5 minute read
O CRIADOR DE LUGARES
O CRIADOR DE LUGARES Fernando Tchalian deixou o varejo para lançar, com a Reud, um novo conceito no mercado imobiliário, no qual as construções levam em conta a escala humana, o convívio dos moradores do bairro e a memória da cidade
por dado abreu fotos bruna guerra
Advertisement
uais são as três coisas que você mais gosta de fazer nas horas de lazer? Fernando Tchalian era um garotinho de 6 anos, filho de empresários do ramo de calçados, quando revelou em letras cursivas suas preferências no diário escolar. “Gosto muito de hotéis, de ir a leilões de arte com a minha tia e andar pelas ruas da cidade.” A resposta revelaria mais do que as predileções da criança. Era o vaticínio de sua carreira profissional.
Fernando Tchalian é dono e CEO da Reud, que chama de desenvolvedora imobiliária – “não uma incorporadora”, como ele gosta de salientar – dedicada a aperfeiçoar a vida urbana sob a máxima “espaço com conteúdo”. “Criamos lugares, esse é o nosso objetivo. Mas lugares só existem quando você tem escala humana, quando as pessoas se apropriam dele”, conta o empresário, apontando para um dos pedestres sentados nos bancos de madeira na entrada de
Em fase de acabamento, o teatro do Santos Augusta terá configuração flexível e capacidade para 230 pessoas
mais novo empreendimento, o edifício Santos Augusta, localizado a uma quadra da avenida Paulista, na esquina das ruas que dão nome à construção, em São Paulo. “Cenas como essa que imaginamos quando pensamos no projeto, com o fluxo constante de gente. Porque é a ocupação que mantém o espaço vivo e dá significado ao local.” seu
Na calçada de seu edifício nos Jardins o empresário bate-papo com PODER. O projeto, de Isay Weinfeld, um dos arquitetos brasileiros mais renomados do mundo, combina áreas comerciais, com uma torre de lajes coorporativas de 450 a 582 metros quadrados, escritórios menores, espaço público arborizado, teatro, restaurante, bar e café. Conceito mixed use herdado do vizinho famoso, o Conjunto Nacional, marco da arquitetura paulistana projetado, na década de 1950, por David Libeskind e um dos primeiros edifícios modernos multifuncionais implantados na cidade. “[O Conjunto Nacional] É uma obra-prima, um complexo que ancora toda a região, muito bem resolvido. Estar de frente para ele foi um grande desafio para nós.”
Por esse motivo, o empresário cercou-se de renomadas referências do mercado antes de dar vida ao projeto Santos Augusta. Além da arquitetura premiada de Isay Weinfeld, foi atrás dos restaurateurs Fabrizio e Thiago Tatini, herdeiros do italiano Tatini, inaugurado em 1954, para cuidar da parte de alimentos e bebidas – Kennedy Nascimento, mixologista campeão mundial de coquetelaria em Londres, foi quem desenvolveu a carta de drinques. O mesmo cuidado e preocupação foi adotado no teatro. A casa de espetáculos com capacidade para 230 pessoas, palco de 450 metros quadrados e boca de cena de 11 metros, ficou sob a responsabilidade de Emilio Kalil, ex-diretor do Theatro Municipal de São Paulo e do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. No lobby de entrada, outro grupo de notáveis: Zanine Caldas, Rino Levi e Carlo Hauner, ícones do design brasileiro, assinam o mobiliário vintage original dos anos 1950 e 1960.
“As pessoas vão tomar uma taça de vinho sentadas em obras de arte, em
peças únicas. Acho isso sensacional. Teremos também um carrinho de chá dos anos 1950 que vamos usar para servir doces na hora do cafezinho”, alegra-se Tchalian. “Eu amo o que faço e acabei me apaixonando pela arquitetura. Acho, inclusive, que sou um arquiteto frustrado. Estou tão encantado com o resultado final que eu brinco dizendo que vou montar um loft na casa das máquinas para não sair nunca mais daqui.”
Enquanto passeia com a reportagem de PODER pelos 19 andares do
Santos Augusta, Tchalian explica que o varejo foi sua principal escola na empreitada arquitetônica. Antes de entrar no ramo de imóveis, ele era dono da marca de sapatos Capodarte, criada em 1991 e vendida para o grupo Paquetá em 2007. Nela era também encarregado de desenhar alguns dos calçados, sem jamais ter estudado moda, design ou desenho industrial. Hoje segue no mercado de sapatos como dono da Prego, com 24 lojas espalhadas pelo Brasil.
“Além da questão do belo, que permeia tanto a moda quanto a arquitetura, no varejo é preciso prever o que as pessoas vão querer com seis meses de antecedência e entender muito bem quem é o seu público. Então, antes de decidirmos o que faríamos nessa esquina, realizamos uma pesquisa com mais de 200 pessoas para conhecer quem vive e trabalha na região.”
Após quatro anos de obras e alguns meses da abertura, as primeiras reações da vizinhança têm sido positivas, segundo ele. “Outro dia um senhor veio conversar comigo, perguntou se eu era o dono e agradeceu pelo que fizemos. ‘Moro aqui há 40 anos e fiquei preocupado quando vi a obra, mas olha só que prédio lindo que vocês construíram, foi um presente para o bairro’, ele disse”, lembra Tchalian. “Acho muito legal ter esse retorno, normalmente as incorporadoras imobiliárias são tidas como gângsteres.”
A aprovação da Reud origina-se em uma prática incomum somada à compreensão bairrista de seus proprietários – Tchalian e seus irmãos. Diferentemente do que ocorre em outras empresas do setor, mais de 80% dos negócios criados pela desenvolvedora imobiliária, entre eles o Santos Augusta, permanece em posse da Reud, que aposta quase sempre em investimentos de longo prazo e tem a política de não se preocupar com lucro imediato. Prova disso foi o Mirador Oscar Freire, inaugurado em 2012. O prédio envidraçado de quatro andares, projetado em parceria com o escritório Triptyque, permaneceu por mais de um ano com espaços vazios. “Recusei uma rede de fast-food na operação porque achei que não tinha nada a ver com o espaço.” Foi o Grupo Chez, dono de restaurantes e baladas, que tempos depois Tchalian escolheu para tocar o estabelecimento do local.
“Hoje a rua Oscar Freire vive um movimento de restaurantes menores, com cafés, sorveterias,
livrarias, padarias, estabelecimentos com mesas nas calçadas, como acontece em Buenos Aires e Nova York, onde as pessoas gostam de andar nas ruas.” Fernando Tchalian fala sobre a rua mais chic da cidade com o conhecimento de quem tem novos planos para a praça. Dono de mais de 50 imóveis na região, revela um projeto ainda maior do que o Santos Augusta. “Estamos bem encaminhados. Ainda não tenho muito o que dizer, mas garanto que o empreendimento vai perpetuar a região e respeitar quem está em volta.” n