6 minute read
CULTURA INC
POR LUÍS COSTA
Advertisement
Criadora de aguardada série inspirada em crimes do médico Roger Abdelmassih, Maria Camargo fala do desafio de escrever ficção a partir de histórias factuais
Como a vida de um escritor se reflete no seu texto? Maria Camargo ensaia uma resposta. “Eu já plantei árvore, escrevi livro, peguei onda, dancei em gafieira, dirigi uns filminhos, amei, desamei e amei de novo, perdi muitas pessoas queridas, mudei de casa, de cidade, tenho filhos, casa, cachorros, problemas de família e prazeres em família. Tudo isso está dentro de mim e aparece na escrita”, revela.
Roteirista desde 1998, ela assina criação e redação final da aguardada série Assédio, da TV Globo, ainda sem data de estreia prevista. Escrita em dez episódios, a produção é livremente inspirada no caso de Roger Abdelmassih, médico especialista em reprodução assistida condenado a 181 anos de prisão pelo estupro de pelo menos 37 pacientes, violentadas muitas vezes sob efeito de sedativos.
A pesquisa para a série – baseada no livro A Clínica: a Farsa e os Crimes de Roger Abdelmassih, do jornalista Vicente Vilardaga – incluiu reportagens da época, relatos e documentos judiciais. “O conhecimento profundo dos fatos e suas versões é, em casos assim, essencial para o processo de construção da dramaturgia, ainda que o resultado final seja uma história ficcional”, diz a roteirista. “Uma história que nasce da vida real, mas que não é a vida real. Essa preocupação, de equilibrar fatos e invenção com responsabilidade, foi permanente até o fim da escrita.”
Se ao escrever o roteiro de um herói o desafio é mostrar suas fraquezas, para traçar o perfil de um criminoso uma das tarefas é encontrar o que há nele de humano. “Não se trata, é claro, de fazê-lo bonzinho, inocente ou minimizar seus horrores, mas de buscar as motivações e sentimentos que o levam, inclusive, a cometer as atrocidades que comete”, explica Maria.
“Caso contrário, ele se torna um vilão de cartum, que me interessa menos”, diz a autora. “Afinal, estou falando da natureza humana, que contém em si o melhor e o pior. Antes de falar sobre qualquer personagem, seja ele bom ou mau, preciso falar por ele, que acredita, obviamente, em si mesmo. Todo personagem tem que ter a sua verdade em cena. Ainda assim há, é claro, a responsabilidade do autor permeando tudo isso.”
As referências da escrita de Maria Camargo são muitas: vão da fotografia à filosofia, dos grandes romances russos às narrativas de aventuras. Entre seus mestres, ela cita pelo menos uma dezena de cineastas e roteiristas, “autores estupendos como Charlie Kaufman, Jean-Claude Carrière, Lucrecia Martel, Melissa Mathison, David Mamet, Michael Haneke”, mas um sobressai na sua lista. “Queria ter escrito cada uma das linhas que Billy Wilder escreveu”, confessa.
Em um momento no qual denúncias de assédio e de tratamento desigual de gênero na indústria do audiovisual ganham projeção no Brasil e no exterior, Maria Camargo acredita que o desafio ainda é longo para a equidade. “Essa é uma luta urgente, necessária e que exige empenho e fôlego”, diz a autora.
“Podemos falar de falta de oportunidades, menor visibilidade, falta de escuta, de desrespeito, de remuneração desigual. Mas devemos falar também de assédio, que nasce dessa relação de poder distorcida e adquire contornos tão graves e, infelizmente, muito comuns. Assédio é crime, e é muito bom que se fale exaustivamente disso”, afirma. “Quebrar o silêncio é o único caminho.”
O CARADOS DISCOS Um dos mais importantes produtores do país, Alexandre Kassin lança segundo álbum solo e fala da relação intensa com a música
Alexandre Kassin era um menino de 8 anos, no começo dos anos 1980, quando via na sala de um apartamento em Copacabana, no Rio, João Donato, Edu Lobo e Wanda Sá ensaiarem clássicos da bossa nova. Vizinho do casal de músicos Edson e Tita Lobo, o garoto cresceu ouvindo música como quem respira.
Aos 44 anos, Kassin – que se tornaria um dos produtores mais requisitados do país, responsável por discos de Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto e Erasmo Carlos – acaba de lançar no Brasil o segundo álbum solo da carreira, Relax. Cantor, compositor e instrumentista, diz que procurou no novo disco uma personalidade musical diferente da que propôs no anterior, o experimental Sonhando Devagar (2011). “Desta vez eu tinha as ideias de arranjo claras na minha cabeça, o tipo de som de bateria que unificaria o trabalho todo. Nesse ponto, Relax é uma antítese do anterior.”
A ordem das 14 faixas foi definida pelo produtor Carlos Eduardo Miranda, morto, aos 56 anos, em março, depois de sofrer um mal súbito. Miranda foi uma espécie de tutor para Kassin, que assinou o primeiro trabalho como produtor, com menos de 20 anos, por indicação do músico gaúcho.
Durante a produção de Relax, a troca de ideias entre os amigos chegou a ser quase diária. “Gravava uma sessão de base e já mandava para ele”, conta Kassin. “[A morte dele] é uma perda até difícil de medir. Fiquei quebrado, quatro dias sem dormir.”
Toda essa bagagem sonora é resultado de quase quatro décadas de consumo visceral de música. Nos anos 1980, com um irmão discotecário em casa, Kassin começou a colecionar LPs. “Lembro de a gente passar tardes inteiras ouvindo música”, recorda. Sua discoteca hoje ocupa uma parede inteira de cerca de 5 por 7 metros e tem até test pressing (espécie de primeira prova de um disco) de álbuns raros. “Não é maior do que a do Ed Motta, mas ele mesmo não despreza minha coleção”, brinca Kassin, que ancora com João Duprat um programa mensal em uma web rádio internacional para colecionadores de discos.
“Não há um momento do dia em que não ouça música. Acordo, ponho um disco pra tocar, chego ao estúdio e trabalho com música, volto para casa e continuo ouvindo música”, diz Kassin, antes de afirmar não ter um filtro estético restrito. “Gosto de ouvir tudo. O que me anima são as diferenças.”
VOLTA AO CLÁSSICO
O Theatro Municipal de São Paulo monta, entre 12 e 23 de maio, La Traviata, de Verdi, com direção musical de Jorge Takla e regência de Roberto Minczuk. No palco, as sopranos Nadine Koutcher e Jaquelina Livieri se revezam no papel da “traviata”. Será também o debute do tenor russo Georgy Vasiliev em palcos brasileiros.
PALCO
O LIVRO NUNCA ESCRITO Páginas retiradas do diário do poeta Carlos Drummond de Andrade, recolhidas por sua filha Maria Julieta [que faleceu antes do pai], compõem Uma Forma de Saudade (Companhia das Letras). No livro, Drummond escreve sobre familiares e amigos, como o também poeta Manuel Bandeira. A edição ainda traz fotos do arquivo da família e reproduções de anotações do poeta.
ATRIZ ESSENCIAL Denise Stoklos sobe ao palco para demolir. Aos 50 anos de carreira, a premiada atriz paranaense dirige e atua no monólogo Extinção, adaptado de livro homônimo do austríaco Thomas Bernhard. O espetáculo, em cartaz até 20 de maio no Sesc Consolação, questiona valores da sociedade contemporânea. Desde 1968, Denise já escreveu, dirigiu e atuou em 27 espetáculos, em 33 países, que lhe valeram 22 prêmios. Nas peças ela explora o método do teatro essencial, pelo qual o ator usa o mínimo possível de recursos e o máximo da habilidade cênica.
EXPOSIÇÃO
MISTÉRIOS REVELADOS É a primeira exposição na América Latina do galês naturalizado americano Mac Adams, um dos fundadores da narrative art. Mens Rea: a Cartografia do Mistério está em cartaz no Centro Cultural Fiesp. Com trabalhos conceituais de fotografia, Adams já expôs em espaços como o MoMA, em Nova York, e o Centro Georges Pompidou, em Paris. Britânico radicado em Nova York, o artista explora, desde 1974, o potencial narrativo da fotografia e da instalação para encenar cenas misteriosas, por vezes recompondo cenários de crimes ficcionais. Sua obra mistura referências dos contos do País de Gales, dos romances de Arthur Conan Doyle, dos filmes de Alfred Hitchcock e do cinema noir.