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CULTURA INC
POR LUÍS COSTA
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Em seu segundo filme, Daniela Thomas retrata contradições de elite intelectual dos anos 1990, entre os sonhos da liberdade e a dominação patriarcal
Sexo, política e poder se Nora, vivida pela atriz Drica MoraO Banquete é um híbrido das minhas entrelaçam na mesa de O es. À mesa, um poderoso editor de vivências nos dois lugares, usando Banquete, segundo longa de uma revista comemora seu anivero que há de mais incrível na expeDaniela Thomas. “É um filsário de casamento e vive a expecriência do fazer teatral, que são os me sobre a tragicomédia humana”, tativa de ser preso naquela mesma longos ensaios, o mastigar do texto, sentencia a diretora, que, depois noite, já que publicara uma cartamas mantendo o tom naturalista da de Vazante (2017), filme sobre padenúncia contra o então presideninterpretação mais própria do cinetriarcado e opressão que se passa te do país. Em seu entorno, tipos ma”, observa a diretora. numa fazenda mineira do século irreverentes e desbocados. À mesa estão personagens inspi19, retrata agora dramas pessoais Com uma estrutura dramática rados na literatura e em figuras que e tensões políticas num jantar da entre o teatro e o cinema, O BanDaniela Thomas conheceu na sala de elite paulistana nos anos 1990. quete tem pouquíssimos cortes, casa ainda criança, em Copacabana,
O filme se desenvolve em um com planos-sequência longos, sem no Rio de Janeiro. Filha do cartunisúnico cenário: a sala de jantar de intervalos ou correções. “Acho que ta Ziraldo, então editor de O Pasquim,
MÚSICA
ela cresceu em meio à efervescência de uma geração transgressora.
“Eles eram humanistas acima de tudo, odiavam a arbitrariedade, a truculência e a ignorância dos militares que comandavam o governo do país e desejavam a volta das liberdades democráticas”, lembra Daniela, que explora no filme as contradições desses personagens. “Queriam um país inclusivo, eram muito progressistas. Por outro lado, eram escancaradamente machistas, uma coisa impressionante. Não viam nenhuma contradição no convívio dessas posturas tão díspares.”
Os dois séculos que separam a trama de Vazante e de O Banquete guardam ainda a marca de dominação patriarcal. “Passados 200 anos, a mulher mostrada em O Banquete ainda está numa posição subalterna em relação ao homem. No momento em que se passa a história, esse patriarcalismo está mais velado, escondido sob um manto pseudoprogressista, mas o que eu quis mostrar é que a mulher continua capturada pela lógica masculina, como diz o filósofo [Theodor] Adorno.” n
VIOLÃO ECLÉTICO
Yamandu Costa não gosta de pensar a música instrumental como categoria isolada. “Não tem por que colocar num gueto a música culta que a gente faz”, diz um dos maiores violonistas do mundo, com agenda de shows em quatro países em outubro: Brasil, México, EUA e Japão. Vencedor do último prêmio Petrobras da Música Brasileira nas categorias melhor álbum instrumental (Quebranto, pela Biscoito Fino) e melhor solista, Yamandu conjuga as raízes da música regional gaúcha, que aprendeu ainda menino, com muitas outras influências. “Sou um cara muito curioso. A carreira de músico é muito interessante por isso. Não existe ponto de chegada: você está sempre procurando coisas novas.” O último álbum, parceria com o violinista Ricardo Herz, mistura sons da música gaudéria a xotes e baiões. “É um disco que abraça a cultura brasileira”, afirma.
A BRUTALIDADE QUE NOS DEFINE
Com A Noite da Espera, romance premiado que articula memórias pessoais e história política, o amazonense Milton Hatoum discute a violência de Estado
Milton Hatoum ocupa agora o panteão de laureados com o Prêmio Juca Pato, da União Brasileira de Escritores (UBE), já entregue a nomes como Jorge Amado, Sérgio Buarque de Holanda e Carlos Drummond de Andrade.
“O prêmio pertence aos leitores”, diz esse escritor amazonense de 66 anos que estreou no romance, em 1989, com Relato de um Certo Oriente. Na entrega do prêmio, no fim de setembro, ele fez uma homenagem a Graciliano Ramos, cujo clássico Vidas Secas leu ainda jovem, em Manaus. “Os romances dele sondaram a alma humana e as contradições e tensões sociais numa terra hostil”, diz.
É também nesse cenário de opressão, em que fato e ficção se costuram, que se passa A Noite da Espera (Companhia das Letras), romance que Hatoum lançou no ano passado e que lhe valeu o prêmio da UBE. Primeira de uma trilogia, a trama se passa em uma Brasília entre a ânsia de modernidade redentora e a sombra tétrica de um regime de exceção.
No romance, Martim é um jovem que chega à capital em transe, no fim dos anos 1960. Vindo de Manaus, Hatoum aportou naquela mesma cidade, em 1967, para cursar o secundário. “Há alguns traços autobiográficos: minha vida de estudante em Brasília, a solidão e o desamparo de um garoto de 15 anos num ambiente opressivo”, conta o escritor, que, ao contrário de Martim, morou sozinho na capital da República.
Se há diferenças entre aquele Brasil e o país de hoje, reminiscências da violência de Estado perduram, avalia Hatoum. “Há liberdade na frágil democracia, agora ameaçada pelo obscurantismo. Mas a violência policial, o autoritarismo e o patrimonialismo permanecem intactos”, afirma o escritor, que recorda a brutalidade da Guerra de Canudos, ainda no começo da República, como marca da violência perene do país. “Hoje, o perigo reside no discurso que apela à violência e ao autoritarismo como formas de resolver nossos problemas. São formas falsas e enganadoras. Muita coisa do livro parece atual, mas não pensei nisso em 2007, quando fiz o primeiro esboço do romance.”
Martim não é um militante nem está interessado em política, explica o autor. “O drama interior dele é o silêncio e a possível perda da mãe, que se apaixonou por um artista e se separou do marido. Além disso, a relação do Martim com o pai é tensa e problemática. Tentei escrever um romance de formação de um grupo de jovens, uma história de pais e filhos num momento bruto da vida brasileira.”
A Noite da Espera é o primeiro livro da trilogia O Lugar Mais Sombrio. O segundo está previsto para março ou abril de 2019. A ambiência agora vai se dividir entre São Paulo e Paris, com algumas cenas em Brasília. “Nessa nova tribo paulistana, as personagens já atravessaram uma linha de sombra, que separa a juventude da vida adulta. O romance evoca essa passagem da ingenuidade ao purgatório. Nesse sentido, é um romance da desilusão, das perdas, da derrota”, diz Hatoum. “Mas nada disso exclui o amor, o desejo, o sonho, a imaginação. É essa liberdade que move a vida.”
RAFAEL INÉDITO
Gravuras do ateliê de Rafael Sanzio (1483-1520) trazidas ao Brasil na comitiva de dom João 6º, em 1808, fazem parte da exposição Rafael e a Definição da Beleza, que segue até 16 de dezembro no Centro Cultural Fiesp, em São Paulo. Com curadoria de Elisa Byington, a mostra tenta revelar o que o pintor renascentista italiano, o mais jovem da trindade formada também por Leonardo e Michelangelo, tinha na conta de “belo”.
ESTREIA AOS 67
Aos 67 anos, depois de duas décadas de carreira como compositor, Cézar Mendes assina o primeiro disco, Depois Enfim (Uns Produções). O álbum tem a primeira música composta por Mendes, “Aquele Frevo Axé”, uma parceria com Caetano Veloso de 1997, gravada pela atriz Fernanda Montenegro. Arnaldo Antunes, a fadista portuguesa Carminho e o próprio Caetano estão entre as vozes do disco.
EU ESTOU AQUI
Depois da polêmica envolvendo a seleção da atriz para interpretar Dona Ivone Lara (1922-2018) no teatro – em junho, militantes e grupos ligados ao movimento negro questionaram a escolha de Fabiana Cozza, considerada clara demais para o papel –, o musical Dona Ivone Lara – Um Sorriso Negro, sobre a sambista carioca morta este ano, chega ao palco do Teatro Carlos Gomes, no Rio, onde fica até 25 de novembro. De menina à fase madura, Yvonne Lara da Costa é interpretada por
três atrizes no palco (Dandara Mariana, Heloísa Jorge e Fernanda Jacob). O enfoque é no protagonismo exercido pela compositora na cena do samba, a despeito do tradicional domínio masculino desse ambiente.
CINEMA EM SP
A 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que vai de 18 a 31 de outubro, trará, entre seus destaques, a exibição das cópias restauradas de Pixote, a Lei do Mais Fraco (Hector Babenco, 1980) e Central do Brasil (Walter Salles, 1998). O evento também homenageia o polêmico cineasta dinamarquês Lars von Trier. A Casa que Jack Construiu, longa que causou debandada durante exibição no último Festival de Cannes e que coloca em cena um serial killer, será exibido na programação.