HIBERNAÇÃO
O ANO QUE NÃO
TERMINOU
Em termos econômicos, 2021 deverá ser um ano sepultado. A avaliação é da economista Zeina Latif, para quem o Brasil deverá patinar no crescimento até encontrar uma liderança capaz de tomar as difíceis decisões que tem pela frente
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POR SERGIO LEO
FOTOS ROBERTO SETTON
a visão da economista Zeina Latif, uma das vozes mais respeitadas do país no debate econômico, temos uma janela estreita para adotar medidas de ajuste na economia e a falta de diagnóstico e estratégia do governo federal deve fazer com que este ano seja desperdiçado. “Não vai ter 2021 no país, vamos direto de 2020 para 2022: estamos respirando os mesmos problemas do ano passado e, daqui a pouco, estaremos respirando 2022”, lamenta. Zeina esteve entre os raros analistas que, desde 2019, na contramão do otimismo mostrado pelos colegas de mercado, vêm apontando com serenidade as falhas e lacunas da política econômica. A economista incomodou muita gente ao insistir em mostrar que os reiterados anúncios do ministro da Economia, Paulo Guedes, careciam de base real. Sem abrir mão de sua independência, deixou no começo do ano passado o posto de economista-chefe da XP Investimentos e hoje atua na Gibraltar Consultoria, de onde vê sua antiga corretora e outros analistas situados na avenida Faria Lima, em São Paulo, unindo-se ao coro de críticas contra a errática e improvisada estratégia econômica do governo de Jair Bolsonaro. Defensora de primeira hora do teto de gastos, Zeina defende que, mesmo com as evidentes ineficiências do instrumento, o governo conseguiu segurar a taxa básica de juros; e insiste na necessidade de uma estratégia mais consistente para evitar que o Brasil continue perdendo espaço no cenário internacional de investimentos. Ela
26 PODER JOYCE PASCOWITCH
não prevê rupturas nem guinadas bruscas até o período de eleições, em 2022. Mas seu diagnóstico é pessimista. O Brasil deve patinar no crescimento enquanto não encontrar uma legítima liderança para tomar as difíceis decisões que tem pela frente, acredita ela. A seguir, os principais trechos da entrevista: PODER: NEM COM TODO O DINHEIRO SOBRANDO NO MERCADO NÓS TEMOS AUMENTO DE INVESTIMENTO NO PAÍS? ZEINA LATIFF: Liquidez é só uma parte da história: decisão
de investimento não é para qualquer ramo de negócio, não é em qualquer setor, nem qualquer país. Ouvi muito e vamos continuar ouvindo raciocínios do tipo: “Os juros lá fora estão negativos, por que o dinheiro não vai vir para cá?”. Ora, é o contrário. O juro fica negativo lá fora exatamente porque as pessoas não querem se arriscar, preferem papéis de países desenvolvidos. Essa é a questão. O Brasil vai ficando para trás e com isso aumenta o custo de se corrigir depois. PODER: E O BRASIL ESTÁ FICANDO PARA TRÁS? ZL: Neste ano vai ficar bem claro novamente que
perdemos market share (fatia de mercado) no investimento direto mundial. A Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) ainda não abriu detalhes, mas um resultado preliminar mostra algo como uma queda de 42% no FDI mundial (Investimento Estrangeiro Direto). Para emergentes a queda é de 12%; no Brasil caiu 51%.