim dizendo, voltamos para dentro do salão, e o estranho me colocou num canto, atrás dele, ambos escondidos pela porta aberta. Eu estava assustado e meus temores só aumentaram quando percebi que o estranho também estava apavorado. Ele mexeu no cabo do seu sabre e soltou a lâmina da bainha. Finalmente o capitão entrou com passos largos, a porta batendo atrás dele, sem olhar para nenhum dos lados, avançando pelo salão até a mesa onde o café da manhã o esperava. — Bill — disse o estranho, numa voz que pretendia ser potente e corajosa.

O capitão girou nos calcanhares e ficou de frente para nós. Todo o sangue fugiu do seu rosto. Parecia ter visto um fantasma ou um demônio. — Com certeza reconhece um velho colega de tripulação — disse o estranho.

O capitão deu uma espécie de suspiro. — Cão Negro — disse. — E quem mais? — continuou o outro, ficando mais à vontade. — Cão Negro, sempre presente, fazendo uma visita ao meu velho colega Billy, na estalagem Almirante Benbow. Ora, Bill, vivemos bons tempos juntos, nós dois, cheguei até a perder duas garras — e exibiu sua mão mutilada. — Escute aqui — disse o capitão —, você me alcançou, aqui estou, então, vamos lá, desembucha: o que foi? — Esse é o Bill — respondeu o Cão Negro — e tem toda a razão, Billy. Vou pedir um copo de rum a essa criança adorável, a quem já estou me apegando. Vamos nos sentar e vamos falar com franqueza, como velhos camaradas.

Quando voltei com o rum, já estavam sentados, um de cada lado da mesa onde o capitão costumava fazer seu desjejum. O Cão Negro perto da porta, sentado de lado, como se tivesse um olho em seu antigo colega de tripulação e o outro em sua rota de fuga. Mandou que eu saísse e deixasse a porta aberta. Retirei-me para o bar e por algum tempo, ainda que fizesse o possível para escutar algo, não conseguia ouvir nada além

de uma conversa em murmúrios. Aos poucos as vozes começaram a ficar mais altas, e consegui fisgar uma ou outra palavra, na maioria das vezes pragas do capitão.

Então, de repente, foi uma tremenda explosão de xingamentos e outros ruídos. Ouvi mesa e cadeiras sendo derrubadas, o barulho de aço se chocando, seguido de um grito de dor. O Cão Negro saiu correndo, com o capitão em seu encalço, ambos com os sabres nas mãos, o primeiro com sangue escorrendo do ombro esquerdo. Ao chegarem à porta, o capitão tentou um último e tremendo golpe no fugitivo, mas seu golpe foi bloqueado pela grande tabuleta da Almirante Benbow.

Aquele foi o último golpe da batalha. Uma vez na estrada, o Cão Negro correu a toda e desapareceu na crista da colina. O capitão, por sua vez, ficou olhando perplexo para a tabuleta. Depois passou várias vezes a mão sobre os olhos e voltou para dentro. — Jim, rum — disse e, enquanto falava, cambaleou um pouco, apoiando-se com uma das mãos na parede. — Você está ferido? — gritei. — Rum — repetiu. — Tenho que sair daqui. Rum! Rum! Corri para buscar a bebida, mas antes de voltar ouvi algo caindo com tudo no salão. Corri até lá e vi o capitão estirado no chão. Foi quando minha mãe, alarmada com o barulho da briga, correu escada abaixo para me ajudar. Levantamos a cabeça do capitão, que respirava com dificuldade, com os olhos fechados. A cor do seu rosto era horrível.

Não tinha a menor ideia sobre como ajudar o capitão. Só conseguia imaginar que ele havia sido mortalmente ferido na briga. Foi um alívio quando a porta se abriu e o doutor Livesey entrou para sua visita ao meu pai.

Ele logo percebeu que o capitão não estava ferido, mas tinha sofrido um ataque, como ele mesmo já o tinha alertado. — Agora, senhora Hawkins — disse ele —, suba para junto do seu marido e, se possível, não conte nada sobre o que aconteceu aqui. Farei o que puder para salvar a vida desse sujeito inútil. E você, Jim, traga-me uma bacia.

Quando voltei com a bacia, o doutor já tinha rasgado a camisa do capitão e exposto seu grande braço musculoso. Tinha várias tatuagens: “Sorte Eterna”, “Bons Ventos, Billy Bones”, todas muito nítidas e bem desenhadas no antebraço. Perto do ombro, havia o desenho perfeito de um homem enforcado.

O doutor perguntou se eu tinha medo de sangue e, quando disse que não, mandou que segurasse a bacia, pegou seu bisturi e deu um corte em uma veia.

Saiu uma grande quantidade de sangue antes que o capitão abrisse os olhos e parecesse confuso. Logo sua cor mudou, e tentou se levantar, sem sucesso.

O doutor o amparou e disse: — O que tenho a dizer é o seguinte: um copo de rum não vai lhe matar, mas se tomar um, vai acabar tomando outro, e mais um, e vai acabar morrendo. Você entende isso?

Com muito esforço conseguimos içá-lo até o andar de cima e o deitamos na cama, onde tombou, quase como se tivesse desmaiado.

Depois disso, o doutor foi ver meu pai, me levando pelo braço. — Não foi nada — disse, assim que fechou a porta. — Tirei bastante sangue para deixá-lo quieto por um tempo. Deve ficar deitado onde está por uma semana, é o melhor para ele e para vocês. Se tiver outro derrame, vai ser o fim.

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