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A NOVA ALMA DO NEGÓCIO
A nova alma do negócio Escolas de administração e de economia de primeira linha incluem aulas de ética e de direitos humanos em seus cursos de graduação e pós-graduação. Por aqui, as instituições estão começando a rezar pela mesma cartilha
dutor de cinema norte-americano que, no fim do ano passado, viu sua carreira ruir depois que várias atrizes vieram a público acusando-o de assédio sexual] em Hollywood e podem levar a empresa dele à falência?”. Um aluno levanta a mão antes de dizer: “Ele não conseguiu fazer todas as mulheres que o acusavam assinarem um acordo de sigilo”. Uma aluna retruca, sem pedir licença: “O erro dele foi abusar de dezenas de mulheres durante duas décadas”. por chico felitti
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Uma sala de aula em uma faculdade de negócios. A balbúrdia dos alunos cessa na hora quando o professor dispara: “Quais foram os erros que destruíram Harvey Weinstein [conhecido proilustrações marina leme
A cena é ilustrativa, mas aconteceu, com algumas variações, nas salas de aula das melhores escolas de negócios do mundo. Tudo porque em cursos específicos para empresários e executivos, os professores passaram a gastar mais tempo (e saliva) discutindo temas como ética, assédio sexual e paridade salarial, só para citar alguns.“Esses profissionais não lidam apenas com crises financeiras. Também têm de responder por problemas éticos ou morais, que são tão importantes quanto qualquer outra questão corporativa”, diz Amy Wrzesniewski, professora de liderança em Yale, nos Estados Unidos. Amy conta que, à medida em que começaram a ganhar espaço na mídia e passaram a determinar o destino das corporações, esses assuntos se infiltraram mais
GERAÇÃO DE VALOR
A ONU fez uma pesquisa sobre responsabilidade social com 1.699 alunos de escolas de negócios ao redor do mundo. Aqui, alguns números do levantamento que mostram como as pessoas andam mais ligadas a essa nova realidade.
Qual é a importância de tomar decisões éticas para uma organização?
5,8% Nada importante 12,6% Minimamente importante 26,9% Medianamente importante 39,1% Muito importante 15,6% Extremamente importante
Qual é a importância de uma empresa implementar ações para garantir a igualdade de gênero e combater a discriminação?
11% Nada importante 17,1% Minimamente importante 28,6% Medianamente importante 29,7% Muito importante 13,6% Extremamente importante
Qual é a importância de adotar medidas de combate à corrupção?
18,1% Nada importante 22,7% Minimamente importante 24,2% Medianamente importante 22,6% Muito importante 12,3% Extremamente importante
e mais nas aulas. “A gente fazia análise de casos uma vez por mês – agora, tem uma crise por dia”, contou Lynne Andersson, professora de RH da escola de negócios Temple, em uma entrevista ao jornal The Financial Times. A universidade, que fica na Filadélfia, passou a exigir que todos os alunos façam pelo menos uma matéria relacionada à ética durante a formação. Até então, a determinação valia apenas para os que buscavam especialização em recursos humanos.
Com isso, questões antes relegadas a um punhado de matérias eletivas – caso de sustentabilidade e de responsabilidade social, só para citar duas, passaram a fazer parte da grade curricular. Para se ter uma ideia, no fim do ano passado, o New York Times publicou uma reportagem mostrando o aumento do número de alunos interessados em trabalhar com “compliance”, área que assegura que os negócios são feitos em conformidade com a lei, com a ética e com a transparência. O termo, ouvido à exaustão em delações premiadas e em acordos de operações como a Lava Jato, já anda rondando as escolas brasileiras. “Na administração, se estuda o fenômeno que acontece na vida real para gerar teorias. O movimento existe, logo, gerar conhecimento a partir dele é muito importante e as empresas, claro, têm interesse nisso”, diz Angela Yojo, da Universidade de São Paulo (USP). É preciso incutir novos valores na cabeça das pessoas que começaram a pensar o mundo dos negócios décadas atrás. A Fundação Getulio Vargas, em São Paulo, por exemplo, tratou de criar um workshop sobre diversidade para seus professores e funcionários. “Muitos pertencem a outras gerações e sentem dificuldade em lidar com essa nova dinâmica”, explica Luiz Artur Ledur Brito, diretor da FGV-SP. Grupos de alunos ativistas estão reivindicando que essas aulas sejam estendidas aos graduandos.
Em Harvard, os programas passaram a abraçar também outra causa: o sexismo. No segundo semestre do ano passado, casos de assédio sexual foram debatidos em Stanford. São dois cientistas políticos que ministram as aulas de ética na prestigiada universidade norte-americana, aliás. Ano que vem, Fern Mandelbaum, que foi executiva na Hewlett-Packard antes de se tornar uma das consultoras de CEOs mais conhecidas do mundo, vai estrear como professora em Stanford ministrando um curso com o sugestivo nome de O Design da Igualdade, Como Construir uma Organização Diversa e Inclusiva.
Já a escola de administração da Universidade Vanderbilt, no Texas, propôs a Uber como tema de estudo na graduação. A empresa, dona do aplicativo de carona, passou “de heroína do Vale do Silício à vilã da era Donald Trump” por ter acobertado casos de assédio e de ter uma cultura corporativa predatória, na avaliação do cientista político brasileiro Mathias Alencastro, de Oxford, autor de um texto sobre o assunto publicado em janeiro.
POR DENTRO E POR FORA
Os novos tempos invadiram não apenas o conteúdo dos cursos, mas também o formato do ensino. Sediada
AULAS DE NATUREZA
A grama do outro lado do mundo é mais verde – pelo menos para a chef Morena Leite, do restaurante Capim Santo, em São Paulo. Desde julho do ano passado, ela está em Bali, na Indonésia, acompanhando sua Manuela, de 8 anos, que está matriculada na Green School. A Green, como o nome entrega, foi criada para ser a escola mais ecologicamente preparada do planeta, a começar pelas salas e pavilhões de bambu no meio da floresta. A luz é natural e, como não há paredes, a brisa faz as vezes de ar-condicionado. No currículo, aulas de línguas, lógica, matemática e de “matérias”inusitadas como luta na lama, por exemplo. O ensino se sustenta em três pilares: respeito à individualidade, sustentabilidade e senso de comunidade.
A instituição nasceu depois que John Hardy, até então um joalheiro conhecido na Ásia, assistiu ao documentário Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore [ex vice-presidente norte-americano que se tornou ativista da causa ambiental após deixar a Casa Branca]. Hardy e sua mulher, Cynthia, ficaram tão impactados com o filme, lançado em 2006, que decidiram fazer sua parte. A Green School foi fundada em 2008 e, uma década depois, filhos de uma penca de celebridades já passaram pelos bancos de madeira certificada da instituição. A modelo australiana Lindy Klim matriculou lá seus três filhos – Goldie, que nasceu no fim do ano passado, deve seguir o caminho dos irmãos.
Segundo os Hardy, há outros alunos do Brasil, mas, por uma questão de ética, não citam nomes. A maioria vem de famílias milionárias, não que isso seja fundamental, já que sai mais em conta estudar em Bali do que em muitas instituições de renome mundo afora. Para se ter uma ideia, a anuidade da inglesa Willcocks Nursery School, onde o príncipe William e Kate Middleton matricularam a princesa Charlotte, de 2 anos, pode ultrapassar os R$ 50 mil. Na Green, o ano letivo para uma criança de 3 anos custa R$ 25 mil e dobra em caso de alunos adolescentes.
Morena, que vivia em Paris, foi para Bali visitar o irmão. “Ele mora no Green Village, condomínio que também é dos Hardy. Nos convidaram para conhecer a escola, nos apaixonamos e em dois dias matriculei a Manu”, conta a chef a PODER. Foi no Sudeste Asiático que Morena se reencontrou com os valores que recebeu dos pais, que, 40 anos atrás, se mudaram para Trancoso quando o vilarejo no sul da Bahia tinha meia dúzia de casas perdidas no meio do mato. A paulistana Morena cresceu na pousada da família em contato com hóspedes de vários países. “É um supercontraste com nossa vida em Paris”, compara. Morena e Manu ficam em Bali até junho, quando a filha concluir um ano na Green. Para a chef, a escola é fundamental para formar gente feliz e bem resolvida. “Acredito que nossos filhos são a melhor semente que podemos plantar neste mundo. Mas também acho que não existe regra quando o assunto é educação.” em São Paulo, a escola de negócios Saint Paul está prestes a lançar um serviço de assinatura, nos moldes da Netflix, com microaulas de cinco ou dez minutos que garantem certificações importantes para atualizar o currículo. A assinatura mensal do serviço, previsto para começar a funcionar mês que vem, custa R$ 99. Até então, o curso mais barato da escola tinha mensalidades na casa dos R$ 3 mil. “O que a gente propõe hoje em dia é que as pessoas aprendam constantemente, que estejam ‘always on’”, explica José Cláudio Securato, presidente da Saint Paul. “A nova formação funciona como se fosse um Lego. Cada microcertificação vai ser ligada a outras para formar uma maior”, completa.
E as gerações atuais andam se importando cada vez mais com esse mundo, digamos, diferente. Em 2016, a ONU realizou uma pesquisa sobre responsabilidade social corporativa com 1.699 alunos de escolas de negócio ao redor do globo. Metade dos entrevistados afirmou que abriria mão de 20% do salário para trabalhar em uma empresa preocupada com o bem-estar de seus colaboradores. Um em cada cinco afirmou que toparia deixar de receber 40% da renda mensal para fazer parte do quadro de funcionários de organizações focadas em responsabilidade social.
Há três anos, a Universidade de Columbia, em Nova York, instituiu um curso obrigatório sobre sexo e consentimento para graduandos e pós-graduandos não só dos cursos de negócios, mas também para estudantes de outras áreas. Os próprios alunos estão se mobilizando. Futuros homens de negócios de Columbia, Dartmouth e Harvard se juntaram para formar os Manbassadors, fusão das palavras “man” (homem) e “ambassador” (embaixador), grupos de homens que se comprometem a apoiar as mulheres na luta pela igualdade de gênero no mundo corporativo, que se reúnem para discutir maneiras de fazer isso. “Gerenciar a desigualdade faz parte do nosso trabalho”, diz Michael Richardson, aluno do quinto semestre de Columbia. O estudante de 20 anos, que sonha ser CEO de uma companhia da área esportiva, diz sem pensar duas vezes: “Mesmo que a gente seja beneficiado por essa desigualdade, devemos lutar para que ela chegue ao fim”.