Revista Poder | Edição 143

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ISSN 1982-9469

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M A RÇO 2 02 1 N.14 3

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PROPÓSITO, INCLUSÃO E ESPERANÇA

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R$ 19,50

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TRAÇO DE UNIÃO

RODRIGO PACHECO, o novo

Co ncei

presidente do Senado, é apoiado da direita à esquerda

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Patri cia Ell en D ul ce Pu gl ie

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PASSADO PRESENTE A economista ZEINA LATIF só consegue enxergar 2020 em 2021

PELA CONTRAMÃO WHITNEY HERD, a jovem

ex-executiva do Tinder que criou o Bumble, o app que dá a elas a primeira palavra

Ester Sabino

TROPA DE ELITE

As mulheres que estão fazendo toda a diferença no Brasil de agora

Te reza Cr ist in a

MONTANHA-RUSSA

Um guia para investir nestes novos tempos desafiadores

E MAIS

A cartilha da diversidade corporativa, a modernidade de LYGIA PAPE e o amor de NÉLIDA PIÑON pela vida e pelos livros



Política, economia e negócios. A principal fonte de informação de grandes líderes e formadores de opinião em um novo site

revistapoder.uol.com.br /revista-poder-joyce-pascowitch

@revistapoder

@revista_poder

/Poder.JoycePascowit


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SUMÁRIO 6 8 12

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IRÃ ALÉM DOS VÉUS

O país dos lindos jardins, dos povoados encantadores e da constante luta feminista 70 72

PODER VIAJA SOB MEDIDA

Os desejos de Beatriz Milhazes, uma das artistas mais bemsucedidas de sua geração

UNIÃO ESTÁVEL

74 76 79

HIGH TECH CULTURA INC. OPINIÃO

Renato Ochman relembra a história por trás do dia 8 de março

RENDA-SE

É hora de investir em ações – mas não só das companhias brasileiras

ARTISTA MUTANTE

Lygia Pape cravou seu nome na arte brasileira com obras singulares e em constante mutação

NO COMANDO DO MATCH

Aos 83 anos, Nélida Piñon mantém o entusiasmo pela vida

RESPIRO

Lélia Gonzalez fez do ativismo social sua principal bandeira

PEQUENO MANUAL DA LIDERANÇA INCLUSIVA

A SENHORA DO TEMPO

OPINIÃO

Carolina Dostal explica por que é importante se vender bem

O ANO QUE NÃO TERMINOU

Apoiado por petistas e Bolsonaro, Rodrigo Pacheco chega à presidência do Senado

REFUGIADOS DO CLIMA

Para Fabio Alperowitch a crise climática é um problema social 59

Conheça Whitney Herd, a mais jovem da história a abrir o capital de uma empresa 38

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As mulheres que estão mudando o Brasil ao liderar e abrir novos caminhos

Um guia para uma gestão mais diversa e sustentável nas empresas

OPINIÃO

Lisiane Lemos discorre sobre o que muda quando uma mulher negra se torna membro de um conselho

EDITORIAL COLUNA DA JOYCE ELAS SÃO A DIFERENÇA

Na visão Zeina Latif, 2021 deverá ser um ano sepultado economicamente 32

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ÚLTIMA PÁGINA

NA REDE: /revista-poder-joyce-pascowitch @revistapoder @revista_poder /Poder.JoycePascowitch

FOTOS JORGE BISPO; REPRODUÇÃO; REPRODUÇÃO INSTAGRAM PESSOAL; BEATRIZ CHICCA; WALTER CRAVEIRO/ FLIP; JOÃO LEOCI; ILUSTRAÇÃO MARINA LEME; REPRODUÇÃO; LÉO RAMOS CHAVES/FAPESP

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INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA

G10 das Favelas anuncia criação de banco para fomentar a economia das comunidades

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Além de valores, nosso Norte.

Experiência. Foco. Transparência.

Há quatro décadas compramos e vendemos aeronaves executivas, usadas e novas. Nosso propósito é buscar a melhor solução aos nossos clientes através de um atendimento personalizado, informações objetivas e uso das melhores ferramentas e práticas. Nossa convicção vem da longevidade das relações comerciais que construímos. Entre em contato para entender como podemos dar asas ao seu projeto.

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JOYCE PASCOWITCH

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EDITORA-EXECUTIVA Carol Sganzerla carol@glamurama.com

EDITOR Dado Abreu

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PODER EDITORIAL

P

ode parecer excessivo, pode parecer mais do mesmo: uma seleção de mulheres-inspiração na edição de aniversário da PODER, no mês delas? Mas tente visualizar como era a presença feminina há dez, 20, 30 anos no mundo corporativo, na vida pública, na política. O espaço conquistado pelas mulheres no Brasil e no mundo, com todas as adversidades possíveis, tem de ser evidenciado, reafirmado, celebrado, reverenciado. E elas estão aqui, dezenas delas, em perfis que tentam dar conta da grandeza do que fazem essas empresárias, cientistas, beneméritas, professoras, parlamentares, escritoras, empreendedoras entre tantas outras funções. Mais mulheres aparecem nesta revista especialíssima, como Zeina Latif, uma rara economista que não se alinha com a alegria (ou o pânico) de manada da Faria Lima e que enxerga 2021 repetindo 2020. Ou Whitney Herd, ex-executiva do Tinder que agora tem o próprio aplicativo de encontros para chamar de seu, o Bumble, cujo diferencial é dar a preferência de escolha para as mulheres. E ainda Nélida Piñon, que nos enche de orgulho ao posar para o Ensaio deste mês e cujo entusiasmo pela vida aos 83 anos quase extravasa estas páginas. E mais: Lygia Pape, que desconcertou o neoconcretismo com sua permanente inquietude artística, revisitada por Ana Elisa Meyer, nossa editora de estilo. Mas repetindo o que diz Luiza Helena Trajano, desta parte não há nada contra os homens, e um dos novos expoentes da política nacional, Rodrigo Pacheco, que conseguiu unir do bolsonarismo ao PT em sua vitória à presidência do Senado, mostra aqui as razões dessa inusitada união. Nesta edição também há um pequeno guia para você criar diversidade na sua empresa – e não é para inglês ver, não – e as opções dos melhores investimentos segundo o analista Bernardo Pascowitch. E tem mais: a estreia entre nossos colunistas de Fabio Alperowitch, que já falava em ESG nos anos 1990, as preferências da artista plástica mais relevante do país, Beatriz Milhazes, e a beleza do Irã, país em que as mulheres hoje buscam um espaço de destaque sob o véu pesado do Islã. Partiu celebrar mais uma edição histórica?

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ARITMÉTICA...

...MODULAR

O procurador-geral da República AUGUSTO ARAS vai anunciar em breve que os seus acordos de delação premiada já superam, em valores de multas, os de toda a Operação Lava Jato somados. Contribuiu para isso preservar o acordo feito em 2017 com os irmãos Joesley e Wesley Batista, ainda na gestão do então procurador-geral Rodrigo Janot. Os controladores da holding J&F vão pagar R$ 1 bilhão.

Outro acordo fechado por Aras, com José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp, prevê uma multa de mais de R$ 200 milhões. E traz uma bomba: uma gravação, feita por Seripieri, de uma tentativa de achaque feita pela família Palocci. No áudio, Pedro Palocci, irmão de Antonio Palocci, teria pedido dinheiro em troca de não incluir o nome de Seripieri na delação do ex-ministro.

PLAYGROUND

O médico e escritor DRAUZIO VARELLA

tem causado inveja nos vizinhos em seu edifício no bairro de Higienópolis, em São Paulo. Morador do 16º andar, ao menos duas vezes por dia ele troca o elevador pelas escadas. E detalhe: em passo rápido. Os vizinhos que por ventura deparam com ele sentem-se até constrangidos por seus respectivos sedentarismos.

8 PODER JOYCE PASCOWITCH

Viva Voz

RODRIGO MAIA é o mais novo

participante do Clubhouse. O expresidente da Câmara tem usado a rede social do momento para dividir suas impressões acerca do cenário político. Em uma das salas, disse recentemente que em 2022 pode apoiar uma candidatura de Ciro Gomes (PDT) à Presidência “se for o mais viável para derrotar Bolsonaro”.

FOTOS MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL; ANTONIO AUGUSTO/SECOM/PGR; REINALDO MARQUES/TV GLOBO; PAULO FREITAS; JOÃO MIGUEL JR/TV GLOBO; MARCELO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL; DIVULGAÇÃO

NOVES FORA

Com fama de bom articulador político, GILBERTO KASSAB tem sido um dos principais conselheiros de Jair Bolsonaro. Desde que assumiu a negociação do seu partido com o governo federal, o “dono” do PSD não sai do Planalto e já conseguiu cargos no alto escalão, como o de Fábio Faria (PSD-RN), ministro das Comunicações. Em troca, Kassab divide os segredos do xadrez político que o aproximaram dos três últimos presidentes – da esquerda à direita, passando pelo centro – e faz vista grossa as farpas do passado: na campanha eleitoral em 2018, Bolsonaro chamou o então ministro da Ciência e Tecnologia de “porcaria” – “Não sabe a diferença de Lei da Gravidade para gravidez”. Nos bastidores, Gilberto Kassab é elogiado pelo bom trânsito entre as bancadas e por responder prontamente a todas as mensagens que recebe dos colegas – ele não larga o telefone.


NUVEM PASSAGEIRA

No Planalto um eventual processo de impeachment não é mais visto como ameaça. Longe disso: a avaliação é que a guinada política do presidente – um oferecimento do centrão – garantiu estabilidade no cargo e, mais importante, a possibilidade de aprovar sua agenda no Congresso. Além disso, no STF, onde a temperatura é amena, BOLSONARO indicará em julho o substituto para a vaga de Marco Aurélio Mello, que completará 75 anos e vai se aposentar. “Terrivelmente evangélico”, o ministro da Justiça, ANDRÉ MENDONÇA, é um dos cotados – Bolsonaro inclusive já consultou alguns dos ministros da corte sobre o seu nome e ouviu que ele é bem avaliado.

BOLETO PAGO

Sabe aquele golpe batido do WhatsApp clonado em que fraudadores mandam mensagens pedindo dinheiro aos seus contatos da agenda? Pois bem: alguns amigos de ROBERTO SETUBAL receberam o zap e acharam bem engraçado. Mesmo porque eles jamais acreditariam numa mensagem dessas vinda do copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco...

INTERVALO

Nos corredores mais fechados da TV Globo dá-se como quase certo o nome do apresentador LUCIANO HUCK para substituir Fausto Silva nas tardes de domingo. O único detalhe pendente seria o salário, que ainda está sendo discutido. Com isso é cada vez mais improvável que Huck entre na disputa presidencial – primeiro porque há em sua equipe a avaliação de que Bolsonaro saiu muito fortalecido após a aliança com o centrão, e segundo porque Huck é do tipo que só entra em briga para vencer. O que não parece ser o caso.

FLA-FLU

Após o Uber Eats, aplicativo de delivery da Uber, entrar com uma representação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para se colocar como terceiro interessado no processo contra o iFood aberto pelo Rappi, tem mais gente pronta para colocar o dedo no bolo. Em Brasília a disputa dos apps é celeuma animada nas rodas de conversa dos senadores. O Rappi entrou com uma denúncia contra os contratos de exclusividade criados pelo iFood com diversos restaurantes. PODER JOYCE PASCOWITCH 9


A imperfeição é bela, a loucura é genial e é melhor ser absolutamente ridículo que absolutamente chato MARILYN MONROE

SAS

3 PERGUNTAS PARA...

VIVIANE MOSÉ, MOSÉ, filósofa, poetisa e psicanalista, especialista na elaboração e implementação de políticas públicas. Tem vários livros publicados, entre eles A Espécie que Sabe: Do Homo Sapiens à Crise da Razão

A mudança nos modos de organização da sociedade acontece desde o nascimento da sociedade em rede. Ela nasce de um suporte objetivo que é a virtualidade, a internet e a possibilidade de reunião e encontro a partir de outro modo de ordenação horizontalizado. A pandemia nos obriga a encontros horizontalizados e nós já temos o suporte para isso – a virtualidade permite novos modos de participação política –, mas o maior desafio do mundo é saber usar as redes. Elas hoje são dominadas por fake news e gabinetes do ódio porque nós não entendemos e não estudamos, de fato, estratégias políticas de ação dentro delas. Quem sabe isso não sofistique a nossa relação com as redes e a gente tenha clareza de que é compreendendo o processo das redes que vamos sair do imbróglio que estamos vivendo.

SOBRE O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DO SER HUMANO. DE QUE FORMA A PANDEMIA ATRAVESSA O QUE VÍNHAMOS CONSTRUINDO?

O ser humano está em processo de transformação desde que ele existe. E já vinha passando por grandes choques, especialmente com a virtualidade. Vivíamos uma crise de exaustão humana. Antes da pandemia estávamos no auge da crise do modelo humano atual, o que é representado pelo fato de a depressão ser a doença mais incapacitante do século 21. A automutilação, o uso excessivo de medicações psiquiátricas, o exercício do ódio, a intolerância, era isso que caracterizava o humano antes da pandemia. Mas ela cortou tudo de forma brusca e, ao suspender esse processo, criou a possibilidade de que a gente possa olhar de fora, de rever tudo isso. Como vai acontecer? Teremos que ter consciência para que o processo caminhe positivamente e não de modo desintegrado. A primeira coisa é chamar atenção para o caráter drástico do que estamos vivendo e não fingir que não está acontecendo.

VOCÊ DIZ QUE A PANDEMIA FOI UM DIVISOR DE ÁGUAS, MAS QUE CAUSA MENOS DOR E ANSIEDADE DO QUE A SITUAÇÃO POLÍTICA DO BRASIL. COMO LIDAR COM ESSA DUPLA SITUAÇÃO?

Vivemos uma guerra de utilização política da forma mais mesquinha, cruel e desumana. Veja a classe social de quem está morrendo. É um extermínio de pobres, quase conscientemente articulado, e nós não teríamos essas mortes se tivéssemos um governo sério e minimamente preocupado com o ser humano. Portanto, a situação da pandemia no Brasil está diretamente relacionada à situação política e isso está diretamente relacionado ao uso de fake news e a manipulação da informação. A solução está vinculada ao amadurecimento da sociedade e dos indivíduos, que têm que se tornar capazes de ler o mundo a partir de seus próprios critérios.

SINAL VERDE

Nos Estados Unidos as ações de empresas relacionadas à maconha voltaram a viver dias de glória desde a posse de Joe Biden. A expectativa de que o democrata destrave regulações que asfixiam o setor, somada à descriminalização da planta no México, fizeram o Marijuana Index, índice criado para acompanhar o desempenho das 20 principais empresas que operam no setor, subir 15,9% em um mês e aponta para mais valorização nos próximos meses.

10 PODER JOYCE PASCOWITCH

FOTOS GETTY IMAGES; ALBERTO COCCHI/DIVULGAÇÃO; DIVULGAÇÃO

COMO A PANDEMIA DEVE MUDAR A FORMA COMO A SOCIEDADE SE ORGANIZA?


DIVISÃO DE BENS

Depois de aeronaves executivas e helicópteros, empresas de compartilhamento de bens de luxo estão expandindo a atuação para o setor de real state. Uma das principais companhias do mercado prepara o lançamento para o ano que vem de um produto que engloba uma mansão conjugada com embarcação de 62 pés em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro, entre o Hotel Fasano e o Condomínio do Frade. O imóvel possui sete suítes, heliponto privativo para aeronave de grande porte e píer exclusivo. Quatro pessoas podem adquirir uma fração da mansão e as regras de compartilhamento são simples: o cotista tem três feriados garantidos e recebe a casa com decoração personalizada, com porta-retratos, jogos de cama, mesa e banho além de outros mimos.

EM MARÇO A MULHER E O HOMEM DE PODER VÃO... CELEBRAR os 90

anos de Augusto de Campos com a inauguração do espaço virtual exclusivo do artistapoeta na Luciana Brito Galeria

DESVENDAR uma nova geração de

artistas como aposta para os próximos dez anos no livro 20 em 2020, Os Artistas da Próxima Década: América Latina. A seleção é de João Paulo Siqueira Lopes e Fernando Ticoulat

OUVIR o novo álbum

de Lô Borges, Muito Além do Fim, no qual ele retoma a parceria com o irmão Márcio Borges. São da dupla clássicos como “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo” e “Clube da Esquina”

PERCORRER a história do empresário

Rubens Ometto Silveira Mello, o homem que fez da Cosan um dos maiores sucessos corporativos do Brasil, na biografia O Inconformista (Portfolio Penguin)

ASSISTIR The Specials (Mais que

Especiais), novo filme de Éric Toledano e Olivier Nakache (os mesmos diretores de Intocáveis), que retrata a história real de dois amigos fundadores de uma ONG para crianças com autismo. Estrelado por Vincent Cassel e Reda Kateb

SEGUIR o Instagram de Jancis

SONHAR com o lançamento do estaleiro italiano Otam que apresentou seu iate mais rápido já fabricado, capaz de atingir uma velocidade de 60 nós. O Otam 65 HT tem 20 metros e é equipado com dois motores 2.000 hp EXPERIMENTAR o azeite de oliva

brasileiro. A safra nacional chega com um mês de antecedência e promete produtos de primeira qualidade de olivais premiados internacionalmente

GARANTIR ingresso para a abertura da temporada da Orquestra Sinfônica do Estado de SP com o novo regente titular, o maestro suíço Thierry Fischer

Robinson, a mulher mais importante no mundo do vinho e a primeira a obter o título de Master of Wine

FICAR de olho nos lançamentos

de Fargo, série que começou como adaptação do filme homônimo dos irmãos Joel e Ethan Coen e se transformou em referência de roteiro televisivo nas mãos do showrunner Noah Hawley. No FX, com Chris Rock

da rede Aman. Conhecida por seus resorts de luxo ultraexclusivos em locais exóticos, a empresa acaba de apresentar duas novidades: a primeira unidade residencial do grupo e uma nova marca irmã, mais acessível, chamada Janu. Ambas em Tóquio

CURTIR os clássicos de Chick Corea

CONFERIR a exposição Mario Cravo

MARATONAR a quarta temporada

em homenagem póstuma ao pianista que fez parte do nascimento do jazz fusion. Destaque para o álbum Three Quartets (1981), sua obra-prima

Neto: Espíritos sem Nome com 250 fotografias do acervo do artista baiano. No Instituto Moreira Salles

LER Uma Biografia da Depressão (ed.

Paidós), do psicanalista e professor da USP Christian Dunker

com reportagem de carol sganzerla, dado abreu, nina rahe e paulo vieira PODER JOYCE PASCOWITCH 11


12 PODER JOYCE PASCOWITCH


RAZÃO E SENSIBILIDADE

ELAS SÃO A DIFERENÇA

As mulheres que estão mudando o Brasil – e em alguns casos um pouco além – ao liderar, pensar, executar, mostrar, decidir e abrir novos caminhos POR PAULO VIEIRA , CAROL SGANZERL A

A

E DADO ABREU

presença da mulher em postos de liderança de empresas ainda está bastante aquém do ideal, assim como precisa avançar a equidade de gênero em diversos setores. Mesmo asssim, não é fácil fazer uma seleção como a que PODER preparou para esta reportagem, a principal da edição de aniversário. Não se tem a pretensão de encerrar o painel muito diverso da liderança feminina no Brasil, mas as mulheres que aqui estão formam um mosaico modelar. Há gente da vida pública, da iniciativa privada, das organizações sociais, das artes, do conhecimento científico – setor que a pandemia colocou em evidência e em que elas brilham intensamente – e na sociedade de modo geral. Da ministra da Agricultura, a deputada licenciada Tereza Cristina, às novas lideranças trans dos legislativos municipais; da pesquisadora da FMUSP Ester Sabino, que coordenou o sequênciamento do coronavírus assim que ele chegou ao Brasil, à empresária Alcione Albanesi, que vendeu sua empresa para se dedicar 100% à filantropia na Amigos do Bem; da escritora Conceição Evaristo à secretária de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, Patricia Ellen; da empreendedora Dulce Pugliese de Godoy Bueno, controladora da Dasa, à hoje “vice-presidenciável” Luiza Trajano, as mulheres das próximas páginas não apenas fazem a diferença em seus campos de atuação. Elas são a diferença. n


Um mal comum na Esplanada não costuma acometer a deputada federal licenciada e ministra da Agricultura, Tereza Cristina: a incontinência verbal. É difícil ouvir de sua boca bizarrices ideológicas e ataques à China – que é o principal mercado consumidor de sua pasta. De vez em quando, é verdade, ela precisa ajudar os colegas em apuros e endossa narrativas governamentais fabulosas, como a do boi bombeiro do Pantanal; no Twitter, a ministra também é contida, usando a ferramenta para dar conta de seus atos. E ela tem algo a mostrar. Num governo de parcas realizações e crises infindáveis, seu ministério é uma ilha. Mesmo em 2020, ano zero da crise do coronavírus, o Brasil celebrou um aumento de receita de 4,1% em relação a 2019 das exportações do agro, para US$ 100,8 bi. Agrônoma de formação, a sul-mato-grossense está em seu segundo mandato consecutivo na Câmara. Chegou lá pelo PSB, partido de que foi líder e que rompeu por divergências na votação da reforma trabalhista e no processo contra o então presidente Michel Temer, trocando a sigla pelo DEM, no fim de 2017. A política vem de berço: avô e bisavô foram governadores do Mato Grosso (que ainda não havia sido dividido). Tereza dirigiu por três anos a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) e entre 2007 e 2014, ocupou a Secretarias de Desenvolvimento Agrário, Produção, Indústria, Comércio e Turismo do Mato Grosso do Sul sob o governo de André Puccinelli (PMDB). Em janeiro, a ministra participou virtualmente do último Fórum Econômico de Davos e destacou o investimento crescente de tecnologia no campo, que no Brasil cresceu 50 vezes em seis anos. Ela também lembrou a presença feminina no campo, dizendo que as mulheres dirigem 20% dos estabelecimentos rurais do país. Mulher, popular entre o estrato mais conservador e praticamente unanimidade no agronegócio, Tereza é um nome óbvio para compor a chapa com Bolsonaro em 2022. Mas ela perde força no Parlamento, tendo os balões de ensaio para sua candidatura à presidência da Câmara rapidamente esvaziados. Com o centrão dando as cartas no governo, não vai ser fácil. (PV)

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ALCIONE ALBANESI, fundadora da ONG

Amigos do Bem

Pode-se dar mais ou menos carga dramática à história, mas em qualquer versão a trajetória de Alcione Albanesi impressiona. Das rifas que fazia com os presentes que ganhava no Natal ainda criança à empresa que montou aos 16 anos; da loja na rua Santa Ifigênia que a lançou no comércio e depois na produção de lâmpadas LED à dedicação à ONG Amigos do Bem, sua jornada serve para lembrar que há gente que merece ser celebrada no Brasil. Alcione é uma maverick, uma mulher que se fez sozinha a cada passo que deu, como em suas investidas à China, país que visitou mais de 70 vezes. Em sua primeira viagem a Xangai, sem conhecer ninguém nem ter qualquer informação prévia sobre métodos de negociação chineses, voltou ao Brasil com dois contêineres cheios de lâmpadas. Deu ruim, por incompatibilidade de sistemas, e ela acabou morrendo com um prejuízo de US$ 100 mil. Mas foi o início torto de uma história de gigantesco sucesso, em que foi líder de seu segmento. Alcione hoje se dedica 100% a Amigos do Bem, instituição premiada como a melhor ONG de 2020 e que atende 75 mil pessoas no sertão brasileiro. “Deixei uma empresa líder de mercado, que faturava milhões, para me dedicar voluntariamente em tempo integral na transformação de vidas. Hoje não faço conta de quanto poderia ganhar, mas de quantas vidas posso transformar”, disse a PODER. Sua mãe, que a ensinou que “viver não é um simples espaço entre o nascer e o morrer”, foi uma inspiração óbvia dessa guinada, mas a filantropia talvez se impusesse em sua vida de qualquer forma, a julgar por essa convicção: “Não podemos aceitar a desigualdade gritante de nosso país”. A Amigos do Bem atua em vários flancos, provendo alimentação, saúde e educação para brasileiros que, para ela, “não tem nada, ninguém para entregar currículo, sinal para ficar pedindo esmola”. A liderança feminina que traz ganhos às empresas, porque “a sensibilidade e a intuição da mulher ajudam a encontrar soluções inovadoras” também foi colocada a serviço da ONG e ajuda a “romper um ciclo cultural de submissão no sertão”. (PV)

FOTOS REPRODUÇÃO INSTAGRAM PESSOAL; BEATRIZ CHICCA; WALTER CRAVEIRO/FLIP; JOÃO LEOCI

TEREZA CRISTINA, ministra da Agricultura


CONCEIÇÃO EVARISTO, escritora Como aconteceu com Cartola na música, a mineira de Belo Horizonte é uma escritora temporã. E assim como o sambista da Mangueira, que foi servente de pedreiro antes de se tornar compositor, para Conceição também havia primeiro a sobrevivência. Ela foi doméstica até parte da vida adulta, e então, nos anos 1970, foi estudar letras no Rio. As primeiras publicações e o reconhecimento tardariam. Foi preciso antes ser traduzida em outros idiomas para despertar atenção aqui. Em 2003, aos 57, publicou Ponciá Vicêncio, o romance que marcaria sua obra, com a narradora, uma menina negra e pobre numa busca identitária via reflexões memorialísticas. Depois, ganharia o Prêmio Jabuti por Olhos d’Água, quando então ingressa no estamento literário cheio de viagens, festivais e eventos acadêmicos. Tudo isso era cotidiano até março de 2020. Com a pandemia, a escritora se fechou em sua casa e nada produziu durante um semestre. “A pandemia me atravessou por dentro e por fora, fiquei infértil”, disse por telefone a PODER. Nesses dias, teve uma dolorosa reflexão. “Me descobri velha aos 73 anos”, disse. “Eu era muito dinâmica, viajava muito. Mas aí as viagens pararam, entrei no grupo de risco da Covid-19 e foi angustiante saber que, para a sociedade, a vida do velho não importa, que a medicina iria preferir cuidar do jovem. Nunca tinha me visto nessa situação, que é própria da sociedade capitalista: não é considerado quem não rende mais.” Superada a interdição “melancólica”, pretende, em 2021, publicar ensaio, terminar um romance e escrever poesia de inclinação erótica, na falta, segundo ela, de melhor definição. “O que é algo incomum para pessoas da minha geração.” Conceição apóia o protagonismo feminino e acha que cotas são necessárias para “colocar todo mundo no mesmo patamar”. E isso também em relação a negros, indígenas e pessoas de capacidades especiais. Ela crê que no mundo editorial os homens ainda dominam posições-chave e que para combater machismo e racismo há que se contar com o concurso de homens e brancos. A luta tem de ser compartilhada pelos donos dos privilégios. (PV)

PATRICIA ELLEN, secretária de Desenvolvimento Econômico de SP A secretária do Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, Patricia Ellen, costuma usar uma imagem poderosa para dizer de onde veio e aonde chegou. Nascida no Campo Limpo, na capital paulista, e hoje morando no Alto de Pinheiros, a menos de 20 quilômetros de distância, ela chama atenção para outros 20, os 20 anos a menos de expectativa de vida dos moradores do bairro periférico. Patricia teve, portanto, de se virar nos 30, ou nos 20, para sobreviver do lado agreste da meritocracia selvagem, tendo de começar sua corrida bem longe da linha de largada. Mas isso é passado. Egressa da consultoria McKinsey, ela entrou na vida pública stricto sensu pelas mãos de João Doria e logo teve de se entender com uma mudança de paradigma. A Covid-19 há exato um ano está a exigir medidas complexas, algumas jamais vistas, e aqui a pandemia foi agravada por um administração federal que diverge do receituário de distanciamento social e interrupção de circulação adotados por quase todo o mundo. Para ela, São Paulo consegue se manter como uma “ilha de excelência” na atração de investimentos, e a reforma administrativa feita em 2019 blindou o estado para que houvesse recursos nos próximos anos. Sem filiação partidária, Patricia disse a PODER que “não sabe” se um conhecimento prévio mais apurado da vida política poderia capacitá-la melhor para este momento, em que tantas decisões técnicas se subordinam à lógica dos dividendos políticos. “Esse é um momento de inflexão da política, temos uma chance de reinventá-la, torná-la mais diversa, humana e inclusiva, mas também podemos dar passos para trás.” Se tomado como exemplo o que acontece na sua pasta, a secretária vem contribuindo para tornar a administração pública mais diversa. Patricia diz que incrementou um processo seletivo feito dentro do governo que acabava por desclassificar mais as mulheres, que tendem a ser mais sucintas e tímidas na hora de sumarizar suas realizações. A organização social responsável pelo processo agora leva a metodologia, devidamente melhorada, para outros estados. (PV) PODER JOYCE PASCOWITCH 15


ESTER SABINO, médica e pesquisadora

Ser chamada de mulher mais rica do Brasil diz pouco sobre Dulce Pugliese. Esse tipo de comenda serve apenas para informar sobre a titularidade de um patrimônio bilionário, não como ele foi conquistado. No caso dela, exigiu engenho, suor e uma parceria produtiva com o ex-marido Edson de Godoy Bueno, mantida mesmo após a dissolução do casamento. Pediatra com mestrado em administração pela Universidade do Texas, ela foi professora na UFRJ antes de fundar com Edson a Amil, empresa que ao vender, em 2012, seria responsável pelo arranque de sua fortuna. Após a Amil veio a Dasa, líder do setor de medicina diagnóstica no Brasil com marcas de complexidades distintas como Delboni, Lavoisier, Alta e Salomão Zoppi. E também a Ímpar, rede de hospitais que controla o 9 de Julho e o Santa Paula, em São Paulo, e o São Lucas, no Rio, entre outros. Em 2019, uma holding uniu as empresas que faturam juntas cerca de R$ 7 bi. A verticalização desses negócios é uma tendência no setor de saúde, não apenas para usufruir de potenciais sinergias, mas pela possibilidade de atuar numa fase preventiva, ou mais precoce, do tratamento de doenças. Na pandemia, a Dasa vem participando de estudos de relevância mundial, como o do sequenciamento genético do vírus da Covid-19 dos primeiros contaminados do Brasil (trabalho capitaneado por Ester Sabino, pesquisadora homenageada ao lado). O estudo seguiu com a identificação, mais recentemente, do código genético da variante inglesa do vírus. Em janeiro, a Dasa valorizou na bolsa com os papéis subindo quase 270% em uma quinzena. Junto à empresa americana Covaxx, a Dasa participa do desenvolvimento de um novo imunizante contra a Covid-19, na qual investiu R$ 15 bi. Quando Edson de Godoy Bueno morreu, em 2017, o jovem Pedro de Godoy Bueno, enteado de Dulce, já era presidente havia dois anos – ele assumiu o comando com 24 anos, em um bem estruturado processo sucessório. (PV)

Não é casual que tantas cientistas e infectologistas mulheres tenham se tornado companheiras assíduas dos brasileiros que assistem aos noticiários. Elas, na opinião da pediatra Ester Sabino, são maioria nos cursos de graduação de medicina – e da área científica de modo geral. Ester convive com elas há muito tempo. A curiosidade guiou seus caminhos acadêmicos, seja no doutorado em imunologia pela USP ou no pós-doc na área de hematologia no Irwin Memorial, nos EUA. Ela chegou ao sangue pelos bancos – de sangue, bem entendido –, e à necessidade de blindá-lo contra o vírus do HIV. Nessa hora, aprendeu a refinar os testes para admissão do sangue que seria usado nas transfusões e, desde então, desenvolveu uma qualidade que dez entre dez CEOs dizem ser a mais imprescindível do líder: saber coordenar equipes. Foi juntando programadores, laboratoristas, médicos e cientistas de áreas distintas que se tornou a primeira brasileira a sequenciar o código genético do SARS-CoV-2, ainda em fevereiro de 2020, em tempo recorde: 48 horas. Dezenas de milhares de outras sequências ainda seriam feitas, mas, como se viria, isso estava longe de ser suficiente para deter o fluxo de mortes. O trabalho da pesquisadora, contudo, indicou quais cepas das muitas variantes que chegavam ao país tornavam-se predominantes, facilitando as práticas de quem teria de lidar com o dia a dia da infecção. No caminho, teve de enfrentar outro adversário, o gestor dos recursos públicos, que, fechando a torneira de verbas, foi interrompendo bolsas de estudo e causando baixas na formação de novos cientistas. Ester se alegrou ao se ver representada com os traços da Magali, maneira com que o desenhista Mauricio de Sousa homenageou a cientistas nos primeiros dias. Quando a pandemia passar, ficará, em ao menos um aspecto positivo. “A proporção de pessoas interessadas em ciência deve aumentar”, disse. Nestes dias, ela tenta desvendar as razões da onda de Covid-19 que voltou a assolar Manaus. “Ainda é difícil entender, estão aparecendo variantes que dão um salto, que de uma hora para outra apresentam dez, 15 mutações. Precisamos entender o que está acontecendo em Manaus.” (PV)

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FOTOS REPRODUÇÃO; LÉO RAMOS CHAVES/FAPESP; REPRODUÇÃO CURRÍCULO LATTES; PAULO BELOTE/TV GLOBO; DIVULGAÇÃO

DULCE PUGLIESE DE GODOY BUENO,

empresária


CÁRMEN LÚCIA, ministra do STF

Ex-procuradora-geral de Minas Gerais, chegou ao Supremo Tribunal Federal em 2006 e foi a segunda mulher a ocupar uma vaga da mais alta corte de Justiça do país – e a primeira a trajar calças numa sessão do plenário, onde a tradição exigia uso de saia ou vestido. Presidiu o Supremo de 2016 e 2018, gestão que foi marcada por sua recusa em colocar na pauta a análise sobre prisão após segunda instância.

JAQUELINE GOES DE JESUS, biomédica

Juntamente com Ester Sabino, a biomédica baiana coordenou a equipe que fez o sequenciamento do genoma do coronavírus da Covid-19 logo que ele chegou ao Brasil. Doutora formada pela Ufba, em Salvador, e pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP, ela ganhou expertise em sequenciamento ao lidar com o HTLV-1, vírus aparentado do HIV que surgiu junto com os casos de zika e chikungunya. Recentemente, disse a uma publicação da Ufba que enfrentou “muita coisa para chegar onde está”, mas não “situações explícitas de racismo ou misoginia na academia”. Ela prefere falar em “tons de preconceito” manifestação do racismo estrutural presente na sociedade.

MARIÂNGELA SIMÃO, diretora da Organização Mundial da Saúde

Durante 30 anos trabalhou no SUS, coordenando a estratégia de combate ao HIV no Brasil. Chegou à OMS, onde é diretora-geral-assistente para medicamentos, vacinas e produtos farmacêuticos, após passar pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre Aids, em Genebra. Segundo ela, o acesso universal à saúde criado no Brasil serve como inspiração para outras nações.

FERNANDA MONTENEGRO, atriz

Nascida Arlette Pinheiro em 1929, a carioca é o rosto do teatro e da TV que o Brasil talvez ainda não esteja preparado para perder. Única brasileira a concorrer ao Oscar de melhor atriz, por Central do Brasil, de Walter Salles, teve seu primeiro grande papel no teatro, do qual é a “grande dama”, em A Moratória, nos anos 1950. Com novelas e seriados para a TV Globo, disse ao projeto Memória, da emissora, que sua “principal preocupação é trabalhar em estado de aleluia”. “Não é rir à toa. É ter entusiasmo, estar disposta a ser feliz.”

Daniela Cachich, VP de marketing da PepsiCo Katia Vaskys, CEO da IBM Brasil Tania Cosentino, presidente da Microsoft Brasil Paula Paschoal, diretora-geral da PayPal Maitê Lourenço, CEO do BlackRocks Startups Michele Robert, CEO da Gerdau Andreia Dutra, presidente da Sodexo Gisselle Ruiz Lanza, CEO da Intel Brasil Vivien Rosso, CEO do A.C. Camargo Cancer Center Soraya Corona, diretora-geral do Grupo Bio Ritmo e Smart Fit Anne Willians, presidente do Instituto Nelson Willians Claudia Woods, diretora-geral da Uber Karla Felmanas, vice-presidente da Cimed Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz Mafoane Odara, consultora e ativista em Direitos Humanos e Diversidade Nathalia Arcuri, fundadora da plataforma de educação financeira Me Poupe! SUELI CARNEIRO, filósofa e ativista

Fundadora do Geledés, primeira organização negra e feminista de São Paulo, Sueli tem livros publicados sobre a condição da mulher negra na sociedade brasileira. Ela se define simplesmente por “ativista”, o que faz jus a seu modus operandi que está bem longe de caber na academia. Em 1989, por exemplo, ela fez uma pesquisa em cartórios e fóruns paulistas para identificar condenações por discriminação racial. Este ano foi merecedora do prêmio anual da Associação dos Estudos Latino-Americanos, da Pensilvânia, por sua obra.

ANNA SARA LEVIN, médica infectologista do Hospital das Clínicas de SP

Professora do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias e coordenadora do Grupo de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a médica esteve desde o princípio no comitê de frente criado pelo HC para enfrentar a pandemia. A especialista é integrante do grupo de consultores para a Covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS) e apareceu, em estudo divulgado pela revista PLOS Biology em outubro de 2020, no ranking dos cientistas mais influentes do mundo. PODER JOYCE PASCOWITCH 17


Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração da Magalu

ANDREA MARQUES DE ALMEIDA, CFO da Petrobras

Atuar por 25 anos em áreas de gerenciamento de risco e tesouraria global da empresa responsável pelas tragédias de Mariana e Brumadinho talvez seja a exigência máxima a que um executivo desse setor deveria ser submetido. Mas ao chegar à Petrobras e se tornar a primeira CFO mulher da petroleira, a engenheira de produção com MBA em finanças pela Ibmec-RJ e cursos de gestão em Wharton e no MIT, Andrea Marques de Almeida encontrou um novo mundo. Ela, inclusive, pode se orgulhar dos bons resultados da Petrobras apresentados no fim de fevereiro. O último trimestre de 2020 teve lucro líquido sete vezes maior em relação ao mesmo período de 2019.

ELIANA SOUSA SILVA, educadora e ativista social

Fundadora e diretora da Redes da Maré, que atua há décadas no complexo de favelas que abriga 140 mil pessoas no Rio de Janeiro, é uma das ativistas mais engajadas em proteger os mais vulneráveis e consciente da educação como poder transformador – o cursinho pré-vestibular gratuito criado pela ONG em 1998 permitiu que cerca de 2 mil jovens fossem aprovados em universidades.

LUIZA HELENA TRAJANO, empresária

Presidente do conselho de administração da Magalu, a rede de varejo que essa paulista de Franca fez crescer e multiplicar, a empresária é talvez a principal ativista por equidade de gênero do mundo corporativo, especialmente em postos de liderança. Cofundadora e presidente do grupo Mulheres do Brasil, ela considera a mulher um grande ativo no trabalho por ser alguém acostumado a “implodir fronteiras e fazer muita coisa ao mesmo tempo”. Luiza, que teve uma aproximação com Dilma Rousseff durante seu primeiro mandato e chegou a ser cotada para ministra, voltou em 2021 a ter seu nome ventilado para a vida política, como uma possível vice-presidente em 2022.

CLAUDIA ANDUJAR, fotógrafa

A artista dedicou vida à defesa dos direitos indígenas. Em meados de 1970, com a descoberta de minérios nobres nas terras indígenas e o início da construção da Rodovia Perimetral Norte, sua fotografia se tornou instrumento de denúncia. Seu primeiro contato com os ianomâmi aconteceu em decorrência de uma reportagem para a revista Realidade, onde trabalhou de 1966 a 1971. Grande parte do seu trabalho, inclusive, foi realizado para publicações, como The New York Times Magazine e Life. Na Bienal de São Paulo, em 2006, Claudia expôs a série Marcados, composta por retratos de identificação que tinham como objetivo mapear o povo ianomâmi. Em um depoimento para o filme A Estrangeira, de Rodrigo Moura, curador do pavilhão dedicado à artista no Inhotim, a fotógrafa conta que já foi chamada entre este povo de “a mulher estrangeira”, mas também de “mamãe”.

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LEDA BRAGA, CEO da Systematica Investments

No comando da gestora especializada em fundos quantitativos, aqueles nos quais as decisões são tomadas por meio de algoritmos e modelos estatísticos, Leda administra mais de US$ 50 bilhões em ativos e por isso vem sendo chamada no mercado de “rainha dos fundos quantitativos”.

TERESA VENDRAMINI, presidente da Sociedade Rural Brasileira

Pecuarista e socióloga paulista, dirigiu o Núcleo Feminino do Agronegócio antes de se tornar a primeira mulher a presidir a centenária Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais tradicionais entidades de defesa do produtor agrícola, fundada em 1919 pela aristocracia cafeeira. Sobre o fenômeno da liderança feminina no campo, Teka diz: “As mulheres têm um olhar mais amplo nas fazendas. A gente parece polvo, vê tudo, da cerca ao funcionário que não parece muito bem”.

FOTOS REPRODUÇÃO FACEBOOK PESSOAL; AGÊNCIA PETROBRÁS; ROBERTO SETTON; MÁRIO BOCK/DIVULGAÇÃO; ANDRÉ SCHILIRÓ/DIVULGAÇÃO; TST.JUS.BR; GETTY IMAGES

“Não sou contra os homens, eu sou apenas a favor das mulheres. É a união das forças masculinas e femininas que faz a diferença”


JOANITA MAESTRI KAROLESKI, diretora do programa de doações da JBS no Brasil

Joanita teve a missão de investir R$ 400 milhões em esforços sanitários e sociais em decorrência da Covid-19. A equipe liderada por ela construiu dois hospitais, comprou 2 mil leitos e doou mais de 300 respiradores para hospitais públicos. À frente da presidência do Fundo Amazônia, está encarregada de investir R$ 1 bilhão na conservação da região e desenvolvimento de comunidades locais.

MARIA CRISTINA PEDUZZI, presidente do TST

Primeira mulher a presidir o Tribunal Superior do Trabalho (TST), a brasileira nascida no Uruguai entrou no tribunal em 2001 nomeada por FHC na vaga destinada à advocacia. Eleita presidente em 2020, ela está preocupada em estabelecer segurança jurídica nas relações conflituosas entre empregador e empregado. Em sua posse, citou o pensador israelense Yuval Harari, mostrando-se preocupada com o impacto tecnológico nas novas relações de trabalho.

ANDREA PINHEIRO, managing director do BR Partners LILIANE ROCHA, fundadora e CEO da Gestão Kairós

Consultora de diversidade e sustentabilidade em empresas, Liliane é formada em relações públicas e vem atuando para fazer da diversidade uma palavra que efetivamente tenha algum significado no mundo corporativo. Tendo passado pelo Votorantim Metais e Walmart, ela escreveu Como Ser um Líder Inclusivo (Scortecci Editora) e nele alerta para algo que deveria ser bastante óbvio. Com mais da metade da sociedade brasileira formada por mulheres e negros, se essa parcela acha que tem poucas chances de entrar no mercado como ainda acontece, trata-se de uma sociedade que “não é saudável”.

NECA SETUBAL, socióloga, presidente do conselho da Fundação Tide Setubal

Filha de Olavo Setubal, herdeira e acionista do Itaú Unibanco, dedica a vida em projetos para melhoria da educação e desenvolvimento social. É mestre em ciência política e doutora em psicologia e autora de vários livros, entre eles Cortes e Recortes da Terra Paulista, vencedor do Prêmio Jabuti em 2006.

CRISTIANA ARCANGELI, CEO da Beauty’in

Uma das mais bem-sucedidas empreendedoras do país. Além da Beauty’in, Cristiana já esteve à frente de outras quatro empresas: Phytoervas, Phyta, PH – Arcangeli e Eh. Apresentadora por quatro temporadas do Programa Shark Tank Brasil e palestrante nos temas de empreendedorismo, inovação, beleza e empoderamento feminino, é sócia do Fundo de Investimento Phenix e lançou, ano passado, o programa Empreender Liberta.

Referência em um meio predominantemente masculino, é sócia fundadora do banco de investimentos BR Partners, um dos principais do país. Iniciou a carreira no banco da família, o BMC, e, em 2009, aceitou o convite de um amigo para começar uma butique de fusões e aquisições. E voilà. Em 2020, mesmo com a pandemia, o BR Partners teve receita total de R$ 222,3 milhões, com crescimento de 35,6%.

TABATA AMARAL, deputada federal

Sexta deputada federal mais votada do Estado de São Paulo nas eleições de 2018, com 264.450 votos, Tabata Amaral foi criada na periferia de São Paulo e possui formação em ciências políticas e astrofísica na Universidade de Harvard. É autora do Projeto de Lei 506/21, em análise na Câmara dos Deputados, que torna crime fazer apologia ao retorno da ditadura militar no país. Sua principal pauta é a melhoria da educação no Brasil.

MARTA, jogadora de futebol

Seis vezes melhor jogadora do mundo segundo a Fifa, um recorde não superado nem mesmo por Messi ou Cristiano Ronaldo, a alagoana é ainda a maior artilheira da seleção brasileira. Tendo seu enorme talento reconhecido inicialmente na Suécia, para onde foi com 18 anos, Marta jamais conseguiu ganhar uma Copa do Mundo com o Brasil, embora tenha se esforçado tremendamente para isso – participou de cinco. Antes discreta em sua vida pessoal, ela anunciou recentemente, pelo Instagram, seu romance com a também jogadora Toni Pressley, zagueira e colega do Orlando Pride, da Flórida. PODER JOYCE PASCOWITCH 19


Lídia Abdalla, CEO do Grupo Sabin Medicina Diagnóstica Maria Lucia Cucci, diretora de mídia na TracyLocke Brasil Claudia Cohn, CEO do Alta Excelência Diagnóstica Juliana Azevedo, presidente da P&G no Brasil Cristina Junqueira, fundadora do Nubank Clara Sverner, pianista Dora Cavalcanti Cordani, advogada criminalista, diretora fundadora do Innocence Project Brasil Marly Parra, membro da Comissão de Ética em Governança do IBGC e conselheira no iHub Investimentos XP Maristela Mafei, fundadora do Grupo Máquina PR e empreendedora Endeavor Bia Aydar, publicitária e presidente da Semparar Comunicações Camila Junqueira, Managing Director da Endeavor Brazil Patrícia Villela Marino, presidente no Instituto Humanitas360 Renata Campos, presidente da Takeda Brasil

ILONA SZABÓ, cientista política

Num recém-iniciado governo Bolsonaro, Ilona foi a pivô involuntária da primeira crise entre o ex-ministro Sergio Moro e a realpolitik bolsonarista. Nomeada por Moro como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão de consulta sobre o sistema penitenciário, a socióloga teve seu nome contestado, o que obrigou o então ministro a desconvidá-la. Fazia sentido para a cognição bolsonarista: Ilona teve participação ativa na grande campanha desarmamentista de 2003. Ilona é cofundadora do Instituto Igarapé, think tank que estuda a segurança pública no Brasil e do movimento de renovação política Agora (junto com a secretária paulista Patricia Ellen), foi indicada como Jovem Líder Global pelo Fórum Econômico Mundial e é a única brasileira citada entre os 50 pensadores de ciência política do mundo em 2020 segundo a revista britânica Prospect.

MARY DEL PRIORE, historiadora

Formada pela PUC-SP, com doutorado em história social pela USP e pós-doutorado na francesa École des Hautes Études, tem dezenas de livros publicados, entre eles A História das Mulheres do Brasil, com o qual ganhou o Prêmio Jabuti. Especialista em história colonial e história de gênero, lançou recentemente Sobreviventes e Guerreiras, uma espécie de antologia de sagas de mulheres que “romperam com o pacto de submissão”, como definiu. Entre elas, quatro que perderam a vida: Daniella Perez, Marielle Franco, Cláudia Lessin Rodrigues e Aída Curi. Em recente live com Joyce Pascowitch, ela ainda mencionou a importância de Jacqueline Pitanguy, feminista pioneira, que se mantém atuante e que teve papel preponderante de mobilização durante a Constituinte de 1988.

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ERIKA HILTON, vereadora

O début político de Erika Hilton, mulher trans que chegou ao Palácio Anchieta, sede da Câmara Municipal paulistana, com o peso de 50.508 votos – a maior votação do Brasil de uma mulher para vereador em 2020 –, não podia se dar em época mais beligerante. Eleita numa onda que também fez mulheres trans vereadoras em Belo Horizonte e Aracaju, ela considerou sua vitória um “tapa na cara do sistema transfóbico”, mas o sistema, que dúvida, nem sempre quer dar a outra face. Logo no primeiro mês de atuação na Câmara, a parlamentar do Psol recebeu duas tentativas de intimidação.


“A sensibilidade e a intuição da mulher ajudam a encontrar soluções inovadoras” Alcione Albanesi, da ONG Amigos do Bem

SCARLETT ZERBETTO MARTON, filósofa

Quando o departamento de filosofia da FFLCH, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, era mais amiúde chamado de Olimpo, Scarlett se movimentava com a leveza de quem nasceu para viver entre os deuses. Ou entre os professores do departamento. Maior exegeta do filósofo Friedrich Nietzsche no Brasil (o que vai muito além dos aforismos de Humano, Demasiado Humano), ela tem cerca de 20 livros publicados, quase todos sobre a obra do alemão. Ela também criou o GEN (Grupo de Estudos Nietzsche) e os Cadernos Nietzsche.

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ANDREA ALVARES, VP de marketing, inovação, internacionalização e sustentabilidade da Natura

A executiva fez carreira em transacionais como P&G e PepsiCo até chegar à Natura há cinco anos. Na empresa, atua para levar o propósito cada vez mais ao dia a dia dos stakeholders – funcionários, consultoras independentes, clientes. A Natura já é o estado da arte dessa nova maneira de fazer negócios no Brasil, mas o trabalho jamais cessa. Quanto à inovação, ela é chave na companhia, que investe cerca de 2,4% de sua receita líquida anual no setor. Em 2020, inaugurou o parque tecnológico na Grande São Paulo, que cresceu quatro vezes em relação ao que já existia. A ideia é desenvolver protótipos em até 40% do tempo antes necessário

ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA, escritora

O encontro com o educador Paulo Freire no exílio, em Genebra, deixou marcas na trajetória da jornalista, feminista e professora. Junto a ele, fundou o Instituto de Ação Cultural, voltado para os países lusófonos de África. Com a anistia, retornou ao Brasil, trabalhou com o antropólogo Darcy Ribeiro quando ele foi vice-governador de Leonel Brizola, no Rio, e representou o país em comissões da OEA. Autora de dez livros, acaba de lançar Liberdade (Ed. Rocco). Imortal pela Academia Brasileira de Letras, ela vê coragem no feminismo brasileiro de hoje. “Um terreno que já foi desbravado por nós”, como disse em entrevista ao O Estado de S. Paulo.

MAYA GABEIRA, surfista

Surfista de ondas gigantes, ela é a recordista da modalidade entre as mulheres, tendo surfado uma onda de 22,4 metros em Nazaré, em Portugal, em 2020. O feito adquire ainda mais grandeza e dramaticidade pelo fato de Maya ter se acidentado e quase morrido no mesmo local em 2013.MA

ADRIANA VAREJÃO, artista plástica

As flores coloridas estão para a obra de Beatriz Milhazes assim como os azulejos que parecem verter sangue dos trabalhos da carioca Adriana Varejão. O barroco mineiro que a impressionou e marcou sua produção (“Tive uma epifania”, disse à Folha de S.Paulo) aparece nas pinceladas fortes, nas linhas que lembram ao mesmo tempo os capitéis das colunas gregas e os cabelos dos anjos de pedra-sabão. Com um dos pavilhões mais emblemáticos do Instituto Inhotim, de Brumadinho (MG), ela afirmou com sua obra uma arte personalíssima, dir-se-ia mesmo viril, numa trajetória incomum para a sua geração, que parece até hoje, 40 anos depois, um tanto estupefata e perplexa com a redescoberta da pintura e das possibilidades de combinação de tintas coloridas.

MARIA BETHÂNIA, cantora Talvez alguns ainda se lembrem que no a.c. (antes do coronavírus) as pessoas se aglomeravam em casas de espetáculo para ver shows. Quem teve oportunidade de assistir a qualquer um da baiana de Santo Amaro certamente viveu uma experiência próxima do místico. O magnetismo hipnotizante da intérprete explica as filas de homens e mulheres à porta do camarim dispostos a prestar qualquer tarefa para a qual tenham a felicidade de ser convocados pela entourage de artista. Seu irmão Caetano concede mais uma live, e Bethânia segue sendo a dominatrix.

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“É preciso ser protagonista. Não dá para ficar só ouvindo a banda passar, temos de ser parte da banda” SONIA HESS, empresária e vice-presidente do Grupo Mulheres do Brasil

CAROL SANDLER, fundadora da plataforma Finanças Femininas

Jornalista formada pela PUC-SP e com especialização em economia e relações internacionais no Institut d’Études Politiques de la France, em Paris, Carol fundou a plataforma de educação finaceira Finanças Femininas há nove anos, quando precisou abrir picadas metafóricas para incutir o tema em seu leitorado – não parece, mas 2012 era uma época em que, segundo ela, mulheres não se interessavam por investimentos. A empreendedora gosta de mencionar pesquisa que atrela abusos domésticos a abusos financeiros e por isso vê seu trabalho como uma maneira de fomentar o empoderamento feminino.

LYGIA FAGUNDES TELLES, escritora

Feminista convicta, foi a terceira mulher a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL). As Meninas, de 1973, tornou-se um clássico – e recebeu o Prêmio Jabuti – ao expor a ótica de três garotas em um país sufocado pela repressão política sobre temas como sexo, assédio, casamento, trabalho. “Antes, a mulher era explicada pelo homem, disse a jovem personagem do meu romance. Agora é a própria mulher que se desembrulha, se explica”.

22 PODER JOYCE PASCOWITCH

A confecção do casal Duda e Adelina nasceu por acaso, de uma compra excessiva de tecidos, e coube à filha Sonia tempos depois fazer da Dudalina uma das marcas mais bem-sucedidas do Brasil. Não fosse isso, dificilmente teria convencido seus 15 irmãos a vender mais de dois terços da empresa para fundos estrangeiros. Hoje muito ativa no Mulheres do Brasil, ela absorve a inteligência emocional de Luiza Trajano, que Sonia destaca como um dos grandes atributos da parceira.

CAROLA MATARAZZO, diretora-executiva do movimento Bem Maior

Iniciativa de pesos-pesados como Elie Horn, Rubens Menin e Luciano Huck, o Movimento Bem Maior tem o objetivo de dobrar o montante hoje destinado à filantropia no Brasil em dez anos. Administradora formada pela Faap, Carola trabalhou a vida inteira no terceiro setor, sempre na tradicional Liga Solidária, de que foi presidente de 2012 a 2018, quando então mudou-se lock, stock and barrels para o MBM.

CARMEN SILVA, líder do MSTC

“Quem não luta tá morto” é uma das frases que a líder do Movimento Sem-Teto do Centro gosta de dizer, e certamente não será por falta de lutas que a ativista irá partir desta para melhor. Aos 60 anos, há 30 em São Paulo, ela se tornou uma das lideranças mais carismáticas (e efetivas) dos vários grupos de moradia que buscam uma condição digna de vida na capital paulista. Figura importante da famosa Ocupação 9 de Julho, ela se candidatou a vereadora do PT em 2020, mas os quase 13 mil votos não foram suficientes para elegê-la.

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Sonia Hess, empresária e ex-CEO da Dudalina


ROSA WEBER, ministra do STF

Uma das duas ministras mulheres do STF, a porto-alegrense Rosa Weber chegou ao Supremo em 2011, indicada por Dilma Rousseff, substituindo outra mulher, Ellen Gracie. Tendo sido aprovada em primeiro lugar no vestibular da faculdade de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ela faria sua carreira na magistratura na área do trabalho, no TRT da 4ª região e depois no TST. Em 2019, seu voto no STF sobre a possibilidade de prisão em segunda instância, antes do trânsito em julgado, tema que ganhou relevância por conta da detenção de Lula, foi particularmente aguardado. Ela foi contra esse entendimento, ajudando a formar a maioria apertada de 6x5 que daria o novo respaldo jurídico para a liberdade do ex-presidente.

NÉLIDA PIÑON, escritora

Umas das mais célebres autoras brasileiras, Nélida coleciona prêmios, homenagens e títulos Doutores Honoris Causas no Brasil e no mundo pela sua vasta produção em 60 anos de carreira literária. Aos 83, lançou no fim do ano passado um romance épico, Um Dia Chegarei a Sagres (Ed. Record) e recebeu o Jabuti por Uma Furtiva Lágrima (Ed. Record), seu livro de crônicas.

BIA LESSA, diretora de teatro e cenógrafa

A Enciclopédia Itaú Cultural a define como uma “artista múltipla”. De fato, seja no teatro, seja nos ambientes expositivos, o impacto visual da obra dessa paulistana é tremendo. Como na exposição que celebrou os 500 anos do descobrimento do Brasil – quando o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira era o mecenas número 1 da arte do país – em que Bia ofereceu ao espectador do módulo Arte Barroca centenas, milhares de flores de papel crepom feitas por presidiários. Bia mais tarde ainda dirigiria filme, ópera e por pouco o Carnaval da São Clemente, mas o “santo” não bateu com o povo da escola de Botafogo.

CARLA LYRIO, médica e primeira oficial-general da FAB

Desde 1990 na Força Aérea Brasileira, a belorizontina já havia sido a primeira mulher a comandar uma organização militar da esquadra, em 2015, mas no fim do ano passado, ao receber o posto de brigadeiro, tornou-se a primeira oficial-general da história da corporação. Cerca de apenas 9% do efetivo das Forças Armadas é composto por mulheres. No Exército, nenhuma mulher alcançou a patente máxima, de general.

MULHERES DO BRASIL

Criado em 2013 como um movimento suprapartidário pela empresária Luiza Helena Trajano a partir da união de 40 mulheres, o grupo tem como principal objetivo estimular a participação feminina na construção de um país menos desigual. Entre as ações já feitas pela iniciativa, que hoje reúne mais de 70 mil participantes, está a realização de programas de capacitação e sensibilização de empresas para a inserção de refugiados no mercado de trabalho, palestras sobre violência doméstica em canteiros de obras e o Fundo Dona de Mim, com o propósito de oferecer microcrédito produtivo voltado a mulheres microempreendedoras individuais (MEI).

MAUREEN BISILLIAT, fotógrafa

Filha de uma pintora inglesa com um diplomata argentino, tendo vivido em seis países diferentes na infância e na adolescência, Maureen poderia ter escolhido o lugar que quisesse para viver, mas foi parar na São Paulo dos anos 1950. Mais tarde, na década de 1970, após cursos em Nova York e Paris, ela passou a integrar o elenco estrelar do semanário Realidade. O jornalismo Brasil Grande, um tanto ainda tributário dos tempos dourados de David Nasser/Jean Manzon em O Cruzeiro, permitiu que ela viajasse pelo gigante adormecido (e desconhecido), e se deixasse enamorar pelos índios do Xingu, tema relevante de sua obra. Ano passado, ela foi o centro de uma cinebiografia e de uma exposição no Instituto Moreira Salles. Aos 90 anos, não dá a menor pista de que pretende sossegar.

INGRID SILVA, bailarina

A carioca tem uma daquelas histórias de vida de enredo de novela pré-adolescente. Filha de mãe doméstica e pai funcionário da Aeronáutica, ela ingressou no balé por conta de um projeto social da Mangueira. Aos 12 anos, chegou a um dos corpos estáveis do Municipal carioca – era a única menina negra – e se encontrou definitivamente na dança clássica. Depois de passagens pelo Corpo e pela companhia de Deborah Colker, ingressou, em 2008, no Dance Theatre of Harlem, em que hoje é a primeira bailarina. Nos Estados Unidos, Ingrid também criou projetos de impacto para jogar luz na questão da desigualdade racial. Sua plataforma EmpowHer NY compartilha histórias de negras e latinas que, apenas em razão de seus nomes característicos, são discriminadas por atendentes do serviço de saúde. PODER JOYCE PASCOWITCH 23


JACQUELINE PITANGUY, ativista

Socióloga e cientista política, se notabilizou pelo modo como conseguiu avançar com as pautas da mulher na Constituição de 1988, uma época em que a liderança feminina era diminuta no mundo corporativo e mesmo na vida pública. Foi ela a responsável pelo que ficou conhecido como “lobby do batom”, que conseguiu unificar uma estratégia de atuação entre as 26 parlamentares mulheres do Congresso Constituinte e os homens sensíveis àquelas causas. Hoje é coordenadora da Cepia, ONG sem fins lucrativos que luta pelos direitos humanos.

ELZA SOARES, cantora

A palavra resiliência demoraria ainda muito para deixar o léxico físico-químico, mas Elza Soares já havia nascido dotada dessa qualidade. Aos 12 anos, casou forçada; aos 13, teve seu primeiro filho; aos 15, perdeu o segundo; aos 21, ficou viúva. Quando as coisas pareciam que ficariam melhores, como quando viveu com Garrincha, foi alvo das pedras nada metafóricas da tradicional família brasileira, inconformada com o início clandestino daquele romance. Mas como Elza veio do “planeta fome”, como disse aos 13 anos a Ary Barroso, apresentador do programa de calouros mais famoso do rádio brasileiro dos anos 1940, seria preciso muito mais do que pedras para derrubá-la. Não se sabe, na verdade, o que é capaz de derrubá-la. Na última década lançou um disco por ano, em média. Com tudo isso, a carne negra segue sendo a mais barata do mercado.

A socióloga entrou involuntariamente no meio da “guerra das vacinas” entre o governo federal e o governador paulista, João Doria, que largou na frente ao vacinar em São Paulo a primeira brasileira com o imunizante “do Butantan”. À Fiocruz, que ela dirige, cabe fabricar e fazer o envase das vacinas da Oxford-AstraZeneca. Nísia esteve no aeroporto durante a chegada das doses e fez um rápido e bonito discurso centrado no valor da ciência. Sua tese de doutorado Um Sertão Chamado Brasil foi considerada a melhor de doutorado em sociologia no Iuperj, instituição em que cursou mestrado e doutorado.

ELLEN GRACIE, ex-ministra do STF

Causa perplexidade saber que a primeira ministra do STF só tomou posse em dezembro de 2000. Indicada por Fernando Henrique, a carioca Ellen Gracie, que vinha de carreira nos TRFs, acabaria ainda por presidir o Supremo em 2006. Aposentada em 2011, ela curiosamente volta agora, dez anos depois, para trabalhar num núcleo de conciliação criado ano passado por Luiz Fux. A peleja que se avizinha não é simples – a ação em que a Gradiente processa a Apple pelo uso do nome iPhone, registrada pela brasileira sete anos antes do lançamento do aparelho pela empresa californiana.

ROSA GRENA KLIASS, paisagista pioneira

PAULA PASCHOAL, general manager do PayPal Brasil

Num setor que ainda que é proverbialmente dominado pelos homens, o de tecnologia, Paula é uma das vozes mais ouvidas. Não apenas para falar sobre os rumos da nova economia, mas também sobre a nova organização empresarial. A diversidade é preocupação central na PayPal, empresa a que ela chegou por meio de um headhunter depois de ralar em posições pouco glamourosas, como o de recepcionista de hotel. Curiosamente, ela imaginava que o PayPal não iria responder bem ao anúncio de sua gravidez, mas aconteceu o contrário, e ela credita à maternidade o aprimoramento de sua carreira executiva.

24 PODER JOYCE PASCOWITCH

O paisagismo mal figurava no cardápio de disciplinas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, a FAU-USP, mas a chegada de um professor de Berkeley de origem portuguesa acabou por selar o destino da aluna e futura arquiteta Rosa Kliass. Ela deixou marcas na paisagem de São Paulo, como numa reforma da avenida Paulista e, recentemente, na cara do Parque da Juventude, que emergiu após a demolição do complexo do Carandiru. A escala dos trabalhos de Rosa ao longo das décadas foi crescendo exponencialmente, como o que fez para o Mangal das Garças, de Belém (PA). O nome da paisagista voltou a circular nas recentes obras na icônica Praça do Pôr do Sol, em São Paulo. Com tapumes impedindo o acesso da praça desde o início da pandemia, poucos perceberam que a prefeitura maculava com cercas e grades o lindo projeto concebido por Rosa e Miranda Magnoli, nos anos 1970. Cercar a enorme praça com todos aqueles aclives e declives, eis algo que não fazia qualquer sentido naquela época.

FOTOS PEDRO DIMITROW; DIVULGAÇÃO FIOCRUZ; REPRODUÇÃO FACEBOOK PESSOAL; ERIC TERENA/MÍDIA INDIA; FERNANDO TORRES; DIVULGAÇÃO

NÍSIA TRINDADE LIMA, presidente da Fiocruz


LAURITA VAZ, ministra do STJ

Coube a esta goiana ser, em 2016, a primeira mulher a presidir o Superior Tribunal de Justiça, corte criada pela Constituição de 1988. Promotora do Ministério Público de Goiás e depois do MPF, chegou a ser subprocuradora-geral da República. No STF participou de julgamentos notáveis, como o que concedeu prisão domiciliar ao médico Roger Abdelmassih e outro que negou HC (habeas corpus) ao ex-presidente Lula.

ALBERTINA DUARTE TAKIUTI, ginecologista e obstetra ADÉLIA PRADO, escritora e poetisa

A poesia está nas coisas simples, tenta com paciência ensinar homens e mulheres que não tem medo de enxergar o óbvio – e dele tirar seu fazer artístico. A mineira Adélia Prado, que tematizou como poucas a condição feminina e as relações familiares, se inscreve nesse panteão de heróis que se mantêm à margem do noticiário. Filha de ferroviário e dona de casa, Adélia, hoje aos 85 anos, escreveu os primeiros versos aos 15, e não se deixou levar pelas armadilhas do tempo. Temporã, foi ingressando em “suportes” distintos, poesia, romance, conto, à medida que as décadas passavam. Aos 70, debutou na literatura infantojuvenil.

BEATRIZ MILHAZES, artista plástica

A carioca segue sendo uma das artistas valorizadas fora do Brasil, ou a mais: depois de bater o recorde de um brasileiro com a milionária tela O Moderno, vendeu uma obra na SP-Arte por US$ 4 milhões em 2016. A cor e os motivos ornamentais dão marca autoral ao trabalho de Beatriz. Com peças no acervo do MoMA, de NY, está em cartaz com sua maior individual em São Paulo, até maio, no Masp e no Itaú Cultural. Um lenitivo coloridíssimo para a simbólica avenida Paulista nestes tristes tempos.

SÔNIA GUAJAJARA, líder indígena

Se mulheres e negros são sub-representados na política, que dizer dos chamados povos originários? Na Câmara, há apenas uma deputada, Joenia Wapichana (Rede-RR). Mas o partido também colocou na linha de frente Sônia Guajajara, que foi candidata a vice-presidente na chapa encabeçada por Guilherme Boulos em 2018. Formada em letras e enfermagem, e tendo sido coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, ela vem atuando na pandemia. Para ela, trata-se de um “ato de violência” a priorização apenas dos “aldeados”, os indígenas que vivem em aldeias demarcadas, no plano nacional de imunização contra a Covid-19. A liderança diz que isso deixa de fora pelo menos metade dos indígenas.

Referência no cuidado da saúde feminina, há 40 anos acolhe principalmente jovens mulheres em situação de vulnerabiliade no HC. Chefe do Ambulatório de Ginecologia da adolescência da USP, chegou a ser cotada para o prêmio Nobel da Paz. Em entrevista recente a J.P., disse que, por conta de seu trabalho nem sempre consegue dormir. “Já fiz parto de uma menina de 10 anos. Fiquei horas com ela. Já tinha acolhido menina de 2 anos vítima de abuso, voltei para casa muito mal após operá-la.”

NINA SILVA, fundadora do movimento Black Money

A lógica é simples. Se uma empresa não tem mulheres nem negros em cargos de liderança, não deve servir para receber o dinheiro de mulheres nem de negros. Assim, dessa maneira, Nina Silva, administradora que passou duas décadas entre equipes de TI construindo indicadores de desempenho (os famigerados KPIs), matou dois coelhos com uma caixa d‘água só: fomentou a diversidade nas empresas e fez o dinheiro circular entre os negros. Nina foi considerada uma das 100 personalidades afrodescendentes jovens mais influentes por uma organização parceira da ONU.

PATRÍCIA IGLESIAS, CEO da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de SP)

Com atuação destacada na temática de meio ambiente há 30 anos, é a primeira mulher a presidir a mais antiga agência ambiental brasileira. Foi secretária do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e é professora associada na Faculdade de Direito da USP, onde desenvolve linha de pesquisa em direito privado ambiental. Recebeu a premiação Destaque Sustentabilidade – WOCA – em reconhecimento pela sua atuação no programa Cidades do Pacto Global da ONU. PODER JOYCE PASCOWITCH 25


HIBERNAÇÃO

O ANO QUE NÃO

TERMINOU

Em termos econômicos, 2021 deverá ser um ano sepultado. A avaliação é da economista Zeina Latif, para quem o Brasil deverá patinar no crescimento até encontrar uma liderança capaz de tomar as difíceis decisões que tem pela frente

N

POR SERGIO LEO

FOTOS ROBERTO SETTON

a visão da economista Zeina Latif, uma das vozes mais respeitadas do país no debate econômico, temos uma janela estreita para adotar medidas de ajuste na economia e a falta de diagnóstico e estratégia do governo federal deve fazer com que este ano seja desperdiçado. “Não vai ter 2021 no país, vamos direto de 2020 para 2022: estamos respirando os mesmos problemas do ano passado e, daqui a pouco, estaremos respirando 2022”, lamenta. Zeina esteve entre os raros analistas que, desde 2019, na contramão do otimismo mostrado pelos colegas de mercado, vêm apontando com serenidade as falhas e lacunas da política econômica. A economista incomodou muita gente ao insistir em mostrar que os reiterados anúncios do ministro da Economia, Paulo Guedes, careciam de base real. Sem abrir mão de sua independência, deixou no começo do ano passado o posto de economista-chefe da XP Investimentos e hoje atua na Gibraltar Consultoria, de onde vê sua antiga corretora e outros analistas situados na avenida Faria Lima, em São Paulo, unindo-se ao coro de críticas contra a errática e improvisada estratégia econômica do governo de Jair Bolsonaro. Defensora de primeira hora do teto de gastos, Zeina defende que, mesmo com as evidentes ineficiências do instrumento, o governo conseguiu segurar a taxa básica de juros; e insiste na necessidade de uma estratégia mais consistente para evitar que o Brasil continue perdendo espaço no cenário internacional de investimentos. Ela

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não prevê rupturas nem guinadas bruscas até o período de eleições, em 2022. Mas seu diagnóstico é pessimista. O Brasil deve patinar no crescimento enquanto não encontrar uma legítima liderança para tomar as difíceis decisões que tem pela frente, acredita ela. A seguir, os principais trechos da entrevista: PODER: NEM COM TODO O DINHEIRO SOBRANDO NO MERCADO NÓS TEMOS AUMENTO DE INVESTIMENTO NO PAÍS? ZEINA LATIFF: Liquidez é só uma parte da história: decisão

de investimento não é para qualquer ramo de negócio, não é em qualquer setor, nem qualquer país. Ouvi muito e vamos continuar ouvindo raciocínios do tipo: “Os juros lá fora estão negativos, por que o dinheiro não vai vir para cá?”. Ora, é o contrário. O juro fica negativo lá fora exatamente porque as pessoas não querem se arriscar, preferem papéis de países desenvolvidos. Essa é a questão. O Brasil vai ficando para trás e com isso aumenta o custo de se corrigir depois. PODER: E O BRASIL ESTÁ FICANDO PARA TRÁS? ZL: Neste ano vai ficar bem claro novamente que

perdemos market share (fatia de mercado) no investimento direto mundial. A Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) ainda não abriu detalhes, mas um resultado preliminar mostra algo como uma queda de 42% no FDI mundial (Investimento Estrangeiro Direto). Para emergentes a queda é de 12%; no Brasil caiu 51%.


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{ { “Estamos respirando os mesmos problemas do ano passado, ainda não vimos 2021 e daqui a pouco estaremos em 2022”

PODER: HOUVE CONTAMINAÇÃO POLÍTICA NESSA HISTÓRIA? ZL: Total. No fundo, tem uma geração, muita gente

PODER: QUE OPORTUNIDADES CONCRETAS ESTAMOS PERDENDO HOJE POR ERROS NA POLÍTICA ECONÔMICA? ZL: É um país de tremenda insegurança jurídica,

uma demanda enorme por infraestrutura e não tem oferta, por ser difícil e caro. Na verdade, o investidor estrangeiro vem como complemento, na esteira; o ciclo de investimento é liderado pelos locais, e eles também não estão investindo. Algum dinamismo, nos IPOs (lançamento de empresas na bolsa de valores) por exemplo, não se reflete na taxa de investimento no nível macro; é gente querendo fazer caixa, trocando dívida. PODER: A TAXA DE CÂMBIO REFLETE O FIM DO OTIMISMO DO ANO PASSADO ENTRE INVESTIDORES, UM DESAPONTAMENTO DO PESSOAL DA FARIA LIMA? ZL: Vale uma observação: nunca vi o mercado tão

emotivo. Às vezes, as reações aos alertas (no ano passado) eram tão sentidas que, para mim, foram uma surpresa. Eu dizia: “Olha, não estou xingando seu pai, é o modelo que é ruim” (risos).

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jovem, com a decepção de ver um país que prometia muito e não entregou. E tem uma coisa meio perigosa também que tem a ver com a questão da liquidez: o mercado quer ouvir a boa história, precisa disso. Com segmentos do mercado de capitais que estão surfando com IPOs, novos negócios, não existe pessimismo. Na bolsa, com esse movimento, a entrada de novos CPFs (novos investidores), tem setores que ficam, não digo blindados, mas insensíveis ao ambiente econômico mais geral.

PODER: MAS JÁ SE OUVEM INVESTIDORES BEM DESAPONTADOS COM A CONJUNTURA. ZL: Tem sim, uma correção de expectativas. A gente

vinha de anos com a bolsa tendo performance muito superior à média dos emergentes e agora estamos, em termos relativos, crescendo bem menos do que lá fora. O dólar, relativamente, já vinha apanhando há um tempo, mas, agora, descolou de um jeito que realmente mostra fatores de risco sendo mais bem mapeados. O risco aumentou. O Brasil vai sair pior dessa pandemia.

PODER: APENAS PELOS FUNDAMENTOS ECONÔMICOS, SEM ESSA PERCEPÇÃO DE RISCO, O DÓLAR ESTARIA HOJE MAIS PERTO DOS R$ 4,00 COMO VOCÊ CHEGOU A DIZER RECENTEMENTE? ZL: Os modelos econométricos são muito sensíveis aos

períodos usados para a projeção às variáveis. Temos de ter algum cuidado para não fazer afirmações muito


categóricas. Mas, no meu modelo, vejo que o dólar deveria estar a R$ 4,20, mais para R$ 4,00. Tenho colegas que acham que deveria estar nesse valor. Mas não vejo como, no atual contexto, termos grande alívio. A agenda econômica está muito mal definida, não se sabe o que é prioridade. Olha os temas em que o presidente gasta energia, isso machuca (o mercado).

para evitar maior contaminação na economia. A sinalização sobre Eletrobras ainda não é crível, parece mais uma tentativa de acalmar mercados do que algo mais concreto. Não parece ser um tema maduro no Congresso. Mandar por medida provisória gera muita insegurança, não é o instrumento adequado. E nós sabemos que vai precisar de muita negociação.

PODER: E, AGORA, HÁ A INTERVENÇÃO NA PETROBRAS... ZN: É uma atrás da outra. Governo sem foco,

PODER: O MINISTRO PAULO GUEDES, O POSTO IPIRANGA, PERDEU A CONFIANÇA DO MERCADO? ZL: A Faria Lima certamente não vê mais Paulo Guedes

sem agenda.

PODER: QUAL A CONSEQUÊNCIA DA DECISÃO DO PRESIDENTE JAIR BOLSONARO DE TROCAR O COMANDO DA EMPRESA? ZL: É um retrocesso institucional, interrompe o

trabalho de reconstrução iniciado por Pedro Parente (presidente da Petrobras no governo de Michel Temer). É custo-Brasil na veia, afasta investidores. Uma medida populista visando ganhos de curto prazo, evitar a perda de popularidade, mas com consequências sérias de longo prazo para o crescimento. Quem vai investir se acha que pode ter controle de preço? PODER: ISSO AFETA A AGENDA DE PRIVATIZAÇÕES DO GOVERNO FEDERAL? ZL: Vamos ter de olhar caso a caso. Pode haver

concessões, mas não privatizações. Não vejo o governo, na verdade, se movimentando nessa agenda. A impressão que dá é que não vai ter 2021 no país, vamos direto de 2020 para 2022. Estamos respirando os mesmos problemas do ano passado e, daqui a pouco, estaremos respirando 2022. A janela para avançar é muito limitada. Vejo pouca disposição do governo, e o investidor vai olhar com muita cautela. O exemplo do leilão do excedente do pré-sal em 2019 foi muito emblemático. O mesmo vale para a venda recente de refinarias da Petrobras, com poucos interessados. Tem muita opção de investimento lá fora, os asiáticos, por exemplo. Não somos a última bolacha do pacote. PODER: E A MEDIDA PROVISÓRIA SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRAS, NÃO MUDA ESSA PERSPECTIVA? ZL: Bolsonaro sentiu a reação nos preços de ativos

e todas as críticas à interferência na Petrobras. A gente já viu como ele é sensível. Noutras vezes ele se vangloriou quando o mercado estava muito bem ou, ao contrário, pediu patriotismo quando o mercado andou mal. Acho que ele procurou recuar um pouco

como via antes. Até com exagero, foi levada a achar que ele resolveria o problema. Essas agendas não são de ministro da Fazenda, são de governo. Não basta ter um ministro bem-intencionado se não tem um governo arrumado, a Casa Civil refletindo isso. PODER: QUAL FOI A MAIOR FALHA DO MINISTRO GUEDES? ZL: Eu já me incomodava na época da campanha. Na

fala dele havia inconsistências, imprecisões, problemas de diagnóstico sobre a dificuldade de fazer reformas. O exemplo clássico foi dizer: “A gente vai arrecadar 1 trilhão com privatizações e também 1 trilhão com venda de imóveis...”. Passar a imagem de que é muito fácil e não foi feito por incompetência de governos anteriores foi um veneno. Infantiliza a sociedade, não contribui para o amadurecimento do país. PODER: O TETO DE GASTOS NÃO CONTEVE O AUMENTO DE DESPESA E HOUVE FALTA DE TRANSPARÊNCIA. ELE NÃO SE MOSTROU INSUFICIENTE E INADEQUADO? ZL: Apesar dos problemas, o saldo líquido foi muito

positivo, a gente não teria a Selic nos atuais patamares sem esse teto. O teto de gastos não é o ajuste fiscal; é um constrangimento, não dá para ter a ingenuidade de achar que ele iria resolver. Quem o defendia, como eu, dizia que seria um passo para começar a disciplinar o orçamento no Brasil. Uma velha frase na discussão de política monetária vale para a fiscal: “Se o Banco Central não sabe fazer política monetária, ata a mão do Banco Central”. O mesmo raciocínio vale aqui: levamos cartão vermelho do ponto de vista de política fiscal, a gente faz muito mal. Agora, precisa reforçar os gatilhos, não tenho dúvida. PODER: O QUE VOCÊ CHAMA DE REFORÇAR OS GATILHOS? ZL: O governo ter instrumentos para reduzir gastos

antes de chegar ao teto. No primeiro sinal de que vai romper, poder anunciar corte de salário do

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{ { “O líder precisa ter conhecimento do que está em jogo, ter convicção, compromisso, senão o mercado financeiro vai protestar”

funcionalismo, desvincular a correção do salário mínimo. Pouco adianta proibir aumento do gasto obrigatório sem dar instrumentos ao governo para executar isso. Mas pode fazer a lei que for no país, porque a questão não é lei, é a prática. Tem aquela velha história da lei que não pega. Aqui entra a política. O líder precisa ter conhecimento do que está em jogo, ter convicção, compromisso, senão o mercado financeiro vai protestar. Como fez o Bolsonaro já é alguma coisa, mas insuficiente. Mostra que não entendeu a importância da disciplina fiscal. Isso significa que teremos sempre o presidente testando limites do mercado. PODER: QUE PERSPECTIVAS VOCÊ VÊ, COM A CHEGADA AO PODER DO CENTRÃO, GRUPO GERALMENTE ASSOCIADO A DEMANDAS POR GASTOS PÚBLICOS? ZL: Nada, não vai mudar muito. Esse centrão não

é um grupo com projeto de país. Trata, muito mais, de maximizar ganhos de curto prazo. A eles, é claro, não interessa o colapso porque seriam responsabilizados e haveria perdas. Vão ficar testando limites. Essas reformas que exigem enfrentamento de grupos organizados precisam de liderança do presidente.

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PODER: O PRESIDENTE NÃO TEM MOSTRADO MUITA CONVICÇÃO E HÁ UMA ALA DE GOVERNO DEFENDENDO POLÍTICAS EXPANSIONISTAS... ZL: Como se não bastasse não ter convicção, Bolsonaro

sabe que essas reformas têm alto custo político e o benefício não é para já. Claro que melhoram as expectativas no curto prazo, mas não é algo que dê voto. A depender dos grupos afetados, pode perder. Por isso também falo que estamos pulando de 2020 direto para 2022; o 2021 não estamos vendo ainda.

PODER: QUE BRASIL DEVE CHEGAR ÀS URNAS EM 2022? ZL: Mais do mesmo. É verdade que alguns setores terão

recuperação, teremos um setor de serviços melhor, mas, por outro lado, não vai ter aquela demanda na indústria. É melhor do que nada, mas destoa do Brasil de outras economias. A pesquisa Focus (do Banco Central) prevê crescimento em torno de 2,5%; acho otimista, nosso potencial não é mais do que 1%. O importante em 2022, que vai mexer nos mercados, é a expectativa de mudança, é justamente o debate político. Com o desempenho medíocre da economia teremos maior discussão de agenda econômica, e ela dá limites à polarização porque demanda um mínimo de racionalidade. As promessas dos candidatos na economia passarão por maior escrutínio. n


NOVA FRENTE

PODER INDICA

Pitter e Stefan: a segunda geração dos Schattan no comando da Ornare

FOTO DIVULGAÇÃO

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stabelecida nos Estados Unidos há 15 anos, a ORNARE, referência em móveis sob medida de alto padrão, segue firme em sua escalada como marca global. Depois de solidificar operações em Miami, Nova York, Dallas, Los Angeles e Houston, a marca, fundada em 1986 pelos empresários Esther e Murillo Schattan, acaba de desembarcar na

badalada Hamptons, em Long Island, no Estado de Nova York, e se prepara para a abertura, nas próximas semanas, de outras duas unidades: uma no Brooklyn e outra em Connecticut. Para consolidar os planos de expansão internacional, a Ornare conta com Pitter e Stefan Schattan, a segunda geração no comando da empresa.

Desde 2017, são os irmãos que cuidam in loco das aberturas de franquias fora do Brasil. “Nosso plano é ter de 20 a 30 lojas nos Estados Unidos”, revela Pitter, diretor comercial da empresa em São Paulo, que dirigiu por quatro anos o showroom de Manhattan. “Nos últimos anos nós vínhamos inaugurando entre uma e duas unidades fora do país por ano, mas agora são três de uma vez. Encontramos boas oportunidades, preços competitivos e, acima de tudo, pessoas certas, o que é tão importante quanto o mercado”, completa, sobre os sócios franqueados. Outro motivo para o crescimento internacional, segundo Stefan, diretor comercial da Ornare nos EUA, está no modo de vida transformado pela pandemia. Assim como ocorre no Brasil, lá o público de alto poder aquisitivo tem buscado refúgios longe da poluição, da violência, do trânsito e, agora, do maior risco de contágio das grandes cidades. Com isso, paraísos como Hamptons, um balneário habitado por ricaços de Wall Street e celebridades de Hollywood, e as cidades litorâneas de Connecticut, estado vizinho de Nova York, viram aumentar a busca por casas de luxo – e, consequentemente, pelos móveis da principal marca high end em mobiliário sob medida. Para os próximos meses o destino dos irmãos deverá ser a superluxuosa Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, onde a Ornare planeja mais uma parada do seu plano de expansão. “Vamos aonde as oportunidades aparecem”, diz Stefan. “Temos logística, sabedoria e experiência para entregar nossos produtos em qualquer lugar do mundo.” +ORNARE.COM


REFLEXÃO

PEQUENO MANUAL DA

LIDERANÇA

INCLUSIVA Um guia para ampliar conhecimentos, competências e consciência para uma gestão mais diversa, sustentável e inclusiva nas empresas POR NINA RAHE

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ILUSTRAÇÃO GETTY IMAGES;

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ãe de uma menina autista, Mari Gonzalez, gerente de Diversidade e Inclusão da Medral, empresa que presta serviços de engenharia elétrica e da qual também é proprietária, encontrou sua filha chorando após retornar da escola. Quando quis saber o motivo, ouviu que ela sentia como se fosse um fantasma e que as pessoas não a viam de fato. O episódio, que aconteceu há poucos anos, acabou servindo como ponto de partida para uma mudança na postura da própria empresária. “Sempre pedi que o mundo aceitasse minha filha, mas antes achava que o problema não era meu”, explica. “Ficava brava em reuniões da escola e achava que todos tinham que fazer alguma coisa, mas daí percebi que era eu quem tinha que começar a fazer.” Essa percepção fez com que Mari passasse a reestruturar sua própria empresa, que tem quase 2 mil funcionários, a partir de um programa voltado para a sensibilização de temas relativos à inclusão e à diversidade. O resultado, após dois anos, pode ser visto no quadro de colaboradores, que conta com 267 homens negros, 18 mulheres negras, 22 homens indígenas, além de 80 pessoas portadoras de deficiência, e na forma como a Medral segue trabalhando a diversidade, com a contratação da consultoria Gestão Kairós, empresa especializada em sustentabilidade e diversidade, para acompanhar suas ações de perto. Ainda que venha atrelado a uma motivação pessoal, o percurso trilhado por Mari tem sido cada vez mais o de muitos outros líderes de empresas que perceberam que, para se posicionar em relação às demandas de diversidade, é necessário capacitação e conhecimento. É o caso de Marcos Samaha, CEO do Tenda Atacado, que, no contato com o tema e com os palestrantes por trás de programas de inclusão, foi percebendo como as informações que possuía sobre o assunto eram limitadas. A vontade de saber mais o levou a cursar mestrado e doutorado na área de Gestão Humana e Social nas Organizações – sua tese, que será finalizada neste ano, versa sobre a baixa presença de negros nos quadros de lideranças. Nesse processo, ele conta, o principal aprendizado foi o de que a meritocracia não é um valor absoluto e que ela não pode ser utilizada como desculpa para não contratar negros na sua empresa, por exemplo. “Se os líderes não estiverem conscientemente engajados, as coisas não vão acontecer e a branquitude normalizada vai se perpetuar. Nós vivemos em um mundo hegemônico branco e masculino e o triste disso é que as pessoas frequentam esses ambientes, olham em volta, e acham que é normal”, diz Samaha, que é, segundo ele próprio, parte do mundo masculino, hegemônico, branco e heterossexual. “A gente deve construir um indivíduo engajado e que esteja usando seu poder para influenciar e fazer com que outros executivos sejam conscientes e ativos.” Essa mudança de mentalidade na alta liderança, de acordo com Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, é também decorrente dos acontecimentos sociais que impactaram as grandes empresas no ano passado, como as mortes de George Floyd, numa operação policial nos Estados Unidos, e de João Alberto, no Brasil, por seguranças da rede Carrefour. “De 2019 para 2020 a gente teve um boom de demanda da alta liderança, o que é justificado tanto pela movimentação social em virtude de tragédias que movimentaram o mundo e escalaram essa necessidade com mais força para o alto escalão, como pelo fato de a gente estar em uma sociedade na qual impera a quarta revolução industrial e as altas lideranças terem também acesso à informação, de forma natural e orgânica, se sensibilizando mais e mais com esse tema”, explica Liliane. “Mas para que a alta liderança esteja preparada para lidar com a diversidade e inclusão, não há outra maneira senão letramento, letramento, letramento”, conclui. n


CURSOS HUMANOS 10 DICAS PARA DESCONSTRUIR

ANTIGOS PARADIGMAS E CONSTRUIR NOVAS PRÁTICAS

BONS EXEMPLOS

Acompanhar as ações que estão sendo realizadas por outros líderes e empresas é sempre um bom passo para começar. A iniciativa CEOs’ Legacy, da Fundação Dom Cabral, por exemplo, vem reunindo CEOs de importantes empresas brasileiras para a construção de legados relevantes para a sociedade e lançou o movimento Impacto – CEOs pela Diversidade e Inclusão com o objetivo de inspirar, mobilizar e engajar mais lideranças. Entre outros casos para servir de referência também está a Ambev, que criou um Comitê de Diversidade Racial em 2020 e as empresas Magazine Luiza e Bayer, com seus programas de traines exclusivos para negros.

AUTOAVALIAÇÃO No site da consultoria ID-BR (simaigualdaderacial.com.br), qualquer executivo pode realizar uma pré-avaliação do estágio de desenvolvimento de ações afirmativas em sua empresa por meio do Selo Sim à Igualdade Racial. O teste é uma boa forma de entender como melhorar as práticas antirracistas e também avaliar o que se sabe sobre diversidade e inclusão. O formulário aborda tópicos como planejamento estratégico, orçamento para desenvolvimento de ações e balanço anual de contratações, e fornece uma avaliação que passa por três níveis: compromisso, engajamento e influência. O último estágio só acontece quando as empresas possuem metas, prazos e indicadores de igualdade racial definidos, além de resultados tangíveis, influenciando toda a cadeia produtiva.

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LIVROS

O Pequeno Manual Antirracista, best-seller em que a filósofa Djamila Ribeiro discute temas como negritude, branquitude e violência racial, convidando a todos a assumir o seu papel na luta pela transformação, e Racismo Estrutural, título do advogado e também filósofo Silvio Almeida com dados estatísticos a respeito do racismo e sua apresentação na estrutura social, política e econômica brasileira, deveriam constar como leituras obrigatórias. Não à toa, os dois estiveram nas listas de livros mais vendidos em 2020.

Os programas com o objetivo de se aperfeiçoar no relacionamento com a mídia e também com a sociedade têm sido um recurso para muitos executivos e consultorias como a Gestão Kairós e a ID_BR oferecem esse serviço. O treinamento, que pode ser feito em grupo, na Gestão Kairós sai pelo valor médio de R$ 22 mil, com duração de quatro horas para até dez líderes. Já a ID_BR oferece media training para turmas de até cinco por um período de três horas com valores a partir de R$ 18 mil.

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MEDIA TRAINING


PESQUISAS

De acordo com Marcos Samaha, CEO do Tenda Atacado, que fez um levantamento de artigos científicos, teses e dissertações para o seu doutorado, são raras as pesquisas sobre racismo nas organizações, o que se explica, segundo ele, pelo fato dos professores universitários e pesquisadores em administração de empresas serem em sua maioria brancos. Duas das referências encontradas (Pactos Narcísicos no Racismo: Branquitude e Poder nas Organizações Empresariais e no Poder Público e Executivos Negros: Racismo e Diversidade no Mundo Empresarial) estão disponíveis no banco de teses da Universidade de São Paulo.

TED TALKS

Em meio a infinidade de TED Talks que já foram compartilhados, vale conferir o da escritora nigeriana Chimamanda Adichie em O Perigo de uma História Única, no qual ela conta como encontrou sua voz e adverte a todos sobre o perigo de ouvimos uma única história sobre uma outra pessoa ou país. Outra fala imperdível é a do escritor e comediante americano Baratunde Thurston, em Como Desconstruir o Racismo, Uma Manchete de Cada Vez, na qual ele aborda o fenômeno dos americanos brancos que chamam a polícia por causa de negros que cometeram o “crime de viver sendo negros” e o poder da linguagem para transformar histórias de trauma em histórias de cura.

E-BOOKS

A Gestão Kairós disponibiliza uma série de publicações e ferramentas em seu site (gestaokairos. com.br) – muitas delas disponíveis gratuitamente, como o Guia de Diversidade na Legislação e o informativo Programas para Contratação Exclusiva de Profissionais Negros e Negras São Constitucionais? O conteúdo desenvolvido pela consultoria é baseado nas principais demandas do mercado e abrange desde e-books sobre a legalidade de ações afirmativas até o Baralho da Diversidade (R$ 60), composto de 31 perguntas e respostas em torno da temática.

FÓRUM

Entre os encontros que valem ficar de olho, está o Fórum Brasil Diverso, que está em sua terceira edição e foi pioneiro em reunir empresas e especialistas em igualdade de raça e de gênero. Realizado anualmente, a última edição do evento aconteceu em novembro de 2020 e contou com a participação de convidados internacionais, como Lisa Ross, atual diretora de operações da Edelman nos Estados Unidos, e Tomás Flier, gerente global de diversidade e inclusão na Google.

CURSOS

Não faltam opções de workshops e aulas. A Perestroika Online oferece na sua grade os cursos Plural – Diversidade e Equidade nas Organizações (R$ 387), com foco em orientações para identificar o que pode ser revisto na rotina das empresas para proporcionar relações que valorizam as diferenças, e Novo NoRHmal – A Gestão de Pessoas no Futuro (R$ 597), que aborda a inclusão de diversidade por meio da compreensão de dados demográficos, econômicos, políticos e sociais como fatores essenciais.

FILMES

Os filmes a respeito de inclusão e diversidade são muitos e incluem discussões sobre gênero, raça, pessoas com deficiência, LGBTQIA+, entre tantas outras. Uma boa dica para começar é a série documental Guerras do Brasil, que conta em cinco episódios as diferentes versões dos principais conflitos armados do país e ajuda a entender como o Brasil foi construído. Chega de Fiu Fiu, documentário que retrata a violência de gênero acompanhando a trajetória de três mulheres, também lança uma reflexão importante ao questionar se as cidades foram feitas para as mulheres.

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ABELHA-RAINHA

NO COMANDO DO MATCH “Definitivamente, não estamos ar a volta por cima é o que mais Ela é a mulher mais tentando ser sexistas, esse não é o vem à cabeça das pessoas que jovem da história a objetivo”, disse Whitney ao Busienfrentam um término de relacionamento conturbado. Deixar o outro no abrir o capital de uma ness Insider em entrevista recente. “Eu sei que os caras ficam cansados passado e usar o drama que nasce desempresa. Conheça de tomar a iniciativa todas as vezes. sas situações para o próprio engrandecimento, no entanto, é tarefa para pou- Whitney Wolfe Herd, a Por que uma garota deveria ficar sentada esperando? Por que existe cos. Mas Whitney Wolfe Herd, uma jovem empresária americana de apenas executiva que se tornou essa norma de que, como mulher, pode conseguir o emprego dos 31 anos que trabalhou no Tinder desde bilionária depois de você seus sonhos, mas não pode falar seus primórdios, faz parte desse seleto terminar uma relação com um cara primeiro? Vamos mogrupo de vencedores resilientes. dernizar a paquera”, afirmou. Contratada aos 22 para integrar o tiséria com o Tinder Descrito por Whitney como um me que então ainda desenvolvia aquele “aplicativo de encontros feminista” que viria a se tornar o maior aplicativo POR ANDERSON ANTUNES em razão do nome, algo como “abede paquera do mundo, hoje um gigante lha-rainha” em português, o Bumble que movimenta bilhões, Whitney foi a conta com mais de 55 milhões de usuresponsável por escolher o nome do neários em 150 países, dos quais muitos pagam por seus sergócio que estava para nascer – “Tinder”, que em português viços. Seu faturamento em 2020 bateu a marca de US$ 490 se traduz como mecha de fogo, simbolizando as primeiras milhões e sua estreia na bolsa de valores eletrônica Nasdaq, faíscas para uma grande paixão, foi ideia dela. também no ano passado, levantou mais de US$ 2,15 bilhões. Depois de ser promovida ao cargo de vice-presidenAtualmente com um valor de mercado de US$ 12,4 te de marketing, Whitney permaneceu no Tinder até bilhões – cerca de um terço da capitalização do Ma2014, quando os primeiros sinais de uma crise entre as tch Group – o Bumple também fez de Whitney, dona partes se tornaram evidentes. A história exata sobre o de 11,6% de seu capital, bilionária, com estimados US$ que aconteceu é um mistério até hoje, mas sabe-se que 1,4 bilhão de patrimônio. O título pomposo, aliás, veio ela acusou seus chefes no aplicativo de assédio, e no acompanhado de outros: a ex-Tinder também é a biliofim saiu da empresa com uma indenização de mais de US$ 1 milhão em troca de um acordo de confidenciali- nária self-made mais jovem do mundo, além da mulher mais jovem em toda a história a oferecer as ações de dade devidamente assinado. Foi o ponto final de uma relação que estava perto de sua própria empresa na bolsa. O sucesso de Whitney é inegável, mas a favor dela virar casamento – Whitney receberia ações do Match também pesa o fato de que os aplicativos de encontros Group, dono do Tinder, que fez seu IPO no ano seguinvivem sua melhor fase em tempos. Em crescimento de te – mas também o pontapé de algo muito maior para a dois dígitos ao ano mesmo antes da pandemia, Tinexecutiva. Com a experiência que havia acumulado no ders, Bumbles e afins bombaram durante a quarentena emprego anterior, mais os milhões de dólares em conta, imposta em vários países para controlar o novo coroWhitney Herd fundou, ainda no fim de 2014, o Bumble, navírus, o que levou centenas de milhões de pessoas a uma rede social cujo foco é formar casais a partir da geoficarem em casa surfando em seus smartphones. localização de seus usuários e permite às mulheres a exO próprio Tinder liberou durante alguns meses uma de clusividade para dar o primeiro passo na conversa.

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FOTO GETTY IMAGES

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“Por que existe essa norma de que, como mulher, você pode conseguir o emprego dos seus sonhos, mas não pode falar com um cara primeiro?”

suas opções exclusivas para os assinantes de seus serviços, que é poder escolher qualquer localização do planeta para ir à caça de matches. Como resultados, esses aplicativos conquistaram um público fiel de mais de 400 milhões de pessoas de todos os cantos, o que atraiu anunciantes de todos os tipos de serviços e os levou a superar a marca de US$ 3 bilhões faturados no ano passado. A previsão é que essa cifra chegue a US$ 4,36 bilhões já em 2023, com boa parte do aumento sendo

creditada ao Bumble. Maior concorrente do Tinder, que já não tem mais para onde crescer, o app ainda tem a vantagem de ter em seu comando Whitney, considerada a maior expert da “indústria de matches” do mundo, e ela própria uma “abelha-rainha” disposta a se tornar alguém que dita as regras de seu meio. “A coisa mais importante para um jovem empreendedor é começar algo”, Whitney disse em uma entrevista para a rede americana de televisão CNBC. “Não se assuste com o ‘e se...’, porque na verdade o único erro é não tentar. Tentar e falhar não é erro, é aprendizado. E eu vou continuar tentando sempre”, ela completou. Melhor que esse perfil de conquistadora só mesmo a história de amor dela, que conheceu seu atual marido em 2013, durante uma viagem de férias em Aspen, nos Estados Unidos. Os dois se esbarraram por acidente no famoso destino de inverno, e foi amor à primeira vista. Em dezembro de 2019, Whitney deu à luz um bebê, e no mesmo mês anunciou que as funcionárias grávidas do Bumble teriam acesso a bônus e licença-maternidade, além de horas flexíveis para trabalhar. Está aí algo que sustenta uma boa relação: a preocupação com o outro, que, dizem, tivesse o Tinder tido com sua ex-funcionária mais famosa, talvez ainda a teria em seus quadros. n PODER JOYCE PASCOWITCH 37


POLIGLOTA

UNIÃO ESTÁVEL

Apoiado por petistas e pelo presidente Jair Bolsonaro, Rodrigo Pacheco chega à presidência do Senado após curtos sete anos de vida política com a missão de manter a independência da casa e o empenho em acelerar medidas de enfrentamento à pandemia

iante de um Senado aglomerado de caciques como Tasso Jereissati (PSDB-CE), Antonio Anastasia (PSD-MG), Fernando Collor (Pros-AL), Renan Calheiros (MDB-AL), Jaques Wagner (PT-BA), Cid Gomes (PDT-CE), entre outros nomes célebres da política nacional, coube a um ilustre desconhecido dos brasileiros a tarefa de assumir o comando da casa pelos próximos dois anos: Rodrigo Otavio Soares Pacheco (DEM-MG), 44 anos, advogado nascido em Porto Velho (RO). Com boa interlocução e diálogo aberto com espectros de esquerda e direita do Congresso Nacional, Pacheco precisou de apenas sete anos de vida pública e uma legislatura para conseguir chegar a um dos três principais cargos da República. No atual cenário em que o país se encontra, com a pandemia se misturando a problemas sociais, políticos e econômicos, é de se admirar que houvesse um nome a unir polos tão distantes quanto o Partido dos Trabalhadores e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), sem grande alarde, sem polêmicas. Rodrigo Pacheco iniciou a sua trajetória política em 2014, eleito deputado federal pelo MDB. Na Câmara, votou pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e presidiu a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Derrotado na disputa pela prefeitura de Belo Horizonte dois anos depois, retornou à Brasília como senador em 2019. É o atual presidente do diretório mineiro do DEM e, no Senado, foi líder do partido. Ao longo de 2021 e 2022, o novo presidente terá de encarar uma série de desafios na casa. Na lista de Prioridades está a busca pela independência do Senado; a análise das reformas tributária e administrativa; e o empenho em medidas de enfrentamento à pandemia da Covid-19. Nesta entrevista exclusiva a PODER, Pacheco analisou sua vitória à presidência, falou sobre o combate à corrupção e algumas das pautas mais urgentes que o país precisa destravar se quiser avançar. O senador diz que pretende unir os extremos para que haja uma convergência a favor do Brasil, fazendo com que as classes políticas federal, estadual e municipal se ajudem para enfrentar a crise, e também expôs suas ideias sobre auxílio emergencial, PEC emergencial e geração de emprego e renda.

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FOTO FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

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POR MARI TEGON


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“A política mineira sempre foi de respeito, conciliação, equilíbrio e de muita racionalidade” MAIOR DO QUE ENTROU. QUAL ESTILO DE GESTÃO O SENHOR PRETENDE ADOTAR? RP: Aprendi a fazer política em Minas Gerais. A

começou com o ex-presidente Davi Alcolumbre (DEMAP), senador mais novo a ser eleito para o cargo de presidente nas últimas décadas. A minha eleição, de certa forma, dá continuidade a esse movimento que começou há dois anos. Fui eleito com 57 votos e com apoio de diversos partidos, da base de governo e da oposição, que viram no meu nome o preparo necessário para presidir o Senado e conduzir os trabalhos na casa. E, particularmente, não vi nenhum tipo de ressentimento. Aliás, assim que a votação foi concluída, não existiram mais candidaturas nem divisões e, sim, senadores interessados em discutir os projetos urgentes para o país. PODER: QUANDO DAVI ALCOLUMBRE FOI ELEITO, ERA CONSIDERADO UM DESCONHECIDO PARA O PAÍS. SAIU

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PODER: COMO ADVOGADO CRIMINALISTA O SENHOR DEFENDEU RÉUS IMPORTANTES NO MENSALÃO. COMO VÊ O COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL E COMO SE COLOCA NO DEBATE NACIONAL SOBRE A OPERAÇÃO LAVA JATO? RP: A Lava Jato foi uma operação importante,

mas temos que seguir avançando na pauta de segurança pública, com as proposições que dão mais capacidade ao Estado para enfrentar a criminalidade, notadamente a organizada e violenta. Da mesma forma, temos que prosseguir na agenda legislativa de enfrentamento aos crimes contra a administração pública, em especial o combate à corrupção.

PODER: O SENHOR FOI APOIADO TANTO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA QUANTO PELO LÍDER DA OPOSIÇÃO DO GOVERNO. COMO SERÁ O TRABALHO PARA EQUILIBRAR E MANTER AS DUAS PONTAS UNIDAS PELOS INTERESSES DO BRASIL E DA POPULAÇÃO EM GERAL?

FOTOS PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS

PODER: O SENHOR TEM 44 ANOS E É SENADOR DE PRIMEIRO MANDATO. OUTROS SENADORES FICARAM RESSENTIDOS PELO FATO DE O SENHOR TER TÃO POUCO TEMPO DE CASA E ALCANÇADO, EM TEMPO RECORDE, A PRESIDÊNCIA? RODRIGO PACHECO: Esse movimento de renovação

política mineira sempre foi de pacificação, busca de união e unidade, de respeito, de conciliação, de moderação, de equilíbrio e de muita racionalidade. A política não deve ser movida por arroubos do momento ou por radicalismos. Devemos superar os extremismos que vemos surgir de tempos em tempos, de um lado e de outro, como se a vida tivesse um sentido só, uma mão única ou uma única vertente.


RP: A

minha candidatura foi uma candidatura dos senadores e agregou vários partidos. Sou de um partido político, portanto, a minha candidatura se originou também de uma indicação do Democratas. Houve uma manifestação de simpatia por parte do presidente à minha candidatura, algo que eu recebi com honra. Com a minha eleição, mantenho uma relação de respeito e de diálogo para poder solucionar os problemas do país, mas sempre garantindo independência do Senado para a tomada de decisões livres, autônomas e com bastante respeito.

PODER: COMO O SENHOR VÊ A GESTÃO DO GOVERNO NO QUE DIZ RESPEITO À PANDEMIA? ALGO PODE SER MELHORADO, ALGUMA MEDIDA NÃO ESTÁ SENDO TOMADA E DEVERIA ESTAR SENDO PRATICADA? RP: A pandemia atingiu o Brasil e o mundo de maneira

surpreendente, muito severa e trágica. Não há um país ou um estado da federação brasileira que tenha só acertado. Sinceramente, não há qualquer comprovação científica do que deveria ser realizado há um ano sobre a pandemia. Há um estado de incertezas que nos faz ter compreensão de que a sanha de achar culpados a qualquer custo deve dar lugar a um ambiente em que a ciência prevaleça e amadureça, e que façamos um enfrentamento mais inteligente ao que nos exige o momento: facilitar, o máximo possível, o acesso à vacina. É uma obrigação do Estado e um direito do cidadão ter acesso às vacinas. De onde quer que venham, certificadas pela Anvisa, que sejam colocadas à disposição da sociedade. PODER: QUAL É A GRAVIDADE DOS ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS OCORRIDOS NO ANO PASSADO E DOS ATAQUES ÀS INSTITUIÇÕES, PRINCIPALMENTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL? RP: Há um nível de acirramento que deveria ser

normal da democracia – atrito, divergência –, mas, infelizmente, isso se potencializou. Um atrito de rispidez, de intolerância, de desrespeito à divergência e de não compreender as diferenças. O caminho para a solução de muitos problemas é a ciência, os fundamentos econômicos, sociais, os princípios e a Constituição Federal. Mas há essa dificuldade de compreensão dos poderes, de que cada um tem o seu papel – e que tem de ser cumprido, pois são constitucional e legalmente previstos, sem interferir no poder do outro. E o ambiente de pacificação deve ser buscado dentro da compreensão de que os poderes são autônomos,

livres, e têm que conviver harmoniosamente. Não há muito segredo nisso: é obedecer à Constituição, fazer com que as instituições cumpram seus papéis sem interferir nas outras e que respeitemos as posições de cada qual. PODER: QUAL O MAIOR INTERESSE DO SENADO, PARA O BRASIL, NESTE MOMENTO? RP: Eu vejo um momento ainda turbulento no Brasil

e no mundo em razão da pandemia do coronavírus, que nos exige soluções novas para um problema que é novo, é inusitado, que foi muito severo com o país. Isso afeta tudo. Estou propondo que a gente tenha uma atuação parlamentar imediata, assentada em bases da pacificação, de consenso, de trabalho, de muita energia para resolver os problemas, mas dentro de um trinômio de saúde pública, de desenvolvimento social e crescimento econômico do país.

PODER: O SENHOR DEFENDE A EXTENSÃO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL POR MAIS TEMPO E JÁ DECLAROU QUE HÁ RECURSOS A SEREM REMANEJADOS NO ORÇAMENTO. JÁ O GOVERNO BOLSONARO DIZ QUE O PAÍS VAI QUEBRAR SE ISSO ACONTECER. COMO PRETENDE COMPATIBILIZAR DIAGNÓSTICOS TÃO DIFERENTES? HÁ MESMO RECURSOS A SEREM REMANEJADOS? QUAIS SÃO? RP: Há uma compreensão de todos que o auxílio

emergencial precisa existir nestes próximos quatro meses. É uma percepção que nós do Congresso externamos ao Executivo e o Executivo concordou com a ideia de que teria que ter o auxílio. O que nós pretendemos é que, uma vez aprovado [o texto da PEC] no Senado, já haja por parte do governo uma efetivação do auxílio emergencial, considerando que há uma tendência muito clara de a Câmara dos Deputados, diante da importância disso para o país e para viabilização do auxílio emergencial, também aprová-la num tempo que seja adequado.

PODER: O DEPUTADO RODRIGO MAIA, EX-PRESIDENTE DA CÂMARA E MEMBRO DO SEU PARTIDO, TEM AFIRMADO QUE O ACM NETO (PRESIDENTE NACIONAL DO DEM) ENTREGOU O PARTIDO DE BANDEJA PARA O PLANALTO. COMO AVALIA ESSA CRÍTICA? RP: Não me permito discutir questões partidárias sentando

na cadeira de presidente do Congresso. O foco é o mandato de presidente do Senado. Serei o mais colaborativo possível em relação aos outros poderes, obviamente resguardando a independência do Senado, além de buscar ajudar o governo a executar políticas públicas. n PODER JOYCE PASCOWITCH 41


CHECK-IN POR

FLORESCENTE RIVIERA

Situado próximo à costa aberta do Mar Adriático na paradisíaca Boka Bay, o One&Only Portonovi é a joia da florescente riviera de Montenegro. Ao lado da cidade fortificada de Kotor, Patrimônio Mundial da Unesco, o resort é o primeiro da rede na Europa e abriu as portas no ano passado. Prepare-se para praias desertas, passeios de barco em dias ensolarados e caminhadas pelas ruas de paralelepípedos de tempos medievais. O One&Only Portonovi oferece 113 acomodações, entre suítes e vilas, além de dez private homes.

NOS POLOS

A partir de 2022 será possível fazer um cruzeiro cinco-estrelas da Antártida até o Ártico desde que você possa desembolsar uma tarifa premium que pode chegar a R$ 650 mil para estar no SeaDream Innovation. A vantagem é que se ela for paga com o cartão C6 Carbon, o cartão Mastercard® Black do C6 Bank, você garante uma série de benefícios, como cobertura por atraso ou perda de bagagem, assistência médica e seguro de acidentes em viagem. Quebrando o gelo entre expedição e sofisticação com a experiência de navegação oceânica mais luxuosa já oferecida, o megaiate de bandeira norueguesa parte em fevereiro da cidade Ushuaia e termina a aventura em maio, em Longyearbyen, o município mais ao norte do globo.

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REFÚGIO SILENCIOSO

Novidade do Silent Living, grupo hoteleiro português hypado e na onda da slow travel, a Casa na Terra, no Alentejo, foi eleita pelo ArchDaily um dos edifícios mais bonitos de 2020. É uma espécie de bunker camuflado na paisagem, à beira do lago de Monsaraz, projetado pelo arquiteto Manuel Aires Mateus para passar quase despercebido. São três suítes, cada uma com um pequeno pátio privado aberto à superfície, o que permite a entrada de luz natural. A cozinha e a sala de estar abrem-se para um terraço sob uma cúpula e completam o ambiente que tem capacidade para seis adultos e diárias a partir de 350 euros. Reserve a estadia com o cartão C6 Carbon do C6 Bank e tenha acesso à sala VIP Mastercard® Black em Guarulhos e a mais de mil salas VIP ao redor do mundo.

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CHIC DESCOLADO

Acaba de inaugurar em São Paulo o Canopy by Hilton, o primeiro hotel na América do Sul da marca lifestyle do grupo. A proposta é abraçar a cultura local e criar experiências para viajantes e moradores da cidade oferecendo um serviço simples, com pegada sustentável e a chancela da líder global em hospitalidade. “O Brasil é parte importante do nosso plano de expansão e São Paulo foi uma escolha natural. É uma cidade extremamente cosmopolita, com uma estrutura fantástica, grandes museus, restaurantes premiados”, explica Jorge Giannattasio, VP Sênior e Chefe de Operações para o Caribe e América Latina do Grupo Hilton. O Canopy fica nos Jardins, a dez minutos do Masp e da rua Oscar Freire.

CARTÃO C6 CARBON O Mastercard® Black do C6 Bank Escolha a cor e o nome que vem impresso no cartão Aproveite até 4 acessos grátis por ano a salas VIP Mastercard® Airport Experiences Conte com todos os benefícios Mastercard® Black, como concierge, isenção de rolha em restaurantes e muito mais Acumule 2,5 pontos que não expiram a cada dólar gasto no crédito Peça até 6 cartões adicionais sem custo para dividir os benefícios com familiares, amigos ou funcionários Tenha isenção de anuidade atingindo gastos acima de R$ 8 mil por mês no crédito

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ENSAIO

A SENHORA DO TEMPO

Aos 83 anos e completando seis décadas de carreira literária, Nélida Piñon mantém o entusiasmo pela vida e pelo desconhecido. Neste ensaio exclusivo, a autora e imortal da ABL reflete sobre a maturidade, seu mais recente romance e os mistérios da vida por carol sganzerla

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fotos jorge bispo

élida é pessoa de trato fácil. Você vai gostar dela”, avisa o amigo e editor carioca José Mário Pereira ao intermediar o convite de PODER à escritora. Mesmo ciente desse traço de sua personalidade, surpreende a maneira intimista como a autora conduz as conversas para a realização deste ensaio. As trocas com a repórter acontecem por mensagens de voz, a quem Nélida se refere por “querida”. A escolha pelos áudios tem origem da dificuldade cada vez maior de enxergar. Sentiu uma piora no início de 2020, enquanto produzia seu mais recente romance, Um Dia Chegarei a Sagres (Record), lançado no fim do ano passado, a ponto de precisar abandonar o computador e assumir os manuscritos. “Mas surgiu uma dificuldade imensa, a minha letra piorou consideravelmente. Não conseguia ler a página anterior, então, adotei a técnica de trabalhar a memória para saber o que tinha escrito três parágrafos antes. Eu não podia interromper, tinha que ir com uma ferocidade espantosa, escrevendo sem parar, não ia nem ao banheiro”, relembra. Os bastidores da obra ainda carregam outras intempéries. Em uma visita a Madri, durante a temporada que passou em Portugal, pano de fundo da história, tropeçou no quarto do hotel. “Machuquei minha cabeça e quebrei o braço. Depois, tive que trabalhar com dor. Mas não tive medo, querida, sou corajosa. Fiz esse romance em estado de exaltação e com imensas dificuldades”, detalha. “É impressionante o sentimento que você tem de encerrar um romance que quase roubou a sua alma. Não roubou a minha porque dei a alma para o livro.” Prestes a completar 84 anos e dona de uma memória intacta, Nélida enfrenta os desafios impostos pelo tempo na mesma medida em que reconhece as mudanças benéficas trazidas pelos anos. “A maturidade não diz quem você vai ser, é você que tem que dizer quem será. Eu fui entendendo que a minha tinha que ter menos arrebato, porque fui uma mulher sempre arrebatada pela vida, pela paixão, pelos entusiasmos”, diz. E completa: “Criei espaços livres dentro de mim que eu desperdiçava em muitas coisas e os preenchi com uma curiosidade extraordinária. E com pensamentos. Acentuei meu índice de reflexões. Tenho a sensação que penso de uma forma rápida e conclusiva como nunca. Em termos de criação, enriqueci”.




“Quero saber tudo o que atrai o ser humano, seu pão, sua casa, sua genitália, suas paixões, sua insensatez, e sua insanidade. Não posso ficar alheia à condição humana”

Comemorando 60 anos de carreira literária em 2021 – seu primeiro livro, Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, data de 1961 –, Nélida lançou mais de 11 romances nessas décadas e recebeu mais de 20 prêmios, entre eles, o Jabuti por Uma Furtiva Lágrima (Record, 2019) e Vozes do Deserto (Record, 2004). No edifício onde mora, no Rio de Janeiro, mantém um segundo apartamento só para o acervo de documentos, fotografias, papéis e memórias. “Se você ficar pensando no que fez, o passado pode corrompê-lo. Você tem que ficar criando o presente para acreditar no que é capaz de fazer”, conta. “Os diplomas que tenho na parede são por uma razão simples. Um dia, não encontrava o diploma da Academia Brasileira de Letras e tinha vergonha de pedir uma cópia ao presidente. Ele pensaria: ‘Essa mulher é louca’ (risos). Aí, quando encontrei, coloquei na parede para que não fugisse. Quem vê pode pensar que meu ego está expansionista, mas não.” Membro da ABL há mais de três décadas, a escritora foi a primeira mulher a presidir a instituição (1996-1997). “Feminista histórica”, como se autoproclama, acompanhou as conquistas das mulheres ao longo das décadas. “O movimento é muito importante, mas vejo que há excedências desnecessárias que não acentuam a dignidade laboral da mulher. Fazer coisas na rua, ficar nua, não é isso que vai consolidar o que nós precisamos. Mas não me importo, acho que faz parte do equilíbrio de uma evolução.” Em casa, Nélida está sempre conectada e costuma passar horas pesquisando os temas que lhe interessam: de pão a vacas (“sou doida por elas”), passando por Paulo de Tarso. Certa noite, conta a sua assistente, a professora Karla Silva, Nélida gritou seu nome. “Tomei um susto, era uma da manhã, corri para o quarto dela. Nélida é louca pela escritora belga Marguerite Yourcenar, já falecida, que foi enterrada em uma ilha pequena nos EUA. ‘Olha aqui, o túmulo da Yourcenar está abandonado, cheio de limo, folhas secas, tenho que fazer alguma coisa’. E ficou na internet até encontrar um belga que limpasse o túmulo. Ela é assim.” A autora vem trabalhando em um novo livro de ensaios enquanto segue fechada em casa, na companhia de seus dois cachorros, estimulando os pequenos prazeres da vida (“gosto muito do mundo da cozinha, das conservas, tenho quatro geladeiras”), e atiçando sua curiosidade de menina. “Quero saber tudo do mundo, o que atrai o ser humano, seu pão, sua casa, sua genitália, suas paixões, suas insensatez, sua insanidade, esse clima de ódio que a gente vê no mundo. Não posso ficar alheia à condição humana. Tudo isso enriquece meu cotidiano, alarga a minha linguagem, a minha criação literária. O mistério, no fundo, é o que mais quero conhecer. É o prazer. No fundo, eu escrevo por isso”, conclui. n


Arte: David Nefussi Produção executiva: Ana Elisa Meyer Assistente de fotografia: Nathalia Atayde


DINHEIRO

RENDA-SE Com os juros baixos de hoje, não faz sentido investir em renda fixa esperando pela rentabilidade milagrosa do passado. É hora de pensar em ações – e não só as das companhias brasileiras –, nos índices compostos por elas e até mesmo em criptomoedas

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POR BERNARDO PASCOWITCH (*)

á houve um tempo, não tão longínquo, em que a taxa básica de juros no Brasil chegava a patamares acima de 14% ao ano. Isso quer dizer que fazer o dinheiro “trabalhar” era moleza. Bastava comprar títulos de renda fixa (aqueles de baixo risco emitidos por bancos, financeiras, empresas ou pelo Tesouro Nacional que costumam acompanhar a taxa Selic) e ir pescar. Qualquer investimento com uma rentabilidade razoável já garantiria um bom retorno. Para se ter uma ideia, o maior investidor da atualidade, o oráculo Warren Buffett, possui uma rentabilidade histórica média de seus papéis de 20% ao ano; ou seja, conseguir 14% anuais não é nada mal para quem não é um Warren Buffett. Mas o Brasil não vive mais esse momento de juros altos e facilidade em rentabilizar o dinheiro. A taxa Selic despencou de 14,25% para 2% ao ano – menor valor da história do Brasil. Pior: a inflação fechou o ano de 2020 em 4,52% no caso do IPCA (a inflação oficial do Brasil) e em surpreendentes 23,14% no caso do IGP-M (divulgado pela FGV e bastante influenciado pela variação do dólar). Em outras palavras, quem deixou o dinheiro somente em renda fixa no ano passado acabou fazendo um péssimo negócio, pois teve prejuízo, já que a inflação foi mais alta que a taxa que balizou o retorno dos investimentos. E para quem acha que a taxa Selic retornará rapidamente aos patamares anteriores, melhor tirar o cavalinho da chuva: o cenário de juros baixos (em alguns casos, negativos) é um fenômeno global e, ao que tudo indica, veio para ficar. E já que a rentabilidade da renda fixa não deve mudar tão cedo, melhor mudar sua maneira de investir. Não dá para deixar o dinheiro nos mesmos ativos do passado. O mundo evoluiu, as economias evoluíram e você também precisa evoluir. É hora de diversificar e conhecer novas alternativas.

AÇÕES BRASILEIRAS

Ação talvez seja o investimento mais conhecido em todo o mundo, excluindo talvez o colchão, a poupança e o jogo do bicho. Mas o que significa, na prática, investir em uma ação? O mercado de ações permite que você seja acionista (ou seja, dono de uma fração de uma companhia listada em bolsa, que no Brasil é a de São Paulo, a B3). A ação é a menor unidade do capital social de uma companhia. Quer ser dono de uma parte minúscula do Itaú Unibanco? É só comprar uma ação. Dono de parte da Vale? Mesma coisa. Da Embraer? Está valendo. O cenário de juros baixos tende a favorecer a ida do investidor para a bolsa e, com isso, o crescimento de receitas das empresas de capital aberto. Ao comprar uma ação e se tornar acionista, o investidor possui em geral dois grandes interesses: lucrar com a valorização do ativo e receber proventos. Para isso, essa aplica-


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ção precisa ser acompanhada de planejamento financeiro para que o investimento perdure por muitos e muitos anos. Em um cenário de juros baixos como o atual, é fundamental que você tenha parte do seu dinheiro em ações – sempre respeitando o seu perfil de risco e os seus objetivos. O segundo interesse de um acionista é receber proventos. Proventos são distribuições (de capital) realizadas pelas companhias para os seus acionistas, principalmente na forma de juros sobre o capital próprio, bonificações e dividendos. O mais importante é o dividendo, basicamente a distribuição do lucro da companhia para seus acionistas. A companhia que teve lucro pode destiná-lo a diversas frentes, como investimento interno, contratação de pessoas, aumento de salários e muitas outras coisas. Caso a companhia opte pela distribuição de dividendos, os acionistas vão embolsar algum. Com isso, quanto mais ações você tiver de uma companhia, mais dividendos você receberá. Resumo: ação é a menor unidade do capital social de uma companhia e oferece ao investidor um potencial de valorização do seu preço e o recebimento de proventos Como comprar: por meio de uma corretora de valores brasileira (prefira as com taxa zero!) Risco: muito alto


AÇÕES AMERICANAS

A lógica é exatamente a mesma do investimento em ações brasileiras. A diferença é que estamos falando do maior mercado financeiro do mundo e das maiores empresas do planeta. Amazon, Apple, Walmart, Disney, Google, Facebook, General Motors, Microsoft, Boeing, Intel e milhares de outras companhias estão listadas nas bolsas dos Estados Unidos – são várias bolsas, aliás. Talvez você esteja se perguntando por que deveria investir em ações americanas e não em ações brasileiras? Bom, em primeiro lugar os Estados Unidos possuem o maior mercado de capitais do mundo. Já a bolsa brasileira não aparece nem entre as dez maiores. Ter ações das maiores empresas do planeta (aquelas que mais crescem, mais inovam, mais se desenvolvem e mais geram lucros) é do interesse de qualquer acionista. Em segundo lugar, quando pensamos em diversificar os investimentos (o famoso “não colocarás todos os ovos no mesmo cesto”), isso envolve combinar não apenas entre diferentes classes de ativos (por exemplo, renda fixa e renda

Na prática, significa a possibilidade de você comprar uma “cópia” da ação da Apple diretamente na bolsa brasileira e sem precisar abrir uma conta em uma corretora americana. O BDR terá a mesma variação de preço que a ação original da Apple nos Estados Unidos teria, além do fato de variar de acordo com a cotação do dólar. Os BDRs foram liberados para todos os investidores a partir de outubro do ano passado e têm sido cada vez mais procurados por pessoas interessadas em possuir papéis das maiores empresas do mundo, mas podendo utilizar a mesma conta da sua corretora aqui no Brasil. Tem coisa melhor do que investir lá fora sem sair do Brasil? Resumo: os BDRs permitem que você invista em ativos estrangeiros utilizando corretoras brasileiras e por meio da B3 Como comprar: corretoras de valores brasileiras Risco: muito alto

Os BDRs foram liberados para todos investidores em outubro e têm sido cada vez mais procurados

Resumo: investir nos Estados Unidos é fundamental para diversificar risco e acessar investimentos potencialmente mais rentáveis. Como comprar: corretora de valores americana ou fundos de investimento no Brasil Risco: muito alto

BRAZILIAN DEPOSITARY RECEIPTS (BDRS)

Os BDRs são recibos de ativos estrangeiros negociados no Brasil. Confuso? Vamos então por partes. Para começar, recibo. Trata-se de uma cópia, digamos, de uma ação americana negociada na bolsa brasileira. Uma ação americana que, em vez de ser negociada nas bolsas de Nova York, pode ser comprada diretamente na B3, a bolsa brasileira.

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FUNDOS DE ÍNDICE (ETFS)

As bolsas de valores possuem vários índices compostos por ações em diferentes proporções. O índice mais conhecido da bolsa brasileira é o Ibovespa, composto por mais de 70 empresas tidas como as mais negociadas no Brasil e utilizado como referência para diversos investimentos em renda variável. Nos Estados Unidos, os índices mais famosos são o Dow Jones (um dos mais antigos e mais importantes, com 30 das empresas mais relevantes dos Estados Unidos), o S&P 500 (composto pelas 500 empresas mais negociadas nos Estados Unidos) e o Nasdaq Composite (índice das empresas de tecnologia negociadas na bolsa Nasdaq). Ok, mas qual a utilidade em saber sobre todos esses índices? É aí que entra o fundo de índice (Exchange Traded Fund, em inglês). O ETF replica a combinação de empresas saudáveis das diversas bolsas. E investir nesse produto traz ainda uma vantagem grande em termos de diversificação e acessibilidade. Em vez de escolher empresas individualmente e analisar ações específicas, o ETF permite diversificar em companhias e setores distintos. Por exemplo, ao

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variável), mas também em locais diferentes, moedas distintas, economias sem correlação direta, governos independentes, entre outros elementos. Portanto, investir na maior economia do mundo, nas maiores empresas do globo e na moeda mais forte da economia global (o dólar) é algo fundamental para que você invista melhor e de forma mais saudável, financeiramente falando.


comprar uma cota do BOVA11, o investidor automaticamente passa a possuir ações das mais de 70 empresas que compõem o Ibovespa. Seria muito mais caro e difícil se ele optasse por comprar individualmente cada uma das ações que formam o índice Ibovespa. Por meio do IVVB11, um ETF que replica o S&P 500, o investidor adquire mais de 500 ações das maiores empresas negociadas nos Estados Unidos. Quer diversificação mais fácil e rápida do que essa? Voltando mais uma vez ao maior investidor da atualidade, Warren Buffett, ele frequentemente aconselha quem começa a navegar nesse mercado a comprar um ETF que replica o S&P 500. Isso significa menos risco e mais diversificação para o novo investidor. Resumo: ETFs são fundos de índice que permitem alta diversificação com riscos mais baixos em comparação à escolha individualizada de ativos Como comprar: por meio de uma corretora de valores brasileira Risco: alto

BITCOIN

A famosa moeda digital é emitida por protocolos tecnológicos descentralizados – ou seja, não há um banco central ou uma autoridade monetária responsável pela emissão, controle e fiscalização da moeda. Na prática, um bitcoin (ou uma fração dele) é uma chave (formada por um conjunto de caracteres) que pode ser confirmada por uma rede dedicada. E o que isso tem a ver com investimentos? Bom, em 2020, bitcoin foi, simplesmente, um dos investimentos mais rentáveis do planeta. O preço disparou mais de 400% e, de acordo com especialistas, deve continuar em rota de valorização nos próximos anos. O que motiva tanta valorização? Em primeiro lugar, o bitcoin é um ativo escasso (só há 21 milhões de unidades). Em termos de risco de inflação em alta, um ativo escasso deflacionário é muito buscado. Em segundo lugar, o bitcoin pode se tornar uma reserva de valor, uma espécie de lastro universal (assim como o ouro – por isso, muitos chamam o bitcoin de “ouro digital”), um ativo com a característica de reter valor em momentos de crise. Além disso, grandes investidores, empresas e até governos estão acumulando cada vez mais bitcoins, o que traz credibilidade para a moeda digital e incentiva que mais pessoas invistam. Tudo isso pode fazer com que valorize ainda mais no futuro. Mas nem tudo são flores: é um ativo de altíssimo risco e pode fazer você perder dinheiro caso não se prepare financeiramente. Para investir em bitcoin, duas perguntas precisam ser respondidas afirmativamente: 1) em caso de perda, seu patrimônio não corre riscos?; 2) você pode manter o seu investimento em bitcoin por, no mínimo, três anos? Caso a resposta seja “sim” para as duas perguntas, vale a pena considerar alocar parte do seu capital em bitcoin como estratégia de diversificação. Resumo: bitcoin é uma moeda digital descentralizada e com alto potencial de valorização no longo prazo. Como comprar: por meio de uma corretora de criptomoedas Risco: altíssimo n (*) Bernardo Pascowitch é empreendedor, fundador do buscador de investimentos Yubb e faz um balanço diário da movimentação da bolsa na Poder Online (revistapoder.com.br) e em seu canal no YouTube. @bernardopascowitch

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REDE SOCIAL

INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA G10 das Favelas anuncia a criação de banco para fornecer apoio financeiro e fomentar a economia local das comunidades POR ANNA LAURA MOURA

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“Os territórios informais não se encaixam nos processos burocráticos. Queremos democratizar o acesso ao crédito bancário” Queremos democratizar o acesso ao crédito bancário”, resume. De acordo com levantamento feito pelo Sebrae em parceria com a FGV entre mil entrevistados, as mulheres negras representam o maior número de empresas com as atividades interrompidas por conta da pandemia. Para Rodrigues, atividades econômicas promovidas por meio de créditos bancários auxiliam na manutenção do sexismo e do racismo. “Essa estrutura marginaliza a população empreendedora de favela, colocando essas pessoas em posição de desigualdade”, contesta. “O novo normal é, na verdade, o agravamento da fome e do desemprego.” Desde já, a iniciativa do G10 Bank tem sido bem recebida pelos moradores, uma vez que 33% dos lucros serão distribuídos para as ações sociais locais – quem não obtiver condições para empreender poderá ter acesso aos ganhos que o banco independente oferecerá.

Gilson Rodrigues: “prefeito” de Paraisópolis e criador do G10 Bank

Para Rodrigues, a população brasileira não considera que a favela pretenda construir um banco próprio. Por isso, o projeto é visto com desconfiança por quem mora fora das comunidades periféricas. “Se fosse um homem branco morador do bairro dos Jardins, tenho certeza que os olhares desconfiados não existiriam”, aponta. Apesar das dificuldades, o CEO acredita que a periferia tem se mostrado articulada e engajada em políticas públicas, papel social que deveria ser, de início, dos bancos tradicionais. “São 14 milhões de brasileiros favelados que precisam de apoio financeiro e estamos prontos para essa transformação.” n

FOTOS CAIO CACIPORE/DIVULGAÇÃO; JOSÉ BARBOSA/DIVULGAÇÃO

egundo pesquisa do Outdoor Social, levantamento com enfoque no potencial de consumo das periferias, as dez maiores favelas do Brasil juntas faturam no comércio interno cerca de R$ 7 bilhões – só a Rocinha (RJ) movimenta R$ 1,07 bilhão. Pensando nisso o G10 das Favelas, grupo das principais comunidades do país, decidiu criar o G10 Bank Participações, instituição financeira que surge com a promessa de ser uma rede de apoio a pequenos e micronegócios locais, fomentando empreendedores que em sua maioria se encontram com difícil acesso ao crédito. A iniciativa nasce com capital de R$ 1,8 milhão obtido com investidores e pretende chegar a R$ 20 milhões em uma segunda rodada de captação. A urgência de projetos desse tipo encontra 46 milhões de brasileiros sem recursos bancários. “Boa parte dessas pessoas sonha em empreender, mas quando consegue acessar esse serviço é de maneira abusiva e com taxas altíssimas”, diz Gilson Rodrigues, coordenador nacional do G10 das Favelas e CEO do G10 Bank. Além disso, ele explica, a burocracia é excludente, uma vez que muitos moradores de favela não possuem endereço, CEP ou condições para comprovar sua existência. “Esses territórios informais não se encaixam nos processos burocráticos.


OPINIÃO

O QUE MUDA QUANDO

UMA MULHER NEGRA SE TORNA MEMBRO DE UM CONSELHO?

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POR LISIANE LEMOS

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uando falamos de diversidade e equidade dentro das empresas, significa que estamos buscando por um ambiente e uma cultura mais ricos de opiniões e vivências, consequentemente mais inovador e frutífero sob uma ótica financeira, como traz a pesquisa Diversity Matters, desenvolvida pela McKinsey & Co. A proposta não é uma novidade quando se trata de mulheres. Há décadas, estamos galgando espaço nos mais diferentes níveis e ecossistemas do mundo corporativo, mas, ao olharmos especificamente para as mulheres negras, sabemos que muito ainda precisa ser feito. E muitas de nós temos nos movimentado para mudar essa realidade, com o propósito de impactar cada vez mais mulheres, mulheres negras e a população em geral. Empresas com mulheres em seu conselho possuem um maior componente de diversidade para a tomada de decisões relevantes. Quanto maior a uniformidade de pensamento em um conselho, maior a probabilidade de uma decisão equivocada, que leve em conta visões parciais do problema ou situação – o conhecido problema do Groupthink. É fundamental que o conselho conheça realidades diferentes, como a de mulheres negras, e, para isso, a palavra de ordem é representatividade. Da base ao topo. Mas estamos sendo consideradas para todos os cargos disponíveis na empresa? O fato é que hoje a média de mulheres nos conselhos de administração das 100 maiores empresas listadas na bolsa ainda é de ínfimos 10%. Nesse contexto, iniciativas como a que cocriamos, o Conselheira 101, programa focado na inclusão de mulheres negras nos conselhos, fortalecem o movimento em prol da equidade na governança corporativa. As participantes escolhidas a partir de expertises e experiências profissionais ne-

cessárias para ocupar as diferentes cadeiras nos conselhos provam que existem, sim, profissionais preparadas e o que falta são os conselhos expandirem o network para conhecê-las. O programa também propõe congregar mulheres brancas em conselhos e/ou posições de liderança com negras que estão nessa jornada, evidenciando que a luta é da sociedade. Sendo uma grande conquista que essas profissionais trabalhem juntas por um objetivo maior. Com o assunto em pauta e o surgimento de oportunidades, mulheres negras estão ganhando visibilidade, fortalecendo a autoestima e ocupando espaços. Temos outros exemplos para a história do país, como a recente nomeação de Rachel Maia para o conselho de administração do Grupo Soma, dono das marcas Farm e Animale, e que já há alguns anos atua como presidente do Conselho Consultivo do Unicef; Cristina Pinho, conselheira da Ocyan; e Solange Sobral, recentemente nomeada para o Conselho de Administração da Unidas. A mudança não ocorrerá do dia para a noite, mas já é possível criar um futuro mais diverso, com mulheres no poder, reconhecendo a importância que têm para o mercado, para os conselhos, organizações, para a sociedade em geral e para a história deste país, em um momento em que se fala cada vez mais de profissionais com habilidades de pensar o futuro. n Lisiane Lemos é uma das fundadoras do Conselheira 101, programa que incentiva à presença de mulheres negras em conselhos de administração. Marienne Coutinho, Ana Paula Pessoa, Graciema Bertoletti, Elisangela Almeida e Leila Loria, cofundadoras da iniciativa, colaboraram para o artigo

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ALMA VERDE

FOTO FREEPIK

REFUGIADOS DO CLIMA

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Chega de chamar a crise climática de problema ambiental. Trata-se de uma questão social. Até 2050, o aumento do nível do mar e fortes tempestades poderão causar deslocamentos em massa de 140 milhões de pessoas POR FABIO ALPEROWITCH

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amos combinar? Olha quanto problema de comunicação em um assunto tão sério... Inicialmente a “crise climática” era chamada de “aquecimento global”, que, ainda que seja cientificamente correto, foi uma péssima ideia. Para aqueles que vivem no gélido Hemisfério Norte, um clima um pouco mais quentinho seria até mesmo desejável. Ao mesmo tempo, eventos de frio intenso, como recentemente observamos no Texas e que paradoxalmente são causados pelo aquecimento do planeta, acabam por dar combustível aos negacionistas de plantão para questionarem a ciência. O segundo ponto a ser observado é a questão semântica, de sujeito e de tempo verbal. Durante anos tratou-se a questão como se fosse uma preocupação futura: “Se não agirmos agora, o planeta não sobreviverá no futuro”. Errado. O planeta sobreviverá. Quem não irá sobreviver somos

nós: quando se trata do “planeta”, leva-se a uma impessoalidade e deixa de ser um problema nosso. E, sobre a questão de futuro, outro erro. Futuro é um termo abstrato. As pessoas tendem a não se preocupar com algo que seja tão longínquo. A crise climática, se não endereçada, trará profundas mudanças à vida na Terra em 2100, ano em que meus quatro filhos estarão vivos. Então é problema meu. E seu. Contudo, o ponto mais relevante é seguir classificando a crise climática como um problema ambiental... Trata-se de um distúrbio muito mais social do que ambiental e deve ser tratado co-

ficit alimentar mundial, necessitando de mais calorias do que o planeta é capaz de produzir. Teríamos, nesse cenário, que lidar com as consequências sociais de um mundo com fome. Em 2020, as chuvas torrenciais inundaram um terço de Bangladesh, causando a necessidade de deslocamento de mais de 2 milhões de pessoas e matando mais de uma centena. Essa foi uma pequena demonstração da consequência social da elevação do nível dos mares em função das mudanças climáticas. Dependendo do cenário, falase em uma elevação de 1 a 2 metros no nível do mar até o fim do

“Tratou-se a questão como preocupação futura (...) O planeta sobreviverá. Errado. Quem não irá sobreviver somos nós” mo tal. Sem fazer juízo de valor, há muita gente que vê as questões ambientais em segundo plano em relação às sociais e, por isso, dá pouca importância à crise climática, o que é um erro grotesco. Todos os esforços e compromissos que temos observado a partir do Acordo de Paris objetivam que o planeta aqueça “apenas” 1,5 grau Celsius, cenário que tem se mostrado cada vez mais desafiador. Na hipótese de o planeta aquecer 4 graus, por exemplo, a produção americana de grãos poderia cair pela metade. China, Argentina e Brasil perderiam 20% de sua safra. Poderíamos, eventualmente, nos encontrar em um dé-

século, impactando severamente populações em todo o globo. No livro The Water Will Come, o autor Jeff Goodell chega a afirmar que nações inteiras, como Maldivas e Ilhas Marshall, a maior parte de Bangladesh, toda Miami Beach, a Basílica de São Marcos de Veneza e a Casa Branca, sede do governo americano, submergirão se nada for feito. Na hipótese de Goodell ter razão, a perda da basílica ou da Casa Branca são icônicas, mas há de se considerar que Bangladesh tem uma população de 160 milhões de pessoas. Como resolver essa questão? Não paramos por aí. Muito se PODER JOYCE PASCOWITCH 57


debate acerca das consequências sociais na Europa oriundas dos refugiados sírios, que fogem de seu país por conta dos conflitos causados pela guerra, provocando mudanças na relação de emprego e moradia, e levando a xenofobia e islamofobia. Importante pontuar: a Europa recebeu cerca de 1 milhão de refugiados sírios. Segundo um estudo do Banco Mundial, se nada for feito até 2050, as estimativas são de 143 milhões de refugiados do clima,

sendo a maioria da África Subsaariana, cerca de um terço do sul da Ásia e o restante da América Latina. Relevante ainda ressaltar: se 1 milhão de refugiados sírios trouxeram impactos sociais à Europa, como lidaremos com uma questão 150 vezes maior? O ponto principal aqui não é aterse aos números. Pouco importa debater qual percentual da produção de grãos será perdida a partir da mudança climática, quais populações serão submersas ou qual a estimati-

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va correta de refugiados do clima. O cerne da questão é passarmos, de uma vez por todas, a entender que este é um gravíssimo e urgente problema social que, infelizmente, não tem solução possível se for atacado tarde demais. Toda essa cobertura midiática que tem sido feita em torno da questão não é mimimi. Ao contrário, é até suave demais. Não há tempo. n

Fabio Alperowitch é cofundador e portfolio manager da Fama Investimentos

FOTOS GETTY IMAGES; DIVULGAÇÃO

Em 2020, chuvas torrenciais inundaram um terço de Bangladesh (ao lado), deslocando 2 milhões de pessoas; na Síria a guerra civil motivou milhões de cidadãos a deixarem o país (abaixo); no destaque, o livro The Water Will Come, que prevê nações inteiras sob as águas se metas de redução de emissão de carbono não forem cumpridas


OPINIÃO

SABER SE VENDER É ESSENCIAL POR CAROLINA DOSTAL

ILUSTRAÇÃO GETTY IMAGES

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á aconteceu de conhecer profissionais que fazem a mesma coisa que você, mas por “se venderem bem”, trabalharem seu marketing pessoal, acabaram ficando com as melhores vagas, conseguindo promoções e destaques em suas carreiras? A fórmula desse sucesso é muito simples. Essas pessoas, consciente ou inconscientemente, aprenderam a unir dois conceitos bem básicos: personal branding + marketing pessoal. Personal branding tem a ver com tudo que você oferece de valor para o mundo e o que lhe torna único; enquanto o marketing pessoal tem a ver com estratégias e ações para que você possa se tornar visível, de uma determinada maneira, e para um público específico da sociedade. Nesse contexto, incluímos um ingrediente especial que são as redes sociais, capazes hoje de criar “deuses e demônios”. O crescimento dessas redes tem relação direta com a expansão dos celulares. Hoje, no Brasil, existem mais smartphones (234 milhões) do que gente (210 milhões); e cerca de 99% dos usuários desses aparelhos acessam as redes sociais todos os dias. Esse fenômeno não acontece só aqui e pode ser observado no mundo, já que 3 bilhões de pessoas usam a internet para acessar as redes sociais. Só no LinkedIn, a maior rede social profissional (e a minha rede favorita), existem mais de 722 milhões de usuários no mundo, sendo 47 milhões no Brasil. Todos esses números reafir-

mam a necessidade cada vez maior de inteligência e estratégia para se comunicar bem, sobretudo no meio digital. Por isso, a palavra da moda é “intencionalidade”. Precisamos jogar com os algoritmos. Não tem jeito! Estamos em uma fase mais avançada. Não basta mais apenas “ser”, temos que, principalmente, “aparecer” e o algoritmo das redes também precisa nos detectar. Projetar sua marca pessoal tornou-se uma necessidade caso você não queria “virar pó” e cair no esquecimento profissional. A construção dessa marca pessoal pode ser trabalhada de diversas maneiras, mas, primeiramente, através da geração de conteúdo genuíno sobre sua área de atuação. Em paralelo, também é importante que a comunicação não seja de mão única, como explica o economista Ricardo Amorim: “Além de falar, as marcas têm de ouvir. Nas redes sociais, as pessoas não querem apenas falar com marcas, querem conversar com pessoas que representem essas marcas”. Isso significa que precisamos nos dedicar a interagir, tanto quanto

deixar nossas próprias impressões. Um perfil bem trabalhado no LinkedIn é uma ótima forma de começar a trabalhar sua marca pessoal e, consequentemente, sua carreira – seja como empresário, herdeiro, executivo ou empreendedor. O que importa é começar logo! A criação de marca é o que mais gera valor ao seu produto, negócio ou serviço. E, como defende o investidor Warren Buffett, é o que te protege em relação à rentabilidade, pois as pessoas estão dispostas a pagar mais por uma marca que represente algo. Se você buscar seu nome no Google, vai ficar feliz com os resultados? Se a resposta for não, é importante dedicar parte do seu tempo para mudar esse cenário ou contratar alguém para te ajudar com isso. Mas não deixe de fazer! Como diz Jeff Bezos, “sua marca pessoal é o que as pessoas dizem sobre você, quando você não está na sala”. n Carolina Dostal é professora de marketing e estratégias da ESPM, especialista em elaboração e remodelagem de perfil LinkdeIn para profissionais de diversos setores ajudando-os a se destacar na maior rede profissional do mundo

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RESPIRO

Dentre as virtudes do documentário AmarElo, do rapper Emicida, está a de apresentar lideranças que muitos desconheciam. Como a historiadora e filósofa LÉLIA GONZALEZ (1935-1994). Com atuação nas discussões da Constituição de 1988 e na fundação do PT (que depois trocaria pelo PDT), essa mineira de Belo Horizonte que se radicou no Rio precisou ser doméstica para, depois, se formar na universidade. Lélia fez do ativismo racial e da emancipação feminina suas principais bandeiras, incluiu o candomblé no caldo e encontrou o caráter multirracial da mulher latino-americana. É reverenciada pela icônica ativista Angela Davis, que disse, em 2019, quando veio ao Brasil: “Por que vocês precisam buscar uma referência nos Estados Unidos? Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês comigo”.

FOTO ALBERTO JACOB/AGÊNCIA O GLOBO

SABER



VERSÁTIL

ARTISTA MUTANTE

Um dos grandes nomes do movimento neoconcretista, Lygia Pape cravou sua marca na arte brasileira com uma produção singular e uma busca constante por novos caminhos

A

POR ANA ELISA MEYER

o longo das décadas de 1940 e 1950, o Brasil vivenciou um clima considerado revolucionário na literatura, artes plásticas, arquitetura e urbanismo. Naquela década foram inauguradas instituições centrais para a vida cultural do país: o Museu de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro, além do início da Bienal Internacional de São Paulo. A jovem Lygia Pape foi uma das protagonistas dessa intensa e promissora modernização. Nascida no Rio de Janeiro em 1927, a gravadora, escultura, pintora, designer, cineasta e docente participou do Grupo Frente – movimento construtivo das artes plásticas no Brasil criado em 1954 e que tinha como liderança o carioca Ivan Serpa, um dos precursores da abstração geométrica no Brasil –, juntamente com artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark. O grupo, na sua maioria formado por alunos ou ex-alunos de Serpa nos cursos que ministrava no MAM do Rio de Janeiro, se caracterizava pelo emprego da linguagem geométrica como um campo aberto à experimentação, rejeitando a pintura modernista brasileira de caráter figurativo e nacionalista. No período em que participou do Frente, a artista produziu uma série de pinturas e relevos com desenhos de linhas exatas inscritas em campos brancos, que confirmavam seu entusiasmo pelo construtivismo soviético. Única gravadora a integrar o grupo, Lygia Pape começou a dedicar-se a xilogravuras e criou, entre 1955 e 1959, a série Tecelares, que foi apresentada nas quatro exposições realizadas pelo Grupo Frente entre 1954 e 1956, e na histórica Exposição Nacional de Arte Concreta – que ocorreu primeiro no MAM de São Paulo, em 1956, e em seguida no do Rio de Janeiro, em 1957. Pouco depois, Lygia abandonou o grupo Frente, juntamente com Oiticica e Lygia Clark, e iniciou o movimento neoconcretista com outros artistas.

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FOTOS REPRODUÇÃO

Lygia Pape em 1990, ao lado da obra Tecelar, de 1957

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NEOCONCRETO

Acima, instalação Divisor, de 1968. Abaixo, a obra Ttéia 1, C, 2002

Em 1959, nova reviravolta, novos projetos e novas linguagens. Posicionados contra a exacerbação racionalista dos concretistas, organizou-se um movimento experimental formalizado no Manifesto Neoconcretista – assinado por Lygia Pape, Ferreira Gullar, Lygia Clark, Amilcar de Castro, Franz Weissmann, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis – e na 1ª Exposição de Arte Neoconcreta no MAM Rio. Movimento de grande importância na cena artística brasileira, o neoconcretismo era formado por artistas que acreditavam que a arte não era apenas um objeto e que seu objetivo seria propiciar uma participação cada vez mais ativa do espectador a partir de obras que possibilitassem a interação por meio dos sentidos. Destaca-se dentre as obras de Lygia Pape duas que acentuam o diálogo com o público: Ovo, de 1967, composta por cubos de madeira envolvidos em um papel colorido muito fino que deveria ser rompido pelas pessoas de forma a propiciar a sensação de nascimento; e Divisor, de 1968, na qual um tecido em forma quadrada, de 20 por 20 metros, repleto de furos distribuídos em toda a extensão, era preenchido pelos visitantes, que colocavam a cabeça nas várias aberturas existentes. Ao longo da década de 1960, período da maior repressão política da ditadura militar no Brasil, a artista produziu objetos e instalações caracterizados pela ironia, pelo humor e pelas críticas sociais e culturais da época com as séries Caixa de Formigas, de 1967, onde criticava o emergente consumismo; Caixa de Baratas, 1967, uma espécie de desaprovação da cultura do bom gosto; e Caixa Brasil, 1968, na qual representou as três grandes etnias nacionais com fios de cabelos de índigenas, negros e brancos em um mesmo compartimento. De volta aos trabalhos que lembram o início de sua carreira, Lygia finalizou aquela que seria uma de suas principais obras, sintetizando todo o seu processo de criação artística, as Ttéias. A concepção teve início em 1977, com seus alunos no Parque Lage, Rio de Janeiro, mas somente no fim da década de 1990 é que a artista passou a realizar diversas versões da peça até sua finalização, em 2002. Elaborada com diversos fios dourados dispostos geometricamente, a obra cria volumes e linhas quase invisíveis no espaço, irradiando reflexos da luz ambiente conforme o espectador se movimenta. Seu diagrama espacial lembra muito a série Tecelares, realizada na época em que fez parte do Grupo Frente. Também em 2002, Lygia apresentou a instalação Carandiru, na qual criou uma cachoeira vermelha na forma do Manto Tupinambá, associando o massacre dos presos ocorrido na penitenciária em 1991 à dizimação do povo indígena. Lygia Pape produziu intensamente até sua morte, em 2004, no Rio de Janeiro. n

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FOTOS REPRODUÇÃO; DIVULGAÇÃO

ÚLTIMAS OBRAS


CINEMA NOVO

Após a ruptura do grupo neoconcreto, em 1963, Lygia começou uma nova vertente de trabalho ao colaborar com o cinema novo. Além de iniciar sua carreira como diretora de cinema – realizou diversos filmes entre 1967 e 1976 –, criou os cartazes e as aberturas de filmes clássicos do movimento experimental brasileiro como Mandacaru Vermelho (1961) e Vidas Secas (1963), ambos do diretor Nelson Pereira dos Santos, e do memorável – tanto o cartaz como filme – Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha.

DESIGNER

A partir de 1960, Lygia atuou como designer na empresa de alimentos carioca Piraquê, onde criou toda a identidade da marca – desde as embalagens dos biscoitos, massas, salgadinhos e logomarca, que se tornaram clássicas como as das bolachas Maizena e Maria. Lá também desenvolveu um novo conceito para o empacotamento dos produtos ao criar um método próprio de cortar e colar o papel, elaborando embalagens no formato de cada bolacha, como cilindros, ovais e quadradas. Esse método é usado até hoje por diversas empresas do setor no Brasil e no exterior.

CONSUMO

BRINCO Antonio Bernardo R$ 25.180 antoniobernardo .com.br

POR ANA ELISA MEYER

CADEIRA Geraldo de Barros na Dpot preço sob consulta dpot.com

BOLSA Salvatore Ferragamo no Iguatemi 365 R$ 9.290 Iguatemi365. com

SAPATO Dior preço sob consulta dior.com

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VIAGEM

IRÃ

ALÉM DOS VÉUS

Complexa e exuberante, a antiga Pérsia é o país dos lindos jardins, dos povoados encantadores e da constante luta feminina pela conquista de seus direitos TEXTO E FOTOS LUCILLE KANZAWA

O

avião ainda estava no ar quando todas as mulheres começaram a colocar um lenço na cabeça, pouco antes de pousarmos na capital Teerã. Assim, com esse adereço obrigatório, desembarquei no Irã. E fui além. Despida de preconceitos, usei um chador nos primeiros dias, preparada para visitar Qom, uma das cidades mais conservadoras e religiosas do país. Em busca de novas experiências, acompanhei a colheita da rosa damascena, ou rosa de Maomé, em Qamsar, participei de duas festas de noivado, almocei na casa de uma família iraniana e hospedei-me em antigos caravançarais. Foram cerca de 7 mil quilômetros por terra, atravessando montanhas, deserto, um lago rosado, campos floridos e pequenos povoados. Visitei cavernas ainda habitadas, em Meymand, um cânion pouco explorado, no Vale do Rageh, e conheci os destinos clássicos do país: Teerã, Kashan, Yazd, Kerman, Shiraz, Persépolis, Pasárgada, Isfahan e Abyaneh. O Irã dos véus e dos espelhos, dos aiatolás, tão cheio de complexidades e carregado de estereótipos, é também o país dos piqueniques, dos belos jardins persas, da arquitetura esplendorosa e repleta de detalhes. Mas, acima de tudo, é o lar de um dos povos mais cultos, acolhedores e apaixonantes que já conheci. n


Em sentido horário, a partir da foto à dir.: Abyaneh, a “cidade vermelha”, é um dos vilarejos mais antigos do Irã; Arg-é Bam, Patrimônio Mundial da Unesco, já foi a maior cidadela de adobe do mundo, mas, em 2003, um terremoto destruiu 80% da fortaleza; estudantes no Palácio Shahvand (Palácio Verde), no complexo de Sadabade, em Teerã (elas ocupam 60% das vagas nas universidades); colheita da rosa damascena, em Qamsar (também conhecida como rosa de Maomé, é a flor símbolo do Irã); e detalhes de azulejo na mesquita Jameh, em Yazd (“Jameh” significa “sexta-feira” e é o domingo dos muçulmanos, dia das orações mais sagradas).

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Em sentido horário, a partir da foto no alto: castelo de Narin, na cidade de adobe de Meybod, no meio do deserto; Bagh-e Fin, em Kashan (considerado um dos jardins persas mais antigos do país, construído durante o reinado do Shah Abbas I, no século 16); em Meymand, listada como Patrimônio Mundial da Unesco, um vilarejo pré-histórico com cavernas trogloditas ainda habitadas (de acordo com descobertas arqueológicas, ela tem uns 12 mil anos, mas dizem ser continuamente habitada há 2 mil - 3 mil anos); por fim, Hammam-e Sultan Mir Ahmad, em Kashan, uma antiga casa de banho público do século 16, hoje desativada.

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PODER VIAJA POR ADRIANA NAZARIAN

VERDE À VISTA

Os hotelmaníacos comemoram a chegada do Six Senses ao Brasil. Conhecido por sua proposta wellness, o grupo assumiu o antigo Botanique, refúgio cinematográfico escondido entre as montanhas da Serra da Mantiqueira, e promete uma série de novidades. Além de ganhar 14 novas vilas, todas construídas com o mínimo de impacto possível ao entorno, o local terá residências para aproveitar o serviço do hotel. Na área gastronômica, prepare-se: o restaurante oferece um menu de sete tempos focado no conceito farm to table e o lobby agora tem um bar com drinques preparados com probióticos caseiros, tônicas homemade e temperos colhidos na horta. O spa também deve aumentar, mas já é possível passar horas no novo Alchemy Bar, misturando ervas, sais, frutas e outros ingredientes locais para fazer esfoliantes e máscaras. Para coroar, experiências como picnic no meio da mata e aula de capoeira estão entre os planos em solo brasileiro. +SIXSENSES.COM

Quando chegar a vez de desembarcar em Nova York novamente – que seja logo! –, vale garantir o seu lugar no Backroom by ODO. Mas, atenção: sob o comando do chef Hiroki Odo, o bar fica em uma penthouse no Greenwich Village e só abre às quintas. No cardápio, raros uísques japoneses da House of Suntory – incluindo alguns do próprio Odo – para serem degustados com uma seleção nada óbvia de comidinhas com tempero asiático.

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FOTOS DIVULGAÇÃO

R.S.V.P.


COLEÇÃO

Os entusiastas de Paris não veem a hora de conhecer o novo Bourse de Commerce, que em breve abrigará um centro cultural capitaneado pelo bilionário François Pinault – presidente da holding que detém marcas como Saint Laurent e Gucci. Afinal, já faz alguns anos que o arquiteto Tadao Ando foi chamado para transformar o prédio icônico, construído no século 18 para abrigar o silo do mercado de trigo e cereais de Paris. O local, que também terá um restaurante comandado pela dupla Michel e Sébastien Bras, irá abrigar grande parte da coleção de arte de Pinault, considerada uma das mais importantes do mundo. Em tempo: o francês tem outros dois museus em Veneza, o Palazzo Grassi e o Punta della Dogana. +BOURSEDECOMMERCE.FR

BASE NATUREZA

Bastam poucos minutos de Manhattan para se chegar à Catskills, destino montanhoso que tem se mostrado o refúgio favorito dos new yorkers. E é ali, na cidadezinha de Bethel, que fica um espaço delicioso previsto para ser inaugurado em abril. Entre um lago e pinheiros a perder de vista, o Chatwal Lodge é uma espécie de cottage supercharmoso para quem busca um respiro na natureza no melhor estilo american way of life. Serão apenas dez suítes, uma casa na árvore, uma cabana estilo glamping e restaurante farm to table com delícias colhidas no próprio jardim +THECHATWALLODGE.COM

FAIXA DE AREIA

A começar pela sua localização, um terreno pé na areia entre as praias de Jurerê Internacional e do Forte, em Florianópolis, vale prestar atenção no novo Fuso Concep Hotel. O projeto aposta no design contemporâneo para oferecer aos hóspedes uma temporada em clima de privacidade. São 13 bangalôs com janelões de vidro, que aproveitam a vista panorâmica para o mar e para a copa de árvores nativas da região – o paisagismo é assinado por Alex Hanazaki. Entre os destaques, o terraço perfeito para drinques no pôr do sol e as experiências customizadas como degustação de ostras e aulas de ioga. Em breve o endereço deve ganhar o spa Gaya, com terapias à base de óleos e plantas naturais, além de produtos da francesa Biologique Recherche. +FUSOHOTEL.COM.BR

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SOB MEDIDA POR DADO ABREU ONDE E QUANDO É MAIS FELIZ:

No amanhecer! Acordar e saber que tenho um novo dia. MOMENTO DE MAU HUMOR: Observando a falta de solidariedade das pessoas. MEDO: Ignorância humana. DEFEITO: Tentar encontrar lógica em tudo. PESSOA QUE TE INSPIRA: Minha mãe, Glauce Milhazes. LUGAR INESQUECÍVEL NO MUNDO:

Rio de Janeiro. Max Hetzler Gallery, Pace Gallery e White Cube Gallery. E, no Brasil, Fortes D’Aloia & Gabriel, em São Paulo, e Carpintaria, no Rio de Janeiro. MELHOR HORA DO DIA: Manhã. UM HOBBY: Ócio. MESTRE: Todas as pessoas que têm inteligência para viver. QUEM VOCÊ GOSTARIA DE SER: Sou feliz comigo mesma. UMA DESCOBERTA RECENTE: Circuitos de caminhadas pelos bairros próximos. O QUE TE PREOCUPA: A indiferença humana. O QUE FARIA SE FICASSE INVISÍVEL POR ALGUNS MINUTOS: Eu gosto de ser visível. SER BEM-SUCEDIDO É: Poder ter qualidade

de vida. VIVER DE ARTE NO BRASIL É: Um desafio. A PRIMEIRA COISA QUE FAZ QUANDO CHEGA AO ATELIÊ: Observo se tudo está ok e me preparo

para o trabalho. EM QUE MOMENTO SURGEM SUAS MELHORES IDEIAS: Prefiro a tarde para o trabalho artístico e

para tomar importantes decisões. TALENTO QUE NINGUÉM CONHECE: Nem eu... FRASE PREFERIDA: “A sua liberdade termina

quando a do outro se inicia”. COMO DEFINE O BRASIL ATUAL: Brasil é para

profissionais, não para amadores. O MELHOR DO PAÍS: A capacidade de

BEATRIZ MILHAZES

Conhecida por suas pinturas, gravuras, colagens e esculturas, é uma das mais bem-sucedidas e valorizadas artistas de sua geração – a tela Meu Limão, por exemplo, foi arrematada por US$ 2,1 milhões. No Masp e simultaneamente no Itaú Cultural, a maior exposição já dedicada à sua obra está em cartaz com cerca de 170 peças, 13 delas inéditas. Beatriz Milhazes: Avenida Paulista também pode ser conferida virtualmente e segue até 31 de maio

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se reinventar. COMO SOBREVIVER À PANDEMIA: Usando

máscara, álcool em gel e seguindo o distanciamento social possível. DESEJO PARA O FUTURO: Que este momento da pandemia traga boas reflexões sobre a convivência humana. O QUE FALTA REALIZAR NA VIDA: Tenho muitas coisas que quero realizar, espero ter tempo.

FOTOS CHRISTIAN GAUL/CORTESIA BEATRIZ MILHAZES; GETTY IMAGES; ARQUIVO NACIONAL; FREEPIK; DIVULGAÇÃO

TRÊS GALERIAS NO MUNDO PARA CONHECER JÁ:


UMA MÚSICA: “Tosca”, de Giacomo Puccini.

ARTISTA QUE TODOS DEVERIAM CONHECER: Hélio Oiticica.

MANIA:

Nutrição.

NÃO PODE FALTAR NO CAFÉ DA MANHÃ:

PEÇA DE ROUPA PREFERIDA: Vestido.

Café forte com leite pingado.

A peça mais completa e prática que existe. Muito feminina. PECADO GASTRONÔMICO:

Pasta de amendoim.

UM FILME:

Noviça Rebelde, de Robert Wise. VÍCIO: Rio de Janeiro. A GRANDE OBRA DA SUA VIDA:

Ser feliz.

UM LIVRO: Irmã Dulce A ÚLTIMA COISA QUE COMPREI FOI: Máscaras

cirúrgicas com cores.

dos Pobres, de Maria Rita Pontes. QUALIDADE:

Generosidade.

SONHO DE INFÂNCIA: Minhas férias em Paraty com a família.


HIGH-TECH Aparelhos de TV ultratecnológicos, sistemas de som 3D dignos de estúdio de gravação e um frigobar que vai até você. Prepare a pipoca porque o cinema em casa 5.0 já vai começar

SUPERTELA

Não é apenas uma smart TV de 110 polegadas. A MicroLED pode ser considerada o auge dos televisores. Para começar, ela não tem moldura nem bordas. Como se não bastasse, tem unidades de iluminação tão pequenas que conseguem iluminar individualmente cada pixel da tela e um processador poderoso para corresponder às capacidades de exibição. Com tudo isso a MicroLED 110 é capaz de expressar cores impressionantes e realistas com brilho preciso e resolução 4K em tela com 8 milhões de pixels. PREÇO SOB CONSULTA SAMSUNG.COM

ESTÚDIO DE GRAVAÇÃO

Para quem quer um som verdadeiramente premium, o Klipsch Heritage Theater Bar oferece uma experiência de áudio de altíssima fidelidade. Sua única caixa é capaz de emitir o desempenho sônico de um sistema de três altofalantes. De fácil instalação, o equipamento é feito à mão e tem acabamento em folheado de madeira – American Walnut e Satin Black Ash. Para completar, seus tweeters Linear Travel Suspension Titanium e a tecnologia Tractrix Horn-Loaded oferecem resposta e extensão acústica de nível profissional. Para transformar sua sala em um estúdio de gravação. R$ 1.600 TARGUS.COM

LUZ PRÓPRIA

Esta TV 8K HDR de 75 polegadas é equipada com iluminação backlight Full Array LED que oferece imagens mais realistas. Outro ponto de destaque é o sistema Acoustic Multi-Audio, que traz uma montagem diferenciada dos altofalantes e proporciona potência e som mais imersivo. Segundo a Sony, com a nova tecnologia Ambiente Optimization, a XBR-75Z8H consegue escolher automaticamente os melhores ajustes de som e imagem para cada tipo de ambiente. R$ 29.999 SONY.COM.BR

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* PREÇOS PESQUISADOS EM FEVEREIRO, SUJEITOS A ALTERAÇÕES .

SALA VIP

FOTOS DIVULGAÇÃO

POR FERNANDA BOTTONI


PROJETOR PREMIERE

O The Premiere é um projetor oferecido em duas versões, uma capaz de gerar telas de até 120 polegadas e a outra para até 130 polegadas. Ambas têm resolução 4K e recursos similares aos das melhores smart TVs da Samsung. Um detalhe interessante é que o aparelho não precisa de espaço e pode ser deixado bem próximo à parede mesmo quando a intenção é exibir uma tela de grandes proporções. Para 100 polegadas, por exemplo, necessita de apenas 11 centímetros de distância da parede. O aparelho tem qualidade de áudio excepcional. R$ 19.500 SAMSUNG.COM

EXPERIÊNCIA AMPLIFICADA

Este soundbar foi criado para levar para sua casa a experiência sonora das salas de cinema mais modernas do planeta. Seus três alto-falantes frontais, combinados com o processamento exclusivo de sinais da Sony, reproduzem áudio vertical, criando um som surround virtual que parece vir de todos os lados do ambiente. Para completar, com a função Immersive AE (Audio Enhancement) o aparelho pode transformar qualquer áudio estéreo comum em som surround 7.1.2. Ou seja, você terá uma experiência de cinema até para assistir a telejornal. R$ 3.000 SONY.COM.BR

PIPOCA MODERNA

Claro que no cinema não pode faltar... pipoca. E para resolver isso aqui está a Easypop, que prepara aquela delícia viciante e crocante em menos de 3 minutos. O melhor é que se você estiver em uma vibe mais saudável, a pipoqueira pode fazer todo o trabalho de preparar o alimento apenas com ar quente e reduzir os níveis de gordura. Mas, se preferir sentir aquele gostinho a mais, tudo resolvido também. Ela tem uma bandeja para aquecer manteiga e dar ainda mais sabor. Detalhe: todas as peças removíveis são laváveis na máquina de lavar louça.

FRIGOBAR ROBÔ

Se a ideia é ficar estirado na poltrona, a Panasonic tem a geladeira que vai até você. Uma mistura de frigobar com aqueles robôs aspiradores de pó, a Movable Fridge (ou geladeira móvel) funciona por meio de comandos de voz e utiliza uma tecnologia que detecta a luminosidade para definir o percurso sem esbarrar em nada. O eletrodoméstico foi lançado como protótipo e ainda não está disponível para os consumidores. Enquanto isso, não custa sonhar. PANASONIC.COM

R$ 250 CUISINART.COM

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CULTURA INC. POR LUÍS COSTA

DISCUSSÃO DE RELAÇÃO

Um dos escritores italianos mais celebrados da atualidade, Domenico Starnone investiga em romance a delicada relação entre um casal e seus segredos

E

m tempos de refúgio e hiperconvivência durante a pandemia, casais se reaproximaram, outros se afastaram. Nesse estado de intimidade crescente, de distância impossível, a relação se esgarça e segredos escapam. Mas, uma vez ditos, suas repercussões são incontroláveis. Ano passado, Domenico Starnone, um dos mais celebrados escritores italianos contemporâneos, lançou Segredos (Todavia, R$ 59,90), livro que investiga a relação conturbada de um jovem casal: Pietro, professor de literatura na periferia de Roma, e Teresa, sua ex-aluna, agora adulta. Depois de uma briga, eles embarcam em uma aposta arriscada e sem volta: cada um deve contar ao outro

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PODER É

FOTOS LEONARDO CADAMO/DIVULGAÇÃO; DIVULGAÇÃO

seu segredo mais terrível. A narrativa tem o arco de quase cinco décadas: dos anos 1970, quando eles mostram um ao outro seus demônios pouco de antes de romperem, aos dias atuais, quando Teresa é uma cientista de prestígio, e Pietro, já octogenário, um intelectual reconhecido e pai de uma jornalista. O segredo contado na juventude, contudo, agora assombra o velho professor. Dito e silêncio, ego e aparência, identidade e imagem. Segredos in-

vestiga a delicada relação entre um casal e um passado que teima em não ser apagado, a ponto de ameaçar ruir uma reputação longamente construída. O livro é o terceiro de Starnone lançado pela Todavia, depois de Laços (2017) e Assombrações (2018). A título de curiosidade: Domenico Starnone é apontado como o suposto marido de Elena Ferrante, a autora misteriosa da tetralogia napolitana iniciada por A Amiga Genial, cuja identidade é mantida em segredo. Não é certo. Sabe-se que ele é casado com a tradutora italiana Anita Raja. O que não se sabe é se Anita está por trás do pseudônimo de Elena. n

LUTA PELA TERRA Único filme brasileiro na mostra Panorama do Festival de Berlim, A Última Floresta (Luiz Bolognesi) adentra a Floresta Amazônica para contar a história de um xamã Yanomami que tenta manter vivos os espíritos da mata e as tradições de seu povo em meio à chegada de garimpeiros na região. O elenco tem o próprio xamã Davi Kopenawa Yanomami, líder indígena premiado pela ONU por sua luta pela preservação do meio ambiente. VERSOS DO TEMPO Algo Antigo (Companhia das Letras, R$ 49,90), novo livro de Arnaldo Antunes, chega às livrarias com uma seleção de poemas, poemas visuais e fotografias para falar sobre o tempo – o presente e também o passado. Nos versos, o tempo do isolamento da pandemia, o de um noticiário de assombros diários e o de uma política violenta e excludente. MÚSICA PARA CURAR Gal Costa, 75 anos, revisita antigas canções de sua carreira, agora em parceria com jovens e velhos parceiros de estúdio. Nenhuma Dor (Biscoito Fino), disponível nas plataformas digitais, foi concebido e finalizado em 2020, quando Gal, sem gravar e fazer shows, resolveu pela primeira vez tentar a experiência de uma gravação remota com vozes e instrumentos de músicos que admirava, como Rodrigo Amarante, Seu Jorge, Rubel, Silva, Criolo e Jorge Drexler. O IMPÉRIO POR DENTRO House of Cardin é uma imersão na mente de um dos nomes mais celebrados da história da moda. A vida do estilista francês Pierre Cardin, que morreu em dezembro do ano passado aos 98 anos, é revisitada em um documentário que teve acesso exclusivo aos arquivos do seu império, com entrevistas inéditas. O filme está disponível nas plataformas Looke, NOW, Vivo, Microsoft, Google Play e iTunes. PODER JOYCE PASCOWITCH 77


LIVRO

A DOR DE LEMBRAR

Luiz Schwarcz, fundador da Companhia das Letras, lança livro de memórias em que resgata passado de dor da família e narra luta contra a bipolaridade

TERRÁQUEOS SAYAKA MURATA TRAD: RITA KOHL (ESTAÇÃO LIBERDADE)

Depois de se tornar um fenômeno internacional com Querida Konbini, a romancista japonesa narra uma história distópica sobre abuso sexual, a sensação de eterno deslocamento na sociedade e a busca por rotas de fuga. FOTOBIOGRAFIA JOÃO CABRAL DE MELO NETO EUCANAÃ FERRAZ E VALÉRIA LAMEGO (VERSO BRASIL)

O pernambucano era avesso a celebrações biográficas e pedia que não incluíssem a sua foto nas edições de seus livros. Mas ganhou esta esplêndida fotobiografia, organizada por Valéria Lamego e Eucanaã Ferraz, com mais de 500 imagens e até poema inédito.

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dele. Talvez esse silêncio me abalou tanto, por tantos anos, que eu sempre esperava me curar pela ficção”, diz Schwarcz. Ele decidiu escrever a história após um episódio em que a depressão tirou-lhe o ar, no topo de uma montanha, quando esquiava com as netas. “Este livro é sobre a doença, mas também sobre minha infância, minha família, o Holocausto. Porém a depressão é o fio da vida que consegui narrar. Ela certamente não é engrandecedora, e, paradoxalmente, isso me agrada literariamente mais do que os aspectos normais, bem-sucedidos, vitoriosos”, afirma. Com um relato íntimo, o livro recusa a autocelebração e prefere caminhos mais tortuosos, contando episódios de fúria provocados pela bipolaridade e narrando experiências sexuais. “Não quis tratar de nada engrandecedor nas minhas memórias.”

As escolhas literárias do mês pelo editor Paulo Werneck VISTA CHINESA TATIANA SALEM LEVY (TODAVIA)

Uma carioca de classe alta vai até a Floresta da Tijuca para correr. No ponto turístico que dá nome ao livro, é surpreendida por um estuprador. A história aconteceu com uma amiga da autora, que transformou o relato em um livro curto, que se lê com o coração na boca.

NOITE VIRA DIA RICHARD MCGUIRE TRAD: ALICE SANT’ANNA (COMPANHIA DAS LETRINHAS)

O autor da aclamada graphic novel Aqui narra neste álbum infantil com desenhos de encher os olhos as diversas transformações de uma coisa em outra: noite em dia, árvore em papel, papel em notícia, notícia em lixo, lixo em novidade...

+ Conheça a revista dos livros em quatrocincoum.com.br

FOTOS RENATO PARADA/DIVULGAÇÃO; DIVULGAÇÃO

“N

ão sou sócio de nenhum clube de orgulho bipolar”, afirma Luiz Schwarcz, fundador da Companhia das Letras. Aos 65 anos, ele agora revolve o passado da família, marcada por traumas da Segunda Guerra Mundial, para contar uma trajetória de perdas, silêncios e angústias. Em O Ar que Me Falta – História de uma Curta Infância e de uma Longa Depressão (Companhia das Letras), a história de dois refugiados da perseguição nazista que se encontram no Brasil é o mote para um relato pessoal de uma vida com bipolaridade, transtorno mental marcado pela alternância entre períodos de depressão e de euforia. “Um objetivo que tive foi escrever afetivamente, sem julgar e sem simplificar a vida das pessoas. Elas são complexas, contraditórias e no caso dos meus pais, lindas, a seu modo”, diz Schwarcz. Andras, húngaro que escapou de um trem a caminho do campo de extermínio de Bergen-Belsen e não pôde salvar o pai. Mirta, croata que, aos 3 anos, teve de decorar um nome falso, fugiu com a família para a Itália e depois para o Brasil. Filho desse casal, Schwarcz sentiria o peso da culpa que Andras carregava por não ter conseguido evitar a morte do pai. “Eu sempre pensei em escrever sobre o meu pai. Sobre o silêncio


OPINIÃO

ESSÊNCIA FEMININA NO DIREITO POR RENATO OCHMAN ILUSTRAÇÃO MARINA LEME

“O

bom do Juízo Final é que será sem advogados”, dizia Sofocleto, que não era filósofo e sim humorista. Até lá, advogados são necessários. Nos acusam de formais e conservadores, mas por mais que ainda exista espaço para o crescimento das mulheres, o Direito é daqueles campos que já as incorporaram na sua prática, inclusive rompendo tetos de vidro, mas é claro que muito ainda precisa mudar. No Supremo Tribunal não temos seis ou cinco juízas, mas teremos. A história por trás do dia 8 de março como Dia Internacional da Mulher é uma somatória de alguns eventos. Há o caso da greve das mulheres na fábrica em Nova York e o incêndio de 1911, há a manifestação das operárias russas em 1917, da Conferência na Dinamarca e outras. Até que a ONU, apenas em 1975, instituiu a data em homenagem à luta e às conquistas das mulheres. Começou com cumprimentos formais, mas foi se somando a ações mais efetivas, capitaneadas por mulheres corajosas e precursoras, e também por mulheres comuns, cansadas de serem observadas de cima e exigindo um olhar de igual. As primeiras faculdades de Direito no Brasil datam de 1827, em Pernambuco e em São Paulo. Somente em 1897, portanto depois de sete longas décadas, a primeira mulher, Maria Augusta Saraiva, adentrou o prédio

do Largo de São Francisco na capital paulista para assistir a aulas. Ela foi também a primeira mulher a atuar no Tribunal do Júri, mas quando a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) nasceu, em 1930, ela já não advogava mais. Uma pena. No Direito Internacional, Ruth Bader Ginsburg se tornou um ícone. RBG, como ficou conhecida, foi uma das nove mulheres da turma de 500 alunos de Harvard em 1956, seis anos após a universidade ter começado a aceitar alunas. Morta em 2020, era uma personalidade pop nos EUA e no mundo. Um filme e um documentário foram lançados sobre ela em 2018. No longa é divertido o momento em que o reitor da escola, em um jantar

chegar à Suprema Corte, numa trajetória dura, mas inspiradora. As mulheres têm uma ligação especial com seu perfume, diria que são fiéis a ele como são aos seus valores. Talvez seja influência da minha mãe que não podia ver alguém viajando que pedia um Chanel nº. 5. Não era advogada, mas foi marcante. O filme Perfume de Mulher, com momentos deliciosos, mostra que é possível se fazer coisas importantes e difíceis baseadas na intuição. Vejo isso nas mulheres, um acesso mais fácil à intuição, um respeito, uma vontade de ocupar o espaço, de honrar RBG, Maria Augusta, mas principalmente fazerem jus à força e inteligência própria, fundamentais no Direito. Os movimen-

para alunos, pergunta por que elas estão ocupando o lugar de um homem? Uma jovem Ruth ironiza: “Porque quero ser uma ótima esposa e preciso aprender as necessidades de um advogado”. Ela marcou a luta pela igualdade de gênero em seu país e por isso ficou tão conhecida e comoveu as pessoas na sua morte. Foi a segunda a

tos recentes deixam claro que não há mais volta, ainda bem. Que em breve possamos lembrar o dia 8 de março como também o dia em que o mundo deixou de ser machista, e que isso no Direito se consolide antes. n Renato Ochman é advogado, mestre em Direito Societário e autor do livro Vivendo a Negociação

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Livreiros são figuras amáveis, e não apenas por ter seus dias contados diante do avanço inexorável do e-commerce e da Amazon. Eles de alguma forma são capazes de oferecer, alguns mais anarquicamente, outros menos, teasers do enorme saber contido nos muitos livros que passam por suas mãos. LAWRENCE FERLINGHETTI, que morreu em fevereiro, aos 101 anos, foi além. Coube a ele, como editor, publicar o poema Uivo, de Allen Ginsberg, uma das obras seminais da literatura beat junto com On the Road, de Jack Kerouac. Isso talvez até tenha eclipsado sua própria obra, composta por mais de 30 livros, um deles a reunião de poemas A Coney Island of the Mind, que vendeu 1 milhão de exemplares. Ainda tradutor de poesia, crítico de arte e pintor, Ferlinghetti quem sabe seja, no fim das contas, lembrado apenas como livreiro – e talvez ele não se incomodasse com isso. Para quem fez da City Lights, livraria fundada em 1953, uma paisagem literária, um “venue” incontornável da cultura mundial, um lugar que forjou uma geração de literatos e ajudou a definir o caráter de efervescência e inconformidade de uma cidade inteira, essa cidade sendo São Francisco, deve estar mais do que bom.

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MEMÓRIA


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