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Paulo Sérgio Pinheiro
APAGUEM O QUE ESCREVI
Conseguir uma boa posição – e mantê-la – no trabalho depende cada vez mais do que se publica nas redes sociais
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POR PAULO VIEIRA
Às vésperas da esperada quarta-feira de abril em que o STF rejeitou o habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula e manteve a decisão do TRF-4 de encarcerá-lo, o promotor público Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, comunicou a seus seguidores no Twitter que iria acompanhar o julgamento do Supremo “em jejum, oração e torcendo pelo país”. Muito por conta do apelo à religiosidade, sua manifestação foi bastante criticada. “Procurador, promotor não deixa de ser cidadão. Me expressei em rede social pessoal”, treplicou Dallagnol.
A tocante convicção do promotor na liberdade de expressão – como se sabe, Dallagnol é um homem de convicções – talvez pudesse ser aplicada ao mercado corporativo, setor em que cada vez mais as redes sociais são vasculhadas para efeitos de contratação, e às vezes de demissão, de pessoal. Uma pesquisa, divulgada pela plataforma digital americana CareerBuilder, revelou que 43% das empresas consultadas faziam esse controle. Dos gestores ouvidos, 51% disseram ter desistido de uma contratação com base no que viam nas redes sociais dos candidatos. Para os recrutadores, fotografias provocativas e textos espinafrando empregos e empregadores pregressos eram razões mais do que suficientes para gongar o infeliz.
No Brasil, a prática de examinar as redes sociais também é comum. Para Millie Haji, gerente de projetos do Grupo Cia. de Talentos, empresa especializada em seleção e identificação de profissionais, é bom evitar certas posturas as redes. Reclamar o tempo todo e manifestar opiniões políticas extremadas não ajuda. Usando um exemplo ao mesmo tempo literal e metafórico, Millie diz que “não há problema em torcer para um time, desde que você se coloque também no lugar do torcedor do time adversário”. “É preciso saber mostrar empatia”, completa.
Bom senso, que, ao contrário da famosa formulação cartesiana, não parece ser a coisa no mundo melhor distribuída, é fundamental na hora de sair disparando loucamente no Facebook, Instagram e Twitter. “Os gestores de RH e recrutadores costumam dizer que mesmo com diversas facetas, a pessoa é uma só”, diz Milton Beck, diretor regional da América Latina do LinkedIn, mais importante mídia social de interesses
profissionais do mundo. Por isso ele sugere manter o “bom comportamento” nas redes. E para aqueles com aspirações mais elevadas, é interessante seguir a velha máxima da mulher de César, a quem não bastava ser honesta, era preciso também parecer honesta. “Quanto mais alto na hierarquia, mais seu comportamento pode se espalhar pela organização”, diz Beck. E não será bom para ela, a organização, se o líder, para usar um exemplo do executivo, for “tolerante com o preconceito”. Beck, contudo, faz a ressalva de que “a maior parte das empresas tem tolerância zero com pessoas que não prezam a diversidade”.
Uma maneira de prevenir danos seria pouco publicar ou, quem sabe, seguindo os conselhos que o pai dá ao filho no célebre conto “Teoria do Medalhão”, de Machado de Assis, jamais expressar algo que lembre uma opinião. Mas isso levantaria dúvidas sobre a personalidade do candidato – e as habilidades socioemocionais são cada vez mais importantes no ambiente corporativo. “As redes sociais são um excelente recurso para construir, modular e divulgar a própria identidade, e, do lado dos recrutadores, um ótimo lu-
gar para entender o modus operandi da pessoa”, diz Ju De Mari, da Prosa Coaching, consultoria especializada em ajudar mulheres que buscam, mais do que recolocação, “uma nova maneira de se relacionar com o trabalho”. As redes podem ser estratégicas também por outro motivo. “O candidato pode ganhar pontos se mostrar que tem networking e que, com suas redes, pode vir a ser bom influenciador para determinados negócios da empresa”, diz Millie, da Cia. de Talentos.
ÓDIO E PAIXÃO
Num ano de eleição presidencial, com candidatos a despertar ódios e paixões, os próximos meses podem ser pródigos em pancadaria virtual – e em queimação de filme dos autores de postagens. No jornalismo, setor em que a confusão entre pessoa física e jurídica atinge o paroxismo, o exemplo da Folha de S.Paulo é eloquente. Em outubro, o diário circulou um comunicado interno entre seus jornalistas para normatizar o tema. Embora diga que “encoraja seus profissionais a manter contas em redes sociais” inclusive para “expandir o alcance do material publicado”, a empresa
alerta no documento que “revelar preferências partidárias e futebolísticas ou adotar um lado em controvérsias tende a reduzir a credibilidade do jornalista e a da Folha, que tem o apartidarismo como princípio editorial”. Em entrevista a PODER, o editor-executivo do jornal, Sérgio Dávila, diz que “nada é proibido, mas os jornalistas são lembrados que suas publicações podem ter consequências em suas atividades”.
Para o repórter Diego Bargas, a consequência de mostrar simpatia em suas redes pelo PT e suas estrelas foi nefasta. Ele foi demitido, no fim de 2017, após publicar no jornal uma entrevista com o humorista Danilo Gentili, que então estreava o filme Como Se Tornar o Pior Aluno da Escola. Contrariado com as críticas ao longa (que, aliás não foram feitas por Bargas) e tendo visto nas preferências políticas do entrevistador razão para duvidar de sua isenção, Gentili sugeriu que seus seguidores “pesquisassem” o repórter. A chama de “cyberbullying” o que se passou em seguida. Para Dávila, esse método não é exclusivo das Nêmesis do PT. “Grupos mais extremados de esquerda e de direita se irmanam no bullying contra jornalistas que publicam algo que por algum motivo os desagradam”. n